Revista - Memorial da América Latina
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GOVERNADOR<br />
ALBERTO GOLDMAN<br />
SECRETÁRIO DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS<br />
MARCOS ANTONIO DE ALBUQUERQUE<br />
FUNDAÇÃO MEMORIAL<br />
DA AMÉRICA LATINA<br />
CONSELHO CURADOR<br />
PRESIDENTE<br />
JOSÉ HENRIQUE REIS LOBO<br />
SECRETÁRIO DE CULTURA<br />
JOÃO SAYAD<br />
SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO<br />
LUCIANO SANTOS TAVARES DE ALMEIDA<br />
REITOR DA USP<br />
JOÃO GRANDINO RODAS<br />
REITOR DA UNICAMP<br />
FERNANDO FERREIRA COSTA<br />
REITOR DA UNESP<br />
HERMAN JACOBUS CORNELIS VOORWALD<br />
PRESIDENTE DA FAPESP<br />
CELSO LAFER<br />
ALMINO MONTEIRO ÁLVARES AFFONSO<br />
JOSÉ VICENTE<br />
DIRETORIA EXECUTIVA<br />
DIRETOR PRESIDENTE<br />
FERNANDO LEÇA<br />
DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO<br />
DE ESTUDOS DA AMÉRICA LATINA<br />
ADOLPHO JOSÉ MELFI<br />
DIRETOR DE ATIVIDADES CULTURAIS<br />
FERNANDO CALVOZO<br />
DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO<br />
SÉRGIO JACOMINI<br />
CHEFE DE GABINETE<br />
JOSÉ OSVALDO CIDIN VÁLIO<br />
DIRETOR PRESIDENTE<br />
HUBERT ALQUÈRES<br />
DIRETOR INDUSTRIAL<br />
TEIJI TOMIOKA<br />
DIRETOR FINANCEIRO<br />
CLODOALDO PELISSIONI<br />
DIRETOR DE GESTÃO DE NEGÓCIOS<br />
LUCIA MARIA DAL MEDICO<br />
Número 37<br />
ISSN 0103-6777<br />
REVISTA NOSSA AMÉRICA<br />
DIRETOR<br />
FERNANDO LEÇA<br />
EDITORA EXECUTIVA / DIREÇÃO DE ARTE<br />
LEONOR AMARANTE<br />
COLABORADORA DE EDIÇÃO<br />
ANA CÂNDIDA VESPUCCI<br />
ASSISTENTE DE REDAÇÃO<br />
MÁRCIA FERRAZ<br />
TRADUÇÃO<br />
CLÁUDIA SCHILLING<br />
PRODUÇÃO<br />
HENRIQUE DE ARAUJO<br />
DIAGRAMAÇÃO E ARTE - ESTAGIÁRIOS<br />
LUANA DE ALMEIDA<br />
TOMÁS BITTAR BONANI<br />
REVISÃO - ESTAGIÁRIO<br />
ADRIANO TAKESHI MIYASATO<br />
COLABORARAM NESTE NÚMERO<br />
Adolpho José Melfi , Andrés Martín, Elvira Gentil,<br />
Fernando Calvozo, Iara Venanzi, Joca Reiners<br />
Terron, Marco Aurélio Filgueiras Gomes, Paulo<br />
Mendes <strong>da</strong> Rocha, Ricardo Sennes, Shozo Motoyama,<br />
Tereza de Arru<strong>da</strong>, Tuca Vieira e Verónica<br />
Goyzueta.<br />
CONSELHO EDITORIAL<br />
Aníbal Quijano, Carlos Guilherme Mota, Celso<br />
Lafer, Davi Arrigucci Jr., Eduardo Galeano, Luis<br />
Alberto Romero, Luis Felipe Alencastro, Luis<br />
Fernando Ayerbe, Luiz Gonzaga Belluzzo, Oscar<br />
Niemeyer, Renée Zicman, Ricardo Medrano, Roberto<br />
Retamar, Roberto Romano, Rubens Barbosa,<br />
Ulpiano Bezerra de Menezes.<br />
NOSSA AMÉRICA é uma publicação trimestral<br />
<strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>.<br />
Re<strong>da</strong>ção: Aveni<strong>da</strong> Auro Soares de Moura Andrade,<br />
664 CEP: 01156-001. São Paulo, Brasil.<br />
Tel.: (11) 3823-4669. FAX: (11)3823-4604.<br />
Internet: http://www.memorial.sp.gov.br<br />
Email: publicacao@fmal.com.br.<br />
Os textos são de inteira responsabli<strong>da</strong>de<br />
dos autores, não refl etindo o pensamento<br />
<strong>da</strong> revista. É expressamente proibi<strong>da</strong> a<br />
reprodução, por qualquer meio, do conteúdo<br />
<strong>da</strong> revista.<br />
CAPA<br />
Foto: Iara Venanzi<br />
EDITORIAL<br />
04<br />
DOCUMENTO<br />
06<br />
DIFUSÃO<br />
12<br />
OLHAR<br />
18<br />
ARTES<br />
26<br />
TEATRO<br />
32<br />
DEPOIMENTO<br />
35<br />
CURTAS<br />
40<br />
EXPOSIÇÃO<br />
46<br />
HOMENAGEM<br />
49<br />
HISTÓRIA<br />
52<br />
INTEGRAÇÃO<br />
54<br />
URbANISMO<br />
60<br />
LIvRO<br />
64<br />
POESIA<br />
66<br />
3<br />
FERNANDO LEÇA<br />
ADOLPHO MELFI<br />
SHOZO MOTOYAMA<br />
TEREZA DE ARRUDA<br />
IARA vENANZI<br />
ANDRÉS MARTÍN<br />
ELvIRA GENTIL<br />
FERNANDO CALvOZO<br />
PAULO M. DA ROCHA<br />
JOCA REINERS TERRON<br />
vERÓNICA GOYZUETA<br />
RICARDO SENNES<br />
MARCO AURÉLIO GOMES<br />
LEONOR AMARANTE<br />
ROQUE DALTON MEDAL<br />
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EDITORIAL<br />
Em um ano especialmente significativo,<br />
pela circunstância <strong>da</strong> celebração<br />
de 200 anos <strong>da</strong> independência de vários<br />
países <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, outros eventos<br />
vêm agregar especial significação<br />
e densi<strong>da</strong>de política ao momento atual.<br />
Alguns deles de conteúdo positivo,<br />
como as eleições no Uruguai, em Honduras<br />
e Bolívia (realiza<strong>da</strong>s no ano passado,<br />
com posse dos eleitos neste ano), na<br />
Costa Rica e no Chile, marcando avanços<br />
na consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> democracia na<br />
região. O mesmo ocorrerá no Brasil e na<br />
Colômbia, ganhando relevância o fato<br />
de que a Corte Constitucional deste país<br />
rejeitou a realização de um referendo<br />
que Uribe pretendia levar a efeito para<br />
tentar um terceiro man<strong>da</strong>to. Bendita<br />
Corte que se arrogou o papel de guardiã<br />
<strong>da</strong> democracia colombiana!<br />
Em dramático contraste, os acontecimentos<br />
registrados no Haiti e, mais<br />
recentemente, no Chile, <strong>da</strong> alternância<br />
democrática e contínua prosperi<strong>da</strong>de,<br />
momentaneamente interrompi<strong>da</strong>. Tanto<br />
um quanto outro revelaram, contudo,<br />
uma corrente de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de internacional<br />
que continua a manifestar-se, não<br />
apenas em palavras mas também em<br />
aju<strong>da</strong> concreta, sobretudo ao infelicitado<br />
povo haitiano.<br />
Nesta edição de Nossa <strong>América</strong>, os<br />
leitores saberão por que o Brasil demorou<br />
tanto a criar sua primeira universi<strong>da</strong>de,<br />
fun<strong>da</strong><strong>da</strong> somente no início do século<br />
XX. O fato intriga, uma vez que o Novo<br />
Mundo teve suas três primeiras instituições<br />
ain<strong>da</strong> no século XVI: as de Santo<br />
Domingo, Lima e México. Quem esclarece<br />
são os professores Adolpho José<br />
Melfi e Shozo Motoyama, <strong>da</strong> Universi-<br />
4<br />
<strong>da</strong>de de São Paulo, o primeiro também<br />
diretor do Centro Brasileiro de Estudos<br />
<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>. Outra questão com<br />
viés acadêmico refere-se a dois dos mais<br />
importantes centros de estudos sobre a<br />
<strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, ambos em Berlim, na<br />
Alemanha, em artigo de Tereza de Arru<strong>da</strong>,<br />
historiadora e curadora brasileira,<br />
radica<strong>da</strong> naquele país.<br />
Um olhar especial recai na mais<br />
europeia ci<strong>da</strong>de latino-americana, cujos<br />
cafés dão graça e movimento à paisagem,<br />
conforme captaram as lentes sensíveis<br />
<strong>da</strong> fotógrafa Iara Venanzi. E o Museu<br />
de Belas Artes de Havana, que nos<br />
dá a dimensão <strong>da</strong> riqueza cultural, no<br />
texto de Andrés Martín, coordenador de<br />
exposições do MAM de São Paulo.<br />
O <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong><br />
realizou seu III Festival de Teatro Ibero-<br />
Americano, trazendo dezenas de companhias<br />
e as mais recentes montagens de<br />
destacados grupos teatrais <strong>da</strong> Espanha,<br />
Portugal, Brasil, Argentina, Uruguai,<br />
Cuba, Peru, México e Colômbia. Fernando<br />
Calvozo, diretor do Departamento<br />
de Ativi<strong>da</strong>des Culturais do <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, e Elvira Gentil escrevem<br />
sobre o saldo positivo que o evento tem<br />
deixado no meio teatral. Outro fato a ser<br />
comemorado, a fun<strong>da</strong>ção de Brasília, há<br />
50 anos, traz às páginas de Nossa <strong>América</strong><br />
um dos mais importantes arquitetos brasileiros,<br />
Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha, prestando<br />
um depoimento exclusivo sobre a<br />
importância <strong>da</strong> iniciativa para o cenário<br />
regional. E uma novi<strong>da</strong>de nesta edição:<br />
uma nova seção para tratar de assuntos<br />
variados e curiosos. Chama-se Curtas e<br />
vai percorrer diversos países <strong>da</strong> <strong>América</strong><br />
<strong>Latina</strong> para registrar diferentes temas, de<br />
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FOTOs: reprOduçãO<br />
política, à mo<strong>da</strong>, de economia a costumes,<br />
em textos curtos, mas saborosos.<br />
Em análise de Joca Reiners Terron,<br />
escritor e editor, a morte trágica de<br />
Tomás Eloy Martínez, em janeiro deste<br />
ano, representa o fi m de to<strong>da</strong> uma geração<br />
que consolidou o boom <strong>da</strong> literatura<br />
latino-americana no cenário internacional.<br />
Mas o ano de 2010 é também de<br />
celebrações: vários países latino-americanos<br />
comemoram seu bicentenário de<br />
independência, e na opinião de Verónica<br />
Goyzueta, mestre em educação, arte e<br />
história <strong>da</strong> cultura, o momento é propício<br />
às refl exões sobre passado e futuro.<br />
Como estão neste momento as relações<br />
entre os países latino-americanos<br />
e qual o papel do Brasil nesse processo é<br />
o que conta Ricardo Sennes, professor de<br />
relações internacionais <strong>da</strong> PUC-SP, para<br />
quem defi nir um projeto comum em<br />
uma região de diversi<strong>da</strong>des é um grande<br />
desafi o. Importante também para to<strong>da</strong> a<br />
<strong>América</strong> <strong>Latina</strong> foi o intenso intercâmbio<br />
na área de urbanística que os profi ssionais<br />
experimentaram entre os anos 30 e<br />
60, período de industrialização e desenvolvimento,<br />
conforme aponta Marco<br />
Aurélio de Filgueiras Gomes, professor<br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal <strong>da</strong> Bahia.<br />
Por último, Leonor Amarante,<br />
editora de Nossa <strong>América</strong>, analisa um livro<br />
bem-elaborado e curioso, a Roupa de<br />
Artista – O Vestuário na Obra de Arte, <strong>da</strong><br />
historiadora Cacil<strong>da</strong> Teixeira <strong>da</strong> Costa,<br />
sobre o papel <strong>da</strong> indumentária na expressão<br />
artística. A poesia que encerra<br />
a edição é El Gran Despecho, de Roque<br />
Dalton Me<strong>da</strong>l, jornalista e renomado<br />
poeta salvadorenho.<br />
Boa Leitura !<br />
Fernando Leça<br />
Presidente do <strong>Memorial</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong><br />
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5
6<br />
AMÉRICA HISPÂNICA<br />
PIONEIRA<br />
ADOLPHO MELFI<br />
SHOZO MOTOYAMA<br />
DOCUMENTO<br />
UNIVERSIDADES<br />
BRASILEIRAS<br />
SÉCULOS DEPOIS<br />
Ao longo dos primeiros quatro séculos<br />
após sua descoberta, o Brasil<br />
não viu surgir qualquer tipo de<br />
instituição universitária. O fato<br />
intriga e inquieta muita gente interessa<strong>da</strong><br />
no estudo <strong>da</strong> educação<br />
superior brasileira. Por que a universi<strong>da</strong>de tardou<br />
tanto em aparecer nas terras descobertas por<br />
Cabral? Afinal, esse tipo de instituição surgiu há<br />
muito tempo atrás, possuindo uma história quase<br />
milenar. Mesmo no Novo Mundo, os nossos vizinhos<br />
<strong>da</strong> <strong>América</strong> Espanhola podem se orgulhar<br />
de ter criado enti<strong>da</strong>des universitárias já no século<br />
XVI. Com efeito, as primeiras universi<strong>da</strong>des<br />
brasileiras foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s somente a partir<br />
dos primórdios do século XX, apesar de várias<br />
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FOTOs: reprOduçãO<br />
iniciativas visando a sua criação nas centúrias<br />
anteriores. A primeira delas parece<br />
ter sido a Universi<strong>da</strong>de do Brasil, instala<strong>da</strong><br />
pelos padres jesuítas em 1592, na Bahia,<br />
mas que não recebeu autorização e reconhecimento<br />
para funcionar nem por parte<br />
<strong>da</strong> Igreja e nem do governo português.<br />
Na Europa, as primeiras universi<strong>da</strong>des<br />
surgiram na I<strong>da</strong>de Média, sendo a<br />
Universi<strong>da</strong>de de Bolonha (Itália) a mais<br />
antiga, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1088, segui<strong>da</strong> por<br />
Oxford, em 1096, e pela Universi<strong>da</strong>de<br />
de Paris, em 1170. Entretanto, nos anos<br />
1500, as universi<strong>da</strong>des deixam de ser privilégio<br />
do Velho Mundo, pois na <strong>América</strong><br />
Espanhola o sistema universitário de<br />
fundo religioso <strong>da</strong> Contra-Reforma católica<br />
começou a ser implantado ain<strong>da</strong><br />
no século XVI. A Universi<strong>da</strong>de de São<br />
Domingos, na República Dominicana,<br />
fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no ano de 1538, é considera<strong>da</strong><br />
a mais antiga <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>. Logo a<br />
seguir, em 1551, foram cria<strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des<br />
no Peru (Universi<strong>da</strong>de Nacional<br />
de San Marcos) e no México (Universi<strong>da</strong>de<br />
Autônoma do México). Por ocasião<br />
<strong>da</strong> separação dessas colônias <strong>da</strong><br />
Espanha, já existiam em funcionamento<br />
cerca de 20 universi<strong>da</strong>des. Na época<br />
colonial, a <strong>América</strong> Espanhola chegou<br />
a formar cerca de 150 mil universitários<br />
(Trin<strong>da</strong>de e Blanquer, 2002), enquanto<br />
que, no Brasil, durante o mesmo período<br />
(1500-1822), somente o ensino médio<br />
era oferecido, pelos jesuítas. Para<br />
os habitantes do país, o ensino superior<br />
tinha de ser feito na Europa, em<br />
Portugal, na Universi<strong>da</strong>de de Coimbra<br />
(Teologia e Direito), fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em<br />
1290, em Lisboa, – depois transferi<strong>da</strong><br />
para Coimbra – ou na França, na Uni-<br />
A Universi<strong>da</strong>de de Santo Domingo,<br />
na República Dominicana,<br />
de 1538, é a mais antiga do<br />
Novo Mundo.<br />
versi<strong>da</strong>de de Montpellier (Medicina).<br />
Nesse período, somente 2.500 pessoas<br />
obtiveram o nível universitário.<br />
Por que tanta diferença entre dois<br />
complexos coloniais de metrópoles situa<strong>da</strong>s<br />
na mesma Península Ibérica? As<br />
questões têm várias origens: políticas de<br />
dominação, política interna <strong>da</strong>s metrópoles,<br />
bem como suas reali<strong>da</strong>des e de<br />
suas colônias. Por exemplo: nos domínios<br />
espanhóis, os nativos possuíam um<br />
grau de civilização elevado. Ninguém<br />
duvi<strong>da</strong> <strong>da</strong> alta cultura engendra<strong>da</strong> pelos<br />
maias, astecas e incas. A Coroa espanhola<br />
tinha de se esmerar para poder<br />
se impor culturalmente. Dentro dessa<br />
perspectiva, a universi<strong>da</strong>de – uma <strong>da</strong>s<br />
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7
expressões mais altas <strong>da</strong> cultura europeia<br />
– tinha de desempenhar o seu papel. No<br />
território dominado pelos portugueses,<br />
os nativos <strong>da</strong> terra não possuíam grande<br />
sofisticação cultural.<br />
A transferência <strong>da</strong> família real<br />
portuguesa para o Brasil, em 1808, viria<br />
a contribuir decisivamente para a<br />
evolução do ensino superior no país. O<br />
fato gerou profun<strong>da</strong>s modificações na<br />
educação superior brasileira, pois exigiu<br />
principalmente a formação de quadros<br />
para atender as deman<strong>da</strong>s do governo<br />
e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Porém, a implantação<br />
do ensino superior não se deu por meio<br />
de universi<strong>da</strong>des, considera<strong>da</strong>s pelo governo<br />
português como centros reacionários,<br />
mas sim por meio de facul<strong>da</strong>des<br />
e escolas isola<strong>da</strong>s, seguindo o modelo<br />
francês napoleônico, focado na formação<br />
de profissionais civis e militares.<br />
Logo em segui<strong>da</strong> à chega<strong>da</strong> do príncipe<br />
regente ao Brasil, em janeiro de 1808,<br />
em Salvador, Bahia, um Decreto Real<br />
criava a Escola de Cirurgia <strong>da</strong> Bahia,<br />
hoje Facul<strong>da</strong>de de Medicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal <strong>da</strong> Bahia. Em fevereiro, a<br />
Corte se transfere para o Rio de Janeiro,<br />
e neste mesmo ano é cria<strong>da</strong> a Escola de<br />
Cirurgia e Anatomia, atual Facul<strong>da</strong>de de<br />
Medicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do<br />
Rio de Janeiro. Merece destaque, ain<strong>da</strong>,<br />
a fun<strong>da</strong>ção, em 1808, <strong>da</strong> Academia dos<br />
Guar<strong>da</strong>s-marinhas e, em 1810, <strong>da</strong> Academia<br />
Real Militar, além de outras escolas<br />
superiores, sempre com a marca do<br />
prático, como o Gabinete <strong>da</strong> Química<br />
(Rio de Janeiro) e o Curso de Agricultura<br />
(Bahia, 1812).<br />
Somente quatro séculos após<br />
seu descobrimento o Brasil teria as<br />
suas primeiras universi<strong>da</strong>des, e mesmo<br />
assim não de forma permanente.<br />
Foi o caso <strong>da</strong> Escola Livre de Manaus,<br />
cria<strong>da</strong> em 1909, depois denomina<strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de de Manaus, e <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
do Paraná, impedi<strong>da</strong> de funcionar,<br />
já que só se reconhecia a criação<br />
8<br />
de instituições de ensino superior em<br />
ci<strong>da</strong>des com mais de 100 mil habitantes.<br />
