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Há algumas décadas, o terrorismo enxergou as - Clube Naval

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io de<br />

janeiro,<br />

cidade<br />

maravilhosa<br />

há 446 anos<br />

Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 1<br />

Issn 0102-0382 • ano 119 • nº 357 • jan/fev/mar • 2011


Nesta edição:<br />

4 editorial<br />

6 eM PaUta<br />

• Not<strong>as</strong> sobre acontecimentos no CN.<br />

8 charit<strong>as</strong><br />

b<strong>as</strong>tidores do 44º muNdial de optmist<br />

• renato botelho e susan Collingwood.<br />

12 atUalidade<br />

<strong>as</strong> “mídi<strong>as</strong> soCiais e a demoCarCia”:<br />

da gréCia aNtiga ao moderNo muNdo árabe<br />

• Fernando malburg da silveira.<br />

16 gUerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong><br />

o aFuNdameNto do hms sheFField<br />

• Contra-almirante (reF)<br />

Carlos Frederico V<strong>as</strong>concellos da silva.<br />

21 defesa<br />

liVro braNCo de deFesa NaCioNal<br />

• marcílio boavista da Cunha.<br />

26 defesa<br />

a estratégia de deFesa e o pré-sal<br />

• Capitão-de-mar-e-guerra-eN/reF<br />

antonio didier Vianna.<br />

30 atividades navais<br />

Combate à pirataria marítima e<br />

ao <strong>terrorismo</strong>: um NoVo Campo de atuação<br />

para <strong>as</strong> operações espeCiais NaVais?<br />

• Capitão-de-mar-e-guerra Carlos eduardo horta arentz.<br />

38 ensaio<br />

ti - teCNologia da iNFormação.<br />

uma síNtese da partiCipação dos oFiCiais<br />

da mariNha Na Formação da sua b<strong>as</strong>e<br />

téCNiCa No br<strong>as</strong>il<br />

• antônio tângari Filho.<br />

52 navios da Mb<br />

NdCC almiraNte saboia -<br />

2 aNos de iNCorporação à mariNha do br<strong>as</strong>il<br />

• Capitão-de-Corveta Wagner goulart de souza.<br />

54 saúde<br />

tabagismo. desaFio diFíCil de ser VeNCido<br />

• maj-brig méd ricardo l. de g. germano.<br />

56 viagens<br />

Chile. os belíssimos CoNtr<strong>as</strong>tes<br />

do deserto do ataCama<br />

• Capitão-tenente rosa Nair medeiros<br />

62 crônica<br />

soNhar Com o almiraNtado. por que Não?<br />

• Capitão-de-mar-e-guerra (Cd)<br />

leonor amélia de mello barros da Cunha reetz.<br />

64 Marinhagens<br />

saga amazôNiCa. o retorNo de josé<br />

• Contra-almirante domingos C<strong>as</strong>tello branco.<br />

67 os Militares<br />

Não peçam aos militares que se Neguem a lutar<br />

• eurico de andrade Neves borba<br />

74 últiMa Página<br />

adeus à luCiaNa<br />

2 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 3<br />

ti - tecnologia da<br />

inforMação •<br />

Pág 38 • um ensaio<br />

sobre a participação dos<br />

oficiais da marinha no<br />

desenvolvimento técnico<br />

da informática em<br />

todo o br<strong>as</strong>il • antônio<br />

tângari Filho<br />

<strong>as</strong> “Mídi<strong>as</strong> sociais<br />

e a deMocracia”:<br />

da grécia antiga<br />

ao Moderno<br />

MUndo árabe •<br />

Pág 12 • a trajetória<br />

evolutiva da democracia<br />

no mundo e como o<br />

conceito de “mídi<strong>as</strong><br />

sociais” conseguiu,<br />

através da informática,<br />

influenciar grandes<br />

grupos, principalmente<br />

de jovens, que vivem em<br />

sociedades de regime<br />

fechado • Fernando<br />

malburg da silveira<br />

o afUndaMento do<br />

hMs sheffield •<br />

Pág 16 • a primeira<br />

vez na história que uma<br />

aeronave lançou um<br />

míssil exocet am-39 foi<br />

justamente contra esse<br />

destróier inglês, durante<br />

a guerra d<strong>as</strong> malvin<strong>as</strong> •<br />

Contra-almirante (reF)<br />

Carlos Frederico<br />

V<strong>as</strong>concellos da silva<br />

chile.<br />

os belíssiMos<br />

contr<strong>as</strong>tes do<br />

deserto do<br />

atacaMa • Pág 56<br />

• mais uma de noss<strong>as</strong><br />

viagens, dessa vez pela<br />

exótica beleza de um<br />

deserto com gêiseres,<br />

vulcões e lagos de sal •<br />

Capitão-tenente rosa<br />

Nair medeiros


Prezado Sócio<br />

Neste número, como de costume, publicamos eventos sobre a vida<br />

social e outros artigos enviados nos moldes tradicionais da RCN ou seja,<br />

em ciência, tecnologia, ciênci<strong>as</strong> polític<strong>as</strong>, relações internacionais etc.<br />

Nessa linha, sem desmerecer os demais <strong>as</strong>suntos, destacamos a publicação<br />

da matéria “Tecnologia da informação” a cerca da participação dos<br />

Oficiais de Marinha no desenvolvimento da informática no Br<strong>as</strong>il, motivo<br />

de interesse de inúmeros de nossos leitores que nessa atividade conviveram<br />

e, também, espelhou o envaidecimento de nossa Cl<strong>as</strong>se em ter contribuído<br />

para o desenvolvimento do tema em nosso País.<br />

Também publicamos, a propósito do trimestre que se encerra, o artigo<br />

“Os Militares”, que ressalta o justo reconhecimento que a cl<strong>as</strong>se militar<br />

representou e continua a representar na vida da Nação br<strong>as</strong>ileira.<br />

Mais uma vez, portanto, esperamos esta continuidade para o<br />

melhor proveito dos nosso leitores.<br />

A Editoria<br />

4 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 5<br />

• • •<br />

<strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong><br />

Av. Rio Branco, 180 • 5º andar<br />

Centro • Rio de Janeiro • RJ<br />

Br<strong>as</strong>il • 20040-003<br />

Tel.: (21) 2112-2425<br />

Presidente<br />

V Alte Ricardo Antonio da Veiga Cabral<br />

Diretor do Departamento Cultural<br />

V Alte José Eduardo Pimentel de Oliveira<br />

• • •<br />

Editoria<br />

VAlte José Eduardo Pimentel de Oliveira<br />

CMG Adão Chag<strong>as</strong> de Rezende<br />

Jornalista Responsável<br />

Antônio de Oliveira Pereira<br />

(DRT-MT. Reg. 15.712)<br />

Direção de Arte e Diagramação<br />

AG Rio - Comunicação Corporativa<br />

ag-rio@agcom.com.br<br />

(21) 2569-9651<br />

Produção<br />

José Carlos Medeiros<br />

Atendimento Comercial<br />

Tel.: (21) 2262-1873<br />

revista@clubenaval.org.br<br />

• • •<br />

As informações e opiniões emitid<strong>as</strong> em<br />

entrevist<strong>as</strong>, matéri<strong>as</strong> <strong>as</strong>sinad<strong>as</strong> e cart<strong>as</strong><br />

publicad<strong>as</strong> são de exclusiva responsabilidade<br />

de seus autores. Não exprimem,<br />

necessariamente, informações, opiniões<br />

ou pontos de vista oficiais da Marinha do<br />

Br<strong>as</strong>il, nem do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a menos que<br />

explicitamente declarado.<br />

A transcrição ou reprodução de matéri<strong>as</strong> aqui<br />

publicad<strong>as</strong>, em todo ou em parte, necessita<br />

da autorização prévia da Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />

• • •<br />

Os artigos enviados estão sujeitos a cortes<br />

e modificações em sua forma, obedecendo<br />

a critérios de nosso estilo editorial.<br />

Também estão sujeitos às correções<br />

gramaticais, feit<strong>as</strong> pelo revisor da revista.<br />

As fotos enviad<strong>as</strong> através de e-mail devem<br />

medir o mínimo de 15cm, em jpg ou tif,<br />

com 300dpi.<br />

• • •


EvENtoS E<br />

ComEmoRAçõES<br />

NA SEDE SoCiAl<br />

Almoço DE ENtREgA DE PlACAS • Foram entregues aos representantes<br />

d<strong>as</strong> loj<strong>as</strong> situad<strong>as</strong> na sede social, plac<strong>as</strong> comemorativ<strong>as</strong> do Centenário da sede social.<br />

Na foto, a partir da esquerda, o Comandante josé joaquim pires,1º secretário do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a senhora Valéria silva dos santos,<br />

Vendedora da loja gir<strong>as</strong>sol, o Vice-almirante ricardo antônio da Veiga Cabral, presidente do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a senhora tereza Corsão,<br />

proprietária do restaurante ‘o Navegador’, a senhora josette maria macedo, administradora do restaurante ‘bistrô Villarino’, o senhor<br />

Walter Cabral, proprietário do salão Walter’s Coiffeur e o Comandante mario marcio simões huguet, diretor social do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />

Almoço Em homENAgEm Ao<br />

AltE CoRRêA guimARãES • No dia<br />

25 de março de 2011, o presidente do <strong>Clube</strong><br />

<strong>Naval</strong>, Vice-almirante ricardo antônio da<br />

Veiga Cabral, ofereceu um almoço ao<br />

almirante-de-esquadra (FN) marco antônio<br />

Corrêa guimarães, Comandante geral do<br />

Corpo de Fuzileiros Navais, em homenagem<br />

à sua promoção e em agradecimento pelos<br />

relevantes serviços prestados ao <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>,<br />

como 1º Vice-presidente.<br />

Na foto, a partir da esquerda, os almirantes<br />

Corrêa guimarães, Veiga Cabral e o Vicealmirante<br />

(FN) Carlos alfredo Vicente leitão,<br />

Comandante do pessoal de Fuzileiros Navais e<br />

atual 1º Vice-presidente do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />

viSitA À DiREtoRiA DE CoNtAS<br />

DA mARiNhA (DCom) • No dia 14 de fevereiro, o<br />

presidente do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, Vice-almirante ricardo antônio<br />

da Veiga Cabral, visitou a diretoria de Cont<strong>as</strong> da<br />

marinha (dCom) a convite do seu diretor, o Contra-almirante<br />

(im) Francisco josé de araújo, que ocupa também<br />

o cargo de diretor Financeiro do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />

Na foto, o almirante Francisco e o almirante Veiga<br />

Cabral, logo após a Cerimônia de recepção ao presidente<br />

do <strong>Clube</strong>.<br />

QuADRo ADSumuS • o quadro foi doado<br />

ao acervo do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> pelo autor, Comandante<br />

(FN) hiron. retrata, em arte digitalizada e infografada,<br />

o “memorial dos Fuzileiros Navais mortos<br />

em Combate”, desde 1808, quando aqui chegaram,<br />

trazidos por seus irmãos marinheiros. o<br />

memorial está erguido no pátio do batalhão <strong>Naval</strong>,<br />

na ilha d<strong>as</strong> Cobr<strong>as</strong>.<br />

o quadro adsumus foi premiado pelo júri<br />

do XV salão de bel<strong>as</strong> artes plástic<strong>as</strong> do bicentenário<br />

do CFN, em 2008, com menção honrosa e<br />

no 31º salão marinha do br<strong>as</strong>il, em 2009, com o<br />

prêmio grande medalha de bronze.<br />

Na foto, a partir da esquerda, o almirante<br />

Veiga Cabral, presidente do <strong>Clube</strong>, o Comandante<br />

hiron e o almirante leitão, 1º Vice-presidente<br />

do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />

6 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 7<br />

DoAção DE livRoS Ao ClubE NAvAl • No dia 28<br />

de Fevereiro de 2011, o alte Veiga Cabral recebeu a doação do<br />

livro “poluição marinha: uma questão de Competência. <strong>as</strong>pectos<br />

da lei nº. 9.966, de 28/04/2000”,<br />

ofertado pelo Comte Valdir andrade<br />

santos, na foto, acompanhado pelo<br />

Comte Fernando moraes baptista,<br />

presidente do Conselho diretor, e<br />

Comte helio augusto de souza,<br />

<strong>as</strong>sessor jurídico. a obra ficará<br />

disponível para consulta e<br />

empréstimos, na biblioteca<br />

do <strong>Clube</strong>.<br />

EvENtoS E<br />

ComEmoRAçõES<br />

NA SEDE SoCiAl


charit<strong>as</strong><br />

b<strong>as</strong>tidores do<br />

44º muNDiAl<br />

DE oPtmiSt<br />

reNato botelho<br />

susaN ColliNgWood<br />

O 44º Campeonato Mundial de Optimist foi sediado no <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> Charit<strong>as</strong> (CNC),<br />

entre 5 e 14 de agosto de 2009 e se constituiu num dos maiores eventos náuticos da história<br />

de Niterói. Foi considerado bem organizado pelos participantes, entidades envolvid<strong>as</strong> e<br />

espectadores. Este objetivo alcançado foi fruto de intenso trabalho de b<strong>as</strong>tidores, que não<br />

é aparente para os que avaliam apen<strong>as</strong> os resultados obtidos.<br />

Sediar o Mundial de 2009 foi consequência do sucesso<br />

anterior do Sul-Americano de Optimist que ocorrera no<br />

CNC em abril de 2007. A International Optimist Dinghy<br />

Association (IODA), entidade internacional que controla<br />

os campeonatos dessa cl<strong>as</strong>se, ficou bem impressionada e<br />

aceitou a candidatura do Charit<strong>as</strong>, apresentada na Itália<br />

no segundo semestre de 2007, concorrendo com dois<br />

outros países. A eleição, propriamente dita, se deu na Turquia no<br />

ano seguinte, na Assembleia Geral da IODA, composta pelos países<br />

participantes do Mundial de 2008 que se realizava naquele país, em<br />

votação presenciada pelos representantes do CNC.<br />

A partir da aprovação do CNC como sede do Mundial de 2009,<br />

foram tomad<strong>as</strong> <strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong> de preparação do <strong>Clube</strong> para<br />

atender aos requisitos da IODA. Essa preparação seria objeto de vistori<strong>as</strong><br />

periódic<strong>as</strong> por aquela entidade. Havia uma possibilidade, não<br />

muito perceptível, de que o campeonato poderia vir a ser também um<br />

teste da capacidade de organização br<strong>as</strong>ileira de um grande certame<br />

náutico, que de algum modo poderia ter influência na escolha da<br />

cidade do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016, visto que<br />

o Mundial ocorreria em agosto de 2009, dois meses antes de o Comitê<br />

Olímpico Internacional eleger a nossa capital do Estado como cidadesede<br />

para 2016. Era, deste modo, grande a responsabilidade do <strong>Clube</strong><br />

<strong>Naval</strong> e do seu Departamento Náutico- o nosso Charit<strong>as</strong>.<br />

Alguns desafios se mostraram de maior complexidade, tais como:<br />

alojamento para 300 pesso<strong>as</strong> de 47 países diferentes, mobilização de<br />

220 embarcações iguais para os competidores, embarcações de apoio,<br />

alimentação com três refeições diári<strong>as</strong> para todos os participantes,<br />

segurança, saúde, atendimento médico, proteção ao meio ambiente,<br />

adequação do tráfego marítimo para evitar contratempos para os<br />

velejadores, programação de atividades sociais que proporcion<strong>as</strong>sem<br />

entretenimento e bom relacionamento entre os participantes etc.<br />

Foi também definido que o campeonato deveria ocorrer sem causar<br />

transtorno às atividades normais do <strong>Clube</strong> e aos <strong>as</strong>sociados.<br />

Foi elaborado um planejamento detalhado com tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> atividades,<br />

durações e dat<strong>as</strong> de conclusão requerid<strong>as</strong>, usando-se o software<br />

Project. Esse planejamento foi elemento fundamental de controle<br />

e ajuste d<strong>as</strong> ações a serem tomad<strong>as</strong>.<br />

O <strong>as</strong>pecto financeiro se mostrou, como sempre, um desafio para<br />

que fossem atendidos os limites orçamentários definidos. As fontes<br />

de recursos seriam o módico pagamento de US$ 500 por participante,<br />

o pagamento do aluguel dos Optimists pelos participantes para<br />

treinamento antes do início do campeonato, pagamento ao CNC de<br />

comissão da empresa locadora d<strong>as</strong> embarcações, patrocínios por<br />

empres<strong>as</strong> que tradicionalmente apoiam esses eventos (Petrobr<strong>as</strong>,<br />

Universidade Salgado de Oliveira, Prezunic) e uma verba conseguida<br />

junto ao governo estadual. Posteriormente, o governo estadual, por<br />

intermédio da Secretaria de Esportes, não conseguiu atender seu<br />

compromisso e o <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> teve de <strong>as</strong>sumir esse encargo pouc<strong>as</strong><br />

seman<strong>as</strong> antes do início do evento.<br />

O atendimento aos requisitos de alojamento era crítico. Embora<br />

o hotel do <strong>Clube</strong> pudesse alojar alguns participantes, <strong>as</strong> acomodações<br />

eram insuficientes para a sua totalidade. A experiência do<br />

Sul-Americano mostrava a viabilidade do uso de contêineres como<br />

alojamento para vag<strong>as</strong> adicionais. O custo do aluguel seria, porém,<br />

excessivamente alto e fora dos orçamentos predefinidos. Surgiu<br />

então uma oportunidade: a Marinha do Br<strong>as</strong>il havia recebido da<br />

extinta Cia. de Navegação Lloyd Br<strong>as</strong>ileiro, uma década antes, o<br />

Navio Mercante Atlântico Sul, já desativado. Ele foi leiloado por<br />

não ter mais utilidade para a Armada e comprado pela Norsul. Esta<br />

empresa resolveu acolher a nossa solicitação e ceder para o Charit<strong>as</strong><br />

70 contêineres obsoletos, mantidos nos porões de carga do navio,<br />

m<strong>as</strong> os custos para removê-los e transportá-los seriam grandes.<br />

Foram então estabelecidos contatos com a Br<strong>as</strong>teiner, que opera no<br />

mercado de aluguel de contêineres transformados, e ficou acertado<br />

8 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 9<br />

Foto: Fred Hoffman<br />

que essa empresa removeria os contêineres do navio, sem custos<br />

para a Norsul ou para o Charit<strong>as</strong>, faria <strong>as</strong> adaptações necessári<strong>as</strong>,<br />

proveria o transporte e instalaria <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> “suítes” no campus do<br />

<strong>Clube</strong>. Nessa oc<strong>as</strong>ião, o custo de cada contêiner, pela sua obsolescência,<br />

se equiparava ao custo dos serviços acima (adaptação, transporte<br />

e instalação) – e isso permitiu que esses serviços fossem ressarcidos<br />

com a entrega da maioria dos contêineres para a Br<strong>as</strong>teiner.<br />

Foi uma operação complexa e bem-sucedida, que atendeu aos<br />

interesses de todos os envolvidos. No <strong>Clube</strong>, os 70 contêineres foram<br />

dispostos como se fossem uma vila olímpica de dois andares, com<br />

p<strong>as</strong>sarel<strong>as</strong> inferior e superior. Tinham forração interna e dispunham<br />

de cam<strong>as</strong>, armários, pia, chuveiro, sanitário, ar-condicionado, sistema<br />

de combate a incêndio, o que exigiu a construção de instalações<br />

especiais relacionad<strong>as</strong> com água, esgoto e energia elétrica, esta fornecida<br />

através de um grupo motor-gerador, alugado para a oc<strong>as</strong>ião.<br />

Tudo isso, inspecionado e aprovado pelo Corpo de Bombeiros.<br />

A principal cobertura jornalística do campeonato foi proporcionada<br />

pelo canal de TV ESPN Br<strong>as</strong>il, com um programa semanal que<br />

divulgava <strong>as</strong> notíci<strong>as</strong> em reportagens especiais. Também a empresa<br />

Ponte S.A. disponibilizou gratuitamente por du<strong>as</strong> seman<strong>as</strong> os painéis<br />

da ponte Rio-Niterói, dando destaque a esse grande acontecimento<br />

náutico da nossa cidade.<br />

A contratação de árbitros nacionais e internacionais de renome,<br />

<strong>as</strong>sim como de reconhecidos craques da vela nacional, para atuar<br />

n<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> comissões, foi importante para o padrão de qualidade da<br />

parte operacional do campeonato – considerado elevado pelos atlet<strong>as</strong>,<br />

técnicos e dirigentes participantes, n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> declarações.


A mobilização d<strong>as</strong> 220 embarcações da cl<strong>as</strong>se Optimist de um<br />

mesmo fabricante foi também complexa. Os prazos teriam de ser<br />

cumpridos e o custo teria de ser compatível com <strong>as</strong> expectativ<strong>as</strong> dos<br />

participantes. Logo no início, tentou-se uma solução no mercado<br />

nacional, que traria o benefício de ser geradora de emprego de<br />

mão de obra especializada e carente no nosso país. Infelizmente,<br />

essa alternativa mostrou-se inviável e partiu-se para a contratação<br />

de uma empresa argentina, experiente neste tipo de eventos e que<br />

havia fornecido os Optimists para o Sul-Americano no CNC. Os<br />

pagamentos a essa empresa foram feitos diretamente pelos participantes,<br />

com rep<strong>as</strong>se ao Charit<strong>as</strong>, pela locadora, de uma comissão<br />

pelo uso dos barcos durante o evento.<br />

As embarcações de apoio, tipo inflável com motor de popa, seriam<br />

inicialmente alugad<strong>as</strong>. Posteriormente, foi vislumbrada a possibilidade<br />

de mobilização desse tipo de embarcação junto ao Corpo<br />

de Fuzileiros Navais, Exército e Força de Submarinos. Desse modo,<br />

o atendimento se mostrou adequado e sem custos adicionais.<br />

O controle do tráfego marítimo era outro <strong>as</strong>pecto importante<br />

a se considerar para que não ocorressem transtornos durante <strong>as</strong><br />

competições. Isso envolvia principalmente o fluxo de catamarãs<br />

da empresa Barc<strong>as</strong> S/A, que fazem a linha Praça XV-Charit<strong>as</strong>. Esse<br />

encargo foi rep<strong>as</strong>sado à Capitania dos Portos do Rio de Janeiro, responsável<br />

pela segurança marítima na Baía de Guanabara, que tomou<br />

<strong>as</strong> providênci<strong>as</strong> necessári<strong>as</strong>, posicionando, inclusive, lanch<strong>as</strong> su<strong>as</strong><br />

pela proa dos catamarãs, servindo de gui<strong>as</strong> quando estes cruzavam<br />

<strong>as</strong> rai<strong>as</strong> demarcad<strong>as</strong> para a competição.<br />

O fato de o idioma oficial do campeonato ser o inglês demandou<br />

cuidado especial na seleção do pessoal para trabalhar no evento, bem<br />

como na preparação do material de divulgação e orientação aos estrangeiros,<br />

aqui incluíd<strong>as</strong> <strong>as</strong> plac<strong>as</strong> de sinalização espalhad<strong>as</strong> pelo <strong>Clube</strong>.<br />

Foi elaborado um plano de SMS (segurança individual, meio<br />

ambiente e saúde), com o sentido de garantir que a competição<br />

ocorresse sem riscos para os participantes e sem agressões ao meio<br />

ambiente, além de proporcionar condições adequad<strong>as</strong> a uma boa<br />

disposição física e mental dos competidores.<br />

Dentro dos conceitos atuais de convivência do ser humano com<br />

o meio ambiente, o lema escolhido para o campeonato foi a Geração<br />

da Energia Limpa (Clean Energy Generation).<br />

Para apoiar <strong>as</strong> delegações com relação a p<strong>as</strong>saporte e emigração,<br />

a Delegacia da Polícia Federal em Niterói instalou um posto de<br />

atendimento no CNC.<br />

O Posto Médico do <strong>Clube</strong> funcionou a contento<br />

e foi chefiada voluntariamente por um <strong>as</strong>sociado<br />

nosso, Médico da Reserva da Marinha, que ficou<br />

responsável pela preparação do Posto e pelos atendimentos<br />

que fossem necessários. Foi mobilizada<br />

também uma ambulância, fornecida pela Secretaria<br />

de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, que<br />

permaneceu n<strong>as</strong> dependênci<strong>as</strong> do <strong>Clube</strong> 24 hor<strong>as</strong><br />

por dia durante todo o evento, sem custos para o<br />

CNC e, felizmente, sem ter sido usada. Fez-se uma<br />

parceria com o Hospital d<strong>as</strong> Clínic<strong>as</strong> de Niterói,<br />

que <strong>as</strong>sumiu <strong>as</strong> responsabilidades de Hospital de<br />

B<strong>as</strong>e para c<strong>as</strong>os de emergência.<br />

Como curiosidade, ocorreu infestação de<br />

piolhos, de origem desconhecida, nos contêineres<br />

de du<strong>as</strong> equipes. O problema foi prontamente<br />

resolvido com a compra de xampu específico,<br />

distribuição a tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> equipes e orientação<br />

quanto ao seu uso. A compra foi de tal monta que,<br />

praticamente, se esgotaram os estoques desse<br />

produto n<strong>as</strong> farmáci<strong>as</strong> de Niterói!<br />

Uma participante, por sinal a campeã feminina<br />

Foto: Fred Hoffman<br />

da competição, caiu do beliche e quebrou um dente. Foi imediatamente<br />

levada a um dentista e no mesmo dia o dano foi reparado.<br />

Como vemos, nenhuma ocorrência médica grave teve lugar<br />

durante o campeonato.<br />

Uma preocupação adicional quanto à saúde decorreu da<br />

alarmante questão da gripe suína, cuja epidemia naqueles di<strong>as</strong><br />

ameaçava gr<strong>as</strong>sar pelo país: a orientação d<strong>as</strong> autoridades sanitári<strong>as</strong><br />

foi fundamental para que se tom<strong>as</strong>sem medid<strong>as</strong> preventiv<strong>as</strong><br />

e não houvesse no <strong>Clube</strong> qualquer registro de c<strong>as</strong>o da doença<br />

relacionado ao evento.<br />

A cerimônia de abertura representou um momento especial,<br />

quando foram h<strong>as</strong>tead<strong>as</strong> <strong>as</strong> bandeir<strong>as</strong> dos países participantes sob<br />

os acordes do Hino Nacional Br<strong>as</strong>ileiro, sucedendo ao desfile aberto<br />

pela Banda do CIAGA, em que atlet<strong>as</strong> e dirigentes d<strong>as</strong> 47 delegações<br />

levaram pelos caminhos do Charit<strong>as</strong> os seus pavilhões nacionais ao<br />

som do “Cisne Branco”.<br />

Os <strong>as</strong>pectos de segurança do patrimônio e d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> foram<br />

objeto de atenção especial. Não poderíamos nos permitir o risco de<br />

ocorrênci<strong>as</strong> que viessem a prejudicar o campeonato e a imagem do<br />

país como futura sede da Olimpíada. Foram mantidos contatos com<br />

a Guarda Municipal da Prefeitura de Niterói que mobilizou uma<br />

viatura 24 hor<strong>as</strong> por dia, durante todo o evento, n<strong>as</strong> proximidades do<br />

CNC. A Polícia Militar mobilizou efetivo que patrulhava a área entre<br />

a estação do catamarã e o Charit<strong>as</strong>, tendo em vista o elevado número<br />

de acompanhantes de atlet<strong>as</strong> que atravessavam a baía para conhecer<br />

10 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 11<br />

o Rio de Janeiro. O Grupamento Aeromarítimo<br />

(GAM) da Polícia Militar mobilizou um inflável<br />

com guard<strong>as</strong> armados que patrulharam <strong>as</strong> águ<strong>as</strong><br />

da enseada de Jurujuba diuturnamente. O Corpo<br />

de Fuzileiros Navais disponibilizou um pelotão<br />

para segurança não ostensiva, cujos soldados<br />

permaneceram descaracterizados no interior<br />

do <strong>Clube</strong> durante todo o evento. Seguranç<strong>as</strong><br />

feminin<strong>as</strong> contratad<strong>as</strong> realizaram o controle do<br />

acesso aos alojamentos femininos. Foi instalado<br />

um sistema de informações e monitoramento<br />

de imagens, com câmer<strong>as</strong> e sensores, visando<br />

ampliar <strong>as</strong> informações necessári<strong>as</strong> tanto à<br />

segurança quanto ao acompanhamento d<strong>as</strong><br />

regat<strong>as</strong>, já que o sistema possui câmer<strong>as</strong> com<br />

alcance de até 1,5 km.<br />

Tivemos desse modo garantia de condições<br />

adequad<strong>as</strong> de segurança que permitiram – também<br />

nesse <strong>as</strong>pecto – que o evento transcorresse<br />

sem nenhuma anormalidade.<br />

Um desafio diário foi o lançamento à água,<br />

praticamente simultâneo, de mais de 200<br />

embarcações em tempo compatível com os<br />

anseios dos participantes. Foram contratados<br />

marinheiros adicionais e destacado um funcionário<br />

da náutica do CNC como responsável<br />

pel<strong>as</strong> operações. Conseguimos a performance de<br />

lançamento de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> embarcações no prazo<br />

de 15 minutos!<br />

Para atender aos requisitos de alimentação,<br />

foram instalad<strong>as</strong> mes<strong>as</strong> no salão principal do<br />

<strong>Clube</strong> e servid<strong>as</strong> 1.800 refeições por dia. Antes<br />

disso, foram efetuad<strong>as</strong> reform<strong>as</strong> na cozinha,<br />

adquiridos materiais e equipamentos apropriados,<br />

contratados nutricionist<strong>as</strong> e garçons. Esse<br />

serviço, inicialmente complexo, foi prestado sem reclamações dos<br />

usuários e sem a ocorrência de distúrbios alimentares. Apen<strong>as</strong> um<br />

participante teve alimentação especial, por ser sensível à ingestão<br />

de glúten.<br />

Durante a noite, após o jantar, foram programad<strong>as</strong> fest<strong>as</strong> e<br />

atividades sociais que permitiram a alegria e o congraçamento dos<br />

participantes do evento.<br />

Como resultado de toda essa preparação, o CNC recebeu uma<br />

carta de elogios da IODA. Como a IODA tem representante na International<br />

Sailing Federation (ISAF) que por sua vez tem <strong>as</strong>sento<br />

no Comitê Olímpico Internacional (COI), parece justo dizer que o<br />

sucesso do evento contribuiu com uma imagem positiva do Br<strong>as</strong>il<br />

junto ao COI, órgão que viria a eleger o Rio de Janeiro como cidadesede<br />

da Olimpíada de 2016. Um fato recente pode corroborar essa<br />

<strong>as</strong>sertiva: o <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> Charit<strong>as</strong> foi honrado em fevereiro de 2011<br />

com um diploma do Comitê Olímpico Br<strong>as</strong>ileiro (COB), <strong>as</strong>sinado<br />

pelo seu presidente, Carlos Arthur Nuzman, pelo qual aquele Comitê<br />

agradece ao nosso <strong>Clube</strong> “o apoio para o crescimento do esporte e<br />

desenvolvimento do Movimento Olímpico Br<strong>as</strong>ileiro”.<br />

Ao terminar este registro histórico, faz-se necessário ressaltar<br />

que o atendimento aos requisitos de um evento de tamanha envergadura<br />

deveu-se ao trabalho árduo e abnegado de uma equipe dedicada<br />

e competente que buscou honrar <strong>as</strong> tradições do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> e do<br />

seu Departamento Náutico, escrevendo uma página inesquecível<br />

para os que dele participaram.<br />

Foto: Fred Hoffman


atUalidade<br />

AS “míDiAS SoCiAiS” N<strong>as</strong> fotos: de Platão a Kaddafi<br />

E A DEmoCRACiA:<br />

da Grécia antiGa ao<br />

moderno mundo árabe<br />

Fernando Malburg da Silveira<br />

A democracia ateniense e seus meios de divulgação às m<strong>as</strong>s<strong>as</strong><br />

Em artigo publicado nesta revista sob o título Os fundamentos<br />

da democracia ateniense e uma comparação com<br />

<strong>algum<strong>as</strong></strong> postur<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> contemporâne<strong>as</strong> (RCN, nº 345,<br />

jan./fev./mar. 2008), o autor procurou expor a forma pela<br />

qual o povo grego, seis séculos antes de Cristo, buscava<br />

organizar e consolidar os princípios que norteariam o<br />

comportamento ético e político d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>, e muito<br />

especialmente o dos cidadãos d<strong>as</strong> polis (<strong>as</strong> cidades greg<strong>as</strong>, onde se<br />

destacava Aten<strong>as</strong>, hospedeira do pensamento dos principais filósofos<br />

gregos). Desde então era percebida pelos mais intelectualizados a<br />

necessidade de moldar e parametrizar o convívio social d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong><br />

na coletividade, todavia sem deixar de considerar seus direitos e<br />

sua maneira de ver e pensar o mundo, desde que respeitando o<br />

bem comum, entendido como a vontade da maioria (na verdade,<br />

da “maioria pensante”).<br />

Dessa busca pelo bem comum resultou o sistema que então<br />

ficou conhecido como democracia (palavra que vem do grego<br />

demos – povo – e kratos – autoridade). Tal sistema reconhecia a<br />

vontade popular predominante, m<strong>as</strong> colocava acima dela a figura<br />

emblemática do governante, incumbido de que fazer com que essa<br />

vontade fosse realizada sob o domínio da ordem e sempre visando<br />

ao bem comum.<br />

Esse sistema levou alguns séculos para se consolidar. A partir da<br />

mitologia n<strong>as</strong>cida d<strong>as</strong> tradições culturais e do pensamento mítico<br />

dos magos e sacerdotes, p<strong>as</strong>sando pela escola filosófica fundamental<br />

de Tales de Mileto (século VI a.C.) e seus muitos discípulos, depois<br />

por Pitágor<strong>as</strong> (530 a.C.), chegando a Sócrates (470-399 a.C.), cujo<br />

pensamento clássico fertilizou a análise conceitual e a epistemologia<br />

de seu discípulo Platão (428-347 a.C.), a Grécia desenvolveu<br />

e legou para a posteridade, até os di<strong>as</strong> de hoje, teori<strong>as</strong> filosófic<strong>as</strong>,<br />

fundamentos éticos e comportamentos políticos que, p<strong>as</strong>sados 25 séculos,<br />

permanecem vivos, gerando a moderna consagração do termo<br />

democracia como sendo o governo do povo, pelo povo e para o povo<br />

(frequentemente desrespeitada, como se constata no mundo atual).<br />

A filosofia grega, mormente sob Platão, tornou-se um meio de alcançar<br />

um projeto político capaz de servir à sociedade, neutralizando os<br />

interesses de grupos e <strong>as</strong> opiniões apaixonad<strong>as</strong> que, desprovid<strong>as</strong> de<br />

fundamento sólido, se opunham ao real conhecimento. Procurava-se<br />

uma aristocracia do poder, sob a convicção de que, emanando dos<br />

grandes pensadores, <strong>as</strong> idei<strong>as</strong> dariam fruto às melhores soluções de<br />

governo para o cidadão comum. Para isso, Platão e seus seguidores,<br />

no pequeno contexto geográfico e social d<strong>as</strong> polis (Aten<strong>as</strong>, Esparta,<br />

Teb<strong>as</strong>, Micen<strong>as</strong> e muit<strong>as</strong> outr<strong>as</strong>), usavam fartamente a discussão<br />

política, o debate sobre o contraditório (opinião versus verdade,<br />

desejo versus razão, interesse particular versus interesse coletivo,<br />

senso comum versus senso filosófico etc.), fazendo máximo uso d<strong>as</strong><br />

poderos<strong>as</strong> arm<strong>as</strong> do diálogo e da dialética.<br />

Disseminar esses pensamentos, idei<strong>as</strong>, debates e su<strong>as</strong> conclusões<br />

por toda a Grécia era, decerto, tarefa difícil, limitada que estava aos<br />

deslocamentos dos mestres e seus discípulos, com os parcos meios<br />

de locomoção da época, para <strong>as</strong> cidades mais próxim<strong>as</strong>. Ness<strong>as</strong> polis<br />

mais populos<strong>as</strong> incentivava-se a concentração popular n<strong>as</strong> praç<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong>, cenários de memoráveis debates que, muit<strong>as</strong> d<strong>as</strong> vezes,<br />

consagravam deliberações coletiv<strong>as</strong> que se tornavam regra para<br />

toda a comunidade citadina e <strong>as</strong> d<strong>as</strong> imediações, propagando-se<br />

pelo Estado grego. A isso se deu o nome de democracia direta, isto<br />

é, aquela praticada diretamente pelo povo presente às reuniões<br />

públic<strong>as</strong>. Esses aglomerados populares, ou <strong>as</strong>semblei<strong>as</strong>, eram a<br />

mídia social da época: diminuta, limitadamente informada e restrita<br />

à discussão do pensamento de alguns poucos cidadãos mais<br />

ilustrados, cuja divulgação mostrava-se precária e lenta m<strong>as</strong>, ainda<br />

