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Johannes Hessen - Curso Independente de Filosofia

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<strong>Johannes</strong> <strong>Hessen</strong><br />

<strong>Filosofia</strong> da <strong>Filosofia</strong><br />

Tradução<br />

Nasser Kassem Hammad<br />

1


Índice<br />

Introdução............................................................................................... 3<br />

1 – A essência da <strong>Filosofia</strong>..................................................................... 5<br />

a) A palavra “filosofia”.................................................................. 5<br />

b) Velhas e novas <strong>de</strong>finições da filosofia...................................... 6<br />

c) Definição da filosofia................................................................ 8<br />

2 – Divisão da filosofia........................................................................... 13<br />

3 – O método da filosofia...................................................................... 16<br />

4 – A filosofia como processo anímico................................................. 19<br />

5 – O valor da filosofia.......................................................................... 26<br />

6 – A filosofia e a sua história............................................................... 31<br />

7 – O sistema filosófico.......................................................................... 36<br />

1. A tradição filosófica.................................................................. 37<br />

2. A Individualida<strong>de</strong> do filósofo.................................................... 38<br />

3. A época...................................................................................... 39<br />

4. A cultura.................................................................................... 40<br />

5. A raça........................................................................................ 40<br />

8 – A ausência <strong>de</strong> pressupostos em filosofia........................................ 42<br />

1. A fé religiosa............................................................................. 43<br />

2. Uma concepção do mundo........................................................ 43<br />

3. Um sistema filosófico................................................................ 43<br />

4. Pressupostos proce<strong>de</strong>ntes das ciências especiais....................... 45<br />

9 – A filosofia e as ciências especiais.................................................... 48<br />

10 – O lugar da filosofia no conjunto da cultura................................ 53<br />

Notas........................................................................................................ 56<br />

2


Introdução<br />

Como teoria da ciência a filosofia <strong>de</strong>ve se ocupar antes <strong>de</strong> mais nada<br />

consigo mesma. A filosofia também preten<strong>de</strong> ser uma ciência. Portanto, a<br />

teoria da ciência <strong>de</strong>ve começar por uma “filosofia da filosofia”, ou seja,<br />

por uma fundamentação filosófica da filosofia, por um esclarecimento <strong>de</strong><br />

sua essência.<br />

A maioria das exposições sistemáticas da filosofia têm o <strong>de</strong>feito <strong>de</strong><br />

tratar superficialmente ou <strong>de</strong> absolutamente não tratar do tema da “filosofia<br />

da filosofia”. Muitas se contentam com uma breve <strong>de</strong>finição do conceito;<br />

outras renunciam totalmente a essa pretensão para po<strong>de</strong>r – segundo dizem –<br />

entrar diretamente na matéria. Não levam em conta que isto não é <strong>de</strong> modo<br />

algum possível se antes não se <strong>de</strong>terminar a essência da filosofia. Porém<br />

tampouco basta uma mera <strong>de</strong>finição do conceito, pois aqui se trata <strong>de</strong> algo<br />

mais do que <strong>de</strong> uma simples <strong>de</strong>finição lógica: está em jogo o acesso ao<br />

mundo do conhecimento filosófico. A filosofia da filosofia tem por objetivo<br />

apresentar ao estudioso <strong>de</strong> filosofia a esfera própria do que seja filosófico.<br />

Se propõe a fazê-lo observar que se trata <strong>de</strong> uma esfera própria do espírito,<br />

<strong>de</strong> um mundo espiritual cheio <strong>de</strong> maravilhas e segredos. Devendo produzir<br />

a viva convicção <strong>de</strong> que o ingresso neste mundo “é digno do afã dos<br />

nobres” e significa um aprofundamento e enriquecimento <strong>de</strong> sua vida espiritual.<br />

Se propõe, pois, <strong>de</strong>spertar no estudioso o eros filosófico sem cujo<br />

fogo o trabalho filosófico não passa <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> trivial.<br />

Há circunstâncias externas que sublinham a urgência <strong>de</strong> uma filosofia<br />

da filosofia. Po<strong>de</strong>-se dizer sem exagero que nenhum outro campo do<br />

espírito foi – e em parte ainda é – objeto <strong>de</strong> tantos equívocos como a filosofia.<br />

Certamente “raras vezes uma palavra foi com tanta freqüência tão mal<br />

aplicada como a palavra filosofia, sob cujo manto pu<strong>de</strong>ram se difundir os<br />

mais diferentes esforços científicos e não-científicos”(1). Há uma frase <strong>de</strong><br />

Hegel que aponta para o esclarecimento <strong>de</strong>ste fato e que ainda hoje vale a<br />

pena se levar em consi<strong>de</strong>ração: “Esta ciência possui a má sorte <strong>de</strong> que<br />

mesmo aqueles que nunca se ocuparam <strong>de</strong>la se imaginam e dizem compreen<strong>de</strong>r<br />

naturalmente os problemas <strong>de</strong> que ela trata, e serem capazes, ajudados<br />

por uma cultura ordinária, e em especial pelos sentimentos religiosos,<br />

<strong>de</strong> filosofar e julgar em filosofia. Se admite que, a respeito das <strong>de</strong>mais ciências,<br />

seja preciso tê-las estudado para conhecê-las, e que só em virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> dito conhecimento se esteja capacitado para formular um juízo sobre<br />

elas. Ninguém duvida <strong>de</strong> que para fazer um par <strong>de</strong> sapatos é preciso ter<br />

aprendido e exercitado o ofício <strong>de</strong> sapateiro, mesmo quando cada um <strong>de</strong><br />

nós tenha a medida <strong>de</strong> seus sapatos nos próprios pés, e tenhamos mãos, e<br />

com elas a habilida<strong>de</strong> natural para dito oficio. Porém, para filosofar, se-<br />

3


gundo pensam, não é necessário nem estudo, nem aprendizado e nem trabalho”.(2)<br />

A primeira tarefa da filosofia como teoria da ciência consiste em dar<br />

uma resposta clara e unívoca à pergunta: O que é a filosofia? Porém só é<br />

possível resolver este problema esclarecendo, a partir <strong>de</strong> diversos ângulos,<br />

a essência da filosofia. Devemos levá-la em conta não só como produto<br />

objetivo, mas também como processo subjetivo e consi<strong>de</strong>rá-la não meramente<br />

em si mesma, mas também em relação com os outros campos <strong>de</strong> estudo<br />

do espírito e da cultura, a fim <strong>de</strong> chegarmos efetivamente a uma filosofia<br />

da filosofia.<br />

4


Capítulo I<br />

A essência da filosofia<br />

a) A palavra “filosofia”.<br />

A palavra “filosofia” proce<strong>de</strong> da língua grega (n48@F@n\"), e <strong>de</strong>ste<br />

modo se indica a sua terra natal. É composta das palavras n48`H (philós) e<br />

F@n\" (sophía) que, segundo o sentido literal, significa “amor à sabedoria”.<br />

Nos escritores gregos mais antigos como (Homero e Hesíodo) se encontra<br />

a palavra F@n\" (sophía), porém não n48@F@n\" (philosophía), que<br />

achamos pela primeira vez em Heráclito na forma adjetiva, ao falar do<br />

n48@F@nÎH •


) Velhas e novas <strong>de</strong>finições da filosofia<br />

Já na antiguida<strong>de</strong>, os ensaios na tentativa <strong>de</strong> precisar a essência da filosofia<br />

assinalam gran<strong>de</strong>s divergências. Para Platão não há porém nenhuma<br />

diferença entre filosofia e ciência. Para ele filosofia significa a mesma coisa<br />

que ciência em geral (7). É celebre sua tripartição da filosofia (que formalmente<br />

remonta a seu discípulo Xenócrates): física, ética e dialética.<br />

Também em Aristóteles a filosofia coinci<strong>de</strong> ainda com as ciências. Aristóteles<br />

distingue três classes <strong>de</strong> filosofia: a teorética, a prática e a poiética.<br />

Contudo, em Aristóteles temos que consignar um emprego mais estrito do<br />

termo “filosofia” na medida em que caracteriza a BDfJ n48@F@n\" (próte<br />

philosophía) filosofia primeira, a Metafísica, como º J@Ø n48@F`n@<br />

¦B4FJZ: (he tou philosóphou epistéme) (8), o conhecimento próprio do<br />

filósofo. Em uma <strong>de</strong>finição completamente diferente se acha a caracterização<br />

da filosofia que encontramos na filosofia pós-aristotélica dos estóicos e<br />

epicuristas. Para estes a filosofia é essencialmente uma questão prática, um<br />

meio e um instrumento para dominar a vida. A filosofia é ars vitae, arte <strong>de</strong><br />

viver (Cícero). Os estóicos a <strong>de</strong>finem como anelo ou <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>, os<br />

epicuristas como anelo <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>. Nos fins da antiguida<strong>de</strong> reaparece<br />

claramente a essência teórica da filosofia na <strong>de</strong>finição do neoplatônico<br />

Amônio Saccas: º n48@F@nÂ" BgDÂ BV


Também na filosofia poskantiana difere muito a concepção da filosofia.<br />

Para Hegel a filosofia é “ciência do absoluto”. (17) Deste modo, e na<br />

opinião <strong>de</strong> Kant, a filosofia se converte na função mais alta do espírito humano.<br />

Frente a essa <strong>de</strong>finição a <strong>de</strong> Herbart parece muito seca: “a filosofia é<br />

a elaboração dos conceitos”. (18) Porém muito mais mo<strong>de</strong>sta é a tarefa que<br />

lhe assiná-la o positivismo, que nega toda e qualquer existência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

das ciências positivas. Assim para E. Mach a filosofia consiste “somente<br />

em uma recíproca integração, compenetração e reunião crítica das<br />

ciências especiais para convertê-las em um todo unitário”. (19) Na <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> Wilhelm Wundt, <strong>de</strong> que a filosofia é “uma ciência geral que <strong>de</strong>ve<br />

reunir em um todo coerente os conhecimentos gerais procurados pelas ciências<br />

especiais” (20) prolonga e aprofunda está concepção.<br />

No neokantismo encontramos um ponto <strong>de</strong> vista totalmente diferente<br />

das concepções recém mencionadas. Assim Bruno Bauch caracteriza a filosofia<br />

como “autoconsciência do saber”, (21) seu objeto é constituído pelas<br />

hipóteses e condições sistemáticas da ciência. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Wilhelm<br />

Win<strong>de</strong>lband, que soa tão distinta <strong>de</strong>sta, está contudo aparentada com ela<br />

pelo lado objetivo: a filosofia é “a ciência crítica dos valores universalmente<br />

válidos”. (22)<br />

A fenomenologia, que se opõe em muitos aspectos à filosofia neokantiana,<br />

retorna a uma <strong>de</strong>finição objetiva da filosofia levando em conta<br />

também os modos <strong>de</strong> conhecer em filosofia, aos quais caracteriza no sentido<br />

do método fenomenológico. Assim Max Scheler <strong>de</strong>fine: “a filosofia é o<br />

conhecimento da essência e das relações essenciais do ente, na or<strong>de</strong>m e hierarquia<br />

em que se encontram em relação ao ente absoluto e a sua essência;<br />

conhecimento que por sua essência é rigorosamente evi<strong>de</strong>nte, não po<strong>de</strong> ser<br />

aumentado nem <strong>de</strong>struído pela indução, vale a priori para toda existência<br />

contingente e se aplica a todos os casos particulares exeqüíveis”. (23) Está<br />

<strong>de</strong>finição se apresenta modificada por Martin Hei<strong>de</strong>gger no sentido da filosofia<br />

existencial: a filosofia é “a ontologia universal e fenomenológica que<br />

parte da hermenêutica do ‘ser ai’ (das sein), a qual por sua vez, como analítica<br />

da existência ata o cabo do fio condutor <strong>de</strong> toda questão filosófica, ali<br />

on<strong>de</strong> toda questão filosófica surge e retorna”. (24) Em uma direção muito<br />

distinta aponta a <strong>de</strong>finição que dá outro representante da filosofia existencial,<br />

Karl Jaspers: a filosofia é a arriscada aventura <strong>de</strong> “penetrar no campo<br />

vedado à auto-consciência humana”. (25)<br />

Como cetamente já notou o leitor entendido nesta matéria, as <strong>de</strong>finições<br />

da filosofia que citamos não foram escolhidas arbitrariamente, mas<br />

com o propósito <strong>de</strong> refletir <strong>de</strong> certo modo o <strong>de</strong>senvolvimento da filosofia<br />

oci<strong>de</strong>ntal. Nelas se tornam manifesto as principais concepções da filosofia<br />

que se <strong>de</strong>stacaram na sua história. Porém precisamente por isso todas estas<br />

<strong>de</strong>finições em conjunto oferecem uma prova contun<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que é impossível<br />

extrair <strong>de</strong>las uma <strong>de</strong>finição unitária e objetiva, nem sequer por com-<br />

7


paração e síntese. As <strong>de</strong>finições citadas se opõem francamente entre si,<br />

quase como antíteses. Isto se <strong>de</strong>ve a que é possível consi<strong>de</strong>rar a filosofia a<br />

partir <strong>de</strong> diferentes ângulos, ou simplesmente se po<strong>de</strong> abarcar e reter só um<br />

dos muitos aspectos e planos essenciais. Quase todas as <strong>de</strong>finições que foram<br />

apresentadas incluem uma idéia correta, porém a <strong>de</strong>stacam <strong>de</strong> um modo<br />

exclusivo. Não são falsas mas apenas incompletas. O que dizem da filosofia<br />

é geralmente correto; porém não dizem tudo. Não refletem a idéia total<br />

da filosofia. De seus autores se po<strong>de</strong> dizer, com Kant, que “giram ao<br />

redor <strong>de</strong> uma idéia que não esclareceram, e portanto não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminar<br />

o conteúdo próprio, a articulação (ou unida<strong>de</strong> sistemática) e os limites da<br />

ciência”. Em conseqüência, e para continuar com Kant, não <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>finir<br />

nossa ciência segundo a <strong>de</strong>scrição que <strong>de</strong>la dão os diversos autores, mas<br />

“segundo a idéia que… encontramos fundada na própria razão”. (26)<br />

c) Definição da filosofia.<br />

Encontramos a idéia da filosofia realizada na história da filosofia.<br />

Todo ensaio <strong>de</strong> expor a totalida<strong>de</strong> da filosofia é também um ensaio <strong>de</strong> manifestar<br />

a idéia <strong>de</strong> filosofia. Nos distintos sistemas filosóficos a filosofia se<br />

expressa <strong>de</strong> certo modo acerca <strong>de</strong> sua própria idéia, revela sua própria essência.<br />

Portanto, para conquistar uma a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong>finição da filosofia, <strong>de</strong>vemos<br />

“passar das <strong>de</strong>terminações conceituais dos diversos filósofos aos<br />

fatos históricos da própria filosofia”. (27) Muito embora pareça que este<br />

procedimento tenha que fracassar <strong>de</strong>vido a uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> princípio,<br />

<strong>de</strong>vemos buscar na situação histórica da filosofia seu conceito essencial.<br />

Devemos saber, pois, <strong>de</strong> antemão, o que é a filosofia, se queremos extrair<br />

seu conceito dos fatos. Nosso procedimento parece, pois, conter um circulo<br />

e portanto ser logicamente impossível.<br />

Porém na realida<strong>de</strong> não é assim. Esta dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>saparece porque<br />

não partimos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado conceito <strong>de</strong> filosofia, mas sim da representação<br />

geral da filosofia que toda pessoa culta possui. Como observa Wilhelm<br />

Dilthey, primeiro temos que tratar <strong>de</strong> “fixar o conteúdo comum daqueles<br />

sistemas a respeito dos quais todos percebem que correspon<strong>de</strong>m à<br />

representação geral da filosofia”. (28)<br />

De fato tais sistemas existem. E ainda que frente a algumas criações<br />

intelectuais se possa duvidar que correspondam a uma filosofia, todavia<br />

frente a muitas <strong>de</strong>las não cabe a menor dúvida. Des<strong>de</strong> que elas se manifestaram,<br />

a humanida<strong>de</strong> as consi<strong>de</strong>rou como criações do espírito filosófico e<br />

até reconheceu que a essência da filosofia se manifesta sobretudo nelas.<br />

Tais sistemas são os <strong>de</strong> Platão e Aristóteles, Descartes e Leibniz, Kant e<br />

Hegel. Ao estudá-los, apesar <strong>de</strong> todas as suas diferenças materiais, <strong>de</strong>scobrimos<br />

certas características formais que têm em comum. Ocupando-nos<br />

<strong>de</strong>stes sistemas imediatamente percebemos que nos movemos na esfera te-<br />

8


órica. O filósofo se dirige ao nosso intelecto. O que nos oferece é conhecimento.<br />

Cada sistema é a expressão visível da forte vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer que<br />

o respalda. Para o filosofo só se trata <strong>de</strong> conhecer, <strong>de</strong> saber. O filósofo não<br />

se propõe contemplar e mo<strong>de</strong>lar artisticamente a realida<strong>de</strong>, nem configurála<br />

eticamente, nem vivê-la religiosamente, mas compreendê-la e concebê-la<br />

intelectualmente. Sua única paixão é querer saber: non vi<strong>de</strong>re, non lugere,<br />

neque <strong>de</strong>stestari, sed intelligere (não ver, não lamentar, nem <strong>de</strong>testar, mas<br />

compreen<strong>de</strong>r) dizia Espinosa.<br />

Em conseqüência um sistema filosófico é produto do intelecto, uma<br />

criação racional. Esta é a primeira característica essencial que nele percebemos.<br />

Porém esta não é a única coisa. Este traço não caracteriza todavia a<br />

essência peculiar <strong>de</strong> um sistema filosófico. Não só o filósofo, mas também<br />

o cientista se ocupa do conhecimento. Todo sistema científico é uma criação<br />

intelectual. Em que se distingue o sistema filosófico frente ao sistema<br />

científico? On<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> sua particularida<strong>de</strong>? Para respon<strong>de</strong>r a estas perguntas<br />

<strong>de</strong>vemos nos voltar para o aspecto material do sistema filosófico. Devemos<br />

perguntar: Qual é o conteúdo <strong>de</strong>ste sistema? Uma mera consi<strong>de</strong>ração<br />

superficial nos permite reconhecer que um sistema filosófico se distingue<br />

por sua intenção <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong>. Não se refere a um objeto <strong>de</strong>terminado<br />

nem a uma região particular <strong>de</strong> objetos, mas ao conjunto <strong>de</strong> todos os<br />

objetos do conhecimento. O olhar do filósofo aponta para a totalida<strong>de</strong> das<br />

coisas, trata <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r toda a realida<strong>de</strong>. Precisamente por isso os sistemas<br />

filosóficos se diferenciam dos sistemas <strong>de</strong> conhecimento que são<br />

constituídos pelas ciências específicas.<br />

“O filósofo – observa Georg Simmel –, não necessita sempre se referir<br />

à totalida<strong>de</strong>, e eventualmente não precisa fazê-lo em sentido estrito; porém<br />

qualquer que seja a questão especial da lógica ou da ética, da estética<br />

ou da religião que abor<strong>de</strong>, só o fará <strong>de</strong> fato como filósofo se a vivência interiormente<br />

em relação à totalida<strong>de</strong> do que existe” (29) em linguagem poética<br />

Friedrich Nietzsche expressa esta mesma idéia: “o filósofo trata <strong>de</strong> que<br />

repercuta <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si o som universal, e procura reproduzi-lo por meio <strong>de</strong><br />

conceitos.” (30) À primeira nota <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> ou intelectualida<strong>de</strong> se<br />

acrescenta então uma segunda a da universalida<strong>de</strong> ou totalida<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer agora que a filosofia é o conhecimento total, uma ciência<br />

universal. Porém temos que complementar essa <strong>de</strong>finição. Também<br />

na esfera das ciências especiais encontramos um afã <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong>, um anelo<br />

<strong>de</strong> conhecimento total. Vemos que há espíritos que se esforçam por reunírem<br />

em uma gran<strong>de</strong> síntese geral numerosos conhecimentos conquistados<br />

por meio <strong>de</strong> cuidadosas análises. Assim se origina uma imagem científica<br />

do universo, que compendia as conclusões das ciências especiais correspon<strong>de</strong>nte<br />

ao estado da investigação neste momento. Porém com isso ainda<br />

não chegamos a pisar no solo que é próprio da filosofia. O cientista que<br />

também busca uma ampla síntese ainda continua se movendo no plano das<br />

9


ciências especiais, não no plano da filosofia. O conhecimento filosófico<br />

possui uma dimensão <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong> pelo qual se distingue essencialmente<br />

do conhecimento científico especial. Não só avança em amplitu<strong>de</strong>, mas<br />

também em profundida<strong>de</strong>, não é só conhecimento total, mas também conhecimento<br />

radical. Trata <strong>de</strong> conceber a totalida<strong>de</strong> do ser a partir dos últimos<br />

princípios que servem <strong>de</strong> fundamentos do ser. A filosofia se apresenta<br />

assim como ciência fundamental ou ciência dos fundamentos. É “ciência<br />

dos princípios”. Assim a havia entendido Aristóteles: lembremo-nos <strong>de</strong> sua<br />

doutrina das quatro causas ou fundamentos, que domina toda sua “filosofia<br />

primeira”. Assim também a caracteriza um dos principais filósofos <strong>de</strong> nosso<br />

tempo: “a filosofia é por essência a ciência dos verda<strong>de</strong>iros princípios,<br />

das origens, Õ4.f:"J" BV


peito do sentido das funções e criações espirituais: ciência, arte, moralida<strong>de</strong><br />

e religião. Se, ao contrário, o olhar do filósofo se dirige ao universo exterior,<br />

para o mundo que nos envolve, a filosofia aparece como contemplação<br />

do mundo ou concepção do mundo. No primeiro caso o conhecimento filosófico<br />

se dirige para o mundo dos objetos que se acham <strong>de</strong>ntro do espírito;<br />

no segundo para o mundo exterior à esfera espiritual. Num caso os olhos do<br />

filósofo se dirigem para <strong>de</strong>ntro; no outro se dirigem para fora.<br />

Como ciência universal a filosofia é, portanto, autocontemplação e<br />

concepção do mundo. Ela sempre procurou introduzir uma unida<strong>de</strong> no lugar<br />