Uma história curiosa refere-se à fun<strong>da</strong>ção<br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro,<br />
cria<strong>da</strong> em 1920, reunindo a Escola Politécnica<br />
e as Facul<strong>da</strong>des de Direito e de<br />
Medicina, com o objetivo de conceder o<br />
título de “Doutor Honoris Causa” ao rei<br />
<strong>da</strong> Bélgica, em visita ao Brasil.<br />
A partir de 1929 o governo começou<br />
a fomentar a criação de universi<strong>da</strong>des,<br />
cujo modelo guar<strong>da</strong>va pouca relação<br />
com o conceito atual, de associar<br />
ensino, pesquisa e extensão. Em 1923,<br />
em um artigo publicado em jornal do<br />
Rio de Janeiro, o matemático Amoroso<br />
Costa reclamava <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de: “a ciência<br />
é útil porque dela precisam os engenheiros,<br />
os médicos, os industriais e<br />
os militares; mas não vale a pena fazê-la<br />
no Brasil, porque é mais cômodo e mais<br />
barato importá-la <strong>da</strong> Europa”.<br />
Em 1930, foi criado o Ministério<br />
<strong>da</strong> Educação e Saúde, que promoveu,<br />
já em 1931, uma grande reforma<br />
educacional em todo o ensino médio<br />
e criou o primeiro Estatuto <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Brasileira. A criação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
de São Paulo (USP) constituiu<br />
um marco, por iniciar uma nova fase no<br />
desenvolvimento científico e cultural do<br />
país. Cria<strong>da</strong> sobre uma sóli<strong>da</strong> base científica,<br />
obedecia a um ambicioso projeto<br />
político e cultural.<br />
Outras universi<strong>da</strong>des foram cria<strong>da</strong>s<br />
logo depois, como a do Distrito Federal<br />
(atual Rio de Janeiro), em 1935, e<br />
as várias instituições católicas de ensino<br />
superior (embriões <strong>da</strong>s futuras Universi<strong>da</strong>des<br />
Católicas), apoia<strong>da</strong>s pelo poder<br />
público, como resultado <strong>da</strong> aliança entre<br />
a Igreja e o regime em vigor. Nos anos<br />
seguintes, refletindo a ascensão <strong>da</strong>s classes<br />
médias e o avanço do processo de<br />
industrialização, intensificou-se a deman<strong>da</strong><br />
pela educação superior, atendi<strong>da</strong> pela<br />
criação de novas instituições e pela progressiva<br />
absorção, pelo Governo Fede-<br />
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al, <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de em manter uma<br />
larga parcela <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des. No fi nal <strong>da</strong><br />
déca<strong>da</strong> de 40, o país contava com 10 universi<strong>da</strong>des<br />
e um número bem maior de<br />
instituições isola<strong>da</strong>s de ensino superior.<br />
Os quase trinta anos que medeiam<br />
a ditadura do Estado Novo (1937) e<br />
aquela do Regime Militar (1964) marcam<br />
um tempo em que foram lança<strong>da</strong>s<br />
as bases do Brasil contemporâneo. Houve<br />
mu<strong>da</strong>nças no aparelho do estado, no<br />
seio <strong>da</strong> economia, <strong>da</strong> educação e, sobretudo,<br />
<strong>da</strong> Ciência e Tecnologia (C&T).<br />
A industrialização, por sua vez,<br />
avançava. A partir de 1955, a economia<br />
brasileira entra em um novo patamar.<br />
Deixando de lado a postura<br />
nacionalista do governo anterior, do<br />
presidente Café Filho (agosto de 1954<br />
- novembro de 1955) abriu as portas<br />
para o capital estrangeiro e permitiuse<br />
a importação de equipamentos sem<br />
a necessária cobertura cambial, provocando<br />
um desenvolvimento industrial<br />
acelerado. Em segui<strong>da</strong>, no governo<br />
de Juscelino Kubitschek (1956-1961),<br />
deu-se a instalação <strong>da</strong> indústria automobilística<br />
dentro do seu famoso<br />
“Programa de Metas”.<br />
A educação sofreu, igualmente,<br />
grandes transformações. A atuação do<br />
governo foi essencial para essa expansão,<br />
criando mecanismos para facilitar<br />
o acesso ao ensino superior. Em 1964,<br />
o Brasil possuía 37 universi<strong>da</strong>des, sendo<br />
28 públicas e nove priva<strong>da</strong>s.<br />
O regime ditatorial (1964-1985)<br />
teve papel relevante na defi nição dos<br />
padrões educacionais do país. A discuti<strong>da</strong><br />
e deseja<strong>da</strong> modernização do ensino<br />
foi realiza<strong>da</strong> segundo o modelo norteamericano,<br />
simbolizado pelo acordo<br />
MEC-Usaid – Ministério <strong>da</strong> Educação e<br />
Cultura e United States Agency for International<br />
Development – , abominado<br />
pela maioria de estu<strong>da</strong>ntes e professores.<br />
Como não era possível para o<br />
poder público atender to<strong>da</strong> a deman<strong>da</strong>,<br />
o Ministério <strong>da</strong> Educação facilitou os<br />
processos de credenciamento de instituições<br />
priva<strong>da</strong>s, embora nem sempre<br />
contemplando os preceitos de quali<strong>da</strong>de.<br />
No fi nal do período <strong>da</strong> ditadura militar,<br />
o país contava com 859 instituições<br />
de ensino superior, sendo 68 universi<strong>da</strong>des,<br />
49 públicas, 20 priva<strong>da</strong>s. Hoje o<br />
ensino superior no Brasil encontra-se<br />
consoli<strong>da</strong>do dentro do mesmo modelo<br />
organizacional estabelecido no período<br />
ditatorial, com pequenas mu<strong>da</strong>nças introduzi<strong>da</strong>s<br />
pela constituição de 1988 e<br />
pela Lei de Diretrizes e Bases <strong>da</strong> Educação<br />
Nacional, de 1996.<br />
Em 2007, o Brasil possuía 2.281<br />
instituições de ensino superior, sendo<br />
183 universi<strong>da</strong>des, 120 centros universitários<br />
e 1.978 instituições isola<strong>da</strong>s. Se<br />
entre as universi<strong>da</strong>des existe certo equilíbrio<br />
entre as públicas e as priva<strong>da</strong>s,<br />
o mesmo não ocorre com os centros<br />
universitários e as instituições isola<strong>da</strong>s,<br />
onde o predomínio <strong>da</strong>s priva<strong>da</strong>s é quase<br />
total. O setor privado responde hoje<br />
por 80% <strong>da</strong>s matrículas. Segundo <strong>da</strong>dos<br />
no Ministério <strong>da</strong> Educação o número<br />
de alunos matriculados em 2008<br />
era de 4,8 milhões, número considerado<br />
baixo para uma população de cerca<br />
de 23 milhões de jovens na faixa etária<br />
entre 18 e 24 anos.<br />
9<br />
Universi<strong>da</strong>de de São Paulo:<br />
cria<strong>da</strong> em 1934, constituiu<br />
um marco no desenvolvimento<br />
científi co e cultural do país.<br />
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A Universi<strong>da</strong>de de São Marcos, em Lima,<br />
Peru, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1551.<br />
10<br />
UNIVERSIDADE DE SANTO<br />
DOMINGO<br />
A Universi<strong>da</strong>de Autônoma de Santo<br />
Domingo, pode ser considera<strong>da</strong> a mais<br />
antiga do Novo Mundo. Sua história<br />
teve início com o ensino de Estudo Geral,<br />
ministrado por padres dominicanos,<br />
desde 1518, em São Domingo, na época<br />
sede do Vice-Reinado <strong>da</strong> colonização<br />
espanhola. O ensino seguia o modelo<br />
adotado na Universi<strong>da</strong>de de Alcalá de<br />
Herrares, cria<strong>da</strong> na Espanha em 1499.<br />
Após funcionar por 263 anos sem interrupção,<br />
ensinando Medicina, Direito,<br />
Teologia e Artes, ela fechou devido<br />
a ocupação <strong>da</strong> colônia pelos haitianos e<br />
a consequente saí<strong>da</strong> dos dominicanos.<br />
Reabriu em 1815, como instituição laica,<br />
voltando a fechar em 1822 por falta de<br />
alunos, obrigados ao serviço militar por<br />
causa de uma nova ocupação dos haitianos.<br />
A independência, em 1844, levou<br />
São Domingo a pensar na sua reabertura,<br />
o que ocorreu somente em 1866,<br />
com o nome de Instituto Profi ssional,<br />
mas que fechou, de novo, de 1891 a<br />
1895. Em 1914, o presidente Ramón<br />
Báez, que também era reitor do Instituto<br />
Profi ssional, assinou um decreto<br />
transformando o instituto em Universi<strong>da</strong>de<br />
de Santo Domingo.<br />
UNIVERSIDADE NACIONAL<br />
MAIOR DE SÃO MARCOS<br />
A Universi<strong>da</strong>de de São Marcos foi cria<strong>da</strong><br />
por um ato do rei <strong>da</strong> Espanha, Carlos V,<br />
em 1551, assinado em Valladolid, acolhendo<br />
iniciativa dos dominicanos, de ensino<br />
de Teologia e Artes, nos conventos de<br />
Cuzco e Lima. Por muitos historiadores<br />
considera<strong>da</strong> a mais antiga do Continente,<br />
suas ativi<strong>da</strong>des começaram dois anos mais<br />
tarde com a soleni<strong>da</strong>de de instalação realiza<strong>da</strong><br />
na sala Capitular do Convento do<br />
Rosário <strong>da</strong> Ordem dos Dominicanos.<br />
UNIVERSIDADE NACIONAL<br />
AUTôNOMA DO MÉxICO<br />
Desde o início de 1536, havia entre os<br />
Franciscanos o desenho de que a Nova<br />
Espanha tivesse uma Universi<strong>da</strong>de. O<br />
desejo foi acolhido, pouco mais tarde,<br />
em 1547, pelo Vice-Rei Antonio de Mendoza<br />
e pela Coroa espanhola. O México,<br />
entretanto, teria sua universi<strong>da</strong>de somente<br />
em 1551 (alguns meses após a criação<br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Marcos), com<br />
a criação <strong>da</strong> Real Pontifícia Universi<strong>da</strong>de<br />
do México, que iniciou ativi<strong>da</strong>des em<br />
1553. Com a independência, passou a ser<br />
chama<strong>da</strong> de Universi<strong>da</strong>de Nacional Pontifícia,<br />
para depois fi car com o nome de<br />
Universi<strong>da</strong>de do México.<br />
Adolpho José Melfi - professor titular <strong>da</strong> Escola<br />
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz<br />
(USP) e diretor do Centro Brasileiro de Estudos<br />
<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>/CBEAL do <strong>Memorial</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>; Shozo Motoyama<br />
é professor titular <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Filosofi a,<br />
Letras e Ciências Humanas/USP.<br />
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30406009 miolo.indd 11 8/4/2010 15:02:05<br />
11
12<br />
DIFUSÃO<br />
BERLIM<br />
PRESENÇA IBERO-AMERICANA<br />
ALEMANHA MANTÉM<br />
INTERESSE NA REGIÃO<br />
TEREZA DE ARRUDA<br />
A<br />
configuração geopolítica mundial<br />
tem passado por várias alterações.<br />
Ao revermos os últimos<br />
vinte anos após a que<strong>da</strong> do muro<br />
de Berlim podemos contabilizar<br />
uma grande alteração principalmente<br />
referente aos países <strong>da</strong> Europa Oriental.<br />
Muitos deles foram também incorporados à Comuni<strong>da</strong>de<br />
Europeia, enfatizando uma nova relação<br />
interdisciplinar contínua. O foco <strong>da</strong>s relações<br />
internacionais alemãs esteve, portanto, voltado a esta<br />
região, se estendendo consequentemente à Ásia e<br />
mais especificamente à China. Contudo, a Alemanha<br />
não perdeu seu interesse por outros países<br />
e nem mesmo por outros continentes, como é o<br />
caso <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>. Aliás, existe uma relação<br />
30406009 miolo.indd 12 8/4/2010 15:02:05
FOTO: reprOduçãO<br />
A imponente biblioteca <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Livre de Berlim mantém um acervo com<br />
numerosos títulos de escritores latinos.<br />
30406009 miolo.indd 13 8/4/2010 15:02:06<br />
13
O Instituto de Estudos<br />
Latino-Americanos oferece<br />
várias disciplinas e uma<br />
atuação abrangente.<br />
contínua institucional, que atua de forma<br />
abrangente como plataforma de ensino,<br />
pesquisa, intercâmbio e divulgação<br />
<strong>da</strong> cultura latino-americana na Alemanha.<br />
O Brasil conquistou certo destaque<br />
sendo uma <strong>da</strong>s maiores potências<br />
do Bric – sigla cria<strong>da</strong> para representar<br />
Brasil, Rússia, Índia e China –, quatro<br />
países com um crescimento anual entre<br />
5 e 10%, o que os levará possivelmente<br />
a se tornarem grandes potências<br />
mundiais nas próximas déca<strong>da</strong>s.<br />
O Brasil, o único do grupo localizado<br />
na <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, desvia a atenção<br />
para este continente e seus países vizinhos,<br />
com os quais possue diversos<br />
acordos bilaterais.<br />
14<br />
Em Berlim se encontram dois<br />
grandes centros, os quais contabilizam<br />
focos potenciais de aproximação contínua<br />
com a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, representados<br />
pelo Instituto Ibero-Americano <strong>da</strong><br />
Fun<strong>da</strong>ção do Patrimônio Cultural Prussiano<br />
e pelo Instituto Latino-americano<br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Livre de Berlim. O<br />
primeiro foi criado em janeiro de 1930,<br />
tendo já como legado a biblioteca particular<br />
de Ernesto Quesa<strong>da</strong> composta de<br />
82 mil volumes, sendo ain<strong>da</strong> agregado<br />
a este valioso acervo 25 mil volumes<br />
<strong>da</strong> Biblioteca Mexicana, reunidos por<br />
Hermann Hagen com o apoio de vários<br />
colaboradores. Este é o ponto de parti<strong>da</strong><br />
para o entendimento cultural não<br />
30406009 miolo.indd 14 8/4/2010 15:02:06<br />
FOTOs: reprOduçãO
FOTOs: reprOduçãO<br />
só com a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, mas também<br />
com a Península Ibérica.<br />
A partir de 1934 o Instituto passou<br />
a ser dirigido pelo general de divisão<br />
reformado Wilhelm Faupel, e passou a<br />
ser instrumentalizado, criando material<br />
propagandístico alemão a ser distribuído<br />
no exterior, sem, porém, ter um papel<br />
mais decisivo na política externa do<br />
sistema nazista. O Instituto conseguiu<br />
manter-se ativo mesmo durante a Segun<strong>da</strong><br />
Guerra Mundial, independente<br />
do baixo número de funcionários e de<br />
recursos limitados. Em 1945, no en-<br />
O Instituto Ibero-Americano<br />
manteve-se ativo mesmo<br />
durante a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />
tanto, contabilizou-se a per<strong>da</strong> de uma<br />
grande parte de seu legado, aproxima<strong>da</strong>mente<br />
40 mil volumes, os quais<br />
continuam desaparecidos até hoje,<br />
após terem sido destruídos nos bombardeios<br />
ou retirados clandestinamente<br />
de depósitos provisórios. Suas ativi<strong>da</strong>des<br />
foram reinicia<strong>da</strong>s como Biblioteca<br />
Latino-Americana, e rapi<strong>da</strong>mente se<br />
retomou a publicação de periódicos<br />
específicos, voltando a ser um local<br />
abrangente de pesquisa científica.<br />
Em 1977 o Instituto Ibero-Americano<br />
se mudou para as dependências<br />
30406009 miolo.indd 15 8/4/2010 15:02:07<br />
15
atuais em um prédio do complexo arquitetônico<br />
criado por Hans Scharoun<br />
na Pots<strong>da</strong>mer Strasse, centro de Berlim.<br />
Hoje o Instituto possui a maior biblioteca<br />
europeia especializa<strong>da</strong> em <strong>América</strong><br />
<strong>Latina</strong>, Caraíbas, Espanha e Portugal.<br />
Como um centro interdisciplicar de<br />
trabalho científico e acadêmico, organiza<br />
em sua sede simpósios, exposições,<br />
oferece bolsa de pesquisa, entre outras<br />
facili<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>s ao entendimento<br />
e à integração cultural <strong>da</strong>s regiões aqui<br />
menciona<strong>da</strong>s.<br />
A Universi<strong>da</strong>de Livre de Berlim<br />
criou em 1970 o Instituto de Estudos<br />
Latino-Americanos, dedicado ao ensino<br />
e à pesquisa, contendo atualmente seis<br />
disciplinas distintas: Antropologia <strong>da</strong>s<br />
<strong>América</strong>s, História, Estudos de Língua,<br />
Literatura e Cultura <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong><br />
(<strong>América</strong> hispânica e Brasil), Ciências<br />
políticas, Sociologia e Economia. Com<br />
um campo de atuação tão abrangente, o<br />
Instituto passou a estender seus tentáculos<br />
por to<strong>da</strong> a <strong>América</strong> do Sul, criando<br />
parcerias efetivas com diversas universi<strong>da</strong>des<br />
e instituições nas quais trabalham<br />
hoje pessoas atuantes, que passaram, em<br />
muitos casos, um período de sua formação<br />
no instituto berlinense.<br />
Com relação ao Brasil especificamente,<br />
foi recém-criado o Centro de<br />
Pesquisas Brasileiras, celebrado com<br />
uma conferência realiza<strong>da</strong> entre os dias<br />
4 e 6 de fevereiro deste ano. Com uma<br />
programação abrangente e interdisciplinar,<br />
sua intenção é criar e coordenar<br />
projetos e pesquisas na área de ciência,<br />
cultura e sociologia, levando à análise do<br />
Brasil no contexto mundial. Contando<br />
com professores alemães e estrangeiros,<br />
este há de ser mais um atrativo, que levará<br />
a uma maior visibili<strong>da</strong>de do Brasil<br />
em termos comparativos.<br />
Um dos mais atuantes no setor<br />
de “Brasilianística” do Instituto de Estudos<br />
Latino-americanos é o Professor<br />
Berthold Zilly. Atraído pelo Brasil por<br />
16<br />
vias indiretas, Zilly estu<strong>da</strong>va em Caen,<br />
na França, em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60,<br />
quando passou a se interessar pela literatura<br />
e pela cultura brasileira, que na<br />
época eram muito divulga<strong>da</strong>s naquele<br />
país. Nos anos de 1968 e 1969 ele vivenciou<br />
o Brasil, quando frequentou a<br />
Universi<strong>da</strong>de de São Paulo. A partir <strong>da</strong>í,<br />