<strong>as</strong>sim, eficaz para nortear o comportamento da sociedade.<br />

Aristóteles foi um dos primeiros a perceber que, com o crescimento<br />

d<strong>as</strong> polis e o aumento de sua população, tornavam-se pouco<br />

viáveis <strong>as</strong> reuniões e deliberações em praç<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>, pois eram<br />

parcos e raros os meios de reunir <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> e disseminar idei<strong>as</strong> para<br />

uma real prática democrática abrangente. Aristóteles aventou que<br />

a politeia, que seria expressa por representantes eleitos pelo povo<br />

para em seu nome decidir, era a solução mais adequada ao conceito<br />

de República e de Estado politicamente organizado. Surgiu então a<br />

democracia representativa, aceita por aqueles povos como forma<br />

mais justa e adequada de governo, admitindo-se que os representantes<br />

eleitos eram pesso<strong>as</strong> de notório saber e voltad<strong>as</strong> para o bem<br />

comum (conceito que, infelizmente, foi b<strong>as</strong>tante vilipendiado com o<br />

p<strong>as</strong>sar dos tempos...). Ainda <strong>as</strong>sim, a discussão d<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> permanecia<br />

limitada a uma pequena parcela da sociedade; e <strong>as</strong> deliberações eram<br />

de fato feit<strong>as</strong> por uns poucos cidadãos reunidos n<strong>as</strong> <strong>as</strong>semblei<strong>as</strong><br />

(parlamentos) da elite pensante, teoricamente representativ<strong>as</strong> da<br />

vontade comum. A divulgação para toda a comunidade, porém,<br />

continuava lenta e pouco eficiente.<br />

As mudanç<strong>as</strong><br />

O p<strong>as</strong>sar dos tempos imprimiu muit<strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> ao modo<br />

político de pensar d<strong>as</strong> sociedades. Nem sempre a opção foi pela<br />

democracia n<strong>as</strong> form<strong>as</strong> acima descrit<strong>as</strong>. Regimes absolutist<strong>as</strong>,<br />

estabelecidos no modelo monárquico ou sob o totalitarismo d<strong>as</strong><br />

revoluções ideológic<strong>as</strong>, fizeram-se presentes (e ainda sobrevivem)<br />

em muitos países da era moderna. Estão nesse c<strong>as</strong>o, por exemplo,<br />

<strong>as</strong> monarqui<strong>as</strong> europei<strong>as</strong> absolutist<strong>as</strong> da f<strong>as</strong>e pré-parlamentarista;<br />

<strong>as</strong> atuais monarqui<strong>as</strong> de muitos países do mundo árabe; os governos<br />

marxist<strong>as</strong> n<strong>as</strong>cidos dos ideais da Revolução Russa (poucos ainda<br />

existem); os governos populist<strong>as</strong> autoritários que se estabelecem<br />

pelo voto em alguns países de sociedades menos intelectualizad<strong>as</strong><br />

(a América Latina é prenhe de exemplos); e outros. No seio dess<strong>as</strong><br />

form<strong>as</strong> autoritári<strong>as</strong> de governo tiveram surgimento, em époc<strong>as</strong><br />

recentes – mormente em países latino-americanos onde a esquerda<br />

fortemente ideologizada <strong>as</strong>ssumiu o poder –, <strong>algum<strong>as</strong></strong> interpretações<br />

distorcid<strong>as</strong> da democracia, como é o c<strong>as</strong>o da utilização de plebiscitos<br />

a título de expressar e adotar a vontade popular – reedição deturpada<br />

da democracia direta ateniense, que tende a neutralizar a representatividade<br />

do Congresso substituindo-a por deliberações de m<strong>as</strong>s<strong>as</strong><br />

populares politicamente pouco preparad<strong>as</strong> e fortemente influenciad<strong>as</strong><br />

pelo discurso e pela propaganda do poder dominante.<br />

A mudança mais atual e dramática, porém, é a que se está<br />

12 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 13<br />

presenciando em regimes monárquicos, e em alguns presidencialist<strong>as</strong>,<br />

do mundo árabe, como decorrência dos acontecimentos<br />

na Tunísia, no Egito, no Iêmen, no Bahrein, no Irã e em outros<br />

países, onde parcel<strong>as</strong> da população – especialmente seus grupos<br />

mais jovens – parecem ter despertado de anos de torpor e, sob<br />

algum estímulo que vem sendo considerado como uma <strong>as</strong>piração<br />

democrática, estão indo para <strong>as</strong> ru<strong>as</strong> e praç<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> clamar por<br />

mudanç<strong>as</strong> e por maior liberdade político-social. Iniciados na Tunísia,<br />

esses movimentos – já considerados revolucionários – tiveram um<br />

rápido al<strong>as</strong>tramento, como se um pavio fosse queimando e fazendo<br />

explodir sucessiv<strong>as</strong> manifestações populares em múltiplos lugares<br />

do mundo árabe, do Norte da África até o Oriente Médio, motivando<br />

sever<strong>as</strong> repressões governamentais.<br />

O papel d<strong>as</strong> mídi<strong>as</strong> sociais parece ser, nesses c<strong>as</strong>os e em vários<br />

outros em potencial, o agente comburente dess<strong>as</strong> combustões, que<br />

poderão vir a resultar na instalação de outros regimes. Poderá surgir<br />

algo parecido, m<strong>as</strong> não necessariamente igual, às democraci<strong>as</strong> do<br />

mundo ocidental – nem sempre adaptáveis às cultur<strong>as</strong> nacionais<br />

daquel<strong>as</strong> sociedades; ou poderão resultar séri<strong>as</strong> instabilidades naquel<strong>as</strong><br />

regiões petrolífer<strong>as</strong>, com consequênci<strong>as</strong> importantes para<br />

o mundo ocidental. Além disso, no mundo presente ess<strong>as</strong> mídi<strong>as</strong><br />

influenciam o cenário com altíssima velocidade, fazendo uso da rede<br />

digital mundial de computadores em tempo real.<br />

As mídi<strong>as</strong> sociais<br />

O conceito de mídi<strong>as</strong> sociais (social medi<strong>as</strong>) precede a era da<br />

internet e d<strong>as</strong> atuais ferrament<strong>as</strong> tecnológic<strong>as</strong> de integração de<br />

m<strong>as</strong>s<strong>as</strong>, ainda que o termo não fosse então utilizado. Trata-se da<br />

produção de textos/vídeo/áudio de forma descentralizada e sem o<br />

controle editorial de grandes grupos, diferentemente da mídia impressa,<br />

radiofônica e televisiva convencionais. Significa disseminar<br />

<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> de muitos para muitos.<br />

Em essência, trata-se de uma larga interação entre pesso<strong>as</strong>, da<br />

qual resulta a construção de temátic<strong>as</strong> compartilhad<strong>as</strong>, usando a<br />

tecnologia da eletrônica digital como meio de conexão e divulgação,<br />

circulando o planeta em poucos segundos. São sistem<strong>as</strong> on-line<br />

projetados para permitir a interação social a partir do compartilhamento<br />

da informação nos mais diversos níveis e form<strong>as</strong>. Essa tecnologia<br />

possibilita a publicação de conteúdos por qualquer pessoa,<br />

baixando a praticamente zero o custo de produção e distribuição, ao<br />

p<strong>as</strong>so que antes essa atividade se restringia a grandes grupos com<br />

poder econômico grande o b<strong>as</strong>tante para possuir jornais, emissor<strong>as</strong><br />

de rádio e de TV. Aí reside, possivelmente, a grande revolução do<br />

mundo de hoje, que muitos analist<strong>as</strong> entendem como característica<br />

principal da Era da Informação.<br />

As atividades integram tecnologia, interação social e o uso de<br />

palavr<strong>as</strong>, fotos, vídeos e áudios. Nel<strong>as</strong> a informação é apresentada<br />

em variados formatos, como blogs, sites, compartilhamento de fotos,<br />

correio eletrônico (e-mails), videologs (tipo YouTube), mensagens<br />

instantâne<strong>as</strong> de telefonia ou computadores, compartilhamento de<br />

músic<strong>as</strong>, VoIP, e vári<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> manifestações, que não param de<br />

surgir a cada ano que p<strong>as</strong>sa. Em nossos di<strong>as</strong>, poucos são os que<br />

nunca usaram (ou pelo menos ouviram falar) de blogs (publicações<br />

editoriais independentes), google groups (referênci<strong>as</strong>, redes sociais),<br />

wikipedia (enciclopédia eletrônica), Facebook (rede social), YouTube<br />

(rede social e de compartilhamento de vídeo), Second Life (realidade<br />

virtual), Flickr (rede social e de compartilhamento de fotos), Twitter<br />

(rede social e microblogging), Wikis (compartilhamento de conhecimento),<br />

Skype e inúmeros outros serviços e aplicações que usam a<br />

rede mundial de computadores e interligam praticamente em tempo


eal pesso<strong>as</strong> nos mais diversos e remotos locais do planeta.<br />

Isso provoca notável mudança na estrutura de poder social:<br />

qualquer pessoa, e não mais apen<strong>as</strong> os detentores do capital, pode<br />

construir e disseminar conteúdos capazes de influenciar a opinião<br />

pública e mobilizar outr<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> e grupos, a custo qu<strong>as</strong>e nulo e<br />

em alta velocidade, gerando uma d<strong>as</strong> mais influentes form<strong>as</strong> midiátic<strong>as</strong><br />

da atualidade e praticando uma liberdade de comunicação<br />

interativa dificilmente controlável pelos governantes, o que se<br />

torna um tormento para os regimes autoritários cerceadores da<br />

liberdade de expressão.<br />

As mídi<strong>as</strong> sociais, porém, não têm o condão de fazer revoluções<br />

polític<strong>as</strong>, nem de implantar democraci<strong>as</strong> via internet. El<strong>as</strong><br />

constituem apen<strong>as</strong> um meio, um instrumento capaz de propagar<br />

velozmente, a baixo custo, idei<strong>as</strong> que podem ser revolucionári<strong>as</strong>,<br />

catalisando opiniões e contribuindo para a rápida formação e mobilização<br />

de grupos capazes de promover os movimentos de força.<br />

Na Era da Informação já não se pode esconder dos dissidentes o<br />

que ocorre no mundo. Em poucos segundos, ações coletiv<strong>as</strong> podem<br />

ser incentivad<strong>as</strong> e disseminad<strong>as</strong>, alcançando milhares de adesões e<br />

desencadeando movimentos que, eventualmente, podem derrubar<br />

governos, cuja primeira reação é a de bloquear os acessos a provedores<br />

de internet, a websites e a operador<strong>as</strong> de telefonia celular (como<br />

tem ocorrido na China, no Irã e mais recentemente no Egito, diante<br />

de manifestações populares mobilizad<strong>as</strong> pel<strong>as</strong> mídi<strong>as</strong> sociais). Ess<strong>as</strong><br />

ações podem também – quando não logram mudar os governantes<br />

ou o regime – dar campo para a prevalência de movimentos sociais<br />

que se colocam acima da lei e da ordem vigentes, fazendo com<br />

que a ineficácia da lei e da ordem deem lugar ao que os sociólogos<br />

chamam de Estado anômico, onde prevalecem a confusão política<br />

e a fraqueza d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de conduta.<br />

Os governos que se sentem ameaçados por esses meios modernos<br />

de divulgação às m<strong>as</strong>s<strong>as</strong> também têm defes<strong>as</strong>. Entre el<strong>as</strong>, a possibilidade<br />

de identificar os usuários d<strong>as</strong> redes instigadores de movimentos,<br />

os quais se expõem ao disseminar su<strong>as</strong> mensagens. Muit<strong>as</strong> prisões, no<br />

Irã e no Egito, foram noticiad<strong>as</strong> como tendo sido fruto da identificação<br />

dos dissidentes, a partir de seus endereços eletrônicos e dos acordos<br />

entre governos e provedores de serviços. Esses governos podem, ainda,<br />

tirar seu próprio partido do uso d<strong>as</strong> redes, disseminando contrainformações<br />

e tentando desorganizar e confundir o “inimigo”. E podem,<br />

como já mencionando, bloquear os acessos às redes, com tanto mais<br />

facilidade quanto mais participante for o Estado (em termos de capital<br />

ou de influência política) d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> que <strong>as</strong> operam.<br />

É esse o moderno mundo da tecnologia eletrônica digital e d<strong>as</strong><br />

comunicações satelitais, que diferenciam a velocidade da propagação<br />

d<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> entre o tempo em que vivemos e a maneira grega de disseminar<br />

o pensamento político-social, 600 anos antes de Cristo.<br />

Efeitos recentes no mundo islâmico<br />

A área geográfica mais afetada, no momento, pela atuação desses<br />

movimentos sociais revolucionários midiáticos abrange grande<br />

parte do mundo muçulmano, do Norte da África até a Península<br />

Árabe e <strong>as</strong> vizinhanç<strong>as</strong> do Golfo Pérsico. Essa extensa área revela<br />

problem<strong>as</strong> sociais graves, que levam uma expressiva parte de su<strong>as</strong><br />

populações (principalmente jovens carentes de emprego e desejosos<br />

de mais liberdade) a um nível de tensão facilmente transformável<br />

em estremecimentos sociais, mormente com <strong>as</strong> facilidades de<br />

divulgação da internet.<br />

Do Oeste para o Leste, problem<strong>as</strong> dessa natureza afetam regimes<br />

ditatoriais e autoritários, monárquicos ou republicanos, qu<strong>as</strong>e todos<br />

convivendo há <strong>décad<strong>as</strong></strong> com algum nível de pobreza extrema e com<br />

tecnologia da eletrônica digital.<br />

Possivelmente, a grande revolução<br />

do mundo de hoje<br />

cerca de um terço de jovens descontentes formando sua população. (1)<br />

Como exemplos, o Marrocos, cuja din<strong>as</strong>tia real governa o país desde<br />

o século XVII; a Argélia, cujo presidente está no poder desde 1999; a<br />

Tunísia, que acaba de derrubar em janeiro o ditador que governava<br />

há 23 anos e inspirou o movimento que logo se seguiu no Egito; a<br />

Líbia, governada desde 1969 por Muamar Kadafi, que no momento<br />

em que era escrito este artigo promovia sangrenta repressão ao<br />

movimento revolucionário desencadeado no leste do país, gerando<br />

forte reação no mundo ocidental; o Egito, que em fevereiro derrubou<br />

o ditador Hosni Mubarak e é governado provisoriamente por<br />

um Conselho Supremo d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> (sendo de realçar que<br />

é país que desempenha papel crucial para o equilíbrio de poderes<br />

no mundo árabe e no processo de pacificação árabe-israelense). Já<br />

no outro lado do Canal de Suez, tem-se a Jordânia, aliada dos EUA<br />

e que reconhece o Estado de Israel, m<strong>as</strong> é governada pela din<strong>as</strong>tia<br />

h<strong>as</strong>hemita desde 1920; a Síria, que vive há <strong>décad<strong>as</strong></strong> em estado de<br />

emergência, cujo atual governante herdou a ditadura de 30 anos<br />

do falecido pai e tem relações tens<strong>as</strong> com os EUA em face de ser<br />

aliada do Irã e do grupo anti-israelita libanês Hezbollah, a quem dá<br />

suporte; o Iêmen, cujo presidente está no cargo desde 1990 e onde<br />

há sérios conflitos com a oposição; a Arábia Saudita, cuja din<strong>as</strong>tia<br />

monárquica governa desde o início do século XX, é forte aliada dos<br />

EUA – motivo de insatisfação para grande parte do mundo árabe –<br />

e detém 20% do petróleo do planeta; o Bahrein, rico emirado que<br />

hospeda a sede da 5ª Esquadra dos EUA e cujo monarca sucedeu o<br />

pai, falecido em 1999 e que governava desde 1961; e o Irã, teocracia<br />

islâmica radical antiamericanista que derrubou a din<strong>as</strong>tia Pahlevi,<br />

segundo maior produtor de petróleo da região e que prega a extinção<br />

do Estado de Israel, suportando sanções da ONU por seus projetos<br />

alegadamente belicist<strong>as</strong> na área nuclear.<br />

Não é possível atribuir aos movimentos antigovernamentais<br />

que proliferam nesses países o caráter de revoluções ideológic<strong>as</strong>.<br />

Tampouco é razoável generalizar para eles um cunho islâmico radical,<br />

embora, claramente, os radicais islâmicos fiquem motivados<br />

a aproveitar a oportunidade para chegar mais perto do poder, nos<br />

países em que ainda predominam islâmicos mais moderados. As<br />

avaliações dos analist<strong>as</strong> geopolíticos e sociais é de que se trata de<br />

uma explosão de desejos de uma juventude que n<strong>as</strong>ceu sob ess<strong>as</strong><br />

ditadur<strong>as</strong>, vive em penúria e não vê perspectiv<strong>as</strong> de progresso<br />

social e liberdade sociopolítica. O desemprego parece ser o maior<br />

ingrediente do descontentamento, havendo estatístic<strong>as</strong> que indicam<br />

que cerca de um terço da população árabe é de jovens entre 15 e 29<br />

anos, desempregados e precariamente educados. (2) M<strong>as</strong> sejam quais<br />

forem su<strong>as</strong> reais caus<strong>as</strong>, ou conjunto de caus<strong>as</strong>, está-se diante de<br />

um fato: são movimentos que se al<strong>as</strong>tram rapidamente, alimentados<br />

pelos recursos oferecidos pel<strong>as</strong> mídi<strong>as</strong> eletrônic<strong>as</strong> sociais, trazendo<br />

É como se um pavio fosse queimando e<br />

fazendo explodir sucessiv<strong>as</strong> manifestações populares<br />

em múltiplos lugares do mundo árabe<br />

14 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 15<br />

Fotomontagem: Sendino<br />

os manifestantes em grandes m<strong>as</strong>s<strong>as</strong> para <strong>as</strong> ru<strong>as</strong> d<strong>as</strong> capitais e<br />

principais cidades, surpreendendo regimes que aparentemente<br />

gozavam de estabilidade e até mesmo de suporte do mundo ocidental,<br />

em certos c<strong>as</strong>os. A perplexidade tomou esses governantes<br />

de forma inesperada, repentina, e isso terá desdobramentos. Entre<br />

eles, a necessidade dos regimes democráticos ocidentais que apoiam<br />

(ou apoiavam) regimes totalitários ou autoritários no mundo árabe<br />

reverem su<strong>as</strong> posições, diante dos clamores populares.<br />

<strong>Há</strong> dois <strong>as</strong>pectos importantes que convém ressaltar nesses<br />

desdobramentos. O primeiro é que apen<strong>as</strong> a vontade juvenil e o<br />

entusi<strong>as</strong>mo de estudantes n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> não vencem revoluções. Para<br />

vencê-l<strong>as</strong>, esses movimentos despertados pela mídia eletrônica precisam<br />

da adesão, ou da simpatia, de quem detém o poder d<strong>as</strong> arm<strong>as</strong>.<br />

No c<strong>as</strong>o do Egito, por exemplo, os militares aderiram e a revolução<br />

teve sucesso. No c<strong>as</strong>o líbio, os militares inicialmente se mostraram<br />

divididos, trazendo o risco de uma guerra civil de longa duração.<br />

Outro <strong>as</strong>pecto é o que se refere ao tipo de democracia que<br />

esses movimentos eventualmente logrem desenvolver. Trata-se de<br />

cultur<strong>as</strong> diferentes d<strong>as</strong> ocidentais a que estamos afeitos, há longo<br />

tempo acostumad<strong>as</strong> com liberdades limitad<strong>as</strong>, limitações ess<strong>as</strong> que,<br />

não raro, têm o fundamento religioso muçulmano em seu âmago.<br />

Dificilmente veremos o n<strong>as</strong>cimento de democraci<strong>as</strong> desenhad<strong>as</strong><br />

nos moldes ocidentais. Quando muito, serão modelos adaptados<br />

às circunstânci<strong>as</strong> locais, podendo prevalecer regr<strong>as</strong> de cunho<br />

shiita ou sunita, com maior ou menor influência da lei islâmica<br />

(a sharia). Em certos c<strong>as</strong>os, como o da Líbia, o tribalismo poderá<br />

ter influência mais proeminente do que a teologia, não sendo de se<br />

desprezar a possibilidade de não haver convergência de posições e<br />

da revolta surgir o caos. Em muitos c<strong>as</strong>os, nada garante, se adotado<br />

o sufrágio universal, que os eleitos formarão governos com postur<strong>as</strong><br />

e índoles pró-ocidentais (democracia e postur<strong>as</strong> pró-Ocidente<br />

não são cois<strong>as</strong> umbilicalmente ligad<strong>as</strong>). Em qu<strong>as</strong>e todos os c<strong>as</strong>os,<br />

os revolucionários carecem de organização política (partidos, por<br />

exemplo, com program<strong>as</strong> de governo) para <strong>as</strong>sumirem o poder, e<br />

esse despreparo pode ser des<strong>as</strong>troso para os Estados em que logrem<br />

derrubar o status quo.<br />

O epílogo de cada um desses movimentos “nutridos pela web” é<br />

imprevisível, no momento. Não é possível afirmar, por exemplo, que<br />

vá ocorrer algo similar a 1989, quando os manifestantes de países<br />

do Leste europeu, com expressiva ajuda de dissidentes d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong><br />

armad<strong>as</strong> e da polícia, decidiram livrar-se do comunismo, mudaram a<br />

ordem política em toda uma grande região e alteraram o equilíbrio<br />

de poder no planeta, ao dar fim ao Império Soviético. O mais provável,<br />

por motivos culturais, é que falhem em mudar profundamente<br />

o mundo árabe, m<strong>as</strong> <strong>as</strong> sementes para mudanç<strong>as</strong> ficarão plantad<strong>as</strong>,<br />

podendo futuramente germinar democraci<strong>as</strong> (ainda que não muito<br />

liberais, em razão de su<strong>as</strong> raízes islâmic<strong>as</strong>). (3)<br />

Uma coisa é certa: os monarc<strong>as</strong> e ditadores do mundo árabe,<br />

até agora confiantes de estabilidade em su<strong>as</strong> long<strong>as</strong> permanênci<strong>as</strong><br />

à frente do governo, foram sacudidos pelo poder da mídia digital e<br />

não voltarão a dormir em paz. As potênci<strong>as</strong> ocidentais, por sua vez,<br />

terão que decidir se apoiam <strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> ou se continuam – movid<strong>as</strong><br />

por seus interesses no petróleo – a prestigiar governos pouco ou<br />

nada democráticos.<br />

Not<strong>as</strong><br />

(1) Fonte: O Globo, “Uma região volátil”, 20 fev. 2011, p. 38.<br />

(2) Fonte: O Globo, 20 fev. 2011, p. 40.<br />

(3) Friedman, George. Revolution and the Muslim World. Disponível em:<br />

.


gUerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong><br />

O AFUNDAMENTO DO<br />

HMS SHEFFIELD<br />

ANtECEDENtES<br />

Na Inglaterra, na década de 1960, estava sendo planejada<br />

a construção de uma nova cl<strong>as</strong>se de navios-aeródromos<br />

(NAe), para substituir os mais antigos, remanescentes<br />

da II Guerra Mundial. A cl<strong>as</strong>se ganharia o nome de<br />

Queen Elizabeth (CVA-01), deveria ser incorporada à<br />

esquadra inglesa na década de 1970 e o projeto inicial<br />

previa a construção de dois desses NAe. Esse projeto<br />

deu origem a outro, o de construção dos navios que comporiam a<br />

escolta desses NAe, com a missão principal de lhes prover defesa<br />

contra-alMirante (ref)<br />

carlos frederico v<strong>as</strong>concellos da silva<br />

A importância da operação de ataque ao Destróier Sheffield, realizada em 4 de maio de 1982<br />

pela Aviação <strong>Naval</strong> Argentina na Guerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>, se deve, principalmente, ao fato de que,<br />

pela primeira vez na história, uma aeronave lançou com sucesso em operação real de guerra,<br />

um míssil ar-superfície contra um navio inimigo. A aeronave era um Super Etendard (SUE)<br />

da Aviação <strong>Naval</strong> Argentina, o míssil, um Exocet AM-39, ambos de fabricação francesa<br />

e o navio-alvo, o Destróier tipo 42 Sheffield, incorporado à Marinha inglesa em 1975.<br />

Para melhor entender o resultado da ação, devem ser considerados alguns <strong>as</strong>pectos<br />

importantes e fatos que ocorreram na Argentina e na Inglaterra, precedendo <strong>as</strong> operações que<br />

se desenrolaram na Guerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>, que por certo influenciaram alguns resultados.<br />

antiaérea e antissubmarino. Seriam quatro unidades dos Guided<br />

Missile Destroyer (DDG) tipo 82, com deslocamento de 6.700 a<br />

7.700 tonelad<strong>as</strong> a toda carga. Em 1966, levando em consideração<br />

os altos custos envolvidos, o governo trabalhista cancelou não só,<br />

o projeto dos CVA-01, como também o dos DDG tipo 82, quando o<br />

primeiro navio dessa cl<strong>as</strong>se já estava pronto, o HMS Bristol. Daí,<br />

ainda levando em conta ess<strong>as</strong> razões econômic<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> considerando<br />

<strong>as</strong> necessidades da Marinha inglesa, o Ministério da Defesa<br />

determinou que em substituição aos DDG tipo 82, fosse construída<br />

uma cl<strong>as</strong>se de navios com capacidade similar,<br />

m<strong>as</strong> de porte mais reduzido, deslocando de<br />

3.500 a 4.100 tonelad<strong>as</strong> e a um custo final bem<br />

menor, o que possibilitaria a construção de<br />

um maior número de unidades. Foi <strong>as</strong>sim que<br />

se originou o projeto dos destroieres tipo 42.<br />

o míssil<br />

exocet aM 39<br />

Obviamente, o requisito de compacidade impôs restrições relativ<strong>as</strong><br />

à configuração dos navios dos primeiro e segundo lotes construídos,<br />

como o Sheffield, do que resultou, entre outr<strong>as</strong>, a impossibilidade<br />

de se instalar um sistema mais eficiente de defesa antiaérea de<br />

ponto (CIWS-close in weapon system), para se contrapor a ataques<br />

de aeronaves e de mísseis em voo r<strong>as</strong>ante. Não foi possível instalar<br />

nem mesmo o sistema Sea Cat, cujo desempenho já era considerado<br />

16 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 17<br />

discutível, apesar de se enquadrar no parâmetro de custo estabelecido.<br />

Qualquer adição de armamento implicaria problem<strong>as</strong> relativos<br />

à indisponibilidade de espaço, que não havia e de aumento de peso,<br />

que afetaria <strong>as</strong> condições de estabilidade do navio. Dess<strong>as</strong> restrições,<br />

resultaram ainda, <strong>as</strong> impossibilidades de se instalar o sistema de<br />

arm<strong>as</strong> antissubmarino Ikara e de dotar o navio de um hangar duplo,<br />

para abrigar e operar dois helicópteros orgânicos, do modelo Lynx,<br />

o que seria necessário, tendo em vista que era considerado que a<br />

disponibilidade de voo desses helicópteros não ultrap<strong>as</strong>sava os 50%.<br />

Enfim, a redução de peso e espaço foram tais, que até o centro de<br />

operações de combate (COC) ganhou instalações acanhad<strong>as</strong>, em<br />

espaço inadequado, em prejuízo de sua funcionalidade.<br />

Na Argentina, no final do ano de 1981, período que precedeu ao<br />

início d<strong>as</strong> hostilidades com a Inglaterra, na Guerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>,<br />

a Aviação <strong>Naval</strong> contava com um efetivo aproximado de três mil<br />

homens e cerca de 130 aeronaves distribuíd<strong>as</strong> em dez unidades<br />

aére<strong>as</strong>, para operar de terra, de su<strong>as</strong> três b<strong>as</strong>es principais, e no mar<br />

embarcad<strong>as</strong> no Navio-Aeródromo 25 de Maio. Ess<strong>as</strong> unidades estavam<br />

bem adestrad<strong>as</strong> para desenvolver operações de esclarecimento,<br />

de ataque, antissubmarino, de logística e de busca e salvamento,<br />

tiveram participação ativa e cumpriram eficazmente su<strong>as</strong> missões,<br />

superando <strong>as</strong> muit<strong>as</strong> dificuldades encontrad<strong>as</strong>. No entanto, para<br />

desenvolver o esforço principal de ataque à Força Tarefa (FT) da<br />

Marinha inglesa, a Aviação <strong>Naval</strong> argentina contava apen<strong>as</strong> com 15<br />

Um<br />

super<br />

etendard<br />

(sUe)<br />

aeronaves Sky Hawks A-4Q, que, tanto quanto os 60 A-4P da Força<br />

Aérea, foram adquiridos da Marinha americana, na condição de<br />

aeronaves usad<strong>as</strong>. Além dess<strong>as</strong> aeronaves, a Aviação <strong>Naval</strong> argentina<br />

havia recebido cinco aeronaves, parte de um contrato de aquisição<br />

de 14 Super Etendard (SUE), caç<strong>as</strong>-bombardeiros fabricados pela<br />

D<strong>as</strong>sault e cinco mísseis ar-superfície Exocet AM-39, também<br />

adquiridos e recebidos antes da efetivação do embargo imposto ao<br />

fornecimento de arm<strong>as</strong> pela França à Argentina. Os SUE não possuíam<br />

característic<strong>as</strong> excepcionais de voo e, além disso, tinham um<br />

raio de ação muito limitado, sua velocidade máxima a 11 mil pés de<br />

altitude chegava a 1.3 Mach, m<strong>as</strong> a baixa altitude não p<strong>as</strong>sava de 0.97<br />

Mach, menor que a do som. Todavia, tiveram um bom desempenho<br />

no conflito, especialmente, em razão da sua capacidade de portar e


lançar o míssil ar-superfície Exocet AM-<br />

39, o que, aliado às deficiênci<strong>as</strong> de projeto<br />

inerentes aos destroieres tipo 42 dos 1º e<br />

2º lotes construídos para a Marinha inglesa,<br />

no que concerne à dificuldade de se<br />

contraporem de modo eficiente ao ataque<br />

de aeronaves e mísseis em voo r<strong>as</strong>ante,<br />

certamente, contribuiu para o sucesso da<br />

operação de ataque ao Sheffield.<br />

A oPERAção DE AtAQuE<br />

Dois di<strong>as</strong> antes da inv<strong>as</strong>ão d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong><br />

pel<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> argentin<strong>as</strong>, a Segunda<br />

Esquadrilha de Caça e Ataque da Aviação<br />

<strong>Naval</strong> da Marinha recebeu ordens de<br />

interromper seu programa normal de<br />

adestramento, para se dedicar exclusivamente,<br />

durante os 30 di<strong>as</strong> seguintes, ao<br />

adestramento objetivando o emprego eficiente<br />

do sistema de ataque com mísseis<br />

ar-superfície Exocet AM-39. Estabelecido<br />

o embargo, o governo da França determinou<br />

a suspensão da entrega d<strong>as</strong> demais aeronaves<br />

adquirid<strong>as</strong>, dos sobressalentes do<br />

armamento, e a suspensão dos trabalhos<br />

de <strong>as</strong>sessoria técnica que seus técnicos<br />

prestavam em território argentino. O<br />

interessante é que ainda <strong>as</strong>sim, esses técnicos<br />

não receberam ordem de regresso<br />

para a França, permanecendo na Argentina.<br />

De qualquer forma, os engenheiros<br />

e os técnicos da Marinha argentina, com<br />

auxílio ou não dos franceses, conseguiram<br />

o cruzador<br />

belgrano<br />

resolver os problem<strong>as</strong> de instalação e harmonização do armamento<br />

e, a fim de atender às necessidades de sobressalentes para quatro<br />

aeronaves, procederam à desmontagem do quinto SUE.<br />

Em 4 de maio de 1982, dois di<strong>as</strong> após o torpedeamento e afundamento<br />

do Cruzador Belgrano, uma aeronave de patrulha da Força<br />

Aérea Argentina, tipo Netuno, obteve um contato radar às 7h09min,<br />

a 90 milh<strong>as</strong> de distância e a 100 milh<strong>as</strong> de Porto Argentino, durante<br />

um voo de esclarecimento que vinha sendo realizado diariamente na<br />

área marítima ao redor d<strong>as</strong> ilh<strong>as</strong>, visando <strong>as</strong>segurar o tráfego aéreo<br />

e marítimo entre <strong>as</strong> ilh<strong>as</strong> e o continente. Pelo processamento dos<br />

sinais recebidos e analisados em seu equipamento ESM (eletronic<br />

support me<strong>as</strong>ures), foi determinado que se tratava de um navio<br />

inimigo, provavelmente um destróier tipo 42 da Marinha Inglesa.<br />

Na realidade, tratava-se do Destróier Sheffield posicionado 20 milh<strong>as</strong><br />

avante do navio capitânia da força-tarefa inglesa, o NAe Hermes,<br />

com a missão principal de lhe prover cobertura antiaérea e a seu<br />

par, o NAe Invencible.<br />

No Sheffield, para atenuar o desconforto da tripulação, decorrente<br />

d<strong>as</strong> condições de fechamento do material adotad<strong>as</strong> quando em cruzeiro<br />

de guerra, foi estabelecido o serviço em turnos de seis hor<strong>as</strong>,<br />

de maneira a proporcionar ao pessoal de folga, a possibilidade de<br />

melhores refeições e de descanso mais adequado (defence stationssecond<br />

state of readiness).<br />

O Netuno, após transmitir para a b<strong>as</strong>e argentina de Rio Grande<br />

a informação do contato obtido, recebeu a determinação de manter<br />

acompanhamento do alvo e de ampliar sua informação inicial.<br />

Paralelamente, foi determinada a prontificação de dois SUE para a<br />

Um exocet<br />

lançado de um<br />

navio<br />

o nae<br />

invencible<br />

realização de ataque aos alvos com mísseis<br />

Exocet AM-39. Às 8h45min, depois de recebida<br />

do Netuno a posição mais atualizada<br />

dos alvos, que então seriam três sendo um<br />

grande e dois médios, foram expedid<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />

ordens para que os SUE decol<strong>as</strong>sem às<br />

9h45min e para que o Netuno os inform<strong>as</strong>se,<br />

diretamente, a posição de 10h00min.<br />

Essa informação era necessária, para<br />

que os pilotos pudessem introduzi-la nos<br />

computadores de navegação de su<strong>as</strong> aeronaves<br />

antes do inicio do ataque. Por razões<br />

óbvi<strong>as</strong>, os SUE estavam se deslocando para<br />

a área de ataque, com seus radares Agave<br />

desligados. A decolagem aconteceu como<br />

determinado e a 150 milh<strong>as</strong> da b<strong>as</strong>e de Rio<br />

Grande, voando a 15 mil pés de altitude<br />

os SUE se encontraram com uma aeronave<br />

KC-130 da Força Aérea argentina, se<br />

reab<strong>as</strong>teceram em voo e atestaram seus<br />

tanques de combustível, antes do início<br />

da f<strong>as</strong>e final do ataque. Encerrado o reab<strong>as</strong>tecimento,<br />

os SUE prosseguiram para<br />

a área de ataque mantendo seus radares<br />

desligados e iniciando a descida para voo<br />

a baixa altitude, próximo ao nível do mar,<br />

a fim de evitar que fossem detectados pela<br />

FT inimiga. Encontraram condições meteorológic<strong>as</strong><br />

advers<strong>as</strong>, com teto d<strong>as</strong> nuvens a<br />

500 pés e visibilidade horizontal reduzida<br />

por efeito d<strong>as</strong> pancad<strong>as</strong> de chuva e bancos<br />

de névoa. Enquanto isso, o radar do Netuno<br />

apresentou um defeito que o impedia de<br />

manter o acompanhamento dos alvos. Ainda <strong>as</strong>sim, recebeu ordem<br />

de permanecer na área, fazendo uma derradeira tentativa de reparar<br />

o equipamento, até que às 10h30min conseguiu seu intento e<br />

transmitiu aos SUE <strong>as</strong> informações requerid<strong>as</strong>. Cumprida a ordem, a<br />

aeronave de patrulha encerrou sua missão com pleno sucesso, abandonou<br />

a área e regressou para a b<strong>as</strong>e de Rio Grande, onde pousou,<br />

