109 NO PRINCÍPIO, ERA A TATUAGEM IN THE ... - Unioeste
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<strong>NO</strong> <strong>PR<strong>IN</strong>CÍPIO</strong>, <strong>ERA</strong> A <strong>TATUAGEM</strong><br />
<strong>IN</strong> <strong>THE</strong> BEG<strong>IN</strong>N<strong>IN</strong>G WAS <strong>THE</strong> TATOO<br />
Venus Brasileira Couy 1<br />
<strong>109</strong><br />
RESUMO: Neste trabalho, a autora nos apresenta a tatuagem, arte secular, como uma<br />
manifestação a um tempo intimista e pública. Aponta que a tatuagem se coloca a serviço da<br />
impressão e da escrita da cultura. Discorre sobre a origem dessa prática, sua presença em<br />
diversas culturas, com destaque para o Brasil, e as funções exercidas desde o seu<br />
surgimento. Passa, então, a refletir acerca do suporte sobre a qual a tatuagem é gravada: a<br />
pele, considerada superfície e fundo, na medida em que o sujeito pode se apresentar por<br />
meio dela. Trabalha ainda um conto japonês intitulado “Tatuagem” (Shissei), de Junitshiro<br />
Tanizaki e a peça de teatro, “A rosa tatuada” (The rose tattoo), de Tennessee Williams.<br />
PALAVRAS-CHAVE: arte; tatuagem; escrita; pele; corpo<br />
ABSTRACT: In this work, the author presents us with the tattoo, secular art as an<br />
expression at once intimate and public. Tattoo has the function of printing and writing<br />
culture. Here discusses the origin of this practice, its presence in various cultures, especially<br />
in Brazil, and the duties performed since its inception. Then reflects about the support on<br />
which the tattoo is written: the skin, considered surface and bottom, according as the<br />
subject can be presented by her. She works a Japanese tale titled "Tattoo" (Shissou) of<br />
Junitshiro Tanizaki and the play, "The rose tattoo" of Tennessee Williams.<br />
KEY WORDS: art, tattoo, writing, skin, body<br />
Se quiser um nome pode me chamar de<br />
Arbusto, Carne Tatuada, Vento.<br />
João Gilberto Noll<br />
Enaltecida, perseguida, proibida, estampada, escondida, estandarte de bravura,<br />
insígnia da marginalidade, sentença de morte, hino da vida, marca de poder, marca dos que<br />
estão fora do poder, amuleto de proteção, rito de passagem, roupa de luto, sinal de status,<br />
estigma, projeto de vida, moda, sedução, aversão, fetiche, inserção na tribo, diferenciação<br />
1 Venus Brasileira Couy é Doutoranda em Letras do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da<br />
UFRJ. Publicou, entre outros livros, Mural dos nomes impróprios: ensaio sobre grafito de banheiro (Rio de<br />
Janeiro: 7 Letras, 2005) e Inverno de baunilha (Rio de Janeiro: 7 letras, 2004). E-mail:<br />
venusbrasileira@uol.com.br.<br />
Venus Brasileira Couy
na tribo, atestado de nascimento, documento de identidade, autobiografia, risco do sujeito,<br />
traço da cultura, desenho, escrita. Na ponta da língua, na ponta da agulha, a tatuagem:<br />
110<br />
A tatuagem! Será então verdade a frase de Gautier: ‘o mais<br />
bruto homem sente que o ornamento traça uma linha<br />
indelével de separação entre ele e o animal e quando não<br />
pode enfeitar as próprias roupas recama a pele’? A palavra<br />
tatuagem é relativamente recente. Toda a gente sabe que foi<br />
o navegador Loocks (sic) que a introduziu no ocidente, esse<br />
escrevia tatou, termo da Polinésia de tatou ou to tahou,<br />
desenho. Muitos dizem mesmo que palavra surgiu do ruído<br />
perceptível da agulha na pele: tac, tac. Mas como ela é<br />
antiga! O primeiro homem, de certo, ao perder o pêlo,<br />
descobriu a tatuagem. (RIO, 1951, p. 43-4)<br />
Encontramos neste fragmento da crônica “Os tatuadores”, de João do Rio, uma<br />
tentativa de delinear os contornos da tatuagem e conhecer quem sabe as razões que levam<br />
o sujeito a tatuar-se: demarcação de fronteira entre o homem e o animal, substituição do<br />
pêlo pela “segunda pele”, que se faz marcar por meio de uma “linha indelével”?<br />
“Processo de introduzir sob a epiderme corantes a fim de apresentar na pele<br />
desenhos e pinturas” (FERREIRA, s.d.) 2 , a tatuagem constitui-se como marca indelével<br />
gravada sobre o corpo, território que, por sua vez, possui seus vincos, cicatrizes, dobras,<br />
orifícios e que se dá a ver, colocando-se a serviço da impressão e da escrita da cultura.<br />
Apresentando-se, simultaneamente, como uma “inscrição intimista” e uma “manifestação<br />
pública” (JEUDY, 2002, p. 89), o ato de tatuar, do taitiano tatu, sinal, pintura, do inglês to<br />
tatoo e do francês tatouer (FERREIRA, s.d.) 3 , é tão secular quanto os primórdios da<br />
humanidade e “sua origem se perde na noite dos tempos.”(REISFELD, 2005, p. 21. Trad.<br />
nossa)<br />
Embora saibamos da controvérsia que se cria quando se busca delimitar a origem<br />
das coisas, parece ser consenso que a palavra “tatuagem”– denominada tatan, ato de<br />
desenhar, esboçar, delinear, traçar – origina-se da antiga língua do Tahiti e sua prática<br />
2 No verbete tatuagem, temos: “Tatuagem [De tatuar+agem.] S. f. 1. Processo de introduzir sob a<br />
epiderme substâncias corantes a fim de apresentar na pele desenhos e pinturas. 2. O desenho ou<br />
pintura feitos por esse processo. 3. Marca, sinal. estigma.” p. 1358.<br />
3 No verbete tatuar, encontramos: Tatuar: [Do taitiano tatu, ‘sinal’, ‘pintura’, atr. do ing. to tatoo e do<br />
fr. Tatouer] V. t. d. 1. Fazer tatuagem em; imprimir ou gravar desenho sobre o corpo de. 2. Por ext.<br />
Marcar, assinalar. 3. Fazer tatuagem em si mesmo ou deixar que o façam. p. 1358.<br />
Venus Brasileira Couy
surgiu atrelada às crenças, aos modos de organização social, aos costumes dos povos e foi<br />
registrada pela primeira vez por ocasião da expedição do navegador inglês James Cook ao<br />
Taiti, em 1769 (<strong>NO</strong>VA Enciclopédia Barsa, 1998, p. 488), que, em seu diário, relata:<br />
“homens e mulheres pintam seus corpos. Na língua deles chamam tatau. Injetam cor preta<br />
embaixo da pele de tal modo que o traço é indelével.” (COOK apud RAMOS, 2005, p. 37)<br />
111<br />
Tatou, tahou, tatan, tatau ou como ironicamente certa vez disse João do Rio, “tac tac”<br />
– uma infinidade de onomatopéias que diz da tatuagem, uma diversidade de práticas que<br />
fala dos modos de vida, dos ritos, dos mitos, das culturas, das passagens necessárias... não<br />
sem corpo a marcar:<br />
A tatuagem, vem do radical Tatau, e conserva na duplicação<br />
do radical ta a encenação do ritual, isto é, bater, golpear<br />
repetidamente. Essas pequenas picadas / pancadas na pele,<br />
com o fim de introduzir os corantes, dão forma ao<br />
desenho, ordenam o traço, tramam significados nos corpos<br />
e nos grupos. Procedimento técnico cirúrgico, macula a<br />
pele, causando sangramento, dor, irritação. Nessa medida, a<br />
tatuagem é uma prática análoga aos ritos sacrificiais de<br />
oferendas volitivas – ablações, oblações, propriciação ou<br />
expiação – que mutilam o corpo. Esses ritos são<br />
encontrados em muitas culturas, como as mãos-moldes préhistóricas<br />
– desenhos de mãos espreiadas nas paredes das<br />
cavernas, tendo como molde a própria mão. Esses<br />
desenhos assim espreiados nos revelam mãos mutiladas,<br />
faltando uma ou mais falanges. Também a circuncisão<br />
praticada pelos israelitas e maometanos como forma de<br />
ablação religiosa de uma parte do corpo, os furos nas<br />
orelhas – praticados ainda em nossa cultura (...). Os rituais<br />
culturais de interferência mutiladora do corpo humano<br />
estão presentes em todas as culturas. Seu significado e<br />
forma variam de cultura para cultura, mas seu<br />
entendimento permanece ignorado, questionado e<br />
desconhecido na pauta dos antropólogos, psicólogos,<br />
etnólogos, sociólogos e historiadores. (RAMOS, 2001, p.<br />
99)<br />
Apresentando-se como entalhe das infindáveis modulações do desejo humano,<br />
singular ou coletivo, próprio ou alheio, a tatuagem encarna rituais de passagem como o das<br />
jovens Ponape, habitantes das ilhas Carolinas que tatuam o genital, buscando atrair os<br />
homens ou entre os Kayapó-Xicrim, moradores da região norte do Brasil, que cobrem o<br />
recém-nascido com a tintura do jenipapo quando cai o cordão umbilical, inserindo o bebê,<br />
Venus Brasileira Couy
a partir deste momento, no cenário social da tribo. (GARCIA. In: CASTILHO e<br />
GALVÃO (orgs.), 2002, p. 26).<br />
112<br />
Sabe-se que os homens das sociedades ditas primitivas tatuavam seus corpos com<br />
sinais diversos. No Egito, as tatuagens possuíam um caráter mágico e medicinal como se<br />
verificou em inúmeras múmias encontradas. Uma delas foi a múmia da princesa Amunet,<br />
de Tebas, que viveu no Egito, por volta de 2000 a C., na XI Dinastia, período do Médio<br />
Império. Os estudiosos destacam um motivo elíptico tatuado na barriga, que devido a sua<br />
localização pode relacionar-se com ritos de fertilidade. (MARQUES, 1997, p. 17). Postas à<br />
altura do estômago, em linhas horizontais ou paralelas, as tatuagens serviam de proteção<br />
contra a gravidez e inúmeras doenças. A descoberta de múmias egípcias do sexo feminino<br />
com linhas e pontos tatuados no corpo e um círculo salientando o abdome ensejaram a<br />
hipótese de que no antigo Egito a tatuagem fosse um ritual exclusivamente feminino.<br />
Em 1948, uma escavação em Pazyryk, na Sibéria, documentou a descoberta de um<br />
corpo bem preservado e com motivos figurativos tatuados em forma de peixes, ovelhas e<br />
carneiros. Esses desenhos, segundo apontam alguns pesquisadores, parecem lembrar as<br />
telas do pintor medieval Bosch. (RAMOS, 2001, p. 26-7) Em 1991, um caçador descobriu<br />
na Similaun Glacier, nos Alpes italianos, que fazem fronteira com a Áustria, um cadáver,<br />
que data de 5300 a. C. O chamado “Homem do Gelo” possuía, conforme assinala Toni<br />