sua vivência profissional evoluiu lado a<br />
lado com a cultura brasileira. Uma <strong>da</strong>s<br />
últimas publicações <strong>da</strong> qual participou<br />
foi o livro Brasil, País do Passado, no qual<br />
ele revê a evolução sócio-política nacional<br />
– ain<strong>da</strong> respal<strong>da</strong><strong>da</strong> em estruturas e<br />
problemáticas já conheci<strong>da</strong>s, como a desigual<strong>da</strong>de<br />
social e a falta de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Em uma entrevista concedi<strong>da</strong><br />
para esta matéria em Berlim, o professor<br />
Berthold Zilly salienta que é um defensor<br />
e divulgador <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> literatura<br />
brasileira por meio de sua atuação<br />
como especialista na área. Por meio de<br />
sua dedicação, esse contexto tem sido<br />
difundido na Alemanha há muitas gerações.<br />
Ele pede a liber<strong>da</strong>de de se expressar<br />
como um “brasileiro” e ressaltar<br />
suas inquietações e ambições nesse sentido.<br />
Se em algum momento se apresenta<br />
muito crítico, isso ocorre de forma<br />
construtiva e progressiva, sem vestígios<br />
de conformismos ou passivi<strong>da</strong>de, mas<br />
sim com grande otimismo. Poderíamos<br />
dizer que sua “bíblia” literária é o livro<br />
Os Sertões, de Euclides <strong>da</strong> Cunha,<br />
que traduziu para o alemão, além de<br />
ser ponto de parti<strong>da</strong> para sua formação<br />
e sua atuação.<br />
O livro Os Sertões, segundo Berthold<br />
Zilly, não perde sua atuali<strong>da</strong>de,<br />
pelo fato de Euclides <strong>da</strong> Cunha ter salientado<br />
na época várias características e<br />
problemáticas locais que continuam em<br />
vigor até hoje. “Houve sim numerosas<br />
melhorias no setor social e econômico<br />
brasileiro, porém nos encontramos em<br />
um processo lento que tem de permanecer<br />
em vigor e ser aprimorado de forma<br />
progressiva”. Segundo Berthold Zilly,<br />
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FOTO: ArQuIVO pessOAL BerTHOLd ZILLY<br />
“o desempenho depende do empenho”.<br />
O motivo do fascínio não é somente a<br />
obra literária de Euclides <strong>da</strong> Cunha, mas<br />
também sua postura inovadora e pioneira.<br />
O autor pode ser visto como um dos<br />
primeiros ativistas ecológicos, ao alertar<br />
que a paisagem e, neste caso, o sertão,<br />
não existe somente por conta <strong>da</strong>s condições<br />
climáticas, mas pelas queima<strong>da</strong>s, e<br />
também pela simbiose entre natureza e<br />
ser humano. O metabolismo natureza/<br />
homem deveria ser considerado como<br />
um fenômeno atuante neste processo,<br />
desde seus primórdios. O ano de 2010<br />
demarcará uma nova fase para Berthold<br />
Zilly: ao se aposentar e se distanciar de<br />
suas ativi<strong>da</strong>des como professor de literatura<br />
brasileira, ele poderá se dedicar inteiramente<br />
ao conteúdo de seu interesse,<br />
publicando e traduzindo obras literárias a<br />
O Instituto é a casa do professor Berthold Zilly, laureado na Alemanha<br />
com o prêmio Wieland, em 1995, pela tradução <strong>da</strong> obra<br />
Os Sertões de Euclides <strong>da</strong> Cunha. No Brasil, foi eleito pela<br />
União dos Críticos de São Paulo o melhor do ano na<br />
categoria de difusão <strong>da</strong> literatura brasileira.<br />
serem divulga<strong>da</strong>s entre os meios já existentes<br />
e os que virão a surgir.<br />
No ano de 2010 ain<strong>da</strong> se celebra<br />
mundialmente o bicentenário do movimento<br />
de independência na <strong>América</strong><br />
<strong>Latina</strong>. A Casa <strong>da</strong>s Culturas do Mundo,<br />
renoma<strong>da</strong> instituição berlinense cria<strong>da</strong><br />
há 20 anos, apresentará um programa<br />
interdisciplinar composto de concertos,<br />
fi lmes, exposições e discussões, abrindo<br />
mais uma plataforma democrática de integração<br />
entre a Alemanha e a <strong>América</strong><br />
<strong>Latina</strong> na atuali<strong>da</strong>de.<br />
Tereza de Arru<strong>da</strong> trabalha como historiadora<br />
de arte e curadora independente desde 1989<br />
em Berlim, onde estudou História <strong>da</strong> Arte na<br />
Universi<strong>da</strong>de Livre de Berlim.<br />
30406009 miolo.indd 17 8/4/2010 15:02:09<br />
17
18<br />
CAFÉS DE<br />
bUENOS AIRES<br />
IARA vENANZI<br />
OLHAR<br />
O ChARME<br />
DISCRETO<br />
Os cafés, casas às vezes centenárias,<br />
surgem a todo instante<br />
imprimindo graça, cor e movimento<br />
às ruas de Buenos<br />
Aires. Para conversar, ler, sonhar,<br />
ou simplesmente derramar<br />
emoções pelas calça<strong>da</strong>s adjacentes, o hábito<br />
pertence ao charmoso cotidiano <strong>da</strong> mais europeia<br />
ci<strong>da</strong>de latino-americana. Importados nos<br />
tempos áureos de prosperi<strong>da</strong>de argentina, vieram<br />
para ficar calados na alma portenha, como<br />
mostram as lentes sensíveis de Iara Venanzi.<br />
Fotógrafa do mundo, ela correu os bairros mais<br />
boêmios <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de captando a magia que emana<br />
desses espaços transformados em ver<strong>da</strong>deira<br />
instituição local e sem rivais na <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>.<br />
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FOTOs: IArA VeNANZI<br />
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O PALÁCIO vIROU<br />
MUSEU NACIONAL DE bELAS ARTES<br />
DE HAvANA<br />
ANDRÉS MARTÍN<br />
30406009 miolo.indd 26 8/4/2010 15:02:39
FOTOs: reprOduçãO<br />
O Museu Nacional de Belas Artes<br />
de Havana foi inaugurado oficialmente<br />
no 28 de abril de 1913. A instituição<br />
teve várias, inadequa<strong>da</strong>s e inóspitas sedes<br />
(nesse período houve constantes<br />
doações e compras apenas esporádicas).<br />
Destaca-se a árdua luta de intelectuais,<br />
jornalistas e <strong>da</strong> direção do museu pela<br />
construção de uma sede definitiva com<br />
as condições adequa<strong>da</strong>s – arquitetônicas,<br />
museológicas e financeiras. Já em<br />
1925 tinha-se escolhido o espaço ideal<br />
para o museu, o mesmo que ocupa hoje<br />
a coleção de arte cubana.<br />
Assim, depois de controversas<br />
discussões arquitetônicas com relação<br />
aos projetos apresentados, e <strong>da</strong> contur-<br />
ba<strong>da</strong> situação política nacional nos anos<br />
1950, o tão ansiado Palácio de Belas Artes<br />
é inaugurado em 1954, com sucesso<br />
controverso. A 2ª Bienal Hispano-americana<br />
de Arte abriu o museu, ao mesmo<br />
tempo em que era rejeita<strong>da</strong> pela quase<br />
totali<strong>da</strong>de dos artistas plásticos significativos.<br />
O evento foi chamado de bienal<br />
franquista. Em resposta, foi organiza<strong>da</strong>,<br />
no Lyceum de La Habana, a Mostra<br />
Plástica Cubana Contemporânea, Homenaje<br />
a José Martí, conheci<strong>da</strong> como a<br />
Contrabienal<br />
A instalação <strong>da</strong>s coleções no novo<br />
prédio, construído sobre a base do projeto<br />
do arquiteto Alfonso Rodríguez Pichardo,<br />
ocorreu em 1955.<br />
27<br />
Torso de Sátiro, réplica<br />
de um original grego do século<br />
XV, parte do acervo.<br />
30406009 miolo.indd 27 8/4/2010 15:02:40
Retrato de Mary, 1938.<br />
Óleo sobre tela Jorge Arche.<br />
A presença do Museu do Instituto<br />
Nacional de Cultura nessa mesma<br />
sede que, com a assessoria de destacados<br />
intelectuais e artistas, tinha adquirido<br />
obras sobretudo de arte contemporânea<br />
nacional (posteriormente doa<strong>da</strong>s<br />
ao MNBA), tem um papel decisivo na<br />
inclusão de obras <strong>da</strong> produção contemporânea<br />
cubana na coleção do museu.<br />
Com o triunfo revolucionário em<br />
1959, a visão dos líderes do movimento<br />
fez triunfar a grande tradição de pensamento<br />
e ação emancipatórios que havia<br />
nascido no alvorecer <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de.<br />
Acontecem, então, mu<strong>da</strong>nças transcendentais<br />
no MNBA. Aos 46 anos de existência,<br />
a instituição vive uma mu<strong>da</strong>nça<br />
radical na concepção museológica, que o<br />
converte num ver<strong>da</strong>deiro museu de arte.<br />
Com o êxodo massivo <strong>da</strong> burguesia<br />
dominante em 1959, sai à luz<br />
um copioso e pouco conhecido tesouro<br />
artístico: obras de arte, objetos,<br />
joias, tapeçaria, objetos de design<br />
e esculturas, que até então eram proprie<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> elite e desfrutados apenas<br />
por ela. Esse rico acervo, que vai<br />
<strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de à contemporanei<strong>da</strong>de,<br />
é colocado à disposição do povo. A<br />
incorporação <strong>da</strong>s obras favorece o<br />
MNBA, e a instituição aumenta de<br />
forma significativa sua coleção.<br />
Foram transferi<strong>da</strong>s para outras<br />
instituições, como consequência <strong>da</strong> intervenção<br />
do governo revolucionário<br />
em to<strong>da</strong>s as esferas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, as<br />
coleções de história, arqueologia, artes<br />
decorativas e etnologia. O MNBA deixa<br />
de ser um museu de tipo enciclopédico<br />
para se converter numa instituição<br />
de arte, em cujo patrimônio somente<br />
permaneceram as coleções de pintura,<br />
gravura, desenho e escultura, de Cuba<br />
e do resto do mundo.<br />
Em 1964, com o estabelecimento<br />
<strong>da</strong>s Galerías de Arte Cubano, oferece-se<br />
pela primeira vez um panorama histórico<br />
e crítico <strong>da</strong>s artes visuais de Cuba.<br />
28<br />
Essa ação serve como suporte para a reflexão<br />
sobre to<strong>da</strong> a produção nacional, bem<br />
como para o estabelecimento <strong>da</strong>s linhas de<br />
trabalho do museu (em prática até os dias<br />
de hoje), destacando-se a distribuição <strong>da</strong>s<br />
coleções sob critérios artísticos e históricos;<br />
o enriquecimento, a atualização e a ampliação<br />
contínuos <strong>da</strong>s coleções, garantindo<br />
uma discussão coerente com a tradição e<br />
a evolução <strong>da</strong> produção plástica nacional;<br />
e os riscos e desafios a que uma instituição<br />
cultural dessa magnitude e com essa responsabili<strong>da</strong>de<br />
está exposta.<br />
Espaços expositivos foram criados<br />
simultaneamente, servindo de suporte<br />
para instrumentalizar e consoli<strong>da</strong>r<br />
o objetivo de divulgação <strong>da</strong> tradição<br />
plástica nacional. Vale mencionar El Artista<br />
del Mes e El Pequeño Salón. Por<br />
esses espaços transitaram artistas do<br />
calibre de Raúl Martínez, Acosta León,<br />
Antonia Eiriz, Zaí<strong>da</strong> del Rio, José Bedia,<br />
Consuelo Castañe<strong>da</strong>, Kcho, Tonel, Eduardo<br />
Rubén Rodríguez, Carlos Alberto<br />
Estéves, entre outros.<br />
A Sala Didáctica, cria<strong>da</strong> em 1966<br />
com um viés pe<strong>da</strong>gógico, tinha como<br />
objetivo proporcionar ao público material<br />
preparatório <strong>da</strong> visita às salas permanentes<br />
do museu. O MNBA é, se não<br />
a única, uma <strong>da</strong>s poucas instituições culturais<br />
cubanas com sólido e respeitado<br />
trabalho educativo, que possibilita que<br />
a arte seja vivi<strong>da</strong> e experimenta<strong>da</strong> numa<br />
ampla perspectiva.<br />
Em pleno Período Especial, no<br />
decorrer dos anos 90, o memorável<br />
esforço do Estado Cubano, do Ministério<br />
<strong>da</strong> Cultura e dos Trabalhadores<br />
e de especialistas <strong>da</strong> instituição, em<br />
2001 finalmente reabriu as portas do<br />
Museu Nacional de Belas Artes, no<br />
Palácio de Belas Artes fechado naquele<br />
período para obras de restauro.<br />
Depois de vários anos de restauração<br />
e ampliação <strong>da</strong>s dependências, houve<br />
um incremento no estudo <strong>da</strong> coleção,<br />
bem como na restauração de milhares<br />
30406009 miolo.indd 28 8/4/2010 15:02:42
de peças e na ampliação <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de<br />
expositiva em mais de 50%, atendendo<br />
aos padrões internacionais de exibição<br />
e conservação.<br />
Uma questão a se destacar é a situação<br />
<strong>da</strong> arte contemporânea, pelo fato<br />
de que Cuba não conta com um museu<br />
para este fim. Cabe ao MNBA desempenhar<br />
a função de adquirir, conservar,<br />
estu<strong>da</strong>r e expor a arte atual do país.<br />
No MNBA, a instalação <strong>da</strong>s obras<br />
não é definitiva, já que há uma dinâmica<br />
própria no processo de interação do<br />
público. Os especialistas e os projetos<br />
nacionais e estrangeiros que demandem<br />
ou inci<strong>da</strong>m na rotativi<strong>da</strong>de de exposição<br />
<strong>da</strong>s obras possibilitam a plurali<strong>da</strong>de de<br />
discussões e a inserção nas discussões<br />
sobre a arte de modo geral.<br />
Uma vez que a coleção de arte<br />
cubana encontra-se no edifício que<br />
desde 1954 alberga a sede definitiva<br />
do MNBA, o aumento significativo de<br />
obras e o desejo de poder mostrar separa<strong>da</strong>mente<br />
a produção nacional levaram<br />
à reforma do antigo e majestoso prédio<br />
<strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Asturianas de Cuba,<br />
inaugurado em 20 de novembro de 1927<br />
e desenhado pelo arquiteto espanhol<br />
Manuel del Busto<br />
Com curadoria e projeto do arquiteto<br />
e museógrafo José Linares, o prédio<br />
se converte na sede <strong>da</strong>s coleções de arte<br />
universal do MNBA. A recuperação<br />
do edifício constitui em si um grande<br />
aporte à cultura nacional, misturando as<br />
chama<strong>da</strong>s belas artes e artes decorativas<br />
como vidraçaria, ebanesteria e autorrelevos,<br />
que dão um forte testemunho <strong>da</strong><br />
época e <strong>da</strong> luxuosa arquitetura eclética<br />
de inspiração espanhola.<br />
As coleções internacionais incluem<br />
obras de sete nações tradicionais,<br />
Itália, Alemanha, Bélgica, Holan<strong>da</strong>, Espanha,<br />
França e Inglaterra, possibilitando<br />
percorrer a história <strong>da</strong> pintura<br />
desde o século XV até o século XIX.<br />
Expõem-se também, de forma per-<br />
manente, recortes <strong>da</strong>s coleções de arte<br />
asiática, norte-americana e <strong>da</strong>s antigas<br />
escolas do México, Antilhas e <strong>América</strong><br />
do Sul. A arte mais contemporânea é<br />
mostra<strong>da</strong> numa sala que expõe de forma<br />
rotativa as transformações, os movimentos<br />
e estilos dos século XX e XXI.<br />
Essas coleções desempenham um papel<br />
fun<strong>da</strong>mental na consoli<strong>da</strong>ção do alto nível<br />
cultural do povo cubano, entendido<br />
como uma forma de liber<strong>da</strong>de.<br />
A experiência <strong>da</strong>s transformações<br />
que têm ocorrido em Cuba desde a Revolução<br />
oferece um panorama diferente,<br />
cujos exemplos práticos são a ampliação<br />
e a remodelação do museu, com a consequente<br />
reavalização <strong>da</strong> posição que deve<br />
ocupar a arquitetura no marco <strong>da</strong> cultura.<br />
As soluções arquitetônicas precisam ser<br />
totalmente alinha<strong>da</strong>s com as necessi<strong>da</strong>des<br />
do homem e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Livre de<br />
obstáculos econômicos, sociais e políticos,<br />
bem como <strong>da</strong>s estruturas dominantes La explicación de<br />
Dios, de Carlos Alberto<br />
Estévez, 1993.<br />
30406009 miolo.indd 29 8/4/2010 15:02:44
A obra Gallo del Caribe, de<br />
Wifredo Lam, 1954.<br />
exerci<strong>da</strong>s sobre a socie<strong>da</strong>de e sobre o indivíduo,<br />
começa a integração de to<strong>da</strong>s as<br />
manifestações artísticas em torno de um<br />
objetivo único: satisfazer as necessi<strong>da</strong>des<br />
de um homem que procura chegar ao pleno<br />
desenvolvimento. Não se trata de um<br />
desenvolvimento material, e sim do desenvolvimento<br />
espiritual e cultural, garantindo<br />
que em sua plenitude a arquitetura<br />
seja um instrumento, e não um fim.<br />
E, assim como comenta Robert<br />
Venturi, fala-se de uma arquitetura complexa<br />
e contraditória, basea<strong>da</strong> na riqueza<br />
e na ambigui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> experiência moderna,<br />
incluindo a experiência inerente à<br />
arte. Uma arquitetura de complexi<strong>da</strong>de e<br />
contradição tem uma especial obrigação<br />
para como o todo: sua ver<strong>da</strong>de deve estar<br />
na sua totali<strong>da</strong>de ou em suas implicações<br />
de totali<strong>da</strong>de. Deve encarnar a difícil uni<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> inclusão, melhor que a fácil uni<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> exclusão. Mais não é menos.<br />
O MNBA tem se inserido em praticamente<br />
todos os eventos relevantes<br />
30<br />
<strong>da</strong> história <strong>da</strong>s artes visuais em Cuba:<br />
o Salón de 70, os Salões <strong>da</strong> Uneac, as<br />
Bienais de Havana. Ao mesmo tempo,<br />
o museu é um trampolim de divulgação<br />
e consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> produção de artistas<br />
participantes desses eventos. Pode-se<br />
lembrar a memorável performance de<br />
Tania Bruguera durante a 5ª Bienal de<br />
Havana, nos jardins do MNBA. Bruguera<br />
é hoje uma artista que conta com<br />
grande reconhecimento internacional.<br />
Vale destacar a importância que<br />