às 13h04min. Recebida a última informação do Netuno, os pilotos<br />

dos SUE, sabendo que os navios da FT inglesa se encontravam a 115<br />

milh<strong>as</strong> de distância, decidiram atacar o alvo maior.<br />

Nesse entretempo, o comandante do Sheffield estava em seu<br />

posto no p<strong>as</strong>sadiço e o COC totalmente guarnecido, quando, visando<br />

diminuir a possibilidade do inimigo detectar a posição exata da FT,<br />

foi determinado pelo capitânia que o Sheffield transmitisse uma<br />

mensagem para o Comando da Esquadra Inglesa, em Northwood.<br />

Em razão dessa faina, o seu radar principal foi desligado, a fim de<br />

evitar qualquer interferência na transmissão da mensagem, do que<br />

resultou uma falha na cobertura radar. Para cobrir essa falha, o<br />

HMS Hermes, estava rep<strong>as</strong>sando por data-link para o Sheffield, <strong>as</strong><br />

imagens obtid<strong>as</strong> pelo seu radar. Apesar dess<strong>as</strong> precauções, ocorreu<br />

algum problema. Os detalhes são um pouco confusos, m<strong>as</strong>, aparentemente,<br />

o radar do Hermes obteve um contato momentâneo,<br />

chegando a detectar três aeronaves e a cl<strong>as</strong>sificá-l<strong>as</strong> como hostis,<br />

m<strong>as</strong> como esse contato se desvaneceu rapidamente, não houve<br />

tempo para uma identificação positiva d<strong>as</strong> aeronaves. Na falta dessa<br />

identificação positiva, o contato foi interpretado como sendo de<br />

aeronaves argentin<strong>as</strong> de interceptação, Mirage III, voando af<strong>as</strong>tad<strong>as</strong><br />

da FT, em rumo que não inspirava maiores cuidados. De certa forma,<br />

o destróier<br />

sheffield em<br />

três momentos,<br />

antes e depois<br />

de atingido pelo<br />

míssel exocet<br />

contribuiu para que essa falha não fosse percebida no devido tempo,<br />

o fato de os helicópteros Lynx, que estavam equipados com ESM,<br />

capazes de identificar não só radares de aeronaves inimig<strong>as</strong>, como<br />

também a frequência de emissão e o tipo do radar, se encontrarem<br />

voando muito af<strong>as</strong>tados da FT, em altitude que não lhes possibilitava<br />

a detecção de qualquer emissão radar d<strong>as</strong> aeronaves argentin<strong>as</strong>.<br />

Conhecedores da capacidade ESM da FT inglesa, os pilotos navais<br />

argentinos, deliberadamente, continuavam a aproximação com<br />

seus SUE, mantendo voo a baixa altitude e radares de busca desligados,<br />

até atingir posição na distância de 25 a 30 milh<strong>as</strong> dos alvos.<br />

Enquanto isso, outros problem<strong>as</strong> afetavam e agravavam o quadro<br />

de problem<strong>as</strong> da FT inglesa: o Sheffield e demais navios da escolta<br />

que também possuíam seus próprios equipamentos ESM, não puderam<br />

fazer no devido tempo, antes do início da guerra, os ajustes<br />

necessários nesses equipamentos, a fim de que o míssil Exocet fosse<br />

identificado como armamento hostil. Adicionalmente, vários dos<br />

radares de busca de superfície dos navios da FT, emitiam na mesma<br />

frequência do radar do míssil e, dessa combinação de problem<strong>as</strong>,<br />

resultou que não houve uma identificação rápida do ataque com os<br />

Exocet, até que os mísseis estivessem muito próximos ao alvo.<br />

Assim, introduzidos os dados dos alvos nos sistem<strong>as</strong> d<strong>as</strong> unidades<br />

de ataque (UAI) d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> aeronaves, os pilotos argentinos navegando<br />

pelos seus computadores, conduziram os SUE até a posição prevista<br />

para efetuar o lançamento dos mísseis. Após uma primeira tentativa<br />

falha, lograram identificar o inimigo em seus radares e lançaram<br />

seus mísseis a cerca de 25 milh<strong>as</strong> do alvo. Às 11h04min, imediatamente<br />

após o lançamento, os SUE iniciaram curva de af<strong>as</strong>tamento<br />

18 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 19<br />

da zona de perigo, <strong>as</strong>sumiram o rumo de regresso para a b<strong>as</strong>e de<br />

Rio Grande e pousaram sem novidades às 12h04min.<br />

Enquanto os Exocet se deslocavam voando baixo, com a velocidade<br />

de 1.000 km/h na direção do condenado Sheffield, o comandante<br />

do navio e outro oficial observavam com atenção o horizonte, com<br />

a finalidade de tentar confirmar a informação daquele contato<br />

momentâneo que haviam recebido do COC pouco antes. Estavam<br />

fazendo varredura visual pelo setor de boreste do navio, no sentido<br />

popa até a proa, quando perceberam muito af<strong>as</strong>tado uma pequena<br />

nuvem de fumo e não conseguiram identificar do que se tratava,<br />

porque nem eles, nem ninguém, jamais havia tido a oportunidade<br />

de ver um míssil Exocet voando r<strong>as</strong>ante, de frente, e se aproximando<br />

do navio com velocidade qu<strong>as</strong>e supersônica. Quando finalmente o<br />

identificaram, o míssil já se encontrava a uma milha de distância<br />

e não houve tempo para acionar qualquer medida defensiva, a não<br />

ser transmitir pelo sistema de intercomunicações, um alerta para<br />

que todos se protegessem. Quatro segundos depois o míssil atingiu<br />

o navio, por boreste, a meia-nau e abaixo do convés principal,<br />

poucos pés acima da linha d’água. O Exocet perfurou o costado do<br />

Sheffield, com trajetória em ângulo de cerca de 30° em relação ao<br />

plano diametral do navio, atravessou o compartimento de máquin<strong>as</strong><br />

avante, penetrou no compartimento de máquin<strong>as</strong> a ré, onde atingiu<br />

<strong>as</strong> turbin<strong>as</strong> de propulsão e, finalmente, se chocou contra a antepara<br />

de ré, sem explodir. O pessoal de serviço no p<strong>as</strong>sadiço e no COC,<br />

ouviu um estrondo, como o de uma colossal explosão, m<strong>as</strong> <strong>as</strong> fotos<br />

tirad<strong>as</strong> antes do navio afundar revelaram que a cabeça de combate de<br />

364 libr<strong>as</strong> do míssil não detonou e que o ruído ouvido foi produzido


Pode-se imaginar qual<br />

seria a representação do<br />

quadro que registra <strong>as</strong><br />

perd<strong>as</strong> reais da Marinha<br />

inglesa, na guerra d<strong>as</strong><br />

Malvin<strong>as</strong>, c<strong>as</strong>o a aviação<br />

naval argentina tivesse<br />

recebido em tempo útil os<br />

14 super etendard e uma<br />

quantidade maior de<br />

mísseis exocet<br />

pela onda de choque decorrente do impacto d<strong>as</strong> 1.455 libr<strong>as</strong> do<br />

seu corpo e do seu motor. Mesmo sem a detonação da cabeça de<br />

combate os resultados foram cat<strong>as</strong>tróficos. O atrito da p<strong>as</strong>sagem<br />

do míssil com <strong>as</strong> chap<strong>as</strong> de aço do navio ao atravessá-l<strong>as</strong>, provocou<br />

temperatur<strong>as</strong> elevad<strong>as</strong> e labared<strong>as</strong> que atingiram o tanque principal<br />

de combustível do navio, ocorrendo de imediato um incêndio de<br />

grandes proporções e dens<strong>as</strong> nuvens de fumaça branca. A seguir, o<br />

fogo propagou-se pela cablagem de PVC, pintura e outros materiais<br />

inflamáveis e sua fumaça tóxica se espalhou por todos os compartimentos<br />

e p<strong>as</strong>sagens do navio. Sem energia, não sendo possível nem<br />

mesmo ventilar os compartimentos internos para tentar expulsar<br />

a fumaça, <strong>as</strong> equipes de combate a incêndio ficaram isolad<strong>as</strong>, os<br />

equipamentos auxiliares como geradores e bomb<strong>as</strong> de incêndio não<br />

funcionaram, e o incêndio atingiu proporções incontroláveis, com<br />

ameaça de explosão do paiol de munição avante. Nesse paiol, estavam<br />

armazenados 22 mísseis Sea Dart e respectiv<strong>as</strong> cabeç<strong>as</strong> de combate,<br />

120 projéteis para o canhão de 4,5 polegad<strong>as</strong>, <strong>algum<strong>as</strong></strong> cabeç<strong>as</strong> de<br />

combate de torpedos, bomb<strong>as</strong> de profundidade e foguetes chaff.<br />

Frente a essa situação, após cerca de cinco hor<strong>as</strong> extenuantes de<br />

lut<strong>as</strong> para debelar o incêndio, sem sucesso, o comandante do navio<br />

se viu na contingência de dar a ordem de abandonar o navio.<br />

Ainda foi tentada uma operação de salvamento do Sheffield,<br />

rebocando-o para <strong>as</strong> ilh<strong>as</strong> de Ascensão ou para a Geórgia do Sul, m<strong>as</strong><br />

a deterioração do estado do tempo não possibilitou a concretização<br />

da ideia. O navio embarcou muita água, e cada vez mais, devido às<br />

más condições do mar, sem possibilidade de bombeá-la para fora,<br />

levando à decisão de afundá-lo naquela área, em águ<strong>as</strong> profund<strong>as</strong>, a<br />

10 de maio de 1982, seis di<strong>as</strong> depois de atingido pelo Exocet.<br />

obSERvAçõES FiNAiS<br />

A capacidade de defesa antimíssil do Destróier Sheffield foi praticamente<br />

nula, não tendo ocorrido nenhum tipo de alarme antecipado<br />

que lhe permitisse tentar uma manobra ev<strong>as</strong>iva, nem tão pouco, que<br />

seu armamento pudesse se contrapor à ação do míssil Exocet AM-39.<br />

O desempenho dos destroieres tipo 42 na Guerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>,<br />

quando a Marinha inglesa perdeu du<strong>as</strong> unidades dessa cl<strong>as</strong>se, o<br />

Sheffield e o Conventry, que faziam parte da sua força-tarefa, afundados<br />

nos ataques aéreos realizados pela Aviação <strong>Naval</strong> argentina,<br />

utilizando mísseis ar-superfície ou bomb<strong>as</strong>, determinaram posteriormente<br />

a adoção de medid<strong>as</strong> corretiv<strong>as</strong> que foram observad<strong>as</strong><br />

mais especificamente na construção dos destroieres tipo 42 do<br />

lote nº 3. Eles tiveram seu comprimento acrescido de 50 pés e seu<br />

deslocamento para 4.765 tonelad<strong>as</strong> a toda carga, melhorando seu<br />

comportamento no mar. Essa medida contribuiu para aumentar<br />

a disponibilidade de espaço e possibilitou a acomodação de um<br />

sistema CIWS (close in weapon system) mais efetivo de armamento<br />

antiaéreo para defesa de ponto, como o Vulcan Phalanx, para<br />

aumentar <strong>as</strong> dimensões da plataforma de voo junto ao hangar e<br />

ainda para instalação de um radar mais moderno.<br />

O ataque ao Sheffield, fez com que a força-tarefa inglesa tivesse<br />

que alterar substancialmente seu dispositivo, af<strong>as</strong>tando seus naviosaeródromos<br />

para leste, tendo que designar uma maior quantidade de<br />

navios para lhes prover proteção antiaérea mais efetiva e ainda, que<br />

na falta de aeronaves adequad<strong>as</strong>, tivesse que adaptar helicópteros<br />

para realização da função de alarme aéreo antecipado;<br />

Para reflexão, pode-se imaginar qual seria a representação do<br />

quadro que registra <strong>as</strong> perd<strong>as</strong> reais da Marinha inglesa, na Guerra<br />

d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>, c<strong>as</strong>o a Aviação <strong>Naval</strong> argentina tivesse recebido em<br />

tempo útil os 14 Super Etendard e uma quantidade maior de mísseis<br />

Exocet, adquiridos pouco antes do início d<strong>as</strong> hostilidades.<br />

Para finalizar, essa operação, certamente reforça a necessidade<br />

que tem qualquer Marinha, de contar com uma aviação de<br />

patrulha eficiente.<br />

Referênci<strong>as</strong><br />

1. Boletim Del Centro <strong>Naval</strong>, v. 109, n. 764, Ataque Al Sheffield, 1991.<br />

2. Marshall Cavendish. The Falklands War – day by day record from<br />

inv<strong>as</strong>ion to victory. 1983.<br />

3. The Sunday Times. “The Falklands War – The Full Story. 1982.<br />

defesa<br />

MarCÍlio boaviSTa da CunHa<br />

O ministro da Defesa<br />

recebeu, por Lei Complementar,<br />

a responsabilidade<br />

de implantar<br />

o Livro Branco de Defesa<br />

Nacional. (1) O Poder<br />

Executivo deverá, a<br />

seguir, encaminhá-lo à<br />

apreciação do Congresso<br />

Nacional, juntamente com<br />

a política (2) e a estratégia (3)<br />

de defesa.<br />

Os princípios e diretrizes para a elaboração<br />

deste livro foram recentemente estabelecidos<br />

pela presidente da República, que também<br />

liVro<br />

braNCo<br />

de deFesa<br />

NaCioNal<br />

20 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 21<br />

instituiu grupo de trabalho<br />

interministerial com o<br />

objetivo de elaborar estudos<br />

sobre tem<strong>as</strong> a ele<br />

pertinentes. (4)<br />

Porém, o que é um<br />

Livro Branco? Qual a<br />

sua importância numa<br />

democracia? O que é o<br />

Livro Branco de Defesa<br />

Nacional? Como se integra<br />

com a política e a estratégia<br />

de defesa? Qual serão <strong>as</strong> res-<br />

ponsabilidades do Executivo e do<br />

Legislativo? Quais <strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong> de<br />

sua elaboração pelo governo e apreciação pelo<br />

Congresso Nacional?


livRo bRANCo<br />

livros brancos (em inglês, “white papers”) fazem parte de<br />

um conjunto de livros coloridos que têm sido utilizados<br />

pelos governos dos regimes democráticos para expor e<br />

realizar consult<strong>as</strong> a setores da sociedade sobre su<strong>as</strong> idei<strong>as</strong>,<br />

planos e intenções. Muito utilizados, especialmente<br />

pelos governos europeus, eles são reconhecidos como<br />

documentos oficiais de governo que abordam um determinado<br />

problema e informam como ele será enfrentado. Tratam,<br />

geralmente, de problem<strong>as</strong> políticos ou econômicos.<br />

<strong>Há</strong> livros brancos que abordam problem<strong>as</strong> de defesa, m<strong>as</strong>,<br />

também, de <strong>as</strong>suntos internacionais, de negócios, de tecnologia,<br />

de saúde, de educação e outros. Historicamente, têm valor<br />

mais acentuado: o Livro Branco de Churchill, de 1922,<br />

e o Livro Branco, de 1939, ingleses, que abordam o<br />

problema de ocupação da Palestina pelos judeus; o<br />

Livro Branco sobre Empregos, de 1945, da Austrália,<br />

reconhecendo a obrigação do Estado de garantir<br />

empregos à população; o Livro Branco de Defesa<br />

do Reino Unido, de 1957, redefinindo su<strong>as</strong> necessidades<br />

da defesa; e o Livro Branco de Defesa do<br />

Canadá, de 1964, que unificou e modernizou <strong>as</strong><br />

Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> daquele país.<br />

Os livros verdes (“green papers”), que<br />

têm sido publicados mais frequentemente,<br />

são também chamados “documentos de<br />

consulta” e utilizados para propor uma<br />

estratégia ou mostrar <strong>as</strong> intenções do<br />

governo, visando à obtenção de pareceres<br />

e o retorno da opinião pública. Por<br />

exemplo, na União Europeia, os mais<br />

recentes Livros Verdes, publicados em<br />

2010 e 2011, consultam a sociedade<br />

sobre tem<strong>as</strong> como a modernização<br />

da política de compr<strong>as</strong>, a redução<br />

da burocracia para os cidadãos, o<br />

aumento da eficiência do sistema<br />

de arrecadação, <strong>as</strong> compr<strong>as</strong> de<br />

governo por meio eletrônico e o<br />

desenvolvimento sustentável.<br />

Livros de outr<strong>as</strong> colorações,<br />

como preto e azul,<br />

são eventualmente criados<br />

para atender a diferentes<br />

propósitos.<br />

livRo bRANCo<br />

DE DEFESA<br />

Os Livros Brancos de Defesa oferecem, em geral, uma avaliação<br />

estratégica do ambiente de defesa e segurança de um Estado,<br />

apontam a capacidade desejada para su<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> e definem<br />

<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> em que el<strong>as</strong> podem ser chamad<strong>as</strong> a intervir. No<br />

presente, vários países europeus, <strong>as</strong>iáticos e africanos já elaboraram<br />

e publicaram seus Livros Brancos de Defesa.<br />

N<strong>as</strong> Améric<strong>as</strong>, o incentivo para a elaboração desses livros partiu<br />

do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos.<br />

Ouvindo a Comissão de Segurança Hemisférica, o Conselho editou<br />

uma Resolução 5 adotando diretrizes para a elaboração dos livros e<br />

instando os Estados membros a implementá-l<strong>as</strong>.<br />

A resolução identifica a elaboração desses livros como um<br />

“mecanismo útil de fortalecimento da confiança e da segurança<br />

no Hemisfério” e considera sua preparação como um exercício<br />

fundamental de democracia, ao requerer extensa cooperação entre<br />

civis e militares. O livro elaborado por cada Estado membro oferecerá<br />

aos demais a visão de seus governos a respeito da própria<br />

defesa. Para sua sociedade, descreverá o contexto amplo de política<br />

e estratégia, refletindo o papel d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> de defesa no conjunto d<strong>as</strong><br />

prioridades nacionais.<br />

Mesmo reconhecendo não ser viável estabelecer um formato<br />

padrão para os Livros Brancos de Defesa, devido aos diferentes<br />

contextos históricos, geográficos, culturais, políticos e fiscais que influenciam<br />

cada país, a resolução sugere que eles contenham alguns<br />

itens comuns. Os Estados membros concordaram em incluir, em<br />

seus livros, artigos sobre política e doutrina de defesa, capacidades<br />

e padrões de desempenho d<strong>as</strong> FFAA, questões orçamentári<strong>as</strong> e de<br />

recursos e estrutura militar de defesa.<br />

Vários países americanos já produziram e publicaram seus Livros<br />

Brancos de Defesa, entre os quais a Argentina, o Canadá, o Chile, o<br />

Peru, a Nicarágua e a Guatemala.<br />

o livRo bRANCo DE DEFESA NACioNAl<br />

A Câmara aprovou, em março de 2010, o Projeto de Lei Complementar<br />

(PLP) n o 543/09, do Executivo, que se tornou a Lei Complementar<br />

n° 136. Ela promove alterações na Lei Complementar n°<br />

22 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 23<br />

97, de 1999, cria o Estado-Maior Conjunto d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> e<br />

determina a elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional.<br />

No §1° de seu art. 9°, a LC n o 136 define o Livro Branco de Defesa<br />

Nacional como um “documento de caráter público, por meio do qual<br />

se permitirá o acesso ao amplo contexto da Estratégia de Defesa<br />

Nacional, em perspectiva de médio e longo prazos, que viabilize<br />

o acompanhamento do orçamento e do planejamento plurianual<br />

relativos ao setor”, e estabelece que compete ao ministro de Estado<br />

da Defesa a sua implantação.<br />

O §2° determina que o Livro Branco de Defesa Nacional<br />

contenha dados estratégicos, orçamentários, institucionais e<br />

materiais detalhados sobre <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>, abordando os<br />

seguintes tópicos:<br />

I – cenário estratégico para o século XXI;<br />

II – política nacional de defesa;<br />

III – estratégia nacional de defesa;<br />

IV – modernização d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>;<br />

V – racionalização e adaptação d<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong><br />

de defesa;<br />

VI – suporte econômico da defesa nacional;<br />

VII – <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>: Marinha, Exército<br />

e Aeronáutica; e<br />

VIII –- operações de paz e ajuda humanitária.<br />

E o §3° recomenda que o Poder Executivo<br />

encaminhe à apreciação do Congresso Nacional,<br />

na primeira metade de cada sessão<br />

legislativa ordinária, de quatro em quatro<br />

anos, a partir de 2012, os seguintes documentos,<br />

devidamente atualizados:<br />

• a Política de Defesa Nacional,<br />

que fixa princípios, conceitos e<br />

objetivos;<br />

• a Estratégia Nacional de Defesa,<br />

que trata de questões institucionais,<br />

da organização d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong><br />

Armad<strong>as</strong> e dos meios para fazer<br />

com que a nação participe da<br />

defesa; e<br />

• o Livro Branco de Defesa<br />

Nacional, que promove<br />

a divisão de responsabilidades<br />

entre o Executivo<br />

e o Legislativo e transforma<br />

a estratégia de<br />

defesa nacional em<br />

<strong>as</strong>sunto de Estado.<br />

O encaminhamento<br />

simultâneo desses três importantes documentos implica<br />

que eles serão integrados e coerentes entre si.<br />

Em cumprimento à recomendação do Legislativo, a presidente<br />

da República determinou, em fevereiro de 2011, a elaboração do<br />

Livro Branco de Defesa Nacional. O trabalho ficará sob a responsabilidade<br />

do Ministério da Defesa, deverá conter os dados especificados<br />

na LC n o 136 e observar, como diretrizes: o incentivo a pesquis<strong>as</strong><br />

e estudos; a realização de parceri<strong>as</strong> com instituições públic<strong>as</strong> e<br />

privad<strong>as</strong>; e a integração da ação governamental. 6<br />

Para tanto, foi instituído o “Grupo de Trabalho Interministerial<br />

do Livro Branco de Defesa Nacional”, integrado por representantes<br />

de 11 órgãos do governo federal e presidido pelo representante do


Ministério da Defesa. Como esperado, participarão do Grupo de<br />

Trabalho representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia, do<br />

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Fazenda, da Justiça,<br />

do Planejamento, Orçamento e Gestão, d<strong>as</strong> Relações Exteriores,<br />

da secretari<strong>as</strong> de Assuntos Estratégicos e do Gabinete de Segurança<br />

Institucional. Para surpresa de alguns, foram também incluídos<br />

representantes do Ministério da Integração Regional e da Secretaria<br />

de Direitos Humanos da Presidência da República, que, certamente,<br />

muito contribuirão para a legitimidade do produto final.<br />

Interessante registrar a autorização para que a presidência<br />

do Grupo de Trabalho convide representantes de outros órgãos e<br />

entidades da administração pública e da sociedade para participar<br />

de su<strong>as</strong> atividades. Entre esses, espera-se que sejam convidad<strong>as</strong><br />

entidades representativ<strong>as</strong> dos setores acadêmicos, científicos, de<br />

comunicações, logísticos e industriais do país. Certamente os<br />

centros de estudos estratégicos e <strong>as</strong> <strong>as</strong>sociações de cl<strong>as</strong>se terão<br />

muito a contribuir, como a Associação Br<strong>as</strong>ileira d<strong>as</strong> Indústri<strong>as</strong><br />

de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), a Associação d<strong>as</strong><br />

Indústri<strong>as</strong> Aeroespaciais do Br<strong>as</strong>il (Aiab), a Confederação Nacional<br />

da Indústria (CNI), <strong>as</strong> federações estaduais d<strong>as</strong> indústri<strong>as</strong>,<br />

como a Fiesp, a Firjan, a Firgs, e outr<strong>as</strong>.<br />

CoNSEQuêNCiAS<br />

O art. 21, item III, da Constituição Federal estabelece que<br />

“compete à União <strong>as</strong>segurar a defesa nacional”. A defesa nacional<br />

é, portanto, uma responsabilidade de todos. A elaboração do<br />

Livro Branco de Defesa e seu encaminhamento à apreciação do<br />

Congresso Nacional, como determina a LC n° 136, traz, como<br />

primeira e mais importante consequência, o compartilhamento<br />

da responsabilidade sobre a defesa do país entre Executivo e<br />

Legislativo. Garante que a estratégia de defesa nacional se<br />

torne, como é devido, <strong>as</strong>sunto de Estado, e não apen<strong>as</strong> de um<br />

ou outro governo.<br />

Todo o processo de preparação do livro, por promover extensa<br />

cooperação entre representantes civis e militares de diversos setores<br />

da sociedade, contribuirá para uma ampla conscientização a<br />

respeito da missão e do valor d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>, e conferirá maior<br />

legitimidade à política de defesa nacional.<br />

Uma consequência em nível internacional, apontada pelo Conselho<br />

Permanente da Organização dos Estados Americanos, é que<br />

a elaboração e a troca de informações sobre polític<strong>as</strong> e doutrin<strong>as</strong><br />

de defesa nacional contribuirão para o fortalecimento da confiança<br />

e da segurança no hemisfério.<br />

A visão do Congresso está espelhada no seguinte texto: “a apreciação<br />

periódica pelo Parlamento dará a este a responsabilidade que<br />

o Legislativo deve ter em questões dessa magnitude, fortalecendo<br />

o papel do Congresso Nacional. É preciso que o Poder Legislativo<br />

participe do debate dos tem<strong>as</strong> que se relacionam intimamente à<br />

própria manutenção do Estado br<strong>as</strong>ileiro”. 7<br />

Consideremos, também, que o Livro Branco de Defesa Nacional<br />

será um permanente instrumento de prestação de cont<strong>as</strong>. Para tanto,<br />

a política e os objetivos constantes do livro deverão ser enunciados<br />

com clareza e precisão, e os recursos colocados à disposição d<strong>as</strong><br />

forç<strong>as</strong> de defesa terão que alcançar níveis coerentes. Isso tornará<br />

o Ministério da Defesa e <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> responsáveis pelos<br />

objetivos declarados, m<strong>as</strong>, também, os capacitará a defender seus<br />

pedidos plurianuais de recursos orçamentários, como necessários<br />

ao cumprimento da política de defesa enunciada.<br />

CoNCluSão<br />

A elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional pelo Executivo,<br />

e sua posterior apreciação pelo Legislativo, se tornará um autêntico<br />

exercício de democracia no Br<strong>as</strong>il. Esse livro, de fundamental<br />

importância, oferecerá à sociedade uma visão ampla do governo e<br />

do Congresso a respeito da defesa do país. A consulta aos diversos<br />

setores representativos da sociedade será imperativa, para conferir<br />

maior legitimidade à política de defesa nacional.<br />

24 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 25<br />

Not<strong>as</strong><br />

A análise d<strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong> apontad<strong>as</strong><br />

no item anterior mostra que a elaboração<br />

do Livro Branco de Defesa Nacional será<br />

benéfica aos militares e a todos os cidadãos<br />

br<strong>as</strong>ileiros. Esse livro tornar-se-á o esperado<br />

guia para orientar aqueles que se preocupam<br />

honestamente com a defesa do Br<strong>as</strong>il. Sem<br />

dúvida, devemos oferecer nossa contribuição<br />

e empenhar nossos esforços para que<br />

esse trabalho seja realizado com a melhor<br />

qualidade possível.<br />

Finalmente, lembremos que o Livro<br />

Branco de Defesa Nacional, pronto e aprovado,<br />

tornar-se-á um valioso instrumento de<br />

planejamento e acompanhamento, ao cobrar<br />

a consecução dos objetivos declarados e ao<br />

exigir a colocação dos recursos necessários<br />

à disposição d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> de defesa.<br />

(1) Lei Complementar n° 136, de 25 de agosto de 2010, que altera a<br />

Lei Complementar n° 97, de 9 de junho de 1999.<br />

(2) Decreto n° 5.484, de 30 de junho de 2005.<br />

(3) Decreto n° 6.703, de 18 de dezembro de 2008.<br />

(4) Decreto n° 7.483, de 11 de fevereiro de 2011.<br />

(5) Resolução CP/RES. 829 (1342/02), de 6 de novembro de 2002.<br />

(6) Decreto n° 7.483, de 11 de fevereiro de 2011.<br />

(7) Justificação do PLP-n o 547/2009, de autoria do deputado Raul<br />

Jungmann, em 10 de dezembro de 2009.


defesa<br />

A EStRAtÉgiA DE DEFESA<br />

E o<br />

CapiTão-de-Mar-e-guerra-en/reF<br />

anTonio didier vianna<br />

Engenheiro Nuclear/PhD<br />

Com o surgimento dos campos produtores dos reservatórios do pré-sal, o problema da proteção<br />

dess<strong>as</strong> nov<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> se tornou extremamente complexo. O pré-sal br<strong>as</strong>ileiro ficou na dependência da<br />

soberania do país, <strong>as</strong>sunto que envolve tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> forç<strong>as</strong> viv<strong>as</strong> da Nação na construção de estratégi<strong>as</strong>,<br />

meios e envolvimento de toda a sociedade para garantir o produto e a posse dess<strong>as</strong> jazid<strong>as</strong>. O Br<strong>as</strong>il<br />

tem uma posição muito forte sobre ess<strong>as</strong> jazid<strong>as</strong>, uma vez que foram descobert<strong>as</strong>, delimitad<strong>as</strong>, A<br />

Estratégia de Defesa Nacional em vigor, aprovada<br />

por Decreto n<br />

medid<strong>as</strong> e viabilizad<strong>as</strong> pela Petrobr<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> talvez não seja suficiente para garantir a plenitude do<br />

uso como único proprietário, exigindo outros enfoques, argumentos e posições e imposições.<br />

o PRÉ-SAl<br />

6.703, de 18/12/08, do governo,<br />

estampa na sua Introdução: “Se o Br<strong>as</strong>il quiser<br />

ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, precisará<br />

estar preparado para defender-se, não somente d<strong>as</strong><br />

agressões, m<strong>as</strong> também d<strong>as</strong> ameaç<strong>as</strong>. Vive-se em<br />

um mundo em que a intimidação tripudia sobre<br />

a boa-fé. Nada substitui o envolvimento do povo br<strong>as</strong>ileiro no<br />

debate e na construção de sua própria defesa.”<br />

Essa política foi estabelecida quando ainda inexistia definido o<br />

tamanho da riqueza do pré-sal. Agora não se pode perder tempo e<br />

<strong>as</strong> fati<strong>as</strong> dos royaltyes do Pré-sal<br />

25%<br />

ministério da ciência<br />

e tecnologia<br />

15%<br />

comando da marinha<br />

7,5%<br />

municípios afetados<br />

7,5%<br />

fundo especial distribuído<br />

22,5%<br />

estados produtores<br />

e confrontantes<br />

22,5%<br />

municípios produtores e confrontantes<br />

26 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 27<br />

estar cada vez mais preparados para repelir <strong>as</strong> ameaç<strong>as</strong> de exploração<br />

externa dessa nossa riqueza que breve surgirão, pois teremos<br />

a ganância financeira generalizada acrescida d<strong>as</strong> necessidades<br />

estratégic<strong>as</strong> da energia do petróleo que move o mundo atual e que<br />

está ficando cada vez mais esc<strong>as</strong>sa nos países dominantes. Como<br />

a construção dessa defesa é um processo contínuo e permanente,<br />

é preciso manter nossa sociedade informada de modo a obter a<br />

participação do povo nos processos desse desenvolvimento e se<br />

necessário no engajamento direto n<strong>as</strong> ações.<br />

O Congresso Nacional colocou sob responsabilidade da Marinha<br />

a fiscalização e a proteção d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de produção offshore e destinou<br />

parcela fixa dos royalties da produção de petróleo dess<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> como<br />

recursos adequados para isso.<br />

A fiscalização foi organizada pela Marinha em cooperação com o<br />

Ibama e tem sido realizada com eficiência em caráter permanente.<br />

A Petrobr<strong>as</strong> que opera a qu<strong>as</strong>e totalidade d<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> offshore<br />

tem priorizado investimentos para que su<strong>as</strong> equipes de operação d<strong>as</strong><br />

plataform<strong>as</strong> possam garantir plena execução d<strong>as</strong> leis ambientais.<br />

Entretanto, a PROTEÇÂO, converteu-se num problema crucial.<br />

Atentar para o seguinte: <strong>as</strong> reserv<strong>as</strong> descobert<strong>as</strong> do pré-sal<br />

dividem-se em três áre<strong>as</strong> marítim<strong>as</strong> bem distint<strong>as</strong>.<br />

1. Mar territorial br<strong>as</strong>ileiro – sem problem<strong>as</strong>. Aceitação internacional<br />

do domínio br<strong>as</strong>ileiro sobre ess<strong>as</strong> áre<strong>as</strong>.<br />

2. Zona econômica exclusiva (ZEE). Essa zona vai até o limite de<br />

200 milh<strong>as</strong> náutic<strong>as</strong> (cerca de 370 km) além do mar territorial. As<br />

norm<strong>as</strong> de exploração dessa região estão fixad<strong>as</strong> na Convenção d<strong>as</strong><br />

Nações Unid<strong>as</strong> sobre o Direito do Mar de 1982. No entanto cerca de<br />

40 nações não <strong>as</strong>sinaram ou ratificaram a convenção, aí incluídos os<br />

EUA e a Venezuela. Nessa zona é que está a maior parte d<strong>as</strong> reserv<strong>as</strong><br />

do pré-sal. O Itamaraty deveria pressionar a presidente Dilma para<br />

conseguir que o presidente Chávez da Venezuela ratifique essa<br />

convenção. Eliminaria um próximo da área e ativo em petróleo.<br />

3. Mar internacional – há uma faixa da reserva do pré-sal localizada<br />

na área de mar internacional. Essa faixa está sendo reivindicada<br />

pelo Br<strong>as</strong>il de acordo com o dispositivo do tratado que garante aos<br />

países direito sobre sua “plataforma continental”. Foi requerido à<br />

ONU o direito sobre 960 mil km² de plataforma continental em 2004,<br />

m<strong>as</strong> ainda não houve definição. Portanto essa parcela d<strong>as</strong> reserv<strong>as</strong><br />

do pré-sal situad<strong>as</strong> no mar internacional, ainda é “patrimônio da<br />

humanidade”. Deverá ser atuação prioritária de noss<strong>as</strong> Relações<br />

Exteriores a obtenção da aprovação dessa nossa pretensão.<br />

Pela Lei n o 9.478/97 – conhecida como Lei do Petróleo, o<br />

Congresso Nacional determinou, no seu artigo 49, que a parcela<br />

do valor do royalty que exceder a 5% da produção terá a seguinte<br />

distribuição (ver Lei n o 10.261/01):<br />

I – quando a lavra ocorrer em terra;<br />

II – quando a lavra ocorrer na plataforma continental (offshore)<br />

a) 22,5% aos estados produtores confrontantes;<br />

b) 22,5% aos municípios produtores confrontantes;<br />

c) 15% ao Comando da Marinha para atender aos encargos de<br />

fiscalização e proteção d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de produção;<br />

d) 7,5% aos municípios que sejam afetados pel<strong>as</strong> operações de<br />

embarque e desembarque de petróleo e gás natural;<br />

e) 7,5% para constituição de um fundo especial a ser distribuído<br />

entre todos os estados, territórios e municípios;<br />

f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar<br />

program<strong>as</strong> de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento<br />

tecnológico relacionados ao produto.<br />

O país <strong>as</strong>sistiu no Congresso e na mídia a uma demonstração<br />

pública de cobiça generalizada pelo dinheiro dos royalties não


Unidade de produção de p<strong>as</strong>tilh<strong>as</strong> da fábrica de combustível nuclear da INB<br />

somente pelo que seria gerado pelo pré-sal, m<strong>as</strong> também pelo que<br />

está sendo produzido pel<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> existentes com destinações<br />

especific<strong>as</strong> já estabelecid<strong>as</strong> pelo Congresso Nacional através da Lei<br />

do Petróleo. Essa cobiça que faz parte da mente do ser humano,<br />

não é só de políticos br<strong>as</strong>ileiros, m<strong>as</strong> também de nações que desde<br />

que existem procuram saquear os mais fracos e também dos pirat<strong>as</strong><br />

que sempre povoaram os mares do mundo.<br />

Como a riqueza do pré-sal é muito grande e será explorada pelos<br />

próximos 80 anos, é preciso concentrar recursos para progressivamente<br />

adequar noss<strong>as</strong> defes<strong>as</strong> e construir um aparato de dissu<strong>as</strong>ão<br />

para impedir que ess<strong>as</strong> cobiç<strong>as</strong>, inclusive dos br<strong>as</strong>ileiros inescrupulosos,<br />

venham desviar e perturbar a utilização dos benefícios que<br />

advirão dessa exploração pela sociedade br<strong>as</strong>ileira.<br />

É óbvio que, antes de se falar em royalties do pré-sal, isto é,<br />

do lucro líquido da exploração, é preciso garantir abrangência e<br />

independência para administrar e gerar recursos para desenvolver<br />

os campos, o que permitirá essa exploração. Os royalties são consequência<br />

de empreendimento bem-sucedido. A prioridade tem<br />

que ser focada no planejamento e nos recursos para viabilizar esse<br />

empreendimento e, paralelamente, com a mesma determinação,<br />

como protegê-lo da cobiça externa. Essa é uma riqueza excepcional<br />

e o país precisa aglutinar competênci<strong>as</strong> para fazer um planejamento<br />

cuidadoso e sem pressa para ir desenvolvendo os campos paralelamente<br />

com os recursos financeiros, de pessoal qualificado, de<br />

equipamentos e sistem<strong>as</strong> de segurança operacional para garantir a<br />

produção contínua desse petróleo sem des<strong>as</strong>tres como o do Golfo<br />

do México que podem consumir os royalties.<br />

Temos observado a pressa com a intenção de utilização d<strong>as</strong><br />

providênci<strong>as</strong> sobre o pré-sal em ativo político, visando vantagens<br />

de imagem para <strong>as</strong> eleições de outubro de 2010. Por favor, se<br />

