REVISTA MOSAICUM - fasb
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<strong>REVISTA</strong> <strong>MOSAICUM</strong><br />
FACULDADE DO SUL DA BAHIA / FASB<br />
Volume 1<br />
Número 1 Jan. / Jul. 2005
FUNDAÇÃO FRANCISCO DE ASSIS<br />
Presidente: Lay Alves Ribeiro<br />
FACULDADE DO SUL DA BAHIA - FASB<br />
INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO SUL DA BAHIA - ISESB<br />
Diretor-acadêmico: Valci Vieira dos Santos<br />
Diretor-administrativo: Sélcio de Souza Silva<br />
CONSELHO EDITORIAL:<br />
Bernardina Maria de Sousa Leal<br />
Jaceny Maria Reynaud<br />
Marcos Hiroshi Nishi<br />
Raimundo Enedino dos Santos<br />
Sélcio de Souza Silva<br />
Valci Vieira dos Santos<br />
REVISÃO:<br />
Sélcio de Souza Silva<br />
Valci Vieira dos Santos<br />
COLABORAÇÃO:<br />
Gustavo Aveiro de Araújo<br />
Jacqueline L. L. Marcelino<br />
CAPA:<br />
Leandro Oliveira Cruz<br />
F A SB<br />
F a c u l d a d e d o<br />
S u l d a B a h i a<br />
<strong>REVISTA</strong> <strong>MOSAICUM</strong><br />
É uma publicação do Núcleo de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade do Sul da<br />
Bahia e do Instituto Superior de Educação do Sul da Bahia<br />
Periodicidade semestral.<br />
Os artigos apresentados são de inteira responsabilidade de seus autores.<br />
ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO:<br />
CONSELHO CIENTÍFICO:<br />
Enelita de Souza Freitas (UNEB)<br />
João Adorís Pandolf (Unilinhares)<br />
Lélia Maria Pereira Duarte (PUC - Minas)<br />
Lenice Amélia de Sá Martins (UNEB)<br />
Maria Bernardete Pereira Bezerra (UESC)<br />
Miguel Bahl (UFPR)<br />
Olga Suely S. de Souza (UNEB / CESESB)<br />
Raimundo E. dos Santos (UNEB/FASB)<br />
Wellington Renan da V. Reis (FASB/Unilinhares).<br />
Rodrigo Leão (Programa Marinho, Conservation<br />
International Brasil)<br />
ORGANIZAÇÃO:<br />
Jaceny Maria Reynaud<br />
DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO:<br />
Fernanda Reynaud / Caroline Duarte S. Zôrzo<br />
Revista Mosaicum<br />
Revista Científica da FASB/ISESB<br />
Núcleo de Pós-graduação, pesquisa e extensão - NUPPE<br />
Rua Graciliano Viana, 79 - Bela Vista<br />
CEP: 45995-000 - Teixeira de Freitas - BA<br />
Fone: (73) 292 4820 - Fax (73) 292 4819<br />
E-mail: nuppe@ffassis.edu.br
FACULDADE DO SUL DA BAHIA / FASB<br />
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO / NUPPE<br />
Revista<br />
Mosaicum<br />
<strong>REVISTA</strong> <strong>MOSAICUM</strong><br />
Teixeira de<br />
Freitas/BA<br />
F A S B<br />
F a c u l d a d e d o<br />
S u l d a B a h i a<br />
v. 1 n. 1 p. 1 - 100<br />
ISSN: 1808-589X<br />
2005
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
6<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB
APRESENTAÇÃO<br />
A coletânea de textos, que aqui se apresenta, é resultado de<br />
um projeto que há algum tempo temos procurado desenvolver na<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB. Ele nasceu do desejo de vermos<br />
sistematizadas nossas idéias e de tornar possíveis nossos sonhos,<br />
qual seja o de criar um espaço da escrita, onde nós, docentes,<br />
pudéssemos socializar os conhecimentos advindos das mais diversas<br />
áreas.<br />
A FASB já nasceu preocupada não só com a construção do<br />
ensino, mas também com sua inserção na comunidade, por intermédio<br />
de projetos sociais, além de estar em sintonia com a imprescindível<br />
produção acadêmica. Seu apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão,<br />
desde sua gênese, corrobora sua filosofia: a de construir um ensino<br />
superior de qualidade. Para tanto, não perdeu de vista a necessidade<br />
de incentivar a produção científica de seus professores.<br />
Nesse sentido, procuramos “batizar” a revista com um nome<br />
que desse conta de traduzir nosso objetivo: oportunizar mais um<br />
veículo de comunicação escrita aos docentes, em suas mais variadas<br />
formações acadêmicas, provenientes de cursos plurais, escritores de<br />
temáticas que transitassem entre as diversas ciências. Aflorou-se,<br />
assim, em nossas mentes, o sugestivo nome <strong>REVISTA</strong> <strong>MOSAICUM</strong>.<br />
A Revista, tal qual um mosaico, reúne artigos originários dos<br />
diferentes campos do saber. Muitos deles trazem resultados de<br />
pesquisas oriundas de cursos de pós-graduação, a exemplo de cursos<br />
lato sensu mantidos pela própria Faculdade.<br />
O leque de textos se abre com o artigo intitulado “Marketing:<br />
tecnologia democrática ou de elite?”, cuja discussão se volta para a<br />
importância do marketing, instrumento de mudança atitudinal e<br />
alteração de comportamento de consumo.<br />
Em seguida, aparece “Envolvimento sustentável e etnoecologia:<br />
reflexões para implementação da educação ambiental”. Nele, as<br />
autoras propõem evidenciar questões do meio ambiente, sob o olhar<br />
holístico da Educação Ambiental, num verdadeiro resgate dos saberes<br />
ecológicos tradicionais.<br />
“O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-1979)”, terceiro<br />
artigo da coletânea, busca analisar as possíveis mudanças<br />
empreendidas pelo II PND na economia brasileira.<br />
Com “A singularidade da sala de aula”, a temática educação<br />
se faz presente como objeto de estudo. O artigo traz discussões no<br />
campo das relações intersubjetivas no âmbito da sala de aula, onde<br />
a experiência educacional passa a ser vista como um consentimento<br />
ou rendição, deixando de ser percebida tão somente como uma<br />
intervenção.<br />
O Planeta Terra tem sido alvo de preocupações dos mais<br />
diversos atores sociais. O texto “Atores sociais: futuros exilados do<br />
planeta?” lança sobre o leitor várias indagações que o levam a pensar<br />
sobre as possíveis soluções e respostas em prol da harmonia entre<br />
Homem e Natureza.<br />
O sexto artigo, denominado “A importância da leitura na<br />
construção do conhecimento e da criticidade docente e discente”,<br />
discorre a respeito da dialética da leitura do mundo versus a leitura<br />
da palavra. Demonstra, ademais, sua contribuição para a construção<br />
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e intervenção crítica da relação educador-educando.<br />
Ainda no âmbito das discussões educacionais, o artigo “A<br />
mediação da aprendizagem como característica do planejamento de<br />
ensino” coloca em evidência a importância da aprendizagem, a partir<br />
dos procedimentos metodológicos presentes no planejamento de<br />
ensino. A autora embasa seu texto na Experiência da Aprendizagem<br />
Mediada, do psicopedagogo Reuven Feuerstein.<br />
O meio ambiente volta a ser objeto de estudo em “Aspectos<br />
relacionados ao plantio de florestas exclusivamente para o seqüestro<br />
de carbono”. Seu autor, através de pesquisa bibliográfica em<br />
periódicos, anais de simpósios, teses, etc., analisa os principais<br />
aspectos que influenciam o êxito de um reflorestamento.<br />
“Gestão do conhecimento: uma forma emergente de<br />
competitividade organizacional” pretende apresentar, em linhas gerais,<br />
novas formas de gestão no mundo globalizado.<br />
Educação, mote preponderante nesta coletânea de artigos,<br />
encontra, mais uma vez, espaço em “A internet na era da comunicação<br />
virtual: o grande desafio para a educação do novo milênio”. Seu tema<br />
central, a internet, é vista pelo autor do artigo como um importante<br />
instrumento e fonte de informações, imprescindíveis à educação dos<br />
novos tempos. Por isso, a necessidade de discutir e questionar o<br />
papel do educador na era da educação virtual.<br />
Esta coletânea se encerra com a presença da análise de texto<br />
literário. Seu autor discute a tensão homem/cidade, com fulcro em<br />
obras de dois grandes escritores das literaturas portuguesa e<br />
brasileira. Pretende demonstrar como a linguagem é importante nas<br />
relações que o homem estabelece com seus pares e seu entorno.<br />
Esperamos, pois, com a Revista Mosaicum, inaugurar um<br />
novo tempo na Faculdade do Sul da Bahia: tempo de frutíferas<br />
produções acadêmicas e científicas.<br />
Agradecemos a todas as pessoas que contribuíram para a<br />
realização deste primeiro número. À mantenedora da FASB, Fundação<br />
Francisco de Assis, em especial à Irmã Cristina, que, de modo<br />
disponível, viabilizou os recursos financeiros para sua publicação.<br />
Prof. Sélcio de Souza Silva<br />
Prof. Valci Vieira dos Santos<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
SUMÁRIO<br />
MARKETING: TECNOLOGIA DEMOCRÁTICA OU DE ELITE?<br />
Alexandre Segovia da Silveira 11<br />
ENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ETNOECOLOGIA: REFLEXÕES PARA<br />
IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
Ana Paula de Matos e Renata Lopes Corrêa 18<br />
O II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (1974-1979)<br />
Antônio Genilton Sant’Anna 23<br />
A SINGULARIDADE DA SALA DE AULA<br />
Bernardina Leal 30<br />
ATORES SOCIAIS: FUTUROS EXILADOS DO PLANETA?<br />
Jaceny Maria Reynaud<br />
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO<br />
E DA CRITICIDADE DOCENTE E DISCENTE<br />
James Figueredo da Silva 48<br />
A MEDIAÇÃO DA APRENDIZAGEM COMO CARACTERÍSTICA DO<br />
PLANEJAMENTO DE ENSINO<br />
Jessyluce Cardoso Reis 58<br />
ASPECTOS RELACIONADOS AO PLANTIO DE FLORESTAS<br />
EXCLUSIVAMENTE PARA O SEQÜESTRO DE CARBONO<br />
Marcos Hiroshi Nishi 71<br />
GESTÃO DO CONHECIMENTO: UMA FORMA EMERGENTE DE<br />
COMPETITIVIDADE ORGANIZACIONAL<br />
Rosana Silva do Carmo 82<br />
A INTERNET NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL: O GRANDE<br />
DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO DO NOVO MILÊNIO<br />
Sélcio de Souza Silva 87<br />
A TENSÃO HOMEM/CIDADE NO DISCURSO POÉTICO DE CESÁRIO<br />
VERDE E DRUMMOND<br />
Valci Vieira dos Santos 96<br />
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MARKETING: TECNOLOGIA<br />
DEMOCRÁTICA OU DE ELITE?<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Alexandre Segovia da Silveira¹<br />
A utilização das ferramentas de Marketing, Produto, Preço, Praça e<br />
Promoção, e se esta utilização está a serviço da dominação da sociedade<br />
moderna com o simples propósito de acumulação tem sido alvo de<br />
criticas e estudos. Estamos experimentando o marketing como<br />
instrumento de mudança atitudinal e alteração de comportamento de<br />
consumo, ao mesmo tempo em que assistimos a campanhas<br />
institucionais de conscientização contra o fumo e prevenção contra a<br />
aids, apenas para citar algumas, com grandes resultados sociais. Esta<br />
tecnologia está a serviço de apenas uma elite que a utiliza para sua<br />
manutenção ou está a serviço da população de forma democrática,<br />
levando comunicação e conhecimento para todos?<br />
Palavras-chave: marketing, acumulação, democracia, elite, tecnologia.<br />
ABSTRACT<br />
The use itself of tools of Marketing, Product, Market and Promotion as<br />
well as if this use is at service of the dominating modern society with<br />
the simple purpose of accumulation has been the target of criticism<br />
and studies. We are investigating marketing as an instrument of<br />
changing attitudes and also of changing consuming behavior while we<br />
are observing institutional campaign like the one of the awareness<br />
against smoking and prevention of AIDS, just to mention some of the<br />
most relevant campaign with great social results. Is this technology at<br />
service of only an elite that uses it for its own sake or is it democratically<br />
available to people in general, leading communication and knowledge<br />
to everybody?<br />
Key Words: marketing, accumulation, democracy, elite, technology.<br />
A utilização do composto de Marketing, bem como, se esta<br />
utilização está a serviço da dominação das sociedades modernas com<br />
o simples intuito de acumulação, tem sido alvo de críticas e estudos.<br />
Estamos experimentando o Marketing como instrumento de mudança<br />
atitudinal e alteração de comportamento de consumo, como uma busca<br />
de novos mercados ou fragmentação de mercados existentes, ao mesmo<br />
¹Alexandre Segovia da Silveira é especialista em Docência Superior e Gestão<br />
Empresarial e professor e coordenador do Curso de Administração com Habilitação em<br />
Marketing da FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB 11
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
12<br />
Alexandre Segovia da Silveira<br />
tempo em que assistimos a campanhas institucionais de<br />
conscientização contra o fumo e prevenção contra a aids, apenas para<br />
citar algumas, com grandes resultados sociais. Esta tecnologia está a<br />
serviço de apenas uma elite que a utiliza para sua manutenção ou<br />
está a serviço da população de forma democrática, levando<br />
comunicação e conhecimento para todos?<br />
De acordo com Baran e Sweezi (1966, p. 114),<br />
somente no capitalismo o excesso surge como um problema geral, afetando a<br />
todos em qualquer época. Desta fonte nasce toda uma série de atitudes e<br />
interesses de importância decisiva para o caráter e funcionamento da sociedade<br />
capitalista. (...) Surgem, portanto, atitudes e políticas mais complexas, a<br />
princípio lentas e experimentais, mas que crescem de objetivo e de impulso à<br />
medida que se desenvolve o capitalismo. (...) Sua justificação racional deriva<br />
do fato de que o universo de excesso na oferta é a insuficiência na procura; ao<br />
invés de reduzir a oferta, preferem estimular a procura.<br />
Com base nessa afirmação, pode-se entender o grande problema<br />
que ocorre nos sistemas de livre iniciativa: a escala de produção adquire<br />
extrema amplitude, desencadeando um processo de multiplicação da<br />
variedade de produtos e serviços e paralelamente, uma busca<br />
incessante de mercados seguros para eles. Como solucionar tal<br />
situação?<br />
Ao final da Primeira Grande Guerra, ocorreu um acelerado<br />
desenvolvimento industrial e a excessiva produção, conseqüente deste<br />
fato, começou a provocar situações críticas em vários países,<br />
principalmente nos Estados Unidos, com a famosa depressão de 1929,<br />
quando a produção passou a exceder o consumo. Verificou-se, então,<br />
que era necessário inverter os pólos do problema e criar e buscar o<br />
consumidor onde quer que ele estivesse. Pode-se dizer que data desta<br />
época o florescimento do Marketing. Surgido da segmentação dos<br />
departamentos de produção e vendas no interior das empresas, o<br />
marketing converteu-se atualmente no componente mais importante<br />
da estratégia de vendas. Ele se insere no bojo da dinâmica do capital<br />
em sua busca incessante por eficiência e maximização dos lucros. E<br />
mais, o setor adquiriu tamanha complexidade que passou a se<br />
organizar em empresas autônomas como um ramo de empresas<br />
produtivas.<br />
O MARKETING<br />
Compreendido por alguns autores como ciência e por outros<br />
como técnica ou simplesmente conjunto de funções, o marketing é<br />
definido como um processo gerencial envolvendo as atividades de<br />
análise, planejamento, implementação e controle, colocadas em<br />
programas cuidadosamente formulados, objetivando a troca voluntária<br />
de valores. Significa ainda a seleção de mercados-alvo, com o propósito<br />
de alcançar os objetivos organizacionais, objetivos estes baseados em<br />
termos das necessidades e desejos dos mercados-alvo, utilizando um<br />
conjunto de instrumentos chamados composto de marketing - projeto<br />
do produto, determinação de preço, comunicação e distribuição<br />
(KOTLER, 1978, p. 21).<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Marketing: tecnologia democrática ou de elite?<br />
Esse conceito passou a ser o fundamento da política e da prática<br />
de pequenas, médias e grandes empresas em toda parte, que<br />
começaram a compreender a diferença entre vendas e marketing e a<br />
organizar-se para desenvolver este último. Assim, em termos de suas<br />
características básicas, - conjunto de compradores e mercados,<br />
presentes e potenciais; amplitude total dos produtos e serviços a venda,<br />
presentes e potenciais; sistema de distribuição constantemente<br />
mudando e desenvolvendo-se, o que aproxima o mercado e os produtos<br />
e, finalmente, conjunto de capacidades (conhecimento, dinheiro e<br />
tempo) que integra estrategicamente mercados, produtos e distribuição.<br />
O conceito de marketing provoca uma mudança nas maneiras<br />
tradicionais de encarar um negócio para uma perspectiva mais<br />
fundamental e dinâmica de mudanças nos compradores, mercados,<br />
modelos de distribuição e competição.<br />
Com o desenvolvimento de suas técnicas, esse conceito<br />
extrapolou sua função na área mercadológica e passou a ser aplicado<br />
em outros segmentos da sociedade. Segundo Kotler (1978, p. 29),<br />
as organizações que não visam ao lucro tais como museus, universidades,<br />
igrejas e órgãos governamentais, estão vendo o marketing como uma nova<br />
maneira de enfocar suas relações com seu público. As nações em<br />
desenvolvimento examinam os princípios de marketing a fim de observarem<br />
como seus sistemas internos de distribuição podem ser melhorados e concorrer<br />
de forma mais eficiente nos mercados mundiais.<br />
Nos últimos trinta anos, as atividades de marketing, tais como<br />
as conhecemos hoje, começaram a ser utilizadas na política e um<br />
exemplo dessa aplicação foi a campanha de John Kennedy contra<br />
Richard Nixon, nas eleições americanas de 1960 e de Fernando Collor<br />
de Mello, no Brasil, em 1991.<br />
A aplicação dessas técnicas nos diversos segmentos de nossa<br />
sociedade tem obtido, segundo as instituições especializadas em<br />
marketing, resultados altamente satisfatórios na concretização de seus<br />
objetivos e prova disso são os inúmeros casos de sucesso relatados e<br />
premiados anualmente por entidades de classe e órgãos de<br />
comunicação, confirmando sua eficácia na resolução de problemas<br />
ditos mercadológicos. Tais “cases” vão desde lançamento de grandes<br />
empresas ou produtos e serviços altamente sofisticados até uma<br />
simples comunicação de mudança de endereço, passando por inúmeros<br />
outros tipos de campanhas de cunho social, político e econômico.<br />
TECNOLOGIA DEMOCRÁTICA OU DE ELITE?<br />
Se até aqui ficou demonstrada a importância do marketing como<br />
um conjunto de técnicas aplicadas à intermediação do binômio<br />
produção/consumo, como um sistema planejado e implementado para<br />
obtenção de relações desejadas de troca, várias questões fundamentais<br />
afloram e levam à discussão do assunto para um outro plano: o<br />
marketing é realmente uma tecnologia democrática ou simplesmente<br />
um componente fundamental de acumulação capitalista? Em nível<br />
social, quais as suas contribuições para os indivíduos? Se, segundo<br />
Kotler, o marketing preocupa-se com o desenvolvimento, a manutenção<br />
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Alexandre Segovia da Silveira<br />
e/ou regulação das relações de troca que envolvem produtos, serviços,<br />
organizações, pessoas, lugares ou causas, qual a carga ideológica<br />
que essa preocupação carrega?<br />
Neste momento, faz-se necessária uma retomada de alguns<br />
pontos que já foram citados anteriormente e, sem a pretensão de se<br />
aprofundar em uma análise sociológica, situar de maneira mais clara<br />
o processo de produção de bens e serviços dentro do sistema<br />
capitalista:<br />
O que um homem realmente precisa? Algumas centenas de gramas de comida<br />
todos os dias, aquecimento e abrigo, dois metros para se deitar, e alguma<br />
forma de trabalho que lhe proporcionará uma sensação de realização. E isso<br />
é tudo, sob o aspecto material. Todos sabemos disso, mas recebemos uma<br />
lavagem cerebral de nosso sistema econômico, até que terminemos numa<br />
tumba, debaixo de uma pirâmide de prestações, hipotecas, utensílios<br />
absurdos, brinquedos que desviam nossa atenção da estupidez de tudo isso<br />
(HAYDEM, 1963, p. 27).<br />
Já foi dito que no capitalismo a escala de produção adquire<br />
uma amplitude muito grande, resultado dos mecanismos<br />
concentradores e centralizadores do capital. A área produtiva assume<br />
assim, características diferenciadas, traduzindo-se uma tendência<br />
das empresas a um maior enrijecimento, dificultando a sua adaptação<br />
às flutuações econômicas. Ao mesmo tempo, desencadeia-se um<br />
processo de multiplicação da variedade de produtos e serviços e,<br />
paralelamente, a adoção de novos procedimentos técnicos pelos<br />
empresários numa busca incessante de mercados seguros para o<br />
escoamento da produção. É óbvio que mudanças de tal profundidade<br />
revertem, simultaneamente, em diferenciações significativas na<br />
sociedade como um todo. Amplia-se a categoria de trabalhadores<br />
ditos improdutivos, os chamados white collars, ligados à órbita da<br />
realização da mais-valia, diversificando-se, desta maneira, a escala<br />
de remunerações. Surge um novo estrato social denominado de nova<br />
classe média e nesses termos diferencia-se, mais ainda, a divisão<br />
técnica e social do trabalho, produto de desenvolvimento dos diversos<br />
momentos da produção, permitindo o aparecimento de um mercado<br />
consumidor capaz de absorver grande parte da diversificação<br />
constante de mercadorias. Neste ponto, o pólo se inverte e cabe à<br />
produção criar a necessidade do consumo.<br />
A necessidade que se sente desse objeto é criada pela percepção deste. O objeto<br />
de arte, tal como qualquer produto, cria um público capaz de compreender a<br />
arte e de apreciar a beleza. Portanto, a produção não cria somente um objeto<br />
para o sujeito mas também um sujeito para o objeto. Logo, a produção gera o<br />
consumo: 1º- fornecendo-lhe sua matéria; 2º- determinando o modo de consumo;<br />
3º- criando no consumidor a necessidade de produtos que começaram por<br />
simples objetos. Produz, por conseguinte, o objeto de consumo, o modo de<br />
consumo, o instinto do consumo. De igual modo, o consumo engendra a vocação<br />
do produtor, solicitando-lhe a finalidade da produção sob a forma de uma<br />
necessidade determinante (MARX, 1977, p. 210).<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Marketing: tecnologia democrática ou de elite?<br />
CONCLUSÃO<br />
A maior divergência entre os defensores e os críticos do<br />
marketing surge exatamente neste ponto. Por um lado, os primeiros<br />
defendem que<br />
o ponto básico para o emprego das técnicas do marketing reside nas<br />
necessidades e desejos humanos. A humanidade precisa de comida, ar, água,<br />
roupa e abrigo para sobreviver. Além disso, as pessoas desejam recreação,<br />
educação e outros serviços. Elas têm preferências notáveis por tipos específicos<br />
de bens e serviços básicos (KOTLER, 1980, p. 31).<br />
As políticas e práticas agressivas de marketing têm sido<br />
grandemente responsáveis pelo alto padrão de vida na América do<br />
Norte.<br />
Hoje, através de um marketing de massa de baixo custo,<br />
consumimos produtos que antes eram considerados de luxo e que<br />
ainda são classificados dessa forma em muitos outros países. Em<br />
contraposição, os críticos são mais incisivos:<br />
Nos últimos anos o campo de marketing foi considerado como feito de artistas<br />
de segunda classe, trapaceiros, picaretas e distribuidores de mercadorias de<br />
segunda mão. Muitos de nós já fomos ludibriados pelo trapaceiro; e todos nós<br />
já fomos alguma vez levados a comprar toda espécie de coisas que, na verdade,<br />
não precisávamos e que, mais tarde, descobrimos que nem ao menos queríamos<br />
(FARMER, 1965, p. 43).<br />
No plano ético, a atividade do marketing tem suscitado questões<br />
que vêm desde os tempos antigos. Filósofos como Platão, Aristóteles e<br />
Tomás de Aquino achavam os comerciantes não-produtivos e<br />
gananciosos. Os comerciantes eram vistos como pessoas que tiravam<br />
vantagem de clientes indefesos ao comprarem barato e venderem caro.<br />
Hoje, os especialistas de marketing são acusados de levar as pessoas<br />
a comprarem coisas que não desejam. Os clientes são vistos como<br />
vítimas de vendas de alta pressão e, às vezes, ardilosas. Destaquemse<br />
aqui o surgimento do Código de Defesa do Consumidor e o trabalho<br />
das organizações especializadas na aplicação desse código (PROCON,<br />
CEDECON etc.). Na realidade, este código funciona como um mediador<br />
entre os estabelecimentos: industriais, comerciais ou mesmo órgãos<br />
públicos - e os consumidores, ou seja, entre os abusos praticados<br />
pelas técnicas aplicadas de marketing e os consumidores. E as críticas<br />
não param aí. O marketing é acusado ainda de desperdiçar o dinheiro<br />
público nas atividades desenvolvidas por governos ou órgãos públicos;<br />
de se intrometer nos assuntos pessoais dos indivíduos quando é<br />
desenvolvida uma atividade de pesquisa de opinião ou mercadológica;<br />
de manipulador do mercado-alvo quando coloca em ação toda a sua<br />
técnica em busca dos objetivos determinados.<br />
Resumindo o que foi analisado até aqui, conclui-se que o<br />
marketing é uma atividade inerente e fundamental ao sistema<br />
capitalista, portanto mantenedor do mesmo. Não se deve, porém,<br />
atribuir-lhe a responsabilidade direta pela geração das necessidades<br />
do consumo. Estas já se fazem presentes na forma determinada,<br />
assumida pela produção dentro do sistema, no qual a atividade do<br />
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Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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Alexandre Segovia da Silveira<br />
marketing se presta ao papel de fio condutor na intermediação do<br />
binômio produção/consumo. Justifica-se assim, pelo alto grau de<br />
eficácia funcional destas técnicas, a amplitude que adquiriu, no modo<br />
de produção capitalista, a sua utilização pela maioria absoluta das<br />
empresas produtoras de bens e serviços e mais, porque essa atividade<br />
extrapolou o âmbito comercial e passou também a ser utilizado, com<br />
as devidas adaptações, em outros segmentos da sociedade. E<br />
justamente por esse seu amplo espectro de ação, é que surge o que se<br />
tornaria a maior crítica feita ao marketing atualmente: sua capacidade<br />
de transformar tudo em produto, não importando se o que se deseja<br />
fazer chegar ao consumidor sejam pessoas, organizações, valores,<br />
causas ou idéias. Prova disso são os conceitos e os depoimentos dados<br />
por especialistas na área política, por exemplo.<br />
Segundo Torquato do Rego (1985, p. 74), marketing é um<br />
conjunto de atividades planejadas para trabalhar o candidato enquanto<br />
produto. Entre elas destacam-se a pesquisa de mercado eleitoral, o<br />
planejamento do conceito do candidato, a determinação de estratégias, o<br />
planejamento de mídia, o esquema promocional e a organização geral da<br />
campanha.<br />
Num artigo sobre marketing político, Marcos Cobra, ao comentar a<br />
eficácia do marketing em satisfazer necessidades latentes que objetivem a<br />
uma comprovada melhoria na qualidade de vida do consumidor, afirma que<br />
“o candidato passa agora a ser encarado como um produto e a ele se torna<br />
aplicável o conceito dos ‘Quatro Ases do Marketing’ do professor Raimar<br />
Rícher: análise, adaptação, ativação e avaliação” (COBRA, 1985, p. 40).<br />
A adoção das técnicas de marketing por outros segmentos, que<br />
não os comerciais dentro da nossa sociedade, ainda é uma realidade<br />
nos dias atuais.<br />
Segundo Kotler (1978, p. 13),<br />
em anos recentes, o marketing tornou-se um assunto de interesse crescente<br />
para os gerentes das organizações que não visam ao lucro, tanto públicas como<br />
privadas. Os conceitos, instrumentos e modelos que têm funcionado tão<br />
eficazmente para controlar os produtos e serviços no setor que visa ao lucro,<br />
estão se tornando cada vez mais relevantes à administração dos produtos e<br />
serviços do setor que não visa ao lucro. As organizações que não visam ao lucro<br />
defrontam-se com uma infinidade de problemas que seriam analisados como<br />
simples problemas de marketing, se estivessem no setor que visa ao lucro.<br />
A utilização dessas técnicas para vender organizações, pessoas,<br />
valores, causas, idéias e até cultura, acentua mais ainda o marketing<br />
como força de dominação, pois o poder da técnica acaba resultando<br />
no domínio dos economicamente mais fortes sobre a sociedade como<br />
um todo. Daí, o seu caráter ideológico.<br />
De qualquer maneira, o marketing tem o seu papel de destaque<br />
na sociedade brasileira atual. Como toda tecnologia, é democrática<br />
enquanto conhecimento num sistema de livre iniciativa, onde todos<br />
que quiserem e tiverem condições podem fazer uso dela, porém<br />
questionável enquanto finalidade social e benefícios que proporcionam<br />
aos indivíduos, principalmente num país com tantas diferenças sociais<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
e econômicas como o nosso. Ainda como toda tecnologia, o marketing<br />
traduz a ideologia de quem dele se utiliza, ficando claro, nesse caso, o<br />
seu papel como reprodutor do sistema capitalista.<br />
Apesar de polêmico, considerado por muitos como o salvador<br />
da sociedade e no pensamento de outros como o corruptor da sociedade,<br />
o marketing vem ampliando cada vez mais seu raio de ação e aplicação<br />
e, assim, uma coisa não se pode negar: como método organizacional e<br />
estratégico funciona. E com muita eficácia.<br />
REFERÊNCIAS<br />
Marketing: tecnologia democrática ou de elite?<br />
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. A embalagem do sistema.<br />
a publicidade no capitalismo brasileiro. São Paulo: Livraria Duas<br />
Cidades, 1985.<br />
BARAM, P. A.; SWEEZY, P.M. Capitalismo monopolista. Rio de<br />
Janeiro: Zahar, 1966.<br />
FARMER, Richard N. Would you want your daughter to marry a<br />
marketing man?, Journal of Marketing, jan. 1965, p.43.<br />
COBRA, Marcos. O produto candidato político. Revista Marketing,<br />
1985, n. 146, p. 40<br />
FIGUEIREDO, Ney Lima. Direito ao poder: estratégias de marketing<br />
político. Campinas: Cartgraf, 1986.<br />
HAYDEN, Sterling. Wanderer. New York: Alfred A. Knopf, 1963.<br />
KOTLER, Philip. Marketing. São Paulo: Atlas, 1980.<br />
KOTLER, Philip. Marketing para organizações que não visam lucro.<br />
São Paulo: Atlas, 1978.<br />
LAGNEAU, Gérard. A sociologia da publicidade. São Paulo: Editora<br />
da Universidade de São Paulo, 1981.<br />
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo:<br />
Martins Fontes, 1977.<br />
REGO, Francisco Gaudêncio Torquato do. Marketing político e<br />
governamental. São Paulo: Summus, 1985.<br />
ROCHA, Everaldo P. Guimarães. Magia e capitalismo. São Paulo:<br />
Brasiliense, 1985.<br />
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Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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ENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ETNOECOLOGIA:<br />
REFLEXÕES PARA IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO<br />
AMBIENTAL<br />
Ana Paula de Matos¹ e Renata Lopes Corrêa²<br />
RESUMO<br />
Trata-se de um estudo referente às questões ambientais, abordadas<br />
em um contexto holístico acerca da Educação Ambiental. Busca alertar<br />
a respeito das conseqüências danosas acumuladas ao longo do<br />
processo evolutivo do homem, considerado progresso em relação ao<br />
ambiente natural. Diante de tal insustentabilidade do modelo de<br />
desenvolvimento vigente, propõe uma análise a respeito da discussão<br />
atual sobre sustentabilidade, onde visa uma reflexão sobre a mudança<br />
de paradigma de Desenvolvimento Sustentável para Envolvimento<br />
Sustentável, considerando que desenvolver é a antítese de envolver.<br />
Desta forma, pretende propor um resgate dos saberes ecológicos<br />
tradicionais, utilizados pelas comunidades tradicionais durante sua<br />
apropriação dos recursos naturais, objetivando formar subsídios para<br />
o desenvolvimento de práticas eficientes para a Educação Ambiental.<br />
Palavras-chave: envolvimento sustentável, etnoecologia, comunidades<br />
tradicionais, educação ambiental.<br />
ABSTRACT<br />
It’s a study about environmental questions, introduced in a holistic<br />
context concerning Environmental Education. It searches to alert about<br />
damaging consequences accumulated over men developing process,<br />
considered as progress, in relation to natural environment. In face of<br />
such devastation caused by the current development model, proposes<br />
an analysis about the current discussion about preservation, where<br />
searches a reflection about the paradigm change from sustainable<br />
development to sustainable engagement, considering developing as an<br />
antithesis of to engage. In this way, this study intents to propose a rescue<br />
of traditional ecological knowledge, used by traditional communities during<br />
their appropriation of natural resources, purposing to form subsidy to<br />
the development of efficient experiences to the Environment Education.<br />
Key Words: sustainable engagement, ethnic ecology, traditional<br />
communities, environmental education.<br />
¹ Ana Paula de Matos é especialista em Docência Superior, professora da FASB,<br />
Coordenadora Técnica do Núcleo de Educação Ambiental e Difusão de Práticas<br />
Sustentáveis – NEAM.<br />
² Renata Lopes Corrêa é especialista em Docência Superior.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Ana Paula de Matos e Renata Lopes Corrêa<br />
APRESENTAÇÃO<br />
Historicamente, o homem vem interagindo com o meio ambiente<br />
(terra, atmosfera, água...) e seres vivos (animais, vegetais e<br />
semelhantes), estabelecendo, assim, complexas relações nem sempre<br />