Marques, linhas paralelas na região lombar da coluna, inscrições nas costas, uma cruz<br />
abaixo do joelho esquerdo e faixas no tornozelo direito. (MARQUES, 1997, p. 16). Lascas<br />
de sílex presas a cabos de madeira foram, segundo o autor, encontradas perto das tumbas<br />
das múmias tatuadas. Na antecâmara da tumba de Tutacâmon estava um veículo que se<br />
acredita ter servido para a guerra. A carroceria emoldurava cenas desenhadas, contendo<br />
inimigos ajoelhados. Havia marcas nos traços de um núbio e nos braços, no peito, na<br />
barriga e nos punhos de um lídio. (MARQUES, 1997, p. 17)<br />
O uso das tatuagens entre citas, trácios, gregos, gauleses, germânicos e bretões é<br />
mencionada por autores clássicos – Bretão “quer dizer ‘pintado de várias cores’, era povo<br />
que cobria o rosto e o corpo com imagens figurativas e assim assustava os adversários.”<br />
(MARQUES, 1997, p. 28) Heródoto, “pai da história”, relata que os citas reciclavam os<br />
cadáveres decepados, aproveitavam a pele e exibiam-na nos bridões dos cavalos, faziam<br />
Venus Brasileira Couy
oupas de pele, sorviam vinho em crânios e, no rito funerário de seus soberanos, o corpo<br />
recebia um tratamento que culminava com aplicação de cera e estofamento do ventre:<br />
“feito isso, conduzem o corpo num carro para a outra província, onde os habitantes cortam<br />
uma parte da orelha, raspam o cabelo em torno da cabeça, fazem incisões nos braços.”<br />
(HERÓDOTO apud MARQUES, 1997, p. 21). Heródoto aponta ainda que os Trácios<br />
escarificavam os corpos: “entre eles, estigma marca o berço nobre, sua ausência é sinal de<br />
classe baixa.” (HERÓDOTO apud MARQUES, 1997, p. 21). Compunctum notis thereicitis,<br />
“picado com marcas trácias”, diz Cícero sobre o guarda-costas que acompanhava o déspota<br />
Alexandre de Pherae na Tessália.<br />
113<br />
Cortar, confeccionar, escarificar, tatuar sobre a superfície de inscrição mais genuína<br />
– a pele – que “pode ser viva ou arrancada de um corpo e, apergaminhada, ela se torna uma<br />
superfície que se estende fora do tempo. É a escrita do corpo que lhe confere uma tal<br />
figura de eternidade. Nada pode interromper esse jogo interminável da escrita sobre a<br />
pele.” (JEUDY, 2002, p. 92)<br />
A pele<br />
Pensar a tatuagem implica refletir acerca do suporte sobre a qual é gravada: a pele.<br />
“Uma embalagem de excelente qualidade” (BAILLETTE, 2003, p. 61. Trad. nossa), assim<br />
Baillette a define. Um iconoclasta, por sua vez, afirma que a pele nada mais é do que “um<br />
saco de merda” (TOPOR apud BAILLETTE, 2003, p. 61. Trad. nossa). Valéry assinala que<br />
“o mais profundo é a pele”. (VALÉRY apud ALTAMIRA<strong>NO</strong>, 2005, p. 15). Curioso<br />
paradoxo que diz da superfície de inscrição que o sujeito porta e parece sugerir que não há<br />
um “por trás” da pele, uma “profundidade” ou algo a esconder, mas, sim, que a superfície é<br />
o fundo, fundo falso... como sabemos. Deleuze concebe a filosofia como uma<br />
“dermatologia geral” ou “arte das superfícies” e assinala que “a arqueologia é a construção<br />
de uma superfície de inscrição.” (DELEUZE apud ALTAMIRA<strong>NO</strong>, 2005, p. 16). O<br />
ensaísta e poeta cubano Severo Sarduy acredita que sua autobiografia pode ser reconstituída<br />
a partir das inscrições em seu corpo, em forma de cicatrizes e suturas produzidas por<br />
acidentes e doenças. (ALTAMIRA<strong>NO</strong>, 2005, p. 16).<br />
Venus Brasileira Couy
114<br />
Na tentativa de explicar como as imagens corporais se constituem com a<br />
estruturação do eu, Didier Anzieu discorre acerca do que denomina “eu-pele”:<br />
O eu-pele encontra seu apoio em três funções da pele. A<br />
pele, primeira função, é a bolsa que guarda no interior o<br />
bom e o pleno que a amamentação, os cuidados, o banho<br />
de palavras acumularam. A pele, segunda função, é a<br />
superfície que marca o limite com o de fora e o contém no<br />
exterior; e a barreira que protege da avidez e das agressões<br />
que provêm dos outros, seres ou objetos. A pele, enfim,<br />
terceira função, ao mesmo tempo, que a boca, e pelo<br />
menos tanto quanto ela, é um lugar e um meio primário de<br />
troca com os demais. (ANZIEU apud JEUDY, 2002, p.<br />
83).<br />
Interessa-nos do pensamento de Anzieu a idéia da pele como uma superfície de<br />
troca. Daí, a vulnerabilidade da pele... a premência em senti-la, tocá-la, protegê-la, salvá-la,<br />
que as expressões cotidianas reiteram: “Sentir na pele”, “Estar na pele”, “Tocar a pele”,<br />
“Tirar a pele”, “Cortar na pele”, “Cair na pele”, “Salvar a pele”, “Defender a pele”.<br />
(FERREIRA, (s.d.) p. 1059)<br />
Em Petite fantasmagorie du corps, Jacques Bril (1994) discorre sobre a “função<br />
fantasmática da pele”, as diversas representações que ela induz ao imaginário, os sentidos<br />
clandestinos que veiculam as atitudes, os sintagmas ou as alusões que a tomam por objeto.<br />
A pele é, segundo o autor, a vida do sujeito que envelopa, atesta e confina. É, por isso, que<br />
riscamos a pele, a defendemos, claramente, a salvamos e não a deixamos. E aí se destaca o<br />
valor “defensivo” que se encontra ligado ao valor “econômico” e garante a integridade da<br />
pele:<br />
Nós retornaremos mais longe sobre a origem lexical da<br />
“pele”, francesa ou latina, ou mesmo grega. Mas<br />
começaremos por nos voltarmos para o conservadorismo<br />
germânico que nos trouxe um hide inglês; um huid holandês,<br />
um Haut alemão. Em cada uma destas palavras, a<br />
etimologia reconhece o tronco do latim cutis, (...) que se<br />
apresenta como herdeira da raiz indo-européia ku-t, forma<br />
secundária resultante da queda do s inicial em sku-t. O leitor<br />
teria reconhecido o latim scutum, escudo, que da mesma<br />
forma que seu parente germânico Schild, ilustra muito<br />
concretamente o valor defensivo afeito à pele, que<br />
testemunha outros arqueólogos e historiadores. Assim os<br />
guerreiros egípcios faziam uso dos escudos de pele; o<br />
Venus Brasileira Couy
115<br />
scutum romano, o escudo dos alemães e dos francos eram<br />
igualmente feitos de peles. (BRIL, 1994, p. 240. Trad.<br />
nossa)<br />
Enquanto superfície, a pele parece ser, para Jeudy (2002), um meio possível de<br />
representação sem ser por essa razão representável. “Invólucro do corpo” (JEUDY, 2002,<br />
p. 83), a pele aparece como uma superfície com textura singular, com sinais, arranhões,<br />
cores diversas e como um conjunto de fragmentos que se casam bem com as diferentes<br />
formas do corpo. Segundo Jeudy, “é mais fácil representar as formas de um corpo do que a<br />
própria pele” (JEUDY, 2002, p. 83), o que torna difícil traduzir “as palpitações da carne<br />
por meio dos coloridos e da pele” (JEUDY, 2002, p. 83-4):<br />
Dar a tinta da pele a riqueza de suas nuances parece sempre<br />
impossível, pois esta nos separa da representação do corpo<br />
no momento em que experimentamos sua textura, de modo<br />
visual ou tátil. Toda representação corporal é por um<br />
instante suspensa pelo ato de ver ou de tocar as pequenas<br />
saliências dérmicas, como se o invólucro se separasse das<br />
formas, que ele exalta para tornar-se uma superfície com<br />
relevo próprio. Essa é a razão pela qual se apresenta de<br />
início qual um texto que dispensa a metáfora e a<br />
visualização do corpo. Ela não esconde nada. Não se<br />
oferece ao olhar como um invólucro que contém alguma<br />
coisa e lhe confere uma forma. (...) Em vez de considerá-la<br />
como uma superfície intermediária entre o de fora e o de<br />
dentro, parece que, no dia-a-dia, ela é mais uma superfície<br />
de auto-inscrição, como um texto, mas um texto particular,<br />
pois será o único a produzir odores, sons e a incitar a tocar.<br />
(JEUDY, 2002, p. 84)<br />
O que é, afinal, a pele? Recorremos ao dicionário: “[Do latim. Pelle]. Membrana<br />
mais ou menos espessa que reverte exteriormente o corpo humano, bem como o dos<br />
animais vertebrados e o de muitos outros. A camada mais externa da pele; epiderme. Cútis,<br />
tez.” (FERREIRA, s.d., p. 1059) No entanto, a pele desliza pelas definições do verbete e<br />
imprime a sua trapaça:<br />
A pele é enganadora. Arrebentar o saco de pele não<br />
assegura forçosamente uma boa saída: não se alcança nada<br />
mais. Da mesma forma, ela apresenta bem qualquer coisa<br />
do ser; ela é efetivamente o que se rasga, se separa, se corta<br />
para engendrar; numa palavra, a (g) natura, ou veste rasgada.<br />
E é tanto mais perturbador que o homem ande com esta<br />
pele que tanto lhe pertence, a qual, enfim, ele se reduz. Eis<br />
Venus Brasileira Couy
116<br />
que ele se desfaz por pouco que lhe demandam. E mesmo<br />
se ninguém o demanda, ele se demanda, ele começa a<br />
libertar-se. Porque ele quer trocar de pele. (LEMO<strong>IN</strong>E-<br />
LUCCIONI, 1983, p. 95. Trad. nossa.)<br />
“Trocar de pele”, além de configurar-se como uma demanda do sujeito, ou, quem<br />
sabe, apenas tocá-la, parece ser a tônica da exposição de fotografias, vídeos, instalações e<br />
que se intitula “Ultra Peau” (Ultra Pele), inaugurada em 25 de abril de 2006, responsável<br />
por dobrar a freqüência do público no Palais de Tokyo, em Paris, sucesso atribuído à<br />
escolha do tema, segundo os organizadores, “um tema universal”. O site da exposição<br />
apresenta uma pele adornada por tatuagens sob a forma de arabescos e volutas e<br />
disponibiliza links por meio dos quais é possível “tocar”, “aproximar”, “sentir” e “ler” a<br />
pele. (LE BRETON, 2003 (b). Trad. nossa) Patrocinada pela marca de cosméticos Nivea,<br />
que “condensa todos os paradoxos do mecenato contemporâneo” (BAILLY, 2006, p. 3) e<br />
pretende fundir arte e mercado, a pele ocupa lugar de destaque na mostra: “a pele que se<br />
torna bela”, “a pele que nos faz sentir bem”, “a pele que se hidrata”, “a pele que se<br />