“<br />

o br<strong>as</strong>il dispõe de<br />

completo domínio do<br />

ciclo de combustível nuclear.<br />

Produz seu próprio urânio<br />

e <strong>as</strong> centrífug<strong>as</strong> para<br />

enriquecimento.<br />

“<br />

abstenham desse desserviço ao país. Deixem o grupo competente<br />

trabalhar, sem pressões polític<strong>as</strong> e de pressa, para construir condições<br />

para nossa sociedade beneficiar-se continuamente e com<br />

segurança dess<strong>as</strong> riquez<strong>as</strong>.<br />

O que vimos no Congresso na cobiça pelos royalties foi uma<br />

demonstração do desvario de desqualificados querendo se apropriar<br />

indebitamente dos ganhos dos outros sem terem executado<br />

qualquer trabalho ou contribuição para criação daquel<strong>as</strong> riquez<strong>as</strong>.<br />

Quem não tem competência para gerar riquez<strong>as</strong>, também não<br />

tem para g<strong>as</strong>tá-l<strong>as</strong>. È preciso isolar essa turma de insensatos, do<br />

planejamento e execução do pré-sal.<br />

Embora não tenha sido divulgada para a sociedade, por não<br />

termos essa cultura nos governos, o Ministério da Defesa tem atuado<br />

para fortalecer nossa soberania. O país tem hoje uma “Estratégia<br />

de Defesa” muito bem costurada e tornada pública por decreto<br />

do presidente da República. Paralelamente está implantando o ali<br />

estabelecido dentro dos limites de recursos do governo.<br />

Por exemplo, o melhor meio de dissu<strong>as</strong>ão contra pirat<strong>as</strong> ou<br />

ações semelhantes é a disponibilidade de submarinos nucleares.<br />

Esses são os únicos que podem negar os mares a qualquer inimigo.<br />

Foi <strong>as</strong>sinado um acordo com o governo francês para completar o<br />

desenvolvimento do submarino nuclear br<strong>as</strong>ileiro e toda a infraestrutura<br />

de suporte de nossa flotilha de submarinos. O programa<br />

tem financiamento do governo francês e está em plena execução.<br />

Os royalties destinados em lei do Congresso para a Marinha são<br />

suficientes para pagar todo esse programa, desde que liberados<br />

para esse fim. Não precisa depender do Tesouro, nem do orçamento<br />

anual da República votado pelos congressist<strong>as</strong>. B<strong>as</strong>ta cumprir o<br />

que já foi transformado em lei pelo Congresso. Evita-se <strong>as</strong>sim o<br />

que aconteceu com Angra 3 que teve paralisada sua obra por 20<br />

anos e o próprio Programa Nuclear da Marinha cujo projeto do seu<br />

submarino nuclear ficou no limbo por 10 anos.<br />

O Congresso está discutindo agora a cobiça pelos royalties, entretanto<br />

é importantíssimo manter o royalty destinado a proteger <strong>as</strong><br />

áre<strong>as</strong> do pré-sal que o Congresso atribuiu à Marinha como condição<br />

para que a Marinha possa desenvolver os meios de dissu<strong>as</strong>ão que<br />

fortalecerão nossa soberania e protegerão noss<strong>as</strong> jazid<strong>as</strong>.<br />

O Ministério da Defesa está também no processo de aquisição de<br />

um grupo de aviões de caça e de transporte de pessoal e material para<br />

suportar nossa Estratégia de Defesa. Ess<strong>as</strong> ações fortalecem a nossa<br />

soberania e essa cobertura aérea é também necessária à proteção<br />

d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> do pré-sal. Desenvolver <strong>as</strong> ações previst<strong>as</strong> na Estratégia<br />

Nacional de Defesa são vitais para ir construindo o reforço contínuo<br />

da soberania nacional, b<strong>as</strong>e para qualquer tipo de enfrentamento.<br />

O Br<strong>as</strong>il dispõe de completo domínio do ciclo de combustível<br />

Projeto de<br />

um submarino<br />

nuclear<br />

28 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 29<br />

“<br />

Nossa Constituição proíbe o<br />

uso de arm<strong>as</strong> nucleares.<br />

É bom que fique bem claro<br />

que o br<strong>as</strong>il não fabrica bomb<strong>as</strong> atômic<strong>as</strong><br />

por decisão própria do seu povo e do seu<br />

Congresso, m<strong>as</strong> não ameacem a nossa<br />

soberania, pois é possível o Congresso<br />

Nacional reverter essa posição.<br />

“<br />

nuclear. Produz seu próprio urânio e <strong>as</strong> centrífug<strong>as</strong> para enriquecimento.<br />

Como o tratado de não proliferação (TNP) permite<br />

o enriquecimento até 20% por qualquer país, esse foi o escolhido<br />

para utilização nos submarinos nucleares da Marinha, que não são<br />

considerados arm<strong>as</strong> nucleares. Nossa Constituição proíbe o uso<br />

de arm<strong>as</strong> nucleares. É bom que fique bem claro que o Br<strong>as</strong>il não<br />

fabrica bomb<strong>as</strong> atômic<strong>as</strong> por decisão própria do seu povo e do seu<br />

Congresso, m<strong>as</strong> não ameacem a nossa soberania, pois é possível o<br />

Congresso Nacional reverter essa posição.<br />

O Ministério da Defesa negou a imposição americana para que<br />

proibíssemos a divulgação do livro Física dos explosivos nucleares<br />

do Dr. Dalton Barroso do Instituto Militar de Engenharia (IME). Lá<br />

estão didaticamente descritos todos os detalhes físicos e técnicos<br />

para a construção dos diferentes artefatos nucleares. É também um<br />

reforço para dissu<strong>as</strong>ão saberem que o Br<strong>as</strong>il dispõe de competência<br />

e instalações para tornar a matéria-prima disponível e desenvolver<br />

a bomba atômica. Foi positiva a posição do ministro da Defesa. É<br />

preciso ser direto e intransigente quando afeta nossa soberania. É<br />

bom que o mundo fique consciente do que já foi exposto. Precisamos<br />

ser respeitados, pois isso ajuda a dissu<strong>as</strong>ão.<br />

Os militares não desenvolveram cultura de marketing, <strong>as</strong>sunto<br />

inexistente nos currículos de su<strong>as</strong> escol<strong>as</strong>. No mundo moderno, o<br />

marketing tem força de persu<strong>as</strong>ão que muit<strong>as</strong> vezes faz reverter<br />

até conceitos arraigados n<strong>as</strong> sociedades. Substitui a espionagem<br />

e <strong>as</strong> atividades de quint<strong>as</strong>-colun<strong>as</strong>, forç<strong>as</strong> da época d<strong>as</strong> guerr<strong>as</strong><br />

do século p<strong>as</strong>sado. Com a internet cada vez mais generalizada, o<br />

marketing se converteu no vetor estratégico de qualquer empreendimento.<br />

É preciso incorporá-lo em todos os procedimentos<br />

relativos à nossa Defesa. Assim estará sendo cumprido o que<br />

determina o decreto da Estratégia Nacional de Defesa, e é uma<br />

d<strong>as</strong> condições para o sucesso, pois coloca o povo e o Congresso<br />

participando do Programa de Defesa.


atividades navais<br />

CombAtE À<br />

o navio italiano<br />

achille lauro,<br />

sequestrado em 1985,<br />

por fundamentalist<strong>as</strong><br />

palestinos ligados<br />

a al fatah<br />

PiRAtARiA mARítimA E<br />

Ao tERRoRiSmo:<br />

CapiTão-de-Mar-e-guerra CarloS eduardo HorTa arenTZ<br />

mapa de atos de pirataria<br />

em 2009, mostrando o<br />

golfo de Aden, sul do<br />

estreito de ormuz parte<br />

do oceano índico<br />

(fonte: imb)<br />

Ataques reais<br />

tentativ<strong>as</strong> de ataque<br />

Embarcações<br />

suspeit<strong>as</strong><br />

sudão<br />

Mar<br />

vermelho<br />

Quênia<br />

rep. Unida<br />

da tanzânia<br />

somália<br />

oman<br />

<strong>Há</strong> <strong>algum<strong>as</strong></strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong>, o <strong>terrorismo</strong> <strong>enxergou</strong> <strong>as</strong> atividades<br />

marítim<strong>as</strong> como uma de su<strong>as</strong> possíveis áre<strong>as</strong> de atuação.<br />

O ano de 1985 marcou a história, quando o navio italiano<br />

Achille Lauro, um navio de p<strong>as</strong>sageiros, foi sequestrado<br />

por fundamentalist<strong>as</strong> palestinos ligados a Al Fatah (o braço<br />

armado da Organização para Libertação da Palestina – OLP).<br />

A partir dessa ocorrência, Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> de vários<br />

países iniciaram a preparação de unidades de operações<br />

especiais para se contrapor a essa nova ameaça,<br />

conduzindo treinamentos em navios, terminais portuários<br />

e plataform<strong>as</strong> de exploração de petróleo e gás.<br />

um NoVo<br />

Campo de<br />

atuação<br />

para <strong>as</strong><br />

operações<br />

espeCiais<br />

A<br />

pirataria marítima, comum nos séculos XVI e XVII, é<br />

outra atividade que vem impondo restrições à liberdade<br />

nos mares e causa grandes prejuízos ao comércio<br />

internacional. As som<strong>as</strong> demandad<strong>as</strong> nos resgates já<br />

ultrap<strong>as</strong>sam cifr<strong>as</strong> de milhões de dólares para cada<br />

ocorrência (no início de novembro de 2010, foi anunciado<br />

o pagamento de US$ 9,5 milhões, o maior resgate<br />

pago a pirat<strong>as</strong>, para reaver, um mês depois, o petroleiro sul-coreano<br />

sequestrado por pirat<strong>as</strong> somalis em abril). As segurador<strong>as</strong> aumentaram<br />

os valores cobrados, acarretando o incremento no custo dos<br />

fretes, sobretudo n<strong>as</strong> rot<strong>as</strong> mais vulneráveis. A Otan já mobiliza um<br />

esquema de comboio militar, visando proteger os navios mercantes<br />

que transportam ajuda alimentar à população da Somália.<br />

Nesse contexto, a costa da Somália tem chamado a atenção da<br />

comunidade internacional, pois vem sendo palco da ocorrência rotineira<br />

de ataques pirat<strong>as</strong> aos navios que navegam em su<strong>as</strong> cercani<strong>as</strong>,<br />

por onde p<strong>as</strong>sam <strong>as</strong> rot<strong>as</strong> que demandam o canal de Suez, golfo<br />

de Aden e boa parte do transporte oriundo do estreito de Ormuz.<br />

Cerca de 52% dos ataques pirat<strong>as</strong> registrados pelo International<br />

Maritime Bureau (IMB) ocorreram na região do chamado “Chifre<br />

da África”. Dos ataques efetivamente consumados, 42% se deram<br />

contra navios em movimento, havendo registros de ataques conduzidos<br />

a 970 milh<strong>as</strong> náutic<strong>as</strong> a leste de Mogadishu, o que denota a<br />

estrutura de meios marítimos de que podem dispor esses atacantes<br />

e sua capacidade de atuação.<br />

NaVais?<br />

os seal teams<br />

30 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 31<br />

Este artigo busca expor como os EUA se estruturaram para reagir<br />

às ameaç<strong>as</strong> representad<strong>as</strong> pelo <strong>terrorismo</strong> e pela pirataria marítima,<br />

por meio d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> de operações especiais, particularmente os<br />

mergulhadores de combate da Marinha norte-americana, conhecidos<br />

pela sigla SEAL. (1)<br />

A análise realizada apresenta um panorama sumário acerca da<br />

estrutura operacional dos SEALs e <strong>as</strong> alterações introduzid<strong>as</strong> após os<br />

ataques de 11 de setembro de 2001, destacando uma parcela do seu<br />

emprego atual: o combate à pirataria marítima e ao <strong>terrorismo</strong>.<br />

No final do texto, é apresentada uma breve comparação entre os<br />

SEALs e os mergulhadores de combate (MEC) da Marinha do Br<strong>as</strong>il.<br />

Estrutura dos SEAl teams<br />

Os SEAL Teams são <strong>as</strong> unidades operacionais dos mergulhadores<br />

de combate norte-americanos. El<strong>as</strong> são subordinad<strong>as</strong> ao <strong>Naval</strong><br />

Special Warfare Command (NSWC), que é o componente marítimo<br />

vinculado ao United States Special Operations Command (SOCOM),<br />

por sua vez, ligado diretamente ao Ministério da Defesa (Departament<br />

of Defense – DoD).


O <strong>Naval</strong> Special Warfare Command concentra cerca de 2 mil<br />

militares SEAL e qu<strong>as</strong>e o dobro, quando contabilizados o pessoal de<br />

apoio e staff, distribuídos em cinco grandes Comandos (<strong>Naval</strong> Special<br />

Warfare Groups – NSWG). Existem oito SEAL Teams subordinados<br />

aos NSWG, possuindo, cada um, cerca de 130 militares SEAL, além da<br />

unidade SEAL que opera os veículos minissubmarinos (SEAL Delivery<br />

Vehicle Teams – SDVT) e d<strong>as</strong> unidades que operam <strong>as</strong> embarcações<br />

especiais utilizad<strong>as</strong> pelos SEALs (Special Boat Teams).<br />

Minissubmarino sdv (seal delivery vehicle Mk-8). como não havia<br />

informação precisa se <strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> de petróleo Kaaot e Mabot possuíam<br />

algum sistema radar capaz de detectar embarcações na superfície, a coleta<br />

de dados de inteligência foi conduzida por meio dos sdv<br />

<strong>Há</strong> ainda o SEAL Team 6, oficialmente extinto em 1987, tendo<br />

sido reconfigurado, p<strong>as</strong>sando a denominar-se DEVGRU ou NSWDG<br />

(United States <strong>Naval</strong> Special Warfare Development Group), sendo encarregado<br />

d<strong>as</strong> ações contraterrorist<strong>as</strong> em ambiente marítimo. É uma<br />

d<strong>as</strong> unidades mais sigilos<strong>as</strong> d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> norte-american<strong>as</strong>,<br />

ao lado da Força Delta, do Exército.<br />

A mudança: 11 de setembro de 2001<br />

Uma d<strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong> dos ataques terrorist<strong>as</strong> de 11 de setembro<br />

foi a alteração da configuração do emprego operativo dos SEALs,<br />

em combate, sobretudo com relação ao apoio tático e logístico e<br />

ao comando e controle. O novo conceito p<strong>as</strong>sou a adotar o préposicionamento<br />

(deployment) de um SEAL Team inteiro, reforçado<br />

por destacamentos de outr<strong>as</strong> unidades. Essa estrutura de combate<br />

foi denominada de Esquadrão de Mergulhadores de Combate (<strong>Naval</strong><br />

Special Warfare Squadron). Além dos SEALs, ela conta também com<br />

<strong>as</strong> embarcações de operações especiais, minissubmarinos e desativadores<br />

de artefatos explosivos. Esses esquadrões são normalmente<br />

adjudicados a Forç<strong>as</strong>-Taref<strong>as</strong> Conjunt<strong>as</strong> de OpEsp.<br />

Antes de 11 de setembro de 2001, os SEALs atuavam estritamente<br />

em ambiente marítimo e ribeirinho. Após os ataques, os<br />

SEALs p<strong>as</strong>saram a conduzir também outr<strong>as</strong> taref<strong>as</strong> de operações<br />

especiais, inclusive em ambientes puramente terrestres, como reconhecimentos<br />

estratégicos e ações cirúrgic<strong>as</strong> envolvendo confronto<br />

direto com trop<strong>as</strong> inimig<strong>as</strong>.<br />

Controle de área marítima,<br />

combate à pirataria marítima e defesa d<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> de petróleo<br />

Como sucessão aos ataques de 11 de setembro, divers<strong>as</strong> ações de<br />

abordagens, forçad<strong>as</strong> ou não, a navios suspeitos de terem ligações<br />

ou mesmo que estivessem conduzindo membros da Al-Qaeda foram<br />

realizad<strong>as</strong> pela parcela dos SEALs que se encontrava pré-posicionada<br />

n<strong>as</strong> proximidades do golfo Pérsico. Outra importante tarefa desempenhada<br />

por esses militares foi o reconhecimento estratégico da área<br />

terrestre onde viria a ser posteriormente estabelecida a b<strong>as</strong>e de operações<br />

denominada Camp Rhino, a primeira b<strong>as</strong>e avançada estabelecida<br />

no Afeganistão, como parte da Operação Enduring Freedom.<br />

Durante <strong>as</strong> operações de interdição marítima (MIO) (2) realizad<strong>as</strong><br />

antes e durante a inv<strong>as</strong>ão do Iraque, os SEALs foram utilizados<br />

novamente para abordarem navios e investigarem a existência de<br />

membros da Al-Qaeda.<br />

Além disso, os SEALs conduziram ações de reconhecimento<br />

n<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> do canal que liga o porto de Um Q<strong>as</strong>r ao Golfo Pérsico,<br />

interceptando e capturando todos os navios e embarcações capazes<br />

de lançar min<strong>as</strong> de fundeio. A preocupação com esta ameaça era<br />

grande, uma vez que, di<strong>as</strong> antes da operação, o navio-patrulha USS<br />

Firebolt (PC 10), apreendeu 86 min<strong>as</strong> que estavam sendo conduzid<strong>as</strong><br />

por uma chata na região.<br />

Os SEALs já haviam conduzido reconhecimentos estratégicos<br />

submersos n<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> do golfo Pérsico mesmo antes da inv<strong>as</strong>ão do<br />

Iraque, empregando os veículos submersíveis SDV, (3) lançados por<br />

uma embarcação de operações especiais Mk-V. As taref<strong>as</strong> atribuíd<strong>as</strong><br />

32 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 33<br />

sequestro<br />

do navio mercante<br />

Mv Maersk alabama<br />

lifeboat do<br />

Mv Maersk alabama<br />

saltando com<br />

paraqued<strong>as</strong> (sloP)<br />

a ess<strong>as</strong> equipes foram: realizar<br />

reconhecimentos hidrográficos<br />

submersos d<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> de<br />

petróleo Al B<strong>as</strong>rah (ou Mina Al-<br />

Bakr Oil Terminal – Mabot) e<br />

Khawr al-Amaya (ou Khor al-<br />

Amaya Oil Terminal – Kaaot). Os<br />

SEALs mergulharam por baixo<br />

d<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> e levaram vári<strong>as</strong><br />

hor<strong>as</strong> tirando fotografi<strong>as</strong> e coletando<br />

outros dados de inteligência<br />

sobre a estrutura, pontos de<br />

possível acesso, <strong>as</strong>sim como sobre<br />

a atividade e estado de alerta dos<br />

iraquianos. Posteriormente, uma<br />

força conjunta e combinada de US<br />

Navy SEALs foi formada para realizar<br />

a captura dess<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong>.<br />

Ela contava com os poloneses do<br />

GROM (Grupa Reagowania Operacyjno-Manewrowego<br />

– Grupo<br />

Operacional de Reação Rápida) e os fuzileiros britânicos, além dos<br />

helicópteros e embarcações empregados para a inserção.<br />

Mais recentemente, em abril de 2009, uma reação militar interrompeu<br />

uma investida pirata contra outro navio desarmado, agora<br />

no golfo de Aden, na costa da Somália. Tratou-se do sequestro do<br />

navio mercante norte-americano MV Maersk Alabama. No dia 8 de<br />

abril, quatro pirat<strong>as</strong> somalis, armados de fuzis AK-47, atacaram o<br />

navio, em águ<strong>as</strong> internacionais, a cerca de 350 milh<strong>as</strong> de distância<br />

da costa da Somália, mantendo o comandante como refém. O resgate<br />

exigido foi US$ 1 milhão. A Marinha norte-americana determinou<br />

ao contratorpedeiro USS Bainbridge que se desloc<strong>as</strong>se para a área,<br />

<strong>as</strong>sim como designou uma equipe SEAL para se encontrar com o<br />

navio. O encontro (rendezvouz) ocorreu após a equipe haver saltado<br />

com paraqued<strong>as</strong> (SLOP), (4) em pleno mar, no ponto previamente<br />

acertado com o navio. Com a recusa da cooperação por parte dos<br />

pirat<strong>as</strong> e considerando o risco a que estava submetido o comandante<br />

do navio, os atiradores de precisão SEALs aniquilaram os agentes<br />

adversos, possibilitando o resgate bem-sucedido do refém.


os mergulhadores de Combate do br<strong>as</strong>il<br />

No Br<strong>as</strong>il, a unidade que se equipara aos SEALs Teams é o<br />

Grupamento de Mergulhadores de Combate (GRUMEC). A implementação<br />

do mergulho de combate (MEC) na nossa Marinha foi<br />

iniciada há cerca de quatro <strong>décad<strong>as</strong></strong>, tendo sido possível devido aos<br />

conhecimentos adquiridos pelos oficiais e praç<strong>as</strong> que lograram<br />

êxito nos cursos de MEC realizados junto às Marinh<strong>as</strong> dos Estados<br />

Unidos da América e da França.<br />

Nossos Mergulhadores de Combate são especialmente selecionados<br />

e adestrados para atuarem em ambientes de risco elevado,<br />

empregando técnic<strong>as</strong> e métodos não convencionais, podendo ser<br />

o grupamento<br />

de Mergulhadores<br />

de combate<br />

(grUMec) em<br />

treinamento<br />

lançados por submarinos, navios, aviões etc. Entre a gama de<br />

equipamentos que utilizam estão vários tipos de equipamentos de<br />

mergulho, caiaques, lanch<strong>as</strong> de alta velocidade, embarcações pneumátic<strong>as</strong>,<br />

paraqued<strong>as</strong> e armamentos diversos. O GRUMEC realiza,<br />

também, a desativação de artefatos explosivos subaquáticos e possui<br />

Militares do<br />

gerr/Mec em<br />

adestramento<br />

de retomada<br />

e resgate<br />

34 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 35<br />

exímios atiradores de precisão (snipers).<br />

Nos anos iniciais, a atividade MEC no Br<strong>as</strong>il seguiu a doutrina<br />

desenvolvida na II Guerra Mundial, conflito em que os mergulhadores<br />

de combate de outr<strong>as</strong> Marinh<strong>as</strong> foram empregados realizando<br />

a colocação de explosivos n<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> viv<strong>as</strong> de navios inimigos. Nesse<br />

cruento combate eles também conduziram levantamentos hidrográficos<br />

d<strong>as</strong> prai<strong>as</strong> escolhid<strong>as</strong> para operações anfíbi<strong>as</strong>, demolindo<br />

os eventuais obstáculos existentes, de modo a prover melhores condições<br />

de abicagem para <strong>as</strong> embarcações e navios de desembarque.<br />

M<strong>as</strong>, ao longo dos anos, o GRUMEC incorporou nov<strong>as</strong> doutrin<strong>as</strong> e<br />

desenvolveu procedimentos próprios.<br />

Assim, devido às su<strong>as</strong> habilitações específic<strong>as</strong>, os Mergulhadores<br />

de Combate da Marinha do Br<strong>as</strong>il (MB) têm papel relevante n<strong>as</strong><br />

operações clássic<strong>as</strong> da guerra naval, <strong>as</strong>sim como no combate ao<br />

<strong>terrorismo</strong> e à pirataria em navios e instalações petrolífer<strong>as</strong>, entre<br />

outros delitos transfronteiriços atuantes no mar.<br />

Complementarmente, os Destacamentos de Abordagem do GRU-<br />

MEC vêm fazendo parte d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> navais, em apoio aos Grupos de<br />

Visita e Inspeção (GVI) dos nossos navios, contribuindo sobremaneira<br />

n<strong>as</strong> ações de fiscalização d<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> jurisdicionais br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> e n<strong>as</strong><br />

operações de controle de área marítima, atuando previamente aos<br />

GVI, em c<strong>as</strong>o de alvos não cooperativos ou potencialmente hostis.<br />

A MB conta também com o Grupo Especial de Retomada e<br />

Resgate do GRUMEC (GERR/MEC), voltado, desde a década de<br />

1980, para ações contra elementos adversos em ambiente marítimo,<br />

contribuindo para a proteção dos inúmeros terminais e plataform<strong>as</strong><br />

petrolífer<strong>as</strong> e navios na nossa Amazônia Azul.<br />

O GRUMEC é, portanto, uma importante parcela do Poder <strong>Naval</strong><br />

do Br<strong>as</strong>il, podendo ser empregado nos mais variados ambientes<br />

operacionais, em perfeita sintonia com <strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> do século XXI,<br />

em face de sua estrutura eficiente, de grande flexibilidade e agilidade<br />

de emprego em múltipl<strong>as</strong> taref<strong>as</strong>.<br />

Conclusão<br />

Os conflitos atuais e os delitos marítimos que transp<strong>as</strong>sam<br />

<strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> nacionais têm carreado <strong>as</strong> Marinh<strong>as</strong> de vários<br />

países desenvolvidos para <strong>algum<strong>as</strong></strong> transformações estruturais,<br />

como a dos Estados Unidos da América, visando responder<br />

adequadamente a tais ameaç<strong>as</strong>.<br />

A nação norte-americana, que representa, desde o esfacelamento<br />

da União Soviética, o principal poder militar estatal existente<br />

no mundo, capaz de atuar em vári<strong>as</strong> partes do planeta, conta com<br />

um conjunto de militares de sua<br />

lancha de<br />

operações especiais<br />

Mk-v, usada pelos<br />

seals<br />

Marinha, altamente selecionados<br />

e adestrados, contribuindo de<br />

forma relevante nessa empreitada:<br />

seus mergulhadores de<br />

combate – os SEALs.<br />

Tendo em vista o rigoroso<br />

processo de formação, o custobenefício<br />

compensador (5) e um<br />

razoável período de efetivação<br />

da qualificação operativa, (6)<br />

cabe ressaltar a importância<br />

que vem sendo dada a esses<br />

combatentes de elite, uma vez<br />

que forç<strong>as</strong> de operações especiais<br />

não são produzid<strong>as</strong> em<br />

m<strong>as</strong>sa, após um conflito haver<br />

surgido.


Nos combates mais recentes, os SEALs estão sendo empregados<br />

de forma conjunta com outr<strong>as</strong> trop<strong>as</strong> de operações especiais,<br />

inclusive estrangeir<strong>as</strong>, conduzindo reconhecimentos estratégicos<br />

terrestres ou submersos, realizando ações de busca e captura de<br />

membros da Al-Qaeda e su<strong>as</strong> célul<strong>as</strong> coirmãs, <strong>as</strong>salto tático a instalações,<br />

combate ao <strong>terrorismo</strong>, entre outr<strong>as</strong> taref<strong>as</strong>. Fora dos conflitos,<br />

eles vêm atuando, também, na repressão à pirataria marítima e aos<br />

outros crimes internacionais.<br />

O mundo globalizado, hoje, é multifacetado e o mar representa<br />

um de seus <strong>as</strong>pectos mais importantes, pois cerca de 90% do comércio<br />

mundial tem com força propulsora o transporte marítimo. O Br<strong>as</strong>il<br />

é igualmente dependente desse sistema, uma vez que 95% do nosso<br />

comércio internacional e cerca de 90% da produção de petróleo e gás<br />

natural são potenciais ligados ao mar. Com a perspectiva do pré-sal,<br />

estima-se que o Br<strong>as</strong>il será, em du<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong>, o 6º maior produtor de<br />

petróleo do mundo, o que já vem gerando grandes atenções, que por sua<br />

vez, tendem a aumentar <strong>as</strong> potencialidades de ataques externos, estatais<br />

ou não, c<strong>as</strong>o esteja vulnerável e não possa reagir ou se precaver.<br />

Nesse contexto, a Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada<br />

em 2008, traça os caminhos para o remodelamento d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong><br />

forç<strong>as</strong> de defesa. Na MB, concernente à END, faz-se destaque para<br />

a perspectiva da implementação do Sistema de Gerenciamento da<br />

Amazônia Azul (SisGAAz) que, em conjunto com os meios navais<br />

necessários, entre eles o GRUMEC, contará com uma infraestrutura<br />

de resposta adequada à vigilância, acompanhamento e reação às<br />

eventuais ameaç<strong>as</strong>.<br />

Particularmente ao Br<strong>as</strong>il, em cuj<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> jurisdicionais e leito<br />

marinho repousam imensos recursos vivos e não vivos, representando<br />

parcela significativa da economia nacional e um potencial<br />

marcante no cenário internacional, cabe prover-se de meios navais e<br />

estrutur<strong>as</strong> compatíveis com os interesses da nossa pátria. A Marinha<br />

vem buscando compor o arcabouço correspondente às necessidades<br />

afet<strong>as</strong> à defesa da nossa Amazônia Azul, estando o GRUMEC plenamente<br />

inserido neste contexto.<br />

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os seals em<br />

treinamento<br />

n<strong>as</strong> operações<br />

de interdição<br />

Marítima (Mio)<br />

seals<br />

embarcando em<br />

submarino, pelo<br />

método f<strong>as</strong>t rope,<br />

antes de seguirem<br />

para a área de<br />

operações<br />

36 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 37<br />

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Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2010.<br />

Not<strong>as</strong><br />

(1) Acrônimo de SEa, Air and Land, representando os ambientes<br />

operacionais em que podem operar.<br />

(2) Maritime Interdiction Operations – uma modalidade mais<br />

reativa d<strong>as</strong> Operações de Controle de Área Marítima.<br />

(3) SEAL Delivery Vehicle.<br />

(4) Salto Livre Operacional – SLOP, no qual os SEALs saltam<br />

com seu armamento, equipamento e, por vezes, também com<br />

embarcações.<br />

(5) Investimentos relativamente pequenos, comparados às forç<strong>as</strong><br />

convencionais, grande poder de destruição em alvos pontuais e<br />

possibilidade de mínima exposição política em certos c<strong>as</strong>os.<br />

(6) Cerca de dois a três anos.


ensaio<br />

ti<br />

tECNologiA DA<br />

INFORMAÇÃO<br />

uma síntese da participação dos<br />

oficiais da marinha na formação<br />

da sua b<strong>as</strong>e técnica no br<strong>as</strong>il<br />

anTônio Tângari FilHo<br />

introdução<br />

Neste século XXI a sigla TI aparece com frequência em<br />

textos de natureza não técnica, em revist<strong>as</strong>, jornais e<br />

program<strong>as</strong> de rádio e de TV.<br />

Leitores, ouvintes e telespectadores, não habituados<br />

aos jargões do ramo, antigamente chamados de “ibemês”,<br />

só ficam sabendo que se trata de tecnologia da<br />

informação, acompanhando a matéria até o final.<br />

De forma resumida, TI é o título que se dá ao conjunto: processamento<br />

de dados (ped); informática; teleprocessamento; banco de<br />

dados; processamento distribuído; acesso à internet; celulares.<br />

Muit<strong>as</strong> dess<strong>as</strong> técnic<strong>as</strong>, já existentes desde antes da metade do<br />

século XX combinad<strong>as</strong> ou isoladamente, são hoje fundamentais para<br />

praticamente tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, escol<strong>as</strong>, atividades de Estado, e<br />

até mesmo para o conforto dos nossos lares. Podemos dizer que se<br />

trata de um neologismo, para se referir às atividades de tratamento<br />

da informação. A criação de nov<strong>as</strong> expressões é muito comum, em<br />

se tratando de tecnologi<strong>as</strong> em permanente mutação. No presente<br />

ensaio serão mencionad<strong>as</strong> <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> denominações, ligad<strong>as</strong> ao contexto<br />

e época em que foram utilizad<strong>as</strong>, tod<strong>as</strong> el<strong>as</strong> nos remetendo<br />

ao termo atual, tecnologia da informação (TI).<br />

As famíli<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> têm cada vez mais acesso a microcomputadores<br />

desktops, laptops, e a modernos tablets, com muitos usuários<br />

domiciliares ligados à grande rede “internet”. Paralelamente, os<br />

governantes se esforçam em m<strong>as</strong>sificar o uso da tecnologia, com<br />

program<strong>as</strong> do tipo “Internet para Todos”, “Banda Larga sem Fio<br />

Gratuita para a População” – lamentavelmente em esforço nem<br />

sempre bem coordenado e efetivo – para universalizar o conhecimento<br />

e uso dess<strong>as</strong> modern<strong>as</strong> tecnologi<strong>as</strong>.<br />

A Fundação Getulio Varg<strong>as</strong>, na sua 21ª Pesquisa Anual, diz que<br />

em 2010 o Br<strong>as</strong>il já tem 72 milhões de computadores pessoais em<br />

uso (desktop, PC, notebook, netbook). Segundo essa mesma pesquisa,<br />

a previsão é de que até 2014 venham a ser 140 milhões, ou<br />

seja, du<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> para cada três habitantes.<br />

Quanto ao uso da internet, por banda larga ou por linha discada,<br />

levantamentos feitos pel<strong>as</strong> entidades ligad<strong>as</strong> à TI apontam para 10,8<br />

milhões de IP (endereços de máquin<strong>as</strong> diretamente conectad<strong>as</strong> em<br />

todo o território nacional com a internet), e cerca de 54 milhões<br />

de br<strong>as</strong>ileiros com acesso à Rede, considerados domicílios, escol<strong>as</strong>,<br />

38 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 39<br />

empres<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> e privad<strong>as</strong>, órgãos governamentais, bem como<br />

usuários via telefonia móvel e lan houses.<br />

No entanto, poucos br<strong>as</strong>ileiros sabem da intensa participação da<br />

Marinha do Br<strong>as</strong>il, por meio dos seus Oficiais, no desenvolvimento<br />

dessa tecnologia.<br />

O propósito deste artigo é contar um pouco dessa história,<br />

procurando não cansar o prezado leitor, muito embora venha a<br />

ser mandatório citar nomes e dat<strong>as</strong>. Desde já, o autor, que deixou<br />

o Serviço Ativo da Marinha em 1976, ressalta que <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> e<br />

participantes mencionados nessa pequena história, por certo não<br />

são os únicos. Admite e se desculpa perante os possíveis leitores<br />

pel<strong>as</strong> su<strong>as</strong> limitações e falh<strong>as</strong> de memória, em parte decorrentes<br />

ainda da intenção de se restringir às dimensões reduzid<strong>as</strong> em que<br />

um artigo dessa natureza teve que ser contido.<br />

A ideia de escrever sobre <strong>as</strong>sunto tão empolgante, surgiu há<br />

alguns anos, durante almoço com um pequeno grupo de amigos<br />

do Corpo de Intendentes da Marinha, no qual alguns fatos aqui<br />

narrados foram rememorados.