mútuas ou simultâneas. No entanto, atualmente, esquecemo-nos de<br />
avaliar de forma complexa estas inter-relações, o que nos levou a<br />
simplificar o mundo para melhor entendê-lo, resultando na<br />
fragmentação do conhecimento, o qual tem sido utilizado como<br />
fundamento na gestão das relações com o planeta, o que explica o<br />
caráter imediatista e centralizado na forma de planejamento e<br />
implementação das atividades humanas.<br />
Como reflexo disto, atualmente, os recursos do planeta, após<br />
intensiva exploração e ocupação pelo homem, chegam aos seus limites,<br />
a ponto de esgotarem-se. Assim, é de suma importância que<br />
reavaliemos nossos parâmetros e indicadores de desenvolvimento/<br />
progresso.<br />
Desta forma, acreditamos que, através de um resgate dos<br />
valores e práticas tradicionais, presentes em nossa cultura, seja<br />
possível identificar novos parâmetros, os quais devem conciliar<br />
crescimento econômico com preservação e conservação ambiental. Para<br />
tanto, faz-se necessária uma mudança de postura da sociedade, a<br />
qual deve passar pela incorporação de uma consciência individual e<br />
coletiva na utilização racional das potencialidades ambientais, de forma<br />
que estas não sejam exterminadas.<br />
Entendemos, portanto, que a construção dessa consciência<br />
ecológica e mudança de conduta, apresentam-se na atualidade como<br />
um grande desafio e requisito primordial no alcance da<br />
sustentabilidade, a qual é a única maneira de manter e continuar o<br />
processo de civilização da humanidade.<br />
Diante deste contexto e frente à visível insustentabilidade do<br />
modelo econômico atual de desenvolvimento/progresso, pretendemos<br />
reiterar a necessidade de uma profunda reflexão, buscando nos<br />
desfazermos de nossa visão antropocêntrica, para que possamos<br />
redescobrir, ao invés de criar um modelo inédito baseado na realocação<br />
dos recursos, partindo do resgate do saber etnologico que respeite os<br />
limites impostos pela natureza e que incorporem percepções da<br />
realidade, que envolvam não apenas o homem, mas a natureza, a<br />
sociedade e o mundo sobrenatural, em uma proposta de envolvimento<br />
sustentável, criando assim bases/informações à prática de uma<br />
educação ambiental orientada para as mudanças de comportamento<br />
e, principalmente, de sensibilidade.<br />
SUSTENTABILIDADE, ETONOECOLOGIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
O princípio criado para desenvolvimento sustentável funda-se<br />
numa política ambiental que não bloqueia o desenvolvimento<br />
econômico, porém com uma gestão racional dos recursos naturais.<br />
A exploração econômica do meio ambiente deve se dar dentro<br />
dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas, entendida<br />
esta como aquela que resguarde a renovação dos recursos renováveis<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
20<br />
Envolvimento Sustentável e Etnoecologia: reflexões para implementação da educação ambiental<br />
e a exploração não predatória dos recursos não renováveis, de forma<br />
que possam servir às gerações futuras, envolvendo então, um modo<br />
de vida dentro dos limites do possível, devendo ser interpretado em<br />
termos de desaceleração do ritmo de utilização de matéria e energia.<br />
O DS então é visto como o novo modelo a ser buscado,<br />
apresentando como plano de ação para alcançar a sustentabilidade a<br />
Agenda 21. Esta, acertadamente, discorre não apenas sobre a<br />
problemática ambiental e suas soluções, mas também sobre a<br />
interdependência entre essas e as questões sociais, como: pobreza,<br />
saúde e educação.<br />
No entanto, o conceito de DS vive hoje um paradoxo. Absorvido<br />
na atualidade pelo discurso oficial, incorporado à retórica e programas<br />
governamentais e institucionais, na prática tem apresentado resultados<br />
acanhados diante do necessário: “Muitas tentativas de tradução do<br />
conceito de DS em ações práticas coerentes têm sido marcadas por<br />
uma história de fracassos” (VIANA, 1999, p. 21).<br />
O mesmo autor nos coloca que a problemática se enseja na<br />
distância entre o discurso e a prática, ou seja, entre os tomadores de<br />
decisão e a realidade, uma vez que o processo convencional de tomada<br />
de decisões normalmente não envolve as populações tradicionais de<br />
forma efetiva. A conseqüência disto é que as decisões são tomadas<br />
com base em informações e interpretações equivocadas, pois são<br />
raríssimos os técnicos e autoridades que conhecem a realidade<br />
socioeconômica e cultural das populações envolvidas. Desta forma,<br />
estes atores-chave não são incorporados e respeitados nos processos<br />
de tomada de decisões, as quais devem ser coerentes com a realidade<br />
destes e com o ideário da sustentabilidade.<br />
Normalmente, a participação destes tem um caráter cosmético<br />
ou utilitarista. No primeiro caso, são feitas reuniões mal organizadas,<br />
apenas para legitimar decisões tomadas à distância, para garantir<br />
uma roupagem mínima exigida por investidores internacionais e<br />
governos. No segundo caso, a participação é eficiente na coleta do<br />
conhecimento destes para a elaboração de projetos. Mas, na verdade,<br />
raramente as populações são envolvidas de forma a compartilhar as<br />
decisões em todas as etapas de um projeto de intervenção: concepção,<br />
implementação e avaliação.<br />
Neste sentido, faz-se necessária a adoção de métodos que criem<br />
condições para uma participação efetiva, e que obedeçam a um código<br />
ético básico, possibilitando assim uma transferência de poder e<br />
conhecimentos, resultando no envolvimento das populações<br />
tradicionais.<br />
Neste estudo, adotamos a definição de Mendes (1994) sobre<br />
envolvimento, o qual nos diz que, o termo se refere às articulações do<br />
ser humano com o ambiente que o cerca, considerando não apenas o<br />
natural, mas todas as inter-relações de existência, e concordando com<br />
Viana (1999) que nos relata que, envolver é a antítese de desenvolver,<br />
o que significa para as populações tradicionais a perda do envolvimento<br />
econômico, cultural e ecológico com o Meio Ambiente.<br />
Acreditamos, ainda, que junto com o envolvimento, perde-se a<br />
dignidade, o saber e o conhecimento tradicionais de manejo, que, ao<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Ana Paula de Matos e Renata Lopes Corrêa<br />
contrário do que se pensa, podem conservar os ecossistemas naturais<br />
de forma mais efetiva do que os sistemas tecnológicos convencionais.<br />
Diante do exposto, Viana (1999) nos propõe ainda uma<br />
segunda reflexão, a qual nos remete a pensar se não seria coerente<br />
mudar o nosso paradigma de “Desenvolvimento Sustentável” para<br />
“Envolvimento Sustentável”. Este novo paradigma deve ser entendido<br />
como o conjunto de políticas e ações direcionadas para fortalecer o<br />
envolvimento das sociedades com os ecossistemas locais. Para tanto,<br />
é necessário resgatar os laços sociais, econômicos, espirituais,<br />
ecológicos e culturais; sendo este último no sentido de um resgate<br />
etnoecológico para a apropriação da compreensão e conhecimento<br />
dos grupos tradicionais nos seus modos de relacionar-se com a<br />
natureza, alternativos àqueles fundados na lógica da sociedade<br />
dominante, para o alcance da sustentabilidade em todas as suas<br />
dimensões.<br />
Neste sentido, cabe aqui elucidar o termo Etnoecologia, que<br />
poderia ser concebido como o estudo científico do conhecimento ecológico<br />
tradicional, visando avaliar [sic], a partir de fundamentos ecológicos, as<br />
atitudes intelectuais e práticas que um determinado grupo populacional<br />
executa durante sua apropriação dos recursos naturais (MARQUES, 1995;<br />
TOLEDO, 1992 apud NORDI, 1997, p. 133).<br />
Entendemos, então, que pesquisas etnoecológicas devem ser<br />
realizadas objetivando gerar subsídios para a identificação de modelos<br />
produtivos que possam ser utilizados para a implantação da<br />
sustentabilidade, uma vez que identificam os conhecimentos<br />
acumulados e memorizados pelas comunidades tradicionais, sendo<br />
estes não escritos, decorrentes de experiências que se refletem na<br />
consciência e na prática que os indivíduos têm em relação ao<br />
ambiente. Neste contexto, a etnoecologia vem validar a interação<br />
desses conhecimentos, os quais não degradam, ao longo do tempo,<br />
os recursos que utilizam, concretizando, desta forma, modelos de<br />
reprodução destas práticas, preocupados com a manutenção da<br />
diversidade biológica e cultural.<br />
Acreditamos que, com este novo paradigma de<br />
sustentabilidade, envolvimento sustentável, possamos buscar reverter<br />
o distanciamento do homem em relação ao meio ambiente. Cremos<br />
que, uma vez a sociedade envolvida com os ecossistemas locais,<br />
possam ser fortalecidos os vínculos econômicos, sociais, espirituais,<br />
culturais e ecológicos. Entendemos, então, que, a partir deste<br />
processo, poder-se-á criar bases para a implementação de uma<br />
educação ambiental consciente e eficiente, atingindo níveis maiores<br />
de sensibilidade. Desta forma, criaremos condições favoráveis para a<br />
mudança de atitudes, valores e práticas, ou seja, de comportamento.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
22<br />
Envolvimento Sustentável e Etnoecologia: reflexões para implementação da educação ambiental<br />
REFERÊNCIAS<br />
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de outubro de 1988 com as alterações adotadas pelas Emendas<br />
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n° 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições<br />
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BRASIL. Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação<br />
ambiental, institui a Política Nacional de Educação ambiental e dá<br />
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Brasil, Brasília, 28 abr. 1999.<br />
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Brasília: Ed. IBAMA.<br />
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análise de suas dimensões histórica, ética e vivencial. In: CAVALCANTI,<br />
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MENDES, A. D. Envolvimento e desenvolvimento: introdução à simpatia<br />
de todas as coisas. In: CAVALCANTI, C. (Org.). Desenvolvimento e<br />
natureza: estudos para uma sociedade sustentável. 3. ed. São Paulo:<br />
Cortez, 2001. cap. 4, p. 54–76.<br />
NORDI, N. Etnoecologia e desenvolvimento sustentável. In: FÓRUM<br />
DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 4.; ENCONTRO DA REDE BRASILEIRA<br />
DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 1. 1997, Rio de Janeiro. Cadernos. Rio<br />
de Janeiro: INESC, 1997. p. 133 –136.<br />
UNION OF CONCERNED SCIENTISTS. Alerta dos cientistas do mundo<br />
a sociedade. Washington, DC, Washington, 18 de novembro de 1992.<br />
In: DIAS, G. F. Educação ambiental: princípios e práticas. 7. ed. São<br />
Paulo: Gaia, 2001.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
O II PLANO NACIONAL DE<br />
DESENVOLVIMENTO (1974-1979)<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Antônio Genilton Sant’Anna ¹<br />
O II PND, plano estratégico de desenvolvimento econômico, instituído<br />
para o período 1974-1979, teve como diretrizes fundamentais o<br />
desenvolvimento dos setores de bens de capital e de insumos básicos,<br />
bem como fortalecer a empresa privada nacional. Este trabalho<br />
pretende analisar o II Plano Nacional de Desenvolvimento, buscando<br />
constatar se o mesmo representou uma mudança significativa nos<br />
rumos até então tomados pela economia brasileira ou se se trata apenas<br />
de uma continuação do modelo que vigorava no País em decorrência<br />
dos planos anteriores.<br />
Palavras-chave: II PND, plano estratégico, diretrizes, desenvolvimento,<br />
modelo.<br />
ABSTRACT<br />
The II PND, strategical plan of economic development, instituted for<br />
the period 1974-1979, had as basic lines of direction the development<br />
of the sectors of basic raw materials and industrial goods as well as<br />
strengthen the national private company. This work intends to analyze<br />
the II National Plan of Development, searching to evidence the same if<br />
it represented a significant change in the routes until then taken by<br />
the Brazilian economy or if it deals with only a continuation of the<br />
model that invigorated in the Country in result of the previous plans.<br />
Keys Words: II PND, strategical plan, lines of direction, development,<br />
model.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Consolidada no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND),<br />
provavelmente o maior programa de intervenção estatal já ocorrido<br />
em nosso país, a estratégia de desenvolvimento econômico, adotada<br />
em 1974 pelo governo Geisel, propunha um novo direcionamento ao<br />
processo de desenvolvimento da economia brasileira. As diretrizes<br />
básicas do plano visavam ao ajuste da estrutura industrial do país<br />
focando o desenvolvimento dos setores de bens de capital e insumos<br />
básicos e o fortalecimento da empresa privada nacional.<br />
Tal como planejado, o II PND transformou de forma significativa<br />
¹ Antônio Genilton Sant’Anna é especialista em Docência Superior e Gestão<br />
Empresarial e professor da FASB.<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB 23
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
24<br />
Antônio Genilton Sant’Anna<br />
nosso parque industrial, implantando pólos de insumos básicos e de<br />
bens de capital. Foi um plano de desenvolvimento extremamente<br />
ambicioso e de grande audácia, que contrariou as expectativas de<br />
muitos economistas, enfrentando o primeiro choque de petróleo e as<br />
adversidades da crise internacional, ao invés de submeter-se à cartilha<br />
ortodoxa recomendada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). Por<br />
ter sido implementado por um regime autoritário, dito de direita, há<br />
certo desconforto por parte da intelectualidade, dita de esquerda, que<br />
em grande parte ocupou o meio acadêmico, após o fim desse regime,<br />
em se analisar este período e a maneira de pensar daqueles que<br />
conduziram a economia brasileira nessa época. Este ranço ideológico,<br />
em grande medida, prejudica o perfeito e isento entendimento dos<br />
fatos, distorcendo e ignorando importantes acontecimentos cujos<br />
resultados, em grande medida, colhemos atualmente:<br />
Num momento extremamente delicado da conjuntura econômica nacional e<br />
internacional, o II PND daria um passo decisivo em direção ao fortalecimento<br />
do parque industrial brasileiro, tornando-o mais autônomo e dotado de uma<br />
sólida indústria de insumos básicos e de bens de capital. Sem desprezar os<br />
interesses estrangeiros no país, reforçou a produção local e fortaleceu a posição<br />
dos empresários brasileiros, dando-lhes um lugar ao sol no setor de bens de<br />
capital. O II PND não aniquilou a poderosa indústria de eletroeletrônicos,<br />
automóveis e demais bens duráveis, que tivera seus anos dourados nos<br />
Governos Costa e Silva e Médici, mas apenas deslocou o pólo dinâmico da<br />
acumulação de capital no Brasil, por um certo período, para o setor de bens<br />
de produção, viabilizando, inclusive, a expansão futura daquele segmento<br />
(MANTEGA, 1997, p. 5).<br />
A POLÍTICA MACROECONÔMICA<br />
Após cinco anos de crescimento expressivo, em março de 1974<br />
o cenário econômico sinalizava que a era do “milagre econômico” estava<br />
chegando ao fim. A inflação, que até então se mantivera sob controle,<br />
voltava a subir. O choque do petróleo de 1973 redundara em um<br />
aumento generalizado dos preços internacionais. As matérias-primas,<br />
os bens intermediários e os bens de capital, que abasteciam o “motor”<br />
que impulsionava o “milagre econômico” brasileiro, eram, em grande<br />
parte, importadas. Em 1974 o balanço de pagamentos apresentaria<br />
um rombo comercial de US$ 4,69 bilhões e um déficit em conta corrente<br />
de US$ 7,12 bilhões.<br />
Foi diante desse quadro que o novo governo teve que definir<br />
sua estratégia econômica. O modelo anterior, calcado no<br />
desenvolvimento do setor de bens de consumo duráveis, já não se<br />
mostrava capaz de capitanear o processo. Anteriormente ao choque<br />
do petróleo de 1973, os números das contas externas brasileiras<br />
mantinham-se relativamente equilibradas. Isso ocorria, em parte,<br />
devido à grande liquidez do mercado financeiro internacional. Havia<br />
grande oferta de dinheiro, resultando em taxas de juros reduzidas.<br />
Foi neste contexto que o então ministro Delfim Netto estimulou a<br />
contração de pesados empréstimos para “turbinar” nosso crescimento,<br />
acelerando o processo de endividamento da economia brasileira. Vale<br />
ressaltar que essa captação de poupança externa não ocorreu devido<br />
à escassez de poupança interna. A reforma financeira implementada<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
O II plano nacional de desenvolvimento (1974-1979)<br />
por Roberto Campos e Otávio Gouvêa de Bulhões e complementada<br />
pelo próprio Delfim Netto criou as ORTNs – Obrigações Reajustáveis<br />
do Tesouro Nacional, importante instrumento de correção das dívidas<br />
pelos índices de inflação, além dos juros. Isso possibilitou disponibilizar<br />
ao setor produtivo uma gama de recursos para investimentos oriundos<br />
do Sistema Financeiro da Habitação, dos bancos comerciais e dos<br />
bancos de investimento. Havia, porém, uma grande quantidade de<br />
empresas multinacionais estrangeiras instaladas no país. Estas<br />
preferiam utilizar empréstimos externos para viabilizar seus<br />
investimentos. Muitas empresas nacionais também preferiam se<br />
aproveitar das facilidades advindas da Resolução 63 e da Lei nº 4.131,<br />
que o governo havia concebido para dar acesso aos empréstimos<br />
externos. Esses dispositivos permitiam às instituições financeiras<br />
localizadas no Brasil captar recursos no exterior e repassá-los para as<br />
empresas brasileiras. Há um certo consenso de que foram essas<br />
facilidades que levaram a um endividamento externo excessivo e de<br />
certa forma desnecessário, e que nos tornou excessivamente<br />
vulneráveis aos humores das taxas de juros externas. As conseqüências<br />
se fizeram sentir na crise dos anos 80. Essa facilidade de endividamento<br />
externo elevou a dívida externa brasileira de US$ 3,8 bilhões, durante<br />
quase toda a década de 60, para US$ 12,6 bilhões no final de 1973.<br />
Parcela significativa desse valor acumulou-se nas reservas<br />
internacionais, que alcançou o patamar de US$ 6,1 bilhões no final de<br />
1973, uma vez que a balança comercial mantinha-se equilibrada,<br />
havendo até mesmo superávits na balança comercial, ficando os déficits<br />
circunscritos às transações correntes. Com o expressivo aumento dos<br />
preços do petróleo (cerca de quatro vezes) e o conseqüente aumento<br />
dos preços dos bens de produção, dos quais éramos excessivamente<br />
dependentes, a importação de bens de produção passou a constituirse<br />
na principal dificuldade ao nosso crescimento.<br />
Privilegiado pela política econômica anterior, o complexo<br />
industrial de bens duráveis de consumo, após um crescimento<br />
espetacular por quase 6 anos seguidos, dava sinais de saturação. O<br />
esgotamento da capacidade ociosa e, principalmente, o aumento das<br />
matérias-primas importadas e do petróleo, encareciam<br />
significativamente esses produtos e impactavam sobremaneira a<br />
indústria automobilística. E fora esta justamente a indústria que<br />
capitaneara o processo até então, crescendo à taxa de 25% ao ano<br />
durante esse período.<br />
As residências da classe média brasileira já dispunham de bens<br />
duráveis, como geladeiras, fogões, batedeiras e outros eletrodomésticos,<br />
além de automóvel. Muitas famílias já ostentavam um segundo veículo<br />
na garagem. Até mesmo nas classes sociais de baixa renda notava-se<br />
o consumo de televisores e outros bens duráveis.<br />
Eram evidentes, porém, os sinais de esgotamento do padrão de<br />
acumulação de bens duráveis. No final de 1973 as fábricas não<br />
conseguiam atender as encomendas. Disputavam matérias-primas e<br />
componentes, provocando uma elevação dos preços.<br />
O novo governo que assumia em 1974 tinha que optar entre<br />
fazer um ajuste conservador, nos moldes do FMI, e conseqüentemente<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
26<br />
Antônio Genilton Sant’Anna<br />
promover uma recessão geral, ou buscar outra alternativa de ajuste<br />
que viabilizasse a continuação do crescimento. Foi esta segunda opção<br />
a adotada e que resultou no II PND. A pauta de importações indicava<br />
uma forte dependência de bens de produção do país. Portanto, depois<br />
de um longo período de substituição de importações de bens de<br />
consumo duráveis e não duráveis, chegara a hora de cuidar de<br />
substituir as importações de insumos básicos e de bens de capital.<br />
Assim, esse segmento deveria passar a crescer a taxas maiores do<br />
que o setor de bens duráveis e a capitanear o crescimento da economia<br />
como um todo. O II PND pretendia implantar um conjunto ambicioso<br />
de projetos de bens de capital e insumos básicos, com taxas de<br />
crescimento do produto inferiores àquelas obtidas pelo I PND. Era<br />
necessário fazer uma pequena desaceleração da economia, bem como<br />
direcionar recursos para os setores contemplados pela nova política.<br />
1974 encerrou-se com um PIB de 9,7%, em contraste aos 13,6% de<br />
1973. Em 1975 a taxa de crescimento do PIB caiu para 5,4%,<br />
resultado de uma desaceleração implementada em função da inflação<br />
que subira para 34,5% em 1974 e voltava a preocupar, mas não a<br />
ponto de levar à renúncia da opção pelo crescimento. Tão logo ela<br />
baixou, para 29% no ano seguinte, a equipe econômica retoma os<br />
investimentos, resultando em um PIB de 9,7% em 1976.<br />
Com um déficit comercial acumulado de mais de US$ 10<br />
bilhões de 1974 a 1976 e um déficit em conta corrente de quase US$<br />
20 bilhões nesse mesmo período, decide-se por nova desaceleração,<br />
resultando em um crescimento de 5,7% em 1977 e de 5,0% em 1978,<br />
mantendo, porém, os programas de Insumos Básicos, Bens de Capital<br />
e Energia.<br />
Com o II PND, a participação da produção de bens de capital<br />
na in-dústria de transformação subiu de 11,3% em 1970 para 15,4%<br />
em 1975, permanecendo nesse patamar até 1980. Por sua vez, a<br />
participação da indústria de bens de consumo duráveis no produto,<br />
que vinha crescendo exponencialmente desde o início dos anos 50,<br />
pas-sando de 2,5% em 1949 para 5,1% em 1959, e 11,3% em 1970,<br />
atinge a marca dos 13,3% em 1975 e estabiliza-se nesse patamar,<br />
ficando em 13,5% em 1980. Apesar de ter parado de crescer a taxas<br />
de 23% como havia ocorrido entre 1968 a 1974, conservou sua<br />
importância relativa, obtida nos últimos 30 anos. Entre 1975 e 1980,<br />
a taxa média de crescimento anual desse setor foi de 8,7%. Apesar<br />
de ser bem menor do que antes, essa taxa é expressiva em qualquer<br />
lugar a qualquer tempo. Na verdade, o segmento da indústria de<br />
transformação que vinha perdendo terreno, seja para bens de capital<br />
e intermediários, seja para os bens de consumo duráveis, era o setor<br />
de bens de consumo não-duráveis, cuja participação regride de 72,8%<br />
em 1949 para 34,4% em 1980. Conclui-se, portanto, que não houve<br />
mudança na estrutura da economia brasileira a partir da expansão<br />
do setor de bens de capital, mudando apenas a ênfase de um segmento<br />
para outro, ainda incipiente, do parque produtivo brasileiro, até ele<br />
preencher uma lacuna na estrutura produtiva, que se refletia na<br />
balança comercial.<br />
Entretanto, se o II PND não modificou a estrutura econômica<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
O II plano nacional de desenvolvimento (1974-1979)<br />
no Brasil, esse plano alterou substancialmente as relações do país<br />
com o exterior. Foi criada uma estrutura industrial complementar,<br />
reduzindo a dependência em relação ao exterior, reduzindo as<br />
importações de equipamentos e de numerosos insumos básicos.<br />
Conseguimos também assimilar um segmento importante da tecnologia<br />
industrial, decorrendo daí, certa autonomia no segmento de tecnologia<br />
de médio porte e as conseqüentes adaptações às especificidades<br />
brasileiras. O II PND conseguiu também alterar a correlação de forças<br />
entre o capital estrangeiro e o nacional, privilegiando,<br />
substancialmente, o capital nacional.<br />
É comum encontrarmos críticos atrozes, que consideram o II<br />
PND um programa econômico megalomaníaco, autoritário, que teria<br />
subestimado o impacto da crise mundial dos anos 70, principalmente<br />
no que concerne ao primeiro choque do petróleo de 1973. Fato evidente,<br />
porém explicável. Era muito difícil , em 1974, prever com precisão a<br />
amplitude da crise internacional em gestação naquele momento.<br />
Muitos daqueles, que de alguma maneira tiveram um entendimento<br />
diferenciado, buscando soluções através de ajustes recessivos, só<br />
fizeram por enfraquecer suas economias. Exemplos disso são Argentina<br />
e Chile.<br />
CRISE FINANCEIRA E DÍVIDA EXTERNA<br />
A partir de 1974, o crescente déficit de transações correntes<br />
foi sendo coberto pelo ingresso de capitais externos, resultando em<br />
um crescimento exponencial da dívida externa, conforme nos mostra<br />
o quadro abaixo:<br />
Ano Déficit*<br />
1973 US$ 1,7<br />
1974 US$ 7,1<br />
1975 US$ 6,7<br />
1976 US$ 6,0<br />
1977 US$ 4,0<br />
1978 US$ 7,0<br />
* em bilhões<br />
Os recursos externos entravam na mesma velocidade e o ano<br />
de 1978, o último do Governo Geisel, fechou com reservas de US$<br />
11,9 bilhões, maior, portanto que os US$ 6,4 bilhões recebidos em<br />
1973. A dívida externa, porém, subira de US$ 12,6 bilhões em 1973<br />
para US$ 43,5 bilhões em 1978. Como porcentagem do PIB, subira de<br />
7,9% em 1973 para 15,2% em 1978. Apesar de aumentar a<br />
vulnerabilidade financeira do país, era difícil não pegar esses recursos<br />
internacionais, oferecidos a um custo relativamente baixo. A taxa de<br />
juros nominal média dos empréstimos ao Brasil esteve em torno de<br />
10% ao ano. E o spread havia subido de 1% antes de 1973, para 2%<br />
entre 1974 e 77. O grande problema residia no tipo de dívida, contraída<br />
com taxas de juros flutuantes e com prazo médio de 5 anos, curto<br />
diante dos até então praticados há 10 anos. Essa situação iria resultar<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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28<br />
Antônio Genilton Sant’Anna<br />
em componente primordial da crise dos anos 80, com o segundo<br />
choque do petróleo e o choque dos juros de 1979.<br />
Determinar quem foi o maior responsável pelo crescimento<br />
da dívida externa brasileira nessa época, se foi o financiamento dos<br />
projetos do II PND ou se foi a deterioração dos termos e da qualidade<br />
da dívida e da conta petróleo, é tarefa muito difícil. Entretanto, mesmo<br />
na hipótese pouco provável de que o II PND tivesse sido responsável<br />
por todo o aumento da dívida externa líquida, de US$ 25,4 bilhões<br />
entre 1973 e 1978, esse montante foi amplamente compensado pelo<br />
aumento nas exportações verificado no início dos anos 80, quando<br />
os projetos implantados pelo II PND começaram a gerar frutos.<br />
Somente nos anos de 1983 e 1984, a balança comercial acumulou<br />
um superávit de US$ 19,5 bilhões, resultado da substituição de<br />
importações de bens de produção e do aumento das exportações de<br />
insumos básicos. Portanto, o II PND quitou suas dívidas com o<br />
resultado de sua política. Podemos concluir, portanto, que os<br />
empréstimos contraídos para viabilizar o II PND não foram os<br />
principais responsáveis pelo tamanho da dívida externa brasileira<br />
dos anos 80.<br />
CONCLUSÕES<br />
Por representar projetos com longo prazo de maturação, cujos<br />
efeitos não apareceriam de imediato, no final dos anos 70 era<br />
prematuro tirar conclusões sobre quais seriam as repercussões do II<br />
PND para a economia brasileira. Porém isso foi feito. Prematuras e<br />
carregadas de componentes ideológicos, as avaliações feitas nessa<br />
época levaram a diagnósticos pessimistas, que foram reforçados pelo<br />
cenário de crise que se instaurou no final dessa década. Foi isso que<br />
levou vários autores respeitáveis a concluir que o II PND acabou em<br />
1976, quando do agravamento das condições econômicas nacionais<br />
e internacionais. Apesar de, nesse ano, o governo ter promovido um<br />
ajuste no plano, no sentido de reduzir o ritmo de crescimento<br />
aplacando as tendências inflacionárias, sacrificou apenas o<br />
secundário preservando o essencial. Reviu metas de projetos<br />
prioritários, no entanto não estabeleceu mudanças de rumo. O II<br />
PND certamente não agravou a dívida externa como visto<br />
anteriormente e reduziu a vulnerabilidade externa do país, por meio<br />
da substituição de importações e aumento das exportações, conforme<br />
análise de Antônio Barros de Castro, no início dos anos 80.<br />
Se tivéssemos optado por um ajuste ortodoxo, nos moldes do<br />
FMI, certamente nossa dependência financeira teria se agravado.<br />
Teríamos amargado a recessão e o desemprego, a exemplo de Chile e<br />
Argentina, sem, no entanto nos livrarmos da crise da dívida dos anos<br />
80. Optar por uma ação anticíclica, na boa tradição keynesiana,<br />
parece ter sido, se não o melhor, um bom caminho.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
REFERÊNCIAS<br />
O II plano nacional de desenvolvimento (1974-1979)<br />
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economia brasileira em marcha forçada. RJ: Paz e Terra, 1985.<br />
FALCÃO, Armando. Geisel: do tenente ao presidente. RJ: Nova<br />
Fronteira, 1995.<br />
GALVEAS, Ernane. A saga da crise. RJ: Forense Universitária, 1985.<br />
GOLDENSTEIN, Lídia. Repensando a dependência. RJ: Paz e Terra,<br />
1994.<br />
GOMES, Severo Fagundes. Tempo de mudar. Porto Alegre: Global,<br />
1977.<br />
LESSA, Carlos. A estratégia do desenvolvimento 1974-76: sonho e<br />
Fracasso. RJ: Tese de Professor Titular da Universidade Federal do<br />
Rio de Janeiro, mimeo, 1978.<br />
MANTEGA, Guido. O governo Geisel, o II PND e os economistas.<br />
RELATÓRIO DE PESQUISA nº 3, 1997, SP: FGV, 1997.<br />
REICHSTUL, Henri Philippe; COUTINHO, Luciano G. “Investimento<br />
estatal 1974- 980: ciclo e crise” em Desenvolvimento Capitalista no<br />
Brasil n. 2. SP: Brasiliense, 1983.<br />
SIMONSEN, Mário Henrique. Inflação, gradualismo e tratamento<br />
de choque. RJ: APEC, 1970.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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A SINGULARIDADE DA SALA DE AULA<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Bernardina Leal¹<br />
O texto problematiza a sala de aula enquanto locus privilegiado de relações<br />
intersubjetivas. Esse espaço aglutinador de conhecimentos, sentimentos,<br />
atitudes e idéias é investigado em seus diferentes e conflitivos aspectos.<br />
O imediatismo do dia-a-dia escolar é contraposto à necessidade de<br />
redimensionamento do saber e fazer educativos. Os pressupostos que<br />
fundamentam o empreendimento educacional são escavados e<br />
oportunizam questionamentos a respeito da infância, adultez e<br />
procedimentos educacionais. A imagem do professor é investigada e a<br />
acepção originária da palavra professor é resgatada a fim de imprimirlhe<br />
novos sentidos. O problema da reciprocidade entre o ensinar e o<br />
aprender é aprofundado em sua complexidade. Apenas aparentemente<br />
simples, esta relação provoca desdobramentos ininterruptos e exige<br />
reflexão. A sala de aula é, deste modo, colocada em questão e faz emergir<br />
a imagem da oficina como alternativa metodológica capaz de resgatar o<br />
caráter vivencial do ato educativo. A experiência educacional deixa de<br />
ser percebida como uma intervenção e passa a ser vislumbrada como<br />
um consentimento ou mesmo uma rendição.<br />
Palavras-chaves: sala de aula, professor, oficina, ensinar, aprender.<br />
ABSTRACT<br />
“O que mata um jardim é esse olhar vazio de<br />
quem por ele passa indiferente”.<br />
This text questions the classroom as a privileged locus for intersubjective<br />
relationships. This mustering space of knowledge, feelings, attitudes and<br />
ideas is investigated on its different and conflictive aspects. The immediate<br />
schooling routine is opposed to the need of redimensioning theory and<br />
practice. The presupositions that support the educacional<br />
entrepreneurship are developed and enables questions related to<br />
childhood, adults and didatic procedures. The teacher image is<br />
investigated and the original meaning of the word “teacher” is reestablished<br />
and expanded. The problem of reciprocity between teaching and learning<br />
is deepened on its complexity. Only apparently simple, this relationship<br />
provokes continous results and requires reflexion. This way classroom is<br />
placed onto question and gives room for the image of a workshop as a<br />
methodogical alternative able to rebuilt the lively aspect of the act of<br />
teaching. The educacional experience turns out to be a consent or even a<br />
surrender and no more an intervention.<br />
Key Words: classroom, teacher, workshop, teaching, learning.<br />
Mário Quintana<br />
¹ Bernardina Leal é mestre em Educação pela UnB, professora da FASB e<br />
coordenadora dos cursos de pós-graduação do Núcleo de Pós-Graduação, Pesquisa e<br />
Extensão da FASB.
