Maria das Graças Moreira de Sá - Eduardo Lourenço
Maria das Graças Moreira de Sá - Eduardo Lourenço
Maria das Graças Moreira de Sá - Eduardo Lourenço
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
a <strong>de</strong> Pessoa, com o tédio gélido, verificação sem concessão nem resignação do sem<br />
sentido da vida, que percorre os versos, também transcritos, <strong>de</strong> «Tabacaria» 24 . Quanto à<br />
tristeza, esta tem uma causa ou motivo, real ou suposto, o que a diferencia da<br />
melancolia, em que o que ela fala ou o que fala nela está fora da esfera empírica. É este<br />
novelo afectivo, a forma como cada um <strong>de</strong>stes conceitos se entretece entre si, como uma<br />
teia que dificilmente se consegue <strong>de</strong>slindar, que parece apaixonar o ensaísta. Não<br />
admira, pois, que, no <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong>ste seu ensaio, se centre no texto <strong>de</strong> D. Duarte, o<br />
qual, se elabora a primeira meditação sobre a sauda<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ra-a uma entre outras<br />
afecções da alma, como tristeza, tédio, nojo e melancolia, advertindo <strong>Eduardo</strong><br />
<strong>Lourenço</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, que não encontra nesta primeira imagem da sauda<strong>de</strong>, ao contrário<br />
da longa tradição posterior, os traços quase hagiográficos que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong><br />
revestirá mais tar<strong>de</strong>, até se tornar o supremo ícone da cultura portuguesa. Será entre o<br />
nojo, o pesar, o <strong>de</strong>sprazer e o aborrecimento que se tratará da sauda<strong>de</strong>, transpirada <strong>de</strong><br />
uma intuição que será <strong>de</strong>senvolvida por D. Francisco Manuel <strong>de</strong> Melo, que conferirá a<br />
este sentimento-i<strong>de</strong>ia um sentido simultaneamente singular, universal e transcen<strong>de</strong>nte.<br />
Será em «Da sauda<strong>de</strong> como melancolia feliz» que <strong>Eduardo</strong> <strong>Lourenço</strong> afirmará que os<br />
Portugueses, habituados a tal ponto pela sauda<strong>de</strong>, fizeram <strong>de</strong>la uma espécie <strong>de</strong> enigma,<br />
essência do seu sentimento da existência, a ponto <strong>de</strong> a transformarem num «mito», em<br />
que já não somos nós que temos sauda<strong>de</strong>, mas é ela que nos tem a nós. Jogando, ainda,<br />
com as noções <strong>de</strong> tristeza, nostalgia e melancolia, o ensaísta encaminha o leitor para a<br />
interpretação <strong>de</strong> Teixeira <strong>de</strong> Pascoaes, segundo ele, o poeta que melhor do que ninguém<br />
mitificou o sentimento da sauda<strong>de</strong> com Regresso ao Paraíso, em que o regresso «é obra<br />
da sauda<strong>de</strong>, que subtrai a nostalgia ao sentimento da pura perda ou ausência, confiando-<br />
lhe a missão <strong>de</strong> transmudar a perda em vitória <strong>de</strong> sonho» 25 . Só então ensaia uma<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>: «É a esta sensação-sentimento <strong>de</strong> ar<strong>de</strong>rmos no tempo sem nele<br />
nos consumirmos que propriamente chamamos ‘sauda<strong>de</strong>’» 26 . E mais à frente: «A<br />
sauda<strong>de</strong> (que mais podia ser?) é apenas isto: a consciência da temporalida<strong>de</strong> essencial<br />
da nossa existência, consciência carnal, por assim dizer, e não abstracta, acompanhada<br />
do sentimento subtil da sua irrealida<strong>de</strong>.[…] Talvez, simplesmente, porque, como povo,<br />
feliz na sua inconsciência, que é a da vida, não se resigne a que nada fica <strong>de</strong> nada, como<br />
disse Unamuno. Quando nada resta <strong>de</strong> nada, fica ainda o tudo <strong>de</strong>sse nada. É isto que<br />
24 «Melancolia e sauda<strong>de</strong>», in ibi<strong>de</strong>m, p. 97.<br />
25 «Da sauda<strong>de</strong> como melancolia feliz» in ibi<strong>de</strong>m, p.116.<br />
26 Ibi<strong>de</strong>m.<br />
8