enfeita”, “a pele que se faz nova”.<br />
Sabemos, entretanto, que “trocar de pele”, no âmbito das modificações corporais,<br />
implica, muitas vezes, fazer incisão, corte ou furo na superfície lisa, higiênica, estética. Ao<br />
pôr a prova os limites do corpo e da pele, o sujeito faz frente aos limites da sociedade, na<br />
medida em que “o corpo é um símbolo para pensar o social” (LE BRETON, 2003 (b).<br />
Trad. nossa) e a pele é a superfície na qual o laço pode se inscrever, “laço social”, como<br />
sabemos.<br />
A tatuagem mundo afora<br />
Nas Américas, a prática de tatuar o corpo, conforme assinala Célia Antonacci<br />
Ramos (2001), foi recorrente entre os primeiros habitantes. Muitas tribos indígenas<br />
tatuavam o corpo e o rosto. A técnica empregada, segundo aponta a autora, era uma<br />
simples arranhadura, mas algumas tribos da Califórnia introduziram a cor nos arranhões,<br />
Venus Brasileira Couy
enquanto grupos das regiões árticas, a maior parte dos esquimós e certos povos do leste da<br />
Sibéria, faziam perfurações subcutâneas com agulha, através das quais passavam um fio<br />
revestido de pigmento, geralmente fuligem. Seminoles, Creeks e Cherokees, tribos norte-<br />
americanas, recorriam à tatuagem e imprimiam no corpo do recém-nascido, no dia em que<br />
recebia o nome, as insígnias do clã. Caveiras, flores, estrelas, animais ou traços geométricos<br />
simbolizavam a filiação definitiva a uma tribo. O método variava segundo a tribo. Muitos<br />
recorriam ao corte da pele, na qual introduziam uma mistura de cinzas com manteiga,<br />
enquanto outros recorriam ao método do branding, marcas feitas a partir de desenhos<br />
recortados no ferro, aquecido na brasa e impresso na pele. Semelhante método foi usado<br />
pelos índios Caduevos, no Brasil, que imprimiam no seu corpo imagens que representavam<br />
brasões hierárquicos. (RAMOS, 2001, p. 35)<br />
117<br />
Na Polinésia, Micronésia e partes da Malásia, o pigmento é introduzido na pele por<br />
meio de um instrumento semelhante a um ancinho em miniatura. No Japão, agulhas presas<br />
a cabos de madeira são utilizadas para tatuar desenhos multicores e muito elaborados, que<br />
em muitos casos cobrem grande parte da superfície corporal. Em Myanma, a tatuagem é<br />
executada com um instrumento de bronze semelhante a uma pena, de ponta fendida e com<br />
um peso na extremidade superior. Às vezes, esfrega-se o pigmento com cortes de faca,<br />
como na Tunísia, entre os ainus do Japão, os ibos da Nigéria e os índios do México; ou a<br />
pele é perfurada com espinhos, como fazem os índios pima, do Arizona, e os senoi, da<br />
Malásia. A prática foi redescoberta por europeus quando entraram em contato com os<br />
índios americanos e polinésios, no período das grandes navegações. (<strong>NO</strong>VA Enciclopédia<br />
Barsa, 1998, p. 487).<br />
Os nativos da Polinésia, Filipinas, Indonésia e da Nova Zelândia tatuavam-se em<br />
rituais complexos e muitas vezes religiosos. Na Nova Zelândia, como aponta Célia<br />
Antonacci Ramos (2001), ao lembrar o trabalho e os estudos de William Caruchet, autor de<br />
Le tatuage ou le corps sans honte, a tatuagem é muito profunda e precisa, dando a impressão de<br />
uma escultura de madeira. A admiração pela beleza da tatuagem a torna obrigatória para as<br />
mulheres nubentes. Para se conquistar um homem, é preciso que o corpo esteja tatuado: “é<br />
somente então que ela pode visitar a moradia de um homem jovem e dividir com ele seu<br />
leito. Senão, ela corre o risco de ser falada. ‘Onde está o encanto da mulher?’ ”<br />
Venus Brasileira Couy
(CARUCHET apud RAMOS, 2001, p. 27) E se as mulheres neozelandesas tatuadas<br />
seduzem, elas são igualmente seduzidas por um corpo tatuado: “uma esposa só pode sentir<br />
carinho por seu marido depois da intervenção de um tatuador. Um corpo sem tatuagem<br />
não encontra qualquer agrado.” (RAMOS, 2001, p. 27)<br />
118<br />
Na Austrália, conforme relata Célia Antonacci Ramos, os índios reproduzem ainda<br />
hoje cicatrizes produzidas com cortes sucessivos, as denominadas escarificações,<br />
utilizando-se, muitas vezes, de fuligem no corte para a formação da cicatriz. Na Polinésia, a<br />
tatuagem é um símbolo de classe que divide a sociedade. Conta a mitologia polinésia que<br />
são os deuses que ensinam os homens a arte de tatuar e, por isso, para os polinésios, a<br />
operação da tatuagem só acontece oficialmente e de acordo com um ritual sagrado. Esse<br />
ritual consiste em uma cerimônia coletiva e deve acontecer na mesma data e a todos da<br />
mesma idade, começando pelo filho do chefe. A intervenção começa aos doze anos e só<br />
termina por volta dos dezoito. Pequenas partes de pele são desenhadas a cada cerimônia.<br />
Ao homem é permitido tatuar o corpo todo enquanto às mulheres, apenas o rosto e<br />
determinadas partes. Um motivo suntuoso é um sinal de riqueza e concede prestígio a seu<br />
portador, que tem preferência na escolha de uma companheira e posição de destaque nos<br />
combates contra os inimigos. A fim de desonrar um inimigo morto, os polinésios comem-<br />
no num ritual festivo, no entanto, o canibalismo só é permitido aos homens tatuados.<br />
(RAMOS, 2001, p. 27-8)<br />
Diz um provérbio polinésio: “um corpo sem tatuar é um corpo estúpido”. E foi na<br />
Polinésia, como assinala Silvia Reisfeld (2005), que a tatuagem desenvolveu-se durante<br />
milhares de anos e ao longo das ilhas do Pacífico alcançou um elevado grau de elaboração e<br />
beleza por meio de seus desenhos geométricos. A seqüência dos traços era predeterminada<br />
e cada parte tinha seu nome. O desenho se escolhia com cuidado e cumpria a função de<br />
signo de identificação pessoal. As agulhas, feitas de osso, mediam entre 2 e 4 cm e<br />
agregavam-se na ponta de um cabo de madeira. O artista submergia o instrumento num<br />
pigmento negro feito de fuligem e água e executava a tatuagem golpeando-o com um<br />
pequeno martelo de madeira. Era um procedimento muito doloroso. (REISFELD, 2005, p.<br />
23)<br />
Venus Brasileira Couy
119<br />
Os guerreiros do Tonga eram tatuados por sacerdotes, que exerciam a prática<br />
seguindo os rituais. Na antiga Samoa, conforme aponta Silvia Reisfeld, o ofício do tatuador<br />
era herdado e ocupava uma posição privilegiada. Seu pagamento era feito de acordo com a<br />
complexidade do desenho. Tatuavam-se grupos de seis a oito jovens numa cerimônia na<br />
qual concorriam familiares e amigos que participavam com cânticos e orações<br />
especialmente associados ao ritual. A tatuagem num menino marcava a transição para a fase<br />
adulta e era uma prova de virilidade e coragem. O jovem que não estivesse tatuado (não<br />
importava a idade que tivesse) era considerado um rapaz ao qual não se permitia falar na<br />
presença dos adultos. As mulheres o ridicularizavam e nenhum pai aceitava como genro<br />
um homem não tatuado. O processo que em uma primeira etapa podia levar meses,<br />
prolongava-se durante anos até cobrir todo o corpo. Para cobrir toda a zona dos genitais e<br />
o ânus, o tatuado era assistido por ajudantes. Quando se tratava do filho de um chefe, a<br />
cerimônia era ainda mais solene. Todas as mulheres, inclusive a mãe, eram proibidas de ver<br />
o jovem, enquanto durasse a operação. Nas Marquesas, onde o desenho geométrico<br />
alcançou o mais alto grau de complexidade, também se tatuava o nariz para castigar aquele<br />
que tivesse cometido um crime severo. (REISFELD, 2005, p. 24) Nessas ilhas, os<br />
tatuadores tinham como segundo papel, o de contadores de histórias – tatuar e narrar –<br />
perseguidos pelos missionários cristãos que se seguiram à segunda guerra, as tatuagens e as<br />
histórias dizimaram-se substancialmente, “restando apenas velhos tatuados à moda antiga,<br />
isto é, com o corpo quase todo fechado.” (MARQUES, 1997, p. 47).<br />
E, foi nas ilhas marquesas, no Taiti e no Havaí que viveu por algum tempo Melville<br />
e onde alguns de seus romances (Typee, Omoo e Mardi) se passam:<br />
A possibilidade de fugir de uma época – ainda que ilusória<br />
ou temporariamente – e de viver o risco de uma aventura,<br />
de empreender uma vida de novidades ininterruptas<br />
despejou um sem-número de brancos nos primitivos Mares<br />
do Sul (muitos, na verdade, foram despejados como lixo<br />
humano lá e em todo mundo). O ficcionista americano<br />
Herman Melville foi desses brancos aventureiros (...) o<br />
novaiorquino Melville tinha vinte e dois anos quando<br />
embarcou no baleeiro Acushnet, rumo ao Pacífico. Sua obra,<br />
cujo ápice é Moby Dick, começou a nascer nessa viagem.<br />
(MARQUES, 1997, p. 96)<br />
Venus Brasileira Couy
120<br />
Em Typee, “que retrata a vida nas Marquesas já contaminadas pelos europeus e<br />
também os percalços dos brancos que desertaram da Europa” (MARQUES, 1997, p. 96),<br />
há diversas referências à tatuagem, que recobre fartamente os personagens. No rei, “uma<br />
larga trama de tatuagem se estendia pelo rosto, na linha dos olhos, como se ele usasse um<br />
enorme par de óculos” (MELVILLE apud MARQUES, 1997, p. 96), as pernas da rainha,<br />
por sua vez, eram “embelezadas por tatuagens espiraladas, que de alguma forma<br />
lembravam as colunas de trajano” (MELVILLE apud MARQUES, 1997, p. 97). Toni<br />
Marques (1997), ao contar a história de Melville, relata: “A mulher se aproximou do branco<br />
tatuado, levantou a blusa dele, enrolou as pernas da calça dele... ‘e viu admirada, os<br />
pontilhados azuis e vermelhos’. Depois, levantou as próprias saias, ‘ansiosa para exibir os<br />
próprios hieróglifos existentes em suas formas doces.’ ” (MARQUES, 1997, p. 97) Insígnia,<br />
sobretudo, da beleza, a tatuagem envolve e seduz os personagens.<br />
Em se tratando de “sedução”, cuja etimologia, seducere, significa “desviar do<br />