Bernardina Leal<br />
A despeito das dimensões físicas, das condições do mobiliário,<br />
da disposição das carteiras, da quantidade de pessoas, das instituições<br />
que a abrigam, a sala de aula continua a ser um espaço privilegiado<br />
de contato humano. É esse espaço aglutinador de conhecimentos,<br />
sentimentos, atitudes, idéias, palavras e gestos, que nos desafia. Dele<br />
emergem diferentes linguagens, possibilidades de contato entre<br />
pessoas. Estaremos atentos ao que possa acontecer? Seremos capazes<br />
de colocarmo-nos à espreita dos encontros que a sala de aula nos<br />
propiciará? Conteremos nosso impulso controlocador de antecipar e<br />
impossibilitar o novo?<br />
Diante do imediatismo do dia-a-dia escolar (realização de<br />
tarefas, organização de recursos, manutenção da rotina, exigências<br />
de aperfeiçoamento profissional, luta por melhores condições de<br />
trabalho), lembraremo-nos de detalhes que nos fazem gente? Estaremos<br />
sensíveis aos apelos que nos lançam? Conseguiremos percebê-los?<br />
Talvez seja preciso dispormo-nos a rever nossa prática escolar<br />
cotidiana. Redimensionar o saber e o fazer na comunidade estudantil.<br />
Investigar nossas relações inter-subjetivas. Reorganizar as formas do<br />
trabalho pedagógico. Investigar os pressupostos que fundamentam o<br />
empreendimento educativo. Questionar conceitos estabelecidos.<br />
Perguntarmo-nos sobre infância, adolescência e adultez. Afirmarmos<br />
menos. Duvidarmos mais. Elaborarmos novas perguntas.<br />
Trilhar os caminhos por onde leva a filosofia impõe-nos estes e<br />
outros tantos desafios. Trata-se de um processo de busca. Não há<br />
garantias de alcances. Caminhamos em direção ao que ainda há de<br />
desconhecido na sala de aula (aquilo do qual nossos saberes ainda<br />
não se apropriaram). Apostamos que algo novo possa emergir de cada<br />
encontro, de cada discussão, de cada pensar diferente do nosso, de<br />
cada novo questionamento, de cada reflexão. Enfim, de cada aula.<br />
Interessa-nos o espaço subjetivo da sala de aula. É ele o local do<br />
confronto entre a antecipação e o acontecimento. Dele pode emergir o<br />
novo.<br />
Somos gente. Não parece óbvio? Como terá isto se tornado tão<br />
óbvio a ponto de não mais o questionarmos? Por que as coisas têm<br />
parecido tão evidentes, banais, antecipáveis e até mesmo naturais?<br />
Precisamos voltar a estranhá-las. Tratarmos com menos intimidade e<br />
descaso o contexto educacional. Espantarmo-nos diante do que ocorre<br />
a cada dia nas escolas. Preocuparmo-nos com os espaços educativos<br />
transfigurados em salas de aula. Resistirmos à indiferença. É possível<br />
que voltemos a nos maravilhar. Quem sabe algo nos surpreenda. Talvez<br />
o novo queira se mostrar naquilo que pensamos já conhecer. Pode ser<br />
que nos-so olhar viciado não nos permita identificá-lo. Será preciso<br />
ocuparmo-nos desta outra obviedade: ver.<br />
Se ver não é algo assim tão simples, será necessário um<br />
cuidadoso exame das atividades a serem desenvolvidas no contexto<br />
educacional. Exatamente por não sabermos tudo o que delas poderá<br />
advir, precisamos estar atentos. Não se trata de antecipar o que<br />
ocorrerá, mas de tornarmo-nos sensíveis aos acontecimentos.<br />
Concentrarmo-nos no que fazemos. Dedicarmos nossa atenção uns<br />
aos outros. Compartilharmos a admiração pela vida. Talvez devamos<br />
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32<br />
A singularidade da sala de aula<br />
retomar a simplicidade das coisas profundas e nos determos em<br />
observar o que já existe e pode estar despercebido. Não será necessário<br />
fabricar situações que nos levem a pensar. Veremos as mesmas coisas<br />
de outro modo.<br />
Mais do que papéis desempenhados, nós, professores e alunos,<br />
revelamos em nossos fazeres educativos maneiras de ser e agir<br />
impossíveis de se ocultar. São nossas posturas que nos revelam, não<br />
os discursos dos quais nos apropriamos. Teremos que aprender a<br />
conjugar os verbos na forma reflexiva: vermo-nos, pensarmo-nos,<br />
questionarmo-nos, investigarmo-nos, duvidarmos de nossas próprias<br />
palavras. Nesta busca por nós mesmos, encontraremos muita gente.<br />
É desta gente que estamos a falar. Toda essa gente que habita os<br />
espaços educativos nos quais transitamos. Às vezes estamos tão<br />
apressados, tão indiferentes! Tudo nos parece tão igual! Não nos damos<br />
conta ... Detenhamo-nos um pouco diante da palavra professor.<br />
Pensemos mais cuidadosamente no que se passa entre professor e<br />
aluno.<br />
Professor é aquele que ensina, preconiza ou realiza algo. Ele<br />
instrui, leciona, faz conhecer. Em sua prática diária, em seu ofício, o<br />
professor ministra o ensino de conteúdos específicos de diferentes áreas<br />
do saber. Ele dá ensino ao aluno. O aluno é aquele que recebe instrução<br />
e/ou educação de algum professor ou mestre. É um estudante, um<br />
educando ou discípulo. É ainda “aquele que tem escassos<br />
conhecimentos em certa matéria, ciência ou arte; um aprendiz”, nos<br />
afirma o dicionário.<br />
Ainda que soltas, descontextualizadas, sem qualquer<br />
comentário ou justificativa que as circundem, as definições dos termos<br />
“professor” e “aluno”, expressas acima, revelam traços ainda<br />
determinantes das práticas de ensino realizadas nos espaços<br />
educativos. Se o professor é aquele que ensina e instrui, ao aluno só<br />
resta ser aquele que recebe instrução e aprende. Simples. Imediato.<br />
Óbvio. Ação e reação. Causa e efeito. Carência e suprimento. Fins e<br />
meios. Quantas outras tantas obviedades se concentrariam nesta<br />
relação?<br />
O problema é que entre ensinar e aprender não parece haver<br />
uma relação recíproca simples. Nem tudo o que se aprende é ensinado.<br />
Nem tudo o que se ensina é aprendido. Além de não dicotômica, esta<br />
relação é descompassada e, dificilmente, harmônica. Ela também<br />
carece de certas condições para ocorrer e, ainda assim, não garante<br />
que isto aconteça. Nem sempre o que aprendemos é porque alguém<br />
nos ensinou. Nem sempre o que ensinamos, alguém aprende. Exige<br />
tempo e cuidado, além de muita disposição. Extrapola a simples<br />
transmissão e recepção de conteúdos. Alcança o espaço das relações<br />
interpessoais. Neste espaço articulam-se contradições, travam-se<br />
conflitos, interpõem-se interesses. A complexidade do fenômeno<br />
educativo e a riqueza do contexto peculiar de cada fazer pedagógico<br />
contrariam radicalmente a aparente imediatez da relação ensinoaprendizagem<br />
na qual se inserem o professor e o aluno.<br />
Entre o professor e o aluno ocorre um processo dinâmico e<br />
mútuo de ensinar e aprender. Trata-se de um processo educativo e,<br />
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Bernardina Leal<br />
como tal, implica em mudanças, alterações. Um estado inicial é<br />
mudado, transformado em outro. Ações são exercidas entre pessoas<br />
que interagem. Situações problemáticas se formam. Pensar estas<br />
situações se faz imperativo.<br />
Todavia, pensar a relação professor-aluno no ambiente<br />
educacional não parece ser prioridade. Seja por não dispormos de<br />
tempo, seja porque o pensar esteja freqüentemente relacionada à idéia<br />
de poder e autoridade exclusiva a alguns, ou mesmo pela falta de<br />
espaço nos currículos escolares. O fato é que entre professor e aluno<br />
não nos parece se passar nada diferente daquilo que já sabemos. Pensar<br />
esta relação implicaria inquietá-la, perguntar sobre a situação de sua<br />
existência, colocá-la em questão.<br />
Despretensioso, humilde e, ao mesmo tempo, audaz, o professor<br />
não se limitaria a saber algo e depois transmiti-lo a seus alunos. Ele<br />
procuraria ter suas próprias experiências e, então, se empenharia em<br />
compartilhá-las. Não se preocuparia em repassar o que foi aprendido.<br />
Mostraria a maneira com a qual ele próprio abriu-se ao que foi<br />
aprendido. Transmitiria sua inquietude, sua relação com os textos,<br />
sua abertura.<br />
Ao aluno seria possibilitado o estudar. Talvez seja isto o que o<br />
estudante mais precise aprender: a estudar. As escolas não se envolvem<br />
com isto. Elas não têm tempo para o estudar, o pensar, o ler, o escutar,<br />
o silenciar ou o encontrar. As escolas estão ocupadas com habilidades,<br />
conteúdos, pensamentos, leituras, falas, silenciamentos, encontros.<br />
Ocupam-se de nomes que descrevem coisas já estabelecidas.<br />
Interessam-se pelo que já existe, não pelo que precisa ser inventado.<br />
Onde poderia o aluno encontrar um espaço para falar e ouvir<br />
palavras novas, se tudo o que lhe é transmitido já foi dito, ouvido e<br />
repetido? Como poderiam ocorrer-lhe idéias novas se tudo o que é<br />
consagrado como saber já foi pensado e explicado? Que novos saberes<br />
poderia buscar se já se sabe tudo nas instituições que o educam? Que<br />
condições teria para estudar se não há tempo para isto? Como estudaria<br />
se não o deixam aprender?<br />
Em “Imagens do Estudar”, Larrosa (2000) nos convida a<br />
acompanhar, junto com ele, um jovem a estudar. O autor cria a<br />
figura de um estudante que não está se preparando para exames,<br />
tampouco redigindo um trabalho final de curso e nem mesmo se<br />
preocupa com seus próprios afazeres rotineiros. Nada o ameaça, nada<br />
o destrói. Não cumpre qualquer tarefa designada. Nenhuma obrigação<br />
se mistura ao seu estudo. Não guarda lembranças. Não anseia por<br />
projetos. Livre de vínculos e pretensões, simplesmente estuda. Atenção,<br />
concentração, ensimesmamento. Estas são dimensões do<br />
despreendimento do estudante. Ele fabrica, com seu próprio corpo,<br />
uma espécie de guarita, uma proteção de vazio que nada atravessa.<br />
Por não ver e não ouvir assemelha-se a um vidente, ao gesto daquele<br />
que se coloca inteiramente à escuta. Como os antigos adivinhos que<br />
pagavam com a cegueira o preço de sua visão privilegiada, o estudante<br />
fecha os olhos e ouvidos a tudo o que não é estudo.<br />
Uma imagem como esta nos desconcerta. Ou questionamonos<br />
profundamente ou, então, nos apressamos em justificar a<br />
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34<br />
A singularidade da sala de aula<br />
impossibilidade de transpô-la para os espaços educativos que<br />
conhecemos. Talvez, em qualquer um dos casos, tenhamos receio de<br />
perder o controle da situação de estudo. O governo dos estudantes e<br />
de seus estudos, suas leituras e vivências nos parecem muito caro.<br />
Tudo isto escaparia de nosso poder. Absorto em livros, desraigado de<br />
todo o resto, por onde andaria o estudante? Como saberíamos o que<br />
estaria a se passar com ele? Que provas teríamos de sua aprendizagem<br />
e de nossa ensinança? Continuaria sendo necessária nossa presença?<br />
O que nos restaria fazer?<br />
Estamos acostumados a não ter tempo. Este tem sido nosso<br />
álibi constante. O tempo fugaz, urgente e cumulativo tem nos<br />
consumido. Ele não nos concede pausas. Temos pressa em quase tudo<br />
o que fazemos. Nossos empreendimentos educativos não seriam<br />
diferentes. Somos levados a demarcar tempos e espaços de leituras, a<br />
agilizar interpretações, a apressar escritas, a acelerar falas e escutas,<br />
enfim, a encurtar ainda mais o tempo. Não temos pensado a<br />
possibilidade de alargá-lo, expandi-lo, ampliá-lo. Não temos ao menos<br />
tentado fazê-lo. Suportaríamos um estudante que vaga e divaga, que<br />
dá voltas e corre o risco de perder-se em suas leituras? Um estudante<br />
disperso, envolto em seus pensamentos, demorado em infindáveis<br />
estudos, não nos pareceria uma afronta? Sem marcas, indefinido, como<br />
o reconheceríamos? Como nos reconheceríamos? Talvez o<br />
invejássemos. Isto o faria insuportável.<br />
Se o estudante que estuda e aprende se converte numa ameaça<br />
ao professor que pensa poder ensiná-lo ou se é o professor quem<br />
ameaça o estudo do estudante, a relação entre eles se perdeu, já não<br />
faz mais sentido. É preciso dotá-la de novos sentidos. Reavivá-la. Pensála<br />
de outro modo. Inaugurar outros espaços para sua realização. Rever<br />
seu cotidiano. Verificar e criticar seus fundamentos. Transformá-la<br />
num mútuo labor significativo.<br />
Quem sabe em uma nova relação o professor deixe de ser apenas<br />
aquele que ensina, leciona e instrui. Talvez o professor venha a ser<br />
aquele que professa, que se coloca publicamente, que pronuncia<br />
palavras desafiadoras. Um sujeito que elabora sua própria fala. Aquele<br />
que se pronuncia e se faz ouvir. Alguém que não mais renuncie à sua<br />
condição de sujeito. Que não mais precise que lhe digam quem é. Um<br />
professor que resista a currículos, programas, métodos, recursos,<br />
supervisões e treinamentos impostos. Uma pessoa que aprenda a ler,<br />
escrever e falar de novo. Que se faça perguntas. Professe-se.<br />
Este professor terá se distanciado da sala de aula o suficiente<br />
para poder revê-la com perplexidade e interrogá-la. Poderá percebê-la<br />
em detalhes e formas que ainda não tinha visto. Sentir-se-á afastado<br />
do lugar que habitava, um pouco estrangeiro, embora na mesma terra.<br />
Terá que reinterpretar e reordenar as coisas em sua nova experiência.<br />
O que antes parecia inquestionável será indagado, desnaturalizado.<br />
Estará em condições de pensar e perguntar. O professor se confundirá<br />
com o aprendiz. Aprenderá enquanto estiver pensando e interrogando<br />
seu próprio ensinar.<br />
Professor e aprendiz, dotado de vida, corpo, linguagem e história<br />
próprias, este sujeito poderá experienciar seu pensar. Não mais se<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Bernardina Leal<br />
limitará a desempenhar um papel definido e esperado de um professor.<br />
Tornar-se-á visível a si mesmo. Vendo-se, perceberá que vê, entende<br />
e significa, por si mesmo, a realidade. Não se cansará diante da<br />
exigência de interpretação e reinterpretação de realidades novas. Não<br />
se cansará porque estará também a se fazer novo. Movendo-se entre<br />
os alunos e refletindo com eles, o professor dará chances aos alunos<br />
para que afirmem suas próprias individualidades. Convivendo com<br />
os alunos poderá propiciar perspectivas de pensamento conjunto.<br />
Juntos e cada um a seu modo, professor e alunos poderão realizar<br />
experiências do pensar. Terão chances de manter em aberto a própria<br />
relação. Não se preocuparão com conclusões. Não tenderão a elas. É<br />
provável que nem mesmo as desejem. Por que haveriam de querer<br />
concluir rapidamente uma experiência?<br />
O aluno terá chances de entender e dar sentido ao que faz.<br />
Não mais se colocará como um tarefeiro a executar ordens alheias.<br />
Não se restringirá a cumprir projetos de outrem. Tomará decisões.<br />
Correrá riscos. Sentirá a angústia e ansiedade de escolher o que<br />
fazer de si mesmo. Dará significados às suas ações. Terá liberdade<br />
para criar-se, muito mais que uma vez, mas não poderá mais se<br />
apoiar na obrigação ou norma prévia. Sua eleição implicará em<br />
deliberação e compromisso. Pensará sobre seu próprio pensar e o<br />
pensar de outros. Questionará a ambiciosa adultez que o cerca.<br />
Mas para que a relação professor-aluno se transforme num<br />
processo investigativo das situações vividas, é preciso que ambos<br />
saibam das convenções normalmente utilizadas para organizar o<br />
contexto educacional. É necessário perceber que muito do que se<br />
apresenta como natural ao professor é, na verdade, fruto de<br />
construções históricas e sociais realizadas pelos homens e, portanto,<br />
sujeito a revisões. Que não se trata de aceitar incondicionalmente,<br />
mas de questionar o que se apresenta como realidade educacional.<br />
Que as coisas não podem ser simplificadas de modo a parecerem<br />
inofensivas.<br />
As atividades de ensino e aprendizagem comportam<br />
experiências sociais e intersubjetivas diversas. São perspectivas<br />
através das quais se percebem as pessoas, se compreendem e<br />
produzem conhecimentos, se problematizam questões éticas, estéticas<br />
e afetivas. Questões relativas à resistência, formação e transformação<br />
ocorrem ininterruptamente. É preciso não apenas tentar harmonizar<br />
as relações que se estabelecem, mas problematizá-las. Não há como<br />
decidir o que é correto, melhor ou pior. Não cabe ao professor transferir<br />
suas formas de compreensão ao aluno, nem o contrário. Professor e<br />
aluno, se atentos ao movimento contínuo que os altera e modifica<br />
constantemente a própria relação, aprenderão a se conhecer de forma<br />
incompleta. Inseguros a respeito um do outro, cada qual terá que<br />
se esforçar para que haja um encontro. Inseguros a respeito da própria<br />
relação entre eles, a farão nova. Interrogativos, duvidarão da<br />
estrutura, constituição e ordem do tão conhecido processo ensinoaprendizagem.<br />
Ensinar e aprender deixará de ser um par contrastante.<br />
Ensinar e aprender se transformará em um par fundante. E onde<br />
ocorrerá esta nova relação? Que espaço a abrigará? Repensar a sala<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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A singularidade da sala de aula<br />
de aula tornase imperativo. Que tal imaginá-la uma oficina?<br />
Se a oficina é o lugar onde se exerce um ofício; se este ofício é<br />
realizado com arte; se desta arte surgem artefatos, verificam-se<br />
transformações, emergem diferenças, elaboram-se maneiras, jeitos,<br />
artimanhas; se por iniciativa e vontade própria – de ofício – falas<br />
irradiam idéias e novas idéias irrompem; se encontros acontecem, se<br />
acontecimentos se encontram; se oficiam-se preocupações e ocupações;<br />
se cuidados são produzidos; se sensações são criadas; se emoções<br />
são vivificadas; se intensa e profundamente suscita-se o desejo; se a<br />
experiência se prolonga e renova, então é sobre este lugar que quero<br />
falar: A Oficina.<br />
Esta área de contato humano, sempre menos formal que as<br />
dimensões escolares e acadêmicas usuais, mais ativa e provocadora,<br />
menos valorizada hierarquicamente nos Congressos e Simpósios, mais<br />
convidativa e instigante, materializa, ao meu ver, a arte do<br />
envolvimento. Envolvimento que implica movimento, que exige um<br />
contínuo volver, que revela o que cada um traz em si, o que se encerra<br />
em cada pessoa, o que podemos conter e nos importa. O compromisso<br />
de fazer-se presente, de confundir-se, misturar-se. A decisão em tomar<br />
parte de um grupo, de intrometer-se numa atividade. A opção por<br />
mesclar palavras, idéias, gestos e opiniões. A iniciativa de<br />
compromissar-se em ouvir, falar, silenciar, pensar com o outro. A<br />
ousadia de tentar abrir espaço à divergência, à concordância, à<br />
diferença...<br />
A oficina, por seu caráter vivencial, pelo contato presencial que<br />
pressupõe e afirma, por envolver gente, nem sempre alcança o status<br />
social e reconhecimento merecidos. Este tipo de trabalho diverge do<br />
conhecido trabalho acadêmico legitimado pelas características de<br />
isolamento, distanciamento e privacidade. A oficina não acontece<br />
apenas entre pares. Não se restringe a um grupo de amigos. Não busca<br />
críticas favoráveis. Dispensa referências, grifos e notas de rodapé. Os<br />
autores consagrados, quando convidados, se fazem presentes,<br />
compõem o diálogo. Não carecem ser explicados em longos enunciados.<br />
Não exigem tradutores ou intérpretes. São convidados por serem o<br />
que são, não por serem amigos. Podem não possuir idéias<br />
convergentes, pode ser que nem mesmo façam parte do mesmo círculo<br />
social. Ainda que não gratos, são convidados. A oficina acontece,<br />
também, entre estranhos. Ocupa espaços públicos. Faz-se coletiva.<br />
Expõe-se. Não teme ser contaminada por pessoas, mas ao contrário,<br />
precisa delas. Constitui-se de palavras, idéias, emoções e sentimentos<br />
carentes de corpos para encarnar. Não teme ser simples. Simplicidade<br />
aqui não significa estado bruto ou redução. Simplicidade, neste caso,<br />
é o resultado de um grande esforço de lapidação. Saem os excessos, o<br />
acúmulo, tudo o que é desnecessário ou ornamental. Fica o simples,<br />
nu.<br />
Assim se dá uma oficina de filosofia. Destes modos se envolvem<br />
os “filosofeiros”, assim identificados por uma criança num destes<br />
encontros. Eles exercitam um pensar coletivo e investigador. São eles<br />
as crianças e jovens, seus professores, os pais, todos os que partilham<br />
os encontros propiciados. Estes “filosofeiros” colocam em questão a<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Bernardina Leal<br />
obviedade das coisas, inquietam-se diante de fatos corriqueiros,<br />
problematizam o contexto no qual estudam, trabalham, convivem.<br />
Ocupam-se das questões que elaboram com vigor e nas respostas que<br />
alcançam são reticentes. Tornam-se insaciáveis. Estão sempre à busca<br />
de mais e mais perguntas, novas e outras respostas. Às vezes parecem<br />
acomodar-se após uma jornada. De súbito inquietam-se. Novamente<br />
lançam-se na incessante procura. Mesmo repetidas, algumas questões<br />
se fazem novas. É que embora tenham a mesma estrutura lingüística,<br />
elas já não significam o mesmo, possuem novos sentidos.<br />
Estes artífices têm muito trabalho, dão trabalho, dividem<br />
trabalhos. Sabem quão trabalhoso é viver. Desconfiam: Talvez não<br />
seja bem assim. Colocam em suspenso: E se não for deste jeito?<br />
Resistem à autoridade: Quem disse ser assim? Provocam: Que tal<br />
pensarmos de diferentes maneiras? Refletem: Podemos repensar,<br />
redimensionar, rever? Buscam fundamentos: O que é isto, afinal?<br />
Convidam ao diálogo: Que tal pensarmos juntos? Esclarecem:<br />
Pensarmos juntos, não o mesmo, não do mesmo modo, mas entre<br />
nós.<br />
Não. As oficinas de filosofia não são assim. Elas se fazem assim<br />
e de muitas outras maneiras, algumas impossíveis de antecipar. Como<br />
prevê-las? Indesejável antecipá-las. Prepará-las, sim. Precipitá-las, não.<br />
Propiciá-las, talvez. Antes de ocorrer, no período de tempo que a<br />
antecede, na organização dos recursos, na seleção de textos, diante<br />
das possibilidades de procedimentos, na pré-ocupação com os temas<br />
suscitados, a oficina, ela própria, antecipa-se. Toma, de súbito, a<br />
cena. Mas sempre trapaceia. Raramente continua a mesma. Faz-se<br />
outra no momento de sua realização. Nunca se sabe como chegará.<br />
Ela despontará como um evento, acontecimento que imporá uma<br />
quebra na rotina do previsto. É este um dos aspectos mais fascinantes<br />
de uma discussão filosófica coletiva: ela não se deixa antever. Atrai e<br />
surpreende. Exige disposição. Nem sempre agrada. Às vezes<br />
desconcerta. Muitas vezes incomoda.<br />
Não é fácil, embora seja prazeroso fazer parte de uma oficina<br />
filosófica. “Ai, quanto trabalho me dá querer-te como eu quero!”,<br />
reclama Garcia Lorca e, num relance, nos faz pensar que as coisas<br />
com as quais mais nos envolvemos, às quais bem queremos, nos dão,<br />
quase sempre, muito trabalho... Este trabalho que a oficina exige, de<br />
dispor-se ao outro, de relacionar e articular pensamentos, idéias e<br />
palavras, de se expor a enfrentamentos e críticas, gera também uma<br />
certa agonia, um certo desconforto. Não me parece possível, contudo,<br />
evitar tal desconforto. Se procuramos entender, se nos preocupa o<br />
viver, se nos sensibiliza o cotidiano nosso e de outrem, se nos comove<br />
a infância, se nos alcançam certos apelos, não há como deixar de<br />
ouvir estes chamados. Somos impelidos à resposta. Tornamo-nos<br />
correspondentes. Situamo-nos junto. Respondemos ao lado.<br />
Quem integra uma oficina, a constitui. Insere-se num campo<br />
de ação. Inscreve-se. Uma vez inscrito, circunscreve um espaço do<br />
qual faz parte e no qual outras pessoas são recebidas. Em qualquer<br />
momento pode iniciar-se um diálogo filosófico. O interesse do grupo, a<br />
espontaneidade das participações e o nível de envolvimento de cada<br />
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A singularidade da sala de aula<br />
um nas questões levantadas suscitam os desdobramentos próprios<br />
de uma investigação filosófica. Este exercício do pensar não se dá<br />
apenas como treino ou preparação, mas como um processo de busca<br />
individual e coletivo que inclui saberes, políticas, afetos. A incompletude<br />
destas oficinas revela-se no não esgotamento de suas possibilidades<br />
de realização, na tendência a prosseguimentos ou prolongações.<br />
Alongar a atividade implicará na busca de novos processos<br />
investigativos, novas possibilidades de ação, percepção e relação. Lidar<br />
de modos distintos com situações não-usuais favorece um pensar mais<br />
aberto, sensível à diferença, preocupado com o outro dos outros e<br />
também com o outro de si.<br />
A oficina traz consigo esta aparente contradição: é coletiva, na<br />
medida em que acolhe significados comuns, inter-subjetivos, mas é<br />
também individuante, pois exige um pensar que não repita nem imite<br />
o outro, um pensar que seja tão livre quanto possível. Esta combinação<br />
de aspectos individuais e coletivos consubstancia o entre do encontro.<br />
Da diversidade irrompe algo comum, surge certa unidade. Emerge,<br />
então, um grupo. Neste espaço comum, amplo o bastante para cobiçar<br />
diferenças, perspectivas individuais são colocadas em interação com<br />
o outro. Este local de partilha, este espaço existencial e interpretativo<br />
é um estar junto. Não há apropriação. Não se trata de um patrimônio<br />
ou propriedade. O que emerge deste encontro não pertence a um sujeito<br />
ou objeto. É algo que se cria na relação que se estabelece, algo que se<br />
dá sem ter pertencido. Estruturado e regido por uma dinâmica única,<br />
pode ser considerado puro acontecimento. Cada oficina se faz única,<br />
una e solitária. Não se trata, porém, de uma solidão resultante do<br />
isolamento. Esta solidão se dá pela desapropriação. É como estar a<br />
sós, em companhia de outros, sabendo-os “outros”, despojados, todos,<br />
daquilo que cada um poderia ter por próprio.<br />
Este espaço de diferença, de interrogação constitui-se,<br />
inevitavelmente, de questionamentos múltiplos. Indaga-se sobre os<br />
objetos, sobre os saberes, sobre os outros, sobre cada um e sobre si<br />
mesmo. Há o suposto de que o pensar se desperte por uma pergunta.<br />
Nos limites deste espaço delineado, não apenas pelo outro, mas também<br />
pelas fronteiras da subjetividade de cada um, ocorre um processo de<br />
múltiplas transformações. O comum se revela na diferença. Nada está<br />
isolado. Tudo o que precede ou dá seguimento a uma colocação,<br />
afirmação ou pergunta está em relação. Daí a especificidade de cada<br />
experiência do pensar. Se o que ocorre é uma relação sustida no tempo,<br />
à medida que as pessoas atravessam o espaço recém-criado da<br />
discussão coletiva, ela se torna única. Não se repete. Faz-se experiência.<br />
Perpassa cada um naquele momento, naquela relação, com aquele<br />
grupo. Surge de um encontro, num espaço discursivo que nã pertence<br />
a um ou a outro. Este espaço desapropriado, simbolizado pelo círculo<br />
que se forma, cria um limite constituído pelas pessoas que o<br />
conformam, mas também circunscreve um espaço vazio interno, um<br />
entre.<br />
Entre: o espaço que vai de um lugar a outro; um intervalo que<br />
une e, ao mesmo tempo, separa; o espaço no qual algo se encontra; o<br />
meio-termo, o intermédio. O entre é o espaço próprio da oficina. É<br />
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ainda o apelo que ela nos faz: entre, entranhe-se, atreva-se. Venha<br />
conosco. Sinta-se convidado. Entre, entre nós. O “entre” é uma figura<br />
da entrada, do entrar, do intrometer-se, do estar metido no meio, de<br />
estar junto.<br />
Em uma oficina não há como não entrar. Não se pode assistir<br />
de fora, como uma palestra. Em uma oficina se entra ou não se atende,<br />
nem entende o apelo. Atendemos o chamado. Nós somos entrantes.<br />
Somos aqueles que estão prestes a começar; em pleno devir. Quando<br />
decidimos entrar, passamos de fora para dentro. Não estamos mais à<br />
parte. Fazemos parte. Incluímo-nos. Introduzidos nas entranhas de<br />
uma discussão filosófica coletiva, aprofundamos nossas e outras idéias,<br />
penetramos nossos e outros pensamentos, nos enfiamos na trama<br />
que tecemos com fios desiguais. São diferentes tonalidades, espessuras<br />
e tamanhos que misturam-se. O tecido é uno. Os fios, variados. O<br />
ofício, comum.<br />
Este trabalho artesanal que se opera numa oficina inclui<br />
dedicação, tempo, atenção. Neste espaço, trabalha-se a matéria-prima<br />
dos textos. É preciso esforço. Há que se extrair arte desta matéria.<br />
Uma vez percebida como matéria de arte, selecionada e talhada, adquire<br />
forma, vivifica o até então imaginado. Como na fabricação de um móvel<br />
rústico, não se despreza a beleza anterior da árvore. Com carinho, ao<br />
contrário, valoriza-se os nós, as nuances de cores, a tessitura, a forma<br />
natural. A intervenção do artesão não se faz violenta, mas respeitosa.<br />
Ele admira a beleza da árvore e atua nela de forma também bonita. A<br />
árvore se transforma em madeira, a madeira em móvel, o móvel em<br />
artesanato, o artesão, em tudo isto. Talvez nem seja mais uma<br />
intervenção. Quem sabe já se trate de um consentimento, uma mútua<br />
rendição.<br />
É destes lugares onde exerço meu ofício, de minhas oficinas<br />
que gosto de falar. Sobre estes tantos espaços criados, diversamente<br />
espalhados, pluralmente constituídos, animadamente compartilhados,<br />
já não posso seguir dizendo que são meus. A não ser por força do<br />
linguajar habitual, não o teria feito. Não, não são as minhas oficinas.<br />
Nunca me pertenceram. Quem sabe eu tenha pertencido a elas. Delas<br />
fiz e faço parte. Nelas continuamente me transformo. Desaproprieime<br />
de mim mesma e continuo a despreender-me a cada novo encontro.<br />
Recebi e recebo muitos outros. Compartilhamos espaços. Muitos<br />
também se desapegam, não apenas daquilo que sabem ou acumulam,<br />
mas de si mesmos. Que alívio! Sem nossas cargas, cargos e títulos,<br />
desobrigados de nossos discursos, deixamos nossa idéias avançar,<br />
recuar, romper. Cada fala, gesto, atitude, silêncio e escuta é então<br />
valorizado. Nestas oficinas, o exercício de estar com o outro, de ser<br />
gente, de estar no mundo é feito com arte. É artefato.<br />
REFERÊNCIAS<br />
Bernardina Leal<br />
BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. São Paulo: Martins Fontes,<br />
2000.<br />
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.<br />
LEAL, Bernardina; KOHAN, Walter; RIBEIRO, Álvaro. Filosofia na<br />
escola pública. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.<br />
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ATORES SOCIAIS: FUTUROS EXILADOS DO PLANETA?<br />
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Jaceny Reynaud¹<br />
“É preciso transformar a maneira de conduzir a sociedade<br />
e o conceito de que o benefício financeiro deve ser<br />
conseguido a qualquer custo. Temos que mudar o<br />
sistema de valores e as regras do livre comércio.<br />
Dignidade humana e sustentabilidade são a base da nova<br />
sociedade civil que está emergindo.”<br />
RESUMO<br />
Fritjof Capra<br />
A abordagem que se pretende dar ao presente artigo é a de que os<br />
atores sociais, neste início do novo milênio, necessitam repensar os<br />
fundamentos civilizacionais e espiritualistas da crise pela qual passa<br />
o Planeta Terra. A característica mais premente deste momento é<br />
justamente a instalação persistente, angustiante, de dúvidas à respeito<br />
do assunto e da falta de respostas para as mesmas. Lutar por utopias?<br />
Será utopia lutar por uma democracia ecológico-social? Deve o<br />
indivíduo buscar a criação de uma nova espiritualidade e a<br />
reconciliação com o Cosmos? Devem-se buscar novas possibilidades<br />
de re-encantar o Planeta, e com isso re-encantar o olhar do ator social,<br />
convocando-o a uma mudança de consciência, a um repensar de quem<br />
é ele e qual o seu lugar no Cosmos? De que maneira o indivíduo deve<br />
e pode fazer isto? São perguntas que estarão presentes durante a<br />
elaboração deste artigo que tem como objetivo, a tentativa na busca<br />
de soluções e respostas para as questões acima formuladas sobre o<br />
Planeta Terra.<br />
Palavras-chave: planeta Terra, conscientização, ecologia, holístico,<br />
movimentos ambientalistas.<br />
ABSTRACT<br />
The approach we intend to give to the present article, is that the social<br />
actors, at the beginning of millennium, need to rethink the civilizational<br />
and spiritual foundations of the crisis which the Planet Earth<br />
passes.The more urgent feature of the present historical moment, is<br />
exactly the persistent, distressing installation, of doubts and of the<br />
lack of answer for them. Fighting for utopias? Would fighting for<br />
ecological -social democracy be an utopia? Does the individual owe to<br />
look for the creation of a new spirituality and reconciliation with it the<br />
Cosmos? Must we look for new possibilities to reenchant the Planet,<br />
and with that re-enchanting the social actor’s glance, then being<br />
¹ Jaceny Maria Reynaud é mestre em Engenharia de Produção e Sistemas / CTC /<br />
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, é professora da FASB e coordenadora<br />
de extensão do Núcleo de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da FASB.
