As “mulheres” do Odelmo - Revista Mercado
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merca<strong>do</strong><br />
causos empresariais<br />
Tratamento VIP<br />
(Comunicação Eficaz III)<br />
Por Nege Calil*<br />
Eu a chamava de Margô, uma<br />
forma resumida e carinhosa de tratar<br />
Margareth, a secretária da Diretoria.<br />
Claro que essa intimidade era reservada<br />
a poucos. Afinal, sua fama se<br />
consoli<strong>do</strong>u por suas atitudes arredias.<br />
Não sei se a vida a fez geniosa<br />
ou se seu gênio difícil provocou<br />
tantas idas e vindas na carreira e nos<br />
relacionamentos pessoais. Quan<strong>do</strong><br />
estreitamos o relacionamento,<br />
descobri que se tornara mãe ainda<br />
a<strong>do</strong>lescente, com pouco mais de 15<br />
anos. Expulsa de casa pelo pai, optou<br />
por criar o filho sozinha, segun<strong>do</strong><br />
sua versão. Recebia apoio escondi<strong>do</strong><br />
da mãe e de uma tia e, mesmo<br />
assim, sua empreitada não foi fácil.<br />
92 | <strong>Revista</strong> MERCADO | Outubro 2011<br />
Os que a conheciam de perto, insistiam<br />
que o real motivo da solidão é<br />
que nenhum homem a tolerava por<br />
mais de seis meses. Era bonita; apesar<br />
<strong>do</strong> peso <strong>do</strong>s anos, atraía alguns<br />
olhares masculinos. No entanto,<br />
afugentava a muitos com sua forma<br />
direta de se expressar.<br />
O filho seguiu seu caminho na<br />
retidão, “pulava miudinho”, como se<br />
costuma dizer aqui nas Minas Gerais.<br />
Aos 23 anos formou-se em engenharia<br />
e ela afirmava categoricamente:<br />
“Ai dele se não se efetivar na empresa<br />
após o estágio! Vira picadinho<br />
nas minhas mãos.” Claro que ele se<br />
efetivou! Só aí ela se prontificou a<br />
correr atrás da própria formatura,<br />
concluin<strong>do</strong> o curso de Secretaria<strong>do</strong><br />
após os 40. Nara, sua colega de escola<br />
e de empresa, contava-nos pelos<br />
corre<strong>do</strong>res que Margô discutia feio<br />
com os professores quan<strong>do</strong> não concordava<br />
com algo e que nenhum se<br />
atrevia a sustentar o bate-boca. Para<br />
mim e outros colegas, era uma surpresa<br />
ela permanecer tanto tempo<br />
na organização! Ninguém duvidava<br />
de sua competência e confiança.<br />
Organizada, bilíngue com fluência,<br />
lidava com as contas bancárias pessoais<br />
<strong>do</strong> acionista majoritário e de<br />
seus dependentes, além de guardar<br />
a sete chaves os segre<strong>do</strong>s deste. Todavia,<br />
aquele temperamento de cão<br />
não era fácil de engolir.<br />
Eu era novo na empresa e, naturalmente,<br />
também “cheio de de<strong>do</strong>s”<br />
pra me dirigir a ela. Numa ocasião,<br />
fui à Diretoria a pedi<strong>do</strong> de meu chefe<br />
e pude testemunhar uma cena que<br />
me eluci<strong>do</strong>u qual era a melhor maneira<br />
de tratar a fera.<br />
- Bom dia, Margareth! - comecei.<br />
- Bom dia, garoto! - retrucou. O<br />
que você quer?<br />
- Preciso falar com o Dr. Alessandro<br />
(à época, um <strong>do</strong>s 4 acionistas).<br />
- Senta aí e espera! Ainda não<br />
chegou.<br />
Obedeci. A música que saía de<br />
seu rádio contrastava com a decoração<br />
clássica <strong>do</strong> ambiente. De gosto<br />
duvi<strong>do</strong>so, Margô carregava na<br />
maquiagem vermelha. A cabeleira<br />
grande tornava-a maior <strong>do</strong> que realmente<br />
era. Insistia em mascar um<br />