Primórdios<br />

Na década de 40 do século p<strong>as</strong>sado, a Comissão de Marinha<br />

Mercante (CMM) criada em 7/3/1941, órgão vinculado ao Ministério<br />

da Marinha até o final dos anos 60 – quando foi transferida para o<br />

Ministério dos Transportes, e posteriormente reorganizada sob o<br />

nome de Superintendência Nacional de Marinha Mercante (Sunamam)<br />

– já utilizava recursos de processamento de dados.<br />

Logo após a sua criação, a CMM contratou à IBM máquin<strong>as</strong>,<br />

então chamad<strong>as</strong> de convencionais, n<strong>as</strong> quais eram tabulados e<br />

listados os dados estatísticos relativos à movimentação de carga<br />

por via marítima/fluvial.<br />

Essa experiência em processamento de dados, desenvolvida na<br />

Marinha à época, era também aplicada pioneiramente no controle<br />

do pagamento do seu pessoal militar e civil, <strong>as</strong>sim como em <strong>algum<strong>as</strong></strong><br />

grandes empres<strong>as</strong> no Br<strong>as</strong>il. O termo “hollerit”, como são chamados<br />

os bilhetes de pagamento até hoje, nos remete ao estatístico norte<br />

americano Hermann Hollerit (1860/1929) fundador da empresa<br />

Tabulation Machines Corporation que deu origem à empresa IBM,<br />

fabricante d<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> usad<strong>as</strong> para processá-los e imprimi-los, e<br />

antigamente utilizad<strong>as</strong> no Sistema de Pagamento da Marinha. A<br />

IBM desenvolveu o primeiro computador, o Eniac em 1941, Sendo<br />

até os di<strong>as</strong> atuais, líder na venda de equipamentos de grande porte,<br />

os chamados mainframes.<br />

Na CMM, embora sob nova jurisdição, não foi desprezada a<br />

utilização de processamento de dados. Pelo contrário, foi cada vez<br />

mais expandida, em razão do aumento do volume de informações<br />

relativ<strong>as</strong> ao transporte aquaviário a serem trabalhad<strong>as</strong>, e da criação<br />

do adicional de frete marítimo, para cujo cálculo era essencial a<br />

manutenção de uma b<strong>as</strong>e de dados estatísticos a partir do controle<br />

dos manifestos de carga. Este fato levou a que cada vez mais fossem<br />

necessários equipamentos de grande porte, e técnicos para desenvolver,<br />

manter e gerenciar tais atividades.<br />

Assim, mesmo não mais subordinada ao Ministério da Marinha a<br />

CMM, bem como a sua sucessora Sunamam, sempre contaram com<br />

Oficiais cedidos pela Marinha – ou que p<strong>as</strong>saram a prestar serviços<br />

àquel<strong>as</strong> organizações após sua transferência para a Reserva – para<br />

desempenhar <strong>as</strong> su<strong>as</strong> funções específic<strong>as</strong>, muito ligad<strong>as</strong> à atividade<br />

marítima.<br />

Concomitantemente, outr<strong>as</strong> atividades de processamento de<br />

dados na Marinha também evoluíam qu<strong>as</strong>e que geometricamente,<br />

de sorte que, em 1965/66, a Diretoria de Intendência da Marinha<br />

contratou junto à IBM um dos primeiros computadores de grande<br />

porte em uso no país, modelo IBM/360. Antes já tinha acumulado<br />

grande experiência no uso do computador IBM-1401 cuja memória<br />

era de no máximo 32KB, m<strong>as</strong> diferentemente d<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>sificador<strong>as</strong><br />

e de tabulação convencionais, permitia linguagens de<br />

programação (Fortran, Cobol, RPG), em substituição à montagem<br />

de instruções através de painéis.<br />

A excepcional capacidade de processamento, alocada à Diretoria<br />

de Intendência, apoiou também <strong>as</strong> complex<strong>as</strong> e vitais taref<strong>as</strong> da<br />

Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), <strong>as</strong>sim como outros<br />

setores da Marinha, enquanto não possuíam equipamentos próprios,<br />

como por exemplo, a Diretoria de Pessoal, o Centro de Controle<br />

de Estoque de Material, o Departamento de Pessoal do Comando<br />

Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, o Centro de Adestramento<br />

Alte. Marques Leão (Camaleão), entre outros.<br />

Oficiais de Marinha – dos Corpos da Armada, de Fuzileiros<br />

Navais e do Corpo de Intendentes – foram indicados para fazer<br />

cursos específicos de programação n<strong>as</strong> dependênci<strong>as</strong> do Centro<br />

Educacional da IBM, estrategicamente instalado na Rua Teófilo<br />

hermann hollerit (1860/1929), fundador da ibM<br />

Otoni, bem próximo do prédio do então Ministério da Marinha,<br />

hoje sede do Primeiro Distrito <strong>Naval</strong>. Mostrando a preocupação da<br />

Marinha com o <strong>as</strong>sunto, bem antes de 1965, quando foi adquirido<br />

o primeiro grande computador, o Currículo do Estágio dos GGMM<br />

(IM) já incluía um curso básico de processamento de dados. Curiosamente,<br />

naquela mesma via pública, no final da década de 1970,<br />

foi inicialmente instalado o Instituto de Processamento de Dados<br />

e Informática da Marinha (IPDIM), no local onde hoje está a sede<br />

da Diretoria de Portos e Cost<strong>as</strong> da Marinha (DPC).<br />

O contato cada vez mais frequente dos Oficiais da Marinha com<br />

o mundo do processamento de dados levou à busca de talentos na<br />

Marinha do Br<strong>as</strong>il, em decorrência da expansão do mercado que<br />

se verificou a partir da década de 60 e pela carência de técnicos<br />

especializados. A própria IBM se tornou uma voraz atuante nesse<br />

tipo de “recrutamento”.<br />

Na opinião deste autor, a perda de inteligênci<strong>as</strong> para o mercado,<br />

em que pese ser no curto prazo prejudicial para a Marinha, sob o<br />

<strong>as</strong>pecto macroeconômico foi um grande benefício para o país. Este<br />

pessoal, altamente qualificado, tem sido responsável pelo desenvolvimento<br />

da informática e sua aplicação em inúmer<strong>as</strong> atividades,<br />

colaborando para o progresso da nação.<br />

Posteriormente, com a criação do então chamado Quadro de<br />

40 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 41<br />

Funções Técnic<strong>as</strong> (QFT), inúmeros Oficiais Superiores da Marinha<br />

optaram por fazer mestrado e doutorado em informática em universidades<br />

(PUC, Unicamp, USP), ao serem aprovados para cursar<br />

a Escola de Guerra <strong>Naval</strong>. Isto gerou maior interação da Marinha<br />

com a sociedade civil no que se refere àquela tecnologia, avançada<br />

e em permanente expansão.<br />

Pretende-se registrar participações expressiv<strong>as</strong> da Marinha e de<br />

seus Oficiais em empres<strong>as</strong>, instituições e iniciativ<strong>as</strong> na informática,<br />

que permitiram a sua constante evolução, até se chegar ao estágio atual,<br />

em que a tecnologia da informação (TI) se mostra tão presente.<br />

Será mencionada também a expressiva contribuição do uso intenso<br />

de apoio de informática às atividades técnico-administrativ<strong>as</strong> da Marinha,<br />

que permitiu a implantação de sistem<strong>as</strong> inéditos no Br<strong>as</strong>il.<br />

O sucesso de alguns destes sistem<strong>as</strong>, chamou a atenção de outros<br />

setores d<strong>as</strong> administrações federal, estadual e municipal, e de<br />

empres<strong>as</strong> privad<strong>as</strong>, sendo aproveitad<strong>as</strong> <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> dos Oficiais<br />

da Marinha envolvidos na sua concepção e desenvolvimento.<br />

Em se tratando de um artigo, fica a esperança de que desperte<br />

a curiosidade de outros coleg<strong>as</strong> da Marinha, que por certo tiveram<br />

participação marcante nesta história e poderão corrigir lacun<strong>as</strong> ou<br />

falh<strong>as</strong> eventualmente cometid<strong>as</strong> pelo autor, que se considera um<br />

perfeito “dinossauro”, se comparado aos jovens que hoje atuam<br />

neste campo. A sua principal vantagem é a de ter tido o privilégio de<br />

acompanhar pessoalmente uma pequena parte dessa “saga”, digna<br />

de ser mais aprofundada e divulgada para <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> gerações.<br />

acima, em 1956, o disco rígido de 5Mb do primeiro computador com hd, da ibM (foto cedida por Jorge e Janete braga). abaixo, um ibM 360, em plena atividade


É de suma importância que nós br<strong>as</strong>ileiros, hoje usufruindo<br />

desta maravilha que é a TI, saibamos da luta que foi chegar até ela,<br />

para não esmorecermos na busca do permanente aperfeiçoamento,<br />

única maneira de não se perder o nível técnico atingido e conseguir<br />

acompanhar a sua explosiva evolução.<br />

Mesmo a aparentemente singela facilidade de nossos filhos e<br />

netos poderem se sentar diante de um micro com jogos eletrônicos,<br />

não chegou até eles de “mão beijada”.<br />

A marinha do br<strong>as</strong>il e a informática<br />

Considerações preliminares<br />

Já foi mencionado anteriormente que inúmeros Oficiais da<br />

Marinha se dedicaram ao estudo, pesquisa, desenvolvimento e<br />

implantação de técnic<strong>as</strong> relacionad<strong>as</strong> com o uso de processamento<br />

de dados, desde a década de 40 do século XX, época em que no<br />

Br<strong>as</strong>il não havia o ensino do <strong>as</strong>sunto nos bancos escolares. De forma<br />

natural, em razão d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> atividades na Marinha, os Oficiais<br />

Intendentes direcionaram-se para o software, e os Oficiais da Armada<br />

e Engenheiros, em especial os de eletrônica para o hardware ou<br />

para o “software básico”, necessários à operação de equipamentos<br />

eletrônicos instalados a bordo dos navios da Marinha.<br />

Sabiamente, <strong>as</strong> Autoridades Navais criaram o Instituto de<br />

Processamento de Dados e Informática da Marinha (IPDIM) e o<br />

Centro de Análise de Sistem<strong>as</strong> Navais (CASNAV), ambos no início<br />

da década de 1970, reconhecendo a necessidade de tratar separadamente<br />

<strong>as</strong> especializações.<br />

Deve ser destacado que, detalhar a contribuição destes Oficiais<br />

no aperfeiçoamento da informática na Marinha, não é o propósito<br />

deste artigo, reconhecida que é como tendo atingido – como se<br />

diria no ibemês antigo – um nível b<strong>as</strong>tante sofisticado no “estado<br />

da arte”, m<strong>as</strong> a sua contribuição para o Br<strong>as</strong>il em geral.<br />

A propósito, muito se discutiu e ainda se discute, se a informática<br />

é ciência ou arte. Os pioneiros da Assespro, Sucesu, Capre, Cobra, e<br />

outr<strong>as</strong> entidades ligad<strong>as</strong> ao meio, optaram por não adotar o termo<br />

“computer science”, como o processamento de dados p<strong>as</strong>sou a ser<br />

chamado nos Estados Unidos. Foi preferida a expressão francesa<br />

“informatique”, julgada mais abrangente.<br />

Provavelmente, dessa decisão derivou a ampla divulgação da tecnologia<br />

pelo termo “informática”. A esta terminologia, se seguiram<br />

outr<strong>as</strong> denominações, até p<strong>as</strong>sar a ser consagradamente chamada<br />

de TI – tecnologia da informação.<br />

Voltando ao tema deste artigo – a participação da Marinha e de<br />

seus Oficiais no desenvolvimento da TI – em pesquisa sem grande<br />

grau de aprofundamento, pode ser verificado que entre 1960 e 1980<br />

mais de 50 Oficiais, ao pedirem seu desligamento do Serviço Ativo,<br />

ou se transferirem para a Reserva, ocuparam ou ainda ocupam<br />

funções de destaque nessa área de conhecimento. Essa participação<br />

abrange divers<strong>as</strong> atividades, tais como:<br />

• indústri<strong>as</strong> de equipamentos (hardware);<br />

• concepção de sistem<strong>as</strong> e program<strong>as</strong> básicos (software);<br />

• desenvolvimento de sistem<strong>as</strong> e program<strong>as</strong> aplicativos<br />

(software);<br />

• vend<strong>as</strong> de hardware e software e treinamento dos usuários;<br />

• integração dos sistem<strong>as</strong> com <strong>as</strong> telecomunicações;<br />

• ensino em universidades e cursos específicos de informática;<br />

• consultoria e implantação de sistem<strong>as</strong> informatizados.<br />

Determinante também para essa contribuição, foi o fato de que<br />

diversos sistem<strong>as</strong> de uso corrente na Marinha tiveram emprego<br />

qu<strong>as</strong>e que imediato em atividades empresariais e governamentais,<br />

Rússia<br />

bielo-Rússia<br />

Angola<br />

Peru<br />

méxico<br />

República Dominicana<br />

na medida em que os seus Oficiais se retiravam do Serviço Ativo e<br />

de pronto eram recrutados pela sociedade civil.<br />

Exemplos incontestes, para ficar somente em c<strong>as</strong>os mais marcantes,<br />

podem ser mencionados:<br />

• uso do dígito verificador, adotado pelo Sistema de Pagamento<br />

da Marinha, e hoje disseminado em todos os sistem<strong>as</strong> que processam<br />

grandes cad<strong>as</strong>tros;<br />

• técnic<strong>as</strong> de ab<strong>as</strong>tecimento controle e catalogação de material,<br />

indispensáveis para qualquer entidade, de grande ou médio porte;<br />

• Sistema de Pagamento da Marinha, iniciado na década de<br />

1940, e considerado dos mais aperfeiçoados, sendo replicado em<br />

inúmer<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> e organizações do Br<strong>as</strong>il;<br />

• Sistema de Consignações (desconto em folha de pagamento), que<br />

atualmente serve de b<strong>as</strong>e para o tão festejado crédito consignado;<br />

• Sistema de Controle e Acompanhamento do Plano Diretor<br />

(planejamento e execução orçamentária), implantado na Marinha<br />

n<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong> de 1960/1970, e transplantado com sucesso para empres<strong>as</strong>,<br />

e entidades públic<strong>as</strong> no país e no exterior.<br />

Deve ser ressaltado ainda que a meta de transparência n<strong>as</strong> despes<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong>, hoje tão festejada nos meios de comunicação pela<br />

facilidade de acesso via internet – vide <strong>as</strong> informações divulgad<strong>as</strong> pela<br />

ONG Cont<strong>as</strong> Abert<strong>as</strong> – não teria sido possível sem a participação da<br />

Marinha. O primeiro ministério a descentralizar a Execução Financeira<br />

do Orçamento, com b<strong>as</strong>e em um sofisticado Sistema de Processamento<br />

de Dados foi o da Marinha, em 1967. Essa descentralização<br />

reduziu a um mínimo <strong>as</strong> Despes<strong>as</strong> sob o Regime de Adiantamento de<br />

Recursos, complicado e de difícil aplicação e controle.<br />

Com a Circular nº 12 da Diretoria de Intendência da Marinha,<br />

editada em 1967, foi dada a partida para ser projetado o hoje conhecido<br />

Siafi, Sistema Integrado de Administração Financeira, em vigor<br />

nos governos federais, estaduais e municipais do Br<strong>as</strong>il. A Circular<br />

o siafi, inicialmente implantado na Marinha, acabou sendo atodado por muitos países<br />

nº 12 foi de tal repercussão positiva na Marinha que, além de p<strong>as</strong>sar<br />

a ser cognominada por alguns como Circular do Zé (carinhosa e<br />

reconhecida alusão ao seu mentor inicial, Comte Edison José Ribeiro),<br />

constou da publicação do Ministério do Planejamento Anais<br />

da Reforma Administrativa no Br<strong>as</strong>il como sendo um dos marcos<br />

daquela Reforma. Além da responsabilidade do Comte Edison na<br />

sua concepção, deve ser destacado o indispensável apoio de Diretor<br />

de Intendência da Marinha à época, VA (IM) Arnoldo H<strong>as</strong>selmann<br />

Fairbairn. Além de colocar à disposição a estrutura da Diretoria,<br />

designou dois Oficiais para, em regime de mutirão (o autor deste<br />

ensaio e o Ten (IM) Roberto Ricardo Calazans Tavares), auxiliarem<br />

o Comte Edison na redação final, bem como na elaboração dos<br />

formulários, anexos e demais documentos que vieram a compor<br />

essa Circular. Tudo pronto, m<strong>as</strong> faltava a impressão dos documentos<br />

para possibilitar a sua distribuição por tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> organizações da<br />

MB. Entra aí, o espírito de equipe dos Intendentes da Marinha. O<br />

então Comte (IM) Geraldo Souza Vieira servindo da DHN (futuro<br />

Oficial General e Diretor da Diretoria de Intendência da Marinha),<br />

obteve autorização para que o trabalho fosse feito na gráfica daquela<br />

Diretoria, com qualidade excepcional, o que em muito contribuiu<br />

para a sua rápida <strong>as</strong>similação pela Marinha.<br />

O Siafi inicialmente implantado na Marinha e idealizado pelo<br />

Comte (IM) Edison José Ribeiro, b<strong>as</strong>eado na primeira experiência<br />

acima detalhada, e com a participação de uma equipe altamente<br />

capacitada da Marinha, foi adotado pelos diversos níveis do governo e<br />

até mesmo exportado. Assim é que, o Comte (IM) Carlos de Andrade<br />

Duarte, que ao se transferir para a Reserva trabalhou na Secretaria<br />

do Tesouro Nacional no desenvolvimento e implantação do Siafi<br />

no governo federal, nos anos de 1986 e 1987, e o Comte Edison,<br />

foram contratados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para<br />

implantar noss<strong>as</strong> técnic<strong>as</strong> de gerência e controle de orçamento e<br />

42 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 43<br />

gestão na Rússia, Bielo-Rússia, Angola, Peru, México, República<br />

Dominicana, e outros países.<br />

A seguir serão lembrad<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> específic<strong>as</strong> de Oficiais da<br />

Marinha no âmbito da informática ressaltando a influência de su<strong>as</strong><br />

atuações, e grupando-<strong>as</strong> em tópicos que sejam correlatos. Como<br />

ressalvado anteriormente, não há a pretensão de esgotar o <strong>as</strong>sunto,<br />

muito menos de registrar de forma completa e com exatidão<br />

cronológica a participação de todos os que saíram da Marinha e<br />

ingressaram neste mundo novo, levando seu conhecimento técnico<br />

e vontade de colaborar para o engrandecimento do Br<strong>as</strong>il, além<br />

d<strong>as</strong> atender às su<strong>as</strong> realizações pessoais e profissionais. Trata-se<br />

tão somente de mostrar um panorama geral, com o propósito de<br />

propiciar ao leitor o conhecimento do que foi feito pelo pessoal da<br />

Marinha, para e pela informática do nosso país.<br />

Antes, voltando à Escola <strong>Naval</strong>, nos idos de 1957/1958, não<br />

pode deixar de ser mencionado que o Comte (IM) Carlos Augusto<br />

Guimarães Cordovil, professor de Cálculo Integral e posteriormente<br />

de Mecanografia na Escola <strong>Naval</strong> era um grande incentivador do<br />

estudo de ciênci<strong>as</strong> exat<strong>as</strong>. Foi ele responsável pelo convencimento e<br />

tomada de decisão por Oficiais da Marinha de <strong>algum<strong>as</strong></strong> gerações, de<br />

que deveriam continuar estudando, alguns optando por Matemática,<br />

Economia, Estatística, Contabilidade, Física, ou Engenharia Eletrônica,<br />

já que não havia ainda cursos regulares de processamento<br />

de dados no Br<strong>as</strong>il. Ele próprio dizia que tinha um pequeno local<br />

sossegado, para poder se manter atualizado n<strong>as</strong> matéri<strong>as</strong> que lecionava.<br />

Ao deixar o Serviço Ativo da Marinha, em 1961, foi um dos<br />

primeiros contratados pela IBM do Br<strong>as</strong>il.<br />

Nos estabelecimentos bancários e financeiros<br />

Em 1968, o Banco Nacional do Norte criou a sua Diretoria de<br />

Processamento de Dados, chamando para ser titular o Comte (IM)<br />

Zemar Carneiro de Rezende, antigo chefe da Divisão de Consignações<br />

da Diretoria de Intendência da Marinha, à época se transferindo para<br />

a Reserva. O Comte Zemar, posteriormente convidou um antigo seu<br />

comandado, o Comte (IM) Manfredo Carlos Zenkert, que se retirou<br />

do Serviço Ativo da Marinha para também trabalhar no Banorte.<br />

Em 1967, deixa o Serviço Ativo da Marinha o Comte (CA) Adolpho<br />

Ferreira de Oliveira, para fundar a corretora que levou o seu<br />

nome, posteriormente transformada em banco. Essa corretora foi<br />

uma d<strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> do Rio de Janeiro a utilizar um terminal para<br />

consulta à Bolsa de Valores, Para tal se valeu da experiência adquirida<br />

na Marinha, e buscou a <strong>as</strong>sessoria de Oficiais familiarizados com o<br />

desenvolvimento de software.<br />

Também, de grande importância tem sido a contribuição para<br />

<strong>as</strong> entidades bancári<strong>as</strong> no desenvolvimento de software, através da<br />

consultoria para automação bancária, prestada já no final do século<br />

XX e início do século XXI, pelos técnicos da empresa Lab-System,<br />

fundada pelo Comte (IM) Osmar Boavista da Cunha Júnior, tendo<br />

como um dos seus colaboradores o autor deste trabalho.<br />

Nos setores de hardware,<br />

“software básico” e equipamentos periféricos<br />

Em 1961, o Comte (EN) Antônio Carlos Didier Barbosa Vianna<br />

pede transferência para a Reserva. Atuando na área de hardware fundou<br />

<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> Microlab e Impelco, localizad<strong>as</strong> no Rio de Janeiro,<br />

produzindo diversos equipamentos entre os quais, unidades de fita<br />

magnética, discos rígidos e winchesters, então essenciais para os<br />

Centros de Processamento de Dados. Foi presidente da Associação<br />

Br<strong>as</strong>ileira d<strong>as</strong> Indústri<strong>as</strong> de Computadores e Periféricos (Abicomp).<br />

Merece uma referência especial a participação da Marinha no


desenvolvimento, no Laboratório de Sistem<strong>as</strong> Digitais<br />

da USP, do primeiro computador nacional de 8 bits com<br />

4 Kbites de memória. O inicialmente chamado “Patinho<br />

Feio” concluído em 1972. Patinho Feio, em alusão à<br />

canção “Cisne Branco”, b<strong>as</strong>tante conhecida nos navios<br />

e estabelecimentos navais.<br />

Esse projeto, apoiado enfaticamente pela Marinha,<br />

que estava interessada em desenvolver equipamentos e<br />

“software básico” para <strong>as</strong> Fragat<strong>as</strong> em início de construção<br />

na Inglaterra, muito contribuiu para a b<strong>as</strong>e<br />

tecnológica da qual se derivou a indústria de eletrônica<br />

e microeletrônica no Br<strong>as</strong>il. Alguns Oficiais da Marinha<br />

se dedicaram denodadamente ao projeto, que visava procurar<br />

substituir equipamentos importados por similares<br />

construídos no Br<strong>as</strong>il.<br />

A empresa Cobra – Computadores Br<strong>as</strong>ileiros, fundada<br />

em 1974, com forte apoio da Marinha e do BNDE<br />

foi herdeira desse desenvolvimento, lançando em 1980 o<br />

computador Cobra 530, que derivou do Projeto G-10 (o G<br />

tirado da inicial do nome de guerra do Comte (CA) José Luiz<br />

Guaranys Rego, especializado em eletrônica). Na Marinha<br />

e em alguns meios acadêmicos, esse projeto pioneiro ficou<br />

conhecido como Projeto Guaranys.<br />

A Cobra, além de outros diretores, teve dois Oficiais da<br />

Marinha na sua Presidência, o Alte (EN) José Claudio Frederico<br />

Beltrão e o Comte Antônio Carlos de Loyola Reis.<br />

O Comte Guaranys, juntamente com o Comte (EN)<br />

Cleof<strong>as</strong> Ismael de Medeiros Uchoa, então já tendo saído<br />

do Serviço Ativo da Marinha e atuando na Digibrás,<br />

<strong>as</strong>sim como o Comte (CA) Pedro Paulo Betim Paes Leme, também<br />

especializado em eletrônica, atuaram de forma marcante nessa f<strong>as</strong>e<br />

embrionária da indústria eletrônica do país. Na oc<strong>as</strong>ião, a Marinha<br />

tinha uma grande preocupação em absorver a tecnologia da empresa<br />

Ferranti, que fornecia os equipamentos eletrônicos d<strong>as</strong> Fragat<strong>as</strong>,<br />

como dito anteriormente, em construção na Inglaterra e com<br />

previsão para posteriormente serem construíd<strong>as</strong> no Br<strong>as</strong>il, como<br />

realmente o foram, no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro.<br />

São testemunhos da influência desses Oficiais da Marinha<br />

naqueles chamados “tempos difíceis” da indústria nacional, os<br />

seguintes pronunciamentos de profissionais isentos, por serem<br />

estranhos à Marinha.<br />

• Homenagem ao Comte Paes Leme na Sessão Solene de<br />

Abertura do Primeiro Congresso Nacional de Processamento de<br />

Dados, em 9 de setembro de 1968. “Antes de mais nada, é nosso<br />

dever prestar uma homenagem ao Comte Pedro Paulo Betim Paes<br />

Leme, que morreu trabalhando. Para tal estirpe de homem é que<br />

peço ao Plenário um minuto de silêncio, de pé, como nossa sincera<br />

e última homenagem.” Palavr<strong>as</strong> do coordenador-geral do Congresso<br />

Eng. Juan Missirlian.<br />

Este Primeiro Congresso de Informática, b<strong>as</strong>tante prestigiado<br />

pela MB, constitui um dos marcos da grande interação da Marinha<br />

com a sociedade civil.<br />

• Trechos do livro R<strong>as</strong>tro de cobra, de 1984, no qual sua<br />

autora, Silvia Helena Vianna Rodrigues, conta a saga da criação<br />

e consolidação da Cobra – Computadores Br<strong>as</strong>ileiros: “Um dos<br />

maiores batalhadores pela criação da indústria br<strong>as</strong>ileira de computadores,<br />

Guaranys não viveu para ver concretizada a primeira<br />

empresa: a Cobra que ajudou a criar... O comandante Guaranys<br />

era dos mais atentos, na Diretoria de Eletrônica da Marinha, para<br />

a questão d<strong>as</strong> modificações introduzid<strong>as</strong> pelos equipamentos de<br />

computação em todo o funcionamento naval.”<br />

“Uchoa deixara a Marinha em 1968, <strong>as</strong>sumindo a Diretoria Técnica<br />

da Digibrás, presidida por Ézio Távora... P<strong>as</strong>sada pelo presidente<br />

da Digibrás a Uchoa... este <strong>as</strong>sumiu a tarefa com garra, e em julho<br />

estava feita a Cobra.”<br />

O governo federal, primeiramente em 1975, através da Capre<br />

– Comissão de Coordenação d<strong>as</strong> Atividades de Processamento<br />

Eletrônico, subordinada à Seplan, e a partir de 1979, da Secretaria<br />

Especial de Informática (SEI), subordinada ao Conselho de Segurança<br />

Nacional, p<strong>as</strong>sou a interferir diretamente na formulação de<br />

uma Política Nacional de Informática, gerando a chamada Reserva<br />

de Mercado. À época objetivava não só o progresso da indústria<br />

local, m<strong>as</strong> também reduzir os resultados negativos da Balança de<br />

Pagamentos do país.<br />

Não cabe neste artigo descrever <strong>as</strong> incontáveis discussões em<br />

torno do tema. A Reserva de Mercado teve muitos defensores e<br />

detratores. No entanto, deve-se reconhecer que os estímulos à<br />

pesquisa e desenvolvimento dela advindos, em muito colaboraram<br />

para a formação da ampla b<strong>as</strong>e industrial existente hoje em dia, da<br />

mesma maneira que a posterior abertura propiciou a inserção do<br />

Br<strong>as</strong>il no mercado global de computadores e demais equipamentos<br />

eletrônicos correlatos.<br />

Em 1987, <strong>as</strong>sume a SEI um Oficial da Marinha, o Comte (CA)<br />

José Ezil Veiga da Rocha, na f<strong>as</strong>e em que a Reserva de Mercado já<br />

estava sendo flexibilizada.<br />

Em 1988/89, na sua gestão, foi atualizado o Plano Nacional de<br />

Informática (Planin), que incluiu uma Proposta de Plano Setorial de<br />

Informática nos Transportes, através da Comissão Especial nº 31. No<br />

Plano Setorial, que contou com a coordenação do autor deste artigo<br />

na qualidade de representante da Sunamam, foi proposto um projeto<br />

denominado Projeto Navio. Este projeto foi aprovado por aclamação<br />

na Reunião Plenária da Comissão, realizada em Br<strong>as</strong>ília.<br />

O Projeto Navio, do qual participaram representantes dos setores<br />

ligados aos transportes (estaleiros, armadores, companhi<strong>as</strong> de<br />

navegação, DNER, Geipot, Portobràs), detalhava e propunha medid<strong>as</strong><br />

de estímulo à informatização dos navios, desde a construção<br />

até a operação, bem como na sua relação com os portos quando da<br />

atracação e despacho.<br />

Talvez, um tanto ou quanto utopicamente, mencionava o futuro<br />

de se ter navios operando com apen<strong>as</strong> nove tripulantes, além do<br />

seu comandante!<br />

O período de 1985 até 1989 foi muito profícuo no uso da informática<br />

na Sunamam, graç<strong>as</strong> ao apoio de seus principais diretores,<br />

Comte Murillo Rubens Habbemma de Maia, Superintendente-Geral,<br />

Comte Wander Amoroso Wang, Diretor-Geral de Planejamento e<br />

Comte Alfredo Pinto de Magalhães Júnior, Diretor-Geral de Administração,<br />

que não mediram esforços para dotar a organização de<br />

recursos para os investimentos em hardware planejados nos seus<br />

Planos Diretores de Informática (PDI). Seu principal “cliente” da informática,<br />

o Diretor de Estatística, Comte Nauro Monteiro de Campos,<br />

cuja principal atribuição era fornecer subsídios para permitir o<br />

cálculo do adicional do frete marítimo – de implicações financeir<strong>as</strong><br />

importantes para o Fundo de Marinha Mercante e, ipso facto para a<br />

expansão da Marinha Mercante Nacional – também muito colaborou,<br />

de forma proativa e eficaz, com a informática. A equipe de informática<br />

da Sunamam, reformulada na gestão dos Comtes Habbemma<br />

e Wander, desenvolveu e implantou diversos sistem<strong>as</strong> de TI, que<br />

permitiam o acesso dos diretores a informações importantes para<br />

a formulação da Política de Navegação, via terminais on-line. Foi<br />

também iniciada, em projeto conjunto com técnicos da Secretaria de<br />

Transportes Aquaviários, a descentralização da entrada de dados dos<br />

manifestos de carga, utilizando microcomputadores nos principais<br />

portos de embarque e desembarque de mercadori<strong>as</strong>.<br />

Não pode deixar de ser citado que uma d<strong>as</strong> grandes concorrentes<br />

da IBM nos EUA e no Br<strong>as</strong>il, no fornecimento de computadores,<br />

especialmente para <strong>as</strong> grandes empres<strong>as</strong> de engenharia foi a Control<br />

Data. Essa empresa chegou a contar<br />

com grande participação no mercado,<br />

tendo como um dos seus principais<br />

clientes a Petrobr<strong>as</strong>. Na década de<br />

1990, por estratégia de marketing,<br />

ela deixou de atuar, de forma direta,<br />

no Br<strong>as</strong>il. O CT (IM) Renaldo Pereira<br />

Nunes foi vice-presidente da Control<br />

Data do Br<strong>as</strong>il.<br />

No anuário Computerworld do<br />

Br<strong>as</strong>il (CWB) de informática, editado<br />

em 1988/1989, foram listad<strong>as</strong> 2 mil<br />

empres<strong>as</strong> no setor, registrando um<br />

acréscimo de 700 nov<strong>as</strong> em relação<br />

ao de 1987/1988, certamente, fruto<br />

da Política Nacional de Informática<br />

implantada no período.<br />

No desenvolvimento de<br />

software e aplicações para PED<br />

Em 1964, o Ministério da Fazenda<br />

resolve centralizar <strong>as</strong> atividades de<br />

processamento de dados, criando o<br />

Serviço Federal de Processamento<br />

de Dados (Serpro). Dois Oficiais da<br />

44 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 45<br />

Marinha foram convidados para <strong>as</strong>sumir cargos de direção no<br />

Serpro, o Comte (IM) Antônio Bernardino de Carvalho e o Comte<br />

(IM) Thomaz Edison Goulart do Amarante.<br />

Esses Oficiais, com grande experiência de processamento de<br />

dados, gerência de projetos e de implantação de técnic<strong>as</strong> de planejamento<br />

com o Plano Diretor, juntamente com vários outros que<br />

saíram da Marinha para trabalhar nessa nova atividade – entre eles<br />

são mencionados o Comte (FN) José Danilo Silvestre Fernandes, e os<br />

1T (IM) RNR Augusto Dolher do Carmo e Gilson Leal Barbosa – foram<br />

os impulsionadores do crescimento e pujança atual do Serpro.<br />

Ainda com relação ao Serpro, responsável pela administração<br />

dos sistem<strong>as</strong> de TI do Ministério da Fazenda, deve ser especialmente<br />

citado o Centro de Informações Econômico-Fiscais (CIEF). Trata-se<br />

de um sistema que opera uma imensa b<strong>as</strong>e de dados, hoje apoiada<br />

nos computadores de maior capacidade instalados no Br<strong>as</strong>il, onde<br />

são concentrad<strong>as</strong> e cruzad<strong>as</strong> <strong>as</strong> informações de caráter fiscal de<br />

empres<strong>as</strong> e pesso<strong>as</strong> físic<strong>as</strong>, dando suporte ao governo federal na<br />

arrecadação e na formulação de polític<strong>as</strong> econômic<strong>as</strong>.<br />

Na f<strong>as</strong>e inicial de formação do CIEF, a participação dos Oficiais<br />

e técnicos oriundos da Marinha que optaram em trabalhar em<br />

informática foi muito intensa. O Comte Edison, anteriormente<br />

mencionado, mesmo enquanto no Serviço Ativo e por determinação<br />

dos Ministros da Marinha à época, colaborou durante muitos anos<br />

com o Serpro, na qualidade de <strong>as</strong>sessor especial. Nesse período foi<br />

implantado um documento único para controlar a arrecadação, o<br />

conhecido DARF, que contou com a sua <strong>as</strong>sessoria na concepção do<br />

layout. Esse documento, depois adotado nos estados e nos municípios,<br />

propiciou o controle individualizado de cada recolhimento de<br />

impostos e tax<strong>as</strong> pelos cidadãos e empres<strong>as</strong>. O DARF, <strong>as</strong>sociado aos<br />

cad<strong>as</strong>tros de contribuintes, é essencial também para o cruzamento<br />

de informações sobre arrecadação.<br />

Notíci<strong>as</strong> veiculad<strong>as</strong> na internet dão conta de que:<br />