Jaceny Reynaud<br />
requested to a change of conscience, to a rethink of who is the Planet<br />
and what its place in the Cosmos? How must the individuals do this<br />
and how can we do this? These are questions that will be present<br />
during the elaboration of this article, and that have as only objective,<br />
the attempt of search for solutions and answers for the questions<br />
above formulated, or at least, to make us think on the current events<br />
that are happening in the Planet called Earth.<br />
Key Words: planet Earth, awareness, ecology, holistic, environmental<br />
movements.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Na contemporeneidade, pode-se afirmar que o imenso poder<br />
detido pela ciência – através do próprio Homem – torna-se capaz de<br />
subjugar a ambos, ou seja, o indivíduo e a natureza (ARENDT, 1994).<br />
A questão relevante é a busca de uma maneira ambientalmente<br />
coerente de habitarmos com qualidade de vida esse Planeta. Essa<br />
variável encontra-se contextualizada nas mutações técnico-científicas<br />
que envolvem a modernidade. Em contrapartida, dessas mudanças<br />
engendram-se fenômenos de desequilíbrios ecológicos, além do<br />
considerável crescimento demográfico presente, e que se não forem<br />
tomadas atitudes emergenciais e conciliadoras, ameaçam a<br />
continuação da vida em sua superfície.<br />
O presente trabalho aborda novas tentativas e a busca pelos<br />
atores sociais, de correntes ambientalistas - seja na forma de pensar,<br />
sentir, viver, avaliar e de portar-se frente ao fragmentado Planeta onde<br />
habita - sob um novo olhar. Olhar este, que pode ser legitimado como<br />
“holístico” e onde o indivíduo “tenta” interagir com liberdade,<br />
proximidade e, principalmente, com maior sensibilidade frente à<br />
Natureza.<br />
Esta busca de um novo modelo de vida - diferente do estilo<br />
presente, que envolve questões então consideradas primordiais, seja<br />
de ordem sócio-econômica-política (que pode ser traduzida em estresse,<br />
depressão, desemprego, problemas financeiros, marginalidade<br />
opressiva, solidão, ociosidade) traz introjetado um objetivo único:<br />
melhoria da qualidade de vida para o indivíduo. Este está<br />
intrinsecamente ligado à esperança de um funcionamento perfeito do<br />
Planeta e onde ele possa encontrar subsídios sustentáveis para sua<br />
sobrevivência e para as gerações futuras (que pode vir acompanhado<br />
de criatividade, cultura, pesquisa, da reinvenção do meio ambiente,<br />
solidariedade, sensibilidade).<br />
Faz parte de suas aspirações, a construção de uma sociedade<br />
democrática, integrada, justa, solidária, em paz e feliz. O indivíduo<br />
quer e precisa ter bem estar no local onde vive. Não um bem estar<br />
efêmero, materialista, mas uma felicidade consciente, à custa da<br />
vivência, da experimentação, sentindo segurança. O indivíduo deve<br />
ter a certeza de que o Planeta Terra não desaparecerá no amanhã, sob<br />
riscos de: proliferação e acidentes nucleares, aquecimento global,<br />
destruição da camada de ozônio, perda da biodiversidade, poluição<br />
mundial, do ar e das águas, perda do solo e desertificação, acidentes<br />
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42<br />
Atores sociais: futuros exilados do planeta?<br />
com transporte de resíduos tóxicos, pressões migratórias produzidas<br />
pela explosão demográfica, intensificação da depleção dos recursos<br />
naturais, além do aumento da taxa de mortalidade entre as populações<br />
dos países mais pobres, devido à fome e pestes.<br />
MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS<br />
Historicamente, o indivíduo faz parte da natureza, como agente<br />
ambiental – semelhante aos outros animais – principalmente quando<br />
iniciou a produção de seus alimentos, criando uma relação dependente,<br />
em prol de sua sobrevivência.<br />
Já na época da Primeira Revolução Industrial, o mesmo passou<br />
a ser fator de considerável importância nas transformações sobre a<br />
Terra, pois com a invenção da máquina, a exploração dos recursos<br />
naturais só tendeu a aumentar. Esta Revolução elevou o crescimento,<br />
em mais de 100 (cem) vezes, a produtividade da mão-de-obra. Na época,<br />
a relativa escassez de indivíduos limitava o progresso da exploração<br />
dos recursos aparentemente infindáveis da natureza. Sendo que, esta<br />
lógica ainda perdura, mas atualmente o padrão de escassez mudou:<br />
têm-se abundância populacional e conseqüentemente de mão-de-obra<br />
e escassez de recursos naturais.<br />
Numa retrospectiva histórica - cronológica, do Movimento<br />
Ambientalista, observa-se que a partir da década de 50, iniciou-se um<br />
processo perceptivo mais sério dos indivíduos – principalmente nos<br />
meios acadêmicos – sobre questões ambientais e de sua inerente ligação<br />
à perpetuação da vida sobre o Planeta, sendo desta década a idéia de<br />
Ecossistema e Teoria Geral dos Sistemas.<br />
Já, a partir de 1960, ocorreu, então, o despertar do que se<br />
denominou consciência ecológica, que também pode ser encarada como<br />
uma revolução ambientalista; de modo que, isso levou forçosamente<br />
os indivíduos a darem início a uma mudança universal e profunda<br />
nos seus valores, e transformarem a sua percepção acerca do mundo<br />
a que pertencem.<br />
Esta década foi marcada pelo conflito de interesses entre<br />
desenvolvimentistas (visavam incrementar economicamente a atividade<br />
humana) e preservacionistas (buscavam restringir tal atividade); no<br />
entanto, a noção de meio ambiente como fator restritivo, deu lugar à<br />
noção de meio ambiente como parceiro. Com o aparecimento de diversos<br />
grupos ambientalistas e de Organizações Não-Governamentais (ONG’s),<br />
as questões ambientais consolidaram-se e projetaram-se sobre a<br />
opinião pública mundial.<br />
Na década de 70, o ambientalismo não-governamental apareceu<br />
totalmente institucionalizado nas sociedades européia e americana,<br />
culminando com a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o<br />
Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Conferência<br />
de Estocolmo / Suécia, realizada em 1972. Esta foi um marco histórico<br />
na política internacional, onde se iniciou o envolvimento do sistema<br />
político (governos e partidos) com o assunto, reunindo representantes<br />
de diferentes governos, para discussão da necessidade de controlar os<br />
fatores que vinham causando degradação ecológica. Nesta Primeira<br />
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Jaceny Reynaud<br />
Conferência, ficou estabelecido também, o Plano de Ação Mundial para<br />
o Meio Ambiente, com destaque para o Programa Internacional de<br />
Educação Ambiental.<br />
Na década de 80, como resultado das discussões que ocorreram<br />
durante a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio<br />
Ambiente e Desenvolvimento ou Conferência de Estocolmo (1972), foi<br />
produzido pela Comissão Brundtland (1983) e publicado em 1987, o<br />
Relatório Nosso Futuro Comum, apresentando pela primeira vez o que<br />
se conceituou de Desenvolvimento Sustentável, ou seja, “(...) aquele<br />
que atende às necessidades do presente, sem comprometer a<br />
possibilidade das gerações futuras atenderem as suas próprias<br />
necessidades”. (CMMAD, 1998, p.46). Conseqüentemente, nessa<br />
década, os Partidos Verdes tornaram-se mais expressivos e a maioria<br />
das democracias ocidentais, já estavam em fase de institucionalização<br />
das questões ambientais.<br />
Após a divulgação do Relatório Nosso Futuro Comum, as<br />
Organizações das Nações Unidas - ONU realizaram a ECO-92 ou RIO-<br />
92, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, que teve como objetivo de<br />
maior relevância discutir propostas do Relatório acima mencionado,<br />
além de comemorar os 20 (vinte) anos da Conferência de Estocolmo,<br />
Suécia.<br />
Observa-se que, nas décadas de 1970 e 1980, os desastres<br />
ambientais – com conseqüências em níveis mundiais – de Seveso,<br />
Bhopal, Chernobyl, Basel, Valdez, entre outros, provocaram um<br />
dramático crescimento da conscientização ambiental em toda a Europa.<br />
É de relevância lembrar que os danos ambientais causados pelas<br />
catástrofes, que ocupam a mídia recentemente, são considerados<br />
pequenos, quando comparados aos danos cumulativos que, em sua<br />
maioria passam desapercebidos – e que são provocados por grande<br />
número de poluentes menores – sendo que, a maioria deles está<br />
legitimado pelos seus países de origem.<br />
Na década de 90, institui-se o DIA DA TERRA, reunindo milhões<br />
de pessoas em redor do mundo, como símbolo dos esforços para “salvar<br />
o Planeta” e chegando-se ao consenso de que, a década de 90 seria a<br />
Década do Meio Ambiente. Das discussões que se estabeleceram na<br />
ECO-92, elaboraram-se documentos considerados relevantes como a<br />
Carta da Terra ou Declaração do Rio 92 e a Agenda 21, pela sua<br />
representatividade junto aos vários países participantes. Esta década<br />
veio imbuída de um ambientalismo projetado sobre as realidades locais<br />
e globais, abrangendo os principais espaços da Sociedade Civil, do<br />
Estado e do Mercado e constituindo-se, ainda, em um processo de<br />
maior cooperação solidária entre nações e indivíduos.<br />
Após a ECO-92 realizou-se a RIO + 5, na cidade do Rio de<br />
Janeiro, Brasil, que foi uma revisão independente com relação aos 05<br />
(cinco) anos subseqüentes, na concentração de esforços para<br />
implementação dos prováveis resultados da ECO-92. Esse encontro<br />
teve sua iniciativa lançada por Organizações Não-Governamentais,<br />
tendo à sua frente o Conselho da Terra – entidade que tem na<br />
presidência Maurice Strong (canadense, que secretariou tanto a ECO-<br />
92, quanto a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
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Atores sociais: futuros exilados do planeta?<br />
Desenvolvimento ou Conferência de Estocolmo, em 1972). Nessa revisão<br />
foi retirada a necessidade dos países envolvidos tentarem,<br />
emergencialmente, implantar as diretrizes que norteiam o<br />
Desenvolvimento Sustentável. A reunião da RIO + 5 incluiu a<br />
participação da Sociedade Civil como um todo, Setores Públicos e<br />
Privados, além dos Conselhos Nacionais de Desenvolvimento<br />
Sustentável ou Similares.<br />
De 26 de agosto a 04 de setembro de 2002, ocorreu a RIO +10<br />
– Conferência das Organizações das Nações Unidas, ONU, em<br />
Johannesburgo, África do Sul – onde mais uma vez, se debateu sobre<br />
a implantação do Desenvolvimento Sustentável, em nível global. Uma<br />
das problemáticas mais acentuadas do evento, foi a dificuldade de<br />
convencimento na participação maciça de todos os países para com o<br />
assunto. Observou-se, principalmente, com relação aos países reativos<br />
a assinaturas de determinados protocolos, como os países<br />
potencialmente ricos, que, estes, não querem adotar compromisso<br />
rígido contra a degradação ambiental e a pobreza. Entre estes<br />
compromissos figuram a destinação (acordada durante a ECO-92), de<br />
0,7% de seu PIB para auxílio do desenvolvimento como um todo, em<br />
paí-ses que dele necessitam.<br />
A idéia central é ampliar o acesso dos indivíduos ao saneamento<br />
básico, reduzir as agressões à biodiversidade e incentivar o uso de<br />
fontes renováveis de energia. Mesmo assim, o Plano de Ação, aprovado<br />
por líderes de 189 países reunidos na Cúpula Mundial para o<br />
Desenvolvimento Sustentável, deixou grande parte dos participantes<br />
insatisfeitos. Isso porque o documento final está sendo considerado<br />
apenas ”... uma simpática carta de boas intenções...”, segundo definição<br />
de Rubens Harry Born, da ONG Vitae Civilis e representante do Fórum<br />
Brasileiro de Organizações Não-Governamentais nas negociações.<br />
Mesmo assim, restaram boas notícias, como, a adesão do<br />
Canadá e Rússia ao Protocolo de Kyoto, Japão. Nele, as negociações<br />
entre os países envolvidos têm o comprometimento de reduzir as<br />
emissões dos gases que causam o efeito estufa.<br />
Em análise final, parte-se do pressuposto de que existem pelo<br />
menos três tópicos relevantes, naquilo que se espera na melhoria da<br />
qualidade de vida do indivíduo: segurança alimentar e desenvolvimento<br />
rural, urbanização e menos poluição, além de garantia nos itens básicos<br />
(saúde, educação, moradia, emprego, segurança e saneamento básico),<br />
tendo como conseqüência, a melhoria geral dos padrões de vida das<br />
populações pobres do planeta.<br />
Uma observação interessante que se pode fazer, no entanto, é<br />
que essas populações costumam ser as mais atingidas pela degradação<br />
ambiental e as que têm menos condições de proteger-se; por outro<br />
lado, essas mesmas populações são responsabilizadas por parte dos<br />
danos causados ao meio ambiente, isso tendo como justificativa, sua<br />
necessidade de sobrevivência premente, além da ignorância relacionada<br />
à manutenção dos recursos naturais.<br />
Entretanto, é animador saber que a conscientização dos<br />
problemas ambientais está provocando muitos países, principalmente<br />
os mais desenvolvidos, a iniciarem a disseminação das idéias e recursos<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Jaceny Reynaud<br />
financeiros para a melhoria da qualidade de vida do planeta.<br />
Deve-se reconhecer que os problemas ambientais e ecológicos<br />
do mundo são problemas sistêmicos, interligados e interdependentes,<br />
que exigem mudanças de valores, passando da expansão para a<br />
conservação, da quantidade para a qualidade, da dominação para a<br />
parceria. Essa forma de repensar o conjunto de sistema de valores<br />
constitui o que se pode denominar de paradigma holístico, ou seja,<br />
visão do mundo como um todo integrado, e não como um conjunto de<br />
partes dissociadas.<br />
O ambientalismo superficial aceita o paradigma mecanicista<br />
dominante, é antropocêntrico e atribui apenas valor de uso aos recursos<br />
naturais; tende a aceitar, por omissão, a ideologia do crescimento<br />
econômico a qualquer custo ou endossá-lo abertamente. Atualmente,<br />
manifesta-se na denominada lavagem verde, onde as organizações<br />
provocam mudanças ambientais maquiadas, com objetivos escusos no<br />
que tange às relações públicas, aplicando recursos em publicidade e<br />
promoção de imagem verde. No entanto não elaboraram mudanças<br />
reais nos processos que englobam sua linha de produção, instalações<br />
e condições de desenvolvimento de sua infra-estrutura, para melhor<br />
atender as condições de trabalho de seus colaboradores internos e<br />
externos. Ou seja, não implantam com seriedade as Normas da<br />
Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT. Entre estas estão a<br />
ISO 9000, ISO 14000, OHST 18000, SA 8000 , AS 1000, entre outras<br />
que estão sendo elaboradas rotineiramente, como uma forma de<br />
proteção ao indivíduo e ao planeta.<br />
Já quando se trata da Ecologia Profunda, esta envolve mudança<br />
de visão responsável com relação ao mundo, reconhecendo o valor<br />
intrínseco de todos os seres vivos. Encara o indivíduo simplesmente<br />
como um determinado fio da teia da vida, substituindo a ideologia do<br />
crescimento econômico pela idéia da sustentabilidade ecológica, ou<br />
seja, as organizações podem optar em produzir e receber ou não<br />
embalagens para seus produtos, podem traçar estratégias em pesquisas<br />
para desenvolver substitutos, adotar outros produtos e práticas, além<br />
de investirem na busca de solução para quaisquer conflitos ambientais<br />
em que estejam envolvidas.<br />
Outro fator importante existente na atualidade é que há um<br />
crescimento expressivo de profissionais: pesquisadores, cientistas,<br />
escritores, autores, enfim, indivíduos que se envolvem e contextualizam<br />
as práticas ambientais e que estão presentes na mídia, tornando-se<br />
formadores de opinião. Isso pode ocorrer seja através da criação de<br />
novas filosofias de vida, como por exemplo, a Antroposofia (Sabedoria<br />
do Homem), de livros, filmes, organização de programas de debates,<br />
textos em revistas de circulação mundial, entre outros.<br />
Esses atores sociais buscam chamar a atenção globalmente e<br />
têm poder de argumentação junto às populações, numa tentativa de<br />
sensibilização de que o Meio Ambiente e os Recursos Naturais estão<br />
fragilizados, são finitos e que necessitam de cuidados especiais, para<br />
que possam interagir da melhor forma possível com o indivíduo.<br />
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Atores sociais: futuros exilados do planeta?<br />
CONCLUSÃO<br />
Construção de uma sociedade democrática, integrada, justa e<br />
solidária, são itens considerados necessários para que haja qualidade<br />
de vida para os indivíduos.<br />
E por conta disso, há perguntas que devem ser formuladas,<br />
antes de qualquer tomada de decisão, como por exemplo:<br />
Para que o indivíduo possa ser possuidor do tipo de sociedade<br />
que almeja, como deverá agir? Combinando os sonhos futuros com a<br />
razão, a utopia com a técnica, a imaginação com a lógica?<br />
Incentivar a participação popular nos movimentos ambientalistas,<br />
enquanto os indivíduos, em sua grande maioria, não tem<br />
esclarecimento suficiente nem para separar o lixo doméstico para a<br />
reciclagem?<br />
Tentar o entendimento das populações pobres de que muitos<br />
alimentos estão contaminados com agrotóxicos, se muitos indivíduos,<br />
nem alimentação têm no seu cotidiano?<br />
Então, como fica o processo de globalização em face ao<br />
crescimento da pobreza em nível planetário?<br />
- O mito do Mercado passa pela Modernidade, Pós-Modernidade e /<br />
ou Globalização?<br />
- O que está ocorrendo afinal? É a pergunta, que todos nós fazemos.<br />
O ecodesenvolvimento pode vir a ser uma alternativa para<br />
promoção do bem-estar do indivíduo e valorização dos recursos<br />
naturais, dentro de uma visão sistêmica Meio Ambiente/Indivíduo/<br />
Natureza, onde projetos de desenvolvimento possam ser promotores<br />
de melhoria da qualidade de vida humana e compromissados com o<br />
Meio Ambiente.<br />
O crescimento deve estar imbuído de uma melhor distribuição<br />
de renda, uma gestão responsável dos ecossistemas e o uso racional<br />
dos recursos naturais.<br />
Deve haver, ainda, discussões em torno do que é o Sujeito<br />
Ecológico e de que critérios o mesmo deve ser possuidor. Quanto ao<br />
conceito de Desenvolvimento Sustentável, apesar de ser um conceito<br />
elaborado, há duas décadas, para “dar conta” das necessidades por<br />
que passa o Planeta e garantir o seu futuro, o mesmo não leva em<br />
conta as desigualdades geográficas territoriais, socioeconômicas,<br />
políticas, que permeiam as diferentes regiões terrestres e as dificuldades<br />
encontradas para sua plena aplicação. O indivíduo deve ter um<br />
envolvimento sustentado com o seu local e com as questões ambientais<br />
que ali se inserem, para que se possa aplicar integralmente um outro<br />
conceito, pertence à Agenda 21, ou seja, Agir localmente, mudar<br />
globalmente ou Agir globalmente, mudar localmente.<br />
Concluindo, para que possa existir uma consciência ecológica,<br />
por parte do indivíduo, torna-se imperioso que, primeiramente, haja<br />
um processo de sensibilização com relação às questões ambientais,<br />
passando por um processo de reflexão sobre o assunto, para que,<br />
então, ele possa introjetar essas questões conscientemente, podendo<br />
então vir a ser um formador de opinião, argumentação e idéias.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
REFERÊNCIAS<br />
Jaceny Reynaud<br />
ARENT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Scipione, 1994.<br />
BOFF, Leonardo. Ecologia. Mundialização.Espiritualização. 2 ed. Rio<br />
de Janeiro: Ática, 1996.<br />
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura<br />
emergente. São Paulo: Cultrix, 1982.<br />
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des) caminhos do meio<br />
ambiente. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1990.<br />
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução de Suely Rolnik. 4 ed.<br />
Campinas, SP: Papirus, 1993.<br />
LEIS, Héctor Ricardo. O labirinto: ensaios sobre ambientalismo e<br />
globalização. Co-edição. São Paulo / Blumenau: Gaia e Universidade<br />
Regional de Blumenau, 1996.<br />
MAIMON, Dália. Passaporte verde – gestão ambiental e competitividade.<br />
Rio de Janeiro: Qualitymark, 1996.<br />
MARBURG, Sandra. Gerenciamento ecológico – eco management.<br />
São Paulo: Cultrix, 1993.<br />
<strong>REVISTA</strong> FINANÇAS E DESENVOLVIMENTO. Rio de Janeiro: Fundação<br />
Monetária Internacional e Banco Mundial, 1996. V. 16, n. 4.<br />
<strong>REVISTA</strong> DE CIÊNCIAS HUMANAS. Florianópolis: UFSC, 1996. V. 14.<br />
UNGER, Nancy Mangabeira. O encantamento do humano: ecologia<br />
e espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1991.<br />
Gravações de Vídeo. A espiritualidade numa economia de mutação.<br />
Debate do Programa de Rede de Televisão do MEC.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA CONSTRUÇÃO DO<br />
CONHECIMENTO E DA CRITICIDADE DOCENTE E<br />
DISCENTE<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
James Figueredo da Silva 1<br />
Demonstra a importância da leitura na formação docente e sua<br />
contribuição para a construção e intervenção crítica da relação<br />
educador – educando. Aborda a leitura como elemento relevante.<br />
Destaca as possibilidades despertadas na sua dimensão no processo<br />
educativo. Discute a dialética da leitura do mundo X a leitura da<br />
palavra. Extrapola o conceito e visão didática da leitura com vistas ao<br />
questionamento científico. Trata da relação entre a educação e o<br />
conhecimento e o seu estabelecimento por meio da criticidade e do<br />
papel do educador-pesquisador como uma prática cotidiana e<br />
indispensável.<br />
Palavras-chave: leitura, conhecimento, leitura de mundo, criticidade<br />
na ação docente.<br />
ABSTRACT<br />
It demonstrates the reading importance on the educational<br />
improvement and its contribution for the critical construction and<br />
intervention on the relation between educators-educating. It boards<br />
the reading as an important element. It highlights the roused<br />
possibilities on its dimension on the educational process. It discusses<br />
the dialectic of reading of the world X reading of the word. Going<br />
further its didactic concept and vision with a scientific view of the<br />
matter. It regards the relation between education and knowledge and<br />
its settlement through criticism and the educator responsibilities as<br />
an everyday and indispensable practice.<br />
Key Words: reading, knowledge, reading the world, criticism in the<br />
educational action.<br />
A COMPREENSÃO DA LEITURA NO PROCESSO EDUCATIVO<br />
Demonstrar a importância da leitura na formação docente e<br />
sua contribuição para a construção e intervenção crítica da relação<br />
educador – educando é a proposta que será abordada nesta produção<br />
científica.<br />
Conceber a leitura não somente como fonte única e completa<br />
do conhecimento é o passo primeiro para o estabelecimento de um<br />
¹James Figueredo da Silva é especialista lato sensu em Docência Superior, professor<br />
da FASB e da Rede Particular de Ensino em Teixeira de Freitas – Bahia.
James Figueiredo da Silva<br />
projeto educativo competente que interaja na construção crítica do<br />
educando, extrapolando os conceitos puramente didáticos da atividade<br />
docente. A dimensão da leitura precisa ser compreendida como<br />
premissa indissociável da relação conhecimento e criticidade, como<br />
base da capacitação do educador e o caminho a ser trilhado para a<br />
construção crítica do educando. É a atividade pela qual a visão do<br />
mundo, a percepção contextual dos fatos e cenários em que a educação<br />
se encontra inserida se estabelecem, contribuindo na construção de<br />
uma cidadania forte, consciente por meio de uma educação libertadora.<br />
O ato de ler relaciona-se com a atitude assumida ao ato de<br />
estudar. O estudo exige disciplina e responsabilidade na ampliação<br />
dos horizontes, possibilitados pela leitura, de maneira que permita a<br />
criação e recriação do conhecimento e não apenas mera descodificação<br />
e repetição do que já foi dito.<br />
A responsabilidade crítica no ato de estudar é premissa para<br />
uma docência verdadeira e compromissada com o conhecimento e a<br />
libertação do educando e do educador, uma vez que a educação só<br />
será concebida a partir da presença, tanto do educador quanto do<br />
educando, que, por meio da ação dialética, tanto ensina quanto<br />
aprende.<br />
Ler é uma competência do ser humano; ensinar a ler é<br />
competência docente que precisa ser extrapolada para além do simples<br />
ato de alfabetização e vivenciada como ação crítica de descoberta e<br />
criação do conhecimento, sob as abordagens de Freire (2002), com<br />
uma prática educativa através da corporeificação das palavras pelo<br />
exemplo do educador.<br />
Essa abordagem crítica sobre a leitura é que concede ao<br />
educador a visão dinâmica do processo de ensino - aprendizagem, de<br />
modo que o ato de ler assume uma importância significativa na<br />
construção do conhecimento. É necessário que o educador consiga<br />
revelar a dimensão na condução criativa e crítica da compreensão<br />
pela leitura.<br />
A inquietação pela leitura desperta, há muito tempo, os<br />
pensamentos de muitos pesquisadores e, por conseguinte, deve<br />
inquietar também os professores, pois estes lidam diretamente com<br />
os educandos numa relação contínua de descoberta dos ideários de<br />
Freire (1993, apud ITERRA, 2001), que aborda o ato de estudar como<br />
processo intrínseco ao da construção da leitura do mundo e, em sua<br />
decorrência, a leitura da palavra.<br />
A responsabilidade docente, neste processo educativo libertador,<br />
é muito bem traduzido nos trabalhos de Hoffmann (1998, 2000), os<br />
quais abordam o comprometimento como o diferencial decisivo para<br />
se atingir a essência da dialética - conhecimento e criticidade:<br />
Diria, em síntese, que os professores não são culpados pelos resultados obtidos<br />
pelos alunos, mas são, sim, responsáveis. Serão, entretanto, culpados se não<br />
forem comprometidos no sentido de buscarem o seu aperfeiçoamento e se não<br />
preservarem a sensibilidade ao lidar com a complexidade do processo.<br />
(HOFFMANN, 1998. p. 17, grifo do autor).<br />
Este trabalho científico procura essencialmente abordar a<br />
leitura como elemento relevante, destacando as possibilidades<br />
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A importância da leitura na construção do conhecimento e da criatividade docente e discente<br />
despertadas na sua dimensão dentro do processo educativo,<br />
extrapolando seu conceito e visão didática com vistas ao<br />
questionamento científico.<br />
Encarar a educação e o conhecimento, sob a ótica<br />
epistemológica, sem desviar do sentido social e político, permitirá a<br />
obtenção de resultados que contribuam para o melhor estabelecimento<br />
da relação ensino – aprendizagem, sendo esta produção um passo<br />
decisivo para encarar o conhecimento como bem a ser construído por<br />
meio da obtenção de respostas a questionamentos voltados para a<br />
formação docente, de um ser competente, conscientemente inacabado<br />
e, sobretudo, com uma visão de mundo crítica, que permita um papel<br />
diferenciador para intervenção e construção da relação educador –<br />
educando, partindo da tomada de consciência de que “ensinar exige<br />
compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”<br />
(FREIRE, 2002, p. 110).<br />
A LEITURA NA FUNDAMENTAÇÃO DA CONSTRUÇÃO E DO<br />
ESTABELECIMENTO DO CONHECIMENTO E DA CRÍTICA<br />
A leitura é o sonho, o desejo revelador do sentido do mundo<br />
que se inicia culturalmente em nossa sociedade desde o ingresso nas<br />
primeiras séries escolares. O aprender a ler fascina as crianças pela<br />
ansiedade dessa descoberta, motiva os jovens na busca pelo<br />
conhecimento e informação e entusiasma os mais velhos, aos quais<br />
não foi dado o direito de passar pela educação escolar; e, por isso, são<br />
iludidos a crer na sua falta de capacidade para a leitura.<br />
Essa ligação puramente mecanicista da leitura com o simples<br />
ato de descodificação de signos ou de devoramento acrítico de enormes<br />
conteúdos, ainda que por mais conceituados sejam seus autores, já<br />
fora alertada por pesquisadores como Luckesi et al. (2001), Freire (2000,<br />
2001, 2002) e muitos outros.<br />
É necessária uma ação educativa no sentido de desmistificar a<br />
dimensão e a importância da leitura e, sobretudo, a competência e o<br />
poder dos leitores nos desdobramentos das análises, não somente de<br />
textos escritos, mas também interpretando e, verdadeiramente, lendo<br />
as circunstâncias do nosso cotidiano, através da leitura crítica do<br />
mundo em que se vive, ao qual se pode chamar de cenário da própria<br />
existência humana. Sendo assim, o pano de fundo, no qual,<br />
indiscutivelmente, irá refletir as ações e posturas sociais e pedagógicas<br />
assumidas. Essa descoberta da leitura se reflete na compreensão de<br />
que “a leitura é um ato simples, inteligente, reflexivo e característico<br />
do ser humano, porque ela nada mais é do que um ato de compreensão<br />
do mundo, da realidade que nos cerca e em meio à qual vivemos”<br />
(LUCKESI et al, 2001. p. 122).<br />
Esse exercício constante da leitura é próprio do ser humano, é<br />
uma capacidade desenvolvida através da condição pensante da espécie<br />
humana; desenvolvendo-a pode-se estar compreendendo a dimensão<br />
e o papel do ato docente, não somente como construção do<br />
conhecimento didático, mas sim, como forma de revelar a<br />
potencialidade de intervenção no mundo através das atitudes e<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
James Figueiredo da Silva<br />
posturas que forem assumidas.<br />
Aprender a ler e ensinar a ler são, portanto, tarefas<br />
importantíssimas para o estabelecimento da construção crítica do<br />
conhecimento no processo educativo. Freire (2002) traz orientações<br />
sobre as competências docentes nos seus escritos quanto à exigência<br />
da pesquisa como preparação constante e infinda do educador. Para<br />
ele, o conhecimento deve ser compreendido como processo evolutivo<br />
e contínuo, fruto de dedicação, estudo e da pesquisa, afirmando que<br />
“ensinar inexiste sem aprender...” (FREIRE, 2002, p. 26).<br />
O espírito pesquisador é indiscutivelmente indissociável da<br />
figura do educador. O educador-pesquisador não pode ser encarado<br />
como um modelo, mas sim, como uma prática cotidiana e<br />
indispensável para o conhecimento crítico, coerente à sua prática<br />
humana.<br />
Essa concepção da leitura transporta sua análise ao prisma<br />
da informação e do conhecimento. Nessa dimensão, percebe-se que<br />
a leitura do mundo precedendo à da palavra, e esta leitura, por sua<br />
vez, depreendendo a própria leitura do mundo, estabelece a dialética<br />
na práxis educativa como no processo pedagógico da ação-reflexãoação.<br />
Essa compreensão não pode ser intimidada ao puro<br />
depreendimento de seqüências ideológicas, mas sim como na visão<br />
de Morin (2002), que encara essa percepção no foco da responsabilidade<br />
individual e global do ser humano, e especificamente dos<br />
agentes da educação.<br />
Morin (2002) aborda a importância da compreensão humana<br />
no processo educativo. Perceber-se humano e parte deste processo<br />
histórico, criador e destruidor, que traz para o homem a<br />
responsabilidade de criar a história através da compreensão do<br />
conhecimento; esse é o propósito da missão espiritual da educação<br />
defendida por Morin (2002), que enaltece a responsabilidade do<br />
educador como mediador desta leitura do mundo:<br />
Educar para compreender a matemática ou uma disciplina determinada é<br />
uma coisa; educar para a compreensão humana é outra. Nela encontra-se a<br />
missão propriamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre<br />
as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da<br />
humanidade (MORIN, 2002, p. 93).<br />
Nesse cenário, é preciso a noção clara da relação entre a<br />
educação e o conhecimento e, a partir desse, o conhecimento, o seu<br />
estabelecimento por meio da criticidade. Cortella (2001) fala da estreita<br />
relação do conhecimento com a história humana e aborda a sua<br />
complexa dimensão indissociável da condição natural enquanto seres<br />
humanos, principalmente da construção do conhecimento nos<br />
vínculos epistemológicos e políticos, compromissados com a ruptura<br />
do pessimismo ingênuo que aborda a educação com neutralidade:<br />
(...) o bem imprescindível para nossa existência é o Conhecimento, dado que ele,<br />
por se constituir em entendimento, averiguação e interpretação sobre a realidade,<br />
é o que nos guia como ferramenta central para nela intervir; ao seu lado se coloca<br />
a Educação (em suas múltplas formas), que é o veículo que o transporta para ser<br />
produzido e reproduzido (CORTELLA, 2001, p. 45, grifos do autor).<br />
Sem dúvida alguma, esse tema interage, de maneira magnífica,<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
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Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB<br />
52<br />
A importância da leitura na construção do conhecimento e da criatividade docente e discente<br />
no processo ensino–aprendizagem, nas figuras do educador e do<br />
educando, pois Luckesi et al. (2001), Demo (2002) e Hühne (2002)<br />
estabelecem a correlação da construção do conhecimento crítico pela<br />
leitura, no papel diferencial a ser desempenhado pelo educador e pelo<br />
educando, como sujeitos ou objetos nas suas atividades dialéticas na<br />
educação.<br />
Educador e educando serão objetos, caso se mantenham na<br />
ingenuidade e neutralidade combatidas por diversos educadorespesquisadores,<br />
conforme Freire (2000, 2001, 2002) e Cortella (2001).<br />
Por conseguinte, serão sujeitos se extrapolarem os limites da leitura<br />
com o compromisso científico orientado por Salomon (1997), Bagno<br />
(2002) e Japiassu citado por Hühne (2002), emergindo por sobre e<br />
indo além do texto, atingindo uma dimensão de leitura do mundo e<br />
leitura da palavra voltada para a construção do conhecimento e da<br />
criticidade docente e discente, de maneira, sobretudo científica, ética<br />
e decente.<br />
Com essa análise, não se pode classificar qualitativamente,<br />
em escala de importância, a ponto de sobrepor a leitura do mundo ou<br />
a leitura da palavra, uma em relação à outra. É preciso, portanto,<br />
compreender a dialética criadora do conhecimento crítico.<br />
A primeira leitura – a leitura do mundo – e que precede a leitura<br />
da palavra, precisa ser voltada para a descoberta, para a análise da<br />
realidade em que se encontram os fatos estudados. Conhecer a<br />
realidade para nela poder intervir, criando, recriando e transformando<br />
indivíduos em cidadãos, informação em conhecimento e posturas em<br />
atitudes críticas.<br />
Ao realizar a leitura da palavra, o leitor deve estabelecer uma<br />
relação de diálogo com o autor, com o texto e suas idéias. É essa<br />
leitura que tornará possível o processo de comunicação entre as várias<br />
descobertas e levará para além das fronteiras os conhecimentos<br />
construídos em variadas épocas e situações. Fazer a leitura da palavra<br />