a equipe do MNBA tem <strong>da</strong>do às publicações<br />
que acompanham os excelentes<br />
projetos de exposições organizados<br />
pela instituição ou em parceria com outras<br />
instituições, tais como: Novecento<br />
cubano: La naturaleza, el hombre los<br />
dioses; Pintura cubana del 1900 (com<br />
curadoria de Alejandro Alonso, e a parceria<br />
do MNBA com o governo italiano<br />
em 1995); Exposição e catálogo <strong>da</strong> obra<br />
de Wifredo Lam, em parceria com Caja<br />
Duero (Espanha) nas salas do Palacio<br />
30406009 miolo.indd 30 8/4/2010 15:02:46
de San Boal; Escuela de Nobles y Bellas<br />
Artes de San Eloy (curadoria de Roberto<br />
Cobas Amate); Exposição e catálogo<br />
La ciu<strong>da</strong>d de las columnas, também em<br />
parceria com Caja Duero na sede do<br />
MNBA, em 1997.<br />
Evidencia-se, desse modo, o interesse<br />
do MNBA pela quali<strong>da</strong>de nos projetos<br />
que desenvolve, bem como pela<br />
intensificação do intercâmbio cultural<br />
com outras instituições internacionais,<br />
que oferece a possibili<strong>da</strong>de de discussão<br />
sobre a produção nacional em contextos<br />
variados. Exemplo significativo é a<br />
exposição CUBA! Art and History from<br />
1868 to To<strong>da</strong>y, no Montreal Museum of<br />
Fine Arts em parceria com o MNBA,<br />
em 2008. Vale também destacar a exposição<br />
<strong>da</strong> coleção de arte pop do Ivam<br />
(Instituto Valenciano de Arte Moderna).<br />
No Brasil, em parceria com o Banco<br />
do Brasil, a exposição Arte de Cuba<br />
foi apresenta<strong>da</strong> em 2006 nas três sedes<br />
do Centro Cultural Banco do Brasil, em<br />
São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A<br />
exposição, com 117 obras entre pinturas,<br />
esculturas, desenhos e fotografias <strong>da</strong> coleção<br />
do MNBA, proporcionou um amplo<br />
panorama do movimento modernista<br />
cubano, com destaque para os representantes<br />
<strong>da</strong>s gerações dos anos 1960, 1970<br />
e 1980 e para uma seleção de obras de<br />
artistas contemporâneos. A discussão e a<br />
compreensão <strong>da</strong>s artes visuais em Cuba,<br />
em todos seus contextos, ressaltando a<br />
relação com a produção brasileira, foram<br />
destaques <strong>da</strong> exposição.<br />
O trabalho desenvolvido pelo<br />
MNBA tem, assim, contribuído de<br />
maneira palpável e decisiva para a fecundi<strong>da</strong>de,<br />
o impacto, a evidência e a<br />
importância <strong>da</strong> produção cubana nos<br />
circuitos nacionais e internacionais <strong>da</strong>s<br />
artes visuais. Uma parte significativa<br />
do patrimônio artístico do país está indissoluvelmente<br />
liga<strong>da</strong> ao MNBA. E a<br />
instituição continua e continuará se inserindo<br />
e orientando a história <strong>da</strong> arte<br />
visual em Cuba.<br />
Andrés Martín é cubano, historiador e coordenador de<br />
mostras do Museu de Arte Moderna de São Paulo.<br />
31<br />
Isla de la Juventud - 1970, de<br />
Kcho (Alexis Leyva Machado).<br />
30406009 miolo.indd 31 8/4/2010 15:02:47
ELvIRA GENTIL<br />
FERNANDO CALvOZO<br />
TEATRO<br />
MISSÃO CUMPRIDA<br />
3º FESTIvAL IbERO-AMERICANO DE TEATRO DE SÃO PAULO<br />
Mais de mil pessoas aplaudiram, na abertura do festival, a peça A Alma Boa de Setsuan, de Bertold Brecht, com Denise Fraga.<br />
30406009 miolo.indd 32 8/4/2010 15:02:51<br />
FOTOs: dIVuLGAçãO
FOTOs: dIVuLGAçãO<br />
O Festival Ibero-Americano de<br />
Teatro nasceu com a missão de difundir<br />
a produção contemporânea <strong>da</strong>s artes<br />
cênicas e traçar um paralelo entre os<br />
países <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, <strong>da</strong> Espanha e<br />
de Portugal. A ideia é fazer uma ponte<br />
cultural que possibilite a troca de experiências<br />
entre artistas e companhias<br />
para refletir sobre a evolução do fazer<br />
teatral dentro <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de desses países.<br />
Isso, sem abstrair a reali<strong>da</strong>de cultural<br />
de ca<strong>da</strong> um, suas origens e a ligação<br />
do teatro com suas comuni<strong>da</strong>des, descobrindo<br />
semelhanças e dificul<strong>da</strong>des<br />
comuns a grupos ou companhias. A<br />
iniciativa deu certo, e atraiu um público<br />
bastante expressivo, que aprovou o<br />
evento e seus propósitos nas edições<br />
realiza<strong>da</strong>s em 2008 e 2009.<br />
A edição de 2010, mais encorpa<strong>da</strong>,<br />
reuniu grandes nomes do cenário<br />
teatral e teve como Comissão Artística<br />
Elvira Gentil, Lima Duarte e Paulo<br />
Betti. O III Festival Ibero-Americano<br />
de Teatro de São Paulo realizado pela<br />
Fun<strong>da</strong>ção do <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>,<br />
abriu-se, assim, a mais uma possibili<strong>da</strong>de<br />
de estimular o intercâmbio<br />
cultural entre as novas dramaturgias e<br />
discutir temas do universo teatral. “Estou<br />
muito satisfeito com a quali<strong>da</strong>de<br />
dos espetáculos e com o impacto no<br />
público. Todos os dias tivemos casa<br />
cheia. Sem dúvi<strong>da</strong>, faz sentido organizarmos<br />
um festival desses no <strong>Memorial</strong>.<br />
O Festibero é uma boa forma de<br />
integrar a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong> por meio <strong>da</strong><br />
Cultura. Ora, essa é a missão do Me-<br />
Gris Mate, de Iñaki Rikarte, do grupo Katu Beltz, do País Basco, Espanha.<br />
30406009 miolo.indd 33 8/4/2010 15:02:58<br />
33
A Tempestade e os Mistérios<br />
<strong>da</strong> Ilha, <strong>da</strong> obra de<br />
Shakespeare, <strong>da</strong> Santa Estação<br />
Cia. de Teatro.<br />
morial”, segundo Fernando Leça, presidente<br />
do <strong>Memorial</strong>. Na opinião do<br />
diretor português João Leitão, o festival<br />
já é uma reali<strong>da</strong>de.<br />
Lima Duarte abriu o festival com<br />
o monólogo O Ator, de Chico de Assis,<br />
escrito especialmente para ele. Outra surpresa<br />
<strong>da</strong> noite foi sua estreia como roteirista<br />
no curta metragem de animação Folha<br />
<strong>da</strong> Samaúma, produzido pelo Projeto<br />
Bem-Te-Vi com crianças <strong>da</strong> aldeia indígena<br />
Guarani Tekoa Pyau, de São Paulo.<br />
Na sequência Denise Fraga apresentou o<br />
premiado espetáculo A Alma Boa de Setsuan,<br />
de Bertold Brecht.<br />
O Brasil apresentou ain<strong>da</strong> A Tempestade<br />
e os Mistérios <strong>da</strong> Ilha, <strong>da</strong> Santa Estação<br />
Cia. de Teatro, de Porto Alegre;<br />
Sonho de uma Noite de Verão, do Grupo<br />
Rotun<strong>da</strong>, de Campinas; Bala<strong>da</strong> de um Palhaço,<br />
<strong>da</strong> Cia. Arte & Fatos, de Goiás.<br />
Além de As Troianas, com direção de Zé<br />
Henrique de Paula; As Viúvas, direção<br />
de Sandra Corveloni, do Grupo TAPA e<br />
Homem <strong>da</strong>s Cavernas, direção de Alexandre<br />
Reinecke, as três de São Paulo.<br />
As atrações internacionais mostraram<br />
desde o teatro tradicional até<br />
experiências contemporâneas. Fizeram<br />
parte <strong>da</strong> Maratona Cênica do III Festival<br />
Ibero-Americano de Teatro de São<br />
Paulo: Espanha/Países Bascos, Gris<br />
Mate, <strong>da</strong> Cia. Katu Beltz; México, Tom<br />
34<br />
Pain, <strong>da</strong> Cia. Entre Piernas Produciones;<br />
Colômbia, Tu Ternura Molotov, <strong>da</strong> Cia.<br />
Fun<strong>da</strong>ción Teatro Nacional; Portugal,<br />
Lost in Space, <strong>da</strong> Cia. Kind of Black Box;<br />
Peru, La Importancia Del Abrazo, <strong>da</strong> Cia.<br />
Komilfó Teatro; Cuba, Final de Parti<strong>da</strong>, <strong>da</strong><br />
Cia. Argos Teatro/Havana; Argentina,<br />
Ro<strong>da</strong>ndo, e do Uruguai, Los Padres Terribles.<br />
A Mostra Paralela resgatou o circoteatro,<br />
gênero popular dos primórdios,<br />
com o Circo Tubinho, que montou sua<br />
lona na Praça <strong>da</strong>s Sombras. Entre os clássicos<br />
apresentados pelos 35 profi ssionais<br />
<strong>da</strong> companhia estavam: O Ébrio, Marcelino<br />
Pão e Vinho, A Canção de Bernadete, além<br />
de uma comédia <strong>da</strong> própria Cia.<br />
Ain<strong>da</strong> entre as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Mostra<br />
Paralela, foram programa<strong>da</strong>s a ofi cina de<br />
dramaturgia, com Chico de Assis, e mesas<br />
de debates sobre o universo teatral.<br />
Para falar sobre o panorama atual do<br />
teatro foram organiza<strong>da</strong>s três mesas de debates,<br />
coordena<strong>da</strong>s por Analy Alvarez, que<br />
discutiram os temas: As tendências <strong>da</strong> nova<br />
dramaturgia; A viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s produções<br />
alternativas; e As escolas de teatro melhoram<br />
o nível dos atores <strong>da</strong> nova geração?<br />
Para debater foram convi<strong>da</strong>dos<br />
profi ssionais conceituados, como Ligia<br />
Cortez, Ênio Gonçalves, José Leitão (diretor<br />
teatral e coordenador do Festival<br />
Fazer a Festa / Porto / Portugal) e Glória<br />
Levy (professora e diretora teatral /<br />
Uruguai), entre outros. A presença de<br />
artistas, técnicos e diretores num festival<br />
deste tipo reforça o intercâmbio que naturalmente<br />
acontece e poderá se transformar<br />
em parceria vitoriosa, tal como<br />
a direção de Gloria Levy (Uruguai) <strong>da</strong><br />
peça Rifar El Corazón, uma montagem<br />
<strong>da</strong> Bolívia. A parceria foi inicia<strong>da</strong> na primeira<br />
edição deste mesmo festival.<br />
Fernando Calvozo é Coordenador do III Festival<br />
Ibero-Americano de Teatro de São Paulo;<br />
Elvira Gentil é membro <strong>da</strong> Comissão Artística<br />
do Terceiro Festival Ibero-Americano de<br />
Teatro de São Paulo.<br />
30406009 miolo.indd 34 8/4/2010 15:03:01
DEPOIMENTO<br />
BRASÍLIA<br />
IDEIA DE UM NOVO BRASIL<br />
PAULO MENDES DA ROCHA<br />
30406009 miolo.indd 35 8/4/2010 15:03:03<br />
35
Brasília lançou a ideia de um novo<br />
Brasil. Foi a realização de um projeto<br />
em an<strong>da</strong>mento, porque não vejo o país<br />
antes ou depois, o que vejo é a continuação<br />
de um processo, o sonho de ocupação<br />
do território, que era um sonho<br />
americano. A <strong>América</strong> foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> com<br />
essa visão, a de construção, a <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de<br />
de habitar o planeta; aqui não havia<br />
na<strong>da</strong>. Portanto, como nós sabemos,<br />
é um projeto antigo este de transferir<br />
a capital para o interior do Continente,<br />
que se realizou por manifestação <strong>da</strong><br />
vontade. Acho que foi uma etapa con-<br />
36<br />
Niemeyer e Lúcio Costa<br />
trocando ideias.<br />
soli<strong>da</strong><strong>da</strong>. Veja que uma coisa tão extraordinária<br />
não constituiu uma grande polêmica<br />
nacional, ao contrário, hoje, por<br />
exemplo, quem perguntar para qualquer<br />
ci<strong>da</strong>dão brasileiro sobre Brasília, ele vai<br />
dizer que foi ele que construiu, que é<br />
uma realização do povo brasileiro.<br />
A República estabeleceu-se assim,<br />
com a visão níti<strong>da</strong> de que na <strong>América</strong><br />
a questão é a ocupação territorial.<br />
Vale ressaltar que o interessante no caso<br />
é que essa ocupação já pressupõe parcerias.<br />
Por exemplo: no que diz respeito à<br />
navegação fluvial e à ligação Atlântico-<br />
30406009 miolo.indd 36 8/4/2010 15:03:04<br />
FOTOs: reprOduçãO
FOTOs: reprOduçãO<br />
FOTOs: reprOduçãO<br />
Pacífico, uma questão americana que<br />
tem de ser realiza<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />
entre Chile, Peru, Bolívia, Brasil,<br />
Argentina. São projetos já continentais<br />
o que está sendo hoje discutido em política<br />
internacional, horizontes futuros,<br />
a posição <strong>da</strong> <strong>América</strong>, tudo fica muito<br />
ligado a esse espaço territorial latinoamericano<br />
e, sob esse aspecto, é muito<br />
importante o que foi feito em relação à<br />
construção de Brasília. Os detalhes precisam<br />
ser discutidos após a conclusão<br />
e a ocupação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Dependem de<br />
uma harmonização <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des satélites,<br />
mas, como atitude fun<strong>da</strong>mental, o estabelecimento<br />
<strong>da</strong>quela mu<strong>da</strong>nça imediata<br />
e a construção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de significaram<br />
uma experiência muito interessante.<br />
Por outro lado, também acho que<br />
a ideia de um concurso com júri internacional<br />
mobilizou uma ampla discussão<br />
pública, o que também foi positivo. Niemeyer<br />
e Lúcio Costa foram exemplares,<br />
inclusive do ponto de vista <strong>da</strong>s relações<br />
do Brasil, ou seja, <strong>da</strong> expressão do Brasil<br />
como cultura no mundo. Na opinião de<br />
amigos de grande prestígio internacional,<br />
Brasília representou um exemplo<br />
de aplicação do princípio <strong>da</strong> arquitetura<br />
contemporânea, no que se refere à questão<br />
habitacional. A graça e o prazer, a<br />
justa proporção do que seria já a moradia<br />
vertical, agregando lazer, trabalho,<br />
tudo isso é muito interessante. Também<br />
a ideia dos eixos: um eixo monumental<br />
e um eixo habitacional, os vazios associando,<br />
por exemplo, no caso <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de,<br />
lazer e conhecimento de uma<br />
forma muito positiva. Eu me lembro,<br />
nos primeiros anos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de<br />
Brasília, de experiências de convivência<br />
com gente do Brasil inteiro, de vários<br />
pontos do país, estu<strong>da</strong>ndo na Capital<br />
Federal. O que foi uma continuação do<br />
que já se havia visto nos primórdios <strong>da</strong><br />
República, homens como Drummond<br />
Catedral de Brasília pelo traço de<br />
Oscar Niemeyer.<br />
30406009 miolo.indd 37 8/4/2010 15:03:06<br />
37
de Andrade, Pedro Nava, provenientes<br />
de fora para estu<strong>da</strong>r medicina, estu<strong>da</strong>r<br />
direito, ou como a família de meu pai<br />
que era baiana, veio ao Rio de Janeiro,<br />
onde ele estudou engenharia. Agora,<br />
com Brasília comemorando seus 50<br />
anos, devemos lembrar que desses 50,<br />
20 foram de ditadura militar, o que nós<br />
não esperávamos, é um fator de amargura.<br />
Na prática, não é para se esquecer<br />
e, no plano político, podemos dizer que<br />
Brasília está sendo, agora, mais uma vez<br />
refeita, a duras penas nesses primeiros<br />
governos democratas. Esperamos que<br />
tudo isso continue. Eu vejo assim Brasília,<br />
como uma tarefa para nós.<br />
De todo modo, Brasília é uma<br />
obra que contém o máximo valor quanto<br />
ao aspecto artístico, principalmente<br />
<strong>da</strong>quelas realizações de grande envergadura,<br />
que envolvem a mobilização do<br />
esforço público, a parceria entre o pú-<br />
38<br />
Palácio <strong>da</strong> Alvora<strong>da</strong> no gesto de Niemeyer.<br />
blico e o privado. Brasília é exemplar,<br />
é uma atitude de governo, assim como<br />
representa o aproveitamento máximo<br />
<strong>da</strong>s técnicas <strong>da</strong> engenharia e <strong>da</strong> sabedoria<br />
específicas, todos solidários para<br />
implantar o projeto; isso é muito importante<br />
na construção de uma nação.<br />
Ninguém, em particular, pode<br />
se responsabilizar por Brasília, porque<br />
Brasília é um projeto nacional, mas<br />
é estimulante saber que tivemos, em<br />
sua construção, artistas à sua altura. O<br />
grande mérito de Brasília é a fun<strong>da</strong>ção<br />
de uma ci<strong>da</strong>de inteira e a consequente<br />
ocupação de um território. Isso, claro, se<br />
nós tivéssemos explorado essa realização<br />
como deveríamos. Aliás, já estamos<br />
muito atrasados, basta citar a questão <strong>da</strong><br />
navegação fluvial, num país com uma<br />
rede dessas que temos.<br />
Frank Gary disse certa vez em<br />
uma entrevista para o Mais (Folha de São<br />
30406009 miolo.indd 38 8/4/2010 15:03:07<br />
FOTOs: reprOduçãO
FOTO: TuCA VIeIrA<br />
Paulo), que não acredita em urbanismo,<br />
para ele urbanismo estaria nas mãos <strong>da</strong>s<br />
incorporadoras. No entanto, para mim<br />
a ideia de urbanismo e planejamento é<br />
uma ideia que envolve uma visão nacional.<br />
É claro que envolve o caráter arquitetônico,<br />
mas ninguém, isola<strong>da</strong>mente,<br />
vai <strong>da</strong>r a solução. Um projeto desses<br />
exige uma nação, uma consistente forma<br />
de planejamento nacional abrangendo<br />
to<strong>da</strong>s as variáveis envolvi<strong>da</strong>s. Não<br />
se pode imaginar que a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong><br />
seja feita, enquanto planejamento, pelas<br />
mãos exclusivas <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong>. A<br />
empresa priva<strong>da</strong> vai estar contempla<strong>da</strong><br />
dentro dos objetivos de uma República,<br />
mas nenhuma <strong>da</strong>s duas partes deve<br />
ser submeti<strong>da</strong> à outra, é uma questão de<br />
consenso. E não existe na<strong>da</strong> que possa<br />
ser feito na dimensão de um continente,<br />
de uma <strong>América</strong>, sem planejamento<br />
e consistência, que tem de começar pela<br />
atitude do Estado. São projetos que só<br />
podem ser implementados com larga<br />
visão, como as barragens, que foram<br />
construí<strong>da</strong>s por empresas priva<strong>da</strong>s, mas<br />
com planejamento de caráter abrangente,<br />