chiclete que, pelas minhas contas,<br />
estava em sua boca há pelo menos<br />
<strong>do</strong>is meses. Cantarolava a música e<br />
lixava as unhas, lançan<strong>do</strong>-me um<br />
olhar vez ou outra, sem puxar qualquer<br />
assunto. Eis que toca o telefone<br />
e, para não interromper seu trabalho<br />
com as mãos, atendeu com o viva-<br />
-voz liga<strong>do</strong>, permitin<strong>do</strong> que eu escutasse<br />
toda a conversa:<br />
- Alô!<br />
- Quantas vezes terei que dizer<br />
que é pra atender ao telefone dizen<strong>do</strong><br />
o nome da empresa e cumprimentan<strong>do</strong><br />
com um “bom-dia”?<br />
- Pelo identifica<strong>do</strong>r de chamadas,<br />
vi que era seu número.<br />
- E daí? Sou um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>nos dessa<br />
espelunca e exijo melhor tratamento.<br />
- Eu não trabalho em nenhuma<br />
espelunca, isso aqui é uma empresa<br />
de respeito e idônea em seus negócios.<br />
Vai dizer o que quer ou vai<br />
continuar a consumir meu tempo<br />
precioso?<br />
- Cadê o Alessandro? Não acho<br />
ele em casa, nem no celular!<br />
- Ainda não chegou!<br />
- <strong>As</strong>sim que ele pisar aí dentro,<br />
fala pra me ligar! Entendeu?<br />
- Claro. Não sou surda.<br />
E desligou o telefone. Com desdém,<br />
ela se dirigiu a mim:<br />
- Ouviu a conversa? Viu como ele<br />
me trata? É o menor <strong>do</strong>s acionistas e<br />
acha que manda. Grosso, mal educa<strong>do</strong>.<br />
Eu sei o que ele quer, os quatro<br />
acionistas vão a uma negociação importante<br />
no Rio de Janeiro depois de<br />
amanhã. Ele tá desespera<strong>do</strong> porque<br />
não conseguiu levantar uns da<strong>do</strong>s<br />
pra essa reunião e tá pedin<strong>do</strong> penico<br />
pro Dr. Alessandro. Ainda bem<br />
que respon<strong>do</strong> ao Dr. Lucas (à época,<br />
o acionista majoritário). Vai esperar,<br />
pra aprender a largar de ser trouxa.<br />
Além de incompetente, é soberbo.<br />
Escutei cala<strong>do</strong>. Eu o conhecia e<br />
sabia que era arrogante, mas não<br />
concordava com a incompetência.<br />
Pelo contrário, não seria sócio se não<br />
reunisse conhecimentos importantes<br />
para o negócio.<br />
O telefone tocou novamente. Era<br />
Dr. Lucas, que foi atendi<strong>do</strong> com um<br />
sonoro nome da empresa e um cordial<br />
bom-dia:<br />
*Nege Calil é consultor e especialista em gestão de pessoas<br />
negecalil@inthegrath.com.br<br />
- Bom-dia, Margô! Passou bem o<br />
final de semana?<br />
- Sim, obrigada!<br />
- Foi aniversário de sua mãe neste<br />
<strong>do</strong>mingo. Diga-lhe que man<strong>do</strong> meus<br />
parabéns, mesmo atrasa<strong>do</strong>. Tentei ligar<br />
ontem, mas estava no sítio e você<br />
sabe que o celular não pega lá.<br />
- O senhor nunca esquece essas<br />
datas. Obrigada!<br />
- Se essas datas são importantes<br />
para meus colabora<strong>do</strong>res, são importantes<br />
pra mim.<br />
Com o tempo, percebi que Dr.<br />
Lucas era verdadeiro nessas intenções.<br />
Importava-se de verdade com<br />
as pouco mais de 300 pessoas registradas<br />
na empresa e obtinha delas<br />
a percepção de que trabalhavam<br />
“com ele” e não “para ele”.<br />
- Liga pra ela hoje, ela vai gostar!<br />
- continuou Margô.<br />
- Farei isso! Margô, preciso falar<br />
urgente com Alessandro. É sobre<br />
nossa reunião no Rio.<br />
- Hoje ele chegará mais tarde,<br />