<strong>de</strong>sta duplicida<strong>de</strong>. Algumas vezes se restringiu à autocontemplação,<br />

outras à concepção do mundo. Porém ambas as reduções se chocam contra<br />

a realida<strong>de</strong> da filosofia, como se nos apresenta em sua história. A evolução<br />

da filosofia mostra que cada um <strong>de</strong>stes aspectos ou momentos pertencem<br />

essencialmente ao conceito da filosofia.<br />

Não é sem razão que Sócrates foi assinalado como o criador da filosofia<br />

oci<strong>de</strong>ntal. Nele se manifesta claramente a expressa atitu<strong>de</strong> teorética<br />

do espírito grego. Sócrates se esforça por basear a vida do homem na reflexão<br />

e no saber. Trata <strong>de</strong> tornar cada ação humana em ação consciente, em<br />

saber. Sócrates procura elevar a vida com todos os seus conteúdos para o<br />

plano da ciência filosófica. Esta tendência encontra pleno <strong>de</strong>senvolvimento<br />

em seu maior discípulo, Platão. Em Platão a reflexão filosófica se esten<strong>de</strong><br />

para a totalida<strong>de</strong> da consciência humana; não só se dirige para os objetos<br />

práticos, aos objetos e virtu<strong>de</strong>s, como ocorria predominantemente em Sócrates,<br />

mas também ao conhecimento científico. A conduta do estadista, do<br />

poeta e do homem <strong>de</strong> ciência se converte <strong>de</strong> igual modo em objeto da reflexão<br />

filosófica. A filosofia aparece, pois, em Sócrates, e ainda mais em<br />

Platão, como auto-reflexão do espírito sobre suas mais altas funções <strong>de</strong> valor<br />

teórico e prático.<br />

A filosofia <strong>de</strong> Aristóteles mostra outra face. Seu espírito se ocupa<br />

predominantemente do conhecimento científico e <strong>de</strong> seu objeto, o ser. No<br />

centro <strong>de</strong> sua filosofia se acha uma ciência universal do ser: a “filosofia<br />

primeira” ou, como se chamou mais tar<strong>de</strong> “a metafísica”, que se refere à<br />

essência das coisas, às relações e ao princípio último da realida<strong>de</strong>. Se à filosofia<br />

socrático-platônica se po<strong>de</strong> caracterizar como autocontemplação do<br />

espírito, <strong>de</strong>ve-se dizer que a filosofia <strong>de</strong> Aristóteles é sobretudo concepção<br />

do mundo.<br />

Na época posterior a Aristóteles, com os estóicos e epicuristas, a filosofia<br />

se converteu novamente em auto-reflexão do espírito. Porém o horizonte<br />

da concepção socrático-platônica se restringe quase que totalmente às<br />

questões práticas. A filosofia, segundo um dito <strong>de</strong> Cícero, aparece então<br />

como “mestra da vida, criadora das leis, instrutora da virtu<strong>de</strong>”. Em uma<br />

palavra, a filosofia se converteu em ética.<br />

11


No começo da Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna percebemos um retorno à concepção<br />

aristotélica. Os sistemas <strong>de</strong> Descartes, Espinosa e Leibniz mostram a mesma<br />

tendência para o conhecimento do mundo objetivo que comprovamos<br />

no estagirita. A filosofia aparece aqui <strong>de</strong>claradamente como concepção<br />

mundo. Pelo contrário, em Kant ressurge novamente o tipo platônico. A<br />

filosofia adquire outra vez o caráter <strong>de</strong> uma auto-reflexão, <strong>de</strong> uma autocontemplação<br />

do espírito. Aparece antes <strong>de</strong> tudo como teoria do conhecimento,<br />

como fundamentação crítica do conhecimento científico. Porém não se limita<br />

ao campo teórico, mas <strong>de</strong>le passa para uma fundamentação crítica dos<br />

<strong>de</strong>mais campos <strong>de</strong>terminados por algum valor. Ao lado da Crítica da Razão<br />

Pura se encontra a Critica da Razão Prática que trata do campo do valor,<br />

e também a Critica do Juízo, que tem por objeto <strong>de</strong> investigação crítica<br />

os valores estéticos. Assim aparece também em Kant a filosofia como autoreflexão<br />

universal do espírito, como reflexão do homem culto sobre a totalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sua conduta referida a valores.<br />

No século XIX, nos sistemas do i<strong>de</strong>alismo alemão, sobretudo em Schelling<br />

e Hegel, se revive a filosofia <strong>de</strong> tipo aristotélico. A forma exagerada<br />

e unilateral que se manifesta neles promove um movimento contrário,<br />

igualmente unilateral, que produz uma completa <strong>de</strong>svalorização da filosofia,<br />

como ocorre no materialismo e no positivismo, e chega por outra parte a<br />

uma renovação <strong>de</strong> tipo kantiana, como aconteceu com o neokantismo. A<br />

unilateralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta renovação consiste em excluir todos os aspectos referentes<br />

ao conteúdo da filosofia, e à concepção do mundo, que em Kant existem<br />

inequivocamente; assim a filosofia adquire um caráter puramente<br />

formal e metodológico. Este modo <strong>de</strong> ver origina por sua vez um novo movimento<br />

do pensamento filosófico que, frente à predileção dos neokantianos<br />

pelo formal e metodológico, retorna outra vez ao conteúdo e à concepção<br />

do mundo, e portanto significa uma renovação <strong>de</strong> tipo aristotélico. Por<br />

outra parte motivou ensaios <strong>de</strong> uma metafísica indutiva, como as empreendidas<br />

por E. Von Hartmann, Wundt, Driesch, e por outra para uma filosofia<br />

da intuição, como aparece em Bergson e, em outra forma, na fenomenologia<br />

<strong>de</strong> Husserl e Scheler, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surgiu uma ontologia que tem um sentido<br />

antropológico em Hei<strong>de</strong>gger e cosmológico em Nicolai Hartmann. (32)<br />

A filosofia é, por conseguinte, uma ciência universal, que se apresenta<br />

como ciência dos princípios e que se realiza na autocontemplação e<br />

na concepção do mundo. Assim como a autocontemplação do espírito se<br />

dirige para o mundo não sensível, i<strong>de</strong>al, a filosofia enquanto autocontemplação<br />

aparece como filosofia i<strong>de</strong>al. Seus objetos são <strong>de</strong> natureza i<strong>de</strong>al: são<br />

verda<strong>de</strong>s e valores. Ao contrário, a filosofia como concepção do mundo<br />

aponta para objetos reais, que existem na realida<strong>de</strong>, e portanto aparece como<br />

filosofia real. No primeiro caso é teoria dos princípios i<strong>de</strong>ais; no segundo<br />

dos princípios reais.<br />

12


Capítulo II<br />

Divisão da filosofia<br />

De nossa <strong>de</strong>finição po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir uma divisão da filosofia. A filosofia,<br />

como tal, se refere tanto ao universo exterior como ao interior. A<br />

ciência do universo interior representa, como vimos, uma auto-reflexão do<br />

espírito, que po<strong>de</strong> se referir tanto aos atos teóricos como aos práticos. Os<br />

primeiros se realizam na teoria da ciência, os últimos na teoria dos valores.<br />

A filosofia i<strong>de</strong>al se divi<strong>de</strong> por conseguinte em teoria da ciência e teoria dos<br />

valores. A teoria da ciência abarca duas disciplinas: a lógica e a teoria do<br />

conhecimento; a primeira é doutrina formal da ciência; a segunda é doutrina<br />

material da ciência. A teoria dos valores investiga os valores éticos, estéticos<br />

e religiosos. Se divi<strong>de</strong>, pois, em ética, estética e filosofia da religião.<br />

Ao lado da ciência do universo interior se acha a ciência do universo<br />

exterior; junto à “autocontemplação” está a “concepção do mundo”. A filosofia<br />

divi<strong>de</strong> em teoria da realida<strong>de</strong> o segundo dos dois problemas fundamentais<br />

que acabamos <strong>de</strong> assinalar. A teoria da realida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ra antes<br />

<strong>de</strong> tudo o ser como tal, e é portanto teoria geral do ser ou ontologia. Em<br />

seguida investiga a essência, as relações e o princípio último do real. Este<br />

complexo <strong>de</strong> questões constitui o campo da metafísica. Dele se diferencia<br />

um último círculo <strong>de</strong> problemas constituídos pelas mais elevadas questões<br />

da existência humana: as questões acerca <strong>de</strong> Deus e <strong>de</strong> sua relação com o<br />

universo, acerca do <strong>de</strong>stino último do homem e do sentido final da história<br />

da humanida<strong>de</strong>. Como a solução <strong>de</strong>stas questões colocam manifestamente<br />

uma <strong>de</strong>terminada concepção do mundo, <strong>de</strong>signamos brevemente a discussão<br />

filosófica <strong>de</strong>stes temas com o nome <strong>de</strong> “teoria da concepção do mundo”.<br />

A filosofia real se divi<strong>de</strong>, por conseguinte: em ontologia, metafísica e<br />

teoria da concepção do mundo.<br />

Para maior clareza resumimos nossa divisão da filosofia no seguinte<br />

quadro sinóptico:<br />

A. <strong>Filosofia</strong> como “autocontemplação” (filosofia i<strong>de</strong>al)<br />

I. Teoria da ciência<br />

1. Lógica<br />

2. Teoria do conhecimento<br />

II. Teoria dos valores<br />

1. Ética<br />

2. Estética<br />

3. <strong>Filosofia</strong> da religião<br />

13


B. <strong>Filosofia</strong> como “contemplação do mundo” (filosofia real)<br />

III. Teoria da realida<strong>de</strong><br />

1. Ontologia<br />

2. Metafísica<br />

3. Teoria da concepção do mundo.<br />

A chamada classificação platônica da filosofia é, entre as que mencionamos,<br />

a que mais se aproxima da nossa, pois também ela possui três<br />

partes, das quais a dialética correspon<strong>de</strong> à nossa teoria da ciência, a ética à<br />

nossa teoria dos valores, e a física à nossa teoria da realida<strong>de</strong>; porém se <strong>de</strong>ve<br />

observar que Platão não estuda as questões ontológicas e metafísicas na<br />

física, mas na dialética. Como é sabido, Kant retomou novamente a divisão<br />

platônica. No prólogo <strong>de</strong> sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes<br />

escreve: “a antiga filosofia grega se dividia em três ciências: a física, a ética<br />

e a lógica. Esta divisão é perfeitamente a<strong>de</strong>quada à natureza das coisas e<br />

nada há o que corrigir nela; porém convirá, quem sabe, acrescentar o princípio<br />

em que se fundamenta, para se assegurar assim <strong>de</strong> que efetivamente é<br />

completa e po<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar exatamente as necessárias subdivisões. Todo<br />

conhecimento racional, ou é material e consi<strong>de</strong>ra algum objeto, ou é formal<br />

e se ocupa tão somente da forma do entendimento e da própria razão, e das<br />

regras universais do pensar em geral, sem distinção <strong>de</strong> objetos. A filosofia<br />

formal se chama lógica; a filosofia material, porém, que faz referência a<br />

<strong>de</strong>terminados objetos e às leis a que estes estão subentendidos, se divi<strong>de</strong><br />

por sua vez em duas. Porque as leis são, ou leis da natureza, ou leis da ética;<br />

aquela também costuma chamar-se teoria da natureza, e esta, teoria dos<br />

costumes”. (33) Kant distingue também – e então leva a sua distinção além<br />

da <strong>de</strong> Platão – <strong>de</strong>ntro da física e da ética uma parte empírica e outra racional,<br />

e consi<strong>de</strong>ra que só esta última pertence à filosofia pura e verda<strong>de</strong>ira. A<br />

parte racional da física ele a chama metafísica da natureza e a parte racional<br />

da ética <strong>de</strong> metafísica dos costumes. Esta distinção é particularmente importante<br />

na física. Enquanto que Platão por física enten<strong>de</strong> a ciência da natureza<br />

em geral, Kant traça uma clara linha divisória entre a ciência especial<br />

e filosofia, e por “física” enten<strong>de</strong> a filosofia da natureza no sentido <strong>de</strong> uma<br />

fundamentação crítica do conhecimento científico-natural. Assim, o que<br />

Kant chama “física” se converte em uma parte da teoria da ciência ou, melhor<br />

dizendo, da teoria material da ciência ou teoria do conhecimento. Em<br />

conseqüência Kant tem direito a caracterizar sem mais as duas partes principais<br />

da filosofia como filosofia teorética e filosofia prática, como o faz<br />

em outro lugar, que correspon<strong>de</strong>m às nossas teoria da ciência e teoria dos<br />

14


valores. Ao terceiro dos campos principais, a teoria da realida<strong>de</strong>, Kant não<br />

o consi<strong>de</strong>ra como disciplina filosófica própria. As concepções gnosiológicas<br />

o levam a negar a metafísica científica e a incluir a teoria da concepção<br />

do mundo na ética.<br />

Em nossa divisão da filosofia se encontra um número menor <strong>de</strong> disciplinas<br />

do que é costume encontrar na filosofia. Antes <strong>de</strong> tudo a psicologia.<br />

Não só <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mais remota antiguida<strong>de</strong> foi consi<strong>de</strong>rada como parte da<br />

filosofia, mas ainda hoje nas aplicações práticas da ciência aparece como<br />

uma disciplina filosófica. Porém Oswald Külpe, que era às vezes filósofo e<br />

psicólogo, observa muito justamente: “a psicologia se ocupa <strong>de</strong> fatos <strong>de</strong><br />

experiência que se encontram muito próximos dos fatos tratados pela ciência<br />

natural, e emprega um método que esta última há muito tempo reconheceu,<br />

com bom fundamento, como o método verda<strong>de</strong>iramente empírico. Portanto<br />

é suficiente caracterizar a psicologia como ciência especial, e a aceitação<br />

<strong>de</strong>ste fato, por obra do estudo autônomo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da filosofia, é<br />

só uma questão <strong>de</strong> tempo”. (34) A psicologia <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada, pois,<br />

como uma ciência especial, tanto por seu objeto como por seu método que,<br />

em princípio, guarda com a própria filosofia relação que qualquer outra ciência<br />

especial. Contudo, como ciência dos fenômenos <strong>de</strong> consciência possui<br />

particulares pontos <strong>de</strong> contato com a filosofia. Assim como não há teoria<br />

do conhecimento possível sem noções psicológicas, tampouco são possíveis<br />

sem elas a ética, a estética e a filosofia da religião. Porém também a<br />

metafísica necessita <strong>de</strong>la para construir uma antropologia filosófica. Assim,<br />

os conhecimentos psicológicos possuem valor e importância para todas as<br />

disciplinas filosóficas.<br />

Além da psicologia, em nossa divisão faltam a filosofia da natureza e<br />

a filosofia da história. Contudo, o que falta não é a coisa, mas só o nome. A<br />

filosofia da natureza encerra duas coisas: uma filosofia do conhecimento<br />

natural e uma filosofia da realida<strong>de</strong> natural. A primeira pertence à teoria da<br />

ciência, que investiga os pressupostos formais (metodológicos) e materiais<br />

(gnosiológicos) do conhecimento científico-natural. A segunda é parte da<br />

teoria da realida<strong>de</strong>, ou mais exatamente, da metafísica. Algo análogo ocorre<br />

com a filosofia da história, que sem dúvida participa também da teoria dos<br />

valores e da teoria das concepções do mundo, na medida em que a filosofia<br />

dos valores estuda os valores que se manifestam na história, e que a questão<br />

do sentido da história representa uma questão <strong>de</strong> concepção do mundo.<br />

15


Capítulo III<br />

O método da filosofia<br />

Tão diferentes quanto as respostas à questão “o que é filosofia?” são<br />

as soluções à pergunta “qual é o método da filosofia?” Ambas as perguntas<br />

se relacionam estreitamente entre si. Toda <strong>de</strong>finição do que é filosofia contém<br />

implicitamente uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> seu método.<br />

Sobre o método da filosofia já se discutiu muito, especialmente na<br />

Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna. Po<strong>de</strong>-se dizer, sem exagero, que não há nenhum método<br />

que não tenha sido reivindicado como método da filosofia. Deste modo se<br />

comete quase sempre o erro que consiste em tomar a parte pelo todo, convertendo<br />

em método da filosofia o método válido para uma <strong>de</strong>terminada<br />

região do saber.<br />

Tendo-se concebido a filosofia como pura ciência racional, se acreditou<br />

que seu método seria os das ciências racionais ou i<strong>de</strong>ais. Assim se chegou<br />

a assinalar como método da filosofia o procedimento <strong>de</strong>dutivo. O exemplo<br />

clássico <strong>de</strong>sta concepção é Espinosa, que construiu seu sistema more<br />

geométrico. Frente a esta concepção se apresenta como antítese a que<br />

enten<strong>de</strong> que a filosofia é uma ciência <strong>de</strong> experiência, ou uma ciência real, o<br />

que <strong>de</strong>u lugar a que se reclamasse o método das ciências empíricas como<br />

método da filosofia. Deste modo se chegou a proclamar a indução como<br />

método da filosofia. Citaremos o exemplo <strong>de</strong> Eduard Von Hartmann, que<br />

preten<strong>de</strong> alcançar os (resultados especulativos segundo o método indutivo<br />

das ciências naturais). Os filósofos que negam a metafísica e que dissolvem<br />

a filosofia convertendo-a em teoria da ciência e teoria dos valores, caracterizam<br />

seu método como método crítico ou transcen<strong>de</strong>ntal, que investiga os<br />

pressupostos ou princípios últimos do saber e do valer, segundo os fundamentos<br />

da vali<strong>de</strong>z i<strong>de</strong>al. Todo o kantismo se <strong>de</strong>clara partidário <strong>de</strong>sta concepção<br />

fundamental. Outros filósofos tratam <strong>de</strong> separar a filosofia da ciência<br />

e convertê-la em algo referente à vida e às vivências. Para eles o método<br />

da filosofia é a vivencia interna e a visão imediata ou, para dizer em<br />

uma só palavra: a intuição. Toda “filosofia da vida” professa esta concepção.<br />

Dentro <strong>de</strong>sta corrente Henri Bergson discutiu minuciosamente o problema<br />

do método, resolvendo-o com resoluto intuicionismo. Com esta concepção<br />

guarda afinida<strong>de</strong> com aquele que encontra o método da filosofia na<br />

intuição essencial da fenomenologia, como faz Max Scheler em sua <strong>de</strong>finição<br />

que citamos mais acima. Porém há uma diferença, pois esta intuição<br />

essencial se dirige as essências i<strong>de</strong>ais, enquanto que, ao contrário, a intuição<br />

<strong>de</strong> Bergson aponta para as realida<strong>de</strong>s metafísicas.<br />

Como vimos, os ensaios <strong>de</strong> caracterizar o método filosófico partem,<br />

sem exceção, <strong>de</strong> uma concepção mais ou menos unilateral da filosofia. Por<br />

16


esta causa são insuficientes. O método da filosofia só po<strong>de</strong> se caracterizar<br />

acertadamente partindo <strong>de</strong> uma a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong>finição da filosofia.<br />

Nossa <strong>de</strong>finição da filosofia tem a vantagem <strong>de</strong> que não só permite<br />

<strong>de</strong>duzir <strong>de</strong>la uma divisão da filosofia em suas diversas regiões, mas também<br />

uma clara resposta à pergunta acerca do método. Mostrando primeiro<br />

que métodos excluem nossa <strong>de</strong>finição, nós atingiremos a resposta por um<br />

caminho indireto.<br />

A filosofia é a ciência do todo e do último. Trata <strong>de</strong> conceber a totalida<strong>de</strong><br />

do ser a partir <strong>de</strong> seus últimos fundamentos. Partindo do dado, procura<br />

alcançar seus princípios. Com outras palavras, reduz o dado a seus últimos<br />

fundamentos. Isto significa que o método da filosofia não po<strong>de</strong> ser a<br />

<strong>de</strong>dução, pois, como seu nome indica, a <strong>de</strong>dução caminha do fundamento<br />

para a conclusão, dos princípios às suas conseqüências. Porém o caminho<br />

da filosofia é precisamente o contrário. A indução é o procedimento oposto<br />

à <strong>de</strong>dução. A indução trata <strong>de</strong> obter conceitos e leis gerais partindo <strong>de</strong> fatos<br />

particulares. Parece ser, pois, um método da filosofia. Porém o geral, obtido<br />

por indução, não é <strong>de</strong> nenhum modo idêntico aos princípios, que é o objeto<br />

a que aponta o conhecimento filosófico. Este conhecimento filosófico<br />

pertence <strong>de</strong> certo modo a uma dimensão diferente: os fundamentos ou princípios<br />

últimos significam um estrato profundo a que a indução não po<strong>de</strong><br />

penetrar e que sempre fica no plano do dado. Em conseqüência a indução<br />

não po<strong>de</strong> ser o método da filosofia. E isso significa também que a indução<br />

não po<strong>de</strong> ser o método buscado, pois também fica na esfera do dado e não é<br />

capaz <strong>de</strong> avançar na dimensão <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong> em que se move o conhecimento<br />

filosófico. Se procurar fazê-lo, como em Bergson, a filosofia per<strong>de</strong><br />

totalmente seu caráter racional e científico.<br />

Entre as concepções do método filosófico que acabamos <strong>de</strong> citar não<br />

assinalamos a correspon<strong>de</strong>nte à filosofia transcen<strong>de</strong>ntal, da qual temos que<br />

dizer que, no fundamental, é correta. É a idéia <strong>de</strong> que a filosofia sempre se<br />

dirige às últimas condições e pressupostos. A marcha <strong>de</strong> seu pensamento<br />

tem como terminus a quo o condicionado, o fundado; tanto que seu terminus<br />

ad quem está constituído pelas condições, fundamentos, princípios. O<br />

insuficiente <strong>de</strong>sta concepção se baseia em sua estreiteza. Consi<strong>de</strong>ra que o<br />

campo do trabalho filosófico é só a <strong>Filosofia</strong> do I<strong>de</strong>al, que inquire acerca<br />

dos fundamentos i<strong>de</strong>ais ou fundamentos <strong>de</strong> direito. Não se vê o outro hemisfério<br />

da filosofia, o da <strong>Filosofia</strong> do Real; não o leva em conta com plena<br />

consciência. Seus princípios não são <strong>de</strong> natureza i<strong>de</strong>al, mas real, não são<br />

fundamentos do conhecer, mas do ser. O método transcen<strong>de</strong>ntal aqui não<br />

vem ao caso porque se ocupa só dos fundamentos da vali<strong>de</strong>z, não dos fundamentos<br />

da realida<strong>de</strong>. Assim, pois, po<strong>de</strong>-se dizer que o método da filosofia<br />

é transcen<strong>de</strong>ntal no que diz respeito a uma parte capital da filosofia, porém<br />

não à totalida<strong>de</strong> da filosofia.<br />

17


Deste modo preparamos o terreno para uma <strong>de</strong>finição positiva do<br />

método filosófico. Vimos que a filosofia vai das conseqüências aos fundamentos,<br />

do condicionado ao incondicionado. “Reduz”, pois, o dado, a seus<br />

últimos princípios. Seu método é a “redução” que afirma sua peculiarida<strong>de</strong><br />

tanto frente à <strong>de</strong>dução como ante a indução, segundo já ficou esclarecido.<br />