estatal. Basta lembrar que to<strong>da</strong>s as<br />
barragens possuem eclusas, portanto,<br />
o Tietê, para citar um caso, é navegável<br />
até o Paraná; ou seja, a ligação do Amazonas<br />
com o Prata é possível. É muito<br />
importante para o escoamento <strong>da</strong> produção<br />
<strong>da</strong> agroindústria, um sistema que associado<br />
às ferrovias constituiria uma rede<br />
mais ampla. A navegação fl uvial é particularmente<br />
muito estimulante, pois substitui<br />
os caminhões: barcaças transportam<br />
o equivalente a 200 caminhões e não há<br />
na<strong>da</strong> que se compare. Por isso é fácil imaginar<br />
porque outros países já fi zeram os<br />
famosos sistemas como o Volga, o Don,<br />
o Ruhr e o Mississipi.<br />
Então, ain<strong>da</strong> há muito a fazer<br />
para transformar a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, justamente<br />
naquilo que sempre se sonhou.<br />
Uma esperança para as angústias do<br />
mundo. Sabe-se que o mundo necessi-<br />
ta de uma discussão permanente sobre<br />
a construção <strong>da</strong> paz para inverter essa<br />
produção to<strong>da</strong> destina<strong>da</strong> à guerra. A paz<br />
implica em novas fontes de trabalho.<br />
Tudo isso, na minha opinião, do ponto<br />
de vista simbólico, mas com muita força,<br />
está ligado à esta operação, pensar<br />
na interland com a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> capital.<br />
Embora ain<strong>da</strong> seja um gesto simbólico,<br />
é necessário diante do tempos que esperamos<br />
para todos. Hoje eu penso em<br />
ci<strong>da</strong>des novas, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s dentro desse<br />
horizonte de ligações entre o Atlântico e<br />
o Pacífi co, com a navegação fl uvial, que<br />
podem criar um horizonte interessante<br />
para as ci<strong>da</strong>des já satura<strong>da</strong>s e quase impossíveis<br />
de serem sustenta<strong>da</strong>s, como<br />
São Paulo, particularmente, e o próprio<br />
Rio de Janeiro.<br />
Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha, nome consagrado <strong>da</strong><br />
arquitetura, recebeu os prêmios Mies Van Der<br />
Rohe de 2001 e Pritzker de 2006.<br />
39<br />
Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha<br />
em seu escritório.<br />
30406009 miolo.indd 39 8/4/2010 15:03:08
1<br />
CURTAS<br />
5<br />
11<br />
8<br />
12<br />
3<br />
2<br />
6<br />
9<br />
4<br />
7<br />
10<br />
13<br />
30406009 miolo.indd 40 8/4/2010 15:03:12
FOTOs: reprOduçãO<br />
1<br />
O AssAssINATO dAs<br />
IrMãs MIrABAL<br />
As irmãs Mirabal,<br />
Patria Mercedes Mirabal,<br />
Minerva Argentina<br />
Mirabal e<br />
Antonia María Teresa<br />
Mirabal, também<br />
conheci<strong>da</strong>s como<br />
Las Mariposas, cresceram<br />
em uma zona<br />
rural, na República Dominicana. Quando o ditador Trujillo<br />
chegou ao poder, a família <strong>da</strong>s irmãs perdeu a casa e todo o dinheiro<br />
que tinha. Elas acreditavam que Trujillo levaria o país ao<br />
caos econômico e formaram um grupo de oposição ao regime.<br />
Embora presas e tortura<strong>da</strong>s várias vezes, continuaram na luta<br />
contra a ditadura. Trujillo decidiu, então, acabar com elas. Em<br />
25 de novembro de 1960, armou uma tocaia. Quando as três<br />
mulheres iam visitar os maridos na prisão, foram pegas e leva<strong>da</strong>s<br />
para uma plantação de cana de açúcar, onde foram apunhala<strong>da</strong>s<br />
e estrangula<strong>da</strong>s.<br />
Trujillo acreditou que havia eliminado o problema. Ao<br />
contrário. O assassinato teve péssima repercussão no país.<br />
Causou uma grande comoção e levou o povo a fi car ca<strong>da</strong><br />
vez mais inclinado a apoiar os ideais de Las Mariposas, o<br />
que resultou no assassinato de Trujillo em maio de 1961.<br />
Em homenagem ao sacrifício <strong>da</strong>s irmãs Mirabal, em 17 de<br />
dezembro de 1999, a Assembleia Geral <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />
declarou que 25 de novembro é o Dia Internacional <strong>da</strong> Eliminação<br />
<strong>da</strong> Violência contra a Mulher.<br />
‘ 2 MArx x BOLÍVAr<br />
‘ 3 Buenos Aires tem mais de 8 mil editoras, 160 selos musicais, 500 cinemas, 3.200 livrarias e 740<br />
BueNOs AIres<br />
O desprezo de [Karl] Marx por<br />
Simón Bolívar era tão profundo<br />
que, no verbete biográfi co que<br />
escreveu para a New American<br />
Encyclopedia, ele analisa em detalhes<br />
ca<strong>da</strong> uma de suas campanhas,<br />
nega suas aptidões militares e, pior<br />
ain<strong>da</strong>, nega-lhe a valentia. Segundo<br />
Marx, Bolívar sempre abandonou<br />
seus homens em batalha para<br />
fugir covardemente.<br />
Marx vai além, dizendo que ele<br />
queria unifi car a <strong>América</strong> do Sul<br />
‘numa república federal <strong>da</strong> qual<br />
seria ditador’. Numa carta que escreveu<br />
para Engels, em 14 de fevereiro<br />
de 1858, disse ‘Simón Bolívar<br />
é um canalha covarde, brutal e miserável’<br />
e o compara com Faustin<br />
Soulouque, o negro haitiano que se<br />
proclamou imperador.<br />
* artigo de José Enrique Miguens (Argentina)<br />
Buenos Aires tem mais de 8 mil editoras, 160 selos musicais, 500 cinemas, 3.200 livrarias e 740<br />
museus, mercado que responde por 6% do PIB argentino. Na<strong>da</strong> mais lógico que fosse eleita pela<br />
Unesco como Capital Mundial do Livro de 2011. É a décima primeira capital nomea<strong>da</strong> e pelo visto<br />
é preciso ter muito gabarito para ganhar o título: suas antecessoras, pela ordem, foram Madri, Alexandria,<br />
Nova Dehli, Montreal, Turim, Bogotá, Amsterdã, Beirute e Liubliana. Buenos Aires foi<br />
seleciona<strong>da</strong> pela quanti<strong>da</strong>de e pela quali<strong>da</strong>de do programa de eventos que apresentou em sua candi<strong>da</strong>tura.<br />
A indicação não representa qualquer prêmio fi nanceiro, mas sim o reconhecimento de uma<br />
ci<strong>da</strong>de que preza os livros e a leitura. E como! É terra de escritores como Jorge Luis Borges, Ernesto<br />
Sábato, Julio Cortázar, César Aira e Manuel Puig, só para citar alguns dos mais conhecidos no mundo<br />
todo. O ano de 2011 será, portanto, será um período de grandes eventos culturais em Buenos Aires.<br />
41<br />
CURTAS<br />
30406009 miolo.indd 41 8/4/2010 15:03:13
CURTAS<br />
‘ 4<br />
CIdAde MAIs dIGITAL<br />
‘ 5<br />
O que Winston Churchill, Al Capone, Getúlio Vargas e<br />
Santos Dumont poderiam ter em comum? Na<strong>da</strong>? Ao contrário,<br />
a cabeça. Como? É: todos eles, e muitos outros figurões<br />
de diferentes estirpes e vertentes usavam o chapéu do<br />
Panamá. Que, aliás, nem do Panamá é, é do Equador, feito<br />
de Carludovica palmata, planta comum no litoral <strong>da</strong>quele país<br />
e que fez a cabeça de homens ilustres como eles. O apogeu<br />
do modelo começou no início do século passado, quando<br />
ficaram conhecidos como Panamá-Hats. O nome é fruto<br />
de um grande mal-entendido: os operários que abriram<br />
o Canal do Panamá usavam chapéus feitos no Equador<br />
para se proteger do sol. Os panamenhos gostaram e passaram<br />
a comprar chapéu e revender no mundo todo; para<br />
os Estados Unidos eram embarcados pelo próprio Canal<br />
do Panamá, o que reforçou o nome. A palha usa<strong>da</strong> para<br />
confeccionar o chapéu do Panamá é muito fina, e só está<br />
pronta para entrar em linha de produção depois de dias<br />
submeti<strong>da</strong> à umi<strong>da</strong>de e à sombra, levando o processo de<br />
fabricação a perdurar, dependendo <strong>da</strong> sofisticação, quatro<br />
meses até a última etapa, a colocação <strong>da</strong> fita.<br />
‘ 6<br />
O prIMeIrO GrAFITeIrO dO BrAsIL<br />
sãO pAuLO<br />
Na <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, a ci<strong>da</strong>de mais digitaliza<strong>da</strong><br />
é São Paulo. A pesquisa feita por<br />
uma empresa de consultoria apontou<br />
em segundo e terceiro lugares Chiuahua<br />
e Méri<strong>da</strong>, no México, depois San Luis,<br />
na Argentina, e Gua<strong>da</strong>lajara, também no<br />
México. O levantamento começou há<br />
um ano e avaliou os níveis de digitalização<br />
de 150 ci<strong>da</strong>des em 15 países latinoamericanos.<br />
Considerou principalmente<br />
a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> rede de serviços online<br />
oferecidos pela administração municipal.<br />
Além disso, foi avaliado também o<br />
uso de tecnologias <strong>da</strong> informação entre<br />
ci<strong>da</strong>dãos, empresas e outras instituições<br />
públicas. Santiago, do Chile, aparece<br />
em sétimo lugar, depois de Flori<strong>da</strong>, no<br />
Uruguai. Do Brasil, também entra no<br />
ranking, a ci<strong>da</strong>de de Salvador, coloca<strong>da</strong><br />
pelo estudo em 12º lugar.<br />
42<br />
ALex VALLAurI<br />
deu NA CABeçA<br />
Alex Vallauri está em São Paulo: nas ruas, túneis, passarelas, viadutos – Alex<br />
e seus discípulos comunicam para o povo, para o pedestre, para o motorista...<br />
Em 27 de março de 1987, Alex Vallauri deixou lembranças. Um ano após a sua<br />
morte, esse dia foi instituído. O trabalho de Vallauri inspirou diversos artistas e<br />
tornou a arte do grafite mais conheci<strong>da</strong> e respeita<strong>da</strong> no país.<br />
Alex Vallauri, artista plástico etíope, naturalizado brasileiro, é o pioneiro do<br />
grafite nacional. Na déca<strong>da</strong> de 80, Alex Vallauri e o grupo “Tupi não dá”, compunham<br />
a primeira geração de grafiteiros de São Paulo. O trabalho deles era<br />
panfletário e rebelde, uma reação ao momento histórico que vivíamos, e que<br />
gerou o diálogo maior do grafite com o mercado <strong>da</strong>s artes de hoje, mu<strong>da</strong>ndo a<br />
interação dessa arte com o público e a intensificação de seu consumo.<br />
30406009 miolo.indd 42 8/4/2010 15:03:13
‘<br />
7<br />
9<br />
NO uruGuAI se<br />
ApreNde pOrTuGuês<br />
Desde de 2008, a língua portuguesa é disciplina obrigatória para os<br />
estu<strong>da</strong>ntes uruguaios do ensino médio. Para o governo uruguaio, a<br />
medi<strong>da</strong> atende as necessi<strong>da</strong>des dos jovens luso-descendentes que<br />
vivem no país. Até então, o ensino do idioma como língua estrangeira<br />
tinha caráter facultativo. Os estu<strong>da</strong>ntes do ensino médio<br />
podiam optar por fazer a disciplina como matéria extracurricular,<br />
exceção feita às escolas primárias de fronteira com o Brasil, onde<br />
a matéria já era ensina<strong>da</strong>, e também eram feitas pesquisas sobre os<br />
dialetos portugueses no Uruguai, conhecidos na gíria como “portuñol”.<br />
Por questões geográficas e sociológicas, na região fronteiriça<br />
já existiam várias escolas primárias em que estava implementado<br />
desde 2003 o ensino bilíngue em espanhol e português. O objetivo<br />
do governo é formar ci<strong>da</strong>dãos que dominem os dois idiomas.<br />
AGrONeGóCIOs é TeMA<br />
dA CáTedrA MeMOrIAL uNesCO<br />
Está em curso mais um módulo <strong>da</strong> Cátedra<br />
Unesco <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, projeto<br />
realizado em conjunto com a Universi<strong>da</strong>de<br />
de São Paulo, a Universi<strong>da</strong>de Estadual<br />
Paulista e a Universi<strong>da</strong>de Estadual de Campinas.<br />
O tema desta vez é Agronegócio na<br />
<strong>América</strong> <strong>Latina</strong>: Desafios e Oportuni<strong>da</strong>des,<br />
desenvolvido pelo professor Roberto Rodrigues,<br />
ex-ministro <strong>da</strong> Agricultura do Brasil, e se estenderá até meados<br />
do ano. O programa, voltado à pesquisa e ao estudo de questões<br />
concretas <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, ocorre nos campi universitários<br />
<strong>da</strong>s instituições parceiras e no <strong>Memorial</strong>, com cursos de extensão,<br />
seminários, orientação de pesquisa e conferências. Inovação tecnológica,<br />
integração do continente, desenvolvimento sustentável,<br />
energia, mercado e processos de trabalho, são alguns dos temas<br />
abor<strong>da</strong>dos por esse módulo. Participam, além de brasileiros, estu<strong>da</strong>ntes<br />
estrangeiros indicados por universi<strong>da</strong>des, que têm a oportuni<strong>da</strong>de<br />
de um contato mais estreito com as questões políticas,<br />
econômicas e culturais brasileiras, enquanto se aprofun<strong>da</strong>m no<br />
conhecimento sobre a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>.<br />
‘<br />
8<br />
A FAVOr<br />
dA INTeGrAçãO<br />
Durante o último encontro <strong>da</strong> Cúpula<br />
<strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong> e do<br />
Caribe, realizado em fevereiro deste<br />
ano em Cancún, no México, chefes de<br />
Estado e representantes diplomáticos<br />
de 32 países <strong>da</strong> região subscreveram a<br />
constituição <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de de Estados<br />
Latino-Americanos e Caribenhos.<br />
O bloco deverá promover o respeito<br />
ao direito internacional, evitar a ameaça<br />
de força, trabalhar a favor do meio<br />
ambiente <strong>da</strong> região, tratar <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de<br />
entre Estados e <strong>da</strong> integração regional,<br />
bem como do diálogo com outros<br />
blocos. Várias questões também foram<br />
avalia<strong>da</strong>s, como a prospecção de<br />
petróleo nas Ilhas Malvinas por uma<br />
empresa britânica. Entendeu-se que o<br />
Reino Unido deve respeitar a resolução<br />
<strong>da</strong> ONU, que recomen<strong>da</strong> aos dois<br />
países não tomarem decisões unilaterais<br />
enquanto a disputa não for resolvi<strong>da</strong>.<br />
Para os Estados Unidos, a união<br />
de países latino-americanos é positiva,<br />
pois favorece a cooperação regional.<br />
43<br />
CURTAS<br />
30406009 miolo.indd 43 8/4/2010 15:03:13
CURTAS<br />
‘ 10<br />
MILIONárIOs<br />
LATINO-AMerICANOs<br />
‘<br />
Carlos Slim Helú e a sua família lideram<br />
este ano o ranking <strong>da</strong> Forbes: valem US$<br />
53,5 bilhões. É a primeira vez que um<br />
latino-americano lidera a lista, elabora<strong>da</strong><br />
anualmente pela revista americana há<br />
24 anos. Bill Gattes e Warren Buffet, se<br />
intercalaram como os mais ricos do planeta<br />
por uma déca<strong>da</strong> e meia.<br />
A privatização <strong>da</strong> companhia telefônica<br />
mexicana nos anos 90 foi a alavanca<br />
para Carlos Slim se lançar no mundo<br />
dos negócios globais, sendo uma <strong>da</strong>s referências<br />
nas telecomunicações (a <strong>América</strong><br />
Móvil é a maior operadora <strong>da</strong> <strong>América</strong><br />
<strong>Latina</strong>), construção, energia e agora,<br />
aos 70 anos, até na comunicação social,<br />
com destaque para a posição que detém<br />
no capital do New York Times.<br />
“A economia global está se recuperando.<br />
Os mercados financeiros reagiram,<br />
especialmente os emergentes. Houve<br />
11<br />
44<br />
O OsCAr VAI pArA...<br />
ArGeNTINA<br />
um aumento de 50% na riqueza geral<br />
global em relação ao ano passado”,<br />
afirmou Steve Forbes, presidente do<br />
grupo editorial Forbes.<br />
Esse fenômeno se aplicou ao caso de<br />
Carlos Slim, cuja fortuna cresceu em<br />
um ano US$ 18,5 bilhões e já chega a<br />
US$ 53,5 bilhões. O mexicano apareceu<br />
em terceiro lugar na lista o ano passado.<br />
O Brasil também está representado<br />
no “top oito” por Eike Batista (US$ 27<br />
bilhões), dono de gigantes nas áreas do<br />
minério e do petróleo (OGX), matériaprima<br />
que tem ca<strong>da</strong> vez maior peso na<br />
economia brasileira, por causa <strong>da</strong> descoberta<br />
regular de novas reservas, essencialmente<br />
em alto mar – o pré-sal.<br />
Batista é ain<strong>da</strong> proprietário do grupo<br />
EBX, que reúne empresas de mineração,<br />
energia, logística e exploração de<br />
petróleo e gás.<br />
O Segredo dos Seus Olhos, de Juan Jose Campanella, ganhou o Oscar de melhor filme<br />
estrangeiro, <strong>da</strong>ndo à Argentina a segun<strong>da</strong> estatueta e a sexta nomeação <strong>da</strong> Academia<br />
de Cinema de Hollywood. O filme venceu o grande favorito, o alemão A Fita<br />
Branca, bem como outro bastante conceituado no meio, o hispano-peruano A Teta<br />
Assusta<strong>da</strong>, além do francês O Profeta e do israelita Ajami. Apesar <strong>da</strong> trama, que trata<br />
<strong>da</strong> solução de um assassinato depois de 25 anos de investigação, o filme é marcado<br />
por um sutil bom humor. Realizadores, críticos, atores, todos se alegraram na noite<br />
de entrega do prêmio com a vitória conquista<strong>da</strong> pela produção hispano-argentina.<br />
O ator protagonista, Ricardo Darín, que é argentino e assistiu à festa em Buenos<br />
Aires, disse que ao ver os demais filmes concorrentes achou que O Segredo de Seus<br />
Olhos tinha muita chance de vencer: “O filme conta uma história dura e áspera sem,<br />
contudo, perder o bom humor e a essência do cotidiano.”<br />
30406009 miolo.indd 44 8/4/2010 15:03:14
‘<br />
‘<br />
13<br />
12<br />
Os 638 ATeNTAdOs<br />
CONTrA FIdeL CAsTrO<br />
El que debe vivir é uma série com oito capítulos de 70 minutos ca<strong>da</strong> um, que levou três anos<br />
de filmagens. É uma série sem precedentes em Cuba: 243 atores e atrizes, mais 800 extras<br />
e figurantes, encarnam figuras históricas como Fulgencio Batista, o ex-diretor <strong>da</strong> Cia Allen<br />
Dulles e os principais líderes revolucionários, incluindo Fidel Castro. A série sobre os 638<br />