pois foi ao dentista.<br />
- Humm... Não sei se posso esperar.<br />
Você sabe da importância dessa<br />
reunião pra nós, o que pode fazer<br />
pra ajudar a empresa?<br />
Essa pergunta foi sábia - ele conseguiu<br />
envolvê-la no assunto e fazê-<br />
-la se sentir importante.<br />
- Vou localizá-lo agora no dentista.<br />
Qual o da<strong>do</strong> que o senhor precisa?<br />
- Sabia que podia contar com<br />
você. Anota aí.<br />
Ele passou os da<strong>do</strong>s de que precisava.<br />
A lixa de unha ficou de la<strong>do</strong><br />
e o comportamento de Margô mostrava<br />
comprometimento. A conversa<br />
finalizou:<br />
- Ligo já pra recepcionista <strong>do</strong><br />
dentista e pego essas informações.<br />
Em alguns minutos te retorno.<br />
- Ah, mais uma coisa: parabéns<br />
pelo atendimento ao telefone, exatamente<br />
como ensina<strong>do</strong> no treinamento<br />
da semana passada. Não podia<br />
desligar sem te dar esse feedback.<br />
- Obrigada! Já te ligo de volta.<br />
Dr. Lucas tinha esse cuida<strong>do</strong> de<br />
atentar-se aos detalhes e dar feedbacks<br />
pontuais de reforço positivo.<br />
Acreditava fielmente que o aprendiza<strong>do</strong><br />
é muito mais rápi<strong>do</strong> com esse<br />
tipo de comunicação.<br />
Encerrou o telefonema e, em minutos,<br />
conseguiu o que precisava. Rapidamente<br />
resolveram a pendência.<br />
Atento, percebi rapidamente<br />
que Margô era carente e, para quebrar<br />
sua rebeldia e conquistar sua<br />
parceria, bastava um pouco de bom<br />
trato. Incrível como as palavras adequadas<br />
a cada tipo de pessoa mudam<br />
seus comportamentos. Durante<br />
o tempo em que trabalhei nessa<br />
empresa, aprendi com Dr. Lucas que<br />
sempre precisamos envolver as pessoas,<br />
lançan<strong>do</strong> perguntas que as levam<br />
à reflexão. E que um pouco de<br />
polidez cabe em qualquer situação,<br />
por mais complicada que seja.<br />
A partir daí, tu<strong>do</strong> ficou mais fácil<br />
pra mim:<br />
- Margareth, pelo jeito Dr. Alessandro<br />
vai demorar. Meu assunto<br />
não é urgente como esse que você<br />
acabou de resolver, mas é de igual<br />
importância.<br />
Pode entregar esse relatório a ele<br />
por mim?<br />
- Claro! Deixe aqui sobre a mesa.<br />
- Posso abusar mais um pouco<br />
de você? Preciso de um parecer<br />
dele sobre esse relatório, tão logo<br />
volte <strong>do</strong> Rio. Como pode me ajudar?<br />
(Uma simples pergunta e ela já estava<br />
envolvida).<br />
- Fácil, já vou reservar na agenda<br />
dele pra falar com você. Dr. Alessandro<br />
é gente boa, mas é muito desorganiza<strong>do</strong>.<br />
Ou fico no pé dele, ou ele<br />
se perde to<strong>do</strong>!<br />
- Tô entenden<strong>do</strong> porque você foi<br />
contratada. Você resolve tu<strong>do</strong> “rapidim”.<br />
Bom demais chegar numa<br />
empresa e contar com uma colega<br />
como você.<br />
Ela sorriu, denuncian<strong>do</strong> que estava<br />
conquistada.<br />
- Obriga<strong>do</strong>, Margareth! - finalizei.<br />
Antes que eu saísse da sala, ela selou<br />
nossa parceira que nascia naquele<br />
momento e se mostrara fundamental<br />
para meus trabalhos durante<br />
o tempo em que permaneci com<br />
aquele time. Ainda com um sorriso<br />
estampa<strong>do</strong> no rosto, ela concluiu:<br />
- Garoto!<br />
- Sim? - respondi.<br />
- Pode me chamar de Margô! B<br />
<strong>Revista</strong> MERCADO | Outubro 2011 | 93