Edição 148 - Jornal Rascunho
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12<br />
<strong>148</strong> • agosto_2012<br />
Prateleira<br />
HerMilo borba FilHo<br />
Teatro, arte do povo (ensaio) • 1947<br />
História do Teatro (ensaio) • 1950<br />
É do Tororó (ensaio) • 1951<br />
Os caminhos da solidão (romance) • 1957<br />
Sol das almas (romance) • 1964<br />
Diálogo do encenador (ensaio) • 1964<br />
Margem das lembranças (romance) • 1966<br />
Fisionomia e espírito do mamulengo (ensaio) • 1966<br />
A porteira do mundo (romance) • 1967<br />
Apresentação do Bumba-meu-boi • 1967<br />
O cavalo da noite (romance) • 1968<br />
História do espetáculo (ensaio) • 1968<br />
Henry Miller: vida e obra (biografia) • 1968<br />
História de um tatuetê (infanto-juvenil) • 1968<br />
Cerâmica popular do Nordeste (ensaio) • 1969<br />
Deus no pasto (romance) • 1972<br />
O general está pintando (contos) • 1973<br />
Sete dias a cavalo (contos) • 1975<br />
As meninas do sobrado (contos) • 1976<br />
Os ambulantes de Deus (novela) • 1976<br />
nos extremos<br />
obra de HerMilo<br />
borba FilHo<br />
sofre pelos elogios<br />
exacerbados da crítica<br />
e pela falta de leitores<br />
ilustração: Carolina vigna-marú<br />
: : Cristiano ramos<br />
reCife – pe<br />
Não somente a vida do<br />
pernambucano Hermilo<br />
Borba Filho foi de<br />
confessados excessos.<br />
Tudo que lhe orbita parece carregado<br />
de peso extra, é demasiado. A<br />
reedição da tetralogia de romances<br />
Um cavalheiro da segunda decadência<br />
não foge a essa gravidade:<br />
as notícias e análises que chegam<br />
(quando chegam) ou destacam<br />
excessivamente algumas poucas<br />
características de sua obra ou são<br />
elas mesmas fartas de adjetivos,<br />
expectativas, paixão. Há também<br />
aquelas que sublinham o excesso<br />
da ausência, lamentando o pouco<br />
espaço que o autor ocupa entre leitores<br />
e estudiosos brasileiros.<br />
Algumas dessas recepções<br />
mais empolgadas minimizam ou<br />
mesmo ignoram o fato de os livros<br />
saírem pela Bagaço (editora local de<br />
Recife, espremida pelo gargalo da<br />
distribuição como poucas em nosso<br />
mercado). Também não parece<br />
ser relevante a falta<br />
de orelhas e outros<br />
textos de apresentação<br />
que cumprissem<br />
aquela função mencionada<br />
por Fernando<br />
Monteiro aqui no<br />
<strong>Rascunho</strong> (em introdução<br />
não publicada na<br />
tetralogia), de “preparar<br />
principalmente os mais<br />
novos para o encontro com<br />
uma obra tão sólida quanto negligenciada<br />
pela crítica retrospectiva”.<br />
Os quatro volumes receberam<br />
somente um breve texto de Maurício<br />
Melo Júnior, que nem pode nem se<br />
propõe responder a essa demanda.<br />
E quem é Hermilo Borba Filho?<br />
um desavisado que chegar à<br />
capital pernambucana e fizer essa<br />
pergunta provavelmente continuará<br />
sem saber. No máximo, uma de<br />
suas fontes lembrará que é nome de<br />
teatro no bairro Recife Antigo. Por<br />
outro lado, daqueles poucos bem<br />
informados, talvez escute que não<br />
reprodução<br />
é possível falar em teatro pernambucano<br />
sem citar o escritor, ou que<br />
sequer é aceitável discutir a cena<br />
cultural do estado no século 20 sem<br />
passar por ele. Hermilo está entre<br />
os extremos, desde a origem.<br />
Nascido no Engenho Verde,<br />
município de Palmares, em 8 de<br />
julho de 1917, Hermilo Borba Filho<br />
viveu a decadência da civilização<br />
do açúcar. Filho de um dono de<br />
terras que perdeu quase tudo, ele<br />
gastou a infância entre águas, calçadas,<br />
paredes e pessoas de uma<br />
Zona da Mata em transformação,<br />
cuja elite agrária ainda relutava<br />
em se acomodar à nova realidade<br />
político-social, às demandas e promessas<br />
trazidas pelo processo de<br />
modernização do país.<br />
Entre os antigos oligarcas, viúvos<br />
do universo dos engenhos, e a<br />
massa de marginalizados, Hermilo<br />
foi sempre por estes. Em Margem<br />
das lembranças, romance que<br />