atentados contra Fidel Castro mescla ficção e é um drama baseado em material de arquivo<br />
e que irá ao ar todos os domingos em horário nobre.<br />
A lista de planos e atentados frustrados é ampla e rebusca<strong>da</strong>: desde simples atentados e<br />
grana<strong>da</strong>s disfarça<strong>da</strong>s de bolas de beisebol, até a famosa bati<strong>da</strong> de chocolate com cianureto<br />
na cafeteria do hotel Havana Hilton, pouco depois do triunfo <strong>da</strong> revolução, um dos mais<br />
ameaçadores à vi<strong>da</strong> de Fidel.<br />
O primeiro capítulo é dedicado às tentativas de matar Fidel Castro antes de 1959, quando<br />
se preparava no México a invasão do iate Granma e depois, já em Sierra Maestra, ao ser<br />
traído por um camponês chamado Eutimio Guerra.<br />
A série é to<strong>da</strong> permea<strong>da</strong> pela mensagem de que Cuba tem direito de se defender do seu<br />
principal inimigo: os Estados Unidos <strong>da</strong> <strong>América</strong>.<br />
O último capítulo é dedicado às tentativas de magnicídio durante as cúpulas ibero-americanas<br />
de presidentes, sobretudo o ocorrido no Panamá no ano de 2000.<br />
MALVINAs Ou<br />
FALkLANds ?<br />
A população <strong>da</strong>s ilhas Malvinas vive mais um impasse duas déca<strong>da</strong>s depois <strong>da</strong> guerra entre Argentina e<br />
Grã-Bretanha pela soberania do arquipélago, que fica no sul do Oceano Atlântico e é chamado de Malvinas<br />
pelos argentinos e de Falklands pelos britânicos.<br />
O anúncio de que o governo britânico teria autorizado a prospecção de petróleo em uma área próxima às<br />
ilhas causou protestos do governo argentino, que questiona a soberania britânica sobre o arquipélago.<br />
A Argentina levou a questão para a Cúpula <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong> e Caribe, em Cancún, buscando apoio dos<br />
países <strong>da</strong> região. Durante o encontro, foram aprovados dois textos, um dos quais foi uma declaração de<br />
presidentes em que os chefes de Estado e de governo reafirmam o seu apoio aos legítimos direitos <strong>da</strong><br />
República Argentina na disputa de soberania com o Reino Unido <strong>da</strong> Grã-Bretanha e <strong>da</strong> Irlan<strong>da</strong> do Norte<br />
relativa à questão <strong>da</strong>s Ilhas Malvinas”. O outro foi um comunicado sobre a exploração de hidrocarbonetos<br />
na plataforma continental <strong>da</strong>s Malvinas, pela Argentina. No final <strong>da</strong> cúpula, os líderes latino-americanos<br />
afirmaram que o Conselho de Segurança <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s “deve reabrir” a discussão em torno <strong>da</strong> jurisdição<br />
sobre as Malvinas e questionou a soberania britânica sobre as ilhas.<br />
45<br />
CURTAS<br />
30406009 miolo.indd 45 8/4/2010 15:03:15
GALERIA MARTA TRABA<br />
40 ARTISTAS EM<br />
JOGOS DE GUERRA<br />
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OBRA DE REGINA SILVEIRA<br />
30406009 miolo.indd 47 8/4/2010 15:03:17
No piso, Rendido 2008,<br />
intervenção de Guga Ferraz.<br />
Jogos de Guerra trata de confrontos.<br />
To<strong>da</strong> sorte de confrontos: em<br />
terrenos simbólicos, como os jogos; na<br />
guerra propriamente dita; na política;<br />
na economia; na defesa <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de;<br />
nas batalhas emocionais; no duelo<br />
do artista com sua obra. Projeto de Leo<br />
Ayres, realizado pela Coletiva Projetos<br />
Culturais, em cartaz na galeria Marta<br />
Traba, reúne obras de Daniel Senise a<br />
Cildo Meireles e Regina Silveira. Nelson<br />
Leirner, por exemplo, remonta sua<br />
instalação A Lot(e), na qual mistura fi -<br />
guras religiosas, animais e personagens<br />
pop de desenhos animados. Adriana<br />
Varejão comparece com um trabalho<br />
pouco conhecido, mas identifi cado<br />
com sua obra, a foto Contingente. Raul<br />
Mourão, por sua vez, trata <strong>da</strong> guerra no<br />
48<br />
campo simbólico, com a escultura O<br />
Campo Todo Fraturado, enquanto Márcia<br />
X discute questões religiosas e sexuais<br />
em Desenhando com Terços, e Rosana Palazyan<br />
toca na violência doméstica com<br />
Love Story II, uma fi ta rósea e bor<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />
Jovens artistas também marcam<br />
presença em Jogos de Guerra, com<br />
trabalhos pertinentes, caso de Felipe<br />
Barbosa, com Homem Bomba, e Leo<br />
Ayres, autor de Operação Camufl agem e<br />
Together, feeling lonely, um vídeo e uma<br />
série de fotos que desven<strong>da</strong>m os bastidores<br />
<strong>da</strong> Academia Militar <strong>da</strong>s Agulhas<br />
Negras. Já Daniel Senise preparou<br />
uma obra inédita, e Cildo Meireles e<br />
Regina Silveira participaram com dois<br />
marcos de suas carreiras, Zero Cruzeiro/Zero<br />
Dólar e Encuentro.<br />
30406009 miolo.indd 48 8/4/2010 15:03:18<br />
FOTO: dIVuLGAçãO
HOMENAGEM<br />
JORNALISTA<br />
&<br />
ESCRITOR<br />
UM ARGENTINO<br />
DA RESISTÊNCIA<br />
JOCA REINERS TERRON<br />
A<br />
morte de Tomás Eloy Martínez<br />
em 31 de janeiro de 2010<br />
representa o fim de to<strong>da</strong> uma<br />
geração. Nascido na província<br />
de Tucumán em 1934, o jornalista<br />
e escritor argentino pertenceu<br />
àquela geração que atingiu a maturi<strong>da</strong>de<br />
na mesma época em que ditaduras militares<br />
se impuseram em to<strong>da</strong> a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>. Marcados<br />
pela perseguição política e pelo exílio,<br />
esses intelectuais escaparam de uma <strong>América</strong><br />
<strong>Latina</strong> que “foi o manicômio <strong>da</strong> Europa, assim<br />
como os Estados Unidos foram sua fábrica”,<br />
no dizer do escritor chileno Roberto Bolaño,<br />
mas “a fábrica agora está em poder dos capatazes<br />
e loucos fugidos são sua mão de obra”.<br />
30406009 miolo.indd 49 8/4/2010 15:03:18<br />
49
Exilado na Venezuela<br />
e nos Estados Unidos após<br />
o golpe militar de 1976,<br />
Eloy Martínez prosseguiu<br />
com a carreira consoli<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
no jornalismo de seu país natal.<br />
Não imagine que a citação de<br />
Bolaño é fortuita, pois não é. Excerto<br />
de seu artigo póstumo “Os mitos de<br />
Chtulhu”, é um ataque aos “capatazes”,<br />
representantes de uma literatura<br />
linear e alinha<strong>da</strong> à lógica de mercado,<br />
entre os quais identifica Eloy Martínez,<br />
cuja obra apresenta ingredientes<br />
raros na canônica ficção argentina, de FOTOs:<br />
50<br />
núcleo irradiativo de matiz fantástico<br />
como consagrado em Macedonio<br />
Fernández e em Jorge Luis Borges,<br />
não sendo fortemente marca<strong>da</strong> pelo<br />
naturalismo. Na visão de Bolaño, porém,<br />
essa herança do poder transfigurador<br />
<strong>da</strong> literatura (de Onetti, Rulfo,<br />
Cortázar e Bioy, por exemplo) cessa<br />
na legibili<strong>da</strong>de e na clareza de obras<br />
30406009 miolo.indd 50 8/4/2010 15:03:18<br />
reprOduçãO
como as de Eloy Martínez (e de outros,<br />
tais como Isabel Allende, Ángeles<br />
Mastretta ou Luis Sepúlve<strong>da</strong>),<br />
supostos responsáveis futuros pela<br />
propagação de narrativas volta<strong>da</strong>s ao<br />
consumo e ao entretenimento “ilustrado”<br />
– ou seja, para inglês ver.<br />
Descontado o radicalismo típico<br />
do pensamento do chileno (e que<br />
se mostra ca<strong>da</strong> vez mais equivocado<br />
em seu extremismo purista: basta verificar<br />
sua própria influência crescente<br />
na produção literária atual de língua<br />
espanhola e não somente, galopando<br />
a cascos largos para a canonização), é<br />
fato que o exílio serviu a alguns autores<br />
como espécie de violento sucedâneo<br />
do boom latino-americano, que<br />
já permitira a alguns integrantes <strong>da</strong><br />
geração anterior à de Eloy Martínez<br />
(a de Borges e de Rulfo) e a alguns<br />
de seus contemporâneos (fiquemos<br />
apenas em García Márquez e Vargas<br />
Llosa), o auge <strong>da</strong> profissionalização –<br />
por meio <strong>da</strong> sanção editorial europeia<br />
– e a popularização em escala global.<br />
Exilado na Venezuela e nos Estados<br />
Unidos após o golpe militar de<br />
1976, Eloy Martínez prosseguiu com<br />
a carreira consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> no jornalismo<br />
de seu país natal, onde colaborara<br />
inicialmente em La Nación e fun<strong>da</strong>ra,<br />
mais tarde, La Opinión, diário fun<strong>da</strong>mental<br />
no registro do descalabro<br />
político em ascensão na Argentina<br />
de princípio <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70. Com<br />
o fechamento de La Opinión, perseguido<br />
pelos militares, Martínez abrigou-se<br />
na Venezuela, onde criou em<br />
1979 El Diario de Caracas, periódico<br />
que se impôs como fala influente <strong>da</strong><br />
crônica latino-americana <strong>da</strong>quela déca<strong>da</strong><br />
de ocaso e violência.<br />
Logo após sua mu<strong>da</strong>nça para os<br />
EUA em 1984, Martínez publicou seu<br />
primeiro livro de sucesso mundial,<br />
O Romance de Perón (Companhia <strong>da</strong>s<br />
Letras, 1998). Exímio praticante de<br />
um jornalismo literário nos moldes<br />
de Truman Capote (com quem recebeu<br />
inevitáveis comparações), Martínez<br />
formulou seus romances num<br />
binômio baseado na linguagem clara<br />
e direta do jornalismo (certamente<br />
influencia<strong>da</strong> pelo suspense decalcado<br />
de livros policiais <strong>da</strong> escola noir<br />
de Dashiell Hammett e de Raymond<br />
Chandler), a serviço <strong>da</strong> investigação<br />
de eventos históricos de grande escala<br />
e de fun<strong>da</strong>mental importância para<br />
a compreensão <strong>da</strong> história argentina.<br />
Sua predileção pela mitologia em torno<br />
de Juan Domingos Perón, levou-o<br />
à consagração com a publicação de<br />
Santa Evita (Companhia <strong>da</strong>s Letras,<br />
1995) e, por extensão, à fixação do<br />
espírito trágico argentino em O Cantor<br />
de Tango (Companhia <strong>da</strong>s Letras,<br />
2004) em sua manifestação mais recente,<br />
a <strong>da</strong> crise político-financeira<br />
de 2002.<br />
Protagonista de uma vi<strong>da</strong> trágica<br />
em seus últimos anos, Tomás Eloy<br />
Martínez sobreviveu ao atropelamento<br />
que vitimou em 2001 sua terceira<br />
mulher, a jornalista venezuelana Susana<br />
Rotker. Tendo diagnosticado o<br />
câncer logo depois, porém, sobreviveu<br />
por dez anos à luta contra a doença<br />
que o consumiu, sempre com<br />
a mesma elegância de seus textos e<br />
com a leal<strong>da</strong>de devota<strong>da</strong> aos amigos<br />
que o tornaram conhecido.<br />
Joca Reiners Terron é escritor, artista<br />
gráfico e editor.<br />
30406009 miolo.indd 51 8/4/2010 15:03:19<br />
51
52<br />
HISTÓRIA<br />
BICENTENÁRIOS<br />
vERÓNICA GOYZUETA<br />
ESTE ANO COMEMORAM-SE OS 200 ANOS DA INDEPENDêN-<br />
CIA DE qUATRO PAÍSES hISPANO-AMERICANOS: ARGENTI-<br />
NA, MÉxICO, COLôMBIA E ChILE. AS LUTAS SE ARRASTA-<br />
RAM POR VÁRIOS ANOS E RESULTARAM NA EMANCIPAçÃO<br />
POLÍTICA DESSES PAÍSES, NO INÍCIO DO SÉCULO xIx.<br />
Um importante processo político<br />
e militar instalou-se na <strong>América</strong> hispânica<br />
entre 1810 e 1830, e permanece vivo<br />
duzentos anos depois. Foi nesse período<br />
histórico que uma série de movimentos<br />
de insurgentes buscaram a independência<br />
<strong>da</strong> monarquia espanhola, do México à<br />
Terra do Fogo, para se tornarem as Repúblicas<br />
que são, em sua grande maioria, até<br />
hoje. Esses vinte anos marcaram o continente<br />
para sempre, brin<strong>da</strong>ndo-nos com<br />
o sonho <strong>da</strong> utopia bolivariana que segue<br />
na pauta dos governos sul-americanos.<br />
Passados dois séculos e entrando em um<br />
novo milênio, a integração continua parecendo<br />
necessária e segue sendo busca<strong>da</strong><br />
em projetos econômicos, culturais e políticos,<br />
como o Mercosul, o mais ambicioso<br />
30406009 miolo.indd 52 8/4/2010 15:03:19
FOTOs: reprOduçãO<br />
dos intentos que se criaram desde a déca<strong>da</strong><br />
de 60 – como o Pacto Andino, hoje<br />
Comuni<strong>da</strong>de Andina de Nações (CAN) e<br />
o Parlamento Latino-Americano.<br />
Depois <strong>da</strong> Independência dos Estados<br />
Unidos (1783), que provou ter sido<br />
possível deixar de ser colônia, e <strong>da</strong> Revolução<br />
Francesa (1789), que estimulava a<br />
conquista de princípios como a liber<strong>da</strong>de,<br />
a igual<strong>da</strong>de e os direitos humanos, as<br />
elites intelectuais e mestiças <strong>da</strong> <strong>América</strong><br />
hispânica correram atrás de sua independência,<br />
deixando como contribuição<br />
histórica ao mundo a ideia de que a liber<strong>da</strong>de<br />
está acima <strong>da</strong>s questões raciais.<br />
Foi a primeira vez que mestiços, índios<br />
e negros lutaram em batalhões por um<br />
mesmo ideal, e que conceitos como Pátria<br />
e Nação se construíram sobre a base<br />
<strong>da</strong> convivência de diversas culturas e etnias,<br />
em outro processo que ain<strong>da</strong> marca<br />
o continente; basta pensar, por exemplo,<br />
na Bolívia de Evo Morales, que em julho<br />
celebrou seu bicentenário com toques indígenas.<br />
Outra <strong>da</strong>s heranças desses tempos<br />
é o caudilhismo, o fenômeno social e<br />
político que continua pulsando na região.<br />
Seu melhor representante na atuali<strong>da</strong>de é<br />
o venezuelano Hugo Chávez, por coincidência,<br />
um entusiasta do ideal bolivariano<br />
de seu compatriota Simón Bolívar.<br />
É por motivos como estes que,<br />
nos países hispano-americanos, as celebrações<br />
do bicentenário <strong>da</strong> indepêndencia<br />
não serão apenas espaços de<br />
festas, mas sim de reflexões sobre sua<br />
própria identi<strong>da</strong>de, sua história e seu<br />
futuro, o momento perfeito para discutir<br />
a integração sobre novas bases: a<br />
<strong>da</strong>s experiências aprendi<strong>da</strong>s em intentos<br />
passados de união e a do desafio<br />
de buscar essa integração, agora com<br />
democracias em consoli<strong>da</strong>ção e economias<br />
que têm melhorado consideravelmente,<br />
com ambientes estáveis de crescimento<br />
e de inflação controla<strong>da</strong>, além<br />
de riquezas minerais e agrícolas que<br />
continuam servindo ao mundo.<br />
As independências hispano-americanas<br />
surgiram de um momento de<br />
fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> monarquia espanhola, que<br />
em 1808 lutava por sua própria independência,<br />
após sofrer a invasão de Napoleão<br />
Bonaparte. As juntas americanas,<br />
cria<strong>da</strong>s para fomentar a luta contra os<br />
invasores franceses, acabaram por converter-se<br />
em um espaço de cultivo de<br />
discussões patrióticas e de autonomia,<br />
nos territórios que hoje correspondem<br />
a Venezuela, Colômbia, Equador, Peru,<br />
Bolívia, Chile e Argentina. Em 19 de<br />
abril de 1810, a Junta de Caracas rejeitou o<br />
governo designado pela Espanha. Os protestos,<br />
insurreições e batalhas não pararam<br />
mais por todo o Continente, em um processo<br />
de independências que se encerra em<br />
1930, com a morte de Simón Bolívar, em<br />
Santa Marta, Colômbia.<br />
Entre um panteão de figuras, próceres<br />
e heróis – destaque para o indígena<br />
peruano Túpac Amaru II e o argentino<br />
José de San Martín – Simón Bolívar<br />
conduziu o processo de independência e<br />
buscou a união política e econômica em<br />
um continente que havia sido dividido<br />
por interesses coloniais.<br />
Bolívar morreu aos 47 anos, pobre,<br />
tuberculoso e destituído de qualquer poder.<br />
Aparentemente fracassado, Bolívar<br />
se converteu no símbolo de um projeto<br />
que até hoje tira o sono dos governos<br />
latino-americanos. O sonho <strong>da</strong> independência,<br />
alcança<strong>da</strong> uma a uma em todos os<br />
países ibero-americanos, é o sonho de progresso<br />
e de desenvolvimento para onde o<br />
continente ain<strong>da</strong> quer caminhar. Antes fora<br />
desse projeto bicentenário, o Brasil soube<br />
incluir-se e tem mostrado seu interesse em<br />
conduzí-lo. Entender os seus vizinhos é o<br />
primeiro desafio e, para tanto, o <strong>Memorial</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong> é uma porta fun<strong>da</strong>mental,<br />
to<strong>da</strong>via ain<strong>da</strong> muito pequena.<br />
Verónica Goyzueta é jornalista peruana, correspondente<br />
no Brasil do jornal espanhol ABC e<br />
colaboradora <strong>da</strong> revista <strong>América</strong>Economia.<br />
53<br />
Fernando VII, <strong>da</strong> Espanha,<br />
reinou no período em que os<br />
insurgentes buscaram a independência.<br />
Retrato do pintor<br />
espanhol Francisco Goya.<br />
30406009 miolo.indd 53 8/4/2010 15:03:19
54<br />
POR UM bLOCO<br />
FORTALECIDO<br />
RICARDO SENNES<br />
INTEGRAÇÃO<br />
A VIABILIDADE<br />
DE UM PROJETO<br />
A<br />
viabili<strong>da</strong>de de um projeto regional<br />
na <strong>América</strong> do Sul e o<br />
papel do Brasil nesse processo<br />
têm ocupado parte importante<br />
<strong>da</strong>s discussões dentro e fora<br />
do Itamaraty e <strong>da</strong> academia. A<br />
discussão está na mídia e tem permeado o debate<br />
eleitoral, o que é inusitado e muito proveitoso.<br />
Desde o final dos anos 70 e início dos 80, a<br />
política regional do Brasil vem se transformando.<br />
A principal característica dessa mu<strong>da</strong>nça é<br />