caminho”, como não mencionarmos Cem anos de solidão e José Arcádio, o personagem que<br />
vai embora de Macondo com os ciganos e, quando volta, traz o corpo bordado de<br />
tatuagens? No romance de Gabriel Garcia Márquez (s.d.), lemos: “Chegava um homem<br />
descomunal. Os seus ombros quadrados mal cabiam nas portas. Trazia uma medalhinha da<br />
Virgem dos Remédios pendurada no pescoço de búfalo, os braços e o peito<br />
completamente bordados de tatuagens enigmáticas e, na munheca direita o apertado<br />
bracelete de cobre dos ninos-en-cruz.” (MÁRQUEZ, s.d., p. 84).<br />
Segundo uma lenda popular colombiana, alguns homens abriam o pulso e ali<br />
colocavam uma pequena cruz especial, fechando-o depois com uma pulseira de ferro ou<br />
cobre, desta forma, adquiriam uma força descomunal e extraordinária. (MÁRQUEZ, s.d.,<br />
p. 84) José Arcádio tinha, pois, a cruz no pulso e o corpo inteiro tatuado: “No calor da<br />
festa, exibiu sobre o balcão a sua masculinidade inverossímil, inteiramente tatuada, num<br />
emaranhado azul e vermelho de letreiros em vários idiomas. Às mulheres que o assediaram<br />
com a sua cobiça, perguntou quem pagava mais. A que tinha mais ofereceu vinte pesos.<br />
Então ele propôs se rifar entre todas, a dez pesos cada número.” (MÁRQUEZ, s.d., p. 85)<br />
Disso vivia, deu sessenta e cinco vezes a volta ao mundo metido numa tripulação de<br />
marinheiros apátridas: “As mulheres que se deitaram com ele naquela noite, na taberna de<br />
Venus Brasileira Couy
Catarino, trouxeram-no inteiramente nu ao salão de baile, para que vissem que não tinha<br />
um milímetro do corpo sem tatuar, na frente e nas costas, e desde o pescoço até os dedos<br />
dos pés.” (MÁRQUEZ, s.d., p. 86)<br />
121<br />
Moby Dick, por sua vez, publicado em 1846, conta as desventuras do baleeiro<br />
Pequod, cujo comandante, Capitão Ahab, quer se vingar da baleia que lhe arrancou parte<br />
de uma perna. O narrador é o jovem Ishamael, quem conta também a história do tatuado<br />
Queequeg, filho de um rei e sobrinho de um sacerdote. Cedo quis conhecer o mundo<br />
branco das terras cristãs. Cedo ele se decepciona e vai parar na hospedaria “The Spouther-<br />
Inn”, em New Bedford, à espera de um barco que o devolva ao mar. Ao chegar à<br />
hospedaria, o narrador vê-se obrigado a dividir o leito com Queequeg e, quando acorda,<br />
sente-se confuso, não sabe se está diante de uma colcha ou de uma pele tatuada, tal a<br />
similitude dos traçados:<br />
Quando despertei na manha seguinte, ainda de madrugada,<br />
vi que um dos braços de Queequeg se estendia sobre mim,<br />
da maneira mais terna e afetuosa possível. Dir-se-ia quase<br />
que eu era o seu cônjuge. A colcha era de retalhos, um<br />
conjunto de pequenos quadrados e triângulos originais e<br />
multicoloridos e o braço tatuado, com o desenho<br />
representando um interminável labirinto de Creta (do qual<br />
nem duas partes eram precisamente do mesmo tom, devido<br />
segundo creio, à exposição sem método ao sol e à sombra<br />
(...), o braço, pois como ia dizendo, podia ser tomado por<br />
uma nesga da mesma colcha de retalhos. Por conseguinte,<br />
tornava-se difícil distinguir entre o braço, parcialmente<br />
estirado como o vi, ao despertar, e a colcha, de tal modo se<br />
confundiam as tonalidades. E foi unicamente pela sensação<br />
do pêso e da pressão que pude descobrir que Queequeg me<br />
abraçava. (MELVILLE, 1957, p. 73).<br />
Mais tarde, a bordo do navio Queequeg tem um presságio: em breve iria morrer.<br />
Encomenda, assim, um caixão ao carpinteiro do navio e, logo depois, morre de gripe.<br />
Pronta a encomenda, o nativo trabalha no caixão e repete na madeira algumas das<br />
tatuagens que Queequeg trazia na pele. Ishmael, o narrador-personagem do romance de<br />
Melville, conta:<br />
Esta tatuagem tinha sido o trabalho de um antigo profeta e<br />
vidente de sua ilha, o qual, por meio dessas marcas<br />
hieróglifas, escrevera em seu corpo uma teoria completa do<br />
Venus Brasileira Couy
122<br />
paraíso e da terra, e um tratado místico sobre a arte de<br />
alcançar a verdade; de maneira que Queequeg era um<br />
mistério a ser decifrado; uma obra magnífica em um único<br />
volume; mas cujos mistérios nem mesmo ele podia ler,<br />
apesar de seu coração bater-se vivo contra eles; e esses<br />
mistérios eram destinados, no fim, a pulverizar o<br />
pergaminho vivo em que foram escritos, e finalmente, se<br />
dissolver. (MELVILLE apud MARQUES, 1997, p. 101)<br />
Na pele-pergaminho do cadáver, as tatuagens, como os mistérios, iriam se dissolver.<br />
E então o que restaria? Outras estórias para contar...<br />
Na ilha de Bornéu, como assinala Silvia Riesfeld (2005), a tatuagem na mão era um<br />
símbolo de categoria social e cumpria uma função importante depois da morte. Supunha-se<br />
que iluminava a escuridão enquanto a alma errava em busca do rio da morte. Um espírito<br />
chamado Maligang custodiava o rio. Se a alma podia mostrar-lhe uma mão tatuada,<br />
permitia-lhe cruzar o rio sobre um tronco. Entre os Kayans havia a crença de que as<br />
tatuagens atuavam como tochas no outro mundo e, na falta destas, a alma do morto<br />
quedava na escuridão total. Também praticavam o piercing e estiravam-se os lóbulos das<br />
orelhas e outras partes do corpo. O piercing no pênis era considerado um meio para<br />
aumentar o prazer sexual da parceira. (REISFELD, 2005, p. 24)<br />
No Taiti, a tatuagem é um traço de embelezamento. No Havaí, por sua vez, tatuam-<br />
se a língua em sinal de luto. Impõem, assim, um silêncio temporário obrigatório aos<br />
enlutados. (RAMOS, 2001, p. 28) Na Tailândia, como aponta Toni Marques (1997), é<br />
hábito entre os monges budistas, sinal de reverência ou também função de escudo. Na<br />
fronteira com Myanma, a tatuagem está por toda a parte. É feita com agulhas de 30 cm. No<br />
Camboja, os guerreiros do Khmer Vermelho usam-na como proteção contra animais e<br />
tiros. Na Indonésia, a tatuagem é proibida. Em sua jornada, Hanky Panky andou o tempo<br />
todo de camisa de manga comprida, para esconder os braços. Diz que assim evitou ser<br />
tomado por bandido aos olhos dos esquadrões da morte – o mesmo acontece em El<br />
Salvador, jovens salvadorenhos que residiram e formaram gangues nos EUA, durante a<br />
guerra civil, e retornaram ao país-natal nos anos 90 estão sendo identificados pelas<br />
tatuagens e assassinados por esquadrões da morte. (MARQUES, 1997, p. 47)<br />
Venus Brasileira Couy
123<br />
Uma criação singular foi, segundo aponta Silvia Reisfeld (2005), a tatuagem facial<br />
chamada moko e exercitada pelos maiores da Nova Zelândia. Para realizá-la, traçavam-se no<br />
rosto sulcos rasos e coloridos, de complicados desenhos curvilíneos, mediante o emprego<br />
de uma diminuta enxó de osso. Os desenhos da tatuagem moko eram em forma de espiral e<br />
cada curva tinha um significado. Nenhum rosto era igual a outro. Os chefes maoris eram<br />
capazes de desenhar de memória seus próprios rostos tatuados e o usavam como uma<br />
assinatura pessoal. A tatuagem facial tinha o propósito de torná-los mais aterrorizantes<br />
frente aos inimigos, bem como mais atrativos para as mulheres. Distinguia, além disso, o<br />
homem livre do escravo, que não tinha o direito de portar uma tatuagem. Os maioris<br />
acreditavam que a tatuagem contém uma força sagrada, por isso, seu portador é um<br />
homem livre e nobre e possui um status diferenciado. Por outro lado, entre as crenças ligas<br />
à morte, imaginavam que depois da morte se encontrariam com uma bruxa que se<br />
entretinha devorando as espirais, enquanto a alma acedia à imortalidade. Mas se o defunto<br />
carecia das tatuagens protetoras, a bruxa comia seus globos oculares. Assim, ao quedar<br />
cega, a alma não podia encontrar o caminho da imortalidade e perecia. Agregar tatuagens<br />
no corpo outorgava honorabilidade, uma vez que constituíam um registro das batalhas nas<br />
quais se havia participado. Os maioris foram grandes guerreiros e as escaramuças tribais<br />
eram comuns, nem tanto pela necessidade de terras, mas, sim, pelo costume de se obter<br />
cabeças tatuadas, segundo a crença de que trariam sorte ou que afastariam os maus<br />
espíritos. (REISFELD, 2005, p. 25)<br />
As funções exercidas pela tatuagem desde o seu surgimento, conforme assinala a<br />
autora, têm sido múltiplas: sinal de realeza; símbolo de devoção religiosa; sinal para marcar<br />
a transição do jovem para a fase adulta; distintivo do clã ou tribo; meio de identificação<br />
pessoal ou uma forma de demonstrar valor ou virilidade; estímulo de atração sexual; talismã<br />
para afastar os maus espíritos, parte necessária dos ritos funerários; diferenciação da mulher<br />
casada para a solteira; prova de amor; forma de marcar e identificar escravos, marginais e<br />
condenados; finalidade de cura ou prevenção; elo mágico entre o homem e a natureza. Tais<br />
como suas múltiplas funções, eram os temas representados nas tatuagens – guerreiros,<br />
religiosos, eróticos, alusivos a mitos ou lendas, a plantas, animais ou cenas da vida cotidiana<br />
– e também a gama de pigmentos utilizados: resina, substâncias vegetais ou animais<br />
Venus Brasileira Couy
misturados com água, sangue, urina, esperma ou saliva. (REISFELD, 2005, p. 22) Tal<br />
diversidade não passou incólume ao cronista João do Rio:<br />
124<br />
Desde os mais remotos vêmo-la transformar-se: distintivo<br />
honorífico entre homens, ferrete de ignomínia entre outros,<br />
meio de assustar o adversário para os bretões, marca de<br />
uma classe para selvagens das ilhas Marquesas, vestimenta<br />
moralizadora para os íncolas da Oceania, sinal de amor, de<br />
desprezo, de ódio, bárbara tortura do Oriente, baixa usança<br />
do Ocidente. Na Nova Zelândia é um enfeite: a Inglaterra<br />
universaliza o adorno dos selvagens que colhem o phormium<br />