abre a tetralogia, ambientado na<br />
Palmares dos anos 1930, o registro<br />
não chega como laivo nostálgico pela<br />
quase extinta era das moendas, serve<br />
mais para ilustrar a figura do pai, o<br />
“Capitão Hermilo”, peça tão importante<br />
em vários de seus livros. Para<br />
além desse sentimento pela decadência<br />
paterna, o que nasce e cresce<br />
na adolescência de rapazola do interior<br />
é a incontornável solidariedade<br />
pelos oprimidos, que mais tarde<br />
levará à defesa de que arte e política<br />
são inseparáveis, como de resto nenhuma<br />
atividade humana se pode<br />
apartada do mundo ao seu redor.<br />
Foi também em Palmares<br />
que descobriu sua maior paixão,<br />
base de todas as outras atividades:<br />
a literatura (algo afirmado por ele<br />
mesmo diversas vezes, ainda que<br />
muitos prefiram vê-la como reflexo<br />
de sua militância teatral). Sua<br />
segunda casa era a biblioteca do<br />
Clube Literário da cidade. Lá, conheceu<br />
os clássicos de Dumas, Cervantes,<br />
Hugo, Dostoiévski, Tolstói,<br />
Stendhal, Dickens, Verlaine, Rimbaud<br />
e Machado, assim como os<br />
vergalhões para sua longa trajetória<br />
junto aos palcos:<br />
Na biblioteca do Clube Literário,<br />
que havia sido a maior do<br />
estado, descobri, quando me entreguei<br />
ao teatro de dona Micaela,<br />
Gogól, Pushkin, Goethe, Schiller,<br />
Musset, Racine, Corneille, Molière,<br />
Shakespeare, Lope de Vega e<br />
Calderón, Goldoni, Ibsen e Strindberg,<br />
Alfieri, Bernard Shaw.<br />
Hermilo — narrador em primeira<br />
pessoa dessa tetralogia tão<br />
inspirada na própria vida do autor<br />
— não se esqueceu de citar folhetins,<br />
literatura de cordel, livros de pornografia,<br />
Boccaccio e Marquês de Sade,<br />
embora o nome mais lembrado na<br />
fortuna crítica do pernambucano<br />
seja mesmo o de Henry Miller.<br />
CoMParação<br />
desMedida<br />
Poucos temas nas resenhas<br />
e estudos sobre a tetralogia Um<br />
cavalheiro da segunda decadência<br />
são tão carregados de exageros<br />
quanto as comparações com o autor<br />
de Nexus, Plexus e Sexus,<br />
de quem foi tradutor e admirador<br />
confesso. A busca dessa filiação geralmente<br />
chega ao batido e vazio<br />
rótulo de “Henry Miller dos trópicos”.<br />
Sexo, vocabulário obsceno e<br />
status de maldito são tópicos/clichês<br />
que servem como atalhos, ao<br />
invés de sugerir análises esclarecedoras<br />
sobre seus escritos.<br />
De fato, assim como acontece<br />
em Trópico de câncer (1934), a<br />
tetralogia é a jornada de formação<br />
de um artista, de um intelectual,<br />
recontada a partir de uma narrativa<br />
profundamente autobiográfica.<br />
O anti-herói Hermilo, porém, não<br />
se apresenta como modelo, não<br />
pode oferecer liberdade nem salvar<br />
o mundo com seu furor e talento,<br />
pois não está além da realidade<br />
que o cerca. Sua angústia, seus<br />
momentos de lucidez, suas convicções<br />
— nada disso o leva a crer<br />
que seja um redentor. Ao invés, ele<br />
caminha em direção à cruz.<br />
Do Margem das lembranças<br />
(1966) ao Deus no pasto<br />
(1972), o narrador vai lentamente<br />
o autor<br />
HerMilo borba FilHo<br />
(1917 - 1976)<br />
nasceu no engenho verde,<br />
município de palmares, zona<br />
da mata sul de pernambuco.<br />
formado pela faculdade de<br />
direito do recife, nunca exerceu<br />
a profissão. participou do grupo<br />
gente nossa e colaborou com<br />
teatro de amadores, antes de<br />
fundar o teatro do estudante<br />
de pernambuco (1936), ao<br />
lado de ariano suassuna. mais<br />
tarde, em 1960, após cinco<br />
anos morando em são paulo,<br />
participou da criação do tpn<br />
(teatro popular do nordeste).<br />
hermilo escreveu mais de 20<br />
peças, além de sete romances,<br />
três livros de contos, uma<br />
novela e um livro infantil. foi<br />
também professor, pesquisador,<br />
ensaísta, biógrafo, tradutor,<br />
jornalista e poeta. ou, como<br />
preferem sintetizar alguns,<br />
um agitador cultural.