refere-se não só ao seu depreendimento, mas à compreensão maior<br />
das informações contidas no texto e que, através da análise crítica, o<br />
leitor poderá intervir e transformar essa informação em conhecimento,<br />
pois a sua postura, enquanto sujeito diante do texto, lhe concede a<br />
posição de criador de conhecimento e criticidade.<br />
Com o estabelecimento desse processo, a leitura da palavra<br />
remete novamente à leitura do mundo, como um processo infindo e<br />
contínuo de formação e construção docente, o que distancia os<br />
educadores da condição de repetidores de formulações já postuladas.<br />
Por conseguinte, é esse processo que os aproxima da condição de<br />
descobridores e reveladores do conhecimento crítico e da educação<br />
libertadora por meio do estudo, da reflexão e da compreensão pela<br />
leitura.<br />
A preocupação com a descoberta e construção do verdadeiro<br />
ato de ler revela a necessidade de agir com cuidado e responsabilidade<br />
na ação cotidiana da educação, pois, atuando como educadores –<br />
pesquisadores, deve-se estar imbuído para construção do novo e do<br />
inédito, na educação, e que se mostra diferente a cada dia a partir da<br />
reflexão da ação da prática educativa. A atenção necessária, ao se<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
James Figueiredo da Silva<br />
abordar o conhecimento como verdade já concebida, deve estar<br />
presente nessa ação pesquisadora dos educadores para que se tenha<br />
a clara percepção de que<br />
face à verdade, devemos padecer de profunda insegurança. [...] Ao invés de<br />
vivermos das evidências e das teorias certas, como se fôssemos proprietários<br />
da verdade, precisamos viver de aproximações da certeza e da verdade. Porque<br />
somos seus pesquisadores, e não seus defensores. A este respeito torna-se<br />
imprescindível uma opção crítica (JAPIASSU apud HÜHNE, 2002, p. 32).<br />
Essa perspectiva interage com a contínua e infinda formação<br />
docente que, a partir do posicionamento crítico para construção do<br />
conhecimento na dialética docente–discente, exige uma reflexão sobre<br />
a sua ação na prática educativa.<br />
Essa reflexão abrange duas dimensões. A primeira, uma<br />
dimensão retrospectiva, por dirigir um novo olhar sobre a prática e<br />
sobre a reflexão realizada; a segunda, uma dimensão prospectiva, no<br />
sentido de compreensão e de reconstrução de uma nova teoria e uma<br />
nova abordagem sobre a leitura e a sua importância para a construção<br />
do conhecimento e da criticidade.<br />
LEITURA – CONHECIMENTO – CRITICIDADE: PRINCÍPIOS<br />
ESSENCIAIS PARA O ESTABELECIMENTO DA PRÁXIS EDUCATIVA<br />
É notório que a educação é parte integrante do complexo<br />
conjunto da sociedade. Por outro lado, seria incoerente reservar à<br />
educação a missão singular de solucionar todos os problemas sociais.<br />
Uma educação libertadora reconhece o seu papel como engrenagem<br />
no sistema social e compreende o conhecimento como conquista<br />
cidadã a ser construído por meio do exercício contínuo da leitura –<br />
do mundo e da palavra – e da criticidade como postura e atitude<br />
reveladora do real sentido da atividade docente.<br />
A construção do conhecimento pela leitura crítica não é<br />
obrigação específica e genuína da escola, mas, é sua competência e,<br />
também dos educadores, essa relação como princípio imprescindível<br />
para o estabelecimento da práxis educativa.<br />
A decorrência da leitura da palavra, a partir da leitura do<br />
mundo, é abordada por Freire (2002), Cortella (2001) e outros. Porém,<br />
a relação entre conhecimento e criticidade está mais intimamente<br />
ligada a um processo dialético, recíproco e estrutural. O<br />
posicionamento e a atuação crítica são salutares no processo de<br />
construção do conhecimento; este – o conhecimento – por sua vez,<br />
conduz e contribui para a dimensão desta mesma atuação crítica.<br />
O ato da crítica é um juízo, pois, não se pode considerar a<br />
crítica pela crítica, apenas como pensamento contrário à determinada<br />
exposição de idéias; é preciso que haja conhecimento sobre a questão<br />
para o estabelecimento do debate e do posicionamento crítico. A crítica<br />
é um instrumento de grandeza imprescindível na construção do conhecimento.<br />
Através da sua ação e concebendo-a como ato intelectual,<br />
consegue-se compreender as idéias implícitas no texto ou no discurso.<br />
Sobre o pensar e agir crítico, verifica-se que<br />
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A importância da leitura na construção do conhecimento e da criatividade docente e discente<br />
(...) a tarefa da crítica não é trazer verdades para se opor à falsidade; mas<br />
realizar um trabalho interpretativo com relação a pensamentos e discursos<br />
dados, para explicitar o implícito ou fazer falar seu silêncio, de tal modo que a<br />
abertura de um novo campo de pensamento através da crítica revela a<br />
descoberta de uma obra de pensamento, enquanto a destruição da coerência<br />
e da lógica do que foi explicitado revela que descobrimos uma ideologia. [...]<br />
Obviamente, tem-se medo da crítica, pois se a crítica não traz conteúdos<br />
prévios, mas é descoberta de conteúdos escondidos, então ela é muito perigosa<br />
(...) (CHAUÍ apud HÜHNE, 2002, p. 20).<br />
Em meio a essa indissociável ação tríplice – da leitura, do<br />
conhecimento e da criticidade – é fundamental pontuar o conhecimento<br />
também sob os aspectos filosóficos e epistemológicos. Seguindo o<br />
raciocínio e o estudo de Garcia (apud HÜHNE, 2002), e, partindo do<br />
francês “connaissance”, descobre-se o conhecimento significando<br />
nascer (naissance) com (com). Decorre-se daí a condição humana de<br />
processar e construir conhecimento que, naturalmente, determina a<br />
diferenciação dos homens sobre as demais espécies.<br />
Construir o conhecimento crítico deriva da ação humana de<br />
descoberta e interpretação da sua realidade e de seu reconhecimento<br />
nessa interpretação – por meio da dialética da leitura do mundo e<br />
leitura da palavra – fazendo “nascer” a cada instante uma nova abordagem<br />
que, à luz da epistemologia, faz com que os homens se percebam,<br />
se conheçam e se elaborem, determinando o conhecimento como uma<br />
forma de estar no mundo, reconhecendo a sua importância nesse<br />
processo contínuo de construção. “E o processo do conhecimento<br />
mostra aos homens que eles jamais são alguma coisa pronta na medida<br />
em que estão sempre nascendo de novo, quando têm a coragem de se<br />
mostrarem abertos diante da realidade” (GARCIA apud HÜHNE, 2002, p. 34).<br />
Esses princípios são essenciais na missão social e profissional<br />
da educação, não apenas sob os aspectos filosóficos e epistemológicos,<br />
mas, sobretudo, nos aspectos históricos e políticos, quando se adota<br />
posicionamentos e posturas, enquanto educadores, voltados à<br />
libertação do educando e para a sua transformação em cidadãos críticos<br />
que lêem o mundo e que lêem a palavra, construindo o conhecimento<br />
de maneira a contribuir para o estabelecimento da práxis educativa.<br />
ATITUDE DOCENTE - UM CAPÍTULO À PARTE<br />
O papel social da escola é uma problematização que tem<br />
despertado interesses e debates por parte dos profissionais da<br />
educação, quanto ao seu funcionamento, suas ferramentas, seus<br />
instrumentos e, principalmente, quanto à sua eficiência para que se<br />
possa atingir as suas proposições pedagógicas quando comparadas<br />
aos anseios sociais da comunidade atendida pela escola.<br />
Sobre esse aspecto, é muito comum e consensual o<br />
apontamento das falhas do processo educacional, das deficiências da<br />
escola, dentre outras ponderações institucionais, contudo, não se<br />
apresenta o mesmo consenso quando se trata de apontar culpados e<br />
responsáveis pelos fracassos da escola e pelo baixo rendimento dos<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
James Figueiredo da Silva<br />
alunos. Sempre há direcionamentos diversos a respeito dessas<br />
responsabilidades, explicitando através do acusamento múltiplo o<br />
descontentamento com a escola.<br />
Os vários culpados citados nessas problematizações não<br />
podem sobre medida eximir-se de culpa alguma, uma vez que<br />
indiscutivelmente estão ligados ao funcionamento da escola, pois<br />
comumente citam-se os pais, os professores, os próprios alunos, as<br />
leis que regimentam a educação e a escola, a condição socioeconômica<br />
da família dos alunos, além da própria escola, como se essa tivesse<br />
vontade e direcionamento próprios, independente de demais fatores.<br />
Este envolvimento e dependência da escola com o meio social não<br />
podem ser negados, pois é sabido que “a escola não funciona desse<br />
jeito, por vontade própria. [...] A escola não passa de uma peça numa<br />
engrenagem ainda maior que é a sociedade” (CECCON et al, 1999, p. 79).<br />
Essa interação dependente com a sociedade não pode transpor<br />
para a escola a responsabilidade unilateral, neste processo de<br />
construção do conhecimento e estabelecimento dialético da relação<br />
ensino-aprendizagem. Se concebido assim, a escola seria colocada<br />
numa condição, que segundo a afirmação de Cortella (2001), é<br />
vocacional e salvadora na sua missão, conduzindo desta maneira a<br />
atuação da escola para uma concepção de otimismo ingênuo que,<br />
sem dúvida alguma, valoriza o papel e a importância da inserção<br />
social da escola, mas ingenuamente lhe confere um poder absolutista<br />
como responsável pela solução dos problemas sociais que, acima de<br />
tudo, não foram por ela criados.<br />
Encarar a educação como objeto vivo e em constante mutação<br />
e interação com a sociedade, é o paradigma a ser quebrado por muitos<br />
teóricos que vislumbram o processo educacional pré-determinado<br />
por currículos e conceitos, dispostos em uma seqüência ora lógica,<br />
ora caótica e estereótipa aos alunos envolvidos diretamente no<br />
processo ensino-aprendizagem.<br />
A leitura é o instrumento que estará sempre presente na<br />
prática e no cotidiano do professor ao longo da sua atividade docente.<br />
O foco variável é justamente a dimensão, a importância que o professor<br />
irá conceder à leitura no processo de construção do conhecimento<br />
crítico do aluno e na sua própria e contínua formação.<br />
No ambiente da sala de aula, o professor precisa reconhecer a<br />
sua autonomia como mediador do processo educativo e elaborar as<br />
estratégias para a sua prática docente à sua maneira para que, através<br />
da leitura, consiga extrapolar o sentido crítico da sua ação docente.<br />
Essa tomada de atitude se dá mediante a descoberta da<br />
responsabilidade criadora e transformadora de cidadãos, de<br />
conhecimento e da criticidade capaz de intervir no meio social, que<br />
compete ao educador na sua atividade profissional, desde que ele<br />
reconheça na sua atitude docente as noções direcionais da sua prática.<br />
É preciso ter claro nas mentes dos educadores que o ato de educar<br />
para libertação deve estar intrinsecamente ligado aos seus ideais de<br />
vida.<br />
Com que objetivo se vive? Para que se ensina? O compromisso<br />
e a competência são valores indissociáveis à análise desses<br />
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A importância da leitura na construção do conhecimento e da criatividade docente e discente<br />
questionamentos.<br />
Essa abordagem não é inédita, nem tão pouco recente. Dilemas<br />
são constantes nas práticas pedagógicas de vários educadores, tendo<br />
em vista questões como o para que ensinar e o como ensinar. Gil Neto<br />
(1996) debate esses conceitos em sua obra acrescendo-os com outro<br />
questionamento importantíssimo para o planejamento pedagógico. O<br />
seu posicionamento baseia-se na afirmação de que, “(...) é oportuno<br />
retomar aqui e agora a questão do para quê e para quem vamos<br />
ensinar o Português. E daí a sua decorrência: o como iremos<br />
ensinar”(GIL NETO, 1996, p. 18, grifo do autor).<br />
Essa parece ser a chave para os demais desdobramentos, não<br />
só no que compete ao ensino da Língua Portuguesa como na prática<br />
da docência em sua plenitude, pois uma vez identificado o seu público<br />
estudantil, e, principalmente, os seus anseios e dificuldades, diante<br />
da aprendizagem, já se estabelecem de fato os rumos para a composição<br />
das práticas pedagógicas e dos conteúdos a serem empregados<br />
– o quê e o como.<br />
Cabe, porém, uma atenção especial no que diz respeito às<br />
dificuldades identificadas na comunidade a ser trabalhada, para que<br />
não se crie uma expectativa negativa quanto às potencialidades dos<br />
alunos, transmitindo esse sentimento de forma inconsciente e não<br />
intencional (SOARES, 1997).<br />
A busca incessante por algo novo, na relação com os alunos no<br />
processo educacional, é o anseio que deve inquietar todo o profissional<br />
de docência em qualquer área do magistério, para que haja a ratificação<br />
da contribuição da práxis, com a formação de indivíduos dotados de<br />
uma criticidade ativa e dinâmica, para a compreensão do contexto<br />
maior de que os períodos compostos por subordinação não se dão apenas<br />
nos livros, mas estão presentes no plano extenso da composição da<br />
sociedade que delimita e determina os caminhos do ensino tradicional.<br />
Por fim, é preciso a vigília constante em prol da escola, dos<br />
educandos, da própria educação e, acima de tudo, pela cidadania<br />
crítica, de modo que a atuação do educador, quer de Língua Portuguesa,<br />
quer das ciências exatas, quer de outros ofícios do magistério seja<br />
transformadora e que consiga atingir a sua plenitude de competência<br />
através dos conceitos de Freire (2002, p. 110), com a percepção de<br />
que “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de<br />
intervenção no mundo”:<br />
Assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar<br />
certo e bem os conteúdos de minha disciplina não posso, por outro lado, reduzir<br />
minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos.[...] Tão importante<br />
quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los.<br />
É a decência com que o faço (FREIRE, 2002, p. 116).<br />
Para o exercício desta tomada de atitude educacional de forma<br />
libertária e autônoma, como prega Freire (2002), faz-se necessário<br />
que, em determinados momentos, sejam adotados, na prática docente,<br />
posturas, atitudes e compromissos críticos que só se tornam possíveis<br />
com a ação simples e completa do papel do educador: a ousadia, o<br />
comprometimento e a inovação .<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
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James Figueiredo da Silva<br />
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epistemológicos e políticos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001.<br />
DEMO, Pedro. Educação & conhecimento – relação necessária,<br />
insuficiente e controversa. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.<br />
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se<br />
completam. 39. ed. São Paulo: Cortez, 2000.<br />
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Agrária. Paulo Freire – um educador do povo. 2. ed. Veranópolis :<br />
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metodológica. 12. ed. São Paulo: Editora Cortez, 2001.<br />
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro.<br />
5.ed. São Paulo: Cortez, 2002.<br />
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Paulo: Martins Fontes, 1997.<br />
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 15.<br />
ed. São Paulo: Ática, 1997.<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Biblioteca Central.<br />
Normalização e apresentação de trabalhos científicos e<br />
acadêmicos: guia para alunos, professores e pesquisadores da UFES.<br />
5. ed. rev. e ampl. Vitória: A Biblioteca, 2001.<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Biblioteca Central.<br />
Guia para normalização de referências: NBR 6023/2000. Vitória: A<br />
Biblioteca, 2001.<br />
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A MEDIAÇÃO DA APRENDIZAGEM COMO<br />
CARACTERÍSTICA DO PLANEJAMENTO DE ENSINO<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Jessyluce Cardoso Reis¹<br />
O presente artigo versa sobre a importância da mediação da<br />
aprendizagem , a partir dos procedimentos metodológicos presentes<br />
no planejamento de ensino , face às necessidades da utilização de<br />
uma prática pedagógica, que corrobore avanços significativos nos<br />
aspectos relacionados ao conhecimento . A proposta de se trabalhar<br />
a mediação da aprendizagem, a partir do planejamento de ensino,<br />
tem como aparato teórico a Experiência da Aprendizagem Mediada<br />
do psicopedagogo Reuven Feuerstein, que preconiza uma concepção<br />
de educação onde a ação mediadora do professor deva ser previamente<br />
elaborada com base em critérios mediacionais, com vistas à superação<br />
dos mediados frente aos desafios, sendo, portanto, o objetivo deste<br />
trabalho: analisar como se dá a ressignificação da aprendizagem<br />
numa aula mediada; avaliar a ressonância da prática pedagógica<br />
trabalhada a partir do planejamento de ensino, que tenha como<br />
característica a mediação da aprendizagem.<br />
Palavras-chave: mediação, planejamento de ensino, aprendizagem.<br />
ABSTRACT<br />
The present article turns on the importance of the mediation of the<br />
learning, from the metodologics procedures gifts in the planning of<br />
education, face to the needs of the practical use of one pedagogical<br />
one, that corroborates significant advances in the aspects related to<br />
the knowledge. The proposal of if working the mediation of the learning<br />
from the planning of education, have as theoretical apparatus the<br />
Experience of the Learning Mediated of the psicopedagogo Reuven<br />
Feurestein where it praises a conception of education where the<br />
mediating action of the professor must previously be elaborated on<br />
the basis of mediacionais criteria with sights the mediated overcoming<br />
of the front to the challenges.<br />
Key Words: mediation, planning of education, learning.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Estudos acerca das questões relacionadas à função do<br />
planejamento no contexto pedagógico, ainda suscitam discussões no<br />
espaço educativo, dada a concepção conservadora de alguns<br />
educadores em relação ao ato de planejar. Em muitos casos, a<br />
resistência em repensar o planejamento parte de questões relacionadas<br />
¹Jessyluce Cardoso Reis é especialista em Docência Superior, professora da FASB e<br />
coordenadora do curso de Pedagogia e Normal Superior da FASB
Jessyluce Cardoso Reis<br />
à finalidade a que este foi submetido durante muito tempo: o de<br />
documento meramente burocrático, desvinculado da intervenção<br />
pedagógica.<br />
Essa questão mantém-se desafiando a perspectiva de uma<br />
educação que promova a mudança no espaço pedagógico. Ë comum<br />
encontrarmos educadores que ainda trabalham o planejamento de<br />
ensino desarticulado da realidade, onde a mediação da aprendizagem<br />
não representa nenhuma relevância do ponto de vista metodológico.<br />
Como conseqüência desse pensamento, o ato de planejar o<br />
ensino tornou-se sinônimo de desconforto e inquietude para os<br />
professores que não o concebem como fator relevante para a práxis<br />
pedagógica; sendo o referido processo visto apenas como um recorte<br />
da ação docente que pouco tem a contribuir para a educabilidade<br />
cognitiva do sujeito do conhecimento.<br />
Considerando a complexidade dinâmica do aprendizado em<br />
qualquer nível em que o ser humano se encontre, é que propõe-se<br />
estreitar a relação entre o conhecimento e o aprendiz, a partir de<br />
critérios de mediação elencados no planejamento de ensino, os quais<br />
serão trabalhados de acordo com a especificidade de cada situação<br />
de aprendizagem, em que a mediação funcionará como um mecanismo<br />
de intervenção pedagógica através da ação mediadora do professor.<br />
Nesse contexto, inserem-se as crenças do professor, no sentido<br />
de considerar o planejamento de ensino como sendo a base de<br />
veiculação da ação docente, onde a qualidade e a intensidade da<br />
interação mediada serão previamente estabelecidas, de acordo com o<br />
nível de complexidade dos conteúdos a serem trabalhados. Afinal, o<br />
papel do professor /mediador , transcende a simples função de alguém<br />
que ensina. Como salienta Feuerstein (1994, p. 6) “é a figura do<br />
mediador que intervirá, que induzirá à análise, à dedução e à<br />
percepção. Ele transmitirá as motivações e estratégias. Ajudará a<br />
interpretar a vida”.<br />
Aqui a aprendizagem é compreendida como um processo de<br />
auto- plasticidade, onde o professor/mediador tem muito a contribuir<br />
a partir de ações antecedidas no planejamento de ensino.<br />
Ao compreender o ser humano como um organismo biológico e<br />
sociocultural que necessita interagir com o ambiente para estabelecer<br />
novas teias de conhecimento e, conseqüentemente, a modificabilidade,<br />
o mediador da aprendizagem perceberá a necessidade de planejar<br />
categoricamente a ação docente, considerando que a intervenção<br />
educacional pode transformar significativamente as limitações<br />
causadas pela falta de mediação. Nessa perspectiva, é necessário<br />
compreender que o planejamento servirá de plataforma científica que<br />
sustentará a crença do professor, uma vez que este sistema de crenças<br />
é fator determinante no ato de educar. Assim sendo, ao planejar o<br />
ensino, o docente estabelecerá critérios de mediação para as possíveis<br />
ações frente aos desafios pertinentes à prática pedagógica.<br />
A forma como o aprendiz é conduzido frente ao conhecimento e<br />
como está exposto aos estímulos é, sem dúvida, fator decisivo no<br />
processo de aprendizagem, ocasionando diferenças acentuadas no nível<br />
de cognição de uma pessoa para outra, o que desencadeará os<br />
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A mediação da aprendizagem como característica do planejamento de ensino<br />
problemas de aprendizagem , os quais nem sempre a escola encontra<br />
resposta. Sobre essas diferenças, argumenta Feurestein (1990):<br />
Há grande diferença entre as pessoas, assim no grau ao qual elas se tornam<br />
transformadas e modificadas, por meio da assimilação de novos estímulos. E,<br />
ainda mais, há massas de indivíduos que são totalmente não-afetados pela<br />
exposição ao estímulo, isto é , são indivíduos não-modificados em suas<br />
respostas em seus comportamentos.<br />
As respostas para superação de tais diferenças podem partir<br />
de uma concepção docente, onde os mecanismos pedagógicos sejam<br />
previamente planejados e executados de forma sistêmica, considerando<br />
como eixo norteador do processo as trocas entre o educando<br />
e o educador, geridas na mediação da aprendizagem.<br />
Nesse conjunto, o planejamento ocupa um lugar ímpar na<br />
organização da prática docente, que consiste em prever, orientar e<br />
incentivar a aprendizagem dos alunos, sendo, portanto, parte integrante<br />
da dinâmica pedagógica que precisa ser revitalizada, por<br />
compreender também a planificação da ação humana, sem a qual o<br />
conhecimento não acontece. Assim sendo, assegurar a racionalização<br />
e coordenação do trabalho pedagógico, a partir da previsão das<br />
ações docentes com base em critérios de mediação previamente<br />
analisados, evitará a rotina e a improvisação, além de garantir a<br />
qualidade e coerência do trabalho docente. Como explica Lucena e<br />
Sales (2000):<br />
Como em qualquer outra instância da vida, o trabalho docente precisa ser<br />
planejado com clareza, como se fosse um mapa que tem a função de direcionar,<br />
orientar as atividades do professor. Compreendendo dessa maneira, o professor<br />
nunca precisará de carbono para o planejamento, porque ele é seu e não do<br />
seu diretor, nem supervisor . É um instrumento de competência do seu<br />
trabalho, um requisito de organização.<br />
Em suma, o presente artigo trata de um trabalho que vem sendo<br />
realizado na disciplina de Didática II com os alunos-estagiários das<br />
séries iniciais do Ensino Fundamental do curso de Pedagogia, da<br />
Faculdade do Sul da Bahia - FASB/ Instituto Superior de Educação<br />
do Sul da Bahia – ISESB e objetiva apresentar novas perspectivas<br />
para o processo ensino-aprendizagem a partir do planejamento de<br />
ensino com base nos estudos sobre a Experiência da Aprendizagem<br />
Mediada, feitos pelo psicopedagogo Reuven Feuerstein, que considera<br />
a mediação como fator indispensável em qualquer situação de<br />
aprendizagem.<br />
O PROCESSO DE MEDIAÇÃO AO LONGO DA HISTÓRIA DA<br />
HUMANIDADE<br />
As contribuições dos estudos realizados sobre a importância<br />
da mediação, ao longo da história da humanidade, é um fator a ser<br />
considerado no processo ensino-aprendizagem, por caracterizar a<br />
mediação entre as comunidades, como sendo a principal causa da<br />
evolução. Foi da capacidade de se comunicar e manifestar sentimentos,<br />
que os seres humanos passaram a explorar seu poder criativo, sua<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Jessyluce Cardoso Reis<br />
capacidade de pensar e transformar o mundo, imprimindo significados<br />
através das suas descobertas .<br />
Dotados desse poder de transformar e criar através das trocas<br />
estabelecidas no contexto sociocultural, o homem provocou mudanças<br />
profundas e decisivas para a sociedade. A exemplo dos grandes marcos<br />
históricos, temos a revolução neolítica, provocada pela capacidade da<br />
produção coletiva, e agora nos defrontamos com a revolução do<br />
conhecimento, sendo esta última dotada de necessidades emergentes<br />
para o funcionamento da sociedade contemporânea – a necessidade<br />
de mediar e promover o conhecimento.<br />
Ao analisarmos diversos contextos históricos, fica claro que a<br />
me-diação não depende só da linguagem na qual a interação ocorre .<br />
O fato da pessoa agir só verbalmente não garante a mediação e,<br />
conseqüentemente, a aprendizagem. Vemos aí a necessidade que o<br />
ser humano teve e tem de criar estratégias de mediação que garantam<br />
o aprendizado , independente dos grupos étnicos, entidades culturais<br />
ou camadas socioeconômicas.<br />
Em Tebar (1994), vemos um exemplo clássico do processo de<br />
mediação da nossa cultura :<br />
O indígena que constrói uma canoa a partir de uma árvore caída pode não<br />
dizer nada a seus filhos, mas convidá-los para observar suas atividades. Sua<br />
intenção de passar aos filhos os objetivos de sua atividade aumentará o<br />
pensamento de representação deles e as observações das atividades que<br />
conduzem a esse objetivo os tornará capazes de dissociar os objetivos dos<br />
meios necessários para alcançá-los. As intenções do pai em mediar estão claras<br />
nas maneiras com as quais ele adapta suas atividades para torná-las visíveis,<br />
compreendidas e finalmente imitadas pelos seus filhos.<br />
Vê-se que a aprendizagem mediada por outro ser humano é<br />
indispensável na criação de pré-requisitos cognitivos, na medida em<br />
que o mediador humano assinala as possibilidades globais que se<br />
encontram na solução das situações que desafiam o homem ao longo<br />
do seu processo de sujeito aprendiz. Constituindo assim, a natureza<br />
do conhecimento, vivenciada pelas sociedades através das trocas estabelecidas,<br />
ou seja, mediadas. Como afirma Fonseca (2000) :<br />
A aprendizagem assim é compreendida como uma mudança de comportamento<br />
provocada pela experiência de outro ser humano e não meramente pela<br />
experiência própria e prática em si , ou pela repetição ou associação automática<br />
de estímulos e respostas.[...] Neste contexto, a aprendizagem humana não se<br />
explica ou esgota apenas pela integridade biológica dos genes e dos<br />
cromossomos , nem se limita a uma exposição direta a objetos, acontecimentos,<br />
atitudes e situações, mas emerge de uma relação indíviduo–meio que é<br />
mediatizada por outro indivíduo mais experiente , cujas práticas e crenças<br />
culturais são transmitidas às gerações futuras, promovendo zonas mais amplas<br />
de desenvolvimento cognitivo crítico e criativo.<br />
Noutras palavras, o desenvolvimento cognitivo do ser humano<br />
pauta-se no desenvolvimento cognitivo dos seus mediadores, sendo a<br />
aprendizagem, portanto, resultado do nível de interações socioculturais<br />
que o homem estabelece ao longo da sua vida, do contrário, ocorre a<br />
privação cultural que reflete nas disfunções cognitivas , ou seja,<br />
funções cognitivas pouco desenvolvidas, como pudemos observar em<br />
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A mediação da aprendizagem como característica do planejamento de ensino<br />
alguns exemplos de privação cultural ocorridos ao longo da história<br />
da sociedade humana, como o caso das “duas meninas Amala e Kamala<br />
que foram descobertas em 1921, numa caverna da Índia, vivendo entre<br />
lobos. Ambas apresentavam hábitos alimentares diferentes dos nossos.<br />
Locomoviam-se apoiando nas mãos e nos pés, adotando a marcha<br />
quadrúpede. O presente caso nos mostra que o indivíduo isolado do<br />
processo de mediação humana, dificilmente vencerá os problemas<br />
decorrentes do meio no qual está inserido.<br />
Partindo deste princípio, observa-se que a aprendizagem não<br />
se restringe apenas ao processo individual, mas sociocultural que se<br />
situa no cerne das relações culturais, contribuindo para o<br />
desenvolvimento humano nas esferas psicológica , filosófica e<br />
antropológica. A história nos mostra que a mediação foi e continua<br />
sendo fator decisivo para o desenvolvimento humano, o conhecimento<br />
compartilhado de geração em geração, a exemplo das grandes descobertas,<br />
que serviram como base para novas descobertas.<br />
Diante de tais reflexões, urge fazer uma releitura da<br />
importância da mediação no processo ensino-aprendizagem, como<br />
pressuposto do nível significativo do conhecimento , a partir das<br />
condições e intenções metodológicas pautadas no planejamento de<br />
ensino.<br />
RETOMADA HISTÓRICA DO PLANEJAMENTO DE ENSINO<br />
O planejamento de ensino, por muito tempo, foi concebido como<br />
um documento para atender apenas às exigências burocráticas das<br />
instituições educacionais, portanto, descontextualizado da realidade<br />
social. Sendo valorizado ao longo da história apenas pela concepção<br />
técnica, onde o professor copia anualmente dos livros didáticos ou<br />
dos planos dos anos anteriores objetivos, conteúdos, recursos,<br />
estratégias e avaliação, repetindo a mesma receita para diferentes<br />
clientelas, com efeito, esse padrão de planejamento não estabelece<br />
um vinculo estreito com o aprendiz.<br />
Uma característica comum neste tipo de planejamento são as<br />
estratégias de ensino desvinculadas do propósito da ação reflexiva do<br />
aluno, ao contrário, embasado em procedimentos conteudistas, onde<br />
o professor é o provedor do conhecimento e o aluno um mero receptor<br />
de conhecimentos estéreos, desprovido de significados sociais ou<br />
mesmos emocionais, reduzido a um modelo mimético de educação .<br />
Mesmo sendo um aspecto relevante à vida humana em suas<br />
diversas dimensões , o ato de prever as ações pedagógicas, através do<br />
planejamento do ensino, até então não tinha sido incorporado como<br />
parte integrante do fazer pedagógico, caracterizando-se inclusive como<br />
um processo de desconforto no cotidiano docente, como afirma<br />
Theodoro (1993) citado por Lucena e Sales (2002) no texto Carbono<br />
para Planejamento, sobre o diálogo de uma professora iniciante na<br />
profissão com uma amiga:<br />
É sobre o maldito planejamento de ensino. Eu não sei por onde começar [...].<br />
– Lá na escola quem faz o plano é a Dona Chiquinha. Ela datilografa as cópias<br />
com carbono para facilitar. Imagine se eu vou perder tempo com isso. O diretor<br />
nem verifica: ele pega, dá uma olhada por cima e tranca na gaveta.<br />
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Por não atender às necessidades emergentes da educação<br />
contemporânea, esse modelo de planejamento vem sendo superado<br />
gradativamente pela perspectiva crítica do fazer pedagógico, que<br />
prioriza o aprendizado a partir das interações entre o sujeito que ensina<br />
e o sujeito que aprende, revelando-se como um processo dinâmico.<br />
Nessa concepção, o planejamento de ensino tem o papel fundamental<br />
de estabelecer a relação dialética entre o conhecimento e o contexto<br />
social, manifestando a ação transformadora a partir da mediação da<br />
aprendizagem, por compreender que a falta de mediação significativa<br />
e diversificada no processo de aprendizagem, mais especificamente<br />
no período da infância, provoca ressonâncias na vida adulta, como<br />
podemos constatar no exemplo:<br />
Todas as interações de aprendizagem se pode dividir em dois grupos:<br />
aprendizagem direta e aprendizagem mediada. A aprendizagem mediada por<br />
outro ser humano é indispensável para a criança dado que a ajuda a criar<br />
aqueles pré-requisitos cognitivos que logo fazem que a aprendizagem direta<br />
seja efetiva (FEUERSTEIN, 1990).<br />
Visando à superação dos obstáculos da existência humana,<br />
através da ação educativa consciente, é que se faz necessário repensar<br />
o planejamento a partir da ação mediada, onde a dialogicidade ganha<br />
relevância na revitalização da relação docente-discente.<br />
Vivemos hoje a era do conhecimento, portanto os rumos que<br />
envolvem o processo pedagógico mais precisamente o planejamento<br />
do ensino, deve primar pela articulação das diretrizes do trabalho<br />
docente às necessidades sociais e culturais emergentes, tendo como<br />
referencial a autonomia intelectiva e emocional elucidada a partir da<br />
ca-pacidade de abstração do sujeito.<br />
Mais do que um roteiro organizado das atividades didáticas, o<br />
planejamento de ensino, neste novo momento da educação, assume<br />
um papel genuinamente político e social no sentido de favorecer a<br />
ação-reflexão-ação da prática pedagógica, a ser manifestada pela ação<br />
mediadora do professor. Neste contexto, a aprendizagem mediada<br />
apresenta relevantes contribuições ao desenvolvimento sociocultural<br />
do homem, por compreender que o desenvolvimento cognitivo do<br />
mediador/professor é indissociável do desenvolvimento cognitivo do<br />
mediado/aluno. Como afirma Fonseca (2000):<br />
O desenvolvimento cognitivo de uma criança é inseparável do desenvolvimento<br />
cognitivo dos seus mediatizadores, sejam eles pais, médicos ou professores. A<br />
aprendizagem ocorre, conseqüentemente, num contexto social, na base de<br />
multimediações humanas.<br />
Inseridos num contexto social onde a instrumentalização da<br />
ação deve ser previamente analisada, com vistas à superação dos desafios<br />
decorrentes, quer seja do índice de problemas relacionados à deficiência<br />
de aprendizagem ou mesmo dos casos da inclusão escolar, o<br />
planejamento escolar tem, assim, nesta nova concepção de ensino,<br />
apresentado como guia de diretrizes que asseguraram o trabalho<br />
docente com base em princípios pré-estabelecidos, porém flexíveis, a<br />
serem desenvolvidos de acordo com o ritmo da mediação estabelecida<br />
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A mediação da aprendizagem como característica do planejamento de ensino<br />