tenax para lhe aumentar a renda (...) (RIO, 1951, p. 44)<br />
Se nas ilhas polinésias a tatuagem é encontrada mais como diferenciação social, na<br />
África encontramos a prática da tatuagem, segundo relata Célia Antonacci Ramos (2001),<br />
como ornamento protetor, fetiche, sobretudo, nas moças ou nos doentes. No norte da<br />
África, a prática da tatuagem entre as mulheres camponesas era transmitida de mãe para<br />
filha. Vejamos um fragmento de um conto de Rogério Andrade Barbosa (1998), intitulado<br />
“A tatuagem”:<br />
Duany tinha quinze anos e seus pensamentos agora eram<br />
outros. Como todas as moças de sua aldeia, estava na idade<br />
de casar. Por isso passava longas horas embelezando-se.<br />
Não que tivesse muitos enfeites. Sua vestimenta limitava-se<br />
a um cinto de contas coloridas em volta da cintura e colares<br />
espalhados pelo pescoço. Andava nua, como era costume<br />
entre homens e mulheres de seu povo. Porém, seu corpo<br />
negro e esguio era adornado com pequenas tatuagens<br />
gravadas na pele das costas e dos ombros. Tinham sido<br />
feitas com leveza e maestria pelas mãos da velha Gogo,<br />
uma especialista no assunto. Essa anciã conhecia como<br />
ninguém a arte de furar e levantar a pele com um espinho<br />
pontiagudo, ao mesmo tempo que traçava caprichadas<br />
figuras, que depois de prontas, acompanhariam sua dona<br />
por toda a vida. Era uma tarefa delicada e dolorosa – às<br />
vezes sangrava muito –, suportada com extrema resignação<br />
pelas moças. A artista limpava o sangue passando a própria<br />
saliva nos cortes e, depois, untava as fendas com um óleo<br />
especial, encerrando a sessão de beleza. Duany estava<br />
acostumada com esse ritual desde bem pequena. Suas<br />
primeiras marcas tinham sido feitas por volta dos sete anos.<br />
(...) Duany sonhava em ter um dia o corpo completamente<br />
coberto de cicatrizes, como as mulheres mais velhas da<br />
aldeia, decoradas dos pés à cabeça com os mais variados<br />
tipos de desenhos. (BARBOSA, 1998, p. 5-7)<br />
Venus Brasileira Couy
125<br />
Nas tribos africanas, como aponta Célia Antonacci Ramos (2001), os desenhos da<br />
tatuagem servem como um amuleto que protege contra as forças do mal ou do<br />
desconhecido. Para as camponesas, as doenças não têm apenas uma causa física, mas, sim,<br />
sobrenaturais e atacam, de preferência, aqueles que são fisicamente mais debilitados: as<br />
adolescentes, no período da puberdade, as noivas, as grávidas e as parturientes. Nesses<br />
momentos, aparece o mau olhado, que pode provocar doenças e morte. Acreditam as<br />
camponesas africanas que, pela tatuagem, penetram no corpo fluidos protetores. O rosto é<br />
a parte do corpo preferida para a operação da tatuagem, contudo, outras partes, as que<br />
estão descobertas também são alvo para as marcas. Os motivos são mais geométricos,<br />
como aqueles que aparecem nos tapetes e tecidos. Como povos pastores, nômades, a<br />
tatuagem adquire nesse âmbito implicações ancestrais, que demonstram a necessidade da<br />
escrita, do registro de códigos e crenças em suportes móveis, como os tecidos, os tapetes,<br />
os utensílios e o corpo. (RAMOS, 2001, p. 30-1)<br />
A tatuagem no Brasil<br />
Aí andavam outros, quartejados de cores, a saber, metade<br />
sua própria cor, e metade de tintura preta, como azuladas; e<br />
outros quartejados de escarques. Ali andavam entre eles três<br />
ou quatro moças, muito novas e muitos gentis, com cabelos<br />
muito pretos e muito compridos, caídos pelas espáduas e<br />
suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das<br />
cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos<br />
nenhuma vergonha. (...) Uma delas andava toda tingida<br />
daquela tintura preta, numa coxa, do joelho até o quadril e a<br />
nádega; e todo o resto, de sua cor natural. Uma outra trazia<br />
ambos os joelhos com as curvas assim igualmente tintos de<br />
preto, bem como os colos dos pés, e suas vergonhas tão<br />
nuas e com tanta inocência descobertas, que não havia<br />
nisso vergonha alguma. (A CARTA de Pero Vaz de Caminha,<br />
2003, p. 95-6, p. 102)<br />
Falar da tatuagem no começo dos tempos no Brasil implica falar da carta de<br />
Caminha, na qual o escrivão português, buscando descrever minuciosamente a nossa fauna,<br />
flora, hábitos e habitantes, faz menção à “prima” da tatuagem, a pintura corporal adotada<br />
pelos índios. Urucum e jenipapo, conforme apontam os estudiosos, eram as principais<br />
Venus Brasileira Couy
matérias-primas das tintas, introduzidas por espinhos vegetais, ossos, dentes de animais,<br />
pedras ou então esfregados sobre incisões prévias, em rituais de nascimento, puberdade e<br />
canibalismo. (MARQUES, 1997, p. 121). Falar da tatuagem na época do achamento do<br />
Brasil implica ainda fazer referência, como encontramos na carta de Caminha, ao seu<br />
“contraparente”, o piercing:<br />
126<br />
Ambos os dois traziam o lábio de baixo furado e metido<br />
nele um osso branco e realmente osso, do comprimento de<br />
uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão,<br />
agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte<br />
de dentro dos lábio, e a parte que fica entre o lábio e os<br />
dentes é feita à roque-de-xadrez, ali encaixado de maneira a<br />
não prejudicar o falar, o comer e o beber. (...) Muitos deles<br />
ou a maioria dos que estavam ali traziam aqueles bicos de<br />
osso nos lábios. E alguns que deles eram desprovidos<br />
tinham os lábios furados e nos buracos uns espelhos de<br />
pau, que pareciam espelho de borracha; outros traziam três<br />
daqueles bicos, um no meio e os dois outros nos lados da<br />
boca. (A CARTA de Pero Vaz de Caminha, 2003, p. 91-2 e p.<br />
95)<br />
Ainda não se fala, nesse momento, em tatuagem, como acontecerá nos textos de<br />
outros autores, que realizaram, mais tarde, expedições. Conforme relata Toni Marques<br />
(1997), em O Brasil tatuado e outros mundos, Paulmier de Gonneville seguiu o rastro de Cabral<br />
e esteve no Brasil de 1503 a 1505, quando então o comerciante francês deparou-se com a<br />
escarificação na pele dos tupiniquins e tupunambás: “lá encontraram índios rudes, nus<br />
como vindos do ventre da mãe (..); o corpo pintado, sobretudo de negro; lábios furados, os<br />
buracos guarnecidos de pedras verdes bem polidas e encaixadas, cortados em vários lugares<br />
da pele, aos lanhos, para parecerem mais garbosos.” (GONNEVILLE apud MARQUES,<br />
1997, p. 123)<br />
Toni Marques assinala ainda que em meados do século XVI era moda no circuito<br />
aristocrático francês ter índios em casa, na função de valetes: “Homens, mulheres e<br />
crianças convertidos em enfeites vivos, utilitários – mas quantos teriam sido tatuados?”<br />
(MARQUES, 1997, p. 123) Segundo o autor, devemos aos franceses os primeiros registros<br />
acerca do que os nativos riscavam no corpo. Entre eles, temos o capuchinho Claude<br />
D’Abbeville – autor de História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e terras<br />
Venus Brasileira Couy
circunvizinhas, publicada em 1614, que relata que de seis índios levados para a França, um<br />
tabajara, pelo menos um, tinha tatuagem. (MARQUES, 1997, p. 124)<br />
127<br />
No século XVI, conforme apontam etnólogos e relata Toni Marques, viviam<br />
espalhados pelos estados brasileiros várias tribos indígenas. Na Bahia e no Maranhão,<br />
tupiniquins e tupinambás, em Pernambuco, os caetés e tabajaras, no Ceará e no Rio<br />
Grande do Norte, os potiguaras, no interior da região nordeste, tupinas e amoipiras, no<br />
litoral do Pará, os taramabés, em São Paulo e no Rio de Janeiro, os tamoios. No sul, tupis e<br />
guaranis: “Quais eram os tatuados? Tupinambás, tabajaras e guaranis.” (MARQUES, 1997,<br />
p. 127)<br />
Na esteira do pensamento de Lombroso e Lacassagne, o começo do século XX, no<br />
Brasil, é marcado pelo interesse médico e criminal pela tatuagem, buscando enquadrá-la e,<br />
sobretudo, diagnosticá-la, como convinha a corrente cientificista vigente. É desse período<br />
uma série de estudos, teses acadêmicas e pesquisas sobre a tatuagem. Toni Marques (1997)<br />
relata que em 1902 Alvaro Ladislau C. de Albuquerque, ao final do curso de medicina,<br />
apresentou tese sobre tatuagem. Em 1912, outros médicos, José Ignacio de Carvalho<br />
apresentou tese intitulada “Tatuagem e criminalidade” para obtenção do grau de Doutor<br />
em Medicina e Angelo Rodrigues da Cruz Ribeiro também apresentou tese de doutorado,<br />
cujo titulo era “Tatuagem (estudo médico-legal)”. Nesses estudos, buscava-se, entre outros<br />
pontos, fazer um levantamento da população carcerária tatuada: as profissões de cada<br />
indivíduo tatuado, a idade, os temas preferidos para tatuagem e uma possível relação da<br />
tatuagem escolhida com o delito cometido. (MARQUES, 1997, p. 146)<br />
E, é do final do século XIX, a crônica de Machado de Assis, publicada em 28 de<br />
junho de 1895, na coluna “A semana”, no jornal carioca Gazeta de Notícias, na qual comenta<br />
a investigação do homicídio de João Ferrreira, cujo suspeito era Manuel de Souza, que<br />
trazia inúmeras tatuagens pelo corpo. Por meio da costumeira ironia, Machado já fazia<br />
crítica à ideologia cientificista da época, aos estudos de Lombroso e à tese do criminoso<br />
nato. Vejamos um fragmento da crônica:<br />
O que me atraiu nesse crime foi a força do amor, não por<br />
ser o motivo da discórdia e do ato – há muito quem mate e<br />
morra por mulheres –, mas por apresentar na pessoa de<br />
Manuel de Souza, o suposto assassino, um modelo<br />
Venus Brasileira Couy
128<br />
particular de paixões contrárias e múltiplas. Foram as<br />
tatuagens do corpo do homem que me deslumbraram. As<br />
tatuagens são todas ou quase todas amorosas. Braços e<br />
peitos estão marcados de nomes de mulheres e de símbolos<br />
