16.04.2013 Views

Marques de Carvalho - Contos - Portal Physics

Marques de Carvalho - Contos - Portal Physics

Marques de Carvalho - Contos - Portal Physics

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

—Ah! que esquecimento o meu!—exclamou.—Que juizo não terá feito a meu respeito a<br />

impagavel senhora....<br />

E, cheio <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>, rasgou o sobrescripto.<br />

"Meu bom amigo,—leu.—Devo dizer-lhe uma coisa, que ha muito afflue-me aos labios,<br />

sem todavia sentir-me com animo <strong>de</strong> fazel-o: amo-o, amo-o, com todo o ardor <strong>de</strong> que é<br />

capaz o meu ar<strong>de</strong>nte coração! (Isto copiou ella do romance A Carida<strong>de</strong> Christã, <strong>de</strong><br />

Escrich,—pensou Raul). Peço-lhe que escreva-me logo, dizendo-me se fui por si<br />

acolhido o meu amor. (Aquelle fui é que era genuinamente d'ella, só d'ella; o Raul bem<br />

o conheceu). Espero ancioza a sua resposta, com a qual o meu amigo remeter-me-á<br />

meia duzia d'AGUA CIRCASSIANA, para eu dar <strong>de</strong> presente a uma conhecida minha.<br />

Disponha sempre do coração <strong>de</strong> sua eternamente,—JOAQUINA."<br />

Raul casquinou uma sonora gargalhada terminando a leitura d'aquelle mo<strong>de</strong>lo<br />

d'orthographia,{31} proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> termos e syntaxe; mas, logo fez-se mais serio e:<br />

—Ora bolas!—disse.—Só os cabellos encantavam-me, por serem tão pretos e<br />

lustrosos.... E era falsa aquella côr d'azeviche!.... Que <strong>de</strong>sillusão!...<br />

Que bom marido!<br />

A Juvenal Tavares<br />

Não <strong>de</strong>sejarás a mulher do teu proximo.<br />

MANDAMENTO DE DEUS.<br />

Havia já tres annos que estavam casados. Não tinham filhos. Viviam felizes, tranquillos,<br />

na sua casinha da estrada <strong>de</strong> S. Braz, <strong>de</strong> frente pintada a cal, on<strong>de</strong> o sol da manhã<br />

brincava alegremente n'umas scintillações que davam a nota <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prazer interno ao<br />

passeiante que para ella dirigisse escrutador olhar. {46}<br />

Elle era um velho quarentão, amanuense <strong>de</strong> secretaría, obeso, rubicundo, <strong>de</strong> rosto<br />

espalmado e barbas hirsutas e grisalhas. A mocida<strong>de</strong> que tivéra,—tempestuosa e poída<br />

nas orgias,—encanecera-lhe completamente os cabellos da cabeça, os quaes <strong>de</strong>sciam<br />

para o rosto, on<strong>de</strong> cruzavam-se numerosas rugas sobre a pelle côr <strong>de</strong> ginja.<br />

Ella tinha <strong>de</strong>zoito primavéras,—para me servir d'uma velha expressão do<br />

romantismo;—ostentava uma carinha faceira, risonha, d'olhos pretos e marotos. Têz<br />

morena e avelludada. Um sorriso excitantemente encantador <strong>de</strong>scerrava-lhe os labios<br />

vermelhos, mostrando duas filas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes mais alvos do que os <strong>de</strong> um cão da Terra-<br />

Nova. O corpo, flexivel como a haste da angélica, era agil e dotado <strong>de</strong> seductores

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!