“A Receita Federal p<strong>as</strong>sou a contar com o T-Rex, um supercomputador<br />

que leva o nome do dev<strong>as</strong>tador Tiranossauro rex, e o<br />

software Harpia, ave de rapina mais poderosa do país, que teria até<br />

470 roda linux, um dos quinze maiores computadores do mundo, atualmente


a capacidade de aprender com o ‘comportamento’ dos contribuintes<br />

para detectar irregularidades. O programa vai integrar <strong>as</strong> secretari<strong>as</strong><br />

estaduais da Fazenda, instituições financeir<strong>as</strong>, administrador<strong>as</strong> de<br />

cartões de crédito e os cartórios.”<br />

Com certeza tal poder de verificação, essencial para o Estado,<br />

m<strong>as</strong> intimidador para os cidadãos, não deixa de ser uma ferramenta<br />

importante no combate à sonegação.<br />

Esperamos que contribua para ser possível um real alívio na<br />

carga fiscal, em futuro não muito remoto. Sem a b<strong>as</strong>e montada<br />

pelo Serpro e seus colaboradores iniciais, muitos da Marinha, não<br />

se teria chegado a tal grau de sofisticação.<br />

Ainda no âmbito do governo federal, a produção de estatístic<strong>as</strong><br />

se ressentia, no final da década de 1960, de um órgão que tivesse<br />

flexibilidade e permitisse tornar os censos mais ágeis, com seus<br />

resultados processados com maior segurança e rapidez.<br />

Para tal, em 1973 foi criada a Fundação IBGE na estrutura do<br />

Ministério do Planejamento, de grande importância e respeitabilidade.<br />

Essa Fundação também contou com<br />

Oficiais de Marinha na montagem da estrutura<br />

informatizada, entre eles o CT (IM)<br />

Hidelberto Gonçalves Tavares, estudioso de<br />

Matemática, estatística e processamento de<br />

dados, e conhecido pelos seus amigos na<br />

Marinha, da Turma Elmo, como “Sinésio”,<br />

em alusão ao Professor Sinésio de Fari<strong>as</strong>,<br />

autor do livro Curso de Álgebra, muito<br />

familiar aos que faziam concursos para <strong>as</strong><br />

escol<strong>as</strong> militares na década de 1950.<br />

O IBGE adquiriu os mais modernos<br />

equipamentos então existentes e hoje é motivo<br />

de orgulho dos br<strong>as</strong>ileiros, tendo seus<br />

trabalhos muita credibilidade, pela abrangência<br />

e metodologia de pesquisa desenvolvida.<br />

Sempre com o suporte de atualizados<br />

sistem<strong>as</strong> de hardware e software.<br />

No que diz respeito às iniciativ<strong>as</strong> no setor privado da economia, a<br />

partir da década de 1960 os Oficiais saídos da Marinha, muitos deles recrutados<br />

pela IBM, p<strong>as</strong>saram a atuar como representantes técnicos (RT),<br />

tendo contato com grandes empres<strong>as</strong> nacionais e multinacionais.<br />

No final dos anos 60 era grande a carência de pessoal especializado<br />

em Processamento Eletrônico de Dados (PED), com conhecimento<br />

da programação dos novos computadores e de técnic<strong>as</strong> de<br />

análise e projetos de sistem<strong>as</strong>. Por esse motivo, alguns migraram<br />

para empres<strong>as</strong> clientes da IBM, ou criaram su<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de consultoria<br />

ou de “bureau de serviços”.<br />

O mercado necessitava e havia pouca disponibilidade de técnicos,<br />

principalmente pela falta de formação regular. Essa deficiência só<br />

p<strong>as</strong>sou a ser sanada, com a criação dos cursos de programação,<br />

análise de sistem<strong>as</strong> e os de tecnólogos de processamento de dados,<br />

no Rio de Janeiro, por iniciativa da PUC, da UFRJ e da Petrobr<strong>as</strong>,<br />

<strong>as</strong>sim como em São Paulo, através da USP e Unicamp.<br />

Na Marinha o IPDIM, órgão responsável pela condução d<strong>as</strong><br />

atividades de processamento de dados, preocupado com a demanda<br />

decorrente da expansão da informática não suprida adequadamente<br />

por especialist<strong>as</strong>, tomou a iniciativa de propor um Curso<br />

de Formação de Técnicos em Análise de Sistem<strong>as</strong> (CESTASPDO)<br />

que teve como primeiro encarregado, o Comte (IM) Túlio Cícero<br />

Cavalcante de Albuquerque.<br />

A partir de 1980 é que começaram a se multiplicar, principalmente<br />

n<strong>as</strong> capitais dos estados, os cursos específicos de informá-<br />

tica, que formaram gerações de técnicos nos mais diversos níveis.<br />

Atualmente, são b<strong>as</strong>tante comuns os cursos de informática para a<br />

terceira idade. Mais um sinal da importância da informática, ou TI,<br />

para a sociedade br<strong>as</strong>ileira!<br />

Logicamente, sendo então um mercado com restrição na<br />

oferta de mão de obra especializada, houve estímulos para que<br />

Oficiais do Corpo de Intendentes da Marinha, familiarizados há<br />

muito com o <strong>as</strong>sunto, nele encontr<strong>as</strong>sem um nicho importante<br />

para atuação, como técnicos, consultores e empreendedores, à<br />

medida que saíam do Serviço Ativo.<br />

As <strong>décad<strong>as</strong></strong> de 1970 e de 1980 foram ric<strong>as</strong> nesse tipo de<br />

experiência!<br />

Inúmer<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de consultoria em análise de sistem<strong>as</strong><br />

foram criad<strong>as</strong> nesse período, <strong>algum<strong>as</strong></strong> del<strong>as</strong> por Oficiais oriundos<br />

da Marinha e ainda prestando serviços reconhecidos como<br />

excelentes pelos seus clientes.<br />

Para ficar em apen<strong>as</strong> alguns exemplos, uma vez que seria difícil<br />

fazer pesquis<strong>as</strong> n<strong>as</strong> Junt<strong>as</strong> Comerciais ou nos<br />

Cartórios de Registro de Pesso<strong>as</strong> Jurídic<strong>as</strong>,<br />

além de inadequado a um artigo que pretende<br />

ser o mais sucinto possível, o autor p<strong>as</strong>sa a<br />

relatar alguns c<strong>as</strong>os vitoriosos.<br />

Em 1970, o CT (IM) Alberto Machado<br />

Corrêa Netto, recém-saído do Serviço<br />

Ativo, e o Comte (IM) Antônio Bernardino<br />

de Carvalho ex-diretor do Serpro, se<br />

juntaram a outros Oficiais e fundaram<br />

uma sociedade civil, voltada b<strong>as</strong>icamente<br />

para análise e projeto de sistem<strong>as</strong>. Como a<br />

sociedade civil então formada não detinha<br />

imóveis, máquin<strong>as</strong> e equipamentos, o seu<br />

capital era representado pela experiência<br />

e, porque não dizer, pela inteligência dos<br />

seus <strong>as</strong>sociados e consultores.<br />

Essa sociedade civil foi denominada<br />

PPS – Planejamento, Projetos, Sistem<strong>as</strong>, e contou inicialmente,<br />

além dos diretores acima mencionados, com os Comtes José Maria<br />

Teixeira da Cunha Sobrinho (um dos seus idealizadores), Nilo<br />

Mendes Figueiredo, Edison José Ribeiro, Sérvio Gama de Almeida,<br />

e com o autor deste artigo, que teve o privilégio de conviver com<br />

esta plêiade de mentes criativ<strong>as</strong>.<br />

Este grupo, além de ter técnicos de alto nível, foi reforçado por<br />

inúmeros outros consultores, entre os quais se ressaltam: os Comtes<br />

(IM) José Eduardo Amaral de Sá, José Carlos Sette Ferreira Pires,<br />

Luiz Vicente Franco, Jiro Kaw<strong>as</strong>e, o Ten (IM) Gilson Leal Barbosa<br />

e Ten (CA) Jorge Araújo (atualmente professor da Escola <strong>Naval</strong>).<br />

No decorrer d<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong> de 1970 e de 1980, foram desenvolvidos<br />

e implantados diversos sistem<strong>as</strong>, além de treinamento do pessoal<br />

d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> contratantes.<br />

No anuário CWB de Informática, anos 1988/1989, a PPS está<br />

catalogada como “Software House”, com menção aos diversos<br />

sistem<strong>as</strong> nela desenvolvidos, em especial n<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de patrimônio,<br />

livros fiscais, atendimento médico, controle acadêmico, mala direta,<br />

contabilidade, entre outros.<br />

Ainda na década de 1970, alguns Oficiais também oriundos da Marinha,<br />

entre os quais os CT (IM) Haroldo Medeiros Duarte, e Roberto<br />

Ricardo Calazans Tavares fundaram a empresa Interdata que, além<br />

de prestar serviços de análise, projeto, implantação e treinamento de<br />

pessoal para <strong>as</strong> atividades de PED, montou um “bureau de serviços”,<br />

que continua atendendo à própria empresa e a diversos clientes.<br />

Essa empresa se consolidou no mercado e presta serviços especializados<br />

de TI para administrador<strong>as</strong> de cartões de crédito, imóveis,<br />

entre outr<strong>as</strong> atividades que requerem grandes bancos de dados.<br />

A Interdata também consta do anuário CWB de Informática<br />

1988/1989 como “software house”.<br />

M<strong>as</strong> não só como empresários os Oficiais que saíram da<br />

Marinha para se dedicarem à TI foram de grande influência no<br />

seu desenvolvimento.<br />

Muitos se firmaram na IBM, com carreir<strong>as</strong> brilhantes. Entre eles:<br />

Comte (IM) Vinício La Maison Buschmann, CT (CA) Hélio Paes, CT<br />

(CA) João Luiz Volmmer Motta Paes Ten (IM) Roberto Vidal Lameiro,<br />

Ten (IM) Gustavo Rib<strong>as</strong> da Gama Lima, o Ten (IM) Eduardo Mello<br />

Barbieri. Deve ser mencionado também o Comte (IM) Paulo Arivaldo<br />

de Aragão Filho, especialista em controle e gestão usando técnic<strong>as</strong> de<br />

informática e de Plano Diretor, que se dedicou a aplicar seus conhecimentos<br />

nos municípios do Br<strong>as</strong>il, ao se retirar do Serviço Ativo.<br />

A Datamec, empresa que presta serviços à CEF, também contou<br />

com Oficiais da Marinha, entre eles<br />

o Comte (FN) Roberto Berlinck Ramos.<br />

Sendo empresa praticamente estatal, sua<br />

diretoria era política, m<strong>as</strong> mesmo <strong>as</strong>sim,<br />

o autor deste artigo no ano de 1984 teve<br />

a honra de compor uma lista de possíveis<br />

presidentes. Foi escolhido um dirigente do<br />

PTB no estado do Rio.<br />

Outros, ao se retirarem do Serviço<br />

Ativo, especializaram-se em auditoria e<br />

segurança em TI, entre os quais podem<br />

ser lembrados: Comte (CA) Gabriel de<br />

Almeida, com intensa participação em<br />

congressos nacionais e internacionais de<br />

TI, bem como em cursos especiais, relacionados<br />

com a segurança n<strong>as</strong> atividades<br />

de informática; Comte (IM) Roberto de<br />

C<strong>as</strong>tro Filho, que foi diretor da empresa<br />

Price Watherhouse e Coopers de auditoria e o Comte (IM) José<br />

Augusto Vieira, consultor de vári<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> sobre auditoria em<br />

sistem<strong>as</strong> de TI, atualmente na Dataprev.<br />

Com o advento dos micros, <strong>as</strong> planilh<strong>as</strong> de aplicativos foram<br />

adaptad<strong>as</strong> e largamente difundid<strong>as</strong>. P<strong>as</strong>sou-se então da f<strong>as</strong>e de desenvolvimento<br />

de program<strong>as</strong> aplicativos, para a nova situação em que<br />

para qu<strong>as</strong>e todo tipo de necessidade havia um software disponível<br />

no mercado, inúmeros desenvolvidos por empres<strong>as</strong> nacionais.<br />

Comercializado pela Microsoft, um dos softwares mais utilizados<br />

tem sido o Excel. Dois Oficiais oriundos da Marinha são considerados<br />

experts no uso do Excel, com brilhante sucesso na sua utilização<br />

n<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> e entidades por onde p<strong>as</strong>saram: os Comtes (IM) Jiro<br />

Kaw<strong>as</strong>e e Nelson Br<strong>as</strong>ileiro de Medeiros, ambos prestando inestimável<br />

colaboração ao <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, e também ao querido Flamengo,<br />

no c<strong>as</strong>o do Comte Br<strong>as</strong>ileiro.<br />

Como exemplo de elevado conhecimento técnico, merece ser<br />

narrado um fato ocorrido na antiga Sunamam. Em 1987, o Comte<br />

(IM) João Luiz Carneiro Cerqueira era o seu Diretor Financeiro e<br />

solicitou ao autor deste artigo, à época Diretor de Informática, que<br />

pesquis<strong>as</strong>se e adquirisse um desses softwares – a planilha Lotus –<br />

para uso na sua diretoria. Cerca de um mês após a compra, liga o<br />

dono da empresa de software para o Diretor de Informática. O propósito<br />

do telefonema era pedir desculp<strong>as</strong> e solicitar paciência, pois<br />

o Comte Carneiro havia levantado questões tão importantes e de tal<br />

complexidade, que ele pediu à matriz nos EUA que envi<strong>as</strong>se um dos<br />

46 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 47<br />

técnicos desenvolvedores do programa para tentar esclarecer.<br />

Os Oficiais da Marinha trabalharam também na Aviação Civil!<br />

Na então chamada ARSA (Aeroportos do Rio de Janeiro S/A),<br />

foi criado e implantado um sistema de automação para o Aeroporto<br />

do Galeão, pelo CT (CA) Roberto Antônio L<strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> Bruce, quando<br />

dirigiu o seu Departamento de Informática.<br />

O Comte (IM) Osmar Boavista da Cunha Júnior, e o Comte (CA)<br />

Luiz Fernando Melo de Almeida, em dat<strong>as</strong> posteriores também<br />

dirigiram o Departamento de Informática da ARSA.<br />

N<strong>as</strong> telecomunicações e teleprocessamento de dados<br />

Em 1962, segundo dados da Telebrás, havia no país 1.326.000<br />

linh<strong>as</strong> telefônic<strong>as</strong> instalad<strong>as</strong>. Hoje em dia, contando os aparelhos<br />

celulares temos praticamente uma linha para cada habitante!<br />

Além d<strong>as</strong> linh<strong>as</strong> telefônic<strong>as</strong>, o uso da banda larga e da internet<br />

tem crescido vertiginosamente no Br<strong>as</strong>il, sendo a opinião dos especialist<strong>as</strong><br />

que muito ainda há para se expandir.<br />

No entanto, poucos br<strong>as</strong>ileiros sabem<br />

o longo caminho percorrido até se chegar<br />

a este ponto. “Com b<strong>as</strong>e na reconstituição<br />

d<strong>as</strong> ações que precederam a implantação da<br />

internet no Br<strong>as</strong>il, o artigo tem por objetivo<br />

demonstrar que, como em toda inovação<br />

tecnológica, sua expansão/apropriação é<br />

o resultado de um processo mais longo<br />

do que transparece para o grande público<br />

(...) No país, dependendo de quem fala, <strong>as</strong><br />

estimativ<strong>as</strong> variam de 450 mil a 1 milhão.<br />

Esta incerteza, porém, não parece ser um<br />

problema; acredita-se que a constituição<br />

da clientela da rede também chamada ‘comunidade<br />

virtual’ está apen<strong>as</strong> começando<br />

e que, portanto, esses números só tendem a<br />

crescer num ritmo cada vez mais rápido.”<br />

As citações acima são do excelente artigo,<br />

de 1997, “Redes técnic<strong>as</strong>/redes sociais: a pré-história da Internet no<br />

Br<strong>as</strong>il”, autoria de Tamara Benakouche, disponível para consulta e<br />

leitura na internet.<br />

Na realidade, muitos fatos precederam o estágio atual que foi<br />

alcançado. Mesmo a ampla e ousada privatização d<strong>as</strong> telecomunicações,<br />

que independentemente do ponto de vista de cada um<br />

trouxe mais investimentos para o setor a partir de 1998, não teria<br />

sido possível sem a b<strong>as</strong>e anteriormente formada, para o que os<br />

Oficiais da Marinha contribuíram de forma inequívoca, com se<br />

procurará mostrar a seguir.<br />

Entre <strong>as</strong> providênci<strong>as</strong> que precederam o “boom” d<strong>as</strong> telecomunicações,<br />

merecem ser destacad<strong>as</strong>:<br />

• aprovação do Código Br<strong>as</strong>ileiro de Telecomunicações em 1962;<br />

• criação em julho de 1972 da Telebrás;<br />

• fundação em setembro de 1965 da Embratel, que adquiriu a Companhia<br />

Telefônica Br<strong>as</strong>ileira, e instalou em março de 1966 em Tanguá,<br />

RJ, a primeira estação terrestre de comunicação via satélite;<br />

• implantação pela Telebrás e Embratel, em 1984 da Renpac,<br />

rede de telecomunicações que opera o Sistema de Comunicação<br />

de Dados por Comutação de Pacotes. Na época com a incrível capacidade<br />

de transmitir 512 bytes, à velocidade de 56.000 bits por<br />

segundo (BPS)! A Renpac pode ser considerada como a precursora da<br />

internet, e ainda hoje é comercializada pela Embratel, para empres<strong>as</strong><br />

que necessitam de transmissão de grandes arquivos;<br />

• criação em 1980 da rede Transdata.


Esse conjunto de medid<strong>as</strong> formou a b<strong>as</strong>e para o desenvolvimento<br />

da telefonia, e sua conjugação com a informática foi responsável<br />

pelo surgimento no Br<strong>as</strong>il da então chamada telemática.<br />

Pode-se dizer que tudo isso foi possível em grande parte graç<strong>as</strong><br />

ao Comte (CA) Euclides Quandt de Oliveira, que a partir de 1970<br />

colocou seu dinamismo e visão de futuro n<strong>as</strong> telecomunicações do<br />

país a serviço do Contel, da Telebrás e da Embratel, especialmente<br />

no período em que foi Ministro d<strong>as</strong> Comunicações (1974 a 1979).<br />

O Comte Quandt, apesar da sua capacidade, sempre foi consciente<br />

de que não poderia fazer tudo sozinho. Inteligentemente,<br />

buscou se cercar de uma equipe de técnicos excepcionais tanto<br />

em telecomunicações, quanto em administração, e que fossem<br />

igualmente devotados ao bem público como ele.<br />

Apen<strong>as</strong> para exemplificar, serão mencionados dois membros<br />

daquela equipe, por serem também Oficiais da Marinha e <strong>as</strong>sim<br />

caberem no espírito que norteia este artigo.<br />

Um deles é o Comte (EN) Luiz de Oliveira Machado<br />

que, a partir de 1972, foi um dos pioneiros na Telebrás.<br />

P<strong>as</strong>sou posteriormente para a iniciativa privada, onde<br />

teve muito sucesso. Foi escolhido o Executivo do Ano em<br />

Telecomunicações em 1997. Outro que cabe ser citado é o<br />

CC (IM) Henrique da Costa Ferreira Filho, especializado<br />

em ab<strong>as</strong>tecimento, catalogação e controle de material, que<br />

teve também intensa atuação na Telebrás a partir de 1977,<br />

quando deixou o Serviço Ativo.<br />

Na luta para difundir a informática<br />

Neste tópico, podemos verificar como a Marinha e<br />

seus Oficiais colaboraram para difundir e universalizar o<br />

uso e conhecimento dessa tecnologia. Como já dito anteriormente,<br />

nos primeiros tempos da informática pouco<br />

havia no Br<strong>as</strong>il, em termos de ensino formal. Também<br />

ess<strong>as</strong> atividades não eram regulamentad<strong>as</strong>, muito menos<br />

apoiad<strong>as</strong> por entidades de cl<strong>as</strong>se.<br />

Na Marinha, em 1966 pela primeira vez foi incluída na grade<br />

de matéri<strong>as</strong> ensinad<strong>as</strong> na Escola <strong>Naval</strong>, a cadeira de Processamento<br />

de Dados, substituindo a de Mecanização. Seu primeiro<br />

instrutor foi o Comte (IM) Michel Eli<strong>as</strong> Jorge, que atuou por<br />

30 anos no ensino de informática, e em 1972 publicou o livro<br />

de sua autoria Processamento de dados, adotado em cursos<br />

regulares e universidades do Rio de Janeiro.<br />

Paralelamente, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do<br />

Rio de Janeiro foi criado em 1966 o Rio Data Centro, voltado primordialmente<br />

para a computação científica e também apoiando<br />

os cursos de programação, análise de sistem<strong>as</strong>, tecnólogo de<br />

processamento de dados.<br />

Entre os Oficiais da Marinha que exerceram funções<br />

de professores e coordenadores na PUC não podem deixar<br />

de ser mencionados: o Comte (IM) Boavista, o Comte (CA)<br />

Mário Antônio Monteiro, <strong>as</strong>sim como o Ten (IM) Augusto Dolher<br />

do Carmo do IAG – Instituto de Administração e Gerência. Com<br />

mestrado e doutorado em informática, os Comtes Boavista e Mário<br />

Monteiro, se dedicaram à consultoria e ao ensino, na PUC e outr<strong>as</strong><br />

universidades, como a Estácio de Sá, <strong>as</strong>sim como em cursos regulares<br />

que vieram a ser criados.<br />

Mesmo nos tempos atuais, os Oficiais da Marinha contribuem<br />

para o ensino de informática, como é o c<strong>as</strong>o do Comte (IM) José<br />

Roberto de Souza Bl<strong>as</strong>chek, que deixou o Serviço Ativo em 1997,<br />

leciona na PUC e coordena projetos de TI pela UFRJ, através da Fundação<br />

Coppetec. Segundo depoimento do Comte Bl<strong>as</strong>chek, ainda na<br />

Marinha, trabalhou em diversos projetos ligados à informática, tais<br />

como: Sistema de Ab<strong>as</strong>tecimento da Marinha (Singra); Sistem<strong>as</strong> de<br />

Caixa de Economi<strong>as</strong> e Municiamento da DFM (Quaestor); Sistema<br />

de Pagamento no Exterior da Papem; Controle de Material também<br />

da DFM; Sistema de Controle de Seguros do SASM e Sistema de<br />

Controle de Auditori<strong>as</strong> da DCoM.<br />

Em 1981 foi lançado, pela Editora Campus, no Congresso Nacional<br />

da Sucesu daquele ano, o primeiro livro de programação, que<br />

abordou de forma acadêmica, m<strong>as</strong> b<strong>as</strong>tante acessível para os jovens<br />

que iniciavam a sua aventura no mundo dos microcomputadores.<br />

Este livro, cujo título era B<strong>as</strong>ic básico foi considerado um bestseller.<br />

Vendeu mais de 30 mil exemplares, em cinco edições, e é de<br />

autoria do engenheiro e professor Jorge da Cunha Pereira Filho,<br />

ex-aluno do Colégio e Escola Navais (1954 a 1957), Chefe de Cl<strong>as</strong>se<br />

da Turma de Oficiais Fuzileiros Navais formada em 1957, e que saiu<br />

cedo da Marinha para se dedicar à engenharia e à informática.<br />

Ainda na área de desenvolvimento do ensino, na década de<br />

1980, o Comte (IM) José Maria Sobrinho, um dos fundadores da<br />

empresa PPS, <strong>as</strong>sociou-se ao principal curso de informática em<br />

funcionamento na cidade de São Paulo, instalando no Rio de Janeiro<br />

a filial da Servimec de SP. A Servimec-Rio, durante alguns anos foi<br />

responsável por incontáveis turm<strong>as</strong> de programadores e analist<strong>as</strong><br />

de sistem<strong>as</strong> aptos a trabalharem com os micros e minis que eram<br />

lançados no mercado pela indústria nacional ou importados. Desfeita<br />

a parceria com o curso de São Paulo, o foco do empresário José<br />

Maria Sobrinho não foi desviado. Fundou a JMS – Informática, com<br />

sede no Rio de Janeiro e filial em São Paulo, montando uma rede de<br />

ensino de informática, com material didático próprio e instrutores<br />

especialmente treinados, que substituiu com muito sucesso a filial<br />

Rio da Servimec. O Comte José Maria Sobrinho, já considerado<br />

um líder empresarial, continuou contribuindo para a formação<br />

de pessoal, procurando acompanhar a evolução da informática, ao<br />

atualizar os cursos oferecidos ao mercado.<br />

A seguir será feita uma p<strong>as</strong>sagem pel<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> f<strong>as</strong>es em que<br />

foi projetada a ideia de se criar entidades de cl<strong>as</strong>se congregando <strong>as</strong><br />

empres<strong>as</strong> de informática, que foi iniciada no Rio de Janeiro.<br />

Já foi citada neste ensaio a Sociedade dos Usuários de Computadores<br />

e Equipamentos Subsidiários (Sucesu). A sua Seção do Estado<br />

da Guanabara organizou em 1968 o primeiro de subsequentes e cada<br />

vez mais concorridos Congressos Nacionais de Processamento de<br />

Dados, que contaram para a sua efetivação com a colaboração de<br />

Oficiais da Marinha. O congresso p<strong>as</strong>sou a ser realizado alternando<br />

a cada ano sua Sede entre <strong>as</strong> cidades do Rio de Janeiro e de São<br />

Paulo. Juntamente com o congresso eram montad<strong>as</strong> feir<strong>as</strong> de produtos<br />

de hardware e de software, muito concorrid<strong>as</strong> e procurad<strong>as</strong><br />

por empresários e pelo público interessado na nova tecnologia. A<br />

Marinha procurou sempre prestigiar os congressos, liberando seus<br />

Oficiais e técnicos para <strong>as</strong> palestr<strong>as</strong> sobre o tema informática e até<br />

designando equipes para representá-la nos eventos. A Sucesu, com<br />

representações n<strong>as</strong> principais capitais do país, ainda contribui para o<br />

acompanhamento da evolução da tecnologia da informação – TI.<br />

M<strong>as</strong> faltava uma entidade que represent<strong>as</strong>se <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> do setor!<br />

Em 1976 cinco empres<strong>as</strong> reuniram-se, du<strong>as</strong> del<strong>as</strong> dirigid<strong>as</strong> por<br />

antigos Oficiais da Marinha, e após inúmer<strong>as</strong> discussões, por consenso<br />

resolveram fundar a Assespro/RJ – Associação d<strong>as</strong> Empres<strong>as</strong><br />

de Processamento de Dados. A ideia inicial, bem como a liderança<br />

dos trabalhos foi do empresário de Informática Márcio Canavarro,<br />

que cedeu a sede da sua empresa para <strong>as</strong> inúmer<strong>as</strong> reuniões que<br />

precederam a deliberação final. A PPS, consultoria formada por<br />

antigos Oficiais da Marinha foi representada por um dos seus diretores,<br />

o Comte (IM) Carvalho, tendo também a participação do Ten<br />

(IM) Hilton Freit<strong>as</strong> Pinho, empresário do setor, e que veio a falecer<br />

prematuramente em plena campanha para deputado federal, indicado<br />

que fora pela comunidade de informática do estado do Rio<br />

de Janeiro. Para se ter uma ideia da visão do Ten Hilton, em 1980,<br />

ele já conjecturava sobre a grande rede da internet, <strong>as</strong>sim como<br />

com relação ao futuro da interatividade digital, hoje tão difundida<br />

e aplicada nos celulares e n<strong>as</strong> TVs digitais e a cabo. Participaram<br />

ainda da fundação do Assespro os empresários Benito Paret e<br />

Nelson Ichikawa. Com o dinamismo emprestado pel<strong>as</strong> empres<strong>as</strong><br />

que lutaram pela sua constituição, através dos seus diretores, a nova<br />

entidade teve sucesso imediato. Em poucos anos a <strong>as</strong>sociação adquiriu<br />

foro e âmbito nacional, e dando continuidade à sua influência<br />

no mercado, o Comte (IM) José Maria Sobrinho presidiu a Assespro/<br />

RJ em 1980 e a Assespro nacional de 1981 até 1983.<br />

Em 1988, foi fundado o Sindicato d<strong>as</strong> Empres<strong>as</strong> de Informática<br />

do RJ (Seprorj), atualmente presidido pelo empresário Benito Paret<br />

– um dos fundadores da Assespro, e que tem na sua diretoria atual<br />

um Oficial da Marinha, Ten (CA) Jorge Araújo. A Assespro continua<br />

prestando seus serviços, adaptando seu nome para Associação d<strong>as</strong><br />

Empres<strong>as</strong> Br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> de Tecnologia da Informação.<br />

As empres<strong>as</strong> produtor<strong>as</strong> de software são também representad<strong>as</strong><br />

pela Associação Br<strong>as</strong>ileira de Empres<strong>as</strong> de Software (Abes), fundada<br />

em 1986, na cidade de São Paulo. A Abes teve como um dos<br />

seus objetivos colaborar com a abertura do mercado br<strong>as</strong>ileiro de<br />

informática, meta atingida plenamente em 1992, com o advento do<br />

48 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 49<br />

governo Collor. Segundo essa <strong>as</strong>sociação, em 2009 o Br<strong>as</strong>il tinha<br />

um mercado interno para produtos de software estimado em US$<br />

15 bilhões, exportando US$ 363 milhões (coluna Conexão Global,<br />

O Globo edição do dia 6/7/2010).<br />

Fechando este tópico, não pode deixar de ter uma referência<br />

especial a participação do já citado empresário do setor de informática,<br />

Comte José Maria Sobrinho, quando da sua p<strong>as</strong>sagem pela<br />

Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). Tendo sido eleito<br />

para o Conselho Permanente de Informática de 1983 a 1987, sendo<br />

posteriormente Vice-Presidente da ACRJ, abriu <strong>as</strong> port<strong>as</strong> da Associação<br />

para os empresários discutirem a Reserva do Mercado de<br />

Informática, então ainda defendida pela SEI no âmbito do governo<br />

federal. O Conselho foi palco de incontáveis Ciclos de Palestr<strong>as</strong>, em<br />

que eram ouvidos os titulares d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> produtor<strong>as</strong> de hardware<br />

e software nacionais, <strong>algum<strong>as</strong></strong> del<strong>as</strong> considerando a Reserva intocável,<br />

<strong>as</strong>sim como os empresários que viam na Reserva um limitador<br />

para o seu desenvolvimento, e prejudicial ao crescimento do país.<br />

Este autor teve também o privilégio de participar do Conselho de<br />

Informática como Secretário, e ser testemunho do quanto foi importante<br />

e esclarecedor o embate naquele fórum tão especial.<br />

Conclusões<br />

Nos bancos escolares da Universidade de Ciênci<strong>as</strong> Econômic<strong>as</strong><br />

do Estado do Rio de Janeiro, os mestres ensinaram a este autor e a<br />

tantos quantos tiveram a oportunidade de estudar Macro e Microeconomia,<br />

que a capilaridade e o potencial d<strong>as</strong> micro, pequen<strong>as</strong> e<br />

médi<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, com sua capacidade de gerar emprego, inovar e<br />

atuar com mais flexibilidade nos diversos nichos do mercado, são os<br />

grandes responsáveis pelo desenvolvimento de uma nação. As grandes<br />

e mega empres<strong>as</strong> pesam no contexto, m<strong>as</strong> na realidade não representam<br />

a maior fatia do Produto Interno Bruto. No setor de TI, são<br />

milhares e milhares de empreendimentos, estimulados pelo “boom”<br />

d<strong>as</strong> telecomunicações, e d<strong>as</strong> inovações tecnológic<strong>as</strong> que surgem de<br />

maneira vertiginosa, especialmente a partir do início deste século XXI<br />

em que vivemos. Tudo isto somado à globalização e potencializado<br />

pela velocidade com que <strong>as</strong> novidades são divulgad<strong>as</strong> em um mundo<br />

cada vez mais digitalizado. No Br<strong>as</strong>il não poderia ser diferente. O<br />

empreendorismo na área de TI é fabulosamente rico e variado. Com<br />

a globalização, um produto lançado no mercado é imediatamente absorvido,<br />

gerando em seu entorno uma infinidade de nov<strong>as</strong> aplicações,<br />

e naturalmente mais empres<strong>as</strong> e empregos para o país.<br />

Seria uma tarefa hercúlea tentar quantificar o volume de faturamento,<br />

e o número de empres<strong>as</strong> ligad<strong>as</strong> à TI no mercado br<strong>as</strong>ileiro.<br />

O cumprimento dessa tarefa é perseguido pel<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> <strong>as</strong>sociações<br />

ligad<strong>as</strong> à TI, m<strong>as</strong> altamente dificultado pela mistura e complexidade<br />

d<strong>as</strong> atividades que compõem o amplo espectro dessa tecnologia,<br />

que vai desde o microempresário que leva seus serviços pessoais às<br />

empres<strong>as</strong> de maior porte até <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> multinacionais e os grandes<br />

grupos nacionais, atuantes no “mundo digitalizado”. Todos são<br />

personagens de uma história, que, como se procurou demonstrar<br />

neste artigo, no Br<strong>as</strong>il começou na primeira metade do século XX.<br />

Mais do que tudo, contou com intensa participação da Marinha do<br />

Br<strong>as</strong>il e dos seus abnegados Oficiais, que foram dominados pela<br />

“cachaça” que é o trabalho em TI, expressão tirada do rótulo de<br />

uma pequena moringa de barro que foi distribuída no Congresso<br />

de Informática de 1984 da Sucesu, contendo excelente aguardente<br />

com o título: “INFORMÁTICA, A NOSSA GRANDE CACHAÇA”.<br />

Como foi dito anteriormente, a refrega Reserva de Mercado x<br />

Abertura, foi intensa n<strong>as</strong> du<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong> do século XX. M<strong>as</strong>,<br />

com isenção pode-se afirmar que os dois lados foram importantes


para se atingir o estágio atual. Se não tivesse havido o patriotismo<br />

dos pioneiros, muitos deles da Marinha do Br<strong>as</strong>il, que lançaram<br />

<strong>as</strong> b<strong>as</strong>es para a indústria do hardware e do software apoiados pela<br />

proteção da Reserva, o Br<strong>as</strong>il não teria gerado m<strong>as</strong>sa crítica para<br />

enfrentar a concorrência d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> multinacionais, e lograr<br />

um mínimo de independência d<strong>as</strong> tecnologi<strong>as</strong> alienígen<strong>as</strong>. Do<br />

outro lado, sem a tenacidade dos empresários que, sentindo a necessidade<br />

de acesso às nov<strong>as</strong> tecnologi<strong>as</strong> que surgiam no mercado<br />

mundial, pugnaram pela abertura do mercado, talvez ainda estivéssemos<br />

em estágio muito inferior, ultrap<strong>as</strong>sados pelo “tsunami”<br />

d<strong>as</strong> inovações, lançad<strong>as</strong> em progressão exponencial, ou parados no<br />

tempo, dependendo do contrabando ou como se costumava dizer,<br />

dos “executivos de fronteira”. Para se ter uma ideia, valendo como<br />

amostragem, pois se b<strong>as</strong>eia em dados divulgados sobre <strong>as</strong> maiores<br />

empres<strong>as</strong> do Br<strong>as</strong>il, que logicamente, exclui milhares de micro,<br />

pequen<strong>as</strong> e médi<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, a revista Visão, na sua publicação<br />

Quem é Quem, dos anos de 1977 e 1980, ainda não dedicava um<br />

capítulo específico para <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de TI, ao divulgar os dados<br />

d<strong>as</strong> 200 maiores empres<strong>as</strong> do Br<strong>as</strong>il. Estavam el<strong>as</strong> inserid<strong>as</strong> no<br />

título “Máquin<strong>as</strong>, Aparelhos e Instrumentos para Escritórios”, com<br />

<strong>algum<strong>as</strong></strong> pouc<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> multinacionais listad<strong>as</strong>. Como empresa<br />

nacional somente a Cobra – Computadores, Sistem<strong>as</strong> Br<strong>as</strong>ileiros<br />

S.A. apareceu na listagem de 1980.<br />

A edição especial da revista Exame, de 1983 dedica um capítulo<br />

exclusivo para a Informática, com dados comparativos 83/82. Entre <strong>as</strong><br />

500 maiores empresa do país, estão incluíd<strong>as</strong> 20 do Setor de Informática,<br />

dentre el<strong>as</strong>: IBM, Burroughs, HP,<br />

Olivetti, Xerox, NCR, estrangeir<strong>as</strong>, e<br />

Cobra, Elebra, Scopus, Labo, Microlab,<br />

Edisa, nacionais. Consulta ao balanço<br />

anual da Gazeta Mercantil, publicado<br />

em novembro de 1994, constata que<br />

são listad<strong>as</strong> 27 empres<strong>as</strong>, separad<strong>as</strong><br />

em fabricantes de computadores e de<br />

periféricos; 15 empres<strong>as</strong> de software;<br />

6 consultori<strong>as</strong> e 20 “birôs” privados,<br />

além de empres<strong>as</strong> de comunicações<br />

de dados, automação industrial, centrais<br />

telefônic<strong>as</strong> e telecomunicações<br />

divers<strong>as</strong>. Não elabora um “ranking”<br />

geral, m<strong>as</strong> faz um retrato b<strong>as</strong>tante<br />

consistente do setor de TI. As principais<br />

empres<strong>as</strong> nacionais citad<strong>as</strong> são:<br />

Cobra, Itautec. Medidata, Sisco, Elebra,<br />

Racimec, Proceda, Software de B<strong>as</strong>e,<br />

Progresso, e Cetil Informática.<br />

Verifica-se um notável progresso<br />

de 1977 para 1994, pela simples<br />

constatação do número de empres<strong>as</strong><br />

e a nítida separação da informática<br />

em vários subtítulos, já livre do título<br />

genérico de 1977!<br />

Chegamos finalmente ao ano de<br />

2010!<br />

Ainda com a ressalva deste autor,<br />

de não abranger <strong>as</strong> micros, pequen<strong>as</strong> e<br />

médi<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, a edição especial da<br />

revista Exame, publicada em julho de<br />

2010, se refere à TI como “Mundo Digital”.<br />

Dedica um capítulo para analisar<br />

<strong>as</strong> 50 maiores empres<strong>as</strong> do setor, tod<strong>as</strong> el<strong>as</strong> listad<strong>as</strong> n<strong>as</strong> 1.000 maiores<br />

do Br<strong>as</strong>il. Como o titulo sugere, engloba <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de software e<br />

de hadware de todo o espectro abrangido pela TI. Entre <strong>as</strong> empres<strong>as</strong><br />

ali incluíd<strong>as</strong> estão: Cobra, Scopus, Intel, IBM, Positivo, Terra, Nortel,<br />