de amor. Lá estão as iniciais de uma Isaura Maria da<br />
Conceição, as de Sara Exaltina dos Santos, as de Maria da<br />
Silva Fidalga, as de Joaquina Rosa da Conceição. Lá estão<br />
as figuras de um homem e de uma mulher em colóquio<br />
amoroso; lá estão dois corações, um atravessado por uma<br />
seta, outro por dois punhais em cruz. Eu, para completar o<br />
juízo científico, mandaria ao mestre Lombroso cópia das<br />
tatuagens, pedindo-lhe que dissesse se um homem tão dado<br />
a amores, que os escrevia em si mesmo, pode ser<br />
verdadeiramente assassino. (ASSIS apud MARQUES,<br />
1997. p. 160-1)<br />
João do Rio, atento às mudanças que se avizinhavam no começo do século, retratou<br />
em 1908 os novos ofícios que chegavam à cidade, entre os quais, o de tatuador, moleques<br />
de dez, doze anos, que, de forma precária e incipiente, realizavam a tatuagem nas ruas, e<br />
aqueles que se faziam tatuar no começo do século XX, no Rio de Janeiro:<br />
Da tatuagem no Rio faz-se o mais variado estudo da<br />
crendice. Por ele se reconstrói a vida amorosa e social de<br />
toda a classe humilde, a classe dos ganhadores, dos<br />
viciados, das fúfias de porta aberta, cuja alegria e cujas<br />
dores se desdobram no estreito das alfurjas e das<br />
chombergas, cujas tragédias de amor morrem nos<br />
cochicholos sem ar, numa praga que se faz de lágrimas. A<br />
tatuagem é a inviolabilidade do corpo e a história das<br />
paixões. Esses riscos nas peles dos homens e das mulheres<br />
dizem as suas aspirações, as suas horas de ócio e a fantasia<br />
da sua arte e a crença na eternidade dos sentimentos – são a<br />
exteriorização da alma de quem os traz. Há três casos de<br />
tatuagens no Rio, completamente diversos na sua<br />
significação moral: os negros, os turcos com o fundo<br />
religioso e o bando das meretrizes, dos rufiões e dos<br />
humildes, que se marcam por crime ou por ociosidade. Os<br />
negros guardam a forma fetiche: além dos golpes sarados<br />
com o pó preservativo do mau olhado, usam figuras<br />
complicadas. Alguns, como o Romão da rua do Hospício,<br />
têm tatuagens feitas há cerca de vinte anos, que se<br />
conservam nítidas, apesar da sua cor – com que se<br />
confunde a tinta empregada. (RIO, 1951, p. 44-5)<br />
Da publicação da crônica de João do Rio aos dias atuais, mais de um século de<br />
distância e, sem dúvida, muita coisa se modificou com relação à tatuagem, aos tatuadores e<br />
Venus Brasileira Couy
aos tatuados. Tida num passado não muito distante como insígnia do desvio e da<br />
marginalidade, estampada, sobretudo, nos corpos de marinheiros, prostitutas, criminosos e<br />
condenados – não é gratuito que na crônica a tatuagem “reconstrua” a vida amorosa e<br />
social da “classe humilde”, “dos ganhadores, dos viciados, das fúfias de porta aberta” –<br />
mais tarde, na década de 60, a tatuagem sofreu um novo impulso proveniente da música,<br />
sobretudo do Rock Roll, que, no seu início também foi mal visto e representava uma<br />
maneira de rebelar-se contra o etablishment.<br />
129<br />
Nos Estados Unidos, o rock estava muito ligado aos motociclistas, que, além de<br />
levar uma particular filosofia de vida, habitualmente portavam tatuagens de roqueiros.<br />
Muitos motoqueiros, aficionados pela moto Harley Davidson, num rito de agregação,<br />
imprimiam e ostentavam envaidecidos a logomarca do veículo na pele. Alguns grupos de<br />
rock alcançaram fama internacional, como os “Red Hot Peppers”, “Aerosmith”, “Guns<br />
n’Roses”, “Bom Jovi” ou “Os Ramones” mostravam seus integrantes com tatuagens. Levar<br />
uma tatuagem com a marca destes conjuntos ou o retrato de alguns de seus membros<br />
supunha uma identificação com o protesto de suas canções. Também no rol dos tatuados,<br />
estavam Joan Baez, Janis Joplin, Sean Conery e David Bowie. Nessa época, a tatuagem<br />
passa a constituir-se como emblema mais amplo da contracultura e dos diversos<br />
movimentos contestatórios que eclodiram pelo mundo.<br />
Nos anos 70, no Brasil, a tatuagem aparece nos corpos de surfistas e de muitos<br />
freqüentadores da zona sul carioca, e a música composta por Caetano Veloso – ao tatuar<br />
dragões nos braços de meninos do Rio – incumbiu-se de difundir e popularizar a prática da<br />
tatuagem.<br />
A “cicatriz risonha e corrosiva” surge, algumas décadas mais tarde, nos corpos de<br />
esportistas como no do nadador Fernando Scherer, o Xuxa, de modelos, como Marina<br />
Dias e Gisele Bündchen, de apresentadoras de televisão, como a VJ da MTV, Tathiana<br />
Mancini, de atrizes, como Deborah Secco (2003), cujo depoimento divulgado na Isto É,<br />
relata que a atriz tatuou em suas costas parte da oração “Pai nosso.” A tatuagem aparece<br />
ainda incorporada à moda. A Trifil, na coleção de setembro de 1999, produziu uma meia<br />
calça em cujo tecido inseria, propositadamente, na altura da canela, um dragão. Em 2000, a<br />
Scala, em sua coleção tattoo teen, desenvolvida em tule com trama mais fechada, apresentou<br />
Venus Brasileira Couy
como grande diferencial o desenho de um lagarto à maneira de uma tatuagem. (GARCIA.<br />
In: CASTILHO e GALVÃO (orgs.), 2002, p. 33)<br />
Essa expansão da tatuagem em larga escala, como atestam as publicações<br />
especializadas do ramo, fez com que, em diversos países, sobretudo, nos grandes centros<br />
urbanos, os estúdios de tatuagem quintuplicassem para atender à crescente demanda,<br />
oriunda de diversas classes sociais, independentemente de sexo, cor ou profissão,<br />
esgarçando, enfim, o estereótipo de que a tatuagem é sinônimo de “encrenca” e pertence “à<br />
turma daqueles que não escovam os dentes”.<br />
130<br />
Como um fenômeno da moda ou um projeto de vida, na mídia ou à margem, a<br />
tatuagem reedita no sujeito a velha questão da identidade: fazer-se ver, fazer-se lembrar,<br />
fazer-se reconhecer, fazer-se pertencer, fazer-se marcar.<br />
Bordejar e contornar o corpo com dragões, flores, serpentes, caveiras, motivos<br />
tribais, rostos famosos, orações, nomes dos filhos ou do último amor, utopia de um sujeito<br />
que se encarregará de ressignificar o corpo, próprio ou alheio, ponto de passagem ou exílio,<br />
no qual a carne se faz “túnica de gala” (GARCIA. In: CASTILHO e GALVÃO (orgs.),<br />
2002, p. 27), estação da palavra tatuada.<br />
Um conto, uma peça de teatro, outras tatuagens<br />
Escrito no Japão em 1910 ou 1911, o conto “Tatuagem” (Shissei), de Junitshiro<br />
Tanizaki (s.d.), e a peça de teatro “A rosa tatuada” (The rose tattoo), de Tennessee Williams<br />
(1956), que estreou nos Estados Unidos em 1951, são exemplares para dizer do papel<br />
significativo que a tatuagem pode exercer em um texto ficcional. Em ambos, a tatuagem é a<br />
protagonista: misteriosa, sedutora, enigmática, criadora da vida, da morte, da trapaça, do<br />
jogo entre os personagens. No conto de Tanizaki, incrustada no dorso de uma mulher, a<br />
tatuagem da aranha fêmea esvazia a alma do tatuador; na peça de Tennessee Williams, por<br />
sua vez, a tatuagem de uma rosa, estampada no peito de um contrabandista, é um emblema<br />
Venus Brasileira Couy
que circula pelos personagens e constitui uma cadeia metonímica, na qual a “rosa” não pára<br />
de se escrever.<br />
131<br />
Num tempo “em que os homens ainda possuíam a nobre virtude da futilidade e a<br />
vida não era tão turbulenta como agora” (TANIZAKI. In: <strong>NO</strong>JIRI (org.), (s.d.), p. 84), a<br />
tatuagem torna-se sinônimo de beleza, mistério e sedução:<br />
O mundo era então mais fácil, a ponto de poderem existir<br />
profissões como as de hokan e de ocha-bozu que, com suas<br />
tagarelices, procuravam excitar para desfastio dos patrões e<br />
senhores, a hilaridade das gueixas e aias da corte. Em todas<br />
as peças de teatro, Onna-Sadakuro, Onna-Jiraiya, Onna-<br />
Meijin e em todos os folhetins desse tempo, os belos eram<br />
sempre os mais fortes e os feios os mais fracos. Não havia,<br />
portanto, quem não procurasse ser belo. Para consegui-lo,<br />
tatuavam o corpo e era com orgulho que exibiam a pele<br />
enfeitada de linhas e cores vivas e deslumbrantes. Os<br />
freqüentadores das casas de espetáculo davam preferência<br />
aos palanquins cujos carregadores ostentassem vistosas<br />
tatuagens. As mulheres dos bairros proibidos enamoravamse<br />
de homens tatuados. E não somente apostadores e<br />
bombeiros, mas também comerciantes e alguns samurais<br />
exibiam tatuagens. (TANIZAKI. In: <strong>NO</strong>JIRI (org.), (s.d.),<br />
p. 84)<br />
Vivia nessa época um jovem e perito tatuador chamado Seikichi. Dizia-se que a sua<br />
arte era tão boa quanto a dos mestres mais famosos. O trabalho de Seikichi era admirado<br />
pelas linhas sensuais e pela extravagância de suas composições. Outrora vivera como pintor<br />
de roupas, o que lhe foi útil na profissão de tatuador. Seikichi não era um tatuador comum,<br />
selecionava seus clientes. Se, por acaso, o cliente não possuía cútis e físico atraentes, não<br />
obtinha uma tatuagem de Seikichi. E, quando a conseguia, era obrigado a aceitar os<br />
caprichos da composição que o mestre lhe impunha e tinha de sofrer, por um ou dois<br />
meses, as dores causadas pela ponta de sua agulha. Curiosamente, quanto mais dor o cliente<br />
sentia, mais prazer tinha Seikichi:<br />
Na alma desse jovem tatuador ocultavam-se um desejo e<br />
um prazer insondável. A agulha introduzida na carne das<br />
pessoas que a ele se submetiam produzia dores latejantes,<br />
ao aquecer-se o sangue, e muitos homens, não podendo<br />
suportar o sofrimento, soltavam gemidos abafados. Quanto<br />
mais alto gemiam, mais Seikichi exultava de prazer inefável.<br />
Tinha preferência pela tatuagem purpurina, variegada, que é<br />
Venus Brasileira Couy
132<br />
a que mais dores provocava. Muitas vezes, ao saírem do<br />
banho fixador das cores, depois de haverem sofrido<br />