Na <strong>Filosofia</strong> do I<strong>de</strong>al se i<strong>de</strong>ntifica com o método transcen<strong>de</strong>ntal, pois neste<br />

caso os fundamentos a que se reduz o dado são <strong>de</strong> natureza i<strong>de</strong>al. Porém<br />

algo distinto ocorre na filosofia do real. Aqui a redução leva a fundamentos<br />

ou princípios reais, como veremos mais <strong>de</strong>talhadamente quando nos ocuparmos<br />

do método da teoria da realida<strong>de</strong>.<br />

A melhor coisa que já foi escrita nos últimos tempos sobre o método<br />

da filosofia se encontra na Introdução à <strong>Filosofia</strong> <strong>de</strong> Aloys Müller. É certo<br />

que não se trata ali do método, mas dos métodos da filosofia. Segundo<br />

Müller há dois e apenas dois métodos na filosofia: o método fenomenológico<br />

e o método da inferência. (35) Como vimos, o método fenomenológico<br />

na realida<strong>de</strong> é uma inferência. Também tratamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir mais exatamente<br />

esta inferência e encontramos que não é uma inferência <strong>de</strong>dutiva nem<br />

uma inferência indutiva, mas uma inferência redutora. Como ciência dos<br />

fundamentos, a filosofia é essencialmente uma ciência redutora: voltar aos<br />

fundamentos é sempre reduzir. Pois bem, além da inferência Müller cita o<br />

método filosófico: o fenomenológico que, segundo Müller, consiste em<br />

uma intuição e apreensão que muito embora seja imediata não é sensível. É<br />

um “simples tomar consciência, um apropriar-se, um capturar”. (36) Também<br />

nós opinamos que a filosofia não po<strong>de</strong> passar sem uma intuição <strong>de</strong>sta<br />

classe. Porém não queremos ver nela um dos métodos coor<strong>de</strong>nados à inferência<br />

ou à redução. A característica do procedimento que utiliza o saber<br />

filosófico é sempre a redução, como foi mostrado ao se consi<strong>de</strong>rar a essência<br />

da filosofia. Porém esta redução tem que ser preparada, e aqui é on<strong>de</strong><br />

intervém a intuição. A função própria da intuição não é a <strong>de</strong> obter o conhecimento,<br />

mas a <strong>de</strong> prepará-lo. Por esta razão não falamos <strong>de</strong> dois métodos<br />

da filosofia, mas <strong>de</strong> apenas um.<br />

18


Capítulo IV<br />

A filosofia como processo anímico<br />

Se até aqui nos esforçamos por conquistar uma “lógica da filosofia”,<br />

nossa tarefa será agora a <strong>de</strong> obter uma “psicologia da filosofia”. Já não<br />

consi<strong>de</strong>ramos a filosofia como uma forma objetiva, mas como um processo<br />

subjetivo, como um acontecer que se dá na psiquê humana. A visão estática<br />

se converte em uma visão dinâmica. Antes <strong>de</strong> tudo, investigaremos o ato<br />

espiritual <strong>de</strong> caráter filosófico relacionando-o com suas condições e pressupostos<br />

psicológicos, e em seguida com referência aos seus efeitos psicológicos.<br />

Se costuma reduzir todas as funções superiores do espírito e da cultura<br />

do homem às correspon<strong>de</strong>ntes disposições ou aptidões. Assim falamos<br />

<strong>de</strong> aptidões científicas, artísticas, religiosas. Estas expressões assinalam<br />

uma capacida<strong>de</strong> inata que constitui o pressuposto necessário para se cultivar<br />

frutuosamente a respectiva disciplina. Falamos sobretudo <strong>de</strong> tais aptidões<br />

quando nos referimos à arte, porque neste campo mais que em qualquer<br />

outro todas as produções parecem se basear em uma aptidão particular,<br />

em certos dotes específicos, como o expressa a conhecida frase poeta<br />

nascitur.<br />

Com toda razão se po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong> uma especial aptidão filosófica. O<br />

que o justifica é a observação <strong>de</strong> que o filosofar – como a criação e a compreensão<br />

da arte – não é algo que qualquer um possa fazer. Precisamente o<br />

filósofo comprova repetidas vezes que seus esforços mais sinceros encontram<br />

a incompreensão da maioria dos homens e que o que comove mais<br />

profundamente sua alma só <strong>de</strong>sperta um sorriso compassivo. Como diz acertadamente<br />

Schopenhauer, “apenas poucos abraçam seriamente o mistério<br />

da existência humana… assim como o animal passa sua vida sem olhar<br />

para além das suas necessida<strong>de</strong>s, e portanto não se admira <strong>de</strong> que o mundo<br />

exista, e <strong>de</strong> que seja como é, tampouco os homens <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s corrente sentem<br />

alguma admiração pelo mundo. Encaram tudo como muito natural. Em<br />

todo caso, raramente se surpreen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> algum acontecimento insólito e<br />

<strong>de</strong>sejam conhecer a sua causa; <strong>de</strong> forma que o maravilhoso que se acha na<br />

totalida<strong>de</strong> dos acontecimentos, o maravilhoso <strong>de</strong> sua própria existência, é<br />

algo do qual não se inteiram. Por isso estão propensos a ridicularizar os que<br />

se maravilham, refletem acerca daquelas coisas e se ocupam <strong>de</strong> tais investigações.<br />

Pensam que se <strong>de</strong>dicam a fazer coisas muito mais sérias cuidando<br />

<strong>de</strong> si mesmos e dos seus, e usando uma informação <strong>de</strong>talhada acerca das<br />

relação que guardam os acontecimentos entre si, para po<strong>de</strong>r utilizá-los proveitosamente”.<br />

(37)<br />

Por conseguinte po<strong>de</strong>mos falar com razão <strong>de</strong> uma aptidão filosófica,<br />

<strong>de</strong> uma capacida<strong>de</strong> especial para filosofar. Quando esta capacida<strong>de</strong> se en-<br />

19


contra muito <strong>de</strong>senvolvida dizemos que há um gênio filosófico. Todas as<br />

gran<strong>de</strong>s produções da filosofia se baseiam em alguma aptidão genial <strong>de</strong>sta<br />

índole. Os gênios filosóficos produziram suas obras com valor e significação<br />

intemporais. Precisamente ante estas produções, que são eternamente<br />

válidas porque proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um gênio, nos fica claro que a filosofia também<br />

pressupõe uma certa aptidão anímica.<br />

Esta aptidão anímica se origina antes <strong>de</strong> tudo <strong>de</strong> uma vivência peculiar.<br />

Platão e Aristóteles coinci<strong>de</strong>m na caracterização <strong>de</strong>sta vivência como<br />

um 2":V.g4< (thaumázein) um admirar, um assombrar-se, um maravilhar-se<br />

que caracteriza, portanto, o surgimento do filósofo. Quem experimenta<br />

essa vivência <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> enfrentar a realida<strong>de</strong> como um homem ingênuo.<br />

Não aceita as coisas como algo “natural”: ele as converte em problema.<br />

Portanto, se po<strong>de</strong>ria caracterizar a paixão do 2":V.g4< (da admiração)<br />

dizendo que consiste em sentir filosoficamente um problema.<br />

Experimentamos este 2":V.g4< sobretudo quando imediatamente<br />

nos maravilhamos pelo fato <strong>de</strong> que existimos. O fato <strong>de</strong> que eu exista não é<br />

algo que se compreenda por si. Há tantos e tantos anos eu não existia, e<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alguns anos não existirei. O fato <strong>de</strong> que eu exista precisamente<br />

neste mundo, <strong>de</strong> que a realida<strong>de</strong> seja como é, <strong>de</strong> que o que nela exista aconteça<br />

precisamente segundo estas leis e não segundo outras, não é, tampouco,<br />

algo por si só compreensível. Tudo po<strong>de</strong>ria ser também <strong>de</strong> outra maneira.<br />

Por que é precisamente assim? E por que existe algo? Também po<strong>de</strong>ria<br />

não existir nada. Assim o ente, que para o homem ingênuo é algo compreensível<br />

por si mesmo, aparece como enigma, maravilha e mistério. Esta<br />

maravilha do ser é no fundo o que penetra em nossa consciência na vivência<br />

do 2":V.g4


A emoção <strong>de</strong> maravilhar-se conduz natural e necessariamente ao<br />

problema. Ao 2":V.g4< seguem o ¦>gJV.g4


a uma maior a<strong>de</strong>quação do conhecimento – é a atitu<strong>de</strong> fundamental do autodomínio<br />

dos impulsos instintivos por meio da vonta<strong>de</strong> racional”. (42) Há,<br />

pois, segundo Scheler, três atos fundamentais que condicionam o conhecimento<br />

filosófico: amor, humilda<strong>de</strong> e autodomínio. O amor permite dirigir o<br />

espírito humano muito além <strong>de</strong> seu estreito horizonte ambiental para totalida<strong>de</strong><br />

do ser. A humilda<strong>de</strong> orienta para a essência das coisas. Só na atitu<strong>de</strong><br />

da humilda<strong>de</strong>, da franqueza, da receptivida<strong>de</strong> se nos revela o essencial do<br />

ser, o profundo da realida<strong>de</strong>. O autodomínio, finalmente, é a condição para<br />

que o conteúdo objetivo da realida<strong>de</strong> se reflita em sua pureza e sem falseamento<br />

no espírito subjetivo.<br />

Destas três condições, pelo menos a terceira po<strong>de</strong>ria ser discutível.<br />

Com efeito, o domínio dos impulsos e paixões é um requisito imprescindível<br />

para a “a<strong>de</strong>quação do intelecto à coisa”, e nesta a<strong>de</strong>quação, segundo a<br />

antiga sabedoria, consiste a verda<strong>de</strong> do conhecimento. Isto já o sabiam Sócrates<br />

e Platão, e por isso os filósofos reclamaram a liberda<strong>de</strong> interior com<br />

respeito a toda classe <strong>de</strong> paixões perturbadoras, liberda<strong>de</strong> que só se po<strong>de</strong><br />

conseguir por meio <strong>de</strong> uma séria e estrita auto-purificação. Portanto, quando<br />

Scheler menciona o amor como outra condição do filosofar, renova uma<br />

idéia da filosofia antiga, que teve sua formulação clássica na doutrina platônica<br />

do Eros. Platão, diz o próprio Scheler, “caracteriza a potência que<br />

resi<strong>de</strong> no núcleo da pessoa, o impulso, aquilo que há em seu interior e que<br />

se eleva para o mundo das essências, como a forma mais alta e mais pura<br />

daquilo que chama Eros, por assim dizer, como o que ele mais tar<strong>de</strong>... <strong>de</strong>fine<br />

mais precisamente como a tendência ou movimento intrínseco <strong>de</strong> todo<br />

ser imperfeito para o ser perfeito, ou do :¬ Ð< (não-ser) para o Ð


cheler chama “humilda<strong>de</strong>”, se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que constitui com todo direito<br />

uma “condição moral” do conhecimento filosófico.<br />

Assim como todo processo psíquico está condicionado por outros<br />

processos, também é, por sua parte, condição <strong>de</strong> novos processos. Em outras<br />

palavras: não é puro efeito, mas também causa. Isto po<strong>de</strong> se aplicar<br />

também ao processo anímico do filosofar. Havendo mostrado suas condições,<br />

consi<strong>de</strong>raremos agora mais <strong>de</strong> perto seus efeitos.<br />

Vejamos antes <strong>de</strong> tudo a influência na esfera da vonta<strong>de</strong> ou, dito <strong>de</strong><br />

outro modo, seus efeitos morais. Assim como o ato fundamental do filosofar<br />

pressupõe uma atitu<strong>de</strong> moral, também parece apropriado para favorecêla<br />

e fortificá-la. O autodomínio que o filósofo <strong>de</strong>ve exercitar conduz a um<br />

aprofundamento e espiritualização <strong>de</strong> seu ser. Sua postura frente ao suprasensível<br />

o impulsiona e induz a basear sua existência no eterno e espiritual.<br />

Assim apren<strong>de</strong> a consi<strong>de</strong>rar todas as coisas sub specie aeternitatis (sobre o<br />

aspecto da eternida<strong>de</strong>). Ainda que no que se refere ao foro externo esta exposição<br />

às vicissitu<strong>de</strong>s da vida, <strong>de</strong> fato estes embates não alcançam o núcleo<br />

íntimo do seu ser. A esfera em que vive sua vida profunda está além<br />

da esfera finita, ou seja, no eterno e invisível.<br />

Estes efeitos do filosofar, que espiritualizam e aprofundam a vida,<br />

torna compreensível muitas vezes que encontremos nos pensadores um alto<br />

nível ético, que afastem e combatam todas as obrigações morais e religiosas.<br />

Um exemplo típico é Nietzsche, que apesar <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cidida oposição<br />

ao ethos religioso, e particularmente ao ethos cristão, foi um homem <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> moral, incompreendido geralmente pelos que consi<strong>de</strong>ram<br />

que sua doutrina fornece “ré<strong>de</strong>as soltas” para as tendências naturais mais<br />

baixas.<br />

Os efeitos morais que se <strong>de</strong>rivam da função anímica do filosofar são,<br />

pois, totalmente positivos. Porém, qual é sua influência sobre o aspecto<br />

emocional do ser humano? Como o filosofar repercute na vida sentimental<br />

do ser humano? Ou, dito <strong>de</strong> uma maneira mais popular: o filosofar torna o<br />

homem feliz?<br />

Assim como no reino animal a satisfação <strong>de</strong> um impulso acarreta<br />

prazer, também a satisfação <strong>de</strong> um impulso espiritual repercute agradável e<br />

felizmente no homem, produzindo nele sentimentos <strong>de</strong> alegria e felicida<strong>de</strong>.<br />

Isto se aplica também ao impulso filosófico. Também sua satisfação está<br />

ligada a uma certa alegria e significa um prazer espiritual superior. Os gregos,<br />

cujo pronunciado espírito teórico os predispunha e inclinava ao filosofar,<br />

ressaltavam com entusiastas palavras a felicida<strong>de</strong> da 2gTD\", a sina da<br />

investigação e do conhecimento filosófico. {/ 2gTDÂ" JÎ »*4FJ@< 6"Â<br />

–D4FJ@< (a teoria é o que há <strong>de</strong> mais agradável e melhor) – diz uma conhecida<br />

frase <strong>de</strong> Aristóteles. (44) O testemunho <strong>de</strong> Fichte mostra que não só os<br />

antigos, mas também os mo<strong>de</strong>rnos, foram capazes <strong>de</strong> sentir este prazer da<br />

2gTD\". A experiência <strong>de</strong>cisiva <strong>de</strong> sua evolução filosófica foi seu contato<br />

23


com a filosofia kantiana, cujos juízos recebeu com um arrebato <strong>de</strong> prazer.<br />

“Foram os dias mais felizes que vivi. Ainda que tivesse dificulda<strong>de</strong>s para<br />

conseguir o pão <strong>de</strong> cada dia, era por acaso um dos homens mais felizes em<br />

toda superfície da terra”. (45)<br />

Se a primeira repercussão anímica do filosofar consiste em tornar o<br />

sujeito feliz, satisfazendo uma necessida<strong>de</strong> espiritual, po<strong>de</strong>-se perguntar<br />

contudo se também apazigua as mais profundas necessida<strong>de</strong>s do espírito<br />

humano, ou se há certas disposições e exigências do espírito que nenhuma<br />

filosofia po<strong>de</strong> satisfazer, e que melhor apontam para algo último e supremo,<br />

para além da filosofia.<br />

Reconhecemos que a alma <strong>de</strong> toda filosofia autêntica é a nostalgia do<br />

espírito por sua verda<strong>de</strong>ira pátria, o reino do i<strong>de</strong>al, do eterno e divino. O<br />

filósofo criador trata <strong>de</strong> acalmar esta nostalgia erigindo seu sistema filosófico,<br />

que é uma interpretação conceitual do sentido do universo. Porém neste<br />

ponto aparece a dupla tragédia do filósofo. O filósofo quer conhecer o<br />

mundo. Neste sentido afirma o mundo. Porém para conhecê-lo o filósofo<br />

<strong>de</strong>ve distanciar-se <strong>de</strong>le, dirigindo-se para a região dos conceitos abstratos e<br />

das relações lógicas. Nesta região vive e respira. “A filosofia – disse Nietzsche<br />

– é a vida espontânea nos altos montes gelados”. Do “sim” dado ao<br />

mundo surge então um secreto “não”: o filósofo só po<strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r o mundo<br />

na medida que se acha espiritualmente afastado <strong>de</strong>le.<br />

Se bem que o conhecimento filosófico até certo ponto compartilha<br />

esta tragédia com todos os conhecimentos científicos, há uma segunda tragédia<br />

<strong>de</strong> caráter especificamente filosófico. O gênio filosófico trata <strong>de</strong> se<br />

libertar <strong>de</strong> seu insatisfeito impulso para o infinito construindo seu sistema<br />

<strong>de</strong> pensamentos. Com isto não aspira senão a sujeitar o infinito à esfera <strong>de</strong><br />

seu espírito, a possuí-lo como proprieda<strong>de</strong> espiritual sua. Porém ao tratar <strong>de</strong><br />

apreen<strong>de</strong>r o infinito em conceitos humanos se dá conta com muita dor <strong>de</strong><br />

que se trata <strong>de</strong> um empreendimento impossível. Está negado ao intelecto<br />

humano representar a infinita plenitu<strong>de</strong> do ser em um sistema <strong>de</strong> conceitos.<br />

O finito não po<strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r o infinito: finitum incapax infiniti. Assim a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> infinito naufraga em sua finitu<strong>de</strong>. Profunda tragédia, na verda<strong>de</strong>,<br />

implícita nas funduras do ato espiritual do filosofar.<br />

Com maior ou menor clareza observamos este traço trágico no rosto<br />

<strong>de</strong> todo gênio filosófico. De suas obras nos chega algo daquele sentimento<br />

que um poeta mo<strong>de</strong>rno expressou assim:<br />

“Ao contentamento com a existência, ao que vive ativo<br />

ao que tece com vigor a tela cotidiana<br />

pertence o mundo com suas messes douradas.<br />

Porém só ao que no meio da vida tiritando<br />

sofre <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, melancolia e nostalgia<br />

a morte o coroa com palmas <strong>de</strong> paz” (46)<br />

24


A tragédia do conhecimento filosófico não se po<strong>de</strong> superar no plano<br />

da filosofia, porque brota <strong>de</strong> sua essência mais íntima. Deste modo a filosofia<br />

aponta para um i<strong>de</strong>al mais alto, muito além <strong>de</strong>la mesma, que significa<br />

atingir aquele último anelo que nenhuma filosofia po<strong>de</strong> satisfazer. Com outras<br />

palavras, é a religião o que a filosofia assiná-la como seu complemento<br />

essencialmente necessário. Porque só a religião po<strong>de</strong> culminar naquele anelo<br />

do infinito, pois vive na plenitu<strong>de</strong> do divino. Assim se nos confirma a<br />

profunda palavra do poeta Geibel: “o fim da filosofia é saber no que <strong>de</strong>vemos<br />

acreditar”.<br />

25


Capítulo V<br />

O valor da filosofia<br />

Já vimos no último capítulo que o filosofar pertence às funções valiosas<br />

do espírito. Porém é necessário esclarecer com maiores <strong>de</strong>talhes o valor<br />

da filosofia, que foi energicamente impugnado a partir <strong>de</strong> dois ângulos:<br />

por aqueles que se <strong>de</strong>dicam ao puramente prático e pelos investigadores <strong>de</strong><br />

orientação positivista.<br />

Como a experiência cotidiana ensina, o homem prático se inclina a<br />

consi<strong>de</strong>rar os esforços do filósofo como totalmente infrutuosos e sem nenhum<br />

valor. Se pensa como dizia a frase <strong>de</strong> Goethe:<br />

“Seca, amigo, é toda teoria.<br />

Ver<strong>de</strong>, a árvore dourada da vida.” (47)<br />

Devido a sua atitu<strong>de</strong> puramente prática me<strong>de</strong> toda ação por seus êxitos<br />

visíveis e tangíveis, e como não os percebe na filosofia, acredita que<br />

<strong>de</strong>ve negar-lhe valor.<br />

Muito mais importante que esta posição negativa do homem puramente<br />

prático é a postura do pensador e teórico positivista. Enquanto o juízo<br />

do primeiro vale em geral para a ciência na medida em que esta não se<br />

aplica imediatamente à vida, o juízo do segundo ataca especialmente a filosofia.<br />

Se trata no fundo <strong>de</strong> uma luta entre dois i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> conhecimento. O<br />

i<strong>de</strong>al do conhecimento para o positivista consiste em reproduzir com a máxima<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> um aspecto mais ou menos limitado da realida<strong>de</strong>. Para o<br />

positivista o que é <strong>de</strong>cisivo não é a importância e significação do objeto<br />

investigado, mas a exatidão dos métodos <strong>de</strong> investigação. Por esta razão<br />

para o positivista não tem sentido que o espírito humano se ponha a investigar<br />

o conjunto do real e seus fundamentos últimos.<br />

Se por um lado o pensamento prático e positivista <strong>de</strong>sconhece e nega<br />

o valor da filosofia, por outro lado há quem o encarece com excesso. Encontramos<br />

sobretudo em Hegel tal valoração excessiva da filosofa. Quando<br />

em 1816 Hegel assumiu o cargo da cátedra em Berlin, pronunciou uma celebre<br />

conferência inaugural, que representa um hino à filosofia e a seu valor.<br />

“O <strong>de</strong>nodo da verda<strong>de</strong> – diz no final –, a fé no po<strong>de</strong>r do espírito, é a<br />

primeira condição do estudo filosófico; o homem <strong>de</strong>ve honrar-se a si mesmo<br />

e avaliar-se digno do Altíssimo. Nunca po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar suficientemente<br />

gran<strong>de</strong> a importância e po<strong>de</strong>r do espírito. A essência do universo, a<br />

princípio fechada, não tem força que possa opor resistência ao <strong>de</strong>nodo do<br />

conhecer: tem que se abrir ante ele e colocar ante seus olhos suas riquezas e<br />

suas profundida<strong>de</strong>s dando-lhe assim motivo <strong>de</strong> prazer”. (48) O pensamento<br />

intelectualista que se expressa nestas palavras é a base <strong>de</strong> toda especulação<br />