Serpro, Itautec, Google, Sony, Prodesp, Totvs, HP, Motorola.<br />

Para se ter uma ideia do potencial est<strong>as</strong> 50 empres<strong>as</strong>, no ano de<br />

2009, junt<strong>as</strong> tiveram um faturamento total equivalente a 39.284,80<br />

milhões de dólares americanos! Ressalte-se que d<strong>as</strong> 50 apen<strong>as</strong> 8 (oito)<br />

sofreram redução em su<strong>as</strong> vend<strong>as</strong> em relação a 2008, mesmo diante<br />

da séria crise financeira internacional. Comparando o número de<br />

2009, acima mencionado, com 1976 no qual <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> incluíd<strong>as</strong> no<br />

título Informática e Material de Escritório, tiveram um faturamento<br />

total equivalente a 840,8 milhões de dólares americanos, houve um<br />

fortíssimo incremento. Deve ser ressaltado que <strong>algum<strong>as</strong></strong> empres<strong>as</strong><br />

multinacionais como a IBM não divulgavam os seus resultados financeiros<br />

para <strong>as</strong> pesquis<strong>as</strong>, o que não acontece atualmente.<br />

Ainda para fins de comparação com os números de 2010, em fevereiro<br />

de 1986 a Secretaria Especial de Informática do Ministério da<br />

Ciência e Tecnologia, cujo Secretário Executivo era o Comte José Ezil<br />

Veiga da Rocha, fez um excelente diagnóstico da informática no Br<strong>as</strong>il,<br />

com o título Perfil da informática na Administração Pública federal.<br />

N<strong>as</strong> su<strong>as</strong> págin<strong>as</strong> 32 a 34 são divulgad<strong>as</strong> estatístic<strong>as</strong> de importação do<br />

setor de informática, detalhado por aplicação, nos anos de 1983/84/85.<br />

Os dados estatísticos abrangem os governos municipais, estaduais e<br />

federais, bem como no setor privado. Os totais d<strong>as</strong> importações podem<br />

ser <strong>as</strong>sim resumidos, (valores expressos em US$ 1,00):<br />

LOBO<br />

Federal 100.473.656 Estadual 28.510.457 Municipal 49.240 Setor<br />

Privado 311.075.619 Totalizando 440.108.972 no ano de 1983.<br />

Federal 105.006.009 Estadual 15.968.492 Municipal 628.688 Setor<br />

Privado 483.640.300 Totalizando 605.243.483 no ano de 1984.<br />

Federal 142.378.627 Estadual 51.871.541. Municipal 1.818.312 Setor<br />

Privado 443.822.150 Totalizando US$ 639.690.630,00 no ano de 1985.<br />

Nos resumos estatísticos apresentados anteriormente, pode ser<br />

observado que de 1983 a 1985, não houve variações consideráveis,<br />

muito embora o total geral tenha crescido cerca de 45%. Pode-se<br />

ressaltar, sem medo de incorrer em erro, que a evolução ocorrida no<br />

setor de tecnologia da informação se deve a três fatores principais:<br />

• a b<strong>as</strong>e instalada na indústria local (hardware, software e<br />

teleprocessamento), fruto do esforço dos pioneiros, muitos deles<br />

da Marinha do Br<strong>as</strong>il;<br />

• a posterior abertura do mercado de informática;<br />

• a dinâmica de crescimento do setor de tecnologia da informação,<br />

que abriu milhares de oportunidades para <strong>as</strong> empres<strong>as</strong><br />

nacionais, complementad<strong>as</strong> pela importação, de forma a atender à<br />

demanda estimulada pelo crescimento do país.<br />

Podemos considerar que o saldo é amplamente positivo, os<br />

números não mentem!<br />

Ao se falar de TI, não pode deixar de ser mencionado o tema<br />

do momento: “cloud computing”, isto é computação n<strong>as</strong> nuvens.<br />

Preocupad<strong>as</strong> com os investimentos para manter imensos bancos<br />

de dados em equipamentos servidores exclusivos, principalmente<br />

quando os volumes de dados têm característic<strong>as</strong> sazonais, foi<br />

desenvolvida a ideia de usar uma rede de servidores tipo internet,<br />

trabalhando em paralelo e sem exclusividade, onde <strong>as</strong> capacidades<br />

de armazenamento são compartilhad<strong>as</strong>. No entanto, é sabido que<br />

uma vez colocad<strong>as</strong> em rede, <strong>as</strong> informações são p<strong>as</strong>síveis de violação<br />

no que se refere a sua segurança. Já dizia Bill Gates, o fundador da<br />

Microsoft, em seu livro A estrada do futuro, que para se ter completa<br />

certeza de que uma informação transmitida estaria completamente<br />

segura, seria necessário usar um algoritmo b<strong>as</strong>eado em números<br />

primos de tal ordem, que o processamento praticamente se tornaria<br />

inviável, por ser muito lento e oneroso!<br />

Nossos filhos e netos, acostumados que estão ao uso dos computadores<br />

pessoais, muit<strong>as</strong> vezes se esquecem de que os chamados “mainframes”,<br />

ainda são necessários. Confirmando essa afirmação, notícia do<br />

jornal O Globo, de 27/7/2010, coluna Conexão Global, dá conta de que<br />

a IBM comemora o lançamento do “zEnterprise System”. Segundo o<br />

titular da coluna citada, Nelson V<strong>as</strong>concelos: “...com os smartphones,<br />

dando conta de qualquer recado, pode parecer anacrônico falar em<br />

mainframes – m<strong>as</strong> quem move a humanidade são eles...”<br />

Ao concluir este despretensioso artigo, <strong>algum<strong>as</strong></strong> considerações<br />

importantes.<br />

A influência dos Oficiais da Marinha que se dedicaram à informática<br />

não ficou restrita aos <strong>as</strong>pectos até aqui abordados. Como mencionado<br />

na seção II, por ser o Serviço de Intendência da Marinha um dos<br />

primeiros setores a se valer da informática, foi natural que entre 1960<br />

e 1980 houvesse uma participação mais ativa dos Oficiais Intendentes<br />

no processo, bem como na sua disseminação na sociedade civil.<br />

Os Oficiais Generais que dirigiram a então Diretoria de Intendência<br />

da Marinha, ao darem seu apoio ao desenvolvimento da informática<br />

tiveram uma visão de futuro. Simbolizando o reconhecimento dessa<br />

atuação, este autor menciona alguns desses antigos Diretores, sob<br />

cujo Comando teve a honra de servir na Marinha: VA (IM) Arnoldo<br />

H<strong>as</strong>selmann Fairbairn; CA (IM) Jorge de Queiroz Combacau e VA (IM)<br />

Estanislau Façanha Sobrinho, que foi o seu último Comandante, antes<br />

de se retirar do Serviço Ativo da Marinha, no ano de 1976.<br />

50 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 51<br />

Quantos são os técnicos, programadores, analist<strong>as</strong>, gerentes de<br />

suporte e de treinamento, e gerentes de TI, que fazem parte da segunda<br />

e até mesmo da terceira geração dos aqui chamados de pioneiros? A semente<br />

da informática foi lançada em campo fértil, nos filhos, sobrinhos,<br />

netos e até nos filhos de amigos que não se envolveram diretamente<br />

com o <strong>as</strong>sunto. È uma corrente que não se quebrará nunca, por não ter<br />

elos fracos. Foi forjada no respeito às leis, no amor à pátria, à Marinha<br />

e no compromisso com o trabalho honesto e honrado. O lema da PPS,<br />

empresa de consultoria da qual este autor foi um dos colaboradores<br />

“Criatividade e Técnica, a Perfeição como Objetivo” se aplica adequadamente<br />

ao trabalho desenvolvido por todos.<br />

Agora perguntariam os leitores, afinal, o que é feito dos personagens<br />

desta história contada resumidamente, m<strong>as</strong> plena de<br />

belos exemplos?<br />

Eis <strong>algum<strong>as</strong></strong> respost<strong>as</strong>:<br />

Muitos já nos deixaram e estão no plano superior, com a certeza<br />

do dever cumprido; outros gozam de merecido descanso junto a seus<br />

familiares, dedicando-se a seus filhos, netos ou a algum hobby, contentes<br />

pela colaboração que deram ao país. Não ficaram milionários,<br />

pois que não é esse o objetivo dos que se dedicam com amor ao que<br />

fazem, sem pensar em negociat<strong>as</strong>, ou em vantagens não merecid<strong>as</strong>.<br />

Outros mais ainda continuam envolvidos com a “cachaça” que é a<br />

informática; e há os que agora se dedicam a uma segunda paixão,<br />

como a música, a literatura, <strong>as</strong> artes plástic<strong>as</strong>, o Flamengo e a Escola<br />

de Samba Portela, com a mesma proficiência.<br />

Para finalizar, o autor pede licença aos possíveis leitores para<br />

dedicar este artigo ao seu querido amigo Comte Edison José Ribeiro,<br />

muito justamente considerado por br<strong>as</strong>ileiros ligados à Administração<br />

Pública federal como um verdadeiro gênio, inovador que foi n<strong>as</strong><br />

prátic<strong>as</strong> de contabilidade, controle e gerenciamento d<strong>as</strong> finanç<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong> usando a tecnologia da informação aliada à sistematização<br />

dos processos administrativos. Em outubro de 1970, a revista Cidades<br />

e Municípios publicou num encarte o trabalho de autoria do Comte<br />

Edison intitulado “Orçamento Programa”, no qual já explanava objetivamente<br />

nov<strong>as</strong> técnic<strong>as</strong> de gestão aplicáveis nos diversos níveis de<br />

governo. Isto é, há 40 anos, ele já antevia o que hoje se torna comum<br />

e mandatório em qualquer governo realmente sério!<br />

este ensaio foi escrito em outubro de 2010.<br />

bibliogRAFiA<br />

O autor se valeu de consult<strong>as</strong> a seus<br />

arquivos, contato pessoal ou por<br />

escrito com alguns personagens<br />

desta pequena história, e de leitur<strong>as</strong><br />

e pesquis<strong>as</strong> divers<strong>as</strong>, entre <strong>as</strong> quais:<br />

• A indústria de informática:<br />

tendênci<strong>as</strong> e oportunidades.<br />

Suma Econômica, 1989.<br />

• Perfil da informática na<br />

Administração Pública federal.<br />

Ministério da Ciência e<br />

Tecnologia, 1986.<br />

• Turma Elmo 1955/2005.<br />

Ney Dant<strong>as</strong>.<br />

• R<strong>as</strong>tro de cobra. Silvia Helena,<br />

internet.<br />

• A estrada do futuro. Bill Gates.<br />

• Núcleo de Memória da PUC-Rio.<br />

Internet.<br />

• Patinho Feio/Redetec. Prof.<br />

Antônio Hélio Guerra Vieira,<br />

internet.<br />

• Anuário CWB de Informática<br />

/88/89. Computerworld do Br<strong>as</strong>il.<br />

• Plano Diretor de Informática.<br />

Sunamam, 1986.<br />

- Págin<strong>as</strong> na Web da Assespro,<br />

Abes, Embratel, Telebrás e Seprorj.<br />

• Página na Web do Museu<br />

da Informática e Tecnologia da<br />

Informação (Miti).<br />

• Wikipédia.<br />

Transcrições e citações<br />

considerad<strong>as</strong> necessári<strong>as</strong> ao seu<br />

melhor entendimento foram<br />

incluíd<strong>as</strong> no texto, sendo <strong>as</strong> fontes<br />

devidamente indicad<strong>as</strong>.<br />

Sobre o autor<br />

Oficial Superior Reformado da<br />

Marinha do Br<strong>as</strong>il componente da<br />

Turma Elmo (1955/1957), bacharel<br />

em Ciênci<strong>as</strong> Econômic<strong>as</strong>, formado<br />

pela UERJ em 1968, Ex-diretor de<br />

empres<strong>as</strong> privad<strong>as</strong> e estatais,<br />

natural de Belo Horizonte - MG,<br />

onde n<strong>as</strong>ceu em 1938


navios da Mb<br />

NDCC<br />

AlmiRANtE<br />

SAboiA<br />

2 aNos de<br />

iNCorporação<br />

à mariNha do br<strong>as</strong>il<br />

CapiTão-de-CorveTa Wagner goularT de SouZa<br />

No próximo dia 21 de maio, o NDCC Almirante Saboia<br />

estará completando seu segundo ano na Marinha do<br />

Br<strong>as</strong>il. Construído pelo estaleiro R. & W. Hawthorn<br />

Leslie and Company Limited e lançado ao mar em<br />

julho de 1966, o NDCC Almirante Saboia foi adquirido<br />

na Inglaterra e incorporado em 21 de maio de 2009 à<br />

Marinha do Br<strong>as</strong>il pela Portaria nº 105/MB, de 23 de<br />

março de 2009, do Comandante da Marinha.<br />

Entre 1994 e 1998 o navio p<strong>as</strong>sou por um “programa de extensão<br />

da sua vida útil” (SLEP – Ship Life Extended Programme). Entre os<br />

diversos serviços realizados durante a modernização destacaram-se<br />

a introdução de uma seção de 12 metros; a substituição de grande<br />

parte d<strong>as</strong> chap<strong>as</strong> d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> viv<strong>as</strong>; uma completa alteração de sua<br />

superestrutura para uma de concepção mais moderna; a substituição<br />

dos dois motores da propulsão e do “Bow Thruster”, para<br />

propulsores mais potentes e modernos; e a substituição de cerca<br />

de 90% d<strong>as</strong> auxiliares.<br />

Após sua obtenção pela Marinha do Br<strong>as</strong>il (MB), o navio realizou<br />

extenso programa de obr<strong>as</strong> no estaleiro A & P Falmouth, no<br />

período de 24 de novembro de 2008 a 21 de maio de 2009, a fim<br />

de adaptá-lo aos requisitos da MB e revitalizá-lo para operação<br />

como Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) na<br />

Esquadra Br<strong>as</strong>ileira.<br />

O navio foi incorporado à Armada em 21 de maio de 2009, ainda<br />

na cidade de Falmouth, no Reino Unido, tendo realizado a travessia<br />

52 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 53<br />

para o Br<strong>as</strong>il no período de 23 de junho a 31 de julho de 2009. A<br />

cerimônia de p<strong>as</strong>sagem de subordinação para o setor operativo<br />

ocorreu em 6 de agosto de 2009.<br />

A missão do navio é “Realizar o transporte de carga e tropa,<br />

transbordos de pessoal, movimento navio-terra (MNT), por superfície<br />

ou helitransportado, abicagens e operações aére<strong>as</strong>, podendo ainda<br />

realizar, com restrições, lançamentos e recolhimentos de carros<br />

lagarta anfíbios (CLAnf), a fim de contribuir para a realização de<br />

operações anfíbi<strong>as</strong>, ribeirinh<strong>as</strong> e de apoio logístico móvel”.<br />

O navio possui ramp<strong>as</strong> na proa e a ré para embarque e desembarque<br />

de viatur<strong>as</strong> e pessoal, du<strong>as</strong> ramp<strong>as</strong> intermediári<strong>as</strong>, ligando<br />

o convés principal (Vehicle Deck) ao convés 3 (Tank Deck), um<br />

guind<strong>as</strong>te de 25t, dois de 8t e dois convoos. O convés 3 (Tank Deck)<br />

possui 124,50m de comprimento e 8m de largura útil para acondicionamento<br />

d<strong>as</strong> viatur<strong>as</strong> e carga geral.<br />

Desde a sua chegada ao Br<strong>as</strong>il, que ocorreu em 31 de julho de<br />

2009, o navio realizou importantes comissões, entre el<strong>as</strong> destacamse<br />

<strong>as</strong> comissões de ajuda humanitária às vítim<strong>as</strong> do terremoto no<br />

Haiti (HAITI VIII e HAITI X), ASPIRANTEX 2010 e 2011, operação ATLÂN-<br />

TICO II/2010, comissões de reab<strong>as</strong>tecimento/revitalização do Posto<br />

Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT V/2009 e POIT VI/2010) e<br />

comissões de familiarização/estágio dos diversos alunos dos Centros/<br />

Escol<strong>as</strong> de Formação de Oficiais e Praç<strong>as</strong> da MB, tais como: CIAW,<br />

CIABA, CIAA, EAMPE, EAMES e EAMCE.<br />

Ao nosso HIPPO da Esquadra, parabéns!!!


saúde<br />

DESAFio DiFíCil DE SER vENCiDo<br />

Maj-brig Méd riCardo l. de g. gerMano<br />

o raio X e<br />

a foto do pulmão<br />

Tabagismo é a doença crônica causada pela<br />

de um fumante<br />

dependência química e psicológica à nicotina.<br />

Sendo <strong>as</strong>sim, o não preenchimento da necessidade<br />

leva à sintomatologia orgânica e psicológica<br />

(síndrome de abstinência). Trata-se de aderência<br />

a uma droga que é aceita pela sociedade.<br />

A adição química à nicotina leva aproximadamente<br />

90 di<strong>as</strong> para ocorrer, e a memória química pode<br />

persistir por muitos anos.<br />

o<br />

tabaco é nativo d<strong>as</strong> Améric<strong>as</strong> e acredita-se que tenha<br />

começado a crescer nessa região por volta de 6000 a.C. As<br />

origens do uso disseminado do tabaco para fumar datam<br />

de 1492, quando Colombo chegou ao Novo Mundo e foi<br />

presenteado pelos nativos americanos com folh<strong>as</strong> de<br />

tabaco. Os espanhóis introduziram a planta na Europa.<br />

Durante todo o século XVIII, o rapé ficou popular em<br />

toda a Europa. No século XIX, o uso do rapé (tabaco de m<strong>as</strong>car de fino<br />

corte, que é colocado dentro da bochecha, ou pó de tabaco que é inalado<br />

pel<strong>as</strong> narin<strong>as</strong>) deu lugar ao tabagismo de charuto. Com a introdução<br />

da fabricação automatizada de cigarros em 1881, o preço dos mesmos<br />

caiu e a popularidade desse tipo de tabagismo aumentou dr<strong>as</strong>ticamente.<br />

Entre 1910 e 1919, a produção de cigarros aumentou em 633%, de<br />

menos de 10 bilhões para mais de 70 bilhões por ano.<br />

Composição do cigarro<br />

Muito além da nicotina e do alcatrão, principais substânci<strong>as</strong><br />

divulgad<strong>as</strong>, cada cigarro possui mais de 4 mil substânci<strong>as</strong>, sendo<br />

em bom número tóxic<strong>as</strong> ou carcinogênic<strong>as</strong>, tais como: acetona,<br />

amônia, naftalina, terebentina, formol e fósforo P4/PE.<br />

Dados epidemiológicos e patológicos<br />

O tabagismo é a principal causa prevenível de doenç<strong>as</strong> graves e<br />

mortes. Entre <strong>as</strong> patologi<strong>as</strong> relacionad<strong>as</strong>, temos:<br />

Câncer (pulmão, bexiga, próstata, mama, cavidade oral, língua,<br />

faringe, laringe, esôfago, estômago, cólon e outros), doença cardiov<strong>as</strong>cular<br />

isquêmica (hipertensão arterial, aterosclerose, infarto do<br />

miocárdio, derrame etc.), DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica),<br />

osteoporose, g<strong>as</strong>trite, úlcera péptica, disfunção erátil e outr<strong>as</strong>. O<br />

cenário atual do tabagismo é de uma pandemia, tendo-se 1,25 bilhão<br />

de fumantes no mundo, sendo 33 milhões no Br<strong>as</strong>il, causando cinco<br />

milhões de mortes por ano em todo o planeta, d<strong>as</strong> quais 200 mil no<br />

nosso país. Projetando-se <strong>as</strong> mortes para o período 2025-2030 teremos<br />

nos países desenvolvidos três milhões por ano e nos países emergentes<br />

sete milhões por ano. Deve ser mencionado que os fumantes p<strong>as</strong>sivos<br />

correm os mesmos riscos, embora em menor intensidade.<br />

Como dito na definição, a nicotina causa dependência física e<br />

psicológica, transformando o tabagismo em uma condição de difícil<br />

tratamento. Os sintom<strong>as</strong> de abstinência são: físicos: enxaqueca, palpitações,<br />

fome e náuse<strong>as</strong> – e psicológicos: ansiedade, irritabilidade,<br />

perda de identidade, depressão e estresse.<br />

Abordagem terapêutica<br />

Em primeiro lugar deve ser ressaltado que o fato de o fumante<br />

querer parar com a prática do tabagismo é fundamental para que se<br />

g<strong>as</strong>te energia com a abordagem terapêutica. Se o fumante não estiver<br />

motivado para contribuir, será perda total de tempo e recursos.<br />

Por outro lado, o ideal é que uma equipe multidisciplinar e profissional<br />

participe dessa abordagem. Essa equipe deve ser composta<br />

de: médico (preferencialmente, clínico geral), psicólogo, <strong>as</strong>sistente<br />

social e enfermeir<strong>as</strong> sendo coordenada pelo primeiro.<br />

Surgindo a necessidade, pareceres de outros especialist<strong>as</strong> serão<br />

solicitados. Dito isto, a abordagem terapêutica deverá ser: não<br />

medicamentosa e medicamentosa.<br />

Abordagem não medicamentosa: seu objetivo é auxiliar o<br />

54 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 55<br />

fumante a lidar com o estresse, estimular<br />

habilidades para resistir às tentações de<br />

fumar e prevenir <strong>as</strong> recaíd<strong>as</strong>. “Os nove<br />

p<strong>as</strong>sos para parar de fumar” ajudam<br />

muito e são os seguintes: Acredite:<br />

você pode e deve parar de fumar.<br />

Planeje: informe-se sobre o <strong>as</strong>sunto e<br />

organize-se para partir com tod<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />

forç<strong>as</strong> para esse projeto. Contabilize: os<br />

recursos g<strong>as</strong>tos com o cigarro poderão<br />

ser investidos em cois<strong>as</strong> melhores para<br />

você e sua família. M<strong>as</strong> o maior rendimento<br />

é o da saúde. Peça ajuda: a equipe multidisciplinar<br />

estará à sua disposição nessa hora. Escolha:<br />

discuta com a equipe que o acompanha e, devidamente<br />

<strong>as</strong>sessorado, encontre a melhor abordagem para seu c<strong>as</strong>o. Priorize:<br />

esse deve ser seu principal objetivo no momento. Agende: é fundamental<br />

marcar o dia e a hora para parar de fumar. Resista: lembre-se<br />

de que para toda grande vitória é necessário esforço. Você não é um<br />

perdedor. Tente outra vez: a guerra não acabou, portanto respire<br />

fundo e parta determinante para vencer a batalha final.<br />

Nessa abordagem, o uso de uma dieta saudável (pouco hidrato<br />

de carbono, gordura vegetal, aves, peixes, verdur<strong>as</strong>, legumes e frut<strong>as</strong>),<br />

além de atividade física regular, ajuda em dem<strong>as</strong>ia. Reuniões<br />

com a equipe multidisciplinar e com pacientes bem-sucedidos são<br />

importantes também.<br />

Abordagem medicamentosa: os fármacos disponíveis para o<br />

auxílio ao abandono do tabagismo são:<br />

• reposição de nicotina: sob a forma de adesivo cutâneo de<br />

liberação lenta ou goma de m<strong>as</strong>car;<br />

• antidepressivos: entre estes funciona melhor a bupropiona;<br />

• tartarato de vareniclina: por sua dupla ação agonista e antagonista<br />

dos receptores nicotínicos α4 α 2 a vareniclina funciona como<br />

um tipo de “falso cigarro”. Pela ação agonista estimula a liberação<br />

de dopamina que, mesmo em menor quantidade, proporciona<br />

alívio ao fumante. Como antagonista, ocupa o receptor nicotínico,<br />

evitando a ação da nicotina circulante. Assim, o fumante tende a<br />

abandonar o cigarro mais facilmente. Com o advento da vareniclina,<br />

os resultados se têm mostrado animadores, pois antes dela o índice<br />

de recaída mostrava-se elevado.<br />

mensagem final<br />

Espero que os tabagist<strong>as</strong> e seus familiares (inclusive os fumantes<br />

p<strong>as</strong>sivos) tenham compreendido a intensidade do mal chamado<br />

tabagismo e motivem-se para vencer esse desafio. Nesse c<strong>as</strong>o querer<br />

é fundamental para se poder.


Chile<br />

oS<br />

viagens<br />

Texto e fotos:<br />

CapiTão-TenenTe roSa nair MedeiroS<br />

gêiseres, vulcões, lagos de sal, cenários<br />

que remetem a outra atmosfera, à<br />

lua, a Marte. Tudo isso é o atacama e<br />

muito mais... estar ali, em paisagens<br />

esculpid<strong>as</strong> há milhões de anos, é ter<br />

um encontro único com a pachamama,<br />

a Mãe Terra para os atacamenhos.<br />

o valle<br />

de la luna<br />

bElíSSimoS<br />

CoNtRAStES<br />

Do DESERto<br />

Do AtACAmA<br />

Depois de alguns di<strong>as</strong> em Santiago, cidade cosmopolita<br />

e ao mesmo tempo aconchegante, viajei para Calama.<br />

Destino: o deserto do Atacama, localizado a 1.300 quilômetros<br />

da capital chilena, entre o Oceano Pacífico e<br />

a Cordilheira dos Andes, numa superfície de mais de<br />

106 mil quilômetros quadrados, que vai de Copiapó (no<br />

norte do Chile) à fronteira com o Peru.<br />

Depois de du<strong>as</strong> hor<strong>as</strong> de voo, foi preciso mais de uma hora na<br />

estrada até a simpática cidadezinha de San Pedro (província de<br />

Antofag<strong>as</strong>ta), a b<strong>as</strong>e da maioria dos turist<strong>as</strong> no deserto. Ao chegar,<br />

realizei o primeiro p<strong>as</strong>seio, ao famoso Valle de la Luna, na Cordilheira<br />

de Sal – antigo lago cujo fundo se levantou há milhões de<br />

anos, em razão dos mesmos movimentos na crosta terrestre que<br />

deram origem à Cordilheira dos Andes.<br />

O vento e outros fenômenos atmosféricos moldaram ao longo do<br />

tempo a Cordilheira de Sal, surgindo <strong>as</strong>sim impressionantes form<strong>as</strong><br />

e escultur<strong>as</strong> naturais. Devido à diversidade mineral do local (sal,<br />

56 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 57<br />

os gêiseres, a<br />

4.300 metros de altura<br />

e a temperatur<strong>as</strong> de<br />

até16 gráus negativos<br />

gesso, argila e outros minerais), apresenta diferentes estratificações<br />

e colorações. De mirantes tem-se a vista para o Salar de Atacama, a<br />

cadeia de vulcões pertencentes à Cordilheira dos Andes, particularmente<br />

o Licancabur, e o vale que forma o oásis de San Pedro.<br />

A primeira parada que fizemos (um grupo composto de turist<strong>as</strong><br />

de vários países) foi na Quebrada de Cari. Depois de descer dezen<strong>as</strong><br />

de metros por uma duna, chegamos a um desfiladeiro, onde paramos<br />

para observar <strong>as</strong> roch<strong>as</strong> e ouvir <strong>as</strong> explicações do guia sobre os minerais<br />

que <strong>as</strong> formam, como o sulfato de cálcio. O p<strong>as</strong>seio prosseguiu<br />

em direção ao Valle de la Muerte, encravado n<strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> formações<br />

esculpid<strong>as</strong>, com tonalidades avermelhad<strong>as</strong> e manch<strong>as</strong> branc<strong>as</strong>. Segundo<br />

uma versão, os atacamenhos não entenderam bem quando o padre<br />

e arqueólogo Gustavo Le Paige, que explorou a região na década de<br />

1950, chamou o lugar de Vale de Marte, devido ao solo avermelhado<br />

e extremamente ressecado semelhante ao daquele planeta.<br />

Retornamos à estrada que corta a Cordilheira, na direção de Calama,<br />

e logo entramos no Valle de la Luna, uma grande depressão, com


solo salino, rodeada por morros com formações exótic<strong>as</strong> lembrando<br />

o solo lunar. O entardecer é um momento especial, quando <strong>as</strong> cores<br />

ficam ainda mais fortes e bel<strong>as</strong>. Na grande cratera central há uma<br />

impressionante duna de areia; o seu topo é um dos mais concorridos<br />

mirantes. De lá, pode-se ver o pôr do sol no céu magenta, em meio<br />

a vários picos andinos. Aos poucos surge uma paleta de cores – tons<br />

laranja, depois vermelho, rosa, lilás, azul.<br />

Findo o espetáculo, voltamos ao centro de San Pedro, onde<br />

os restaurantes na rua principal, a Caracoles, viram pontos de<br />

encontro. O mais conhecido é o café Adobe, onde os atacamenhos<br />

e turist<strong>as</strong> costumam combinar fest<strong>as</strong>.<br />

Caracoles,<br />

a rua principal<br />

o deserto<br />

Considerado o deserto mais seco do mundo, o Atacama guarda<br />

grandes riquez<strong>as</strong>, como o cobre (a maior del<strong>as</strong>), lítio e outros minerais,<br />

o que já foi motivo de disput<strong>as</strong>, como a Guerra do Pacífico, em<br />

que o Chile perdeu boa parte da Patagônia para a Argentina (devido<br />

a um acordo que <strong>as</strong>segurava a neutralidade desse país no conflito),<br />

m<strong>as</strong> garantiu, em 1883, <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> de Antofag<strong>as</strong>ta (pertencente<br />

à Bolívia) e Taparacá, que pertencia ao Peru. No entanto, a maior<br />

riqueza da região é a aquela contemplada por milhares de visitantes<br />

a cada ano, os contr<strong>as</strong>tes da natureza nesse deserto n<strong>as</strong> altur<strong>as</strong>.<br />

Nele estão mais de 150 vulcões, dos quais dois estão ativos e três<br />

em semiatividade. M<strong>as</strong> é o Lincancabur, um vulcão inativo, com mais<br />

de 5 mil metros de altura, que marca a paisagem e fixa-se na memória<br />

dos viajantes. Considerado sagrado pelos atacamenhos (significa “Pai<br />

da Gente”), está localizado a cerca de 45 quilômetros de San Pedro, e é<br />

um cone qu<strong>as</strong>e perfeito; na sua cratera há um lago de cor esverdeada.<br />

O L<strong>as</strong>car, a 70 quilômetros de San Pedro e a 5.600 metros acima do<br />

nível do mar, é outro que marca presença. Considerado um vulcão<br />

semiativo, de vez em quando surpreende lançando cinz<strong>as</strong>.<br />

As temperatur<strong>as</strong> no deserto são outro desafio, variam entre zero<br />

grau à noite e 40 graus durante o dia. Devido a ess<strong>as</strong> condições<br />

existem pouc<strong>as</strong> cidades e vil<strong>as</strong>, a mais conhecida é San Pedro do<br />

Atacama, que tem pouco mais de 5 mil habitantes e está a 2.400<br />

Algum<strong>as</strong><br />

peç<strong>as</strong> do museu<br />

Arqueológico<br />

Pe. le Paige<br />

o valle<br />

de la muerte<br />

impressionantes<br />

escultur<strong>as</strong> naturais<br />

metros de altitude. Considerada um oásis no meio do deserto, é o<br />

principal ponto de encontro de viajantes do mundo inteiro.<br />

lago<strong>as</strong> miscanti e miñiques<br />

No dia seguinte, fui ao Salar de Atacama, combinado com <strong>as</strong> lago<strong>as</strong><br />

Miscanti e Miñiques, que ficam dentro da Reserva Nacional dos<br />

Flamingos. No Salar impressionam <strong>as</strong> pedr<strong>as</strong> de sal; já n<strong>as</strong> lago<strong>as</strong>,<br />

destaca-se o azul intenso em contr<strong>as</strong>te com <strong>as</strong> montanh<strong>as</strong> em tons<br />

de bege e cinza. Começamos pelo Salar, localizado a 55 quilômetros<br />

de San Pedro e a 2.300 metros acima do nível do mar, cercado por<br />

montanh<strong>as</strong>, onde não há saíd<strong>as</strong> para drenagem de água. Na sua<br />

superfície pode-se observar crost<strong>as</strong> de sal gerad<strong>as</strong> pelo acúmulo<br />

de cristais produzidos pela evaporação de águ<strong>as</strong> subterrâne<strong>as</strong>. O<br />

ponto de entrada, que permite uma exploração parcial do local, é o<br />

de acesso à lagoa Chaxa, onde habitam flamingos de três espécies<br />

(andino, chileno e James).<br />

58 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 59<br />

Flamingos,<br />

habitantes da<br />

lagoa Chaxa<br />

Após essa incursão pelo salar é hora de experimentar altitudes<br />

maiores. A 4 mil metros na Cordilheira dos Andes, forma-se<br />

uma meseta, pequeno planalto, conhecida como altiplano, com<br />

pequenos lagos e pântanos. É lá que estão <strong>as</strong> lago<strong>as</strong> Miscanti e<br />

Miñiques, a 110 quilômetros de San Pedro e a 28 quilômetros do<br />

povoado de Socaire.<br />

Na paisagem destacam-se os vulcões Miscanti e Miñiques que,<br />

junto a montanh<strong>as</strong> de pont<strong>as</strong> negr<strong>as</strong>, dão forma a ess<strong>as</strong> lago<strong>as</strong><br />

irmãs, separad<strong>as</strong> por uma pequena faixa de terra. El<strong>as</strong> recebem<br />

Deserto<br />

de Atacama,<br />

o mais seco<br />

do mundo


ecarg<strong>as</strong> de água subterrânea, d<strong>as</strong> chuv<strong>as</strong> de verão e do degelo<br />

dos cumes. No inverno é possível observar sua superfície qu<strong>as</strong>e<br />

totalmente congelada.<br />

<strong>Há</strong> milhões de anos a paisagem deste setor era diferente; <strong>as</strong><br />

águ<strong>as</strong> provenientes da alta cordilheira escorriam livremente<br />

frente aos vulcões Miscanti e Miñiques, chegando até o Salar, o<br />

qual gerava um pequeno rio. Uma erupção do vulcão Miñiques,<br />

ocorrida há menos de um milhão de anos, cortou o avanço d<strong>as</strong><br />

águ<strong>as</strong>, conformando <strong>as</strong> lago<strong>as</strong>.<br />

No retorno há uma parada para almoço em Socaire, um pequeno<br />

vilarejo, e outra em Toconao, povoado com menos de mil habitantes,<br />

com c<strong>as</strong>inh<strong>as</strong> feit<strong>as</strong> de pedra vulcânica (liparita) e lojinh<strong>as</strong> de<br />

artesanato, onde encontram-se desde escultur<strong>as</strong> em pedra vulcânica,<br />

únic<strong>as</strong> na região, tecidos de lã e trabalhos em madeira de cactus,<br />

algarrobo e tamarugo.<br />

Próximo a Toconao está a Quebrada de Jere, um cânion fértil que<br />

r<strong>as</strong>ga o deserto com paredes de mais de 20 metros de altura. Nesse<br />

oásis, ao longo de um pequeno rio, são plantad<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> frut<strong>as</strong>.<br />

Jatos d’água fervente que brotam da terra<br />

Enfrentar o frio intenso e o sono da madrugada; é <strong>as</strong>sim que<br />

começa o p<strong>as</strong>seio aos gêiseres del Tatio. Os ônibus p<strong>as</strong>sam nos hotéis<br />