quinhentas ou seiscentas espetadas num só dia, os tatuados<br />
tombavam aos pés de Seikichi, mais mortos que vivos, e ali<br />
quedavam imóveis. O mestre lançava um olhar desdenhoso<br />
para essas figuras disformes e sorria com satisfação. – Deve<br />
doer muito, não? –perguntava. (TANIZAKI. In: <strong>NO</strong>JIRI<br />
(org.), (s.d), p. 84-5)<br />
Embora sentisse um prazer inenarrável com as tatuagens que fazia e, sobretudo,<br />
com a dor de seus clientes, Seikichi, no entanto, não estava satisfeito. Desejava há muito<br />
tempo conseguir a pele luminosa de uma mulher para nela imprimir sua própria alma.<br />
Impunha condições quanto a sua figura e qualidade. Nem a beleza do rosto nem a beleza<br />
da epiderme, se isoladas, contentavam-no plenamente. Não havia encontrado até então,<br />
nem mesmo entre as mais afamadas mulheres das zonas de diversão de Yedo, quem lhe<br />
agradasse o gosto e a preferência. Fazia já quatro anos que vivia nessa expectativa. A idéia<br />
não o abandonava, nem a esperança de um dia realizá-la.<br />
Após o quinto ano de espera, certa manhã de fim da primavera, chega a sua casa<br />
uma jovem desconhecida com um casaco nas mãos e pede-lhe, em nome de sua madrinha,<br />
para desenhar algo no forro. Ela parecia ter dezesseis ou dezessete anos, entretanto, seu<br />
rosto, conforme relata o narrador, era maduro, proporcionado, “como de uma mulher que<br />
já houvesse se divertido com dezenas de corações masculinos, em longa vida amorosa.<br />
Uma figura que parecia ter saído dos inúmeros sonhos de gerações e gerações de homens e<br />
mulheres apaixonados, no interior de uma metrópole para a qual convergiam todas as<br />
riquezas e todos os pecados do país.” (TANIZAKI. In: <strong>NO</strong>JIRI (org.), (s.d.), p. 86) Seikichi<br />
mostra-lhe então duas pinturas. A primeira era de Biki, a dama favorita de Chu, imperador<br />
e déspota da antiga China. A segunda, intitulada “Fertilizante” trazia no centro da tela,<br />
recostada a uma cerejeira, uma jovem que olhava inúmeros cadáveres de homens<br />
empilhados a seus pés. Nesse instante, quando viu o quadro, a moça sentiu ter encontrado<br />
alguma coisa que se escondia nela e em suas entranhas:<br />
Seikichi aproximou-se da moça com simulada indiferença e deu-lhe um sonífero, a<br />
fim de que pudesse realizar seu trabalho. Cerrada a divisão do aposento e com o<br />
instrumento de tatuar na mão, Seikichi ficou em êxtase:<br />
Venus Brasileira Couy
133<br />
Instantes depois, encostou ele a ponta do pincel, seguro<br />
entre os dedos indicador, polegar e mínimo da mão<br />
esquerda nas costas da jovem e, com a mão direita, foi<br />
espetando a agulha. Sua alma de artista diluía-se na tinta e<br />
penetrava na carne perfumada. Cada gota de cinábrio, que<br />
injetava de mistura com aguardente era a sua própria vida<br />
que se lhe esvaía. Via-se ali a cor da sua alma. O tempo<br />
passou impressentido. O calmo dia de primavera começou<br />
a escurecer. Mas a mão de Seikichi não descansou um só<br />
momento nem o sono da jovem se interrompeu. (...) A<br />
tatuagem, todavia, progredira pouco, e Seikichi procurava,<br />
com cuidado, aparar o pavio da vela. Sentia não lhe ser fácil<br />
imprimir a cor desejada nos menores pontos. Cada vez que<br />
afundava ou retirava a agulha, suspirava profundamente,<br />
como se esta lhe estivesse sendo cravada nas próprias<br />
entranhas. Aos poucos, os traços foram adquirindo a forma<br />
de uma aranha fêmea e, quando a noite começou a clarear,<br />
esse estranho animal maligno já estendia seus tentáculos e<br />
estava acaçapado sobre o dorso da moça.. (...) Seikichi<br />
largou o pincel e se pôs a contemplar os contornos da<br />
aranha tatuada nas costas da jovem. Essa tatuagem<br />
representava toda a sua vida. Sua alma ficara vazia depois<br />
que a concluíra. (TANIZAKI. In: <strong>NO</strong>JIRI (org.), (s.d.), p.<br />
88)<br />
Se num clássico da literatura universal, o pacto consistia em vender a alma ao diabo,<br />
no conto de Tanizaki, a alma é “esvaziada” de um personagem – o tatuador – para ser<br />
impressa nas costas de outro personagem – aquele que se deixa tatuar. Qual a mulher da<br />
tela “Ferlizante”, a personagem sem nome do conto, chamada apenas de “a moça”, antes<br />
tímida, frágil, sem vivacidade, agora, “fertilizada” pela agulhas do homem-tatuador,<br />
transforma-se em uma mulher, viva, iluminada, forte, portando, não por acaso, uma aranha<br />
fêmea tatuada nas costas:<br />
As duas sombras permaneceram imóveis por algum tempo.<br />
Por fim, a voz baixa e seca fez as quatro paredes<br />
estremecerem:<br />
– Pus toda a minha alma neste trabalho para fazê-la<br />
realmente bela. Não haverá em todo o país moça que a<br />
possa sobrepujar. Você já não será tímida como antes.<br />
Todos os homens serão o seu húmus...<br />
Como se ela tivesse ouvido essas palavras, os lábios da<br />
mulher se descerraram num débil gemido. Aos poucos, foi<br />
recuperando os sentidos. A respiração pesada fazia-lhe os<br />
ombros tremerem. Os pés da aranha se moviam: parecia<br />
estar viva.<br />
Venus Brasileira Couy
134<br />
– Compreendo o seu tormento. A aranha está abraçada ao<br />
seu corpo...<br />
À voz do homem, a moça entreabriu os olhos<br />
inexpressivos. Estes foram gradativamente ganhando<br />
brilho, como a lua ao crepúsculo, brilho que se projetou no<br />
rosto do homem.<br />
Mestre, mostre-me depressa a tatuagem das minhas costas.<br />
Imagino como não fiquei linda à custa de sua vida!<br />
As palavras saiam-lhe como que em transe, mas havia nelas<br />
uma força aguda. (TANIZAKI. In: <strong>NO</strong>JIRI (org.), (s.d.), p.<br />
88-9)<br />
Brilho e força agora se vêem resplandecidos no rosto e na voz da mulher que se<br />
torna discípula do Mestre, pois dele ganhou a vida, a alma (anima), trazendo-a incrustada<br />
em seu corpo:<br />
– Mestre, já me desfiz daquela alma tímida de antes. O<br />
senhor foi meu primeiro fertilizante.<br />
Seus olhos faiscavam, como se fossem lâmina de aço. Havia<br />
na sua voz uma nota de triunfo.<br />
– Deixe-me ver, mais uma vez, a tatuagem, antes de ir-se<br />
embora – rogou Seikichi.<br />
– Ela obedeceu-o com um aceno de cabeça e descobriu-se.<br />
O sol matinal iluminou a tatuagem e o dorso da mulher<br />
incandesceu. (TANIZAKI. In: <strong>NO</strong>JIRI (org.), (s.d.), p. 89-<br />
90)<br />
Entre Nova Orleans e Mobile, uma aldeia habitada por sicilianos, no Golfo do<br />
México. É este o cenário de “A rosa tatuada”, de Tennessee Williams. Ao subir o pano,<br />
ouve-se um cantor folclórico siciliano, acompanhado de guitarra, que deve cantar em todos<br />
os inícios dos atos e no final. O primeiro efeito de luz é muito romântico. Vemos o<br />
contorno da casa rústica, num estado de conservação bastante precário, com uma palmeira<br />
ao lado e, no outro, uma varanda ou alpendre, que dá para a porta de entrada. O cenário<br />
parece quase tropical, pois além da palmeira, há bambus e outras plantas. Perto, passa uma<br />
estrada, que não é vista, mas os carros que nela transitam ocasionalmente se fazem ouvir<br />
em cena. A casa tem uma porta dos fundos. Seu interior é colorido como um recanto de<br />
parque de diversões. Há muitos objetos religiosos, retratos e molduras douradas, uma<br />
gaiola de ferro com um papagaio, um grande vaso com peixinhos dourados, licoreiros,<br />
jarras e as paredes são cobertas de papel pintado com rosas como motivo. O tapete<br />
também é rosa. “Tudo é ostensivo e berrante, como a projeção de um coração de mulher<br />
Venus Brasileira Couy
veementemente apaixonado” (WILLIAMS, 1956, p. 7) – indicam os apontamentos do<br />
autor sobre a encenação da peça.<br />
135<br />
Composta em três atos, “A rosa tatuada” conta a história 4 da costureira Serafina<br />
Della Rosa, imigrante siciliana, mãe da menina Rosa e casada com Rosário – motorista de<br />
caminhão que trabalha com bananas e, sobretudo, com contrabando, “por cima, é um<br />
caminhão de bananas! Mas por baixo, é coisa diferente!” (WILLIAMS, 1956, p. 20) – e que<br />
traz uma rosa tatuada no peito. A peça tem início com Serafina esperando o marido chegar.<br />
Na presença das vizinhas, adora vangloriar-se do seu marido e do casamento: “Cada vez é<br />
como se fosse a primeira vez que eu estou com ele... O tempo não passa....” (WILLIAMS,<br />
1956, p. 21) Uma das vizinhas de nome Assunta debocha de Serafina e desconfia do “mar<br />
de rosas” que a amiga diz viver: “Tique, tique, tique, tique. Você está chamando o relógio<br />
de mentiroso...” (WILLIAMS, 1956, p. 21)<br />
Na noite anterior, Serafina teve um aviso:<br />
Serafina: Va bene! Senti, Assunta! Fiquei sabendo que ia ter<br />
uma criança na mesma noite em que fiquei grávida! (Essa<br />
frase parece música quando ela a diz)<br />
Assunta: Ahhh?<br />
Serafina: Senti! Nessa noite, eu acordei me queimando de<br />
dor, abrasada, aqui, do lado esquerdo. Como se uma porção<br />
de agulhas de fogo me estivessem penetrando na carne!...<br />
Acendi a luz e descobri o meu seio... E vi nele a rosa<br />
tatuada que meu marido tem no peito!<br />
Assunta: A tatuagem de Rosário?<br />
Serafina: Em mim, no meu peito, a tatuagem dele! E, assim<br />
que a vi, eu compreendi que tinha ficado grávida... (Serafina<br />
inclina a cabeça para trás, orgulhosa e sorridente, e abre o seu leque de<br />
papel) (WILLIAMS, 1956, p. 17-8)<br />
Assunta quer saber se Rosário viu a tatuagem miraculosa. Serafina conta que,<br />
quando acordou, a rosa do marido havia desaparecido. Assunta insinua que Serafina vai<br />
ficar viúva: “Qualquer dia você vai mais é fazer um vestido preto”. (WILLIAMS, 1956, p.<br />
20)<br />
Em seguida, entra em cena, Estelle Hohengarten, “mulher esguia e loura, vestindo<br />
um vestido de estilo egípicio” (WILLIAMS, 1956, p. 22) e encomenda a Serafina que faça<br />