26


<strong>de</strong> Hegel. Por conseguinte Hegel <strong>de</strong>fine a filosofia dizendo que é “a idéia<br />

que se pensa a si mesma”, “a verda<strong>de</strong> que se sabe a si mesma”, “a razão<br />

que se concebe a si mesma”. Para Hegel a essência das coisas consiste no<br />

pensar, é algo lógico, conceitual. Este pensar objetivo também alcança autoconsciência<br />

na filosofia, caso o apreenda <strong>de</strong> forma plenamente a<strong>de</strong>quada,<br />

<strong>de</strong> sorte que a filosofia proporciona ao homem um saber absoluto, e em<br />

conseqüência representa a mais alta função do espírito humano.<br />

A filosofia contemporânea é unânime em consi<strong>de</strong>rar que esta concepção<br />

da excessiva importância da filosofia, como também é unânime em<br />

seu juízo sobre a apreciação positivista acerca da filosofia. O pensamento<br />

filosófico contemporâneo já não pisa no solo do intelectualismo hegeliano.<br />

Pensa mais humil<strong>de</strong>mente acerca da razão humana e <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong>. Já<br />

não vê as coisas com os olhos dos gran<strong>de</strong>s conceitualistas românticos e<br />

portanto tampouco acredita que a filosofia po<strong>de</strong> dar ao homem um saber<br />

absoluto, e que nisto se baseia sua importância e valor.<br />

Se agora queremos evitar menosprezá-la ou estimá-la em excesso,<br />

<strong>de</strong>vemos representar-nos sua essência e tratar <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar seu valor com<br />

base nessa consi<strong>de</strong>ração essencial.<br />

Como vimos, na filosofia se realiza uma auto-reflexão do espírito.<br />

Como reflexão do espírito sobre sua atitu<strong>de</strong> teorética e seu conhecimento<br />

científico, a filosofia adota o caráter <strong>de</strong> uma teoria da ciência, que consiste<br />

na investigação e exame crítico dos pressupostos objetivos e formais do<br />

conhecimento científico. Como teoria da ciência a filosofia fixa sua atenção<br />

nos métodos e conceitos fundamentais das ciências especiais. Ao fazê-lo<br />

adquire uma importância positiva para o investigador das ciências especiais.<br />

Mostra-lhe, por uma parte, os limites <strong>de</strong> seu campo <strong>de</strong> investigação,<br />

formando nele uma consciência crítica e equânime. Por outra parte, estabelece<br />

no campo <strong>de</strong> sua ciência relações mais amplas, levando-o a um aprofundamento<br />

intelectual <strong>de</strong> toda investigação. Deste modo o guarda do especialismo<br />

unilateral, que Goethe censura com suas conhecidas palavras:<br />

“Tens as partes na mão,<br />

porém aí, falta o laço espiritual.” (49)<br />

Porém a filosofia não é mera teoria da ciência. Como reflexão do espírito<br />

sobre sua conduta não teórica – sua ativida<strong>de</strong> estimativa – é também<br />

teoria dos valores éticos, estéticos e religiosos. A tarefa da teoria dos valores<br />

consiste em indagar e <strong>de</strong>terminar seu posto no conjunto da cultura. Ao<br />

cumprir essa tarefa adquire importância para vida estimativa do homem.<br />

Assim como a filosofia enquanto teoria da ciência leva o investigador científico<br />

especializado a uma auto-<strong>de</strong>terminação crítica, enquanto teoria dos<br />

valores contribui para que o homem que vive ou cria valores adquira uma<br />

consciência mais clara <strong>de</strong> sua vivência e <strong>de</strong> sua criação <strong>de</strong> valores. Deste<br />

27


modo o guarda das unilateralida<strong>de</strong>s que tão facilmente aparecem ao cultivar<br />

com intensida<strong>de</strong> um campo especial <strong>de</strong> valores, e lhe permite compreen<strong>de</strong>r<br />

também outras ativida<strong>de</strong>s valiosas e julgá-las com imparcialida<strong>de</strong>.<br />

A filosofia não esgota sua essência na auto-reflexão do espírito. Como<br />

já vimos, esta reflexão está em última estância a serviço <strong>de</strong> uma finalida<strong>de</strong><br />

superior: o conhecimento da totalida<strong>de</strong> do ser, a conquista <strong>de</strong> uma visão<br />

<strong>de</strong> conjunto da realida<strong>de</strong>. A filosofia realiza esta tarefa na teoria da realida<strong>de</strong>.<br />

Como teoria da concepção do universo se ocupa em alcançar uma<br />

interpretação do sentido do universo e, com isso, também uma interpretação<br />

da existência humana. Sem uma concepção do universo e da vida o<br />

homem não po<strong>de</strong> viver <strong>de</strong> um modo verda<strong>de</strong>iro. Po<strong>de</strong> ir vivendo com a<br />

consciência adormecida como um animal; porém só po<strong>de</strong> levar uma vida<br />

digna <strong>de</strong> um ser racional se tiver clareza acerca do sentido do mundo e da<br />

vida. A filosofia preten<strong>de</strong> ajudá-lo a obter essa clareza. Certamente que não<br />

po<strong>de</strong> dar por si só uma interpretação do sentido do universo; daí porque,<br />

como veremos em seguida, <strong>de</strong>penda <strong>de</strong> outra fonte <strong>de</strong> conhecimento, mais<br />

profunda. Porém, ao contrário, po<strong>de</strong> oferecer ao homem os instrumentos<br />

conceituais <strong>de</strong> que ele necessita para construir sua concepção do mundo.<br />

Ao pô-lo em condições <strong>de</strong> conquistar uma clara concepção do mundo criada<br />

pelo pensamento, adquire <strong>de</strong>cisiva importância para o homem e para a<br />

realização <strong>de</strong> sua vida.<br />

O valor da filosofia que acabamos <strong>de</strong> examinar é um valor teórico,<br />

situado no plano do conhecimento. Porém como todo conhecer se acha <strong>de</strong><br />

certa maneira relacionado com a vida, a filosofia serve também indiretamente<br />

à vida, proporcionando-lhe valores <strong>de</strong> conhecimento. Além disso,<br />

po<strong>de</strong>mos falar também <strong>de</strong> um valor direto da filosofia para a vida. Quando<br />

o seu valor teórico acrescenta algo ao seu conteúdo, este valor prático se<br />

funda em sua realização subjetiva, na função do filosofar.<br />

A filosofia é a ciência das coisas últimas e fundamentais. É próprio<br />

da sua essência mover-se não só em extensão, mas também em profundida<strong>de</strong>.<br />

A consagração à filosofia se presta, pois, como nenhuma outra ocupação<br />

espiritual, para dirigir o pensamento humano até as coisas últimas e<br />

essenciais. O homem possuído pelo gênio da filosofia não acha nenhuma<br />

satisfação no exterior e periférico. Seu ser e seu querer aspiram ao profundo.<br />

Despreza os valores superficiais da vida, vê neles valores só aparentes e<br />

se consagra aos valores da vida culta no que ela tem <strong>de</strong> profundo e que só<br />

brinda a quem possui profundida<strong>de</strong>. Fazendo valer em sua vida interior a<br />

<strong>de</strong>vida or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> valores, sabe sempre encontrar a <strong>de</strong>cisão correta nas situações<br />

concretas da vida. Não é só um erudito, mas também um sábio. De<br />

novo entra em vigor a significação da palavra “filosofia”: o filósofo aparece<br />

como um “amante da sabedoria”.<br />

A esta sapientia que coroa a scientia pertence também o conhecimento<br />

dos limites do saber e do po<strong>de</strong>r humano, a consciência da finitu<strong>de</strong> e<br />

28


limitação do ser humano. A investigação filosófica é muito apropriada para<br />

manter viva esta consciência. O conhecimento que aprofunda as coisas se<br />

encontra sempre com os limites e estreitezas que foram traçados ao intelecto<br />

humano e que têm sua razão <strong>de</strong> ser no fato <strong>de</strong> que o homem foi criado.<br />

Assim o filosofar torna o homem humil<strong>de</strong> e, <strong>de</strong>ste modo, sensível aos valores<br />

mais altos, como se encontram na religião. Tal é o sentido da celebre<br />

frase <strong>de</strong> Francis Bacon: Leves gustus in philosophia movere ad atheismum,<br />

sed pleniores haustus reducere ad religionem (é possível que o gosto pela<br />

filosofia conduza ao ateísmo, mas ela satisfaz plenamente e reconduz para<br />

religião).<br />

Certamente que a função do filosofar po<strong>de</strong> também ter um efeito oposto.<br />

Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar no homem aquele orgulho da razão que põe como<br />

algo absoluto a atitu<strong>de</strong> filosófica e, junto com ela, o próprio eu.<br />

A filosofia é uma função do intelecto. O cultivo unilateral ou totalmente<br />

exclusivo <strong>de</strong>sta função leva necessariamente a uma hipertrofia do<br />

intelecto, que então absorve <strong>de</strong> certo modo as restantes faculda<strong>de</strong>s do espírito,<br />

as forças dos sentimentos e da vonta<strong>de</strong>. O homem conhece as coisas só<br />

em relação com o saber. O que não po<strong>de</strong> saber nem comprovar não existe<br />

para ele. A realida<strong>de</strong> existe para ele só na medida em que passa a fazer parte<br />

da sua consciência teórica. Assim enfrenta todo ser na fria e orgulhosa<br />

atitu<strong>de</strong> do homem que, por assim dizer, se converteu em um intelecto.<br />

Este perigo do intelectualismo prático que ameaça todo homem <strong>de</strong><br />

ciência existe principalmente para o filósofo. Seu intelecto se dirige para o<br />

conjunto da realida<strong>de</strong>, querendo abarcar a totalida<strong>de</strong> das coisas. Com este<br />

fim pergunta sobre seu ser e sentido. “O espírito filosófico – disse Dilthey<br />

– não esquece nenhum sentimento <strong>de</strong> valor e nenhum afã tal como se apresentam,<br />

nem <strong>de</strong>ixa isolado nenhum saber e prescrição; inquire acerca do<br />

fundamento da vali<strong>de</strong>z <strong>de</strong> tudo o que vale”. (50) Trazendo ante seu foro<br />

crítico todos os objetos, se apresenta como juíz e monarca do reino do espírito.<br />

Naturalmente, entronizada esta forma <strong>de</strong> existência ela é ameaçada<br />

pelo perigo da hybris, da soberba espiritual, do orgulho prometeico. Com<br />

muita facilida<strong>de</strong> o filósofo se sente como um “pequeno <strong>de</strong>us” que não tolera<br />

<strong>de</strong>uses acima <strong>de</strong> si. Esta é a atitu<strong>de</strong> espiritual que encontramos no conhecido<br />

aforismo <strong>de</strong> Nietzsche: “se houvessem <strong>de</strong>uses, com eu po<strong>de</strong>ria suportar<br />

não ser um <strong>de</strong>us? Portanto não há <strong>de</strong>uses”.<br />

Converter a atitu<strong>de</strong> filosófica em algo absoluto significa fechar-se e<br />

proibir-se o acesso à esfera <strong>de</strong> valores supremos que só se abre a quem se<br />

aproxime da atitu<strong>de</strong> contrária ao orgulho e a obstinação prometeica: a atitu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>. Nesta perspectiva revela o seu verda<strong>de</strong>iro sentido clareador<br />

da existência a frase <strong>de</strong> Jesus que raras vezes se compreen<strong>de</strong> com toda<br />

sua profundida<strong>de</strong>: “Te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que tenhas<br />

escondido estas coisas dos sábios e dos entendidos, e as tenha revelado às<br />

crianças” (Mateus XI, 25).<br />

29


A conversão da filosofia em algo absoluto, que tratamos <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />

psicologicamente, tem também um aspecto lógico, que <strong>de</strong>ve igualmente<br />

ser consi<strong>de</strong>rado. Se baseia em num pressuposto inteiramente arbitrário,<br />

como <strong>de</strong>monstrou irrefutavelmente Max Scheler. A filosofia, explica<br />

Scheler, é conhecimento, ou seja, a espécie <strong>de</strong> participação nas essências<br />

que se chama conhecimento. (51) Deste modo institui um intelectualismo<br />

metódico ou formal. Quem como filósofo queria escapar <strong>de</strong>le, não sabe o<br />

que quer. “Porém tão absurdo como negar o intelectualismo formal da filosofia<br />

seria o procedimento oposto, <strong>de</strong> querer alcançar ou incluir algo acerca<br />

do conteúdo material das essências em que o filósofo originalmente trata <strong>de</strong><br />

participar. Porque é tão certo que pelo conhecimento (ou na medida em que<br />

é possível pelo conhecimento) o filósofo está sujeito à participação nas essências,<br />

como o é o fato <strong>de</strong> que a essência original não está obrigada a priori<br />

a conce<strong>de</strong>r ao cognoscente enquanto cognoscente uma última participação.<br />

Pois o caráter da participação se ajusta exclusivamente ao conteúdo<br />

essencial da essência originária, porém não à essencialida<strong>de</strong> do conteúdo.<br />

O raciocínio, hoje muito em voga, que baseando-se no fato <strong>de</strong> que a filosofia<br />

tem por objeto o cognoscível ou o conhecimento possível do universo,<br />

<strong>de</strong>duz um intelectualismo metódico da filosofia, é portanto totalmente absurdo”.<br />

(52) Suas premissas são <strong>de</strong> caráter extra lógico. “Não é um fundamento<br />

lógico, mas moral – o pecado da arrogância na pessoa instruída que<br />

faz filosofia – o que produz a aparência <strong>de</strong> estar fechada a priori, e <strong>de</strong> que<br />

o processo metódico e rigorosamente intelectual da filosofia (trás a vitória<br />

moral sobre os obstáculos opostos ao conhecimento) po<strong>de</strong> conduzir a um<br />

conteúdo <strong>de</strong> essências que exija <strong>de</strong> sua natureza, como último ato do filósofo,<br />

uma livre e autônoma auto-limitação da filosofia enquanto filosofia, e<br />

que portanto o conteúdo da essência original po<strong>de</strong> tornar necessária uma<br />

forma correspon<strong>de</strong>nte da participação como atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento filosófico.<br />

Por conseguinte po<strong>de</strong> ser muito bem que o filósofo, em rigorosa<br />

conseqüência <strong>de</strong> seu filosofar, tenha que subordinar-se livre e espontaneamente<br />

a outra forma superior <strong>de</strong> participação nas essências; e que o próprio<br />

filósofo mesmo enquanto filósofo, como a razão filosofante em geral, sacrifique<br />

livremente o caráter não filosófico da participação exigida pelo conteúdo<br />

da essência originaria”. (53) Assim, para o filósofo, a conclusão final<br />

da sabedoria, única capaz <strong>de</strong> superar a perigosa hybris (soberba, arrogância)<br />

do intelecto, é a livre auto-limitação da filosofia, o que não significa<br />

outra coisa que o espírito filosófico está intimamente aberto ao Deus vivo e<br />

a sua revelação.<br />

30


Capítulo VI<br />

A filosofia e a sua história<br />

Quem quer que afirme o direito da filosofia <strong>de</strong>ve estar preparado para<br />

receber uma objeção que é especialmente natural na concepção vulgar.<br />

Segundo esta objeção, por mais que se pon<strong>de</strong>re sobre a filosofia, sua própria<br />

história diz outra coisa. Quem a contemplar sem preconceito se encontrará<br />

ante um caos <strong>de</strong> opiniões, tanto maior quanto maior for o espaço <strong>de</strong><br />

tempo consi<strong>de</strong>rado. Muitas <strong>de</strong>las se contradizem como um sim e um não.<br />

Em nenhuma parte se <strong>de</strong>scobre algo parecido ao seguro e mais ou menos<br />

constante progresso do conhecimento que observamos nas outras ciências e<br />

que nos inspira confiança em seu trabalho. A história da filosofia aparece<br />

francamente como uma história dos erros humanos.<br />

A esta objeção pô<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r Win<strong>de</strong>lband, um dos melhores conhecedores<br />

da história da filosofia, que inclusive consi<strong>de</strong>ra que a objeção não é<br />

totalmente falsa. “Na realida<strong>de</strong> ocorre nessa história algo essencialmente<br />

distinto do que se passa com a das outras ciências. Estas têm seu objeto<br />

mais ou menos <strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong>limitado, e sua história é uma paulatina<br />

aproximação a este conhecimento. Se se consi<strong>de</strong>ra, por exemplo, a história<br />

da física ou da filologia grega, se observa que com o correr do tempo aumenta<br />

nesses campos a amplitu<strong>de</strong> dos conhecimentos seguros e a penetração<br />

da inteligência. Se torna evi<strong>de</strong>nte um progresso em extensão e em intensida<strong>de</strong>,<br />

que muito embora não seja sempre constante, no conjunto se apresenta<br />

como algo inequívoco. Semelhante história inclui conquistas que<br />

se reconhecem como permanentes, e po<strong>de</strong> tratar os erros como verda<strong>de</strong>s em<br />

potência. Outra coisa ocorre com a filosofia... Cada filósofo parece trabalhar<br />

como se os outros não houvessem existido antes <strong>de</strong>le; e precisamente<br />

nos mais importantes parece ocorrer isso. Assim a história da filosofia dá a<br />

impressão <strong>de</strong> algo <strong>de</strong>sconexo, eternamente mutável, contraditório e caprichoso,<br />

e por esta falta <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> não há nada nela indisputável, nada<br />

que possa se assinalar como uma <strong>de</strong>scoberta. Não existe “a” filosofia, como<br />

existe “a” matemática, “a” história do direito, etc.”. Todavia não encontramos<br />

aqui nenhuma objeção contra a possibilida<strong>de</strong> da filosofia. “Estas inegáveis<br />

flutuações entre os objetos mostram persuasivamente que o conjunto<br />

dos problemas e suas conexões não ocorrem para filosofia <strong>de</strong> forma tão unívoca<br />

como nas <strong>de</strong>mais ciências, mas que a totalida<strong>de</strong> e o sistema dos<br />

problemas <strong>de</strong>vem ser indagados por primeiro, e por acaso isto constitui o<br />

problema último e supremo da filosofia. Porém a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> do surgimento<br />

das questões se explica <strong>de</strong> modo mais simples se pensamos que<br />

dos pressupostos da vida e das ciências – cuja comoção leva à filosofia segundo<br />

especiais circunstâncias históricas que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m em parte da vida<br />

espiritual do indivíduo e em parte da vida espiritual coletiva – com o correr<br />

31


do tempo se tornam sucessivamente duvidosas e exigem reflexão. Daí porque<br />

alguns coloquem o conjunto dos problemas filosóficos a partir <strong>de</strong> um<br />

ponto <strong>de</strong> vista, outros a partir <strong>de</strong> outros; e as diferentes energias com que<br />

tanto uma questão, quanto outra, aparece em primeiro plano, se <strong>de</strong>ve mais à<br />

constelação histórica <strong>de</strong> motivos intelectuais que a consi<strong>de</strong>rações sistemáticas.<br />

Porém se, apesar <strong>de</strong> tudo, reiteradamente se abrem passagem para os<br />

mesmos problemas e as mesmas oposições nos ensaios <strong>de</strong> solução, este é o<br />

melhor título para afirmar o direito da filosofia. Isso mostra que seus problemas<br />

são necessários, que surgem inevitavelmente das coisas, colocandose<br />

<strong>de</strong> um modo irrecusável, ao ponto <strong>de</strong> que uma vez que tenham aparecido<br />

o pensamento sério já não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scartá-los. E aquele constante retorno da<br />

intenção <strong>de</strong> solução, que à primeira vista parecia vergonhoso, só mostra<br />

que na relação do pensamento com aqueles objetos nascem necessida<strong>de</strong>s<br />

duradouras, que apesar das mudanças das circunstâncias históricas sempre<br />

se repetem”. (54)<br />

Se a história da filosofia apresenta uma estrutura diferente do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

histórico das ciências, só um cientista unilateral po<strong>de</strong> ver nisso<br />

uma objeção contra a filosofia. Na verda<strong>de</strong>, o fato <strong>de</strong> que a história da filosofia<br />

guar<strong>de</strong> maior similitu<strong>de</strong> com a história da arte que com a história das<br />

ciências especiais, não a prejudica em nada. Na história da filosofia, como<br />

na história da arte, o ponto essencial está nas gran<strong>de</strong>s e dominantes produções<br />

individuais. Aparecem <strong>de</strong> repente e permanecem em uma esfera <strong>de</strong><br />

vali<strong>de</strong>z intemporal. Não envelhecem, mas continuam sendo eternamente<br />

revigoradas. Isto vale para as obras <strong>de</strong> Platão não menos que para as imortais<br />

criações <strong>de</strong> um Sófocles ou <strong>de</strong> um Praxíteles. Na história da filosofia,<br />

como na da arte, o que está mais próximo da verda<strong>de</strong> não é o ponto final do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, o estado atual, como ocorre nas ciências especiais – se,<br />

por exemplo, me proponho o estudo <strong>de</strong> química compro para mim o tratado<br />

<strong>de</strong> química mais recente –, mas a produção criadora do gênio. Ela representa<br />

a máxima aproximação da plena idéia da filosofia ou da arte.<br />

A comparação com a arte é a<strong>de</strong>quada para ilustrar a profunda relação<br />

que a filosofia guarda com sua história. A essência da arte se torna evi<strong>de</strong>nte<br />

nas criações <strong>de</strong> seus gênios. Quem quiser penetrá-las tem que se ocupar<br />

<strong>de</strong>las. Quem quiser ver e plasmar artisticamente <strong>de</strong>ve estudar os gran<strong>de</strong>s<br />

mestres. O mesmo ocorre com a filosofia. Também ela só revela seu segrego<br />

a quem se submerge nas obras clássicas. Estas constituem a verda<strong>de</strong>ira<br />

via <strong>de</strong> acesso ao reino do pensamento filosófico. Portanto quem quer<br />

filosofar tem que travar contato com elas. Nesse sentido a história da filosofia<br />

é efetivamente o organon da filosofia”. (55)<br />

Assim, pois, a verda<strong>de</strong>ira situação é precisamente o contrário do que<br />

parece à primeira vista. A princípio parecia totalmente questionável o valor<br />

da história da filosofia em comparação com a história das ciências especiais.<br />