o caráter crescentemente positivo <strong>da</strong> agen<strong>da</strong><br />
brasileira, em forte contraste com a percepção<br />
anterior de que os países vizinhos eram pouco<br />
importantes ou mesmo ameaças aos interesses<br />
30406009 miolo.indd 54 8/4/2010 15:03:20
FOTOs: reprOduçãO<br />
nacionais. No final dos anos 90, a agen<strong>da</strong><br />
ganhou definição e contornos mais claros.<br />
É exatamente o conteúdo dessa<br />
agen<strong>da</strong> que está em debate e, para tanto,<br />
são inevitáveis as análises sobre as relações<br />
entre os países e seus movimentos<br />
políticos e econômicos. Trata-se de<br />
um tema bastante difícil e controverso,<br />
além de pouco familiar aos brasileiros.<br />
No entanto, um maior número de empresas,<br />
funcionários públicos, políticos<br />
e comerciantes do Brasil na região estão<br />
gerando uma massa crítica importante.<br />
Esse crescente envolvimento, engajando<br />
novos atores, está também alterando a<br />
correlação de interesses e formando novos<br />
agrupamentos políticos contrários<br />
ou favoráveis a tal projeto. De modo geral,<br />
duas questões se sobrepõem: se há<br />
um espaço sul-americano com alguma<br />
convergência de interesses estratégicos,<br />
e qual papel caberia ao Brasil.<br />
É certo que entre 1990 e o início<br />
dos anos 2000 a <strong>América</strong> do Sul tinha<br />
um perfil mais homogêneo que o atual.<br />
Os governos civis que assumiram o<br />
poder na déca<strong>da</strong> de 80, na redemocratização,<br />
tinham agen<strong>da</strong>s com novas estratégias<br />
de desenvolvimento, em geral<br />
convergindo para reformas liberalizantes.<br />
Os modelos de substituição de im-<br />
portação e de razoável nível de restrição<br />
ao comércio exterior – em alguns casos<br />
também ao investimento externo – foram<br />
fortemente redefinidos. Houve uma<br />
on<strong>da</strong> de medi<strong>da</strong>s como a redução de<br />
barreiras tarifárias e não tarifárias, privatizações,<br />
liberação de fluxos de capital,<br />
de atração de investimentos estrangeiros<br />
e de mu<strong>da</strong>nça do papel do Estado<br />
para menos produtor e mais regulador.<br />
No campo político, o retorno <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des<br />
civis, de eleições livres e diretas e<br />
de ampla liber<strong>da</strong>de de organização sin-<br />
dical, partidária e social, foi visto como<br />
fator de reforço e legitimação <strong>da</strong>s reformas<br />
econômicas.<br />
As estratégias foram semelhantes,<br />
mas a forma de implementá-las e<br />
os resultados variaram bastante. Enquanto<br />
alguns países combinaram estratégias<br />
de abertura econômica com<br />
políticas comerciais, industriais e tecnológicas,<br />
outros focaram nos temas<br />
redistributivos, sejam eles entre classes<br />
sociais ou regiões. Outros ain<strong>da</strong> não definiram<br />
políticas compensatórias nem em<br />
um sentido nem no outro. As medi<strong>da</strong>s<br />
dos anos 90 também foram basea<strong>da</strong>s em<br />
diferentes bases políticas, sendo que em<br />
alguns, por exemplo, foram patrocina<strong>da</strong>s<br />
por partidos e lideranças tradicionais, e<br />
30406009 miolo.indd 55 8/4/2010 15:03:21<br />
55
em outros por novas lideranças e novos<br />
agrupamentos. Dessa forma, ao final<br />
do ciclo de reformas foram observados<br />
diferentes resultados econômicos<br />
e sociais, com diferentes reflexos sobre<br />
os sistemas políticos. Em alguns<br />
casos, motivaram uma forte revisão dos<br />
objetivos <strong>da</strong> fase anterior. Isso gerou, em<br />
grande parte, a atual heterogenei<strong>da</strong>de<br />
dentre os sul-americanos no campo político<br />
e nas estratégias de desenvolvimento.<br />
Assim surgiu, por exemplo, um<br />
grupo de países com opções mais consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />
em ambos os campos, como<br />
Brasil, Colômbia, Chile e Uruguai. Por<br />
vias distintas e com agen<strong>da</strong>s de desenvolvimento<br />
desiguais, esse grupo indica<br />
razoável densi<strong>da</strong>de em suas iniciativas<br />
econômicas e no jogo institucional.<br />
Outro grupo é o <strong>da</strong>queles em que a redefinição<br />
do pacto político predomina,<br />
caso <strong>da</strong> Bolívia, Venezuela e Equador,<br />
seja por deman<strong>da</strong>s de segmentos excluídos<br />
do processo econômico, seja pela<br />
combinação desses com deman<strong>da</strong>s significativas<br />
de populações indígenas. Na<br />
Venezuela, em particular, também existe<br />
a tentativa de mu<strong>da</strong>r o pacto político,<br />
mas as condições institucionais precárias<br />
desde meados dos anos 90, com tentativas<br />
de golpe de estado promovi<strong>da</strong>s por<br />
Hugo Chávez e contra ele, indicam a natureza<br />
belicista <strong>da</strong> disputa política. E isso<br />
tem ocorrido no mesmo tom do questionamento<br />
do modelo de desenvolvimento.<br />
A última eleição presidencial do Paraguai,<br />
em que a oposição tomou o poder<br />
após déca<strong>da</strong>s, emite sinais de novo pacto<br />
político sem grandes questionamentos<br />
do modelo econômico. Na Argentina,<br />
predomina a movimentação em torno <strong>da</strong><br />
definição de um modelo de desenvolvimento<br />
que, desde a crise agu<strong>da</strong> dos anos<br />
2001 e 2002, jogam crescente peso sobre<br />
o sistema político.<br />
Outro indicador de que dentro<br />
desses grupos há diferenças é o Índice<br />
de Estabili<strong>da</strong>de Política (IPE) <strong>da</strong> Amé-<br />
56<br />
rica <strong>Latina</strong>, feito pelo Observatório Político<br />
Sul-Americano (OPSA). O IPE<br />
indica aumento <strong>da</strong> violência política a<br />
partir de 2003 até o primeiro semestre<br />
de 2009. No entanto, na comparação<br />
entre 1990 e 2009, percebe-se que ao final<br />
desse período a violência, em maior<br />
ou menor grau, estava concentra<strong>da</strong> nos<br />
andinos, incluindo a Colômbia. Brasil e<br />
Chile não apareciam no mapa em nenhum<br />
dos dois anos, enquanto Paraguai<br />
e Uruguai saíram dele.<br />
To<strong>da</strong> essa heterogenei<strong>da</strong>de diminui<br />
o espaço de convergência para um<br />
projeto regional, mas não elimina sua<br />
viabili<strong>da</strong>de. Isso porque há uma série<br />
de questões que deman<strong>da</strong>m, no mínimo,<br />
respostas regionalmente coordena<strong>da</strong>s.<br />
Esses temas incluem, por exemplo,<br />
acesso preferencial a mercados, proteção<br />
aos investimentos diretos, preservação<br />
dos ecossistemas comuns, combate<br />
ao tráfico de drogas e de armas e<br />
ao contrabando. Soluções individuais e<br />
bilaterais ou não resolverão esses problemas<br />
ou serão uma resposta parcial e,<br />
portanto, de eficiência reduzi<strong>da</strong>.<br />
O fato de as tentativas de aprofun<strong>da</strong>mento<br />
<strong>da</strong> integração regional<br />
nesta déca<strong>da</strong> terem ficado aquém do<br />
esperado não são indicações claras <strong>da</strong><br />
impossibili<strong>da</strong>de de um projeto regional.<br />
Em vários casos aprofun<strong>da</strong>r a integração<br />
não é necessariamente a melhor estratégia<br />
para li<strong>da</strong>r com o problema. O<br />
fluxo de investimentos diretos entre países<br />
<strong>da</strong> região e o aumento do comércio<br />
demonstram isso. Ou seja, a despeito do<br />
aumento <strong>da</strong> heterogenei<strong>da</strong>de, existe um<br />
claro aumento <strong>da</strong>s relações econômicas<br />
entre os países <strong>da</strong> região, tendo o Brasil<br />
como polo desse processo.<br />
Nesse cenário, é recorrente a pergunta<br />
se e como o Brasil deve participar<br />
de um esforço de projeto regional.<br />
Para um país que faz fronteira com 10<br />
outros na região, a resposta à primeira<br />
pergunta é quase imediatamente positiva.<br />
30406009 miolo.indd 56 8/4/2010 15:03:21
Problemas nos países vizinhos tendem<br />
a transbor<strong>da</strong>r, de uma forma ou de outra,<br />
para dentro do Brasil, até mesmo se<br />
não houver uma fronteira seca, caso do<br />
Equador e Chile. Afinal, um acordo de<br />
livre comércio do Chile com a China nos<br />
impacta, assim como o episódio recente<br />
de disputa entre o governo equatoriano e<br />
uma empresa brasileira pode gerar efeitos<br />
negativos sobre a presença de empresas<br />
nacionais em outros países <strong>da</strong> região.<br />
Nos anos 90, ao definir de maneira<br />
clara que a <strong>América</strong> do Sul é o seu<br />
espaço prioritário de atuação, o Brasil<br />
deu sentido geopolítico ao discurso.<br />
Embora com contornos geográficos e<br />
natureza política distintas, a criação do<br />
Mercosul e a primeira reunião de presidentes<br />
<strong>da</strong> <strong>América</strong> do Sul em 2000,<br />
na qual se instalou a Iniciativa para a<br />
Integração <strong>da</strong> Infra-estrutura Regional<br />
Sul-Americana (IRSA), são os únicos<br />
projetos regionais afirmativos liderados<br />
pelo país e podem ser vistos como<br />
momentos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> sua nova<br />
presença regional. O Tratado de Cooperação<br />
Amazônico teve um potencial<br />
político importante, mas acabou tendo<br />
poucos desdobramentos. Mais recentemente,<br />
foram complementados pela<br />
iniciativa de criação <strong>da</strong> União de Nações<br />
Sul-Americanas (Unasur). Nesses<br />
acordos uma ampla gama de temas foi<br />
incorpora<strong>da</strong>, desde acordos comerciais,<br />
energéticos e de infraestrutura, até um<br />
incipiente mecanismo de consulta na<br />
área de defesa. Porém, novamente sua<br />
eficácia tem sido mínima.<br />
É interessante verificar que uma<br />
grande maioria <strong>da</strong> elite política brasilei-<br />
30406009 miolo.indd 57 8/4/2010 15:03:22<br />
57
a concor<strong>da</strong> que a região é e será ca<strong>da</strong><br />
vez mais importante para o país. Mas<br />
essa elite está divi<strong>da</strong> sobre o que fazer.<br />
De maneira simplifica<strong>da</strong>, pode-se dizer<br />
que existem dois modelos para arquitetar<br />
a presença regional do Brasil, diferenciados<br />
pelo nível de institucionalização.<br />
Ambos têm consequências sobre<br />
os recursos necessários, métodos, riscos e<br />
benefícios e implicam em diferentes cenários<br />
sobre como o país irá enfrentar no<br />
futuro os principais temas regionais.<br />
Hoje, predomina o modelo de<br />
baixa institucionali<strong>da</strong>de. Antes de tudo<br />
é uma opção política medita<strong>da</strong> e consoli<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
em instituições como o Itamaraty<br />
e as Forças Arma<strong>da</strong>s e nas demais<br />
agências federais e na elite. O alto número<br />
de cúpulas presidenciais na região<br />
ocorre em grande medi<strong>da</strong> pela ausência<br />
de instâncias capazes de captar, formular,<br />
propor e negociar. Não por outra<br />
razão, pequenos incidentes entre os<br />
países logo viram contenciosos diplomáticos,<br />
pois na ausência de instâncias<br />
regionais de mediação acabam atingindo<br />
diretamente os chefes de estado e o<br />
primeiro escalão dos governos, inclusive<br />
no caso do Mercosul.<br />
O problema é que essa opção<br />
tem custo: o de liderar sem instituições,<br />
baseado em bilaterismo (modelo mais<br />
próximo aos dos EUA) e que exige um<br />
alto grau de mobilização para atuar direta<br />
ou indiretamente em ca<strong>da</strong> um dos<br />
problemas, além de um elevado custo<br />
de exposição política. O reforço de<br />
uma liderança basea<strong>da</strong> em instituições,<br />
cujo desenho pode variar consideravelmente,<br />
gera custo, mas pode reduzir os<br />
riscos de o país se ver isolado frente<br />
aos problemas ou mesmo na defesa de<br />
alguns interesses específicos.<br />
O modelo europeu vem sempre<br />
à mente quando o assunto é integração<br />
regional institucionaliza<strong>da</strong>, mas muito<br />
possivelmente não é aplicável à <strong>América</strong><br />
do Sul. Primeiro pelo tipo de lide-<br />
58<br />
rança brasileira e de opções <strong>da</strong> elite do<br />
país em relação à criação e ao envolvimento<br />
com instituições internacionais.<br />
Segundo porque o contexto político <strong>da</strong><br />
<strong>América</strong> do Sul tem pouco em comum<br />
com o europeu, seja nos anos 50, seja<br />
nos dias de hoje. A baixa eficácia relativa<br />
<strong>da</strong> enorme gama de arranjos regionais<br />
amplos e frágeis não parece ser um<br />
rumo acertado para esses objetivos.<br />
A <strong>América</strong> do Sul tem características<br />
próprias e é sobre elas que o Brasil<br />
deve refletir para traçar suas estratégias:<br />
entre suas características está a <strong>da</strong> instabili<strong>da</strong>de<br />
econômica, social e política,<br />
com poucas exceções. Não obstante, o<br />
adensamento <strong>da</strong>s relações econômicas e<br />
sociais segue aumentando, como indicam<br />
os fluxos de capitais, de investimentos,<br />
de mercadorias, de serviços, de comunicações,<br />
turismo, transporte e migratórios<br />
formais e informais. Em apenas algumas<br />
dessas dimensões esse adensamento é<br />
fruto de políticas de integração, como é<br />
o caso dos setores automobilístico e químico.<br />
Parte importante é efeito de outras<br />
medi<strong>da</strong>s governamentais não volta<strong>da</strong>s<br />
para a região, como abertura econômica<br />
ou crédito à exportação, por exemplo, ou<br />
mesmo <strong>da</strong> dinâmica microeconômica,<br />
ambiental e de redes sociais.<br />
Isso significa que a agen<strong>da</strong> regional<br />
é farta e diversifica<strong>da</strong> e, em consequência,<br />
rechea<strong>da</strong> de riscos e crises<br />
em potencial. Portanto, desenhar uma<br />
estratégia consistente para a <strong>América</strong><br />
do Sul não é uma opção, mas um imperativo.<br />
Uma agen<strong>da</strong> puramente reativa<br />
não parece ser a melhor resposta,<br />
assim como uma agen<strong>da</strong> estritamente<br />
diplomática. A natureza desse desafio<br />
sugere que a promoção de uma costura<br />
política mais ampla e mais institucionaliza<strong>da</strong><br />
pode gerar, a médio e longo<br />
prazos, menos custos políticos e oportuni<strong>da</strong>des<br />
econômicas mais estáveis.<br />
Para tanto, serão insuficientes relações<br />
basea<strong>da</strong>s em cúpulas presidenciais e de<br />
30406009 miolo.indd 58 8/4/2010 15:03:22
Ministros de Relações Exteriores, padrão<br />
que hoje predomina. Será necessário<br />
envolver outras pastas <strong>da</strong>s áreas<br />
de economia, comércio, agricultura,<br />
defesa, além do setor privado, <strong>da</strong> academia<br />
e do legislativo.<br />
Um período de relativa instabili<strong>da</strong>de<br />
política e econômica é ain<strong>da</strong><br />
esperado na <strong>América</strong> do Sul. O<br />
conteúdo dessa instabili<strong>da</strong>de está relacionado<br />
à reacomo<strong>da</strong>ção política<br />
e econômica deriva<strong>da</strong> de dinâmicas<br />
democráticas em ambientes de forte<br />
desigual<strong>da</strong>de social e regional – e isso<br />
não pressupõe projetos conspiratórios<br />
contra o Brasil ou outro país <strong>da</strong> região.<br />
Em alguns casos, o componente étnico<br />
reforça essas tendências. Existe a<br />
chance de que novos eventos venham<br />
a impactar a estabili<strong>da</strong>de política no<br />
Peru e mesmo na Argentina. Na Bolívia<br />
e no Equador existem sinais de<br />
certa acomo<strong>da</strong>ção. Na Venezuela ain-<br />
<strong>da</strong> é incerto como será operado o aumento<br />
<strong>da</strong> presença <strong>da</strong> oposição frente<br />
ao governo de Hugo Chávez.<br />
Esse contexto altera a percepção<br />
estratégica dos países <strong>da</strong> região em relação<br />
à possibili<strong>da</strong>de de definir projetos<br />
integracionistas mais ousados, incluindo<br />
a do Brasil. Definir um projeto<br />
comum em ambiente de grande diversi<strong>da</strong>de<br />
e mesmo exercer uma liderança<br />
construtiva num ambiente com essa<br />
natureza redobra o desafio do Brasil.<br />
Trata-se de fazer uma agen<strong>da</strong> estratégica<br />
regional mais construtiva possível,<br />
sem comprometer a segurança e<br />
as priori<strong>da</strong>des <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> política e de<br />
desenvolvimento do país.<br />
Ricardo Sennes é professor de Relações Internacionais<br />
<strong>da</strong> PUC-SP e diretor-geral <strong>da</strong> Prospectiva<br />
Consultoria em Negócios Internacionais e<br />
Políticas Públicas.<br />
30406009 miolo.indd 59 8/4/2010 15:03:22<br />
59
NOvAS<br />
PROPOSTAS<br />
MARCO AURÉLIO GOMES<br />
O período<br />
60<br />
URbANISMO<br />
TROCA DE<br />
IDEIAS<br />
que vai dos anos 20<br />
aos anos 60 do século passado<br />
teve fun<strong>da</strong>mental importância<br />
na constituição do urbanismo<br />
na <strong>América</strong> do Sul, conhecendo<br />
tanto intervenções ain<strong>da</strong><br />
de forte viés acadêmico, quanto o advento e a<br />
consoli<strong>da</strong>ção concomitantes do Movimento Moderno,<br />
de inspiração francesa, e de ideias e práticas<br />
norte-americanas de planejamento e gestão<br />
urbana. Rápido desenvolvimento <strong>da</strong> urbanização;<br />
movimentos favoráveis <strong>da</strong> economia; expansão <strong>da</strong><br />
industrialização; presença marcante do Estado por<br />
meio de grandes investimentos públicos de caráter<br />