entre professores e educandos. De acordo com essa visão pedagógica,<br />
o planejamento assume uma concepção política pautada na valorização<br />
do conhecimento que o aluno traz consigo e na capacidade que o<br />
professor deve ter de planificar suas ações para mediar esse e outros<br />
conhecimentos.<br />
A MEDIAÇÃO DA APRENDIZAGEM COMO UM PROCEDIMENTO<br />
METODOLÓGICO A SER CONSIDERADO NO PLANEJAMENTO DE ENSINO<br />
Partindo deste resgate histórico do planejamento de ensino,<br />
temos necessidades emergentes a serem vencidas e convencidas pelo<br />
processo ensino-aprendizagem. Para tanto, é necessário que o<br />
planejamento de ensino assuma um caráter de pesquisa e reflexão<br />
das ações docentes, sendo característica fundamental à mediação, a<br />
ser desdobrada, através dos procedimentos metodológicos, como<br />
resposta aos objetivos a serem alcançados pelo professor.<br />
Vemos a mediação como elemento norteador da relação<br />
professor-aluno, por ser a sala de aula um espaço de promoção do<br />
conhecimento formal, e, sendo o ato de planejar a prévia da ação<br />
docente, faz-se necessário fazermos uma retrospectiva da sua<br />
ressonância na prática pedagógica nessa perspectiva histórica.<br />
Considerando que o desenvolvimento cognitivo do ser humano<br />
não é só resultado do processo de amadurecimento do organismo<br />
biológico , mas das interações que os mesmos estabelecem ao longo<br />
da sua vida, ao assumir o papel de mediador o professor utiliza-se de<br />
procedimentos metodológicos que possibilitem o mesmo a se interpor<br />
entre o aluno e o conhecimento. Dessa maneira, a modalidade de<br />
interação entre professor e aluno assume aspectos que vão desde a<br />
mediação gestual , cinética , expositiva, até a interação verbal , onde<br />
a eficiência da mediação não dependerá só do conteúdo, mas das<br />
condições metodológicas que incentivam a participação do aluno na<br />
construção desse conhecimento. Concordamos neste sentido com<br />
Feuerstein (2000) quando afirma que:<br />
O mediador ajuda a interpretar a vida criando no indivíduo disposições que<br />
influenciam no seu funcionamento de forma estrutural. O que influi é o modo<br />
como se ensina. Para saber como uma pessoa aprende, devemos saber como<br />
pensa o educador.<br />
O planejamento de ensino que prioriza a mediação como<br />
condição sine qua non, para a construção do conhecimento, traz, em<br />
seu cerne, elementos necessários à revitalização do espaço da sala de<br />
aula. A exemplo disso, temos as aulas contextualizadas, onde o aluno<br />
é protagonista do conteúdo científico a ser trabalhado, através da<br />
representação da sua história de mundo. Afinal, ao planejar as<br />
atividades pedagógicas, o professor tem que considerar em primeira<br />
instância os níveis antropológico e filosófico da clientela, direcionando<br />
os objetivos a serem alcançados através de um caráter dialógico que<br />
se manifesta pela qualidade da mediação. Ao assumir o papel de<br />
mediador, que seleciona, filtra, organiza, nomeia e dá significado ao<br />
mundo, possibilita a transcendência das ações, superando assim os<br />
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mecanismos tradicionais do ensino. Essas intenções, ao serem<br />
selecionadas previamente no planejamento de ensino, garantirão a<br />
eficiência e a flexibilidade da aprendizagem. Ao prever critérios de<br />
mediação que viabilizem o processo pedagógico, o professor-mediador<br />
proporcionará à cada indivíduo a realização das metas socioculturais<br />
da educação, e uma dessas metas é a preparação do sujeito para ser<br />
um aprendiz independente. Sendo que esses benefícios têm que se<br />
diferenciar tanto no conteúdo quanto nas ferramentas simbólicas que<br />
oferece a uma determinada cultura.<br />
Ressaltamos, porém, que os desafios aqui mencionados acerca<br />
do estigma do planejamento desvinculado da prática, ainda não foram<br />
superados. É comum, no dia-a-dia da coordenação pedagógica, nos<br />
diversos níveis de ensino, a resistência à sistematização do<br />
planejamento. Cremos que, em muitos casos, isso ocorre pelo<br />
desconhecimento das reais funções do planejamento para a prática<br />
pedagógica. Esse comportamento explica a cristalização da sala de<br />
aula que, por sua vez, reflete na evasão, repetência e ausência de um<br />
vínculo positivo entre os alunos e a escola.<br />
Acreditamos que o ato de planejar não pode ser desvinculado<br />
da vontade do professor em promover a mudança, a partir da<br />
participação efetiva da comunidade escola, mais especificamente do<br />
aluno, na recriação do espaço educativo. De acordo com as suas<br />
crenças na possibilidade de um fazer pedagógico transformador, o<br />
professor pode vencer as barreiras impostas pelas condições que,<br />
muitas vezes, são delegadas pelas políticas educacionais, como, por<br />
exemplo, a falta de recursos pedagógicos na rede pública de ensino, a<br />
partir da intensidade da mediação. Segundo Feuerstein (1990. p. 3):<br />
Somente se proporcionarmos uma experiência de aprendizagem mediada<br />
adequada, poderemos conseguir a realização das metas socioculturais da<br />
educação. E a preparação para que o sujeito se transforme num aprendiz<br />
independente.<br />
Como sinaliza Feuerstein, as interações entre o professor e o<br />
aluno são fatores determinantes no desenvolvimento cognitivo do<br />
sujeito. De acordo com essa concepção, a relação professor-aluno<br />
assume um caráter dialógico, superando o mecanismo tradicional do<br />
ensino.<br />
Considerar a mediação como característica fundamental a ser<br />
priorizada no planejamento de ensino, é considerar a própria natureza<br />
do desenvolvimento social, que só é possível pela interação humana.<br />
O professor, ao assumir o papel de mediador da aprendizagem, precisa<br />
agregar à sua prática elementos que o ajudem a compreender o<br />
ambiente dinâmico da sala de aula, o qual tem como dispositivo para a<br />
aprendizagem a curiosidade representada pelo nível de interesse que<br />
o educando manifesta face à mediação qualitativa adotado por cada<br />
mediador. Ao planejar critérios de mediação que viabilizem a relação<br />
interativa entre professor-aluno, o educador planeja a própria superação<br />
dos entraves comuns ao processo ensino-aprendizagem.<br />
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A mediação da aprendizagem como característica do planejamento de ensino<br />
CRITÉRIOS UNIVERSAIS DE MEDIAÇÃO<br />
Na perspectiva de um modelo de educação que considere a<br />
interação das relações discente-docente, como elemento necessário e<br />
que, conseqüentemente, deva ser considerado a partir dos<br />
procedimentos metodológicos previamente elaborados no planejamento<br />
de ensino, assegura ao mediador a condição de uma educação<br />
preventiva ao trabalhar com critérios de mediação que facilitem o<br />
desenvolvimento cognitivo dos alunos, utilizando-os como condição<br />
para qualidade da aprendizagem mediada uma série de dez<br />
parâmentos universalmente utilizados nas mais diversas situações<br />
de aprendizagem, sendo portanto indispensáveis na elaboração dos<br />
procedimentos metodológicos do ensino:<br />
- Intencionalidade e reciprocidade;<br />
- Transcendência;<br />
- Mediação de significado;<br />
- Mediação de sentimento de competência;<br />
- Mediação da regulação e controle do comportamento;<br />
- Mediação de comportamento/compartilhamento;<br />
- Mediação da diferenciação individual e psicológica;<br />
- Planejamento dos objetivos;<br />
- Mediação do desafio;<br />
- Automodificação<br />
Segundo Feuerstein (1985), destes dez, os três primeiros,<br />
intencionalidade e reciprocidade e a mediação da transcendência e<br />
mediação de significado são condições necessárias para que se possa<br />
qualificar uma interação de mediação de aprendizagem. Estas três<br />
tidas como responsáveis pelo que todos os seres humanos têm em<br />
comum: a modificabilidade das estruturas cognitivas. Os outros<br />
parâmetros de mediação não são condições uniformemente necessárias,<br />
nem devem ser sempre presentes; porém ajudam na diversificação<br />
dos procedimentos metodológicos. Os primeiros três têm natureza<br />
universal e podem ser encontradas em todas as civilizações. Os outros<br />
refletem e são diretamente responsáveis pelo processo de diversificação<br />
da humanidade em termos de estilos cognitivos, sistemas de<br />
necessidades, motivação, tipos de habilidade dominadas e estrutura<br />
do conhecimento.<br />
Para melhor compreensão de como estes parâmetros de<br />
mediação se inserem no planejamento de ensino, cabe definir a<br />
manifestação dos mesmos através da ação do professor-mediador:<br />
Intencionalidade e reciprocidade<br />
Ao mediar a aprendizagem, o professor-mediador utiliza-se da<br />
intencionalidade quando orienta, selecionando, interpretando e<br />
focando a atenção do educando nos estímulos. Para esse critério, Kozulin<br />
(apud ASSIS, 2002) nos chama a atenção:<br />
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Todo ato educativo deveria ser seguido por uma proposta intencional por parte<br />
do educador. O educador deve transmitir intencionalmente aos seus mediados<br />
algo que ultrapasse o objeto da tarefa, buscando demonstrar uma forma de<br />
fazer, interpretar e transcender a tarefa em si mesma.<br />
Mediação de transcendência<br />
A intenção do professor de fazer com que o aluno se sinta<br />
competente, transcende o objetivo imediato da aquisição da habilidade<br />
e da competência. Ao fazer uso da ação multidisciplinar, o mediador<br />
desperta no educando a reflexão e o estabelecimento de relações entre<br />
a diversidade de fatos. O ato de transcender o conhecimento trata-se<br />
de ultrapassar um ato concreto e dotá-lo de uma significação cognitiva<br />
e afetiva, buscando processos regulares que superem o próprio<br />
conteúdo vivido.<br />
Mediação de significado<br />
A mediação de significado conduz o educando a encontrar a<br />
razão de ser dos conteúdos estudados , na medida em que a mediação<br />
está pautada na explicação dos fatos estudados de forma mais<br />
compreensiva. Na mediação de significado, reside toda transmissão<br />
mediada de valores , atitudes culturais e pessoais do mediador para<br />
com o mediado. É o fator da interação que mais mobiliza o aspecto<br />
afetivo, envolvendo toda a crença de mundo do mediador e do mediado.<br />
Segundo Assis (2002):<br />
A mediação de significado é a ponte entre o plano cognitivo e o plano afetivoemocional.<br />
Quando o mediador transmite significados ao mediado, não só dá<br />
a sua visão de mundo, mas também prepara o outro para que ele igualmente<br />
possa ter a sua própria visão de mundo, a sua própria interpretação.<br />
Assim, uma interação humana só é enriquecida quando é provida<br />
de significado.<br />
Mediação de sentimento de competência<br />
A necessidade de dotar o educando de competências adequadas<br />
a seu estágio de desenvolvimento, implica em torná-la capaz de<br />
aprender dados necessários para solucionar problemas. A mediação<br />
de competência oferece ao educando possibilidades de enfrentar certas<br />
situações, para isso é necessário que o mediador passe para o educando<br />
o sentimento de domínio, criando situações necessárias a partir do<br />
desenvolvimento da autoconfiança.<br />
O mediador tem o papel de preparar o mediado, instrumentalizálo,<br />
para fazer emergir o sentimento internalizado de competência.<br />
Mediação de auto-regulação e controle<br />
A regulação mediada cria flexibilidade e plasticidade para<br />
modificar o individuo no tocante à inibição e à iniciação. Ela acelera o<br />
comportamento por meio da orientação do individuo para a autoreflexão.<br />
A mediação de auto-regulação relaciona-se diretamente com<br />
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A mediação da aprendizagem como característica do planejamento de ensino<br />
a metacognição, ou seja, a ação cognitiva do sujeito em pensar sobre<br />
a sua própria ação, implicando um controle de seus processos de<br />
funcionamento. A promoção desse controle é feita pelo mediador,<br />
que, em diversas instâncias, inibe fortemente a impulsividade e a<br />
resposta por ensaio e erro do mediado.<br />
Mediação de compartilhamento<br />
A mediação de comportamento compartilhado está relacionada<br />
com a interdependência mediador-mediado e com a de indivíduos<br />
em geral, o ato de compartilhar desenvolve a empatia por meio da<br />
interação social. Esse critério, de modo geral, desenvolve a capacidade<br />
do mediado de compartilhar, evocando o aspecto humanitário ao<br />
interagir suas experiências de vida.<br />
Mediação individual e psicológica<br />
A diferenciação individual e psicológica pode melhor ser desenvolvida<br />
por meio de processo de mediação, que é precedido e<br />
acompanhado por compartilhamento de comportamento, evitando<br />
assim os sentimentos de rejeição e abandono em relação ao espaço<br />
educativo. Aqui, o mediador deve enfatizar e questionar a posição do<br />
mediado frente ao meio em que vive, proporcionando reflexões que o<br />
remetem à própria singularidade.<br />
Planejamento de objetivos<br />
Mediar esse processo envolve encorajar e orientar o mediado<br />
para que defina o objetivo e estabeleça os meios, incluindo as metas<br />
necessárias, para alcançá-lo. Neste aspecto mediacional, o mediador<br />
induz sistematicamente a produção de representação antecipatória<br />
e a projeção das relações.<br />
Desafio<br />
A melhor maneira de se mediar o comportamento desafiador<br />
é permitir ao individuo que ele se depare com situações novas de<br />
uma forma gratificante. Para isso, cabe ao mediador encorajar o<br />
educando e evitar a superproteção do indivíduo frente a novas<br />
necessidades.<br />
Automodificação<br />
Otimizar a natureza da inteligência é o critério de mediação<br />
estabelecido para a automodificação. Acreditar na modificabilidade<br />
do ser humano é um fator indispensável ao processo ensinoaprendizagem,<br />
a conscientização do ser humano como modificável<br />
implica acreditar na imprevisibilidade e na superação das<br />
expectativas.<br />
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PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DO PLANO DE ENSINO DE AULA<br />
MEDIADA<br />
ESCOLA:<br />
CARACTERISTICA DA CLIENTELA:<br />
OBSERVAÇÕES:<br />
OBJETIVOS<br />
CONTEÚDOS<br />
PROCEDIMENTOS<br />
METODOLÓGICOS<br />
CRITÉRIO DE<br />
MEDIAÇÃO<br />
RECURSOS<br />
REFERÊNCIAS:<br />
Jessyluce Cardoso Reis<br />
No modelo de planejamento de ensino proposto, o professormediador<br />
estabelecerá, de acordo com o conteúdo trabalhado , critérios<br />
de mediação que tenham uma estreita relação com os procedimentos<br />
metodológicos; ou seja, os critérios de mediação a serem selecionados<br />
devem contextualizar os procedimentos. Assim, o professor-mediador<br />
cria novas possibilidades de operacionalizar os objetivos a serem alcançados.<br />
O professor-mediador não pode perder de vista que, em<br />
uma aula independente da intensidade do conteúdo, dos objetivos<br />
propostos ou do tempo estipulado, para que o trabalho pedagógico<br />
seja significativo, devem ser utilizados os dez critérios de mediação<br />
propostos.<br />
A ressignificação da escola parte de um planejamento de ensino<br />
que contemple a mediação da aprendizagem como principal<br />
característica, não perdendo de vista o compromisso do professor.<br />
Como afirma Lucena (2002, p. 30) “o planejamento é uma parte do<br />
compromisso do professor com a ética, com a qualidade, não sendo<br />
uma atividade isolada”.<br />
Na medida em que os educadores tomarem consciência de que<br />
mediar a aprendizagem não é tarefa exclusiva dele, mas resultado de<br />
uma ação participativa entre mediador e mediados, será mais fácil<br />
promover a mudança. Neste contexto, um planejamento de ensino<br />
que priorize a mediação apresenta-se como uma nova forma de viver<br />
o espaço educativo.<br />
CONCLUSÃO<br />
Pesquisas realizadas enfatizam a importância da aprendizagem<br />
mediada nos mais diversos contextos sociais, pela contribuição que<br />
os critérios de mediação podem favorecer à ação humana quando bem<br />
direcionados. No caso específico da formação de professores, vemos e<br />
vivenciamos em situações práticas ou mesmo pelo depoimento de<br />
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muitos acadêmicos, a relevância que o presente estudo tem<br />
acrescentado à prática pedagógica, pelo fato de agregar valores ao<br />
planejamento de ensino e redirecionar a ação docente. Para além do<br />
ato de ensinar, estes estudos proporcionam um olhar diferente para o<br />
processo de aquisição do conhecimento, na medida em que a ação<br />
docente não pode ser desvinculada da ação do educando. Eis o mistério<br />
da mediação!<br />
De acordo com a experiência que vem sendo realizada com os<br />
alunos-estagiários das séries iniciais do Ensino Fundamental do Curso<br />
de Pedagogia da FASB-Faculdade do Sul da Bahia ISESB-Instituto<br />
Superior de Educação do Sul da Bahia, evidencia-se a importância<br />
da utilização da mediação como intervenção no processo ensinoaprendizagem.<br />
Apesar da mediação ser um processo antigo na história<br />
da humanidade, a proposta de um planejamento voltado para a<br />
superação dos desafios impostos ao espaço educativo, a partir dos<br />
critérios universais de mediação, é algo novo e que nos cabe enquanto<br />
educadores vivenciá-lo.<br />
Os resultados dos estudos relacionados à experiência da<br />
aprendizagem mediada têm evidenciado a necessidade de inovar o<br />
espaço educativo, a partir da ressignificação do Planejamento de Ensino<br />
que contemple a mediação como requisito necessário à prática<br />
pedagógica.<br />
REFERÊNCIAS<br />
A mediação da aprendizagem como característica do planejamento de ensino<br />
FEUERSTEIN, Reuven. Instrumental enrichment. Baltimore:<br />
University Park Press, 1980.<br />
FEUERSTEIN, Reuven. Mediated learnig experience –An Outline of<br />
the proximal etiology for differencial development of cognitive functions.<br />
Nova Iorque: ICP , 1975.<br />
FONSECA, Vitor da. Aprender a aprender : a educabilidade cognitiva.<br />
Porto Alegre, RS : Artes Médicas, 1998.<br />
LIMA, Maria Socorro Lucena .Aprendiz da prática docente: a didática<br />
no exercício do magistério. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha , 2002.<br />
TÉBAR, Lorenzo Belmonte. O otimismo educativo de Reuven<br />
Feuerstein. Revista Psicopedagógica, p. 9-15, 1994.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
ASPECTOS RELACIONADOS AO PLANTIO DE FLORESTAS<br />
EXCLUSIVAMENTE PARA O SEQÜESTRO DE CARBONO<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Marcos Hiroshi Nishi¹<br />
Este estudo objetivou analisar os principais aspectos que influenciam<br />
o êxito de um reflorestamento, destinado exclusivamente ao seqüestro<br />
de carbono. Para isto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em<br />
periódicos, anais de simpósios, teses etc. que abordam o tema. Entre<br />
os aspectos pesquisados destacaram-se: seleção de local, preparo de<br />
solo, clima, seleção de espécies e espaçamento. Ao analisar-se cada<br />
um dos aspectos, verificou-se que em cada um deles, as pesquisas<br />
diretamente relacionadas ao tema são ainda incipientes, mas, por<br />
outro lado, há muitos dados que indiretamente podem auxiliar na<br />
realização e direcionamento de novas pesquisas específicas, visando<br />
aumentar a eficiência do seqüestro de CO 2 da atmosfera e sua fixação<br />
na superfície terrestre, por um período mais longo possível.<br />
Palavras-chave: seqüestro de carbono, floresta plantada, pesquisa<br />
florestal.<br />
ABSTRACT<br />
This study aimed at to analyze the main aspects that influence the<br />
success of a reforestation, destined exclusively to the carbon<br />
sequestry. For this, a bibliographical research was accomplished in<br />
newspapers, annals of symposia, theories, etc., that approach on the<br />
theme. Enter the researched aspects stood out: place selection, soil<br />
preparation, climate, selection of species and spacing. When analyzing<br />
each one of the aspects it was verified that, in each one of them, the<br />
researches directly related to the theme they are still incipient, but<br />
there are still many data that indirectly can aid in the accomplishment<br />
and to indicate of new specific researches, seeking to increase the<br />
efficiency of carbon sequestry of the atmosphere and his fixation in<br />
the terrestrial surface, for a possible longer period.<br />
Key Words: carbon sequestry, planted forest, forest research.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Mudanças Climáticas referem-se a um dos temas ambientais<br />
mais importantes em pauta neste momento. Há uma preocupação<br />
crescente de que se não forem tomadas medidas para a diminuição da<br />
emissão dos “gases de efeito estufa”, teremos como conseqüência um<br />
aumento cada vez maior na temperatura média da superfície terrestre<br />
¹ Marcos Hiroshi Nishi é mestre em Engenharia Florestal e professor da FASB.<br />
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e, também, mudanças nos padrões climáticos que poderão alterar as<br />
condições básicas de manutenção da vida sobre o planeta.<br />
Um acordo governamental, em nível mundial, está sendo<br />
proposto, visando à diminuição do efeito estufa. Este acordo começou<br />
a ser discutido no final da década de oitenta, tendo como fruto o<br />
protocolo de Kyoto, estabelecido em 1997, no Japão. Neste Protocolo<br />
estão previstos três mecanismos de flexibilização para alcance das<br />
metas preestabelecidas para os países: implementação conjunta e<br />
comércio de emissão, em que ambos, permitem a negociação entre<br />
países do anexo I (países desenvolvidos) e, MDL (Mecanismo de<br />
Desenvolvimento Limpo), que abre possibilidades aos países em<br />
desenvolvimento participarem de projetos de carbono.<br />
O Protocolo de Kyoto, em seu artigo 2°, lista ainda uma série<br />
de políticas e medidas que os países do Anexo-1 podem implementar e<br />
desenvolver para cumprir seus compromissos de redução de emissões.<br />
Esses países podem, de acordo com as circunstâncias nacionais<br />
próprias:<br />
- Estimular a eficiência energética;<br />
- Pesquisar, promover, desenvolver e incrementar tecnologias<br />
ambientais inovadoras, tecnologias de seqüestro de CO 2 e novas formas<br />
de energia renovável;<br />
- Proteger e promover melhorias de sumidouros e reservatórios de<br />
GEE;<br />
- Promover práticas de manejo sustentável de florestas;<br />
- Promover aflorestamentos;<br />
- Promover reflorestamentos;<br />
- Promover formas sustentáveis de agricultura;<br />
- Reduzir progressivamente as imperfeições de mercado, tais como,<br />
subsídios e incentivos e isenções fiscais em todos os setores emissores<br />
de GEE.<br />
Como podemos observar, existem dois principais campos de<br />
atividade econômica, onde investimentos podem contribuir para reduzir<br />
a emissão líquida de GEE ou aumentar a taxa de seqüestro de CO2 da<br />
atmosfera:<br />
- Geração e uso de energia;<br />
- Uso da terra e florestas.<br />
Marcos Hiroshi Nishi<br />
Vale lembrar que as florestas, consideradas apenas como<br />
sumidouros (sinks) de CO2, são responsáveis por, aproximadamente,<br />
20% da emissão de GEE através de desflorestamento, queimadas e<br />
incêndios. Portanto, iniciativas que inibam as práticas destas atividades<br />
devem ser incentivadas.<br />
O plantio de florestas, além de proporcionar o seqüestro de<br />
carbono, possibilita a troca de CO 2 ativamente com a atmosfera.<br />
Segundo WARING & SCHLESINGER (1985), citados por SCHROEDER<br />
(1992), em média, o equivalente ao conteúdo total de CO 2 na atmosfera<br />
passa através da vegetação ter-restre a cada 7 anos e cerca de 70% da<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Aspectos relacionados ao plantio de florestas exclusivamente para o sequestro de carbono<br />
troca total ocorre através dos ecossistemas florestais.<br />
Em função dos mecanismos de flexibilização previstos no<br />
Protocolo de Kyoto, um novo mercado está sendo criado, o dos “créditos<br />
de carbono”.<br />
Apesar de alguns países, liderados pelos Estados Unidos<br />
(responsáveis por mais de 36% das emissões de GEEs), não terem<br />
ratificado este Protocolo, a expectativa que se tem é de que o início do<br />
funcionamento deste mercado é uma questão de tempo. De olho neste<br />
mercado, algumas empresas como a Plantar, Texaco e Renault, dentre<br />
outras, já começam a montar projetos de carbono no Brasil,<br />
relacionados à área florestal.<br />
Neste contexto, surge a necessidade de realizar estudos sobre<br />
os diversos fatores que influenciam na implantação de florestas<br />
exclusivamente para o seqüestro de carbono.<br />
Este estudo objetivou analisar os principais aspectos físicos,<br />
bióticos e relacionados às práticas silviculturais que influenciam o<br />
êxito de um aflorestamento ou reflorestamento, destinados exclusivamente<br />
ao seqüestro de carbono.<br />
MATERIAL E MÉTODOS<br />
Os dados foram obtidos pesquisando-se literaturas que tratam<br />
diretamente do tema “seqüestro de carbono”. Foram utilizados também<br />
aqueles obtidos em trabalhos que não tratavam diretamente do tema,<br />
mas que possuíam alguns resultados que pudessem ser associados<br />
ao tema proposto.<br />
Para isso, consultou-se, além das literaturas (periódicos, anais<br />
de simpósios, teses etc.), professores ligados à área e material<br />
encontrado na internet.<br />
RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />
Seleção de local<br />
Locais que possuem solos com textura mais argilosa são mais<br />
indicados do que aqueles com textura mais arenosa, devido ao tamanho<br />
menor das suas partículas e conseqüente maior superfície específica<br />
destes, o que resulta em capacidade maior de acomodação da matéria<br />
orgânica (Barros, comunicação pessoal).<br />
Na realidade, o armazenamento médio de carbono, resultante<br />
do plantio de nova floresta, será a diferença entre o carbono corrente<br />
no sítio e o adicional ou reposição de carbono resultante do crescimento<br />
da plantação (SCHROEDER, 1992).<br />
A estratégia mais efetiva para minimizar as emissões líquidas<br />
de CO2 depende da situação atual da terra disponível, da taxa de<br />
crescimento esperada para a floresta, da eficiência na qual a colheita<br />
será usada e da perspectiva de tempo. Para áreas onde altas<br />
produtividades podem ser alcançadas, emissões líquidas de carbono<br />
podem ser minimizadas pelo plantio e subseqüente colheita de árvores<br />
para uso de produtos com longa duração ou para fornecer energia em<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
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Marcos Hiroshi Nishi<br />
substituição à queima de combustível fóssil. Por outro lado, para<br />
áreas com elevado estoque de biomassa e baixa expectativa de<br />
crescimento, a melhor escolha é simplesmente deixar o povoamento<br />
original existindo (MARLAND & MARLAND, 1992).<br />
A qualidade do sítio, além de afetar a produção de biomassa,<br />
afeta a sua distribuição nos diferentes componentes das árvores.<br />
Reis et al. (1985), avaliando a distribuição da biomassa nos<br />
diferentes componentes das árvores em função da qualidade do sítio,<br />
concluíram que a biomassa varia com a qualidade do sítio, exceto<br />
para a copa e casca, tendo sido observado que a biomassa alocada<br />
para as raízes, aos 6 anos de idade, no local menos produtivo foi<br />
130% superior quando comparada à do local mais produtivo.<br />
Verificaram também que a qualidade do sítio também é um importante<br />
fator na determinação da idade de estabilização do acúmulo de<br />
biomassa.<br />
Esses autores observaram que a estabilização do acúmulo de<br />
biomassa de Eucalyptus grandis, na região de cerrado, ocorreu aos<br />
51 meses em sítio de melhor qualidade e, acima de 67 meses, em<br />
sítio de pior qualidade, em povoamentos estabelecidos em<br />
espaçamentos de 3,0 X 2,0 metros.<br />
A utilização de áreas degradadas pela atividade agrícola e<br />
principalmente pecuária representa uma boa opção para o seqüestro<br />
e armazenamento de CO 2 da atmosfera na biomassa viva e morta.<br />
Isto porque o carbono armazenado nesses solos e na biomassa viva<br />
existente é extremamente baixo e a implantação de florestas de rápido<br />
crescimento nessas áreas, com o uso de tecnologia e material genético<br />
adequados, implicará em aumento substancial da produção de<br />
biomassa (REIS et al.,1994).<br />
Há, no entanto, a certeza de que as quantidades de carbono<br />
que podem ser imobilizadas nestes solos são limitadas, devido ao<br />
efeito “tampão” dos solos, que impede um aumento contínuo no<br />
acúmulo do carbono(TATE III, 1992).<br />
Em solos ácidos há a manutenção da manta orgânica, pois<br />
não há atividade microbiana suficiente para a mineralização desta.<br />
Quanto à localização, as baixadas são mais propícias a este<br />
tipo de atividade que as encostas, pois além de não terem problemas<br />
de escorrimento superficial, possuem maior fertilidade, acumulando<br />
assim, maiores quantidades de carbono.<br />
Há um grande paradigma quanto à exposição solar. Locais<br />
que apresentam exposição norte estão sujeitos a maiores<br />
temperaturas, implicando em maior taxa de crescimento e,<br />
conseqüentemente, maior ciclagem de carbono. Por outro lado, locais<br />
que apresentam exposição sul, por estarem sujeitas a menores<br />
temperaturas, apresentam menor taxa de decomposição da matéria<br />
orgânica, o que implica em um maior tempo de carbono seqüestrado.<br />
Assim sendo, há a necessidade de se realizarem estudos que avaliem<br />
como se comporta a ciclagem do carbono nestas duas exposições.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Aspectos relacionados ao plantio de florestas exclusivamente para o sequestro de carbono<br />
Preparo de solo<br />
De acordo com Clevelário Júnior (1996), o solo é o principal<br />
armazenador da matéria orgânica da floresta, e, conseqüentemente,<br />
de carbono, sendo responsável por quase 50% da massa total do<br />
sistema.<br />
Ainda segundo Dixon et al. (1994, citados por MALHI et al,<br />
1999), 69% do estoque total de carbono dos ecossistemas florestais<br />
do mundo estão estocados como matéria orgânica do solo e 31% como<br />
biomassa viva. Na zona boreal, 84% do carbono está na matéria<br />
orgânica do solo e somente 16% na biomassa viva ativa, enquanto nos<br />
trópicos o carbono é distribuido mais ou menos igualmente entre a<br />
vegetação e o solo.<br />
Assim, o uso de práticas de manejo que promovam alterações<br />
no conteúdo de matéria orgânica do solo florestal pode causar efeitos<br />
significativos no balanço geral de carbono (GOMES, 2000).<br />
Apesar desta constatação, no manejo convencional das florestas<br />
há uma preocupação quase que exclusiva com o volume e o valor da<br />
parte aérea produzida, com pouca ou quase nenhuma ênfase ao estoque<br />
de carbono do solo (CANNELL et al.,1983; citados por MALHI et al.,<br />
1999).<br />
As práticas visando o aumento da matéria orgânica no solo,<br />
além de contribuírem diretamente para o aumento do carbono estocado<br />
no solo, influenciam indiretamente o armazenamento do carbono na<br />
biomassa viva, pois melhoram as condições físicas e químicas do solo,<br />
aumentando assim a produção de biomassa.<br />
O preparo do solo visa, de modo geral, a melhoria de sua<br />
estrutura física e química, de forma a propiciar um aumento na<br />
produção florestal através de práticas que visam a redução da matocompetição;<br />
a redução da compactação do solo para permitir uma<br />
melhor penetração do sistema radicular; a modificação da profundidade<br />
efetiva do solo; a melhoria da infiltração de água e da drenagem; e a<br />
melhoria da disponibilidade de nutrientes.<br />
Entretanto, segundo Johnson (1992), de maneira geral, há uma<br />
perda líquida de carbono no solo com o seu preparo, sendo que a<br />
magnitude das perdas depende da severidade dos distúrbios<br />
provocados no solo e das características do sítio.<br />
Os sistemas intensivos de preparo incluem a queima dos<br />
resíduos, aração, gradagem, subsolagem e terraceamento, provocando<br />
grandes distúrbios no solo em diferentes profundidades no seu perfil<br />
e, conforme TURNER e LAMBERT (2000), provocam o aumento da<br />
decomposição da matéria orgânica sobre o solo e ao longo do seu<br />
perfil.<br />
A erosão afeta a quantidade de carbono no solo de duas<br />
maneiras. Ao degradar o solo, provoca a redução de sua produtividade<br />
e, conseqüentemente, reduz a quantidade de carbono que retorna ao<br />
solo através dos resíduos. Além disso, provoca a redistribuição da<br />
superfície do solo, que é rica em carbono, removendo-o de um local e<br />
depositando em outros (GREGORICH et al., 1998).<br />
O uso de práticas de manejo para o controle de erosão pode<br />
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Marcos Hiroshi Nishi<br />
melhorar a produtividade e assim ajudar a manter ou, possivelmente,<br />
aumentar o armazenamento do carbono no solo.<br />
A queima, particularmente em nossos solos intemperizados,<br />
deve ser estritamente proibida, pois em sendo eles muito mais dreno<br />
que fonte, não há a retenção da matéria orgânica mineralizada,<br />
ocorrendo, assim, o retorno precoce do carbono para a atmosfera.<br />
A alocação de carbono para o sub-bosque em florestas plantadas<br />
pode atingir valores bastante elevados, especialmente para as áreas<br />
que estão sendo implantadas com espaçamentos mais amplos e em<br />
florestas manejadas para o uso múltiplo com idade de rotação mais<br />
longa (REIS et al.,1994). Assim, a utilização de capinas químicas apenas<br />
durante a fase inicial dos plantios, quando a matocompetição é intensa,<br />
poderia ser uma boa prática quando o objetivo do manejo é<br />
exclusivamente a captura de carbono.<br />
O potencial para aumento da capacidade de armazenamento<br />
de CO2 nas florestas é freqüentemente limitado pela disponibilidade<br />
insuficiente de nutrientes, sendo que esta limitação pode ser superada<br />
facilmente pela suplementação apropriada de nutrientes através da<br />
fertilização (HUETTL; ZOETTL, 1992).<br />
A fertilização, geralmente, causa um aumento no carbono no<br />
solo, dado o seu efeito esperado sobre a produtividade primária<br />
(JOHNSON,1992).<br />
A utilização de fertilizantes necessária para o aumento da<br />
produção florestal total é uma prática fundamental para minimizar as<br />
perdas de carbono no solo devido aos distúrbios provocados pelas<br />
práticas de preparo de solo e conseqüentemente para a maximização<br />
do aumento total do carbono no sistema florestal (TURNER; LAMBERT,<br />
2000).<br />
O efeito líquido da implantação e manejo de plantações de Pinus<br />
radiata e Eucalyptus grandis, na Austrália, sobre o carbono orgânico<br />
do solo foi avaliado por Turner e Lambert (2000).<br />
Usando técnicas de comparação entre plantações maduras e<br />
florestas nativas adjacentes (parcelas pareadas) e de cronosseqüências,<br />
concluíram que os distúrbios no solo provocados pelas operações de<br />
implantação das florestas resultaram na decomposição do carbono<br />
do solo e em perdas de carbono em diferentes taxas e em diferentes<br />
pontos do perfil do solo.<br />
Essas perdas poderiam ser compensadas pela acumulação de<br />
carbono na vegetação, entretanto, o período onde o efeito líquido é<br />