Em um caso um ir e vir, no outro um progresso continuo; ou, como diz<br />

32


Kant, frente aos “tateio” da filosofia, “a segura marcha da ciência”. Contudo<br />

a História da <strong>Filosofia</strong>, como vimos, tem mais valor para a investigação<br />

filosófica que a História das Ciências especiais para a investigação científica<br />

especializada. A história é prescrita para filosofia numa medida muito<br />

distinta que para as ciências particulares. A filosofia guarda uma relação<br />

muito mais profunda com sua história. Isto se relaciona, como vimos, com<br />

sua íntima essência, cuja peculiarida<strong>de</strong> aqui se revela claramente frente às<br />

ciências especiais.<br />

A comparação que fizemos com a arte não <strong>de</strong>ve nos levar a uma<br />

concepção estética da filosofia. A filosofia é e continua sendo ciência. Nela<br />

não se trata da beleza, mas da verda<strong>de</strong>. Quer conhecer e proporcionar conhecimentos.<br />

Na formação e estruturação <strong>de</strong> seus conhecimentos, em um<br />

sistema arquitetonicamente or<strong>de</strong>nado, penetra, sem dúvida, um elemento<br />

estético, porém que apenas acrescenta a forma e não o conteúdo do conhecimento<br />

filosófico. Este, como conteúdo intelectual, pertence à esfera lógica,<br />

não à estética. Tampouco <strong>de</strong>ve se passar por alto o fato <strong>de</strong> que a história<br />

da filosofia preten<strong>de</strong> que seja consi<strong>de</strong>rada e seja compreendida como algo<br />

que em última instância não é um ir e vir <strong>de</strong> sistemas filosóficos. Quem<br />

assim a vê, a vê todavia muito exterior e esteticamente. A visão que penetra<br />

a fundo <strong>de</strong>scobre, sobre a mudança dos sistemas filosóficos, uma elaboração<br />

mais ou menos contínua dos problemas, e um inequívoco progresso no<br />

domínio <strong>de</strong>stes.<br />

Nicolai Hartmann prosseguiu o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>stas idéias tratando<br />

<strong>de</strong> estabelecer uma nova perspectiva na história da filosofia. Segundo<br />

Hartmann, é preciso remontar dos sistemas aos problemas contidos neles.<br />

A história da filosofia até agora foi muito mais a história dos sistemas. “Se<br />

escreve a história da filosofia como se escreve a história da religião ou a<br />

história das artes, não como se escreve a história <strong>de</strong> um ramo do conhecimento,<br />

<strong>de</strong> uma ciência. O que foi escrito foi sempre como mera história do<br />

espírito, e, como tal, seus resultados possuem também um gran<strong>de</strong> valor. Ao<br />

contrário, os esforços por dominar os problemas e a marcha progressiva do<br />

conhecimento – por certo muito escassa e com freqüência incipiente – se<br />

malograram”. (56) Frente a isto se <strong>de</strong>ve exigir o reconhecimento dos problemas<br />

que se apresentam como um conteúdo contínuo. (57) Cabe observar<br />

“que há também uma marcha autônoma dos problemas, que em todas as<br />

épocas as idéias <strong>de</strong>cisivas repousam em concepções revolucionárias que se<br />

manifestam no contínuo progresso do trabalho cognoscitivo, que corre oculto<br />

pela luta das opiniões expressas e que sempre requer especial <strong>de</strong>scoberta”.<br />

(58) Deve-se exigir, portanto, uma investigação histórica “que trate<br />

das conquistas e conhecimentos filosóficos. Para este empreendimento o<br />

mais importante não é “compreen<strong>de</strong>r” o que é que os pensadores pensaram,<br />

opinaram, ensinaram ou quiseram, mas ‘reconhecer’ o que conheceram”.<br />

(59) Sem dúvida todo pensador se acha imerso nas concepções <strong>de</strong> seu tem-<br />

33


po. Porém também luta contra elas, e o que elabora nestas lutas é seu conhecimento.<br />

Há, pois, em cada pensador, intelecções que se elevam acima<br />

das estreiteza <strong>de</strong> seu tempo. “O progresso histórico do conhecimento filosófico<br />

consiste nestas intelecções”. (60) Se a filosofia é algo mais que uma<br />

opinião, se é uma ciência, “sua própria história tem que consistir na série <strong>de</strong><br />

intelecções e não na das opiniões doutrinais e sistemas. Estas são – em sentido<br />

estrito e na medida em que não representam intelecções latentes – o<br />

não filosófico da filosofia”. (61) “Na realida<strong>de</strong> cada pensador parte <strong>de</strong> algum<br />

autêntico problema tomado em uma <strong>de</strong>terminada fase <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

e no qual continua trabalhando. E qualquer que seja o resultado<br />

que o seu sistema doutrinal aguarda se trata antes <strong>de</strong> tudo <strong>de</strong> que ele se<br />

incorpore com sua pesquisa ao estado atual dos problemas para fazê-los<br />

progredir com sua investigação”. (62)<br />

As idéias <strong>de</strong> Hartmann são sem dúvida a<strong>de</strong>quadas para contribuir<br />

com o aprofundamento e a ampliação da história da filosofia. Com razão<br />

sublinha que uma coisa é investigar historicamente o ir e vir dos sistemas, e<br />

outra coisa é levar em conta a luta oculta com os problemas por trás <strong>de</strong>stes<br />

eventos, e o lento, porém contínuo, progresso do conhecimento filosófico.<br />

Na realida<strong>de</strong> a “História da <strong>Filosofia</strong>” só se torna frutuosa para a filosofia<br />

quando enfoca o progresso do saber que se realiza sob as disputas dos sistemas,<br />

e aceita estes conhecimentos filosóficos. Se trata <strong>de</strong> uma exigência<br />

que Leibniz havia colocado com palavras verda<strong>de</strong>iramente luminosas: “a<br />

verda<strong>de</strong> é mais difundida do que se pensa; porém está muitas vezes mascarada<br />

e com muita freqüência também velada, e inclusive <strong>de</strong>svirtuada, mutilada,<br />

corrompida por acréscimos que a estropiam ou a tornam menos útil.<br />

Fazendo observar estes sinais da verda<strong>de</strong> nos antigos, ou, para falar <strong>de</strong> um<br />

modo mais geral, nos anteriores, retiraria o ouro do barro, o diamante <strong>de</strong><br />

seu escolho, e a luz das trevas; e isto seria, com efeito, uma espécie <strong>de</strong> perennis<br />

philosophia”. (63)<br />

Essas palavras, também citadas por Hartmann, vão certamente além<br />

do que ele preten<strong>de</strong>. Porque aqui não se fala tanto <strong>de</strong> problemas como da<br />

verda<strong>de</strong>, por assim dizer, da correta solução dos problemas. Em Hartmann<br />

quase parece que só tiveram valor ou importância os problemas e o trabalho<br />

aplicado a eles, e não ao contrário as soluções dos problemas, por assim<br />

dizer, o fruto <strong>de</strong>ste trabalho. Com isto se relaciona seu forte menos prezo<br />

dos sistemas filosóficos, que para ele são “essencialmente os erros da filosofia,<br />

o que há <strong>de</strong> perecível, ou, ao menos, <strong>de</strong> discutível nela”, (64) da<br />

mesma forma que sua aguda divisão em pensadores sistemáticos e pensadores<br />

problemáticos. Na realida<strong>de</strong> ocorre que o produto da investigação dos<br />

problemas se acha até certo ponto combinado nos sistemas filosóficos e não<br />

só há continuida<strong>de</strong> no que acrescenta ao trabalho nos problemas, mas também<br />

no que se refere aos resultados <strong>de</strong>ste trabalho. Há um caudal <strong>de</strong> intelecções<br />

filosóficas que se conservou através dos séculos e que se manteve<br />

34


contra todos os erros do pensamento filosófico. Leibniz foi precisamente<br />

quem assinalou este fato, usando a expressão philosophia perennis, como o<br />

mostra a passagem citada mais acima.<br />

Comumente se tem confundido esta idéia ao equiparar a philosophia<br />

perennis com a “filosofia cristã” ou a escolástica ou a um sistema filosófico<br />

único, já fora o <strong>de</strong> Aristóteles, o “mestre dos que sabem”, como disse Dante,<br />

ou o <strong>de</strong> Tomás <strong>de</strong> Aquino, o princeps scholasticorum. Porém, sublinha<br />

com razão H. Meyer, a caracterização da “filosofia perene” não <strong>de</strong>ve se<br />

basear em critérios extra filosóficos nem tampouco temos que sujeitá-la ao<br />

nome <strong>de</strong> um filósofo, por celebre que ele seja. A philosophia perennis não<br />

coinci<strong>de</strong> com a filosofia aristotélica, nem com a escolástica, nem com a<br />

tomista. “O próprio Tomás <strong>de</strong> Aquino estava muito longe <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar o<br />

seu sistema com a philosophia perennis”. Temos que enten<strong>de</strong>r, pois, este<br />

conceito, <strong>de</strong> uma maneira mais ampla. Não se o <strong>de</strong>ve restringir a um <strong>de</strong>terminado<br />

período, e menos ainda a um sistema filosófico isolado. Melhor<br />

temos que relacioná-lo com o gran<strong>de</strong> processo multissecular do pensamento<br />

filosófico. Philosophia perennis significa então que há um fundo permanente,<br />

um caudal firme <strong>de</strong> conhecimentos filosóficos elaborados pelos<br />

gran<strong>de</strong>s pensadores da humanida<strong>de</strong>, que representa, por assim dizer, a síntese<br />

<strong>de</strong> suas mais profundas intelecções e convicções filosóficas às quais a<br />

filosofia, caso pretenda permanecer fiel a seu <strong>de</strong>stino, não <strong>de</strong>ve renunciar<br />

nunca, mas <strong>de</strong>senvolver e enriquecer. A esta reserva permanente <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s<br />

filosóficas fundamentais pertence as seguintes: o conhecimento é possível;<br />

há verda<strong>de</strong>s que conhecemos com plena certeza e que excluem toda<br />

dúvida; além do conhecimento sensível há um conhecimento espiritual; o<br />

homem como ser espiritual está na situação <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o sentido do<br />

universo; assim como há verda<strong>de</strong>s absolutas, há também valores <strong>de</strong> vali<strong>de</strong>z<br />

intemporal; há especialmente valores éticos que servem <strong>de</strong> normas absolutas<br />

para todo querer e agir humanos; o homem po<strong>de</strong> realizar estes valores; o<br />

homem se distingue dos seres naturais por não estar sujeito à coação causal<br />

do acontecer natural, mas que é livre; seu <strong>de</strong>stino é a realização dos valores<br />

superiores, em especial os morais; realizando-os leva sua essência à perfeição,<br />

que resi<strong>de</strong> na personalida<strong>de</strong> moral.<br />

No essencial estas verda<strong>de</strong>s já haviam sido <strong>de</strong>scobertas pelos gran<strong>de</strong>s<br />

pensadores da antiguida<strong>de</strong>. Foram em seguida retomadas pelos filósofos<br />

cristãos da Ida<strong>de</strong> Média e incorporadas à revelação religiosa. Finalmente<br />

foram reelaboradas pelos principais pensadores da época mo<strong>de</strong>rna: Nicolau<br />

<strong>de</strong> Cusa, Descartes, Leibniz, Kant, Fichte, Schelling, Hegel, Fechner, Lotze,<br />

Eduard Von Hartmann, Eucken, Scheler. A estes se po<strong>de</strong>m aplicar os<br />

versos <strong>de</strong> Goethe:<br />

“A verda<strong>de</strong> foi encontrada há muito,<br />

E reuniu nobres espíritos<br />

Apreen<strong>de</strong> a velha verda<strong>de</strong>!” (65)<br />

35


Capítulo VII<br />

O sistema filosófico<br />

“Desconfio <strong>de</strong> todos os sistematizadores e me separo <strong>de</strong> seu caminho.<br />

A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistema é uma falta <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong>.” (Nietzsche).<br />

As expressões <strong>de</strong> Nicolai Hartmann que reproduziremos na seqüência<br />

mostram que não só os filósofos-poetas avaliam negativamente o sistema<br />

filosófico, mas também os filósofos-cientistas. Segundo Hartmann “a<br />

época das construções <strong>de</strong> sistemas terminou, e a filosofia sistemática voltou<br />

a retomar um caminho mais mo<strong>de</strong>sto, porém mais sólido, da investigação<br />

dos problemas”. (66)<br />

Como antítese <strong>de</strong>ste juízo Heinrich Rickert preten<strong>de</strong> que “a filosofia<br />

que queira ser uma reflexão universal sobre o mundo… tem que proce<strong>de</strong>r a<br />

partir <strong>de</strong> agora <strong>de</strong> uma maneira estritamente sistemática. Do contrário não<br />

chega a nenhum mundo teórico ou ‘verda<strong>de</strong>iro’, nem, em geral, a nenhum<br />

‘mundo’ que mereça este nome em sentido científico”. (67) À vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

contemplação filosófica do mundo está necessariamente ligada a “vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sistema”. (68) “Só por meio do sistema passamos do caos teórico ao<br />

cosmos teórico. Isto constitui o fim inevitável <strong>de</strong> toda filosofia como ciência<br />

universal. Quem não pensa sistematicamente não pensa filosoficamente”.<br />

(69)<br />

Qual é nossa posição ante esta divergência <strong>de</strong> opiniões? Sem dúvida<br />

a construção <strong>de</strong> sistemas filosóficos que Rickert assinala contém um perigo.<br />

É o perigo <strong>de</strong> estancamento, limitação e falseamento, que finalmente<br />

ameaça toda construção formal. Por outra parte, a vida e a vivência necessitam<br />

da forma. A intuição e concepção criadoras do filósofo também requerem<br />

o cunho do conceito para alcançar clareza e ser suscetível <strong>de</strong> comunicação<br />

ao próximo. Compre-se aqui uma necessida<strong>de</strong> interna que não requer<br />

nenhuma justificação externa porque se justifica por si mesma. Esta necessida<strong>de</strong><br />

não justifica o menosprezo pelo sistema, que vê suas conseqüências<br />

negativas, porém não as positivas. Não percebe sua função esclarecedora e<br />

construtiva. A história mostra que todo filósofo que conta com gran<strong>de</strong> número<br />

<strong>de</strong> intelecções tem também necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> convertê-las em um conjunto<br />

unitário. Portanto, o sistema – que para Kant é “um conjunto <strong>de</strong> conhecimentos<br />

or<strong>de</strong>nados segundo princípios” – não se opõe ao saber, mas o<br />

unifica. Apesar dos perigos que encerra constitui algo essencialmente positivo,<br />

valioso e justo.<br />

Este juízo <strong>de</strong> certo modo se confirma se consi<strong>de</strong>rarmos a origem dos<br />

sistemas filosóficos. Diversos fatores intervêm nela. O pensamento filosófico<br />

não é certamente um processo que se <strong>de</strong>senvolve no ar: é o pensamento<br />

<strong>de</strong> um homem concreto. Porém este homem se acha em uma <strong>de</strong>terminada<br />

época, pertence a uma <strong>de</strong>terminada cultura e raça. Além do mais, não<br />

36


começa a filosofar a partir do princípio, mas se vincula – ao menos em regra<br />

geral – ao pensamento dos precursores, a uma <strong>de</strong>terminada tradição filosófica.<br />

Todos estes fatores <strong>de</strong>terminam <strong>de</strong> certa maneira o conhecimento<br />

filosófico e intervêm na formação dos sistemas filosóficos. Gostaríamos <strong>de</strong><br />

mostrá-lo em <strong>de</strong>talhe começando pelo último dos fatores nomeados.<br />

1. A tradição filosófica. Como mostra a História da <strong>Filosofia</strong>, cada filósofo<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> certo modo <strong>de</strong> seus pre<strong>de</strong>cessores. Nos pensadores individuais<br />

é muito diversa a medida <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>pendência, pois <strong>de</strong> nenhum se<br />

po<strong>de</strong> dizer que seja in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, que <strong>de</strong> nenhum modo pressuponha a tradição<br />

filosófica. Precisamente as obras clássicas surgiram porque o respectivo<br />

filósofo se vinculou aos seus percussores e se apropriou dos pensamentos<br />

que eles elaboraram para em seguida continuá-los e <strong>de</strong> certo modo repensá-los<br />

até suas últimas conseqüências, ainda que eventualmente em uma<br />

direção diferente e com motivos muito distintos. Bruno Bauch consi<strong>de</strong>ra<br />

fundamental o fato <strong>de</strong> que “todo o trabalho sistemático concreto só po<strong>de</strong><br />

alcançar a própria fecundida<strong>de</strong> sistemática através da continuida<strong>de</strong> das relações<br />

sistemáticas em que o próprio sistema da filosofia alcançou vida histórica.<br />

Porém se se quiser <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r do contexto da vida histórica e espiritual<br />

que agora se converteu em realida<strong>de</strong>, isolar-se <strong>de</strong>le e começar a partir<br />

do nada, se con<strong>de</strong>naria a si mesmo a uma vã vaida<strong>de</strong> carente <strong>de</strong> sentido”.<br />

(70)<br />

Todo sistema filosófico representa, pois, um membro em um contexto<br />

supra-individual. Por outra parte tampouco se <strong>de</strong>ve conce<strong>de</strong>r excessiva<br />

importância a este contexto, como o fez Hegel <strong>de</strong> uma maneira grandiosa.<br />

Toda sua visão do <strong>de</strong>senvolvimento histórico da filosofia se baseia em uma<br />

excessiva valoração. Hegel vê somente este contexto e trata <strong>de</strong> explicar o<br />

conteúdo dos sistemas individuais partindo só <strong>de</strong>le. Porém para seu panlogismo<br />

(tudo é racional) isto não é mais que uma conseqüência lógica do<br />

que prece<strong>de</strong> em cada caso. A sucessão temporal é na realida<strong>de</strong> uma série<br />

lógica. Os diversos sistemas são os passos necessários do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da idéia lógica e portanto se conservam como elementos <strong>de</strong>la. “Portanto, a<br />

História da <strong>Filosofia</strong>, <strong>de</strong> acordo com o seu conteúdo essencial, não <strong>de</strong>ve se<br />

ocupar do passado, mas do eterno e absolutamente presente, e seu resultado<br />

não <strong>de</strong>ve se comparar a uma galeria <strong>de</strong> erros do espírito humano, mas a um<br />

panteão <strong>de</strong> divinda<strong>de</strong>s. Estas divinda<strong>de</strong>s são as diversas passagens da idéia,<br />

tal como aparecem sucessivamente no movimento dialético”. (71)<br />

Hoje se opina com unanimida<strong>de</strong> que os fatos históricos não justificam<br />

esta concepção, que na História da <strong>Filosofia</strong> as coisas não ocorreram<br />

tão logicamente como Hegel pretendia. Se consi<strong>de</strong>rarmos o primeiro dos<br />

fatores que mencionamos mais acima veremos claramente quão unilateral é<br />

a explicação racional <strong>de</strong> Hegel, e em quão gran<strong>de</strong> medida intervém fatores<br />

irracionais no nascimento do seu sistema filosófico.<br />

37


2. A individualida<strong>de</strong> do filósofo. Uma conhecida frase <strong>de</strong> Fichte diz<br />

que “a filosofia que se escolhe <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do homem que se é, pois um sistema<br />

filosófico não é um conjunto <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong>s, do qual po<strong>de</strong>mos usar ou<br />

<strong>de</strong>sfazer-nos segundo nos agra<strong>de</strong>, mas que está animado pela alma do homem<br />

que o possui. Um caráter naturalmente débil ou <strong>de</strong>bilitado e enfraquecido<br />

pelo servilismo, o luxo refinado e a frivolida<strong>de</strong>, não se elevará nunca<br />

até o i<strong>de</strong>alismo”. (72) Na atualida<strong>de</strong> Georg Simmel assinalou <strong>de</strong> um modo<br />

particularmente enérgico o fato <strong>de</strong> que toda filosofia está condicionada pelo<br />

indivíduo que filosofa. “A personalida<strong>de</strong> dos filósofos não é o conteúdo <strong>de</strong><br />

suas afirmações; pelo contrário, essas afirmações se vinculam a realida<strong>de</strong>s<br />

objetivas, porém sua personalida<strong>de</strong> se expressa nelas; diferentemente do<br />

que ocorre nas outras ciências, o tipo <strong>de</strong> homem que a sustenta não <strong>de</strong>saparece<br />

na própria afirmação, mas se conserva nela”. (73) Para Simmel isto é<br />

possível na filosofia porque em contraposição às ciências especiais possui<br />

um campo <strong>de</strong> extensão infinita. “Quanto mais amplo é o círculo das coisas<br />

que promove uma reação unitária do intelecto, mais livremente po<strong>de</strong>rá expressar<br />

sua individualida<strong>de</strong> nesta reação... Com a crescente amplitu<strong>de</strong> do<br />

circulo <strong>de</strong> diferentes objetos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que todos os indivíduos reajam<br />

<strong>de</strong> forma análoga se aproxima do limite zero; precisamente o que se<br />

chama uma concepção do mundo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> sobretudo das diferentes personalida<strong>de</strong>s;<br />

precisamente a imagem do conjunto que parece conter a máxima<br />

e mais pura objetivida<strong>de</strong>, reflete a peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu possuidor muito<br />

mais acentuadamente do que se costuma fazê-lo a imagem objetiva <strong>de</strong> algo<br />

particular. Se se diz que a arte é uma imagem do mundo vista através <strong>de</strong><br />

um temperamento, po<strong>de</strong>-se dizer também que a filosofia é um temperamento<br />

visto através <strong>de</strong> uma imagem do mundo”. (74) Esta idéia <strong>de</strong> Simmel se<br />

fundamenta nos fatos, como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> da circunstância <strong>de</strong> que também<br />

a tenham expresso pensadores <strong>de</strong> orientação totalmente distinta. Assim no<br />

ensaio <strong>de</strong> Clement Beaumker sobre Kant lemos as seguintes frases: “em<br />

suas questões supremas a filosofia não se baseia em uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências<br />

isoladas, mas funda suas raízes no profundo do espírito humano...<br />

Por isso a filosofia tem nos pensadores individuais <strong>de</strong> todos os tempos<br />

uma marca pessoal. O meio espiritual e a posição do homem frente a ele, a<br />

relação dos seus pensamentos científicos e sentimentos religiosos, a peculiarida<strong>de</strong><br />

pessoal e o caráter da época, tudo isso concorre para fazer com que<br />

cada filósofo original seja um tipo que em sua especificida<strong>de</strong> vivente não<br />

se repetirá outra vez”. (75)<br />

Certamente temos que nos precaver neste caso dos exageros da idéia<br />

que em si mesma é justa. Sem dúvida tal coisa ocorre nas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong><br />

Simmel, que consi<strong>de</strong>ra o sistema filosófico exclusivamente a partir do ponto<br />

<strong>de</strong> vista do indivíduo filosofante, avaliando-o como expressão e resultado<br />

<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada atitu<strong>de</strong>. De acordo com isso a filosofia não é outra<br />