social, além <strong>da</strong> institucionalização <strong>da</strong>s práticas de<br />
planejamento enquanto atribuição <strong>da</strong> administração<br />
30406009 miolo.indd 60 8/4/2010 15:03:22
FOTO: reprOduçãO<br />
pública contribuíram para a emergência<br />
de novas experiências na arquitetura e<br />
no urbanismo sul-americano.<br />
O urbanismo “de melhoramentos<br />
e embelezamento”, her<strong>da</strong>do do século<br />
XIX, chega ao final, na <strong>América</strong> do Sul,<br />
por volta dos anos 1930, amalgamando,<br />
em graus variados, referências à tradição<br />
Beaux-Arts francesa, aos ensinamentos<br />
sittianos e aos movimentos Ci<strong>da</strong>de Jardim<br />
e City Beautiful. Exemplo revelador<br />
desse momento de inflexão é a presença<br />
simultânea, no Rio de Janeiro do final<br />
dos anos 20, de personagens com<br />
visões urbanísticas tão opostas, como<br />
Alfred Agache, membro ativo <strong>da</strong> Société<br />
Française des architectes-urbanistes, e Le<br />
Corbusier, defensor dos ideais modernos:<br />
o primeiro contratado para elaborar<br />
um plano de “remodelação, extensão e<br />
embelezamento” para o Rio de Janeiro;<br />
e o segundo empenhado em encontrar a<br />
oportuni<strong>da</strong>de que lhe faltava na Europa<br />
para a concretização de suas ideias.<br />
Essa viagem de Le Corbusier à<br />
<strong>América</strong> do Sul (Argentina, Uruguai<br />
e Brasil, com rápi<strong>da</strong> incursão ao Paraguai),<br />
em 1929, é importante para entender<br />
como redes de relações profissionais<br />
começam então a ser articula<strong>da</strong>s<br />
e como, na sequência, elas vão encarregar-se<br />
de disseminar princípios do Movimento<br />
Moderno no Continente. Porém,<br />
nem tudo começa aí, pois as ideias<br />
de renovação na arquitetura e no urbanismo<br />
já eram conheci<strong>da</strong>s de setores <strong>da</strong><br />
intelectuali<strong>da</strong>de e do meio profissional<br />
sul-americano desde o início dos anos<br />
20, por meio <strong>da</strong> revista L´Esprit Nouveau,<br />
dos livros Vers une architecture ou<br />
Urbanisme, ou <strong>da</strong> presença de arquitetos<br />
emigrados, como Wladimiro Acosta, na<br />
Argentina, ou Gregori Warchavchik, no<br />
Brasil, que já traziam o conhecimento<br />
de experiências vanguardistas europeias.<br />
Para o arquiteto argentino Ferrari<br />
Hardoy, a influência que Le Corbusier<br />
exerceu no meio profissional sul-americano<br />
foi “selectiva pero transcendental”,<br />
somando-se às viagens que ele realizou<br />
ao continente (três ao Brasil, cinco<br />
à Colômbia, uma à Argentina), as suas<br />
61<br />
O urbanismo de melhoramentos<br />
e embelezamento chega ao<br />
fim nos anos 30, quando a<br />
<strong>América</strong> <strong>Latina</strong> começa a privilegiar<br />
projetos funcionalistas.<br />
30406009 miolo.indd 61 8/4/2010 15:03:23
Acima, Conjunto Pedregulho,<br />
em São Cristóvão, Rio<br />
de Janeiro, obra de Afonso<br />
Reidy; esboço de um projeto<br />
de Corbusier para Buenos<br />
Aires.<br />
conferências, a difusão de suas obras e<br />
o recebimento de jovens arquitetos em<br />
seu escritório parisiense, como o próprio<br />
Ferrari Hardoy e Juan Kurchan,<br />
também argentino, e os colombianos<br />
Germán Samper e Rogelio Salmona.<br />
A partir dos anos 40, uma nova<br />
geração de arquitetos encarrega-se <strong>da</strong><br />
difusão <strong>da</strong> arquitetura e do urbanismo<br />
funcionalistas por meio de uma série de<br />
projetos referenciais em seus países: Carlos<br />
Raul Villanueva, na Venezuela; Carlos<br />
Martinez, na Colômbia; Emilio Duhart<br />
e Sergio Larrain, no Chile; Amâncio<br />
Williams e Ferrari Hardoy, na Argentina.<br />
Porém, ain<strong>da</strong> segundo Hardoy, o<br />
real impacto <strong>da</strong>s ideias de Le Corbusier<br />
aconteceu por intermédio <strong>da</strong> formação<br />
profi ssional, à medi<strong>da</strong> que seus antigos<br />
discípulos passam a ocupar cargos docentes<br />
nas universi<strong>da</strong>des de seus países.<br />
A força de criações latino-americanas<br />
no campo <strong>da</strong> arquitetura e do<br />
urbanismo modernos, principalmente<br />
no Brasil – onde se destacam o Ministério<br />
<strong>da</strong> Educação e Saúde (1937-43), de<br />
Lúcio Costa e equipe, ou o conjunto <strong>da</strong><br />
Pampulha, de Oscar Niemeyer (1942-<br />
43) – mas também na Venezuela e no<br />
México (mas não só), que souberam valer-se<br />
de conjunturas especiais para sua<br />
emergência, logo recebeu ampla difusão<br />
internacional. Entre os anos 40 e 50 elas<br />
ganharam o mundo por meio de poderosos<br />
instrumentos: exposições em instituições<br />
prestigiosas (como o MoMA,<br />
de Nova York), livros e incontáveis artigos<br />
nas maiores revistas <strong>da</strong> Europa e<br />
dos Estados Unidos.<br />
Contrariamente à interpretação<br />
de que os países latino-americanos, em<br />
termos culturais, sempre receberam<br />
mais do que “ofertaram” aos países<br />
centrais (e ao mundo, de uma maneira<br />
geral) lembremos que eles representaram<br />
um importante território de experimentação<br />
para novas ideias e propostas<br />
no campo do urbanismo. Em 1929, o<br />
62<br />
Corbusier que retorna à Europa, após<br />
o seu séjour sul-americano, não é exatamente<br />
o mesmo que aqui chegara poucos<br />
meses antes. Anos depois, a experiência<br />
latino-americana do escritório<br />
Town Planning Associates, sediado em<br />
Nova York e liderado por José Luis<br />
Sert e Paul Lester Wiener, representará<br />
a oportuni<strong>da</strong>de de transformar a noção<br />
de “ci<strong>da</strong>de funcional”, ao testar novos<br />
conceitos (como o de centro cívico e o<br />
de “tapete urbano”) e ao buscar alternativas<br />
tipológicas e construtivas para<br />
a solução do problema habitacional.<br />
No entanto, nas trocas profi ssionais<br />
que aju<strong>da</strong>ram a mol<strong>da</strong>r a experiência<br />
urbanística no Continente,<br />
nem tudo se reduz aos contatos com<br />
a Europa e com os Estados Unidos.<br />
Como lembrou Arturo Almandoz,<br />
dentre os elementos que contribuíram<br />
para a formação do meio profi ssional<br />
latino-americano, destacam-se o surgimento<br />
de revistas especializa<strong>da</strong>s –<br />
numa relativa sincronia entre diversos<br />
países – e a realização de eventos que<br />
congregavam especialistas locais em<br />
torno de pautas de interesse comum.<br />
O acelerado crescimento urbano<br />
pelo qual passavam as ci<strong>da</strong>des sulamericanas<br />
e o consequente boom <strong>da</strong><br />
construção civil e <strong>da</strong>s obras públicas<br />
explicam (pelo menos em seu início) o<br />
fl orescimento dessas iniciativas, que, de<br />
uma maneira geral, acontecem em todo<br />
o continente desde os anos 1920.<br />
Nos anos 40 ganham destaque<br />
em suas páginas as questões liga<strong>da</strong>s<br />
à ci<strong>da</strong>de, ao urbanismo e à gestão urbana.<br />
De uma maneira geral, em to<strong>da</strong>s<br />
as revistas <strong>da</strong> época ganham espaço as<br />
experiências urbanísticas no próprio<br />
Continente, capitanea<strong>da</strong>s por arquitetos<br />
e urbanistas locais, como as ci<strong>da</strong>des<br />
universitárias de Bogotá, Rio, Caracas,<br />
Panamá, Tucumán e México; planos de<br />
expansão urbana, como o <strong>da</strong> Pampulha,<br />
em Belo Horizonte; ou conjuntos habi-<br />
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tacionais em vários países do Continente.<br />
Na vira<strong>da</strong> dos anos 50, o projeto e a<br />
construção de Brasília tornam-se matéria<br />
presente em to<strong>da</strong>s as revistas.<br />
Interessante notar que existia um<br />
efetivo intercâmbio entre as próprias<br />
revistas do Continente, sendo prática<br />
corrente a publicação de artigos umas<br />
<strong>da</strong>s outras. Artigos publicados em Nuestra<br />
Arquitectura eram publicados em El<br />
Arquitecto Peruano ou em Proa e vice-versa.<br />
Os mais antigos, com mais longa<br />
duração e provavelmente maior audiência<br />
eram os Congressos Pan-Americanos<br />
de Arquitetos, criados em 1920 pela<br />
Socie<strong>da</strong>d de Arquitectos del Uruguay<br />
com a finali<strong>da</strong>de de contribuir para a regulamentação<br />
<strong>da</strong> profissão naquele país,<br />
embora já nascessem com a ideia de<br />
agregar profissionais de outros países.<br />
Na sequência dos eventos com<br />
interesses mais amplos, como os Pan-<br />
Americanos de Arquitetos, eles passam,<br />
nos anos 30, a conhecer maior ênfase<br />
na questão urbana, como os Congressos<br />
de Urbanismo, propostos desde a<br />
déca<strong>da</strong> anterior, os Congressos Pan-<br />
Americanos de Moradia Popular e os<br />
Congressos Interamericanos de Municipali<strong>da</strong>des,<br />
ampliando as possibili<strong>da</strong>des<br />
de interlocução profissional.<br />
Os Congressos Pan-Americanos<br />
de la Vivien<strong>da</strong> Popular voltavam-se para<br />
a problemática <strong>da</strong> moradia popular –<br />
como formas de acesso, financiamento,<br />
legislação, custos, técnicas construtivas<br />
etc. –, a partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> país.<br />
Os Congressos Pan-Americanos<br />
de Municípios originaram-se na VI<br />
Conferencia Internacional Americana<br />
(Havana, 1928), embora sua primeira<br />
edição só tenha ocorrido dez anos depois.<br />
Seguindo a ideologia de “fortalecer<br />
e estimular a mais estreita relação<br />
amistosa entre as comuni<strong>da</strong>des americanas”,<br />
eles tinham como temas centrais a<br />
administração municipal e a gestão dos<br />
serviços públicos, com a peculiari<strong>da</strong>de<br />
de constituírem-se em um fórum multidisciplinar,<br />
congregando especialistas<br />
de diferentes áreas: arquitetos, juristas,<br />
economistas, engenheiros, médicos etc.<br />
Devido à amplitude de suas preocupações,<br />
os congressos pan-americanos<br />
foram fóruns de debate abertos a variados<br />
enfoques, contribuindo para o intercâmbio<br />
de ideias e troca de experiências<br />
entre os profissionais dos países participantes.<br />
Como lembra Fernando Atique,<br />
se de um lado, o pan-americanismo foi<br />
um dos caminhos do processo de “americanização”<br />
na <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, servindo<br />
para aproximá-la <strong>da</strong> “Terra do Tio<br />
Sam”, por outro, esses eventos permitiram<br />
que as demais repúblicas americanas<br />
se aproximassem umas <strong>da</strong>s outras.<br />
Contrariamente a imagem muito<br />
difundi<strong>da</strong> de profissionais voltados exclusivamente<br />
para a Europa e os Estados<br />
Unidos, o conteúdo <strong>da</strong>s publicações<br />
desse período e as discussões trava<strong>da</strong>s<br />
nesses congressos revelam-nos a existência<br />
de um intenso processo de trocas<br />
profissionais e acadêmicas dentro do<br />
mundo latino-americano. Seguir a trilha<br />
dessas interlocuções representa não<br />
só a possibili<strong>da</strong>de de conhecer mais as<br />
experiências urbanísticas desenvolvi<strong>da</strong>s<br />
em nível continental nessas déca<strong>da</strong>s cruciais<br />
que redefinem os rumos <strong>da</strong> “ci<strong>da</strong>de<br />
moderna”, mas também a possibili<strong>da</strong>de<br />
de problematizar o lugar <strong>da</strong>s trocas internacionais<br />
na história do urbanismo.<br />
Marco Aurélio Gomes é arquiteto e professor<br />
titular <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Arquitetura <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal <strong>da</strong> Bahia.<br />
63<br />
Praça do Congresso<br />
em Buenos Aires.<br />
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CONTRIbUIÇÃO<br />
vALIOSA<br />
LEONOR AMARANTE<br />
O Manto <strong>da</strong> Apresentação<br />
do brasileiro Bispo do Rosário.<br />
64<br />
LIvRO<br />
ARTE E VESTUÁRIO<br />
RELAçÃO ÍNTIMA<br />
DA CRIAçÃO<br />
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FOTOs: reprOduçãO<br />
O mercado editorial de arte recebe<br />
um curioso e bem elaborado livro: Roupa<br />
de Artista – O Vestuário nas Obras de Arte,<br />
resultado do trabalho <strong>da</strong> historiadora Cacil<strong>da</strong><br />
Teixeira <strong>da</strong> Costa. Do fi nal do gótico<br />
ao início do Renascimento até os dias de<br />
hoje, a publicação resgata obras pontuais<br />
que exemplifi cam o desafi o dos artistas<br />
de equilibrar as roupas no universo retratado.<br />
A diversi<strong>da</strong>de de informações nos<br />
leva a experimentações, como a de Edgar<br />
Degas, que ao colocar um saiote de tule<br />
em sua escultura Bailarina de Quatorze Anos<br />
(1879/188) se tornou o primeiro artista a<br />
introduzir tecido numa obra em bronze.<br />
Com a evolução do Homem a<br />
roupa deixou de ser um elemento de proteção<br />
do corpo para tornar-se uma medi<strong>da</strong><br />
dentro <strong>da</strong> escala social. Um dos méritos<br />
<strong>da</strong> publicação é focalizar o papel do vestuário<br />
na expressão artística, registrando<br />
interpretações que cruzam experimentos<br />
dos dias de hoje. Caso <strong>da</strong> proposta <strong>da</strong> argentina<br />
Nicola Constantino que trabalha<br />
o tecido de borracha como se fosse a pele<br />
humana. Do brasileiro Bispo do Rosário<br />
o Manto <strong>da</strong> Apresentação nos coloca diante<br />
de um exemplo de um mergulho profundo<br />
trabalhado na superfície do tecido<br />
no qual o artista imprime sua identi<strong>da</strong>de,<br />
sexuali<strong>da</strong>de e metáforas conti<strong>da</strong>s em seu<br />
universo atormentado, vivido num hospital<br />
psiquiátrico. Um dos artistas brasileiros<br />
mais críticos e politizados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60,<br />
Rubens Gerchman cria seu vestuário-casa<br />
colocando a população como homem caramujo.<br />
Seus curiosos objetos ambulantes<br />
formam sua instalação Caixas para Morar<br />
e nos remete à situação de grande parcela<br />
dos brasileiros, chamados “sem tetos”.<br />
A arte contemporânea brasileira traz<br />
exemplos de artistas que colocam o vestuário<br />
como meio para discutir seu mundo<br />
particular em contraponto à socie<strong>da</strong>de.<br />
Nazareth Pacheco trabalha elementos leves<br />
e poéticos como cristais e os mistura<br />
à lâminas de barbear criando vestidos aparentemente<br />
leves e soltos quando vistos de<br />
longe, mas ao aproximarmos, a peça causa<br />
uma afl ição. Encarando a mo<strong>da</strong> como uma<br />
representação <strong>da</strong> arte o paulistano Nelson<br />
Leirner desven<strong>da</strong> e brinca com a burguesia<br />
em sua série Bridesmaid and Bridegroom .<br />
Desde os primórdios as roupas<br />
são protagonistas <strong>da</strong> história <strong>da</strong> arte, com<br />
seus drapeados, bor<strong>da</strong>dos, ren<strong>da</strong>s, cetins,<br />
veludos, que aju<strong>da</strong>ram a <strong>da</strong>r volumetria,<br />
brilho, riqueza, tanto à costura quanto à<br />
arte. Desse universo, o livro traz alguns<br />
clássicos como O Balanço (1767), de Jean-<br />
Honoré Fragonard em que o pintor se esmera<br />
nas pincela<strong>da</strong>s para registrar a profusão<br />
de babados de tafetás, e contrapõe-se<br />
com a limpeza formal e a simplici<strong>da</strong>de do<br />
tecido e do modelo do vestido de Ma<strong>da</strong>me<br />
Récamier, um clássico de Jean Louis David.<br />
Com certeza, o luxo do fi gurino <strong>da</strong> corte<br />
sempre atormentou o sono <strong>da</strong> burguesia<br />
endinheira<strong>da</strong>. Em uma passagem, o livro<br />
registra que no século XIV os plebeus<br />
rompem as barreiras sociais, pelo menos<br />
na mo<strong>da</strong>, e passam a copiar, sem cerimônias,<br />
as roupas de seus nobres. A Corte<br />
<strong>da</strong> Borgonha, por exemplo, furiosa ao<br />
ver seus súditos desfi lando com cópias de<br />
seus modelos, passou a destruí-los, ca<strong>da</strong><br />
vez que eram adotados pelos plebeus.<br />
O universo lúdico e mágico que o<br />
livro: Roupa de Artista – O Vestuário nas Obras<br />
de Arte, uma parceria <strong>da</strong> Edusp com a Imesp,<br />
é uma contribuição valiosa para nosso limitado<br />
campo editorial de livro de arte.<br />
Leonor Amarante é jornalista, editora e<br />
crítica de arte.<br />
No alto à esquer<strong>da</strong>, Noivos,<br />
Série Roupas, de Nelson<br />
Leirner. À direita, Vestido<br />
de Mamilos com Gola<br />
de Cabelo Natural <strong>da</strong> argentina<br />
Nicola Constantino.<br />
Abaixo, detalhe de Duas<br />
Damas <strong>da</strong> Corte, de Jean-<br />
Baptiste Debret.<br />
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ROQUE DALTON MEDAL<br />
El gran despecho<br />
País mío no existes<br />
sólo eres una mala silueta mía<br />
una palabra que le creí al enemigo<br />
antes creía que solamente eras muy chico<br />
que no alcanzabas a tener de una vez<br />
Norte y Sur<br />
pero ahora sé que no existes<br />
y que además parece que nadie te necesita<br />
no se oye hablar a ninguna madre de tí<br />
Ello me alegra<br />
porque prueba que me inventé un país<br />
aunque me deba entonces a los manicomios<br />
soy pues un diocesillo a tu costa<br />
66<br />
POESIA<br />
EL GRAN DESPEChO<br />
(Quiero decir: por expatriado yo tú eres ex patria)<br />
Roque Dalton Me<strong>da</strong>l foi jornalista, e renomado poeta salvadorenho que, por motivos políticos, teve<br />
de exilar-se vivendo em vários países como Cuba, Vietnã do norte, Guatemala.<br />
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