nulo varia com as diferentes plantações, mas a escala de tempo é de<br />
décadas.<br />
Afirmam ainda que as plantações de rápido crescimento, com<br />
rotações curtas e manejadas com práticas intensivas, levarão à<br />
maximização das perdas de carbono orgânico do solo, principalmente<br />
se não houver modificação do status nutricional global do sistema.<br />
Assim, se o objetivo do manejo é maximizar o acúmulo do<br />
carbono no sistema florestal (solo e planta), há necessidade de se evoluir<br />
de um sistema intensivo de preparo de solo para práticas que<br />
minimizem os distúrbios no solo, que controlem a erosão, que promovam<br />
o rápido desenvolvimento da floresta e melhorem o status<br />
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Aspectos relacionados ao plantio de florestas exclusivamente para o sequestro de carbono<br />
nutricional da mesma. Isto poderia ser alcançado com o uso de práticas<br />
de cultivo mínimo ou reduzido, já utilizadas por muitas empresas<br />
florestais do Brasil.<br />
O cultivo mínimo torna-se uma alternativa altamente viável,<br />
pois, ao contrário do sistema convencional, promove um revolvimento<br />
mínimo do solo, e a permanência da cobertura do solo, além de liberar<br />
o carbono mais lentamente ao sistema. Outra vantagem desse sistema<br />
é a solução de problemas como pragas, erosão e transpiração de água<br />
do solo.<br />
Clima<br />
A resposta não é simples porque o incremento de temperatura,<br />
produto do aquecimento global, estimado pelos modelos de previsão<br />
poderia beneficiar mais algumas espécies em detrimento de outras.<br />
É necessário, então, utilizar-se espécies adaptadas em cada<br />
tipo de clima (temperatura, quantidade de água, ventos, etc), para<br />
que haja um máximo de incremento, em termos de volume na floresta<br />
e, como conseqüência, o máximo de carbono fixado.<br />
Logicamente, locais que possuam climas, por exemplo, com<br />
temperaturas medianas, ausência de déficit hídrico e pouca incidência<br />
de ventos, são mais propícias a este fim (Paiva, comunicação pessoal).<br />
Seleção de espécies<br />
Há uma diversidade enorme entre espécies e sua capacidade<br />
no que diz respeito ao seqüestro de carbono. Em termos gerais, as<br />
árvores de vida longa com alta densidade de madeira armazenam mais<br />
carbono por volume que as árvores de vida curta, densidade de madeira<br />
baixa e crescimento rápido. Mesmo assim, isto não significa que o<br />
seqüestro de carbono envolvendo as árvores grandes, de<br />
desenvolvimento lento, é necessariamente melhor que as plantações<br />
de árvores de crescimento rápido, e vice-versa (MOURA-COSTA, 1996).<br />
Há a certeza apenas de que plantas que possuem uma grande<br />
capacidade fotossintética são mais propícias a seqüestrar com maior<br />
eficiência o carbono que as demais. Neste contexto, espécies rústicas,<br />
que produzam muita biomassa para o sistema e que tenham rápido<br />
crescimento parecem ser as mais indicadas para este fim.<br />
O sistema radicular tem papel importante neste contexto, pois<br />
este representa o carbono que compõe a matéria orgânica do solo. É<br />
de se supor então que espécies que possuam um sistema radicular<br />
bem distribuído horizontal e verticalmente tenham maiores<br />
possibilidades de imobilizar maiores quantidades de carbono no solo.<br />
Neste sentido, o sistema radicular é de grande importância,<br />
pois o carbono estocado no mesmo irá compor o pool de carbono<br />
orgânico do solo.<br />
Ao se considerar a estratégia de reduzir a quantidade de CO2<br />
emitida para a atmosfera pelo aumento do tempo de vida do carbono<br />
orgânico, a seleção de espécies com maior alocação de carbono ao<br />
sistema radicular é desejada.<br />
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Marcos Hiroshi Nishi<br />
Eucalyptus spp. possuem elevada eficiência fotossintética, ou<br />
seja, mesmo apresentando área foliar relativamente baixa em relação<br />
à produção de biomassa, representam um grupo de espécies bastante<br />
eficiente no seqüestro de carbono (BASSMAN, 1983, citado por REIS<br />
et al., 1994).<br />
Bernardo (1995) concluiu que a produção de biomassa variou<br />
com o espaçamento e com o material genético (espécie / procedência)<br />
estudado.<br />
Ao avaliar a produção e alocação de biomassa em plantas de<br />
Eucalyptus camaldulensis, Eucalyptus pellita e Eucalyptus urophylla,<br />
estabelecidos em diferentes espaçamentos na região do cerrado de<br />
Minas Gerais, Ladeira et al.(1997), encontraram que a distribuição<br />
da biomassa nos diversos componentes das árvores variou com a<br />
espécie.<br />
O aumento da biomassa dos vegetais depende, em última<br />
instância, do potencial genético de cada material para fixar e alocar<br />
carbono e absorver água e nutrientes, o que varia em função de fatores<br />
edafoclimáticos, como a radiação solar, temperatura, disponibilidade<br />
de água e nutrientes (CROMER, 1984, citado por CONTRERAS<br />
MARQUES, 1997) e de fatores bióticos, como doenças, pragas e<br />
competição com outras plantas que crescem no mesmo espaço físico.<br />
Além disso, a alocação de biomassa e nutrientes para os<br />
diferentes componentes da planta depende, entre outros, da espécie,<br />
da densidade de plantios, da qualidade do sítio e da idade (REIS;<br />
BARROS,1990).<br />
Sendo a biomassa definida como quantidade, expressa em<br />
massa, do material vegetal em um dado ecossistema, a quantidade<br />
de carbono estocada no tronco é diretamente proporcional à densidade<br />
da madeira, que, por sua vez, varia com a espécie e com o sítio.<br />
Assim, a seleção da espécie a ser utilizada para uso exclusivo no<br />
seqüestro de carbono deve levar em consideração esta variável, ou<br />
seja, para um mesmo potencial produtivo, quanto maior a densidade,<br />
maior a quantidade de carbono estocado. Generalizando, podemos<br />
afirmar que a seleção da espécie para a captura de carbono deve<br />
levar em consideração o potencial de produção de biomassa e não<br />
simplesmente o volume.<br />
A evolução nos trabalhos de seleção de material genético e<br />
técnicas de manejo mais adequadas têm permitido aumento<br />
substancial da produtividade das florestas plantadas, tendo assim a<br />
possibilidade de se ter aumento contínuo no seqüestro de carbono.<br />
Assim, programas para seleção de material genético mais<br />
eficiente na captura e armazenamento de carbono devem ter como<br />
ponto de partida os resultados e informações obtidos nos programas<br />
já instalados.<br />
Atualmente, a pesquisa para elucidar os efeitos de elevados<br />
níveis de CO 2 sobre a fisiologia, bioquímica e produtividade das plantas<br />
é realizada em câmaras de topo aberto, como as utilizadas na Unidade<br />
de Crescimento de Plantas da UFV, ou em sistemas denominados<br />
FACE (Free Air CO 2 Enrichment), que são sistemas de campo<br />
utilizados em alguns países desenvolvidos e que simulam de forma<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
Aspectos relacionados ao plantio de florestas exclusivamente para o sequestro de carbono<br />
mais real os possíveis efeitos de futuras concentrações de CO2<br />
atmosférico em cultivos e florestas.<br />
Espaçamento<br />
A escolha do espaçamento a ser utilizado depende, entre outros<br />
fatores, da espécie a ser utilizada, da qualidade do sítio, e do produto<br />
final a ser obtido.<br />
Em uma fase inicial, a biomassa necessariamente é maior em<br />
espaços mais reduzidos que nos mais amplos. Essa diferença tende a<br />
se reduzir com o aumento da idade da população, até igualar-se o<br />
peso de matéria seca em todos os espaçamentos (PEREIRA, 1990).<br />
Estudando os efeitos do espaçamento sobre o crescimento e a<br />
eficiência nutricional em plantios de Eucalyptus camaldulensis,<br />
Eucalyptus pellita e Eucalyptus urophylla, na região de Três Marias,<br />
Minas Gerais, Bernardo (1995) observou que nos espaçamentos mais<br />
densos a maior competição entre plantas resultou na estabilização do<br />
acúmulo de biomassa em menores idades que aquelas observadas em<br />
espaçamentos mais amplos, para as três espécies estudadas.<br />
Observou ainda que, nos espaçamentos mais abertos, houve<br />
uma maior alocação de biomassa para os componentes das árvores<br />
que não são explorados comercialmente, ou seja, folhas, raízes laterais<br />
e raízes com diâmetro superior a dois milímetros. Já a biomassa de<br />
raízes pivotantes estimada por hectare, por meio de equações de<br />
regressão, aumentou com a idade e com a redução do espaçamento,<br />
independentemente da espécie estudada.<br />
A escolha de espécies tolerantes à competição intraespecífica<br />
seria então uma alternativa para um grande acúmulo de biomassa<br />
inicial, pois isto permitiria a utilização de espaçamentos pequenos, o<br />
que resultaria em maiores quantidades de carbono.<br />
Segundo Contreras Marques (1997), de modo geral, a produção<br />
de matéria seca da copa de povoamentos de Eucalyptus camaldulensis<br />
e Eucalyptus pellita, aos sete anos de idade, localizados no cerrado de<br />
Minas Gerais, aumentou com o espaçamento, devido à maior<br />
disponibilidade de recurso como água, luz, nutrientes e espaço,<br />
resultando em menor desrama e, por conseguinte, maior superfície<br />
fotossintetizante.<br />
Verificou ainda que, para os espaçamentos iguais ou superiores<br />
a 3,0 X 3,0 metros, o sítio ainda se encontrava sub-utilizado, indicando<br />
que a idade de rotação deve ser mais elevada para povoamentos<br />
estabelecidos em espaçamentos mais amplos.<br />
Em povoamentos de Eucalyptus camaldulensis e Eucalyptus<br />
pellita plantados no cerrado da região de João Pinheiro, Minas Gerais,<br />
aos 52 meses de idade, Reis et al. (1997) verificaram que, à medida<br />
que as plantas são arranjadas em espaçamentos mais adensados, a<br />
contribuição das raízes para a biomassa total vai diminuindo,<br />
demonstrando que a árvore aloca grande parte dos fotoassimilados<br />
para a produção do sistema radicular em espaçamentos amplos.<br />
Em relação à produção de manta orgânica, Ladeira (1999)<br />
observou que a produção de manta orgânica acumulada, por unidade<br />
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de área, aos sete anos de idade, aumentou a densidade populacional,<br />
em povoamentos de Eucalyptus camaldulensis, Eucalyptus pellita e<br />
Eucalyptus urophylla, na região de Três Marias, Minas Gerais.<br />
Segundo Schroeder (1992), quanto maior a duração da rotação,<br />
maior o acúmulo de biomassa durante o tempo e maior a produção<br />
média de carbono.<br />
Uma alternativa poderia ser o plantio inicial com espaçamentos<br />
mais adensados, para acelerar a captura do carbono e efetuar<br />
desbastes, quando o crescimento da floresta se estagnar. Se os<br />
desbastes forem em processo contínuo, poderiam ter pouco efeito no<br />
armazenamento médio de carbono na biomassa. Assim que as árvores<br />
são removidas sua biomassa poderá ser reposta pelo aumento de<br />
crescimento das árvores remanescentes.<br />
Os desbastes aumentam o retorno do carbono ao solo pela<br />
deposição de resíduos das árvores e pela decomposição de raízes.<br />
Contudo, os distúrbios no solo durante a colheita podem levar a uma<br />
aceleração na decomposição da matéria orgânica (TURNER; LAMBERT,<br />
2000). Além disso, o uso final da madeira oriunda dos desbastes deve<br />
ser considerado, em função da sua taxa de decomposição.<br />
Deve-se ressaltar que estudos de acúmulo de biomassa, na<br />
área florestal, são praticamente restritos a povoamentos de eucalipto,<br />
havendo então, pouquíssimos estudos referentes às espécies nativas.<br />
CONCLUSÕES<br />
Foi verificado, pela revisão de literatura realizada, que existem<br />
muitas indagações sobre o plantio de florestas exclusivamente para o<br />
seqüestro de carbono, havendo necessidade do desenvolvimento de<br />
novas pesquisas mais aprofundadas para fundamentar as tomadas<br />
de decisões técnicas, referentes ao reflorestamento e se obtenha êxito<br />
quanto à eficiência do seqüestro de carbono nos plantios para este<br />
fim.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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REIS, M. G. F.; REIS, G. G.; VALENTE, O. F.FERNANDES, H. A. C.<br />
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GESTÃO DO CONHECIMENTO: UMA FORMA<br />
EMERGENTE DE COMPETITIVIDADE ORGANIZACIOANAL.<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Rosana Silva do Carmo¹<br />
Gestão do Conhecimento é um modelo emergente que rompe com os<br />
paradigmas da era industrial. A globalização da economia, o cenário<br />
competitivo e o crescente nível de exigência do consumidor<br />
pressionam as organizações a buscarem novas formas de gestão<br />
para manterem-se competitivas. Este artigo apresenta em linhas<br />
gerais as formas da criação, extração e o compartilhamento do<br />
conhecimento organizacional.<br />
Palavras–chave: informação, conhecimento, compartilhamento.<br />
ABSTRACT<br />
Knowledge management is on emergent model, that breaks up with<br />
the paradigms of the industrial era. The globalization of the economy,<br />
the competitive scenery and the growing level of the consumer´s<br />
demand, they press organizations to look for new management forms,<br />
to maintain themselves competitive. This article presents in general<br />
lines forms of creation, extraction and sharing of the organizational<br />
knowledge.<br />
Key Words: informations, knowledge, to share.<br />
INTRODUÇÃO<br />
O advento da era industrial no início do século XX praticamente<br />
forçou o surgimento da Administração Científica, cujo nascimento,<br />
impulsionado pela expansão da Revolução Industrial na América,<br />
criou uma nova realidade para as organizações, forçando-as a<br />
investirem no controle da produção. Em 1880, havia cerca de<br />
2.700.000 trabalhadores industriais nos Estados Unidos. O número<br />
subiu para 8.400.000 em 1920. Essa escala de operações exigia o<br />
desenvolvimento de métodos que fossem capazes de equacionalizar a<br />
relação homem x máquina, que até então encontrava-se fora de<br />
qualquer parâmetro administrativo.<br />
Como precursor de um movimento que tentou resolver os<br />
problemas enfrentados pela indústria naquela época, Frederick Taylor<br />
¹Rosana Silva do Carmo é mestre em Administração, professora da FASB e professora<br />
e coordenadora dos cursos de Administração em Gestão de Negócios e Agronegócios<br />
do CESESB.
Rosana Silva do Carmo<br />
implantou a Administração Científica, cujos princípios ignoravam<br />
absolutamente o potencial intelectual do homem. Necessariamente<br />
apropriada ao contexto industrial, a administração Científica, além<br />
de atender aos anseios da Indústria, abriu as portas para que outros<br />
modelos de Administração fossem sugeridos. O âmbito da<br />
Administração tornou-se então um campo fértil para o surgimento de<br />
novas e grandes idéias, todas voltadas para o mesmo objetivo: tornar<br />
as empresas competitivas e necessariamente lucrativas.<br />
Em busca da competitividade, as empresas vêm utilizando<br />
todos os recursos administrativos sugeridos por estudiosos e copiando<br />
os mais bem sucedidos empresários do mundo. A essas propostas<br />
de Administração, chamamos de “Estratégias Empresariais”. Segundo<br />
Oliveira, (1999, p. 28)<br />
estratégia é a situação em que existe uma identificada, analisada e efetiva<br />
interligação entre os fatores externos e internos da empresa, visando otimizar<br />
o processo de usufruir as oportunidades ou evitar as ameaças ambientais<br />
perante os pontos fracos e fortes da empresa.<br />
Como exemplo, a recente globalização da economia trouxe ao<br />
empresariado novas necessidades, diferentes do passado,<br />
incentivando-os pela procura de novos modelos de gestões que sejam<br />
capazes de fazê-las subsistirem a esse novo cenário. O gerenciamento<br />
dos ativos físicos, apesar de sua importância para a lucratividade da<br />
empresa, não é mais o único meio de garantir a sobrevivência da<br />
empresa, face à turbulência causada pelo impacto que a globalização<br />
causou aos mercados mundiais, oferecendo aos consumidores um<br />
leque de opções , que os levaram a um alto nível de exigência quanto<br />
à qualidade e ao preço de serviços e produtos.<br />
Diante dessa nova realidade, percebe-se que as empresas<br />
chegaram a um ponto de estagnação estratégica que as levam a um<br />
ponto de convergência tecnológica, incentivando-as a investir no capital<br />
intelectual como a única saída para uma possível diferenciação diante<br />
dos seus concorrentes.<br />
COMO CONCORRER NESSE AMBIENTE TÃO COMPETITIVO?<br />
Diante das tendências mundiais, o êxito das organizações<br />
dependerá mais da sua capacidade de explorar o potencial intelectual<br />
existente nos seus ativos humanos, do que nos seus ativos físicos.<br />
A era pós-industrial exigirá imperativamente criatividade e<br />
inovação, que são atributos adquiridos como frutos do estímulo<br />
ao potencial intelectual presente nas pessoas e que só podem emergir,<br />
quando estimulados por uma política de recursos humanos diferente<br />
de tudo que foi aprendido com a era Industrial.<br />
Cerca de 28% das empresas norte-americanas, até 1998, já<br />
haviam aderido à moderna Gestão do Conhecimento, como nova<br />
sistemática de trabalho no ambiente organizacional. Quatro anos<br />
depois, 96% se renderam a essa nova exigência do mundo empresarial.<br />
As organizações da era da informação estão deixando de basearse<br />
em Recursos e passando a basear-se em Conhecimento, que<br />
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Gestão do Conhecimento: uma forma emergente de competitividade organizacioanal<br />
passa a ser a fonte de inovação, competitividade e de renovação<br />
empresarial.<br />
COMO CRIAR CONHECIMENTO NA ORGANIZAÇÃO?<br />
Inicialmente, através da Informação. Segundo Bateson (1979),<br />
a informação consiste em diferenças que fazem a diferença. A<br />
Informação proporciona um novo ponto de vista para a interpretação<br />
de objetos, tornando visíveis significados antes invisíveis ou lança<br />
luz sobre conexões inesperadas, tornando-se um meio necessário para<br />
extrair e construir o conhecimento, acrescentando-lhe algo ou<br />
reestruturando-o. Segundo Machlup (1983), o conhecimento é<br />
identificado com as crenças e compromissos de quem os detém.<br />
O volume de informação, entretanto, precisa ganhar<br />
significado, para que possa transformar-se em conhecimento. Assim,<br />
a informação é um fluxo de mensagens, enquanto o conhecimento é<br />
produto desse fluxo, sustentado pelas crenças e compromissos de quem<br />
as detém.<br />
Numa dimensão ontológica, uma organização não pode criar<br />
conhecimento sem indivíduos. A organização deve apoiar os indivíduos<br />
criativos e lhes proporcionar um contexto que propicie a criação do<br />
conhecimento. A criação do conhecimento amplia organizacionalmente<br />
o conhecimento criado pelos indivíduos, cristalizando-o como<br />
parte da rede de conhecimentos da organização. Esse processo ocorre<br />
dentro de uma comunidade de interação, que se expande e atravessa<br />
as barreiras organizacionais.<br />
Numa dimensão epistemológica entretanto, o conhecimento<br />
pode encontrar-se de formas tácita e explícita. O tácito é pessoal,<br />
contextual e apresenta dificuldades na formulação e comunicação, o<br />
explícito é codificado, pode ser facilmente transmissível de forma sistemática<br />
e formal.<br />
A informação e o conhecimento podem ser trabalhados em<br />
um contexto, cujo resultado dependerá necessariamente de quem os<br />
manipula. Sendo assim, a empresa precisa desenvolver uma dinâmica<br />
que torne possível a transformação da informação em conhecimento.<br />
COMO TRANSFORMAR INFORMAÇÃO EM CONHECIMENTO?<br />
Criando condições para que o fluxo de informações ganhe<br />
significado e se transforme em conhecimento. Para isso, é necessário<br />
que a organização valorize e apóie a criatividade dos indivíduos,<br />
proporcionando-lhes uma interação que ultrapasse as fronteiras<br />
organizacionais.<br />
A reciprocidade de informações, dentro de um contexto<br />
organizacional, possibilitará o encontro do conhecimento tácito, que<br />
é pessoal e incorporado ao indivíduo, com o conhecimento explicito,<br />
que é formal, sistematizado e pode ser facilmente externalizado.<br />
Nos modos de conversão de conhecimentos, Nonaka e Takeuchi<br />
(1997) defendem que os fenômenos ocorridos durante as trocas de<br />
experiências, se manifestam das seguintes formas:<br />
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Socialização - onde o indivíduo compartilha seu conhecimento tácito<br />
através de linguagem, observação, imitação e prática.<br />
Externalização - onde o indivíduo compartilha seu conhecimento tácito<br />
com várias outras pessoas e de forma não-direta.<br />
Combinação – um conhecimento já explícito é compartilhado também<br />
de forma explícita.<br />
Internalização – o conhecimento explícito é compartilhado de forma<br />
explícita, sendo que o receptor o transforma em conhecimento implícito.<br />
A forma de promover esse compartilhamento constitui o<br />
desafio que as empresas enfrentam para gerir seus conhecimentos.<br />
COMO COMPARTILHAR CONHECIMENTO NA ORGANIZAÇÃO?<br />
Os estudiosos da Gestão do Conhecimento apresentam<br />
metodologias que essencialmente incluem a identificação dos ativos<br />
intelectuais existentes, a criação de uma estrutura organizacional<br />
que tenha como base uma dinâmica de compartilhamento do<br />
conhecimento em todos os níveis. Este compartilhamento pode<br />
acontecer formal ou informalmente. A organização deve adotar uma<br />
metodologia que melhor se adeqüe à sua realidade.<br />
O compartilhamento informal pode ocorrer enquanto os<br />
funcionários trocam idéias, pedem conselhos ou ajudam-se entre si.<br />
A organização pode estimular esse compartilhamento tácito,<br />
simplesmente promovendo encontros que favoreçam o intercâmbio,<br />
a exemplo de viagens e feiras de conhecimento. A organização poderá<br />
promover também o compartilhamento formal, utilizando-se de<br />
técnicas já não tão modernas, como as palestras, recursos<br />
audiovisuais, manuais e livros, ou poderá adotar a alta tecnologia dos<br />
computadores para a disseminação dos conhecimentos de forma<br />
codificada e armazenada. Certamente será necessário criar um<br />
mapeamento que facilite aos seus funcionários a localização das<br />
fontes do conhecimento, ou seja , quem os detém ou onde encontrálos<br />
de forma sistematizada. Como esse processo tem como base o<br />
relacionamento entre pessoas, é natural que o compartilhamento<br />
apresente dificuldades, tendo em vista que as pessoas foram<br />
acostumadas a acreditar que seriam mais valorizadas se guardassem<br />
seus conhecimentos consigo, e os usassem para exercer poder na<br />
organização.<br />
Na era do conhecimento, entretanto, as organizações poderão<br />
utilizar os diversos recursos da Tecnologia da Informação, como fortes<br />
aliadas do compartilhamento e armazenamento do conhecimento. Não<br />
importa a metodologia, serão vencedoras as organizações que forem<br />
capazes de gerir seus Conhecimentos de tal forma a transformá-los<br />
em Ativos Intelectuais.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Na era industrial administrava-se máquinas e Taylor ficou<br />
consagrado pelo seu talento em medir a produção destas e das pessoas.<br />
Na era da informação, entretanto, as máquinas são similares,<br />
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Gestão do Conhecimento: uma forma emergente de competitividade organizacioanal<br />
produzem produtos similares em qualidade, preço e funcionalidade. E<br />
agora? Onde encontrar a real vantagem competitiva que subsista à<br />
próxima inovação?<br />
A maioria das organizações brasileiras ainda não despertou<br />
para a importância da Gestão do Conhecimento, como uma vantagem<br />
competitiva realmente sustentável. Chegamos numa era em que só o<br />
capital intelectual fará a diferença entre os atributos competitivos<br />
nas organizações.<br />
Será necessário o rompimento com os antigos paradigmas da<br />
era industrial, que essencialmente restringiam-se à aquisição de<br />
máquinas modernas e ao controle burocrático de freqüência,<br />
pontualidade e cálculos trabalhistas dos funcionários. Será necessário<br />
criar ambientes organizacionais que estimulem a criatividade e o feeling<br />
inerente às pessoas, de forma a permitir a criação e o compartilhamento<br />
do conhecimento.<br />
Só as pessoas poderão responder à organização, aquela<br />
pergunta que não quer calar: e agora, a tecnologia estagnou? As<br />
pessoas responderão: não, a tecnologia se aperfeiçoará infinitamente,<br />
enquanto o homem, que é o seu criador, tiver a chance de aperfeiçoar<br />
a sua criatura, através da multiplicidade do conhecimento.<br />
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competitividade para administrar o futuro das empresas. São Paulo:<br />
Atual,1999.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
A INTERNET NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL: O<br />
GRANDE DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO DO NOVO<br />
MILÊNIO<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Sélcio de Souza Silva¹<br />
Este artigo pretende discutir a Internet como uma grande ferramenta<br />
e fonte de informações indispensáveis à educação dos novos tempos,<br />
que exigem, ao incorporar as novas tecnologias, desenvolvidas pela<br />
sociedade da informação, um novo posicionamento do professor, que<br />
passa, no ensino presencial, se não a usá-la, ainda, de forma pouco<br />
exploratória, a questioná-la, quanto ao acesso ao conhecimento, aos<br />
seus recursos e ao seu próprio papel na condição de educador na era<br />
da educação virtual.<br />
Palavras-chave: internet, ferramenta, sociedade da informação,<br />
conhecimento, novas tecnologias, ensino presencial, educação virtual.<br />
ABSTRACT<br />
This article intends to discuss Internet as a powerful tool as well as a<br />
source of indispensable information to the schooling of the new times.<br />
From the moment new technologies developed by the society of<br />
information are incorporated in our everyday life, it is required from<br />
the teacher a new position .Thus, the teacher in the presence schooling<br />
starts whether to use Internet, although in a sub exploring way or to<br />
evaluate it considering the access provided to knowledge, the resources<br />
provided and his own role as an educator in the schooling virtual area<br />
Key Words: internet, tool, society of information, knowledge, new<br />
technologies, presence schooling, virtual schooling.<br />
A ERA VIRTUAL<br />
Entramos na era virtual e ela nos tem forçado a refletir sobre o<br />
papel da educação e da escola nesse mundo em plena transformação.<br />
Precisamos refletir, ainda, sobre a necessidade de um maior e<br />
diferenciado uso dos novos recursos da comunicação na educação,<br />
uma vez que já vivemos na chamada sociedade dos mass media e<br />
temos, aí, todo um recurso tecnológico que poderá estar auxiliando<br />
no processo ensino-aprendizagem, desde que saibamos usá-los, de<br />
maneira consciente. Por isso, é imprescindível que o professor, como<br />
um dos principais personagens desse processo, deixe de estar<br />
preparado para trabalhar com essa cultura audiovisual voltada para<br />
¹ Sélcio de Souza Silva é mestre em Educação, diretor-administrativo da FASB e<br />
professor da UNEB.<br />
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Sélcio de Souza Silva<br />
as mídias, que determinam e exigem uma nova linguagem e uma nova<br />
postura, no âmbito da relação homem-técnica. Juan Carlos Tedesco<br />
nos faz entender um passado não tão longínquo e um presente que<br />
nos exige novas habilidades:<br />
Ver era um critério importante de verdade. Agora a manipulação da imagem e<br />
as possibilidades que se abrem de construir “realidades virtuais” obrigam a<br />
estabelecer uma relação distinta com a imagem. Ver já não é suficiente. Agora<br />
é necessário que se ensine a usar os meios para evitar que a imagem nos<br />
manipule, o que abre a porta para toda uma linha de ação educativa futura<br />
baseada em formar para o uso crítico dos meios (TEDESCO, 1995, p. 1995).<br />
Sabemos, porém, que o computador, em se tratando de novas<br />
tecnologias, não é a primeira tecnologia, por excelência, que adentrou<br />
a sala de aula; além desta nova tecnologia de recurso multimídia², a<br />
televisão, assim como outras máquinas de comunicação (instrumentos<br />
de uma nova razão, segundo Pretto (2001, p. 43), tais como: vídeo,<br />
computadores, multimídias, foram e continuam sendo uma realidade<br />
didático-pedagógica às escolas. A esse respeito, Nelson de Luca Pretto<br />
assim se pronuncia:<br />
(...) ampliam-se as possibilidades de comunicação, tendo a televisão um papel<br />
de destaque, já que passa a funcionar associada a todos esses vários canais<br />
de comunicação, articulada em grandes redes. Esta passa a ter, então, a função<br />
de reconstruir a história, melhor dizendo, as histórias (PRETTO, 2001, p. 38).<br />
É somente após a Segunda Guerra Mundial, que se tem início<br />
a chamada crise da modernidade. O advento das máquinas, por meio<br />
de indústrias de informática e da comunicação, significa a superação<br />
do homem pela sua criação, pelos meios de comunicação e informação,<br />
provocando, produzindo transformações profundas na vivência das<br />
pessoas.<br />
Pretto (2001) considera, ainda, que a primeira revolução<br />
tecnológica tem a ver com os meios de transportes e a segunda com a<br />
combinação da informática com a telefonia³. Por conseguinte, a<br />
primeira é chamada de telêmica, voltada para a velocidade de veículos<br />
sofisticados, e a segunda de telemática 4 , ciência que trata da<br />
manipulação e utilização da informação através do uso combinado de<br />
computador e meios de telecomunicação.<br />
É por conta de uma nova ordem mundial que, atualmente,<br />
“a circulação tornou-se a figura-chave da nova civilização: circulação dos<br />
automóveis, circulação das imagens, circulação da moda, tudo se move, se<br />
dissolve, é substituído. Isto é o teletropismo, uma nova figura do nomadismo”<br />
(Apud PRETTO, 2001, p. 36) e, às vezes, o que se percebe é que não há,<br />
2 Tem a função de apresentar e recuperar a informação, veiculado no computador de<br />
maneira integrada, multissensorial, intuitiva e interativa.<br />
3 O telefone, por exemplo, já funciona como um dispositivo de tele-presença, uma vez<br />
que não leva apenas uma imagem ou uma representação da voz: transporta a própria<br />
voz (LÉVY, 2001, p. 28-29).<br />
4 [De tele (comunicação) + (infor) mática]<br />
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A Internet na era da comunicação virtual: o grande desafio para a educação do novo milênio<br />
da parte educacional, questionamentos de incorporação crítica. Qual<br />
novo ser humano queremos formar e como utilizar da melhor forma<br />
possível os recursos disponíveis? Ser humano, este, que está inserido<br />
no mundo da comunicação virtual, que exige uma nova escola e um<br />
novo modelo de professor, capazes de interagir com o mundo de<br />
informação e de tecnologias. Como nos aponta Nelson de Luca Pretto:<br />
Nas últimas décadas um movimento de aproximação entre as grandes<br />
indústrias do mundo eletrônico, dos equipamentos, da informática, da<br />
informação, de entretenimento e cultural promove um desenvolvimento<br />
significativo dos sistemas de comunicação em todo o planeta, provocando um<br />
deslocamento na perspectiva de mundo, em praticamente todas as áreas do<br />
conhecimento e introduzindo uma outra e nova razão (outro paradigma?) mais<br />
global e mais complexa. As ciências, as artes, a publicidade, o lazer, as técnicas,<br />
tudo, enfim, vai se transformando, colocando em crise os valores que<br />
constituíram as bases da sociedade moderna (PRETTO, 2001, p. 28).<br />
Para Morin (2001), a educação deve levar em consideração<br />
alguns paradigmas, a exemplo de “As cegueiras do conhecimento”,<br />
que se insinuam, muitas vezes inconscientemente, e que fogem da<br />
verificação empírica e da coerência lógica das teorias. Mas, que se<br />
revelam, sobretudo, nas zonas invisíveis dos paradigmas da sociedade<br />
moderna, pois eles são inconscientes, embora alimentam o pensamento<br />
consciente, controlando-o e, conseqüentemente, determinam conceitos,<br />
comandam discursos e/ou teorias:<br />
Portanto, o paradigma efetua a seleção e a determinação da conceptualização e<br />
das operações lógicas. Designa as categorias fundamentais da inteligibilidade e<br />
opera o controle de seu emprego. Assim, os indivíduos conhecem, pensam e<br />
agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles” (MORIN, 2001, p. 25).<br />
A partir da segunda metade do século XIX, o mundo incorpora<br />
à sua história o telégrafo, o telefone, a fotografia e o cinema, dando<br />
início ao período de comunicação generalizada. Desde então, até a<br />
metade do século XX, ele presencia duas grandes guerras mundiais<br />
que trarão, sem sombra de dúvida, modificações de ordem política,<br />
social e cultural, tendo como ponto de partida a comunicação de massa,<br />
que teve auxílio dos novos meios eletrônicos que se sofisticam através<br />
de pesquisas para uma futura ampliação de proporção planetária.<br />
Segundo Starr (1996), as expectativas quanto ao uso e incorporação<br />
de tecnologias, na história da educação, principalmente do século XX (século<br />
de fracassos no âmbito das inovações educacionais), foram decepcionantes,<br />
“não pelas razões que geralmente se afirma – execução deficiente, dinheiro<br />
insuficiente, resistência dos professores – mas por causa de um obstáculo<br />
mais fundamental: a lógica da sala de aula” (STARR, 1996, p. 20) 5 .<br />
Isso quer dizer que, segundo Lucena e Fuks (2000, p. 23) “os<br />
filmes, o rádio e a televisão requeriam muito trabalho e esforço técnico<br />
específicos que dificultaram a sua relação com a sala de aula”. Por<br />
isso que, na intenção de simplificar o uso destas tecnologias,<br />
acrescentou-se a elas os slides, o retroprojetor e o videocassete, embora<br />
de maneira limitada.<br />
5 Tradução do original feita pelo próprio autor do artigo.<br />
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Na pretensão de criar um novo espaço, denominado por Lévy<br />
(2001), espaço virtual, capaz de abarcar diversas manifestações<br />
culturais, que seria ligado por redes telemáticas de comunicação, é<br />
que o sistema educacional pode contar com a utilização de<br />
mecanismos de comunicação, como Groupware AulaNet 6 , para<br />
melhor aquisição, informação e conhecimento, onde a velocidade<br />
desses sistemas de telecomunicação tomou dimensões maiores, a<br />
ponto de virtualizar os sentidos do corpo:<br />
O telefone para a audição, a televisão para a visão, os sistemas<br />
telemanipulações para o tato e a interação sensório-motora, todos esses<br />
dispositivos virtualizam os sentidos. E, ao fazê-lo, organizam a colocação em<br />
comum dos órgãos virtualizados (LÉVY, 2001, p. 28).<br />
Nesse sentido, é que o computador, na atualidade, é utilizado<br />
como editor de texto, como planilha eletrônica, como meio de comunicação<br />
e pesquisa; e, até mesmo, como entretenimento, seja extra ou intra contexto<br />
escolar: escutar, olhar, ler equivale finalmente a construir-se, segundo<br />
Lévy (2001, p.37). E, no caso da Internet, que entrou na vida cotidiana<br />