38


coisa que a expressão da personalida<strong>de</strong>, a auto-manifestação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada<br />

postura espiritual. Consi<strong>de</strong>rar assim a filosofia significa em última<br />

instância consi<strong>de</strong>rá-la <strong>de</strong> uma maneira puramente estética; porém ao fazê-lo<br />

se <strong>de</strong>sconhece sua essência mais intima. A filosofia não preten<strong>de</strong> ser arte,<br />

mas conhecimento. Com razão observa Nicolai Hartmann frente a esta concepção<br />

“que <strong>de</strong>ste modo se chega a um conceito da filosofia que <strong>de</strong> antemão<br />

exclui toda sua pretensão <strong>de</strong> conhecimento”. (76) Se se pensar até o<br />

fim as conseqüências <strong>de</strong>ssa concepção não parecerá <strong>de</strong>masiado rigorosa a<br />

caracterização que oferece outro investigador: “este relativismo histórico,<br />

que consi<strong>de</strong>ra um sistema filosófico só como uma forma histórica (por analogia<br />

com o estilo arquitetônico) que <strong>de</strong>saparece do mesmo modo como<br />

surgiu, que além do mais reduz o conteúdo atemporal das filosofias ao psicológico<br />

e estético, dissolvendo-o mediante o recurso sempre possível <strong>de</strong><br />

consultar as confissões subjetivas ou os produtos artísticos dos sujeitos filosofantes,<br />

é o inimigo próprio e mais perigoso do qual se tem que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

se se quiser manter toda a serieda<strong>de</strong> e dignida<strong>de</strong> do trabalho filosófico”.<br />

(77)<br />

3. A época. Wilhelm Win<strong>de</strong>lband, o conspícuo conhecedor da História<br />

da <strong>Filosofia</strong>, uma vez observou: “na doutrina <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> pensador<br />

vemos algo mais que o resultado <strong>de</strong> sua própria personalida<strong>de</strong>; reconhecemos<br />

nela o conteúdo racional <strong>de</strong> sua época con<strong>de</strong>nsado e plasmado em<br />

conceitos”. (78) Com efeito, não só a individualida<strong>de</strong> do filósofo, mas também<br />

sua época com suas múltiplas tendências e correntes formam sua filosofia.<br />

O filósofo também é em última instância filho <strong>de</strong> seu tempo. Portanto,<br />

é insuficiente toda exposição da História da <strong>Filosofia</strong> que passa por alto<br />

sobre a relação da filosofia com os interesses <strong>de</strong> sua época. Os interesses<br />

teóricos e científicos têm importância muito especial para a formação <strong>de</strong><br />

uma filosofia. Se, como já tivemos que sublinhar, a filosofia é conhecimento,<br />

não po<strong>de</strong> ser indiferente ao estado dos conhecimentos científicos. Receberá<br />

precisamente <strong>de</strong>les fortes incentivos e idéias orientadoras. E com efeito<br />

a História da <strong>Filosofia</strong> mostra que as ciências positivas fecundaram reiteradamente<br />

o pensamento filosófico, <strong>de</strong>terminando sua orientação. O fato <strong>de</strong><br />

que no começo da Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna se rompesse relações com a Escolástica é<br />

um dos tantos fatos – e não o menor – que <strong>de</strong>ve creditar-se às ciências naturais.<br />

O diligente cultivo das matemáticas <strong>de</strong>ixou sua marca nos gran<strong>de</strong>s<br />

sistemas construtivos do século XVII: em Descartes, Espinosa, Leibniz. No<br />

século XIX o florescimento das ciências naturais teve como conseqüência o<br />

<strong>de</strong>smoronamento dos sistemas especulativos do i<strong>de</strong>alismo alemão e a aparição<br />

<strong>de</strong> uma filosofia pronunciadamente anti-i<strong>de</strong>alista, que muitas vezes<br />

concluía em um crasso materialismo. Assim o exemplo das ciências positivas<br />

mostra quão importante é a situação espiritual da época para a formação<br />

do pensamento filosófico.<br />

39


4. A cultura. Como todos os produtos do espírito, um sistema filosófico<br />

também é <strong>de</strong> certo modo expressão <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada cultura. Nele<br />

se reflete não só a alma do pensador, mas também a alma da cultura em que<br />

nasceu. A luminosa clareza da alma da cultura apolínea fala a partir dos<br />

sistemas dos pensadores gregos como a obscura profundida<strong>de</strong> da alma<br />

germânica a partir das construções intelectuais da filosofia alemã. Em sua<br />

conhecida obra A Decadência do Oci<strong>de</strong>nte Oswald Spengler expressou pela<br />

primeira vez estas idéias enfaticamente, apresentando-as com muito engenho.<br />

Porém ao mesmo tempo as exagerou <strong>de</strong>smesuradamente. Se não se<br />

po<strong>de</strong> conceber o sistema filosófico como mera expressão <strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong>,<br />

tampouco se o po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e avaliar exclusivamente como<br />

expressão <strong>de</strong> uma cultura. Assim como a primeira concepção leva a um relativismo<br />

psicologista, a segunda conduz a um relativismo morfológicoculturalista.<br />

Porém ambos são igualmente errôneos. Todo relativismo ao<br />

final se <strong>de</strong>strói a si mesmo, porque o relativista reclama para sua tese relativista<br />

uma vali<strong>de</strong>z mais que relativa, absoluta.<br />

5. A raça. É próprio do pensamento mo<strong>de</strong>rno se remontar sempre às<br />

bases biológicas do espírito e dos produtos espirituais. Nesta tendência se<br />

po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir um contrapeso muito saudável e autorizado em oposição a<br />

um pensamento <strong>de</strong>masiado i<strong>de</strong>alista, que afasta excessivamente o espiritual<br />

do natural. Todo produto espiritual <strong>de</strong>nota efetivamente em maior ou menor<br />

grau sua procedência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada raça, e a filosofia não constitui<br />

nenhuma exceção a esta regra geral. Os sistemas do pensamento também<br />

estão <strong>de</strong> certo modo condicionados pela raça. Havendo-se originado<br />

no terreno <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada raça levam seu selo na frente. Assim, para<br />

citar tão só um exemplo, a Escolástica, com sua tendência para a cristalina<br />

clareza e transparência da estrutura conceitual, oferece em seus representantes<br />

típicos um produto da raça românica tão inconfundível como a mística<br />

<strong>de</strong> Mestre Eckhart, com seus múltiplos enigmas e mistérios, <strong>de</strong>nota seu<br />

enraizamento na raça germânica. Certamente que não se <strong>de</strong>ve exagerar,<br />

convertendo a relativida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong> fato existe, em um relativismo <strong>de</strong> princípio.<br />

Um relativismo biológico andaria tão errado como o psicologismo ou<br />

o morfológico-culturalista. Da mesma forma que isto significaria a morte<br />

da filosofia. Per<strong>de</strong>ria vali<strong>de</strong>z a distinção entre o verda<strong>de</strong>iro e o falso e toda<br />

discussão seria em princípio impossível. Porém também certos fatos incontestáveis<br />

se pronunciam contra semelhante relativismo. O fato <strong>de</strong> que nós,<br />

que pertencemos a uma <strong>de</strong>terminada raça, po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r espiritualmente<br />

homens que pertencem a outras raças; o fato <strong>de</strong> que nós possamos<br />

penetrar e julgar o sentido <strong>de</strong> suas filosofias, mostra que a esfera espiritual<br />

se encontra muito além das diferenças raciais. Essas diferenças condicionam<br />

e <strong>de</strong>terminam o caráter e a forma <strong>de</strong> expressão do espírito, porém não<br />

40


seu conteúdo, suas idéias e valores, que não são funções da raça, mas que<br />

estão acima <strong>de</strong> toda consi<strong>de</strong>ração racial.<br />

São, pois, diversos elementos que se unem para se cristalizarem em<br />

um sistema filosófico. Isso explica também a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistemas<br />

filosóficos que mencionamos reiteradamente. É palmar que a construção<br />

intelectual <strong>de</strong> um filósofo seja diferente, segundo a tradição em que está<br />

situado, o tipo <strong>de</strong> pensamento que represente, a cultura e a raça a que pertença.<br />

A tradição filosófica <strong>de</strong>termina <strong>de</strong> muitas maneiras o ponto <strong>de</strong> partida<br />

<strong>de</strong> sua construção intelectual; a estrutura <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong> – que por<br />

sua vez está condicionada pela raça e pela cultura – <strong>de</strong>termina a direção do<br />

seu pensamento; a época, muito freqüentemente, o conteúdo do seu filosofar,<br />

os problemas a cuja solução se aplica. Assim a cristalização <strong>de</strong> suas<br />

idéias em um sistema filosófico se separa essencialmente da estrutura que o<br />

pensamento filosófico conquista em outros filósofos.<br />

Porém suponhamos o caso <strong>de</strong> que fosse possível eliminar todos esses<br />

fatores para criar o pensamento filosófico, por assim dizer, em um cultivo<br />

puro, haveria então sistemas divergentes? Respon<strong>de</strong>r afirmativamente a<br />

esta pergunta significa supor que a multiplicida<strong>de</strong> dos sistemas filosóficos<br />

não constituem algo exterior e contingente, mas algo intimamente necessário.<br />

Com efeito: o pluralismo dos sistemas filosóficos se funda na própria<br />

essência da filosofia.<br />

A filosofia é a ciência do conjunto. Seu objeto é a totalida<strong>de</strong> do ser.<br />

Porque esta totalida<strong>de</strong> é infinita, não é possível nunca esgotá-la intelectualmente.<br />

O intelecto humano é limitado: é o intelecto <strong>de</strong> um ser finito. Em<br />

conseqüência não po<strong>de</strong> abarcar a infinita plenitu<strong>de</strong> do ser. Como não po<strong>de</strong><br />

fazê-lo, embora quisesse, sempre volte a começar, empreen<strong>de</strong> novos ensaios<br />

<strong>de</strong> dominação espiritual do universo. Assim o pluralismo dos sistemas<br />

filosóficos têm seu fundamento mais profundo na essência da filosofia como<br />

conhecimento <strong>de</strong> um ens finitum.<br />

A “anarquia dos sistemas filosóficos” não constitui portanto nenhuma<br />

objeção contra a filosofia. Para quem compreen<strong>de</strong>u a essência da filosofia,<br />

mostra melhor o direito da filosofia. Nela se revela a característica da<br />

filosofia, sua essência mais íntima, em virtu<strong>de</strong> da qual aparece como algo<br />

autônomo diferente <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>mais conhecimentos. Com razão sublinha<br />

Franz Kröner: “o fato <strong>de</strong> que nenhum sistema alcance o absoluto e <strong>de</strong>finitivo,<br />

que todos sejam históricos, se dissolvam e se <strong>de</strong>sfaçam, não é nenhuma<br />

<strong>de</strong>sgraça, nenhum <strong>de</strong>feito, mas o necessário <strong>de</strong>stino da filosofia, que<br />

se arraiga profundamente na essência e na estrutura puramente objetiva <strong>de</strong><br />

cada sistema”. (79)<br />

41


Capítulo VIII<br />

A ausência <strong>de</strong> pressupostos<br />

em filosofia<br />

A idéia <strong>de</strong> “ciência sem pressupostos” foi submetida a uma aguda<br />

crítica durante muitos anos. A geração que havia lutado por ela e que a utilizou<br />

como arma nas lutas da política da cultura era coisa passada e acabada.<br />

“Ciência sem pressupostos”, se dizia, era um lema do liberalismo sobre<br />

o qual tudo já foi suficientemente discutido. Toda ciência adicionaria <strong>de</strong>terminados<br />

pressupostos e condições. Todo conhecimento científico em<br />

última instância estaria condicionado pela raça, pela cultura e pelo caráter.<br />

Não havia nenhuma ciência absoluta. E como, sem dúvida, a filosofia é<br />

uma ciência, isto se aplicaria também a ela.<br />

Nossa posição frente a essa crítica se encontra nas manifestações do<br />

capítulo anterior. Vimos que o conhecimento filosófico não é certamente<br />

um processo que an<strong>de</strong> pelo ar. A investigação filosófica não ocorre num<br />

espaço vazio. A filosofia só existe em sujeitos humanos concretos; o processo<br />

filosófico está unido a portadores reais. Porém estes pertencem a uma<br />

<strong>de</strong>terminada raça e cultura, são filhos <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada época, se acham<br />

em uma concreta tradição filosófica e possuem por último uma estrutura<br />

mental <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong> mais ou menos pronunciada. Todos esses fatores,<br />

como vimos, formam a face da filosofia, que cresce a partir <strong>de</strong> raízes que se<br />

fundam em um <strong>de</strong>terminado solo, o qual condiciona e <strong>de</strong>termina sua peculiarida<strong>de</strong>.<br />

Na realida<strong>de</strong> não existe uma filosofia sem pressupostos como filosofia<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> todas estas condições e, por assim dizer, incondicionada<br />

ou absoluta.<br />

Falta saber se o lema “ciência sem pressupostos” teria realmente esse<br />

sentido. Acreditavam os <strong>de</strong>fensores que aquela idéia em um conhecimento<br />

científico ou filosófico que não estivesse ligado a seus portadores reais e<br />

que, portanto, não estivesse condicionado, conformado e moldado por sua<br />

peculiarida<strong>de</strong>? Temos que respon<strong>de</strong>r que os promotores daquela idéia <strong>de</strong><br />

nenhum modo sustentaram que a ciência seja algo absoluto nesse sentido.<br />

Estavam longe <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r que o ato real <strong>de</strong> conhecimento carecia <strong>de</strong><br />

pressupostos. O que postulavam era a ausência <strong>de</strong> pressupostos nos conteúdos<br />

do conhecimento. Não ser referiam à falta <strong>de</strong> pressupostos reais ou psicológicos,<br />

mas <strong>de</strong> pressupostos i<strong>de</strong>ais ou lógicos, coisa que também pertence<br />

à essência do conhecimento científico. Com eles existe ou <strong>de</strong>saparece<br />

o caráter científico <strong>de</strong> um conhecimento.<br />

Toda ciência se propõe investigar <strong>de</strong>terminados objetos. Seu fim é<br />

<strong>de</strong>screver conceitualmente seus objetos do modo mais a<strong>de</strong>quado que for<br />

possível. Portanto, em todas as suas investigações têm que se <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>ter-<br />

42


minar pelos objetos. Tão rapidamente como <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> escutar escrupulosamente<br />

o que as coisas têm a dizer, tão rapidamente quanto lhes corta a palavra,<br />

malogra seu propósito. Porém lhes cortaria a palavra se chegasse e<br />

eles com <strong>de</strong>terminados pressupostos. O caráter científico <strong>de</strong> uma ciência<br />

não tolera tais preconceitos; exige uma rigorosa falta <strong>de</strong> pressupostos no<br />

sentido que mencionamos.<br />

Se observarmos qual é o caráter dos pressupostos que se revelam incompatíveis<br />

com a estrutura essencial da ciência, os quatro seguintes se nos<br />

apresentam como os mais importantes com referência à filosofia:<br />

1. Uma fé religiosa. Como mostra a História da <strong>Filosofia</strong>, houve<br />

muitos filósofos cujos pensamentos estavam carregados <strong>de</strong> pressupostos <strong>de</strong><br />

origem religiosa. Isto se aplica antes <strong>de</strong> tudo aos pensadores da Ida<strong>de</strong> Média.<br />

A filosofia se acha sobre o axioma agostiniano-anselmiano “fi<strong>de</strong>s quaerens<br />

intellectum” (a fé requer inteligência). O pensador se coloca neste<br />

caso em um terreno da fé religiosa e trata <strong>de</strong> penetrar em seus mistérios<br />

com a luz da razão natural para ir da “crença” à “intelecção”. Portanto, esta<br />

última é um conhecimento conquistado a partir da fé, e baseado nela: “credo,<br />

ut inteligam!” (creio para enten<strong>de</strong>r). Sobre a influência <strong>de</strong> Aristóteles,<br />

Tomás <strong>de</strong> Aquino na Escolástica disse o contrário: “inteligo, ut credam!”<br />

(compreendo para crer). Trata <strong>de</strong> confirmar certas verda<strong>de</strong>s teológicas (existência<br />

e essência <strong>de</strong> Deus) utilizando meios racionais, para obter assim<br />

uma base racional da crença sobrenatural. Não obstante, o exame crítico<br />

<strong>de</strong>stes argumentos mostra que em última instância pressupõe a fé, e que<br />

portanto não têm caráter estritamente científico. Um sinal infalível disso é<br />

o fato <strong>de</strong> que não convencem o pensador que não compartilhe as convicções<br />

religiosas em que aqueles argumentos se baseiam. Portanto, tampouco<br />

neste caso se compre a idéia <strong>de</strong> uma filosofia sem pressupostos.<br />

2. Uma concepção do mundo. Um filósofo po<strong>de</strong> filosofar a partir do<br />

terreno <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada concepção do mundo, que então <strong>de</strong>termina seu<br />

pensar, lhe assiná-la a direção e condiciona seus resultados. Isto ocorre, por<br />

exemplo, quando um pensador professa a concepção materialista do mundo.<br />

Sua idéia fundamental diz que só há matéria, que todo ser é material.<br />

Para o pensador que se situa neste ponto <strong>de</strong> vista a tese materialista se converte<br />

<strong>de</strong> certo modo na premissa maior <strong>de</strong> todos os seus raciocínios. Sua<br />

vali<strong>de</strong>z <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> pois <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado pressuposto baseado em uma<br />

concepção do mundo. É palmar que isto <strong>de</strong>strói o caráter científico <strong>de</strong> semelhante<br />

filosofia.<br />

3. Um sistema filosófico. Este caso se apresenta quando o pensador<br />

toma como ponto <strong>de</strong> partida do seu filosofar um sistema filosófico <strong>de</strong>terminado.<br />

Entra então com uma estrutura conceitual fixa no campo <strong>de</strong> objetos<br />

43


que <strong>de</strong>seja investigar. Em conseqüência vê os objetos, se assim se po<strong>de</strong> dizer,<br />

através dos cristais <strong>de</strong> idéias pré-concebidas. Sua investigação se propõe<br />

no fundo a solucionar os problemas que os objetos lhe colocam, acomodando-os<br />

harmonicamente a seu sistema conceitual. Um exemplo típico<br />

<strong>de</strong>ste modo <strong>de</strong> filosofar a priori o oferece a obra <strong>de</strong> Hermann Cohen: Der<br />

Begriff <strong>de</strong>r Religion im System <strong>de</strong>r Philosophie (O Conceito <strong>de</strong> Religião no<br />

Sistema da <strong>Filosofia</strong>). Já o titulo permite reconhecer claramente a finalida<strong>de</strong><br />

do autor: se propõe ajustar a religião a seu sistema. Deve <strong>de</strong>terminar seu<br />

conceito <strong>de</strong> tal modo que o encaixe na estrutura conceitual pressuposta como<br />

válida. É evi<strong>de</strong>nte que esta classe <strong>de</strong> filosofar conduz necessariamente a<br />

ter que retocar e até que violentar os fatos objetivos. Com razão o movimento<br />

fenomenológico <strong>de</strong>clarou guerra a esta classe <strong>de</strong> filosofia, convertendo<br />

em suprema condição <strong>de</strong> toda autêntica filosofia objetiva o respeito<br />

pelos fenômenos, a consagração total e libertadora dos fenômenos objetivamente<br />

dados.<br />

Há todavia outra forma em que uma <strong>de</strong>terminada filosofia po<strong>de</strong> funcionar<br />

às vezes <strong>de</strong> premissa maior no pensamento <strong>de</strong> um filósofo. Um filósofo<br />

po<strong>de</strong> colocar na cúspi<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua filosofia e qualificar <strong>de</strong> “verda<strong>de</strong> suprema”<br />

um axioma que na realida<strong>de</strong> é o resultado <strong>de</strong> toda uma filosofia.<br />

Desconhece e transtorna, pois, a or<strong>de</strong>m objetiva: põe no princípio o que<br />

correspon<strong>de</strong> ao final. Daquilo que é uma conclusão faz uma premissa. Um<br />

exemplo característico <strong>de</strong>ste procedimento se acha no livro <strong>de</strong> Peter Wust:<br />

Ungewissheit Und Wagnis (Dúvida e Incerteza), on<strong>de</strong> se converte o principium<br />

intelligibilitatis universalis em princípio primeiro e original da filosofia,<br />

que <strong>de</strong>ve conter implicitamente todos os primeiros princípios da filosofia,<br />

inclusive o princípio <strong>de</strong> contradição. Diz Wust: “o ser enquanto ser <strong>de</strong>ve<br />

se qualificar <strong>de</strong> inteligível no mais amplo e profundo sentido da <strong>de</strong>terminação<br />

racional. Em conseqüência é válido afirmar que sempre que nos<br />

encontramos com um ente, nos encontramos também com a forma, a or<strong>de</strong>m;<br />

e a or<strong>de</strong>nação é tão completa que chega até o núcleo mais íntimo do<br />

ente. Porém sempre que, com um ser, encontramos uma or<strong>de</strong>m, neste ser<br />

or<strong>de</strong>nado achamos também algo valioso. Porém se as <strong>de</strong>terminações primitivas<br />

da or<strong>de</strong>nação e da vali<strong>de</strong>z se unem em um ente, encontramos também<br />

uma certa unida<strong>de</strong>, uma certa forma, uma certa interiorida<strong>de</strong>. Portanto, <strong>de</strong>ve<br />

se consi<strong>de</strong>rar o ‘inteligível’ do ‘ente’ como o mais íntimo pensamento<br />

pensável das <strong>de</strong>terminações transcen<strong>de</strong>ntais primitivas do verum, bonum e<br />

unum”. (80)<br />

Dizer que todo ser é inteligível é afirmar uma tese <strong>de</strong> alcance extraordinariamente<br />

amplo. Contém in nuce toda uma filosofia. Sobre sua legitimida<strong>de</strong><br />

só se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir com base em uma minuciosa e profunda investigação<br />

científica. Como o mostra quase cada página da História da <strong>Filosofia</strong>,<br />

esta afirmação carece por completo da intrínseca evidência que <strong>de</strong>ve<br />

possuir se se quiser colocar no ponto alto da filosofia. Portanto, quem tra-<br />

44


alha com semelhantes pressupostos elimina o caráter científico <strong>de</strong> sua filosofia,<br />

que não po<strong>de</strong> reclamar vali<strong>de</strong>z universal senão que vale somente<br />

para quem professa aquele pressuposto.<br />

4. Pressupostos proce<strong>de</strong>ntes das ciências especiais. Muitos filósofos<br />

chegaram à filosofia como investigadores proce<strong>de</strong>ntes das ciências particulares.<br />