4 Valemo-nos também da síntese e análise de Toni Marques para relatar a peça.<br />
Cf. MARQUES, 1997. p. 83-7.<br />
Venus Brasileira Couy
do corte de seda cor-de-rosa uma camisa de homem. Estelle diz que pretende dá-la de<br />
presente ao homem de quem gosta. Insinua-se na cena que esse homem seja o marido de<br />
Serafina e as pistas são deixadas: o olhar curioso de Estelle dentro da casa, a fotografia<br />
emoldurada de Rosário que Estelle apanha no aparador e o diálogo travado entre ambas:<br />
cor?<br />
136<br />
Estelle: Eu quero é uma camisa de homem.<br />
Serafina: Uma camisa de homem, de seda dessa<br />
Estelle: É um homem que parece um cigano.<br />
Serafina: Nenhuma mulher devia deixar que o<br />
homem de quem gosta se vista como um cigano...<br />
Estelle: É mas um homem assim é difícil para uma<br />
mulher segurar, não é mesmo? Hein? (WILLIAMS,<br />
1956, p. 25)<br />
Estelle quer a encomenda pronta no dia seguinte. Paga o que for. Serafina cobra<br />
cinco dólares. Estelle oferece-lhe cinco vezes mais, vinte e cinco doláres. Ao mesmo<br />
tempo, entra no quintal da casa um bode preto conduzido por uma sinistra senhora que<br />
“tem um olho branco e todos os dedos quebrados” (WILLIAMS, 1956, p. 27), “Malocchio<br />
– olho mau – isso é o que ela tem! E os dedos dela são quebrados porque ela apertou a<br />
mão do diabo!” (WILLIAMS, 1956, p. 27-8) Ao fim da primeira cena, ouve-se novamente a<br />
exclamação desesperada de Serafina: “Malochio! Malochio! (Cobrindo a face com uma das mãos,<br />
Serafina faz o sinal dos chifres do diabo com a outra, para tirar o mau olhado. Enquanto isso, faz-se o<br />
black-out.” (WILLIAMS, 1956, p. 28)<br />
Na segunda cena, Serafina encontra-se cercada pelas vizinhas e pelo padre, embora<br />
não queira saber e muito menos ouvir a notícia, acaba por constatar que seu marido<br />
morreu. E, o fim do segundo quadro se dá:<br />
Serafina: (Engolindo em seco) – Não me digam nada! (Afasta-se<br />
do grupo, andando de costas até esbarrar nos manequins. Ela se volta<br />
e corre para a porta dos fundos. Por alguns momentos, ela vacila, do<br />
lado de fora, perto da palmeira. Vem á frente da casa e olha,<br />
cegamente, para a distância. Depois, num grito selvagem) – Não me<br />
digam nada! (As vozes das mulheres recomeçam, mais audíveis,<br />
dentro da casa. Serafina atira-se de joelhos, sussurrando com voz<br />
transtornada de emoção). – Não me digam nada! (Assunta<br />
agasalha-se no seu xale de piedade e a cena escurece). (WILLIAMS,<br />
1956, p. 30)<br />
Venus Brasileira Couy
137<br />
Na terceira cena, o médico informa que a viúva perdeu o bebê. E no velório de<br />
Rosário aparece Estelle com um buquê de rosas na mão. Quer despedir-se do corpo, mas é<br />
criticada pelo padre e é enxovalhada pelas vizinhas:<br />
Padre: O caixão está fechado. O corpo não pode ser visto.<br />
E a senhora nunca devia ter vindo aqui. A viúva não sabe<br />
de nada a seu respeito. Absolutamente nada!<br />
Giuseppina: Mas todas nós sabemos!<br />
Peppina: Va via! Sporcacciona!<br />
Violetta: Puttana!<br />
Mariella: Assassina!<br />
Tereza: Foi ela quem o mandou para os irmãos Romano!<br />
(...)<br />
Estelle: Queria vê-lo, queria vê-lo, só queira vê-lo...<br />
Padre: O corpo está esmagado e cheio de queimaduras.<br />
Ninguém pode vê-lo. Agora, vá-se embora e nunca mais<br />
volte aqui outra vez, Estelle Hohengarten. (WILLIAMS,<br />
1956, p. 33)<br />
Na quarta cena, passaram-se três anos da morte de Rosário. Serafina está<br />
transtornada. Tem vários vestidos de formatura das filhas de suas amigas para fazer, em<br />
atraso. Em seu luto, impede que a filha se vista e saia de casa. Faz alguns dias que trancou o<br />
armário de sua filha, a fim de impedi-la de se encontrar com o jovem marinheiro, Jack. As<br />
vizinhas tentam interceder, ameaçam chamar a polícia. Rosa consegue, enfim, sair de casa e<br />
ir ao seu baile de formatura.<br />
Na quinta cena, em uma discussão sobre moral, sexo e amor, agora há na cidade,<br />
cheia de soldados, um hotel para encontros, o Hotel Monteleone, o nome de Rosário e de<br />
Estelle vêm à tona:<br />
Flora: Ele tinha uma rosa tatuada no peito. E Estelle ficou<br />
tão louca por ele que chegou a ir à rua Rua Bourbon para<br />
mandar tatuar uma igualzinha no dela! Sim, uma rosa no<br />
peito, tal e qual a dele. (WILLIAMS, 1956, p. 63)<br />
O segundo ato é uma longa cena, na qual o acaso coloca diante dos olhos de<br />
Serafina o jovem Álvaro. Álvaro é motorista de caminhão e transporta coincidentemente<br />
bananas. Ele cai após uma briga e, no chão, implora a Serafina que o deixe entrar em casa.<br />
No fim da cena, Álvaro, a pretexto de buscar a camisa que ficou para conserto, promete<br />
rever Serafina, que, por sua vez, espera Álvaro sair para reafirmar sua fé na memória do<br />
Venus Brasileira Couy
marido morto. O terceiro ato marca a ressurreição amorosa e sexual de Serafina. Rosa nos<br />
cabelos, cintura comprida numa cinta, lá está ela, no sofá, à espera de Álvaro. Serafina<br />
menciona sua preocupação com a filha, por causa do marinheiro:<br />
138<br />
Álvaro: O marinheiro amigo da sua filha, ele tem tatuagem?<br />
Serafina: Por quê?<br />
Álvaro: Ora, porque a maioria dos marinheiros tem<br />
tatuagem.<br />
Serafina: Como é que eu vou saber se ele tem ou não tem<br />
tatuagem?<br />
Álvaro: Eu tenho!<br />
Serafina: Você tem tatuagem?<br />
Álvaro: Si, si, veramente!<br />
Serafina: Que tatuagem é essa?<br />
Álvaro: O que você acha?<br />
Serafina: Ah, eu acho... que você tem... uma mulher dos<br />
Mares do Sul pelada...<br />
Álvaro: Nada de mulher dos Mares do Sul!<br />
Serafina: Bom, então talvez um coração vermelho e grande,<br />
com ‘MAMA’ escrita atravessando....<br />
Álvaro: Errou de novo, Baronesa. (Tira a gravata e lentamente<br />
desabotoa a camisa, olhando para ela com um sorriso intenso e<br />
ardente. Separa os dois lados da camisa e mostra-lhe o peito nu. Ela<br />
solta uma pequena exclamação e se levanta).<br />
Serafina: Não, não não! Uma rosa, não! (Diz isso como se<br />
estivesse procurando esquivar-se aos seus sentimentos).<br />
Álvaro:<br />
Si, si, uma rosa. (WILLIAMS, 1956, p. 144-5)<br />
O casal briga. Álvaro chora. Serafina tem medo de que falem dela, um homem em<br />
sua casa. Manda Álvaro fingir que vai embora: que se despeça, saia, entre no caminhão e o<br />
tire dali, para voltar clandestinamente – amor contrabandeado. Horas mais tarde ouve-se a<br />
voz da vizinha, dizendo que um motorista de caminhão passou a noite naquela casa.<br />
Serafina tenta fingir que não conhece o homem seminu que invadiu seu lar, mas acaba<br />
contando a verdade, naturalmente distorcida. Diz que, no quarto escuro, confundiu o<br />
homem com o marido – ambos sicilianos, com os cabelos untados com óleo de rosas,<br />
ambos tatuados. Ouve-se a voz de Rosário, feliz da vida, chamando por Serafina. O<br />
mulherio ouve o chamado e se põe a mexer com a vizinha:<br />
Peppina: Tem um homem sem camisa na estrada!<br />
Tudo o que ele tem é uma rosa tatuada no peito!<br />
Será que ela trancou a camisa dele, para que não<br />
possa ir ao ginásio? (WILLIAMS, 1956, p. 184)<br />
Venus Brasileira Couy
Serafina diz a Assunta que precisa contar uma coisa que ela não vai acreditar:<br />
139<br />
Serafina: Acabei de sentir no meu peito a rosa queimando<br />
outra vez. Eu sei o que isso quer dizer. Isso quer dizer que<br />
fiquei grávida. Outra vez duas vidas aqui dentro! Duas<br />
vidas, duas, outra vez!<br />
A voz de Álvaro: (Mais perto, mais terna e mais solicitante) –<br />
Rondinella felice! (Álvaro não se torna visível, mas Serafina<br />
começa a movers-e na direção de sua voz). (WILLIAMS, 1956, p.<br />
185)<br />
Se no conto de Tanizaki, a moça é “fertilizada” pelas agulhas do tatuador Seikichi,<br />
na peça de Tennessee Williams, Serafina é “fecundada” quando sente a rosa tatuada<br />
queimando-lhe no peito. Em ambos os textos, os autores, cada um à sua maneira e com<br />
estilo peculiar, parecem fazer uma analogia entre o ato de tatuar e o ato sexual. Sabemos,<br />
entretanto, que os textos não se restringem ao uso desta metáfora e ultrapassam-na,<br />
fazendo jus à denominação de “textos literários”. No conto “Tatuagem”, é o lirismo, a<br />
“prosa poética” a riqueza das imagens e, sobretudo, o estranho que ganha corpo na<br />
narrativa, provocado pelo tatuador Seikichi, que tanto mais prazer tem quanto mais dor seu<br />
cliente sente; depois, o desejo tenaz de Seikichi de encontrar uma pele iluminada onde<br />
pudesse “esvaziar” sua alma; mais tarde, a assustadora aranha fêmea que tatua nas costas da<br />
moça.<br />
Em “A rosa tatuada”, além das tramas e intrigas vivenciadas pelos personagens, o<br />
que salta aos olhos e, sobretudo, aos ouvidos, é a presença do significante “rosa” que,<br />
como na brincadeira de passar o anel, incessantemente, circula pelo texto, tatua os<br />
personagens e os objetos – onde a rosa? No sobrenome da mãe, ”Della Rosa”, no nome da<br />
filha, “Rosa”, no nome do marido, “Rosário”, no óleo, “óleo de rosas”, que ele usa no<br />
cabelo, na tatuagem escolhida por Rosário cujo desenho é de uma rosa e, mais tarde, na<br />
tatuagem de Álvaro, no corte de seda, “seda cor-de-rosa” que Estelle traz, no “jardim”,<br />
Garten, em alemão, ou, ironicamente, “Jardim das delícias” (Hohengarten), presente no<br />
sobrenome de Estelle. Nos três atos da peça de Tennessee Williams – em cena – sempre,<br />
sempre a rosa: a flor que se escreve no nome, a flor que se tatua no peito, a flor que retorna<br />
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e repete o não-dito da história de cada personagem. Certa vez disse Gertrude Stein num<br />
verso: “uma rosa é uma rosa é uma rosa...” E, portanto, faz- se tatuar, faz-se escrever.<br />
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