de um percentual da população, não poderia deixar de estar na dinâmica<br />
da escola, incorporados à prática educativa dos estudantes e professores.<br />
Pretto, em seu livro ‘Uma escola com/sem futuro’, nos diz que<br />
“as máquinas da comunicação passam, portanto, a sinalizar o dia-a-dia<br />
de todos e, mesmo em seu espaço mais íntimo, (a casa) elas estão presentes<br />
e colocam as pessoas em permanente contato com o mundo exterior”<br />
(PRETTO, 2001, p. 41).<br />
A INTERNET COMO COMUNICAÇÃO VIRTUAL<br />
A Internet é uma rede mundial de computadores que permite<br />
a conexão e o intercâmbio de informações e serviços na maior parte<br />
do mundo, atingindo mais de 160 países e diferentes entidades<br />
(acadêmicas, governamentais, comerciais e privadas). Seu principal<br />
recurso é a simples transferência de dados de um lugar a outro em<br />
qualquer parte do mundo, onde houver um cabo de fibra ótica,<br />
conectado a um computador, diminuindo as distâncias e<br />
possibilitando o acesso à informação por intermédio de variados<br />
programas, tais como Unix, Dos, Windows, Mac, Linux, etc. Na<br />
palavras de Heide & Stilborne, a Internet é definida<br />
como uma rede de computadores interligada, mas independentes. Em menos<br />
de duas décadas, transformou-se em uma rede altamente especializada de<br />
comunicações, utilizada principalmente para fins militares e acadêmicos,<br />
em um bazar eletrônico de massa (HEIDE; STILBORNE, 2000, p. 22).<br />
A EDUCAÇÃO NA ERA DA INTERNET<br />
Não há mais como negar, a sala de aula tradicional, sem<br />
atrativos e, muitas vezes, baseada no modelo clássico de transmissão-<br />
6 Grupo de trabalho software criado para ser usado numa rede que serve um grupo de<br />
usuários trabalhando num projeto relacionado.<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
A Internet na era da comunicação virtual: o grande desafio para a educação do novo milênio<br />
memorização-reprodução de conhecimentos, não seduz o aluno e nem<br />
mesmo o acadêmico. Nesse sentido, cresce o desinteresse pela aula,<br />
uma vez que os nossos alunos vivem, atualmente, na chamada “geração<br />
digital”, provocando, assim, uma lacuna enorme entre o modelo<br />
tradicional e os recursos tecnológicos, usados pelas crianças em seus<br />
próprios lares.<br />
Eventualmente, não podemos mais conceber uma educação,<br />
em plena era da cibercultura, promotora da mudança paradigmática<br />
em informação e comunicação de nosso tempo, como um ambiente,<br />
ainda, baseado no falar-ditar do mestre, sem nenhuma participação<br />
do aluno, que se posicionava de forma passiva mediante a transmissão.<br />
Hoje, o professor deixou de ser a figura central da sala de aula<br />
e passa a ocupar outros lugares e assumir outros papéis, no contexto<br />
educativo, onde a Internet já não é mais nenhum inimigo, mas se<br />
revela como um grande suporte no processo educacional. Assim, a<br />
partir das experiências com o ciberespaço 7 , a Internet, as hipermídias 8<br />
ou os sofwares, alguns professores se despertam para a noção de<br />
interatividade que a máquina pode proporcionar aos alunos que<br />
atingem zonas de trabalho que nunca haviam imaginado.<br />
Por isso, o professor terá de aprender a se comunicar com as<br />
“máquinas”, por meio de um telefone ou Web-cam 9 ; caso contrário,<br />
ver-se-á perdido num mundo onde ele precisa urgentemente dominar,<br />
uma vez que o ciberespaço atinge, de maneira inovadora, os processos<br />
comunicacionais dos novos tempos, pois necessita de uma tecnologia<br />
avançada, ainda não manipulada pela maioria esmagadora dos<br />
professores. O novo cenário comunicacional exige não mais a lógica<br />
da transmissão, mas passa para a interatividade.<br />
O professor terá que, em contato com sites de informação, de<br />
cultura, de comércio, que auxiliam na busca por pesquisas,<br />
proporcionar espaços propícios para o desenvolvimento da<br />
aprendizagem. Conciliar esses mecanismos e conteúdos da Internet,<br />
favorecendo o ensino-aprendizagem, mediados pelo professor, é o<br />
grande desafio para o novo milênio frente a esses dispositivos<br />
tecnológicos em uso, atualmente.<br />
Daí o papel e lugar do professor ganharem novas perspectivas.<br />
Alguns adjetivos já são, então, comuns, tais como: produtor, animador,<br />
avaliador, mediador, informador e pedagogo e outros como: Idealizadorcoordenador<br />
de projeto, corretor independente, tutor mentor,<br />
Webmaster 10 , autor professor e gestor de cursos.<br />
Lucena e Fuks (2000) consideram vantajoso o uso da Internet<br />
em relação aos métodos tradicionais, apresentando-nos seis outros<br />
gerados pelas atividades com a rede:<br />
- A disseminação com o propósito de distribuir a informação<br />
7 Refere-se a todos os sites que se pode acessar eletronicamente. Se ocomputador<br />
está conectado à Internet ou a uma rede semelhante, então ele existe no ciberespaço.<br />
8 Termo usado quando se agrega som, imagens, textos, gráficos e as técnicas de<br />
hipertexto. Hipertexto é exatamente um texto não-linear, no qual o usuário pode<br />
escolher caminho, assunto e velocidade. É, na verdade, um editor de texto e um<br />
banco de dados.<br />
9 Pequena câmera de menos de 10 centímetros, que dispensa o uso de placa de captura<br />
de vídeo no PC e que com um ímã pode ser fixada sobre o monitor.<br />
10 Pessoa que administra, executa ou supervisiona um web site.<br />
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Sélcio de Souza Silva<br />
(apresentação da informação sobre o curso);<br />
- a facilitação com propósito de dar apoio e assistência ao estudante<br />
(ambientes MUD, os grupos e listas de discussão, os chats (salas de<br />
bate-papos pela Internet);<br />
- a colaboração interna no grupo (trabalho colaborativo entre alunos<br />
através dos mecanismos de comunicação disponíveis);<br />
- A colaboração externa, da interação com agentes e com comunidades<br />
do conhecimentos externo ao curso (professores visitantes);<br />
- o desenvolvimento gerativo-elaboração de conteúdo (desenvolvido pelo<br />
aluno de home pages);<br />
- O desenvolvimento de papéis: responsabilidades simuladas a um<br />
grupo de pessoas (um moderador; outro, advogado do diabo; e um<br />
terceiro é o relator).<br />
Observa-se que alguns desses métodos já foram identificados<br />
com a chegada do computador à escola, oportunizando assim benefícios<br />
à educação antes mesmo que a WWW pudesse ser realidade no contexto<br />
escolar. Tal fato indica que devemos aproveitar o legado da informática<br />
na educação dos anos passados.<br />
Com a multiplicação de valores locais e da comunicação<br />
generalizada entre as sociedades, nesse final de século, Pretto (1995)<br />
adverte que as possibilidades de se contar a História também se<br />
multiplicam e o futuro perde o sentido de um processo evolutivo linear.<br />
O autor defende que um novo lugar, agora não mais físico, não mais<br />
geográfico, assume o papel de lugar público. Esse novo lugar pode ser<br />
a tela da televisão ou o espaço virtual das redes telemáticas de<br />
computadores. Os computadores já ocupam seu lugar nesse momento<br />
de transição, comportando-se como um instrumento de trabalho que<br />
é portador de uma nova maneira de pensar e de trabalhar, incluindo<br />
aí o ato de pesquisar e de educar.<br />
Os novos projetos educacionais podem ser viabilizados pelo<br />
maior uso dos novos recursos tecnológicos da comunicação a serviço<br />
da educação. Não basta, entretanto, colocar os velhos conteúdos e as<br />
velhas formas de ensinar nos novos meios de transmissão. É preciso<br />
que os educadores percebam o novo campo que se amplia e que reflitam<br />
um novo papel para a educação, integrando-se a esse conjunto de<br />
transformações. As dificuldades de compreensão do momento histórico<br />
em que vivemos apresentam resistências para se “incorporar a<br />
imaginação, a afetividade, uma nova razão, não mais operativa e sim<br />
baseada na integridade e na globalidade” (PRETTO, 1995, p. 320).<br />
A questão humanista deve ser levada em consideração, pois o<br />
mundo atual exige que seja formado um ser humano participativo,<br />
que saiba dialogar com os novos valores tecnológicos. Segundo Pretto<br />
(1995), não se pode formar simplesmente uma mão-de-obra barata<br />
para uma sociedade tecnológica, um ser humano-mercadoria, receptor,<br />
passivo.<br />
O papel da tecnologia na escola será, portanto, de contribuir<br />
para universalizar o conhecimento e a informação. A integração mais<br />
efetiva entre a educação e a comunicação só se dará quando os novos<br />
meios estiverem como fundamento de uma nova educação, não como<br />
instrumentalidade pura e simples de velhas práticas educativas. A<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
A Internet na era da comunicação virtual: o grande desafio para a educação do novo milênio<br />
nova escola ambicionada e em construção deve estabelecer uma relação<br />
crítica permanente com o mundo que a cerca, valorizando a<br />
criatividade, a comunicação e os valores da sociedade em<br />
transformação. Para Lucena e Fuks, “a ‘escola’, reduto persistente da<br />
época industrial, com seu horário rígido e currículo alienante, teve<br />
que redefinir o perímetro das suas paredes e incorporar a nova<br />
tecnologia de comunicação” (LUCENA; FUKS, 2000, p. 119).<br />
Para que a tecnologia faça frente aos maiores problemas da<br />
educação superior, ela deve, segundo Davies (1995), responder a três<br />
questões: pode a Internet tornar o aprendizado mais acessível? Ela<br />
pode promover a melhoria do aprendizado? Ela atende aos quesitos<br />
acima, mantendo, senão reduzindo, os custos unitários da educação?<br />
Das três questões acima, interessa-nos mais os benefícios que<br />
a World Wide Web pode trazer para o aprendizado. Encontra-se, na<br />
literatura, um debate sobre a existência de atributos únicos nesse<br />
meio que podem promover o aprimoramento do aprendizado. O debate<br />
se origina da observação de que, depois de cinqüenta anos de pesquisa<br />
sobre as diversas mídias educacionais, nenhum consistente e<br />
significante efeito dos meios foi demonstrado, pois o uso educacional<br />
da televisão é um exemplo: inicialmente, havia muitas expectativas de<br />
que a televisão poderia ter certas características que levariam a<br />
melhorar o aprendizado dos alunos, mas nada foi encontrado. Alguns<br />
argumentam que, possivelmente, nenhum efeito pode ser demonstrado,<br />
porque qualquer progresso no aprendizado que possa ocorrer advirá<br />
de um projeto educacional, não dos meios à disposição do ensino.<br />
A questão tornou-se mais complexa quando a Web começou a<br />
ser usada como um instrumento para o aprendizado, em oposição aos<br />
meios para desenvolver, de forma mais ampla, um conteúdo prédeterminado.<br />
Como um mero instrumento de aprendizado, ela passou<br />
a ser usada como um veículo para pesquisar e recuperar informações,<br />
de maneira rápida e fácil. É importante proporcionar ambientes nos<br />
quais a aprendizagem possa ser ativamente facilitada. E, para que<br />
isso aconteça, faz-se necessária a utilização da Internet na intenção<br />
de oportunizar o desenvolvimento de experiências de aprendizagem<br />
cooperativa, a partir de ambientes informatizados.<br />
O desenvolvimento do aprendizado com a Web é, simplesmente,<br />
saber como, de maneira efetiva, explorá-la nas situações de ensinoaprendizagem.<br />
O autor lembra que, ao contrário de uma sala de aula,<br />
onde as conversações desaparecem, o instrumento permite que cada<br />
opinião seja capturada para futuro exame, elaboração e extensão. O<br />
resultado é mais rico, não em função do instrumento em si, mas porque<br />
o caminho escolhido pelo professor tornou-se possível pelo instrumento.<br />
A WEB E A APRENDIZAGEM<br />
Vale salientar que a Web é uma ferramenta adequada ao novo<br />
ambiente de aprendizagem, capacitando o estudante a ter acesso a<br />
novas oportunidades por meio da Internet, sem ter que dominar<br />
enigmáticos comandos do computador. Os estudantes podem, por<br />
exemplo, debater questões levantadas durante seus cursos regulares<br />
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com outros acadêmicos. As conversações virtuais eletrônicas são<br />
também suportadas pelo correio eletrônico, que permite o contato com<br />
o professor diretamente ou com outras pessoas registradas nos grupos<br />
de discussão. A Web suporta a interação por uma comunicação<br />
assíncrona (as contribuições não ocorrem ao mesmo tempo) ou por<br />
uma comunicação síncrona (ao vivo, em tempo real). Os estudantes<br />
têm a flexibilidade de fazer parte de uma sala de aula virtual a partir<br />
de qualquer conexão da Internet no mundo.<br />
Sabemos também que a Web permite novas formas de<br />
aprendizagem. Quando nas mãos de professores capazes, pode<br />
desempenhar um proeminente papel no desenvolvimento de habilidades<br />
nos estudantes, tais como pensamento crítico, solução de problemas,<br />
comunicação escrita e a capacidade de trabalhar colaborativamente.<br />
O professor pode encorajar os estudantes a explorar a Web com um<br />
determinado objetivo e, a partir desse material, julgar a autenticidade<br />
dos dados e o peso das evidências, comparar os diferentes pontos de<br />
vista sobre a questão, analisar e sintetizar as diversas fontes de<br />
informação e construir seu próprio entendimento do tópico ou da<br />
questão que eles têm na mão.<br />
A verdade é que estamos diante de uma mudança de<br />
paradigmas. Muitos de nossos educadores ainda não experimentaram<br />
o potencial das tecnologias colaborativas em suas salas de aula e/ou<br />
em suas escolas, uma vez que a maioria das capacidades discuti-das<br />
até aqui ainda não está disponível às escolas. As universidades<br />
precisam de pioneiros na aplicação de tecnologia para a aprendizagem.<br />
Entretanto, percebemos que os administradores das universidades,<br />
na jornada rumo ao século XXI, estão diante de um desafio que não<br />
significa mais apenas a inclusão das novas tecnologias informacionais<br />
nos processos educacionais, mas a sua utilização como mais uma<br />
ferramenta indispensável para o ensino-aprendizagem.<br />
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HEIDE, Ann; STILBORNE, Linda. Guia do professor para a Internet:<br />
completo e fácil. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.<br />
LÉVY, Pierre. O que é o virtual. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 2001.<br />
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MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro.<br />
São Paulo: Cortez, Brasília, DF: Unesco, 2001.<br />
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mesma. São Paulo, Fundação Victor Civita, ano XIII, nº 110, p.10 a<br />
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PRETTO, Nelson de Luca. Uma escola sem/com futuro. Campinas: Papirus, 2001.<br />
STARR, Robin M.; MILHEIM, William D. Educacional. Uses of the<br />
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TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo: educação<br />
competitividade e cidadania na sociedade moderna. São Paulo: Ática, 2001.<br />
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A TENSÃO HOMEM/CIDADE NO DISCURSO POÉTICO DE<br />
CESÁRIO VERDE E DRUMMOND<br />
RESUMO<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005<br />
Valci Vieira dos Santos¹<br />
O espaço urbano sempre exerceu fascínio sobre o homem. Escritores<br />
e poetas, das mais diferentes épocas e dos mais diferentes lugares,<br />
se debruçaram sobre esse espaço, a fim de desvendar-lhe alguns<br />
mistérios. Cesário Verde, poeta português e Carlos Drummond de<br />
Andrade, poeta brasileiro, são dois desses escritores que, através do<br />
discurso poético, procuraram discutir a tensão que o homem<br />
estabelece com a cidade.<br />
Palavras-chave: homem, cidade, discurso, tensão.<br />
ABSTRACT<br />
The urban atmosphere has always exerted fascination on the human<br />
being. Writers and Poets, from a great variety of epochs and places,<br />
have bent over this atmosphere, in order to reveal some of its misteries.<br />
Cesário Verde, a portuguese poet and Carlos Drummond de Andrade,<br />
a brazilian poet, are two of this kind of writers that through the poetic<br />
speech aimed to discuss the tension established from the relationship<br />
between the human being and the city.<br />
Key Words: human being, city, speech, tension.<br />
Marx e Engels afirmam, em A ideologia alemã, que a “linguagem<br />
é a consciência real”. Bakhtin diz que a “consciência constitui um fato<br />
socio-ideológico”, pois a realidade da consciência é a linguagem (Apud<br />
FIORIN, 1988). Para os dois primeiros autores, a linguagem não se<br />
constitui num domínio autônomo, visto que se trata de expressão da<br />
vida real. É, portanto, um fenômeno complexo e que dá margem ao<br />
estudioso lançar-lhe olhares sob diversos aspectos: fisiológico, psíquico,<br />
social e físico, etc. A linguagem é, ademais, um instrumento que o<br />
homem usa para estabelecer contatos e interagir socialmente, uma<br />
vez que vive em sociedade e tem, dessa forma, necessidade de<br />
comunicar-se com seus pares, num processo de interlocução.<br />
A linguagem concebida como uma atividade interativa que os<br />
homens utilizam para compartilhar suas idéias e opiniões e que, por<br />
outro lado, faculta-lhes a prática dos mais diferentes atos, acabou<br />
por despertar interesse de especialistas de diversas áreas do co-<br />
¹Valci Vieira dos Santos é mestre em Literaturas de Língua Portufguesa, professor<br />
da UNEB e diretor acadêmico da FASB.<br />
2 Apud FIORIN, José Luiz.Linguagem e Ideologia. São Paulo: Ática, 1988. p.35.
Valci Vieira dos Santos<br />
nhecimento, em particular a Lingüística Textual, para quem a<br />
linguagem passou a ser vista não somente como um processo de<br />
comunicação em si, mas também como meio de ação sobre as relações<br />
humanas.<br />
Uma vez concebida a linguagem como atividade, a Análise do<br />
Discurso volta-se para o estabelecimento das relações existentes entre<br />
a língua e os seus usuários, levando em consideração as manifestações<br />
lingüísticas dos indivíduos, num determinado espaço e tempo, e a<br />
observação de certas intenções que carregam no bojo de seu discurso.<br />
Assim, a AD passa a considerar, também, a linguagem como forma de<br />
o homem inteirar-se socialmente e também como modo de expressão<br />
da intencionalidade.<br />
Essa nova perspectiva de conceber o discurso como objeto<br />
cultural, ideológico, como lugar de interação entre o indivíduo e o seu<br />
universo, mas também de confrontos, tem angariado uma<br />
multiplicidade de adeptos, a exemplo da pesquisadora Eni P. Orlandi<br />
(2001), para quem “o discurso é palavra em movimento, prática de<br />
linguagem” (p.15), além de “tornar possível tanto a permanência e a<br />
continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e<br />
da realidade em que ele vive” (p.15). Trata-se, a bem da verdade, de<br />
visualizar o discurso a partir não somente do ponto de vista da<br />
transmissão de informação, mas sobretudo dos diversos sentidos que<br />
ele imprime ao texto, segundo as condições de cunho histórico,<br />
lingüístico e social que aparecem nas cenas enunciativas, consoante<br />
as condições de produção, portanto.<br />
O certo é que, a linguagem, ao ser trabalhada, traz marcas<br />
plurais e mutáveis, passando pelas diversas instâncias do discurso,<br />
num processo de interação que o homem mantém com o seu<br />
semelhante. O saber discursivo se faz presente nas diversas áreas do<br />
conhecimento, e leva em conta os vários aspectos situacionais e<br />
retóricos – culturais, ideológicos, sociais, históricos etc., os quais, por<br />
seu turno, constituem a estrutura de funcionamento da linguagem.<br />
Dentre as muitas áreas do saber humano, o campo da literatura<br />
é, certamente, um dos mais férteis para a instauração do ato interativo<br />
entre autor/leitor. Não são poucos os autores que têm escrito sobre a<br />
relação que o homem mantém com o espaço urbano. Nessa relação,<br />
tem sido discutido principalmente a tensão que o homem, ao longo da<br />
construção de sua história, vem demonstrando estabelecer com a<br />
cidade, principalmente pelo fato desta, às vezes, impor-lhe necessidades<br />
de ordem econômica, social, educacional etc., as quais nem sempre<br />
estiveram ao seu alcance, gerando, portanto, conflitos e desejos não<br />
satisfeitos.<br />
Tanto a literatura brasileira quanto a portuguesa possuem<br />
grandes escritores que se sentiram atraídos por essa relação quase<br />
sempre conflituosa que o homem demonstra possuir com o espaço<br />
urbano. É como se um exercesse fascínio sobre o outro, desde quando<br />
se descobriram interdependentes.<br />
Dois autores, grandes artesãos da palavra, foram escolhidos<br />
para a construção deste tecido. A proposta é, pois, refletirmos um<br />
pouco sobre a importância que a linguagem tem para as relações que<br />
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A tensão homem/cidade no discurso poético de Cesário Verde e Drummond<br />
o homem estabelece com os seus pares e o seu meio, a partir da<br />
observação do texto literário e de seu universo aberto aos múltiplos<br />
olhares e leituras. Para tanto, de um lado, encontra-se um poeta<br />
português que viveu na segunda metade do século XIX, Cesário Verde.<br />
O grande poeta que transitou livremente entre o campo e a cidade; de<br />
outro, um dos grandes expoentes da produção poética brasileira, Carlos<br />
Drummond de Andrade.<br />
O corpus selecionado para análise levou em conta temas ligados<br />
ao cotidiano urbano e se constitui de excertos dos poemas “O<br />
Sentimento dum Ocidental” e “Cristalizações”, do poeta português; e<br />
“Prece de mineiro no Rio”, do poeta brasileiro.<br />
O presente estudo objetiva, pois, com base na reflexão de<br />
aspectos discursivos dos poemas selecionados, extrair elementos que<br />
corroborem o processo de produção dos textos literários e em que<br />
circunstâncias se deram tal feitura.<br />
De início, detenhamos a atenção no poema intitulado O<br />
Sentimento dum Ocidental, publicado em 1880, numa homenagem<br />
que o poeta Cesário Verde fez ao tricentenário do autor de Os Lusíadas.<br />
O poema encontra na capital portuguesa um cenário e uma<br />
personagem, simultaneamente. Trata-se do sujeito lírico que deambula<br />
pelas ruas da cidade afeito às descrições minuciosas dos lugares e<br />
ambientes. Preocupado com a vertente social de um espaço por<br />
intermédio do qual as pessoas se definem, passa a descrever cenas<br />
que compõem quadros marcados por imagens da vida burguesa<br />
citadina e das massas trabalhadoras.<br />
As estrofes que se seguem ilustram o sentimento do eu lírico,<br />
diante das múltiplas impressões sensoriais face às ruas familiares de<br />
Lisboa:<br />
Nas nossas ruas, ao anoitecer,<br />
Há tal soturnidade, há tal melancolia,<br />
Que as sombras, o bulício,o Tejo, a maresia<br />
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.<br />
O céu parece baixo e de neblina,<br />
O gás extravasado enjoa-me, perturba;<br />
E os edifícios, com as chaminés, e a turba<br />
Toldam-se duma cor monótona e londrina.<br />
O discurso do sujeito poético, eivado de sentimentos<br />
denunciadores da soturna melancolia da cidade, revela-nos marcas<br />
que se opõem ao status quo vigente. É o discurso revelador de uma<br />
Lisboa da segunda metade do século XIX; um discurso que carrega<br />
em si o projeto de denunciar o desequilíbrio social dos habitantes de<br />
Lisboa: as expressões “desejo absurdo de sofrer”, “enjoa-me, perturba”,<br />
por exemplo, corroboram a visão que o poeta tem da cidade<br />
metamorfozeada pelo gás extravasado, pelos edifícios e chaminés,<br />
responsáveis também pela nova cor que os céus da cidade adquire, e<br />
que o remete ao céu cinzento de Londres, símbolo do capitalismo da<br />
época.<br />
O contato do eu lírico com a realidade exterior que lhe salta<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
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aos olhos, fortemente marcada pelo uso dos verbos embrenhar, no<br />
verso “Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos”; errar, no<br />
verso “Ou erro pelo cais que se atracam botes”; sair, no verso “E saio.<br />
A noite pesa, esmaga. Nos/ Passeios de lajedo arrastam-se as impuras;<br />
ou, ainda, no verbo entrar, em “Entro na brasserie; às mesas de<br />
emigrados/ Ao riso e à crua luz joga-se o dominó”, se constitui num<br />
instrumento de denúncia que o poeta faz das mazelas de uma cidade,<br />
em que os diferentes tipos sociais ganham corpo e representam os<br />
contrastes do novo panorama social, político e econômico: a Lisboa do<br />
último quartel do século XIX, tentando estar em sintonia com o ideal<br />
de desenvolvimento industrial, expansão comercial e cultural dos<br />
demais países europeus. Tais impressões são facilmente perceptíveis<br />
no discurso que se instala nos versos: “Ocorrem-me em revista,<br />
exposições, países: / Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!”<br />
Os versos “Voltam os calafates, aos magotes, / De jaquetão ao<br />
ombro, enfarruscados, secos” trazem à tona, na voz do eu poético,<br />
sentimento de opressão, depressão, diante das novas figuras que<br />
passam a circular nas ruas de Lisboa, figuras estas que traduzem o<br />
quadro paradoxal que se vislumbra na nova realidade social. De um<br />
lado, “Casas de confecções e modas resplandecem”; de outro, “pedeme<br />
sempre esmola um homenzinho idoso”.<br />
Assim, o eu lírico assume a posição do sujeito que protesta<br />
contra a civilização, numa explícita denúncia social, ao mesmo tempo<br />
que evoca experiências de repetidas deambulações pela “velha cidade”<br />
que o deprime e nauseia. Em “E em terra num tinido de louças e<br />
talheres/ Flameja, ao jantar, alguns hotéis da moda”, a expressão<br />
“hotéis da moda” ilustra a presença dessa “nova civilização”, ao passo<br />
que em<br />
E nestes nebulosos corredores<br />
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;<br />
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,<br />
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.<br />
o vocábulo saudade demonstra o grau de sentimento do eu lírico diante<br />
de cenas que consegue visualizar à medida que deambula pela cidade.<br />
A mesma voz denunciadora de “O Sentimento dum Ocidental”<br />
também se faz presente em “Cristalizações”, poema que, segundo o<br />
próprio autor, contém “versos agudos, gelados”. Com uma diferença:<br />
o sujeito lírico do poema, que assume o papel de um narrador, é um<br />
burguês que perambula pela cidade e tudo encontra “alegremente<br />
exacto”, até que se dá conta da dureza da vida dos calceteiros e dos<br />
trabalhadores de um modo geral. O contato com tal realidade exterior<br />
surpreende-o e fere-o, a ponto de denunciar a injustiça de que são<br />
vítimas as pessoas comuns da cidade grande.<br />
O discurso de denúncia do sujeito poético é construído a partir<br />
das constantes referências sensoriais que vão sendo sentidas à medida<br />
que o poeta se depara com o que assiste e vê:<br />
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100<br />
A tensão homem/cidade no discurso poético de Cesário Verde e Drummond<br />
Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,<br />
Vibra uma imensa claridade crua.<br />
De cócoras, em linha os calceteiros,<br />
Com lentidão, terrosos e grosseiros,<br />
Calçam de lado a lado a longa rua.<br />
Nota-se, inicialmente, a presença do tato: Faz frio; em seguida,<br />
em imensa claridade, a visão passa a relatar os diferentes quadros<br />
descritos pelo poeta, numa verdadeira tela impressionista: de cócoras,<br />
em linha os calceteiros/com lentidão, terrosos e grosseiros.<br />
No sucedâneo de versos que compõem o poema, as demais<br />
referências sensoriais ganham espaço e dão o tom ao discurso marcado<br />
pela oposição entre pessoas simples e aquelas que representam a<br />
burguesia lisboeta, a exemplo dos versos “Cheira-me a fogo, a sílex, a<br />
ferragem; / Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura”, em que o olfato<br />
e gosto representam um anúncio dos quadros esboçados seguintes,<br />
representativos do discurso que demonstra a rudeza e a força dos<br />
trabalhadores, assim como a condição de subserviência tão bem<br />
descrita através das expressões “Homens de carga” e “as bestas vão<br />
curvadas!”:<br />
Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!<br />
Que vida custosa! Que diabo!<br />
E os cavadores pousam as enxadas,<br />
E cospem nas calosas mãos gretadas,<br />
Para que não lhes escorregue o cabo.<br />
De outro lado, versos como “Donde ela vem! A actriz que tanto<br />
cumprimento/ E a quem, à noite na platéia, atraio/ Os olhos lisos<br />
como polimento/ Com seu rostinho estreito, friorento” fazem oposição<br />
à descrição dos trabalhadores dos versos anteriores, com suas “calosas<br />
mãos gretadas”, uma vez que o uso de adjetivação sugestiva, para<br />
demonstrar toda a fragilidade da atriz, “rostinho estreito, friorento”,<br />
acaba por valorizar as figuras dos homens que realmente controem o<br />
país. Nos versos seguintes, o discurso em defesa das figuras do povo,<br />
personagem coletiva, ilustram exatamente a impressão que o burguês<br />
passa a ter daquela gente simples que acaba por surpreendê-lo:<br />
Povo! No pano cru rasgado das camisas<br />
Uma bandeira penso que transluz!<br />
Com ela sofres, bebes, agonizas;<br />
Lisgrões de vinho lançam-lhe divisas,<br />
E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!<br />
Assim, na estrofe acima, destaca-se toda a empatia do sujeito<br />
da enunciação pelo Povo, figura coletiva que glorifica, num flagrante<br />
destaque pelas suas qualidades, que representa, simbólica e<br />
linearmente, num plano horizontal, que se opõe ao vertical, da altivez<br />
pretensiosa da figura que surge incontinenti: a da atriz.<br />
Em última análise, encontra-se no bojo do discurso do poeta,um<br />
claro comentário social acerca das características de um e de outro<br />
Revista Mosaicum - N°1 - Ano I - Jan. / Jul. 2005
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tipo social, numa flagrante crítica à sociedade, que se dá por intermédio<br />
de sensações captadas por ele, onde se exalta o povo em detrimento<br />
da classe burguesa, simbolizada na figura da atriz “impaciente sobre<br />
as botinhas de tacões agudos, pezinhos rápidos, de cabra.”<br />
Uma vez dada por conclusa a reflexão em torno de aspectos<br />
discursivos em poemas de Cesário Verde, concentramos, a seguir, a<br />
nossa atenção em fragmentos do poema “Prece de mineiro do Rio”, de<br />
Carlos Drummond de Andrade, em que os discursos das realidades<br />
rural e urbana se evidenciam. Trata-se de dois poetas que, em tempos<br />
distintos, produzem um discurso para denunciar a nova tensão entre<br />
o homem e a cidade.<br />
“Prece de mineiro no Rio” é um poema que faz parte do livro<br />
intitulado A Vida Passada a Limpo. O poeta se encontra na cidade do<br />
Rio de Janeiro, símbolo da confusão, e se sente sozinho, por isso pede<br />
a visita do “Espírito de Minas”. Ao pedir a presença do “Espírito de<br />
Minas”, o poeta invoca a cidade de Itabira, que representa a<br />
possibilidade de resgatar da memória as lembranças de sua infância,<br />
os gestos naturais, “mesmo brusco ou pesado.” Só esse “espírito<br />
mineiro, circunspecto” pode, talvez, conservar na alma do poeta “a<br />
metade do que fui (foi) de nascença”.<br />
Há, portanto, na voz do poeta, não apenas uma invocação aos<br />
ventos de suas origens (conserva em mim ao menos a metade/ do que<br />
fui de nascença e a vida esgarça), mas uma prece, claramente<br />
demarcada pelo verso inicial: “Espírito de Minas, me visita”. É uma<br />
súplica de quem se acha “perdido” na cidade grande, ilustrada por<br />
expressões a exemplo de “voz e buzina se confundem” ou “não quero<br />
ser um móvel num imóvel.”<br />
Nas expressões acima mencionadas, o jogo dos verbetes “voz”,<br />
“buzina”, “móvel”, “imóvel” marcam o tom do discurso que se quer<br />
denunciador do estado de espírito do sujeito poético, que às vezes se<br />
encontra entre “o real e o irreal”. E o fato de estar entre “o real e o<br />
irreal” acaba por criar nele um conflito, já que as lembranças de sua<br />
infância podem ser sufocadas pela dura realidade do Rio de Janeiro.<br />
O discurso que perpassa todo o poema sob análise é, dessa<br />
forma, um discurso marcado por elementos saudosistas de sua terra<br />
natal, a exemplo da expressão “azulada serrania, onde galopam<br />
sombras e memórias”, presente nos versos seguintes:<br />
(...) Não te sinto<br />
a soprar da azulada serrania<br />
onde galopam sombras e memórias<br />
de gente que, de humilde, era orgulhosa<br />
e fazia da crosta mineral<br />
um solo humano em seu despojamento.<br />
Por outro lado, o discurso do sujeito poético que denuncia o<br />
furto de memórias da infância, claramente flagrado pela confusão da<br />
cidade, também denuncia a falta de conhecimento dessas memórias,<br />
e por isso “os que zombam de ti não te conhecem”. Trata-se, portanto,<br />
de um discurso revelador de uma situação social, em que as imagens<br />
da infância do eu lírico se chocam com as da cidade grande. Por isso,<br />
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102<br />
A tensão homem/cidade no discurso poético de Cesário Verde e Drummond<br />
o sujeito-criador desse discurso questiona o sufocamento do seu “gesto<br />
natural”, do seu “discreto amor” pela dureza da realidade que se lhe<br />
afigura.<br />
Mas o des(conserto) da condição de ser solitário é reforçado<br />
pelo mesmo expediente inicial, isto é, o uso de expressões, ao final do<br />
poema, que marcam uma cadência típica de preces: “Minas, Minas<br />
além do som, Minas Gerais.”<br />
Como se depreende das reflexões que acabamos de fazer acerca<br />
dos poemas de Cesário Verde e Carlos Drummond de Andrade, a<br />
linguagem neles trabalhada revela-nos as diversas nuances que o<br />
sujeito poético utiliza na transmissão de sua mensagem, bem como o<br />
papel que assume a cada nova investida que faz no universo da<br />
comunicação.<br />
Assim, acreditamos ser possível evidenciar a importância que<br />
o discurso tem no processo de interlocução, sobretudo quando o texto<br />
em questão é o literário, uma vez que a riqueza de sua construção<br />
possibilita ao leitor “viajar” nas artimanhas do eu lírico, tornando-se,<br />
quase sempre, um copartícipe dessa (des)construção.<br />
A linguagem é, dessa forma, um instrumento a serviço do<br />
homem, voltada para a comunicação interativa. Por seu intermédio,<br />
os indivíduos estabelecem relações sociais, culturais, históricas, etc.,<br />
e transcendem a sua própria experiência.<br />
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análise do discurso. Belo Horizonte, Carol Borges – Núcleo de Análise<br />
do Discurso Fale-UFMG, 1999. p. 27-43.<br />
CULLER, Jonathan. Teoria Literária: introdução. Trad. Sandra<br />
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MARI, Hugo et al. (Orgs.). Fundamentos e dimensões da análise do<br />
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RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. Trad. Rachel Ramalhete.<br />
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SITYA, Celestina V. Moraes. A Lingüística textual e a análise do<br />
discurso: uma abordagem inter-disciplinar. Frederico Westphalen-RS:<br />
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