Correm o risco <strong>de</strong> ver e elaborar a filosofia unilateralmente a partir<br />

<strong>de</strong> seu campo <strong>de</strong> investigação. Assim houve filósofos proce<strong>de</strong>ntes das matemáticas,<br />

convencidos <strong>de</strong> que a matemática fosse a única ciência verda<strong>de</strong>ira,<br />

e seu método o único frutífero. Entretanto na filosofia com esta concepção,<br />

trataram, <strong>de</strong>ntro do possível, <strong>de</strong> acomodá-la às matemáticas. Assim,<br />

para citar só um exemplo, Espinosa edificou seu sistema more geométrico.<br />

Não lhe ocorreu que toda sua filosofia <strong>de</strong>pendia em gran<strong>de</strong> medida <strong>de</strong> um<br />

pressuposto supremo, que não é <strong>de</strong> nenhum modo evi<strong>de</strong>nte, mas que repousa<br />

sobre um erro básico, o <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecer a gran<strong>de</strong> diferença estrutural das<br />

matemáticas e da filosofia.<br />

O mesmo se po<strong>de</strong> dizer do positivismo mo<strong>de</strong>rno, para o qual é um<br />

fato indiscutível que a filosofia carece <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong> objetos próprios.<br />

Segundo o positivismo as ciências especiais ocuparam o globus intellectualis,<br />

e já não resta lugar para a filosofia. Se a filosofia antes absorvia todas<br />

as ciências especiais, agora, pelo contrário, estas ciências absorvem a filosofia.<br />

O positivismo combate <strong>de</strong>cididamente a razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> uma ciência<br />

especulativa a parte das ciências positivas. Deste modo chega até a filosofia<br />

com um preconceito e com ele con<strong>de</strong>na à esterilida<strong>de</strong> todo seu filosofar.<br />

A idéia da filosofia sem pressupostos afirma, pois, que se a filosofia<br />

preten<strong>de</strong> ser científica, ou, o que dá no mesmo, se a filosofia reclama vali<strong>de</strong>z<br />

universal; <strong>de</strong>ve se manter livre <strong>de</strong> todo pressuposto no qual se refira a<br />

seu conteúdo. Falta averiguar agora se isto é possível em sentido estrito.<br />

Não há certos pressupostos últimos e mais gerais que em última instância,<br />

as ciências, e portanto também a filosofia, <strong>de</strong>vem adotar?<br />

Ao discutir o tema da ciência e seus pressupostos Die Wissenschaft<br />

und Ihre Voraussetzungen (A Ciência e Seus Pressupostos) escreve G. Von<br />

Hertling: “não existe nenhuma ciência sem pressupostos; porém a fé na ciência<br />

é tão forte e geral, e o valor <strong>de</strong> suas conquistas para as necessida<strong>de</strong>s<br />

da vida prática a justifica com tanta freqüência que só poucos se sentem<br />

obrigados a perguntar por seus pressupostos, e ser conscientes da existência<br />

e conteúdo dos mesmos”. (81) O primeiro e mais geral <strong>de</strong>stes pressupostos<br />

se refere ao nosso próprio pensamento. Todo conhecimento científico seria<br />

impossível “se já <strong>de</strong> antemão não fosse seguro que nosso pensamento racional,<br />

avançando mediante conclusões <strong>de</strong> cristalina clareza, leve a resultados<br />

verda<strong>de</strong>iros e certos. E este é precisamente o primeiro <strong>de</strong> todos os pressupostos.<br />

Não há escolha possível: teremos que renunciar à verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo<br />

conhecimento, ou teremos <strong>de</strong> aceitar <strong>de</strong> antemão que uma <strong>de</strong>terminada ati-<br />

45


vida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nosso pensamento nos põe na posse da verda<strong>de</strong>. Nem toda ativida<strong>de</strong>,<br />

como mostra o fato <strong>de</strong> que há erros, senão aquela que nosso próprio<br />

pensamento prova que é a correta. Porém não é possível oferecer uma prova<br />

<strong>de</strong> que o pensamento é digno <strong>de</strong> confiança – como po<strong>de</strong>ríamos evocar o<br />

primeiro <strong>de</strong> todos os pressupostos – pois todo ensaio <strong>de</strong> prova só po<strong>de</strong>ria se<br />

empreen<strong>de</strong>r aceitando a hipótese <strong>de</strong> que o pensamento é digno <strong>de</strong> confiança”.<br />

(82)<br />

As idéias <strong>de</strong> Von Hertling são dignas <strong>de</strong> aplauso. Toda investigação<br />

científica, e até todo ato <strong>de</strong> conhecimento, pressupõe tacitamente que o conhecimento<br />

ou a ciência são possíveis. Todo homem <strong>de</strong> ciência se aproxima<br />

<strong>de</strong> seus objetos com estes pressupostos gerais. Sua ação não teria sentido<br />

se não estivesse convencido da possibilida<strong>de</strong> do conhecimento. Se são<br />

objetos reais os que investiga, surge então outro pressuposto: o <strong>de</strong> que a<br />

realida<strong>de</strong> é cognoscível, que <strong>de</strong> algum modo faz parte <strong>de</strong> nosso pensamento.<br />

Por exemplo, se um investigador das ciências naturais investiga os fenômenos<br />

da natureza, pressupõe tacitamente que a natureza <strong>de</strong> algum modo<br />

se <strong>de</strong>ixa captar e conceber intelectualmente. Porém um processo natural é<br />

concebível só se se admite uma certa explicação causal. Assim, pois, o investigador<br />

da natureza trabalha com a lei da causalida<strong>de</strong> ou princípio causal,<br />

como pressuposto último <strong>de</strong> seu conhecimento e investigação científica.<br />

A tese <strong>de</strong> Von Hertling, <strong>de</strong> que não há nenhuma ciência sem pressupostos,<br />

é válida se se refere aos pressupostos mais gerais, que se diferenciam<br />

claramente dos pressupostos cuja insuficiência mostramos a pouco. Os<br />

primeiros se acham contidos na idéia <strong>de</strong> ciência, ao contrário os outros são<br />

introduzidos na ciência a partir <strong>de</strong> fora. Aqueles são pressupostos imanentes;<br />

estes são transcen<strong>de</strong>ntes. Sem os primeiros a ciência não é possível;<br />

sem os últimos é muito bem possível, e na realida<strong>de</strong> só sem eles é possível.<br />

Aqueles possuem necessida<strong>de</strong> lógica, porém não estes. Quem afirme a ciência<br />

<strong>de</strong>ve afirmar os primeiros, porque todo conhecimento científico os<br />

implica; ao contrário <strong>de</strong>ve negar os últimos, porque só assim é possível o<br />

conhecimento científico.<br />

Em conseqüência temos que distinguir as seguintes classes <strong>de</strong> pressupostos:<br />

1. Pressupostos reais ou psicológicos;<br />

2. Pressupostos i<strong>de</strong>ais ou lógicos:<br />

a) Pressupostos necessários, dado com a idéia <strong>de</strong> ciência e imanentes<br />

a ela;<br />

b) Pressupostos não necessários, introduzidos na ciência e transcen<strong>de</strong>ntes<br />

a ela.<br />

46


Agora po<strong>de</strong>mos dar uma resposta <strong>de</strong>finitiva à pergunta sobre se há<br />

uma ciência sem pressupostos. Não há nenhuma ciência sem pressupostos<br />

se se pensa em pressupostos reais, psicológicos. Tampouco há nenhuma<br />

ciência sem pressupostos se se refere aos pressupostos i<strong>de</strong>ais e lógicos que<br />

possuem necessida<strong>de</strong> intrínseca. Ao contrário existe uma ciência sem pressupostos<br />

e <strong>de</strong>ve havê-la se se consi<strong>de</strong>ra os pressupostos intrínsecos não necessários.<br />

Certamente também neste caso <strong>de</strong>ve se fazer uma restrição. Nossa<br />

divisão entre pressupostos psicológicos e pressupostos lógicos é <strong>de</strong> caráter<br />

mais metódico que objetivo. Como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> das explicações do capítulo<br />

anterior, os pressupostos psicológicos também repercutem logicamente:<br />

a estrutura mental do filósofo <strong>de</strong>termina também <strong>de</strong> certa maneira o<br />

conteúdo <strong>de</strong> seu pensar. Portanto a ausência <strong>de</strong> pressupostos que reclamamos,<br />

em que se baseia a essência da ciência, é em última instância um i<strong>de</strong>al,<br />

uma idéia diretora. Devemos ten<strong>de</strong>r à ausência <strong>de</strong> pressupostos no sentido<br />

que anotamos, se quisermos livrar o nosso conhecimento <strong>de</strong> todos os<br />

fatores não objetivos que empanam sua objetivida<strong>de</strong>. Quanto mais o conseguirmos,<br />

maior vali<strong>de</strong>z geral po<strong>de</strong>mos preten<strong>de</strong>r para os resultados da nossa<br />

investigação. A plena realização <strong>de</strong>ste i<strong>de</strong>al não nos é permitida, porque<br />

somos seres humanos: teríamos que ser seres absolutamente incondicionados<br />

para po<strong>de</strong>rmos realizar um conhecimento totalmente incondicionado e<br />

absoluto. A nós, seres humanos, nos é concedido apenas aproximarmo-nos<br />

do i<strong>de</strong>al, não alcançá-lo.<br />

47


Capítulo IX<br />

A filosofia e as ciências especiais<br />

1. A relação da filosofia com as ciências especiais sofreu uma longa<br />

evolução histórica. Como já explicamos, os gran<strong>de</strong>s filósofos da antiguida<strong>de</strong><br />

equiparavam a filosofia à ciência positiva. Porém pouco <strong>de</strong>pois da morte<br />

<strong>de</strong> Aristóteles começou o processo <strong>de</strong> diferenciação. As ciências especiais<br />

se separaram da filosofia, tornando-se in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Esta evolução, que<br />

prosseguiu na Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna, tem sua necessida<strong>de</strong> intrínseca. Nela se manifesta<br />

a relação objetiva da filosofia com a ciência especial. A filosofia é,<br />

como mostrou nossa <strong>de</strong>finição, uma ciência sui generis, que se distingue<br />

muito claramente <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>mais ciências. Todos os ensaios <strong>de</strong> voltar<br />

atrás o processo que tornou in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte as ciências <strong>de</strong>ve necessariamente<br />

naufragar diante <strong>de</strong>ste fato. Como é sabido, o positivismo tratava <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar<br />

a filosofia com as ciências positivas. Porém não dissolvia a ciência na<br />

filosofia, mas a filosofia na ciência positiva. Na realida<strong>de</strong> conservava o<br />

nome <strong>de</strong> filosofia, porém lhe retirava todo conteúdo. Só lhe <strong>de</strong>ixava a função<br />

formal <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar e unificar os conhecimentos das ciências especiais.<br />

Assim a filosofia, que antes possuía o título honorífico <strong>de</strong> ancilla theologiae,<br />

é <strong>de</strong>gradada a ancilla scientiarum.<br />

Quem tiver apreendido a essência da filosofia, tem que consi<strong>de</strong>rar esta<br />

concepção como completamente errônea. Porém basta um exame muito<br />

simples para estabelecer sua impossibilida<strong>de</strong> intrínseca. Suponhamos que<br />

as ciências positivas tenham resolvido todos seus problemas. Teria satisfeito<br />

nosso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> saber? Não haveria mais problemas para o intelecto humano?<br />

Formular a pergunta significa respondê-la negativamente.<br />

Em seguida veremos quais são os problemas que restam todavia <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> se haver resolvido todas as questões das ciências especiais. Porém<br />

agora nos limitaremos a expressar que se todo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecimento se<br />

reduzisse aos esforços <strong>de</strong> conhecimento nas ciências especiais, e se suprimisse<br />

todas as questões que apontam para mais além dos limites das ciências<br />

positivas, consi<strong>de</strong>rando que toda investigação e pesquisa <strong>de</strong> relações<br />

mais profundas e <strong>de</strong> fundamentos últimos e <strong>de</strong>cisivos para explicação carece<br />

<strong>de</strong> sentido e <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, isso significaria redizir o espírito humano a<br />

uma espantosa trivialida<strong>de</strong>.<br />

2. Segundo o que foi expresso, a filosofia sustenta frente às ciências<br />

especiais seu próprio direito, sua in<strong>de</strong>pendência. Se buscarmos caracterizar<br />

mais <strong>de</strong>talhadamente a relação, a primeira coisa que encontraremos são as<br />

diferenças essenciais que existem entre elas. Como vimos, a filosofia é uma<br />

ciência universal; ao contrário a ciência especial é ciência parcial. A primeira<br />

se dirige para toda realida<strong>de</strong>; a segunda, a um setor mais ou menos<br />

48


amplo da totalida<strong>de</strong> do ente. A filosofia é, como vimos também, ciência<br />

dos princípios; investiga os fundamentos, condições e pressupostos últimos.<br />

A ciência especial se limita ao plano do dado, do fenômeno. Seus objetos<br />

estão na superfície, não pertencem ao estrato profundo que constitui o<br />

domínio próprio da filosofia. Ainda quando vá além do dado na experiência,<br />

forjando hipóteses para sua solução, se restringe sempre ao plano do<br />

empírico. Em princípio é incapaz <strong>de</strong> penetrar na dimensão <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>,<br />

que lhe é sempre inacessível.<br />

A filosofia e as ciências especiais não se diferenciam só por seu objeto,<br />

mas também pelo seu modo <strong>de</strong> conhecer. A filosofia é essencialmente<br />

auto-reflexão do espírito. Significa uma reflexio do espírito sobre si mesmo.<br />

O espírito se aponta a si mesmo. Os atos do espírito têm como objeto o<br />

próprio espírito. Esta atitu<strong>de</strong> cognoscitiva é estranha às ciências positivas.<br />

Nelas o espírito não se volta para si mesmo, mas para os objetos. O investigador<br />

das ciências especiais penetra no campo da filosofia no momento em<br />

que, <strong>de</strong>tendo-se em seu processo <strong>de</strong> investigação, dirige suas vistas para o<br />

seu investigar, refletindo, por exemplo, sobre o método <strong>de</strong> sua investigação<br />

ou sobre o valor gnoseológico <strong>de</strong> seus resultados. Portanto o ato <strong>de</strong> conhecimento<br />

filosófico é diferente do ato <strong>de</strong> conhecimento do investigador das<br />

ciências especiais. E isto se aplica notavelmente à filosofia como autocontemplação<br />

do espírito. Porém também se aplica à filosofia na medida em<br />

que cumpre outra tarefa, que <strong>de</strong>signamos com a frase “concepção do mundo”.<br />

Certamente, o filósofo se dirige neste caso para a realida<strong>de</strong>; porém <strong>de</strong><br />

um modo diferente <strong>de</strong> como o faz o investigador das ciências especiais.<br />

Quando fixa suas vistas nos fenômenos, o filósofo penetra com elas nas<br />

profundida<strong>de</strong>s do ser. Não aponta para o plano superficial, mas para o plano<br />

profundo da realida<strong>de</strong>. “O mundo é profundo, e mais profundo ainda do<br />

que parece”. Essas palavras <strong>de</strong> Nietzsche po<strong>de</strong>riam ser colocadas como lema<br />

sobre as investigações do autêntico filósofo.<br />

A diferença entre a filosofia e as ciências especiais se mostra também<br />

com clareza na história <strong>de</strong> ambas as disciplinas. Já o assinalamos com<br />

insistência em outra ocasião. Porém não faz falta observar a história: basta<br />

olhar o estado atual <strong>de</strong> ambas para se dar conta <strong>de</strong> suas diferenças. Cada<br />

ciência especial representa um sistema <strong>de</strong> conhecimentos que preten<strong>de</strong> ser<br />

a exposição correspon<strong>de</strong>nte ao estado atual da investigação no respectivo<br />

campo <strong>de</strong> conhecimento. Quem quiser penetrar em tal ciência e dominá-la,<br />

só necessita se apropriar <strong>de</strong>sse sistema <strong>de</strong> conhecimentos. Se torna então<br />

um expert, um especialista do respectivo campo. Coisa diferente do que<br />

ocorre na filosofia. Não é possível se apropriar <strong>de</strong>la como alguém se apropria<br />

<strong>de</strong> uma ciência. Isso não é possível porque não há nela um sistema <strong>de</strong><br />

conhecimentos já feito, “a filosofia – diz Kant –, é uma mera idéia <strong>de</strong> uma<br />

ciência possível que nunca se dá in concreto, porém à qual alguém trata <strong>de</strong><br />

se aproximar <strong>de</strong> muitas maneiras”. Dai Kant conclui que não se po<strong>de</strong> a-<br />

49


pren<strong>de</strong>r nenhuma filosofia; só se po<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a filosofar. Po<strong>de</strong> se apren<strong>de</strong><br />

matemática, “porém nunca filosofia (a menos que seja historicamente), em<br />

suma, no que diz respeito à razão, a filosofar”. (83)<br />

Levando em conta a profunda diferença entre a filosofia e as ciências<br />

especiais, é compreensível o ponto <strong>de</strong> vista que se opõe a colocar ambas<br />

sobre o mesmo conceito genérico <strong>de</strong> “ciência”. Max Scheler representa este<br />

ponto <strong>de</strong> vista. “Não se compreen<strong>de</strong> – diz Max Scheler –, porque temos que<br />

aplicar duas vezes o mesmo nome, sem nenhuma necessida<strong>de</strong>. Seria totalmente<br />

absurdo temer que a filosofia não fosse subsumida pela ‘ciência’, ou<br />

que venha a ser subsumida em algum outro conceito análogo superior, seja<br />

o <strong>de</strong> ‘arte’ ou outro, porque nem todas as coisas <strong>de</strong>vem ser ‘subsumidas’,<br />

mas há certas coisas que, como territórios autônomos quanto aos seus objetos<br />

e ativida<strong>de</strong>s, têm o direito <strong>de</strong> rechaçar semelhante subsunção. Entre estas<br />

coisas se encontra na primeira linha a filosofia que na realida<strong>de</strong> nunca é<br />

outra coisa que filosofia”. (84) Sobre o nome <strong>de</strong> “ciência”, Scheler quer<br />

que se entenda só a ciência positiva. Contudo, teria que justificar <strong>de</strong> algum<br />

modo esta limitação do conceito <strong>de</strong> ciência. “A ciência como tal não é uma<br />

ciência que exista concretamente, mas a idéia geral da cientificida<strong>de</strong>. A<br />

contraposição <strong>de</strong> ciência e filosofia po<strong>de</strong> surgir só quando se equipara, injustificadamente,<br />

este conceito abstrato com a ciência positiva”. (85) Como<br />

mostramos ao nos referirmos à essência da filosofia, também a filosofia<br />

preten<strong>de</strong> ser ciência. (A chamamos <strong>de</strong> “ciência universal” e “ciência dos<br />

fundamentos”). E, com efeito, possui a estrutura da ciência, pois trata <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminar seus objetos <strong>de</strong> modo que tenham vali<strong>de</strong>z geral, e <strong>de</strong> estabelecer<br />

uma relação <strong>de</strong> fundamentação entre seus conhecimentos. Participa, pois,<br />

da idéia da ciência e aparece portanto ao lado da ciência especial como uma<br />

espécie <strong>de</strong>ntro do gênero superior “ciência”.<br />

3. A diferença entre a filosofia e as ciências especiais não significa<br />

uma divisão senão uma relação positiva entre ambas. Para caracterizar este<br />

ponto mais <strong>de</strong>talhadamente voltemos à nossa tripartição da filosofia. A conexão<br />

da filosofia com as ciências especiais é diferente segundo se a consi<strong>de</strong>re<br />

como teoria da ciência, como teoria dos valores ou como teoria da<br />

realida<strong>de</strong>.<br />

a) Como teoria da ciência a filosofia se apresenta em uma relação<br />

positiva no que diz respeito a todas as ciências especiais, que consiste no<br />

fato <strong>de</strong> investigar os pressupostos formais e materiais das ciências especiais.<br />

Aos primeiros indaga na lógica, aos últimos na teoria do conhecimento.<br />

Um sistema científico se compõe <strong>de</strong> conceitos, juízos e raciocínios. Sua<br />

estrutura lógica está <strong>de</strong>terminada pelos princípios lógicos. Toda ciência<br />

maneja, em última instância, <strong>de</strong>terminados métodos, que em parte são gerais,<br />

em parte especiais. A lógica investiga todos os objetos. Além do mais,<br />

toda ciência trabalha com <strong>de</strong>terminadas hipóteses materiais, que ela mesma<br />

50


não <strong>de</strong>monstra, <strong>de</strong>ixando sua investigação crítica para a filosofia. Assim<br />

todo investigador parte da hipótese fundamental <strong>de</strong> que o conhecimento é<br />

possível, <strong>de</strong> que existe a verda<strong>de</strong> e a certeza para o espírito cognoscente.<br />

Por outra parte, e sem que em geral seja consciente disso, forja <strong>de</strong>terminadas<br />

hipóteses acerca das fontes, espécies, critérios e limites do conhecimento.<br />

A teoria do conhecimento elucida todos esses problemas. Além do mais,<br />

estuda os conceitos mais gerais da investigação científica, as chamadas categorias,<br />

como também a estrutura das diversas ciências, pondo assim manifestamente<br />

o globus intellectualis em sua totalida<strong>de</strong>. Expondo na lógica e<br />

na teoria do conhecimento os princípios do pensamento e do conhecimento<br />

científico, a teoria da ciência fixa as bases, por assim dizer, <strong>de</strong> todo sistema<br />

das ciências.<br />

b) Como teoria dos valores a filosofia guarda uma relação especial<br />

com as ciências que se ocupam <strong>de</strong> valores. Estas são (a parte das disciplinas<br />

filosóficas que tratam dos valores) as ciências do espírito, e particularmente<br />

a ciência histórica. Seu objeto próprio é o processo da cultura. Porém<br />

no fundo toda cultura significa realização <strong>de</strong> valores. No processo histórico<br />

os valores chegam a se concretizarem. Em conseqüência, a investigação<br />

<strong>de</strong>ste processo, a história, tem que trabalhar com conceitos <strong>de</strong> valores.<br />

Aos pressupostos lógicos e gnosiológicos se acrescentam agora pressupostos<br />

axiológicos cuja investigação é tarefa da teoria dos valores, que como<br />

teoria geral do valor tem que esclarecer o conceito <strong>de</strong> valor, revelar as<br />

diferentes classes <strong>de</strong> valores e a vali<strong>de</strong>z dos juízos <strong>de</strong> valor.<br />

c) Como teoria da realida<strong>de</strong> a filosofia adquire uma relação especial<br />

com respeito às ciências que se referem à realida<strong>de</strong>, por assim dizer, as ciências<br />

reais, que se divi<strong>de</strong>m em dois grupos: as ciências da natureza e as<br />

ciências do espírito. Assim como as ciências dos valores trabalham com<br />

<strong>de</strong>terminados conceitos <strong>de</strong> valor, as ciências da realida<strong>de</strong> trabalham com<br />

