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Por que Saramago caiu tanto no<br />
gosto dos brasileiros enquanto em seu<br />
próprio país vivia às turras por causa<br />
de seus escritos? Em 1992 – ponto<br />
culminante dos entreveros com seus<br />
compatriotas –, O Evangelho Segundo Jesus<br />
Cristo foi excluído <strong>da</strong> lista de concorrentes<br />
ao Prêmio Literário Europeu<br />
pelo subsecretário de Estado <strong>da</strong> Cultura<br />
de Portugal, Sousa Lara. De Portugal<br />
à Itália, passando por Espanha, França<br />
e Alemanha, os jornais manifestaram<br />
perplexi<strong>da</strong>de com o descabimento do<br />
veto que, segundo eles, reeditava a Inquisição<br />
e comprometia as liber<strong>da</strong>des<br />
conquista<strong>da</strong>s pela Revolução dos Cravos,<br />
em 1974. Lara, contudo, mostravase<br />
inflexível: “O livro de Saramago não<br />
representa Portugal”.<br />
Há uma teoria: os brasileiros são<br />
leitores cativos desse expoente <strong>da</strong> moderna<br />
prosa portuguesa, ain<strong>da</strong> que com<br />
traços de um barroquismo ao gosto espanhol,<br />
pelo simples fato de Saramago<br />
ter coragem de expor-se com dúvi<strong>da</strong>s<br />
que costumam consumir todo ser humano<br />
pensante, mas na maioria <strong>da</strong>s<br />
vezes com medo de se expressar. Portugal,<br />
evidentemente, reconciliou-se<br />
com Saramago, e felizmente três anos<br />
36<br />
Saramago passeia ao lado de<br />
alguns amigos escritores.<br />
antes do Nobel de Estocolmo. Prova é<br />
que a mais alta condecoração <strong>da</strong> língua<br />
portuguesa, o Prêmio Camões, lhe foi<br />
concedido em 1995.<br />
Em setembro de 1983, como<br />
jornalista de O Estado de S. Paulo, eu<br />
tive o privilégio de entrevistá-lo sobre<br />
o lançamento do romance <strong>Memorial</strong> do<br />
Convento, no Brasil. E ele se referiu ao<br />
legado que nos acompanha, mas foi<br />
além. “Ao tomarmos consciência do<br />
que somos, ao tentarmos apreender<br />
melhor e definir o tempo em que vivemos,<br />
sentimos uma espécie de on<strong>da</strong><br />
que vem de trás. Quando um homem<br />
se sente tão plural, embora ain<strong>da</strong> confuso,<br />
tenta clarear suas ideias por meio<br />
do que escreve; como eu. E quer dizer<br />
tudo e quer encontrar respostas. E está<br />
perplexo”, ele disse e se definiu.<br />
Saramago praticou essa perplexi<strong>da</strong>de<br />
por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>, levando suas in<strong>da</strong>gações<br />
ao paroxismo de questionar a<br />
tradição, inclusive a religiosa católica, ao<br />
escrever sobre Jesus Cristo, sobre Caim,<br />
sobre o que pode ser feito em nome de<br />
Deus. Por que não in<strong>da</strong>gar?, perguntam<br />
os leitores brasileiros e, certamente, os<br />
de todo o mundo que passaram a respeitar<br />
o autor de Janga<strong>da</strong> de Pedra. Na en-