<strong>de</strong>terminados conceitos <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, entre os quais se encontram os conceitos<br />

<strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, existência, essência, substancialida<strong>de</strong>, causalida<strong>de</strong>. Os<br />

conceitos relativos ao ente são investigados pela teoria do ser ou ontologia.<br />

Porém a filosofia como teoria da realida<strong>de</strong> não só se interessa pelos pressupostos<br />

das ciências reais, mas também por seus resultados, e na metafísica<br />

trata <strong>de</strong> penetrar na essência e estrutura da realida<strong>de</strong>. Porém só po<strong>de</strong> fazê-lo<br />

quando conhece com exatidão o mundo dos fenômenos, no qual <strong>de</strong> certo<br />

modo se reflete a essência da realida<strong>de</strong>. Portanto antes <strong>de</strong> começar sua tarefa<br />

a metafísica <strong>de</strong>ve interrogar as ciências empíricas que investigam a realida<strong>de</strong>.<br />

Tem que se apropriar dos resultados das ciências reais e aproveitar a<br />

imagem empírica do universo elaborada por estas ciências para aprofundálas<br />

até chegar a uma imagem metafísica do universo, e finalmente completá-la<br />

com uma interpretação do sentido do universo, em uma concepção do<br />

51


mundo. Assim, sob certo sentido a filosofia continua, na teoria da realida<strong>de</strong>,<br />

os caminhos e tendências da investigação das ciências reais, e consuma<br />

a obra que estas empreen<strong>de</strong>ram.<br />

Em resumo po<strong>de</strong>mos caracterizar a relação da filosofia com as ciências<br />

especiais da seguinte maneira: a filosofia se encontra por uma parte no<br />

princípio do conhecimento científico. Investigando os pressupostos formais<br />

e materiais das ciências especiais estabelece também as bases do sistema do<br />

saber. Em seguida coroa este edifício convertendo o material que a ciência<br />

lhe oferece em uma imagem metafísica do universo, para construir sobre<br />

estas bases uma concepção do mundo racionalmente fundada.<br />

52


Capítulo X<br />

O lugar da filosofia no conjunto<br />

da cultura<br />

Dando remate à nossa “filosofia da filosofia” situando o conhecimento<br />

filosófico no contexto das funções do espírito e da cultura, para assinalar<br />

assim o posto da filosofia no sistema da cultura. Os campos que constituem<br />

a cultura superior ou espiritual, são quatro: a ciência, a moralida<strong>de</strong>, a<br />

arte e a religião.<br />

Como sabemos, a filosofia pertence ao campo da ciência. Como ciência<br />

universal compõe, junto com as ciências particulares, o campo total<br />

das ciências. Expresso <strong>de</strong> uma maneira estritamente lógica, isso significa<br />

que filosofia e ciência particular representam duas espécies do gênero ciência.<br />

Se se <strong>de</strong>seja expressar terminologicamente essa relação lógica, se po<strong>de</strong><br />

caracterizar a filosofia como ciência especulativa, para distingui-la das ciências<br />

positivas. As nota “positiva e especulativa” são então as diferenças<br />

específicas que divi<strong>de</strong>m o gênero ciência em suas duas espécies.<br />

Se relacionarmos a filosofia com os outros campos do espírito, veremos<br />

que por seu conteúdo se afasta do campo da moralida<strong>de</strong> mais que <strong>de</strong><br />

nenhum outro. A filosofia pertence ao hemisfério espiritual da teoria; a moralida<strong>de</strong>,<br />

ao da prática. No primeiro o homem se comporta como ente pensante,<br />

no segundo como ente <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> e <strong>de</strong> ação. Esta necessida<strong>de</strong> intrínseca<br />

<strong>de</strong> ambas as esferas do espírito não exclui naturalmente que estejam<br />

em relação. Como já vimos, é assim. Como auto-reflexão do espírito a filosofia<br />

converte também o campo espiritual da ética em objeto <strong>de</strong> investigação.<br />

Na ética a filosofia trata <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r racionalmente o que é moral e<br />

compenetrar-se logicamente <strong>de</strong>le. A ética esclarece conceitualmente e expõe<br />

sistematicamente a moral. Porém a moralida<strong>de</strong> não se comporta frente<br />

à filosofia só <strong>de</strong> um modo passivo, mas também ativamente, proporcionando<br />

os materiais essenciais para a construção <strong>de</strong> uma concepção do mundo.<br />

Na teoria da concepção do mundo a filosofia se nutre <strong>de</strong> fontes éticas. Limitemo-nos<br />

a lembrar <strong>de</strong> Kant e sua concepção do mundo – totalmente<br />

construída a partir da ética – para esclarecer o que queremos dizer.<br />

Por seu conteúdo a filosofia está mais próxima da arte e da religião<br />

do que da moralida<strong>de</strong>. “O mesmo enigma do mundo e da vida se encontram<br />

diante da poesia, da religião e da filosofia”. (86) As três apontam, em certo<br />

sentido, para a totalida<strong>de</strong> do ser, pois as três tratam <strong>de</strong> dar uma interpretação<br />

do sentido do universo. Esta tendência comum a toda concepção do<br />

mundo é o laço <strong>de</strong> união que as envolve e que apesar <strong>de</strong> tudo as diferenças<br />

intrínsecas lhes confere uma característica <strong>de</strong> íntimo parentesco.<br />

53


As diferenças são sem dúvida inconfundíveis. A filosofia se distingue<br />

claramente da arte por seu caráter racional. O filósofo pensa o mundo;<br />

o artista o vive. Em um caso o órgão é a razão; no outro, a intuição. Precisamente<br />

por isso a interpretação estética do mundo se diferencia da filosófica:<br />

esta possui uma origem racional; aquela, uma origem irracional. Porém<br />

também é diferente a sua forma <strong>de</strong> representação. O filósofo se vale <strong>de</strong><br />

conceitos; o artista, <strong>de</strong> imagens. Num caso a forma <strong>de</strong> representação é abstrata;<br />

no outro é intuitiva. Aquela se dirige para a razão; esta, para a fantasia.<br />

Deste modo a interpretação do universo aparece em um e outro caso<br />

com características muito diferentes.<br />

Apesar <strong>de</strong> todas estas diferenças, a arte e a filosofia estão em contato.<br />

Tal coisa ocorre na estética. Assim como na ética se encontram a filosofia e<br />

a moralida<strong>de</strong>, a filosofia e a arte se encontram na estética. Como naquele<br />

caso a moral era objeto <strong>de</strong> esclarecimento conceitual e exposição sistemática,<br />

o mesmo acontece agora com o estético. Porém tampouco a arte é só<br />

passiva com respeito à filosofia; também se comporta ativamente frente a<br />

ela. Já vimos que na construção do sistemas filosóficos atua um fator estético.<br />

Isto é perceptível muito rapidamente quando se recorda alguns dos<br />

sistemas clássicos, por exemplo, o grandioso sistema intelectual <strong>de</strong> Hegel<br />

com sua genial arquitetura. Observando bem, o artista que existe em cada<br />

filósofo é o que estrutura a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus conhecimentos e idéias<br />

em um todo harmonicamente or<strong>de</strong>nado e distribuído, convertendo em cosmo<br />

o caos. Quando faltam essas forcas artísticas, não é possível se conquistar<br />

uma gran<strong>de</strong> e brilhante construção sistemática.<br />

A filosofia se distingue igualmente da religião por sua interpretação<br />

do universo, porque a religião se baseia na experiência religiosa ou revelação.<br />

É essencialmente irracional ou, melhor dizendo, supra-racional. O mistério<br />

é a esfera da religião, que se ocupa “do que está acima da razão”. A<br />

isso correspon<strong>de</strong> a diferença nas formas da representação. A religião se<br />

serve também da linguagem conceitual quando narra seus mistérios; porém<br />

neste caso os conceitos não preten<strong>de</strong> oferecer uma representação a<strong>de</strong>quada<br />

da realida<strong>de</strong> a que se refere. Só preten<strong>de</strong> aludir a esta realida<strong>de</strong>. Têm um<br />

sentido simbólico: se refere a uma realida<strong>de</strong> sem preten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>fini-la <strong>de</strong> um<br />

modo logicamente a<strong>de</strong>quado. O divino só po<strong>de</strong> ser aludido: Deus “habita<br />

em luz inacessível, a quem nenhum dos homens viu e nem po<strong>de</strong> ver”. (I<br />

Tim. VI, 16).<br />

Da mesma forma que no caso das esferas da ética e da estética, a filosofia<br />

também converte a esfera religiosa em campo <strong>de</strong> investigação. Na<br />

filosofia da religião se esforça por fundamentar filosoficamente e formular<br />

o exato conteúdo <strong>de</strong>sta esfera. Porém tampouco aqui a relação é unilateralmente<br />

ativa ou passiva. Pelos serviços que a filosofia presta à religião na<br />

teoria dos valores, a religião <strong>de</strong> certo modo presta à filosofia um serviço<br />

recíproco na teoria da concepção do mundo. Na concepção do mundo o<br />

54


pensamento se inspira sobretudo na religião. A filosofia como tal é incapaz<br />

<strong>de</strong> dar resposta às últimas e supremas questões do espírito humano. Po<strong>de</strong><br />

formular essas questões com exatidão e precisão, e eventualmente po<strong>de</strong><br />

também indicar a direção por on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ve buscar sua solução; porém, se<br />

não quiser renunciar a ela, <strong>de</strong>ve aceitar essa solução das mãos da religião.<br />

Só a luz da revelação permite vislumbrar as trevas que ro<strong>de</strong>iam aquelas<br />

questões últimas. Neste sentido a fé religiosa significa a coroação e consumação<br />

do saber filosófico.<br />

O posto da filosofia no sistema da cultura é portanto o seguinte: com<br />

uma <strong>de</strong> suas faces a filosofia se volta para a ciência positiva; com a outra<br />

para a religião e a arte. Com aquela compartilha a estrutura racional, o caráter<br />

científico; com isto se orienta para a totalida<strong>de</strong> do ser. A filosofia tem,<br />

então, seu posto entre a ciência positiva por uma parte e a arte e a religião<br />

por outra. Destas últimas a religião é a que está mais próxima da filosofia,<br />

já que lhe presta um serviço especialmente valioso ao contribuir para a<br />

construção da concepção do mundo.<br />

55


Notas<br />

(1) W. Illemann: Wesen Und Begriff Der Philosophie (Essência e Conceito da <strong>Filosofia</strong>), Berlin,<br />

1938, pág. 79. A obra, que quer fundamentar uma “Ciência da <strong>Filosofia</strong>”, infelizmente não o<br />

consegue porque se baseia com muita unilateralida<strong>de</strong> em uma concepção i<strong>de</strong>alista da filosofia.<br />

(2) Enzyklopädie <strong>de</strong>r philosophischen Wissenschaften, aos cuidados <strong>de</strong> G. Lasson, 2ª ed., Leipzig,<br />

1920, pág. 35.<br />

(3) Ver Fr. Ueberweg: Grundriss Der Geschichte Der Philosophie Des Altertums (Compendio<br />

<strong>de</strong> história da filosofia da antiguida<strong>de</strong>)11ª ed., sob o cuidado <strong>de</strong> K. Praechter, Berlin, 1920, pág.<br />

2.<br />

(4) W. Illemann, op. cit., pág. 98.<br />

(5) Fedro 278 d.<br />

(6) Teeteto 145 e.<br />

(7) Euti<strong>de</strong>mo 288 d.<br />

(8) Metafísica III, 3, 1005 a 21.<br />

(9) In Porphyr. Isag. 2, 12.<br />

(10) Sum. Theol. I, 4.<br />

(11) Philos. Rationalis §29.<br />

(12) Kritik <strong>de</strong>r Reinen Vernunft (Crítica da Razão Pura) pág. 688 da edição Valentiner.<br />

(13) Op. cit., pág. 689.<br />

(14) Ib.<br />

(15) Op. cit., 690.<br />

(16) Op. cit. Pág. 691. Por “Fines Esenciales” Kant enten<strong>de</strong> os fins morais.<br />

(17) Enzyclopädie, edição aos cuidados <strong>de</strong> Lasson, pág. 47.<br />

(18) Lewrbuch Zur Einleitung In Die Philosophie (Tratado <strong>de</strong> Introdução à <strong>Filosofia</strong>), aos cuidados<br />

<strong>de</strong> Häntsch, 4ª ed., Leipzig, 1912, pág 46.<br />

(19) Populärwissenschaftliche vorlesungen (Lições <strong>de</strong> Ciência Popular), 4ª ed., Leipzig, 1896,<br />

pág. 277.<br />

(20) System Der Philosophie (Sistema da <strong>Filosofia</strong>), 4ª ed., Leipzig, 1918, I, pág. 9.<br />

(21) Studien Zur Philosophie Der Exakten Wissenschaften (Estudos <strong>de</strong> <strong>Filosofia</strong> das Ciências<br />

Exatas), Hei<strong>de</strong>lberg, 1911, pág. 5.<br />

(22) Präludien, 9ª ed., Tübingen, 1924, I, pág. 29.<br />

56


(23) Vom Ewigen In Menschen (Do Eterno no Homem), Leipzeig, 1921, pág. 121.<br />

(24) Sein Und Zeit, Halle, 1927, pág. 38.<br />

(25) Philosophie (<strong>Filosofia</strong>), Berlin, 1931, I, prólogo.<br />

(26) Crítica da Razão Pura, pág. 687 da edição citada.<br />

(27) W. Dilthey: Das Wesen Der Philosophie (A Essência da <strong>Filosofia</strong>) em Systematische Philosophie<br />

(<strong>Filosofia</strong> Sistemática), Kultur Der Gegenwart (Coleção “A Cultura Contemporânea”)<br />

Dirigida por P. Hinneberg, Primeira Parte, Secção V, 3ª ed., Belin e Leipzig, 1921, pág. 2.<br />

(28) Ibid. pág. 6.<br />

(29) Hauptprobleme Der Philosophie (Problemas Fundamentais da <strong>Filosofia</strong>), 2ª ed., Leipzig,<br />

1911, pág. 12.<br />

(30) Werke (Obras), X, pág. 19.<br />

(31) Edmund Husserl: Philosophie als Strneg Wissenschaft (A <strong>Filosofia</strong> como Ciência Rigorosa),<br />

na Revista Logos, I (1910-1911), pág. 340.<br />

(32) Veja a este respeito meu livro: Diephilosophischen Strömungen Der Gegen Wart. (As Correntes<br />

Filosóficas Contemporâneas), 2ª ed., Rottenburg, 1940.<br />

(33) Grundlegung Zur Metathysik Der Sitten (Fundamentos da Metafísica dos Costumes), 5ª<br />

ed., aos cuidados <strong>de</strong> K. Vorlän<strong>de</strong>r, Leipzig, 1920. pág. 3.<br />

(34) Einleitung In Die Philosophie, Leipzig, 1895, pág. 72. Nas edições posteriores, aos cuidados<br />

<strong>de</strong> A. Messer, esta passagem está um pouco modificada.<br />

(35) Einleitung In Die Philosophie (Introdução à <strong>Filosofia</strong>) 2ª ed., Berlin Ebonn, 1931, pág. 22.<br />

(36) Ibid.<br />

(37) Einleitung In Die Philosophie (Introdução à filosofia), Ed. Reclam, pág. 25 e 27.<br />

(38) Einleitung In Die Philosophie (Introdução à filosofia), 11ª ed., aos cuidados <strong>de</strong> A. Messer,<br />

Leipzig, 1923, pág. 13.<br />

(39) Op. cit., pág. 28. (Da edição alemã).<br />

(40) Licht ist alles, was ich fasse;<br />

Kohle alles, was ich lasse;<br />

Flamme bin ich sicher lich!<br />

(41) Von Ewigem Im Menschen (Sobre o eterno no homem), Leipzig, 1921, pág. 105 ss.<br />

(42) Op. cit., pág. 108.<br />

(43) Op. cit., pág. 67 ss.<br />

(44) Metafisica XII, 7.<br />

57


(45) Esta passagem se encontra em uma carta <strong>de</strong> Fichte a seu irmão Gottlieb, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />

1791. Veja-se M. Weinhold: 48 Briefe Von Ficht Und Seine Verwandten (48 Cartas <strong>de</strong> Ficht e<br />

<strong>de</strong> seus parentes), pág. 20.<br />

(46) Dem Daseinsfrohen, <strong>de</strong>m emsig Leben<strong>de</strong>n,<br />

Am Alltagsklei<strong>de</strong> rüstig Weben<strong>de</strong>n<br />

Gehört die Welt mit goldnen Halmen.<br />

Doch jene, die fröstelnd in Lebensmitten<br />

An Sehnsucht, an Schwermut, am Heimweh gelitten<br />

Krönt erst <strong>de</strong>r Ttod mit Frie<strong>de</strong>nspalm en.<br />

(47) Grau, Freund, ist alle Theorie.<br />

Grün ust <strong>de</strong>s Lebens goldner Baum.<br />

(48) Veja-se Enzyklopädie <strong>de</strong>r Philosophischen Wissenschaften (Enciclopédia das ciências filosóficas),<br />

edição aos cuidados <strong>de</strong> G. Lasson, 2ª ed. Leipzig, 1920, pág. 76.<br />

(49) Hab die Teile in <strong>de</strong>r Hand,<br />

Fehlt lei<strong>de</strong>l, nur <strong>de</strong>as geistige Band.<br />

(50) Daswesen <strong>de</strong>r Philosophie (A essência da filosofia) pág. 64.<br />

(51) Von Eewign im Menschen (Sobre o eterno no homem), pág. 70<br />

(52) Op. cit., pág.71.<br />

(53) Op. cit. pág. 72.<br />

(54) W. Win<strong>de</strong>lband: Einleitung in die philosophie (Introdução à filosofia), Tübingen, 1914,<br />

pág. 9 ss.<br />

(55) W. Win<strong>de</strong>lband: Geschichte <strong>de</strong>r philosophie (História da filosofia) em: Die Philosophie im<br />

beginn <strong>de</strong>s 20 Jahrhun<strong>de</strong>rts. (A <strong>Filosofia</strong> no Começo do Século XX), volume em homenagem a<br />

K. Fischer, 2ª ed., Hei<strong>de</strong>lberg, 1907, pág. 540.<br />

(56) Der philosophische Ge<strong>de</strong>anke und scine Geschichte (O pensamento filosófico e a sua história),<br />

Berlin, 1936, pág. 12.<br />

(57) Op. cit. pág. 6.<br />

(58) Op. cit. pág. 10.<br />

(59) Op. cit. pág. 13.<br />

(60) Op. cit. pág. 14.<br />

(61) Op. cit. pág. 18.<br />

(62) Op. cit. pág. 20.<br />

(63) Leibniz para Remond, na edição <strong>de</strong> suas Philos. Schriften (Escritos filosóficos) aos cuidados<br />

<strong>de</strong> Gerhardt, III, pág. 624 ss.<br />

(64) Op. cit. pág. 8.<br />

58


(65) Das Wahre ist schon längst gefun<strong>de</strong>n,<br />

Hat edle Geisterschaft verbun<strong>de</strong>n.<br />

Das alte Ware, fass es an!<br />

(66) Op. cit., Pág. 34<br />

(67) Allegemeine Grundlegung <strong>de</strong>r Philosophie (Os fundamentos gerais da filosofia), Tübingen,<br />

1921, pág.10.<br />

(68) Ibid.<br />

(69) Op. cit., pág. 11.<br />

(70) Deutsche Systematische Philosophie (<strong>Filosofia</strong> sistemática alemã) ao cuidado <strong>de</strong> H. Schwarz,<br />

Berlin, 1931, pág. 228.<br />

(71) Enzyklopädie <strong>de</strong>r Philosophischen Wissenschaften (Enciclopédia das Ciências Filosóficas).<br />

Edição aos cuidados <strong>de</strong> Bolland, lei<strong>de</strong>n, 1906, §86, anexo 2.<br />

(72) Erste Einleitung in die Wissenschaftslehre (A Primeira e a Segunda Introdução à Teoria da<br />

Ciência). Na edição das obras <strong>de</strong> Fichte a cuidado <strong>de</strong> Fr. Medicus, Leipzig, s.d., III, pág. XVIII).<br />

(73) Hauptprobelme <strong>de</strong>r Philosophie (Conjunto <strong>de</strong> Problemas Filosóficos), Leipzig, 1911, pág.<br />

27 e ss.<br />

(74) Ibid. pág. 23.<br />

(75) Immanuel Kant, na Revista Hochland, 1903-1904, pág. 581.<br />

(76) Ibid. pág. 11.<br />

(77) Fr. Kröner: Die Anarchie <strong>de</strong>r Philosophischen Systeme (A Anarquia dos Sistemas Filosóficos),<br />

Leipzig, 1929, pág.54. Em seu livro Fichte, München, s.d., pág.84, H. Heinsoeth, mostra<br />

que o sentido da citada frase <strong>de</strong> Fichte não possui nada <strong>de</strong> relativista.<br />

(78) Geschichte <strong>de</strong>r Philosophie (História da <strong>Filosofia</strong>) em Die Philosophie im Beginn <strong>de</strong>s 20<br />

Jahrhun<strong>de</strong>rts (A <strong>Filosofia</strong> no Começo do século XX), pág. 540.<br />

(79) Ibid. 317.<br />

(80) Ungewissheit Und Wagnis (Dúvida e Incerteza), Salzburg, 1937, pág. 150 e ss.<br />

(81) Das Prinzip <strong>de</strong>s Katholizismus und <strong>de</strong>i Wissenschaft (O Princípio do Catolicismo e a Ciência),<br />

freiburg, 1899, pág. 16 e ss.<br />

(82) Ibid. pág. 27.<br />

(83) Crítica da Razão Pura, pág. 690, da edição alemã <strong>de</strong> Valentiner.<br />

(84) Vom Ewigen in Memschen (Sobre o Eterno no Homem), pág. 81.<br />

(85) W. Illemann: Wesen und Begriff <strong>de</strong>r Philosophie (A Essência e o Conceito <strong>de</strong> <strong>Filosofia</strong>),<br />

Berlin, 1938, pág. 72.<br />

(86) W. Dilthey das Wesen <strong>de</strong>r Philosophiee (A Essência da <strong>Filosofia</strong>), pág. 33.<br />

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