às quatro hor<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> vale a pena para ver uma d<strong>as</strong> atrações mais<br />

impressionantes do Atacama. Localizados a 99 quilômetros de San<br />

Pedro, os gêiseres estão a 4.300 metros de altitude, e <strong>as</strong> temperatur<strong>as</strong><br />

vão de oito a 16 graus negativos. Madrugar é preciso porque a água<br />

é lançada de fissur<strong>as</strong> no solo somente<br />

ao amanhecer, a partir d<strong>as</strong> seis hor<strong>as</strong>,<br />

a uma altura de até 10 metros e a uma<br />

temperatura de 85 graus. Esse campo<br />

geotérmico é formado por 40 gêiseres,<br />

60 term<strong>as</strong> e 70 fumarol<strong>as</strong> numa extensão<br />

de 3 quilômetros quadrados.<br />

À medida que o sol vai n<strong>as</strong>cendo<br />

por trás da cadeia de montanh<strong>as</strong>,<br />

a visão da paisagem torna-se ainda<br />

mais espetacular. O guia explica que<br />

os gêiseres são formados quando a<br />

água subterrânea que se encontra n<strong>as</strong><br />

fissur<strong>as</strong> e cavidades entra em contato<br />

com roch<strong>as</strong> quentes, ocorrendo então<br />

o aquecimento da água. Quando a<br />

temperatura atinge um ponto crítico,<br />

entra rapidamente em ebulição.<br />

Próximo ao local há uma parada<br />

numa piscina térmica natural, onde<br />

o vulcão<br />

miscanti<br />

muitos aproveitam para banhar-se. Toda a área em volta dos gêiseres<br />

é muito bela. No caminho de volta p<strong>as</strong>sa-se por longos trechos de terra<br />

dourada e avermelhada, onde não raro encontram-se vicunh<strong>as</strong>.<br />

Para completar o p<strong>as</strong>seio, os turist<strong>as</strong> podem experimentar o churr<strong>as</strong>quinho<br />

de lhama no povoado de Machuca, onde pode-se fotografar<br />

<strong>as</strong> c<strong>as</strong>inh<strong>as</strong> e a igreja em cima do morro. M<strong>as</strong> o maior charme desse<br />

lugar é o fato de viverem ali apen<strong>as</strong> seis habitantes, o que garante um<br />

ar de cidade perdida no deserto. As pouc<strong>as</strong> famíli<strong>as</strong> que viviam em<br />

Machuca foram deixando o local para garantirem uma vida melhor.<br />

Os que decidiram ficar sobrevivem da pecuária e do turismo.<br />

Flutuar na lagoa Cejar<br />

Localizada a cerca de 30 quilômetros de San Pedro, essa lagoa<br />

de cor verde-esmeralda e margens cristalizad<strong>as</strong> é chamada de mar<br />

um geiser<br />

lançando<br />

água quente,<br />

que pode alcançar<br />

até 10 metros de altura<br />

morto sul-americano, por ter água com alta taxa de salinidade,<br />

impedindo que os banhist<strong>as</strong> afundem. Por precaução recomend<strong>as</strong>e<br />

que se leve chinelos para caminhar sobre o solo a fim de evitar<br />

acidentes n<strong>as</strong> plac<strong>as</strong> afiad<strong>as</strong> de sal.<br />

Depois de desfrutar dessa experiência única, o p<strong>as</strong>seio prossegue<br />

até Los Ojos e a seguir à lagoa<br />

Tebenquiche. Los Ojos são du<strong>as</strong><br />

impressionantes crater<strong>as</strong> justapost<strong>as</strong><br />

encontrad<strong>as</strong> em pleno Salar do Atacama,<br />

com água de cor azulada que até<br />

hoje têm sua origem desconhecida.<br />

Alguns dizem que são o resultado da<br />

queda de meteoritos na região. Muitos<br />

turist<strong>as</strong> não resistem e banham-se<br />

ness<strong>as</strong> profund<strong>as</strong> piscin<strong>as</strong>. Já a lagoa<br />

Tebenquiche abriga flamingos e<br />

outros pássaros. As su<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> são<br />

verdadeiros espelhos refletindo tudo<br />

a sua volta; mais um lindo lugar para<br />

apreciar o pôr do sol.<br />

As llham<strong>as</strong>,<br />

em um oásis<br />

próximo ao<br />

povoado de<br />

machuca<br />

A lagoa Cejar,<br />

também chamada<br />

de mar morto<br />

sul-americano<br />

Outros lugares interessantes são <strong>as</strong> Term<strong>as</strong> de Puritama,<br />

piscin<strong>as</strong> naturais de águ<strong>as</strong> quentes em meio ao<br />

deserto, e o Salar de Tara, a 100 quilômetros de San Pedro<br />

e a 4.300 metros de altitude, onde encontram-se escultur<strong>as</strong><br />

de pedr<strong>as</strong> feit<strong>as</strong> pelo vento e pela erosão, como os Monjes<br />

de La Pacana, o C<strong>as</strong>telo de Tara, e um lago de água azulpiscina<br />

que vai se estendendo até tornar-se branco de sal.<br />

O Valle del Arcoiris, onde montanh<strong>as</strong> de rocha de vári<strong>as</strong><br />

cores formam uma paisagem fantástica, é também um<br />

destino muito procurado.<br />

Sítios arqueológicos<br />

Para os que desejam conhecer mais sobre a parte<br />

histórica do Atacama e seus povos, há um tour específico.<br />

Nos arredores de San Pedro, considerada a capital<br />

arqueológica do Chile, encontram-se vários sítios atacamenhos,<br />

como a Aldea de Tulor, vestígio habitacional<br />

mais antigo do Salar, e Pukará de Quitor, construção pré-incaica<br />

de caráter defensivo.<br />

Tulor é um conjunto de construções circulares interconectad<strong>as</strong>,<br />

habitado entre 800 aC e 200 dC pelos antigos povos atacamenhos.<br />

Do mirante construído sobre <strong>as</strong> ruín<strong>as</strong>, é possível ver parte<br />

dos trabalhos de escavação que foram realizados.<br />

As ruín<strong>as</strong> de Pukará de Quitor não estão muito bem preservad<strong>as</strong>,<br />

mesmo <strong>as</strong>sim pode-se imaginar a distribuição espacial d<strong>as</strong><br />

edificações. Localizada na Cordilheira de Sal, proporciona uma<br />

bela vista do vale que está em seu entorno. De San Pedro dá para<br />

ir caminhando ou de bicicleta.<br />

O p<strong>as</strong>seio termina com visita ao Museu Arqueológico Pe. Le<br />

Paige, onde há exibição de divers<strong>as</strong> peç<strong>as</strong> da evolução dos povoados<br />

um dos<br />

los ojos<br />

60 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 61<br />

atacamenhos, também objetos da cultura inca e espanhola.<br />

M<strong>as</strong> não é só entre montanh<strong>as</strong>, vulcões, gêiseres, lago<strong>as</strong> de sal<br />

que o Atacama nos arrebata. Com um dos céus mais limpos do<br />

planeta, o deserto é um paraíso para os <strong>as</strong>trônomos. Por isso, a 30<br />

quilômetros de San Pedro, a 5.100 metros de altura, está sendo<br />

implantado o grande conjunto de radiotelescópio, o Atacama Large<br />

Millimeter Array (Alma), reunindo cientist<strong>as</strong> de vários países. As<br />

imagens terão 10 vezes mais detalhes que <strong>as</strong> capturad<strong>as</strong> pelo Hubble<br />

e a previsão é de que esteja pronto em 2012.<br />

Por enquanto, há observatórios particulares como o do Hotel<br />

Explora e o do <strong>as</strong>trônomo francês Alain Maury. M<strong>as</strong> o melhor mesmo<br />

é contemplar naturalmente o céu salpicado de estrel<strong>as</strong>, que ali<br />

parecem estar mais perto.<br />

lagun<strong>as</strong><br />

altiplanic<strong>as</strong>


crônica<br />

Almirantado.<br />

Capitão-de-mar-e-guerra (Cd)<br />

leoNor amélia de mello barros<br />

da CuNha reetz<br />

“Se seus sonhos estiverem n<strong>as</strong> nuvens,<br />

não se preocupe, pois eles estão no lugar<br />

certo; agora, construa os alicerces.”<br />

lendo há poucos di<strong>as</strong> a Revista Marítima Br<strong>as</strong>ileira de junho<br />

de 2010, deparei-me com este dito chinês atribuído a<br />

Chuang Tzu, num artigo de autoria do Contra-Almirante<br />

(Ref) Reginaldo Gomes Garcia dos Reis.<br />

Dei-me conta então que, há exatos 30 anos coloquei<br />

meus sonhos n<strong>as</strong> nuvens e iniciei a construção<br />

de sólidos alicerces.<br />

Lembro-me quando, em fevereiro de 1980, graduada em<br />

Odontologia há apen<strong>as</strong> dois meses, atravessei pela primeira vez<br />

o portão do 1º Distrito <strong>Naval</strong>, embarcando rumo ao Centro de<br />

Instrução Almirante Wandenkolk, para <strong>as</strong>sistir à formatura militar<br />

de alguns coleg<strong>as</strong> de turma da faculdade, que ingressavam<br />

como Oficiais da Reserva da Marinha.<br />

Como num verdadeiro c<strong>as</strong>o de amor à primeira vista, a visão do<br />

belo cenário da Ilha d<strong>as</strong> Enxad<strong>as</strong>, a imponência da cerimônia com<br />

seus garbosos oficiais em seus impecáveis uniformes brancos e o<br />

salário b<strong>as</strong>tante atraente que iriam receber, encantaram-me profundamente,<br />

levando-me a pensar e desejar intensamente a mesma oportunidade.<br />

Completamente apaixonada, sonhei tornar-me militar!<br />

Alguns meses mais tarde, soube que o então Ministro da<br />

Marinha, Alte Maximiano Eduardo da Silva Fonseca, <strong>as</strong>sinara<br />

uma Portaria criando o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da<br />

Marinha, em 7 de julho de 1980, numa atitude ousada e pioneira,<br />

permitindo o ingresso daquel<strong>as</strong> que, voluntariamente, desejavam<br />

servir à pátria e à Marinha do Br<strong>as</strong>il.<br />

Vi, <strong>as</strong>sim, surgir a tão desejada e sonhada oportunidade.<br />

Sem esmorecer diante do frac<strong>as</strong>so no primeiro concurso, persegui<br />

meu objetivo, obtendo êxito no ano seguinte e ingressando,<br />

em 1982, na 2ª Turma de Oficiais do Corpo Auxiliar Feminino, com<br />

sonhar<br />

com o<br />

por<br />

que não?<br />

a alegria e o entusi<strong>as</strong>mo próprios de quem realizava um sonho e<br />

começava a fazer parte da história naval do Br<strong>as</strong>il.<br />

Estava pronta a b<strong>as</strong>e. Havia me tornado militar! E o orgulho<br />

que senti ao pronunciar diante dos meus pais, familiares e divers<strong>as</strong><br />

autoridades presentes, o Juramento à Bandeira, <strong>as</strong>sumindo o<br />

compromisso de defender a pátria com o sacrifício da própria vida,<br />

fez-me ter a certeza de que um dia, nós mulheres, seríamos mais que<br />

Capitão-de-Fragata, que era o último posto previsto para o Quadro<br />

Feminino de Oficiais. Seríamos sim, Almirantes! Por que não?<br />

As oficiais do Quadro Feminino, formad<strong>as</strong> n<strong>as</strong> mais divers<strong>as</strong><br />

especialidades d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de saúde, de tecnologia e human<strong>as</strong>, sem<br />

distinções, só seriam efetivad<strong>as</strong> ou não após nove anos de serviço,<br />

sendo que antes, porém, deveriam ser reavaliad<strong>as</strong> a cada triênio.<br />

Entretanto, a Alta Administração <strong>Naval</strong> atenta à competência,<br />

profissionalismo e total adaptação d<strong>as</strong> oficiais à vida militar,<br />

promulgou, em 1987, nova lei, efetivando aquel<strong>as</strong> que já haviam<br />

p<strong>as</strong>sado pela primeira avaliação da Comissão de Promoção de Oficiais<br />

e elevando o último posto a Capitão-de-Mar-e-Guerra, numa<br />

significativa conquista.<br />

Subíamos, <strong>as</strong>sim, mais um posto na escala hierárquica e com<br />

ele o meu alicerce e a convicção plena de que um dia, nós mulheres,<br />

ainda seríamos Almirantes! E este sonho não me abandonava.<br />

Estava, portanto, em igualdade de condições perante meus<br />

coleg<strong>as</strong> do Quadro de Cirurgiões-Dentist<strong>as</strong>.<br />

O que era então exclusividade m<strong>as</strong>culina foi gradativamente, por<br />

nós mulheres, sendo desbravado e à medida que o tempo p<strong>as</strong>sava,<br />

vivenciávamos cada vez mais experiênci<strong>as</strong> numa clara evidência<br />

de igualdade de deveres e direitos, a qual culminou com a reestruturação<br />

de Corpos e Quadros e a consequente extinção do Corpo<br />

Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha em 1997.<br />

Com a transferência d<strong>as</strong> oficiais para os diversos Corpos e Quadros<br />

já existentes, e onde já havia a previsão de se alcançar o posto de Vice-<br />

Almirante, a oportunidade para <strong>as</strong> mulheres atingirem o Almirantado<br />

deixou de ser apen<strong>as</strong> um sonho. Tornou-se real! Que grande vitória<br />

62 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 63<br />

feminina! As mulheres já poderiam, sim, ser Almirantes!<br />

Contudo, a alegria da conquista alcançada pel<strong>as</strong> oficiais que<br />

teriam essa chance foi, pouco a pouco, sendo substituída pela<br />

frustração de saber que nem tod<strong>as</strong> teriam a mesma oportunidade.<br />

Somente <strong>as</strong> médic<strong>as</strong> e engenheir<strong>as</strong> transferid<strong>as</strong> para seus respectivos<br />

quadros e <strong>as</strong> intendentes do Quadro Complementar, quando<br />

fossem transferid<strong>as</strong> para o Corpo de Intendentes, usufruiriam dessa<br />

prerrogativa. Seriam então ess<strong>as</strong> especialidades mais importantes<br />

que <strong>as</strong> demais para serem merecedor<strong>as</strong> de tal privilégio?<br />

Mesmo apaixonada pela carreira, como não se entristecer ao ver<br />

que Quadros que compõem o mesmo Corpo não possuem <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong><br />

oportunidades? Afinal, todos aqueles que ingressam com formação<br />

acadêmica universitária, realizam o mesmo curso de adaptação à<br />

vida militar, o mesmo juramento à bandeira e os mesmos cursos<br />

de carreira até o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra.<br />

Sei que diferenç<strong>as</strong> ocorrem também entre os oriundos da Escola<br />

<strong>Naval</strong>, onde o Corpo de Intendentes, que carrega em sua história<br />

241 anos de existência, ainda não possui entre os seus integrantes,<br />

um Almirante-de-Esquadra, a exemplo do Corpo da Armada e do<br />

Corpo de Fuzileiros Navais, que há 30 anos promoveu o seu primeiro<br />

Almirante-de-Esquadra numa justa e merecida vitória.<br />

Entretanto, o fato de ter servido à Escola Superior de Guerra<br />

por pouco mais de quatro anos, além de ter realizado um dos<br />

cursos ministrados por aquela instituição, onde o pensamento da<br />

igualdade de oportunidades era amplamente propalado, tornou esse<br />

sentimento cada vez mais arraigado em meu ser.<br />

É nesse sentido que sonho em ver um dia, o Quadro de Cirurgiões-<br />

Dentist<strong>as</strong> ao qual pertenço e que este ano completa 75 anos de existência<br />

com excelentes serviços prestados à Família <strong>Naval</strong>, <strong>as</strong>cender<br />

ao Almirantado. Cabe ressaltar que esse anseio já constituiu motivo<br />

de pronunciamento por parte do Presidente do Conselho Regional de<br />

Odontologia em 2008. Com isso, seria feita a adequação do Quadro,<br />

a exemplo do que já ocorre com os cirurgiões-dentist<strong>as</strong><br />

militares nos Estados Unidos, onde, além de altamente<br />

conceituados, ocupam posição de destaque no Corpo de<br />

Saúde e há muito já atingiram o Almirantado.<br />

Ao atingir o último posto existente, até o momento,<br />

para o Quadro de Cirurgiões-Dentist<strong>as</strong>, no mesmo ano<br />

em que é comemorado o 30º Aniversário de Ingresso<br />

da Mulher Militar na Marinha, este sonho voltou<br />

com força ainda maior ao meu coração. E embora<br />

com <strong>algum<strong>as</strong></strong> lágrim<strong>as</strong> derramad<strong>as</strong> inerentes<br />

a todos que vivem uma grande paixão,<br />

ainda carrego a mesma alegria e entusi<strong>as</strong>mo<br />

da Guarda-Marinha de 1982, muitos sonhos<br />

realizados e outros ainda pelo caminho...<br />

E irmanando-me com oficiais, homens e<br />

mulheres, d<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> especialidades, dos diferentes<br />

Quadros e que provavelmente carregam<br />

em seus corações o desejo de alcançar os mais<br />

altos postos da Administração <strong>Naval</strong>, m<strong>as</strong>, que até<br />

o momento, não vislumbram essa possibilidade,<br />

concito-os a que jamais percam a alegria, o entusi<strong>as</strong>mo<br />

e a paixão que um dia os levaram a ingressar<br />

na Marinha do Br<strong>as</strong>il e jurar defender a pátria com o<br />

sacrifício da própria vida!<br />

Continuem a construir seus alicerces.<br />

Sonhar é preciso! Tornar os sonhos em realidade é<br />

possível! Por que não?


Marinhagens<br />

SAgA<br />

AmAZÔNiCA ConTra-alMiranTe<br />

o<br />

REtoRNo<br />

DE JoSÉ<br />

doMingoS CaSTello branCo<br />

A<br />

corveta se deslocou de lado, no remanso junto ao<br />

barranco alto, conforme <strong>as</strong> espi<strong>as</strong> eram entrad<strong>as</strong> pelo<br />

cabrestante na proa e pelo poderoso guincho da popa,<br />

com retornos em troncos de árvores da margem. O<br />

comandante achou desnecessário largar o ferro de<br />

bombordo, como recurso para puxar melhor a proa<br />

para fora, na próxima desatracação, programada para<br />

ocorrer na manhã do dia seguinte. Para sair dali, pareceu-lhe<br />

b<strong>as</strong>tante contar somente com o emprego d<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong>. O fato<br />

de o navio ter du<strong>as</strong> hélices, bem af<strong>as</strong>tad<strong>as</strong> uma da outra, sempre<br />

facilitava muito esse tipo de manobra. Em poucos minutos,<br />

empurrado pelo forte rodamoinho na água, o navio chegou em<br />

posição e a prancha foi p<strong>as</strong>sada para terra. Ela ficou apoiada a<br />

partir do p<strong>as</strong>sadiço, único lugar possível para acomodá-la, devido<br />

à altura da margem. Uma pequena multidão de caboclos e índios<br />

<strong>as</strong>sistia atenta e silenciosa à atracação.<br />

O major, comandante da companhia de fronteira, entrou a bordo<br />

acompanhado por seus oficiais. Foi recebido pelo comandante com<br />

<strong>as</strong> honr<strong>as</strong> de estilo do cerimonial naval, incluindo uma guarda de<br />

fuzileiros navais, do pequeno destacamento que sempre embarcava<br />

ness<strong>as</strong> long<strong>as</strong> viagens. Os trinados do apito do contramestre e<br />

o movimento de arm<strong>as</strong> da guarda causaram sensação no público<br />

e agitaram de vez <strong>as</strong> muit<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>, até então quiet<strong>as</strong> como os<br />

adultos. Seguiu-se uma breve confraternização de oficiais da tropa<br />

e do navio, na praça-d’arm<strong>as</strong>. Cerca de meia hora depois, o comandante<br />

e o major saíram de bordo, juntos com seus oficiais, para<br />

uma visita protocolar ao quartel da companhia, situado também<br />

próximo da margem do rio, a <strong>algum<strong>as</strong></strong> centen<strong>as</strong> de metros abaixo<br />

de onde estava a corveta.<br />

Na saída, o comandante, acompanhado pelo major e pelo imediato,<br />

fez questão de percorrer o barranco por todo o comprimento<br />

do navio, para observar <strong>as</strong> condições de atracação, feita por boreste<br />

e aproada à correnteza. A profundidade do canal, logo ao lado do<br />

remanso onde se abrigara o navio, era de absurdos 22 metros, e<br />

sua correnteza fora estimada em 4 nós, apesar de estarem a mais<br />

de 4 mil quilômetros da foz do imenso rio. Ali ocorria ainda uma<br />

permanente p<strong>as</strong>sagem de troncos e galhos, alguns avantajados. Dois<br />

vigi<strong>as</strong> da faxina do mestre guarneceram a proa, munidos de longos<br />

croques reforçados, para manter af<strong>as</strong>tada da corveta a galharia que<br />

eventualmente nela enganch<strong>as</strong>se.<br />

Do barranco, o comandante observava tudo aquilo com muita<br />

satisfação e orgulho do seu navio. Entretanto, ao se aproximar da<br />

64 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 65<br />

popa, viu uma meia dúzia de meninos maiores que mergulhavam<br />

no remanso. Isso era feito a partir da borda baixa do navio a ré, e<br />

também de pontos altos dos conveses superiores, inclusive do p<strong>as</strong>sadiço,<br />

mais a vante, pelo lado de fora da atracação. Ele não gostou<br />

daquela brincadeira e cogitava mandar cessá-la, quando o imediato<br />

interrompeu seus pensamentos, avisando que o major os esperava<br />

junto às viatur<strong>as</strong> para levá-los ao quartel. Na pressa, o comandante<br />

arquivou o <strong>as</strong>sunto e partiu com o companheiro do Exército.<br />

A chegada de um navio da Marinha naquel<strong>as</strong> lonjur<strong>as</strong> era sempre<br />

motivo de muita festa. A recepção ao comandante da corveta e seus<br />

oficiais foi carinhosa, muito além d<strong>as</strong> formalidades. Como homem<br />

do mar, ele ficou emocionado ao p<strong>as</strong>sar em revista a companhia de<br />

fronteira, ao som da canção “Cisne Branco”, entoada pel<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong><br />

da escola do grupamento, em uniformes azul e branco, e agitando<br />

pequen<strong>as</strong> bandeir<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> feit<strong>as</strong> por el<strong>as</strong>. A tropa era integrada<br />

por jovens caboclos e índios d<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> aldei<strong>as</strong> da região, e se<br />

apresentou de forma impecável. Seguiu-se uma palestra, na maior<br />

sala do colégio, na qual o major discorreu sobre os diversos <strong>as</strong>pectos<br />

da existência do grupamento, naquele ponto distante do território<br />

nacional. O encontro terminou em um modesto coquetel, com a<br />

presença d<strong>as</strong> famíli<strong>as</strong> dos oficiais, que sempre participavam de tod<strong>as</strong><br />

<strong>as</strong> atividades civis do grupamento.<br />

Já anoitecia, quando o comandante regressou para bordo a<br />

fim de vestir roup<strong>as</strong> civis, por ter aceito o convite do major para<br />

jantar em sua c<strong>as</strong>a. N<strong>as</strong> proximidades do barranco de atracação,<br />

percebeu um movimento anormal, com gente correndo em<br />

direção ao local. Ao descer da camioneta, notou que o oficial de<br />

servico estava ausente do portaló. O contramestre não o esperou<br />

entrar a bordo e veio correndo pela prancha para lhe dar a má<br />

notícia. Desaparecera debaixo do navio um dos garotos maiores<br />

que estavam mergulhando do p<strong>as</strong>sadiço e, carregados pela correnteza,<br />

subiam para bordo na popa.<br />

Foi um soco no estômago. Uma perplexidade dolorida tomou<br />

conta do comandante. Pensou imediatamente nos pais do menino.<br />

Ele mesmo tinha um filho pré-adolescente, a paixão de sua vida.<br />

Entretanto, em instantes, re<strong>as</strong>sumiu o papel de comandante, para<br />

o qual tivera anos de preparação. Sabedor de que o oficial de servico<br />

estava na popa, dirigiu-se apressadamente para lá. Antes, porém,<br />

enviou um sargento à companhia para avisar ao imediato do ocorrido<br />

e dizer-lhe que regress<strong>as</strong>se para bordo com todos os oficiais.<br />

Além disso, o imediato deveria informar pessoalmente ao major o<br />

que estava se p<strong>as</strong>sando.<br />

Encontrou o oficial de serviço supervisionando a colocação de<br />

luminári<strong>as</strong> na popa para clarear a superfície da água, na qual vários<br />

homens mergulhavam em sequência, na tentativa desesperada de<br />

encontrar o garoto. Entre eles, destacava-se um que exercia uma<br />

certa coordenação do grupo. Era um caboclo alto e desempenado<br />

o qual, ao ver o comandante, dirigiu-se a ele, acompanhado pel<strong>as</strong><br />

demais pesso<strong>as</strong> ali presentes. O comandante teve um pressentimento<br />

logo confirmado. Era o pai do menino. Ele começou a falar de<br />

forma descontrolada. Estava todo molhado, com os olhos injetados<br />

de sangue, e ajustava nervosamente o calção velho, que insistia em<br />

descer da cintura, enquanto gesticulava trêmulo.<br />

O pobre homem via no comandante a última esperança de salvar<br />

seu filho. Ele não conseguia se fazer entender e ficava cada vez mais<br />

nervoso. De repente, tentou segurar <strong>as</strong> mãos do seu salvador e se<br />

ajoelhou em frente a ele, em um choro convulsivo. O comandante<br />

e o oficial de serviço tentaram ajudá-lo a levantar-se, m<strong>as</strong> o homem<br />

insistia em ficar de joelhos. Em seguida, deitou-se no convés e foi<br />

se encolhendo, aos prantos, até ficar em posição fetal, gemendo


aixinho. A perplexidade e o constrangimento dominavam a cena.<br />

Súbito, ouviu-se a voz de uma mulher que chegava. Era a mãe,<br />

também desesperada com a situação. Ela já havia chorado muito,<br />

tudo que pudera. Contudo, ao ver seu homem naquel<strong>as</strong> condições,<br />

reagiu da forma que só <strong>as</strong> mulheres sabem fazer, em especial <strong>as</strong><br />

mães. Abraçou-se com ele e o fez se levantar, dizendo palavr<strong>as</strong> carinhos<strong>as</strong><br />

ao seu ouvido, p<strong>as</strong>sando-lhe a mão no rosto e nos cabelos.<br />

O pai, já mais recomposto e cercado pelos companheiros,<br />

dirigiu-se ao comandante, de forma muito respeitosa, e lhe fez<br />

um pedido irrecusável, n<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> trágic<strong>as</strong> da oc<strong>as</strong>ião. Ele<br />

queria que o navio fosse tirado dali logo, para poderem mergulhar<br />

mais livremente e ter alguma chance de encontrar o corpo do seu<br />

filho menino, o José.<br />

O comandante foi apanhado de surpresa pela solicitação e não<br />

concordou de pronto. Disse ao homem angustiado que iria pensar no<br />

<strong>as</strong>sunto e lhe daria uma posição dentro de algum tempo. Dirigiu-se<br />

para a câmara, onde se trancou, deixando antes instruções para o<br />

imediato vir falar com ele <strong>as</strong>sim que cheg<strong>as</strong>se a bordo. Sua cabeça<br />

estava a mil, pois a primeira ideia a lhe ocorrer era de o corpo do<br />

menino poder estar preso ao leme, entre <strong>as</strong> du<strong>as</strong> hélices. Qu<strong>as</strong>e<br />

certamente, seria necessário usar <strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> para abrir a proa do<br />

barranco e sair dali com o navio. Maldita hora em que não lançara<br />

n’água o ferro de bombordo, cuja falta agora iria complicar toda<br />

a manobra. Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, o corpo do José corria o risco de<br />

ser despedaçado pel<strong>as</strong> hélices, girando necessariamente acelerad<strong>as</strong><br />

durante a manobra.<br />

Muito ansiosos, ele e o imediato discutiram o <strong>as</strong>sunto durante<br />

algum tempo. Examinaram todos os <strong>as</strong>pectos da manobra de desatracação<br />

do navio de onde estava, a ser seguida por seu deslocamento e<br />

fundeio em frente à posição atual, a cerca de 100 metros da margem.<br />

N<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> existentes, seria qu<strong>as</strong>e imprevisível o efeito d<strong>as</strong><br />

correntes sobre a corveta durante os poucos minutos que ela levaria<br />

para chegar à posição de fundeio, após largar da margem, girar para<br />

fora e cruzar o canal em frente, com sua forte correnteza.<br />

Além disso, seria fundamental que toda a manobra fosse feita<br />

com o mínimo emprego d<strong>as</strong> hélices, de preferência uma de cada<br />

vez, de modo a evitar ou minimizar o pior, isto é, seu provável efeito<br />

no corpo do menino. Sob esse <strong>as</strong>pecto, isso poderia ter sido muito<br />

facilitado se o ferro de bombordo tivesse sido largado n’água na<br />

chegada, possibilitando o navio ser puxado por ele, para se af<strong>as</strong>tar<br />

do barranco na saída. Para complicar ainda mais <strong>as</strong> cois<strong>as</strong>, a noite lá<br />

fora estava um breu, perdendo-se b<strong>as</strong>tante <strong>as</strong> referênci<strong>as</strong> de distância<br />

da margem, inclusive pelo radar, muito impreciso de tão perto.<br />

A parte mais difícil, naquele momento, seria falar com os pais<br />

do José para alertá-los d<strong>as</strong> possíveis consequênci<strong>as</strong> da manobra. De<br />

qualquer maneira, a desatracação teria de ser feita logo, como eles<br />

pediram, ou quando o navio prosseguisse viagem, na manhã do dia<br />

seguinte. Essa conversa ocorreu na câmara, com a presença do c<strong>as</strong>al,<br />

do comandante, do major – que viera dar apoio ao navio – do imediato<br />

e do médico de bordo. Foi um momento de alta dramaticidade,<br />

por tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong>, e que terminou com os pais do menino<br />

destroçados e todos os presentes chorando. Dela decorreu também<br />

a ordem do comandante para que nada fosse comentado a bordo a<br />

respeito, até o navio continuar a viagem no dia seguinte.<br />

Tomada a decisão, o comandante e o imediato foram para o<br />

p<strong>as</strong>sadiço, a fim de executar a manobra. Os pais de José, o major e<br />

o médico desembarcaram em seguida e ficaram no barranco, em<br />

frente ao navio. Eles foram cercados pelos fuzileiros navais, que<br />

também estavam em terra, para controlar qualquer agitação por<br />

parte do povo, que <strong>as</strong>sistia silencioso aos acontecimentos. Enquanto<br />

o imediato tomava <strong>as</strong> providênci<strong>as</strong> rotineir<strong>as</strong> para a desatracação, o<br />

comandante se isolou na escuridão, do lado de fora do p<strong>as</strong>sadiço.<br />

Nesses poucos minutos, sua ansiedade atingiu um ponto qu<strong>as</strong>e<br />

insuportável. Ele se sentia responsável por tudo aquilo e inteiramente<br />

só. Entretanto, nada poderia ser demonstrado por ele daí<br />

em diante, até terminar toda a manobra, com o navio devidamente<br />

fundeado na posição predeterminada, af<strong>as</strong>tado do barranco. O<br />

imediato, muito tenso, veio lhe informar que o navio estava pronto<br />

para ser movimentado, com exceção da rotineira experiência com <strong>as</strong><br />

hélices, que não havia sido feita, por razões óbvi<strong>as</strong>. O comandante<br />

entrou no p<strong>as</strong>sadiço e iniciou a manobra.<br />

Sua primeira ordem foi mandar largar os cabos de vante e de ré,<br />

que ainda mantinham o navio junto ao barranco. A corveta, mesmo<br />

livre, não se mexeu. O rodamoinho no remanso, que não podia ser<br />

visto na escuridão, continuava a empurrá-la contra a margem. Decorridos<br />

alguns minutos, o comandante, com um nó na garganta,<br />

começou a usar <strong>as</strong> hélices devagar – a de dentro para vante e a de<br />

fora para ré – sem mexer no leme, na tentativa de girar a proa da<br />

corveta para o meio do rio. Dessa forma, ela sofreria influência da<br />

forte correnteza do canal e, naturalmente se af<strong>as</strong>taria do barranco.<br />

De novo, o navio não se mexeu.<br />

Angustiado, o comandante ordenou meia-força para <strong>as</strong> máquin<strong>as</strong>,<br />

o que aumentou b<strong>as</strong>tante a rotação d<strong>as</strong> hélices, fazendo o navio<br />

vibrar um pouco, porém sem sair do lugar. O leme, onde poderia<br />

estar preso o corpo de Jose, foi então carregado para bombordo, de<br />

modo a auxiliar na tentativa de girar o navio para fora. Nada aconteceu.<br />

Suando frio, o comandante ordenou toda força para amb<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />

hélices. A corveta finalmente reagiu e, com forte vibração, começou<br />

a girar devagar para bombordo e avançar em direção ao canal. Ao<br />

chegar lá, devido à velocidade da correnteza, foi necessário manobrar<br />

vári<strong>as</strong> vezes com o leme e com <strong>as</strong> hélices, de modo a atingir a<br />

posição predeterminada e nela fundear com segurança.<br />

A manobra toda durou cerca de vinte minutos. Ao terminá-la,<br />

com o navio firmemente fundeado na posição escolhida, o comandante<br />

desceu desarvorado para a câmara e jogou-se chorando no<br />

beliche, sem tirar a roupa. Dormiu um sono sobressaltado por um<br />

pesadelo terrível, no qual o menino José e seu filho se afogavam<br />

no rio e eram despedaçados por hélices enormes, em alta rotação.<br />

Acordou no meio da noite alagado de suor e se sentindo mal. Avisou<br />

ao médico e foi logo atendido por ele, acompanhado pelo imediato.<br />

Foi-lhe aplicado um forte calmante que o fez dormir até tarde no<br />

dia seguinte. O imediato suspendeu cedo com o navio, dando prosseguimento<br />

à viagem.<br />

O comandante qu<strong>as</strong>e não saiu da câmara nos dois di<strong>as</strong> seguintes.<br />

Quando ia ao p<strong>as</strong>sadiço, permanecia taciturno e calado,<br />

sentado em sua cadeira privativa e olhando fixamente para o rio.<br />

Fazia <strong>as</strong> refeições sozinho, em seus aposentos. O navio todo se<br />

preocupava muito com ele, por ser uma pessoa justa e boa. O<br />

moral da tripulação estava muito baixo.<br />

No terceiro dia, chegou uma mensagem do major para ele,<br />

informando que o corpo do José fora encontrado n<strong>as</strong> águ<strong>as</strong><br />

parad<strong>as</strong> da boca de um igarapé, vários quilômetros rio abaixo.<br />

Estava inteiro, salvo os efeitos naturais de morte por afogamento.<br />

O comandante da companhia dizia também que o José fora<br />

enterrado no pequeno cemitério local. Estiveram presentes sua<br />

família e boa parte da população da pequena cidade. Foram-lhe<br />

prestad<strong>as</strong> honr<strong>as</strong> militares por um grupo de combate de jovens<br />

soldados da companhia de fronteira.<br />

O filho José havia retornado.<br />

A corveta prosseguiu viagem em paz.<br />

os Militares<br />

Não PEçAm<br />

AoS militARES<br />

QuE SE NEguEm<br />

A lutAR<br />

Vári<strong>as</strong> vezes pensei em escrever estes comentários.<br />

A cada vez que percebo <strong>as</strong> virulent<strong>as</strong> crític<strong>as</strong> aos<br />

militares, o não entendimento da missão específica<br />

ue lhes cabe, o enxovalhamento a que estão sendo<br />

submetidos – principalmente no Br<strong>as</strong>il, m<strong>as</strong> também<br />

em todo o mundo – sinto uma revolta contra o<br />

silêncio que se impõe e percebo que nenhuma voz<br />

se levanta, nem aquel<strong>as</strong> vozes categorizad<strong>as</strong> da nação<br />

que deveriam, em momentos como esses, se pronunciar<br />

para esclarecer <strong>as</strong> <strong>as</strong>sertiv<strong>as</strong> contundentes que são<br />

propagad<strong>as</strong> aos quatro ventos e que são de grande<br />

interesse para o exercício consciente da cidadania e<br />

mesmo para o futuro da humanidade.<br />

66 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 67<br />

euriCo de andrade neveS borba<br />

Ex-professor, diretor do Departamento de Economia e<br />

vice-reitor da PUC-Rio, ex-presidente do IBGE, ex-diretor-geral da<br />

Escola de Administração Fazendária, escritor.<br />

A<br />

última vez em que pensei no <strong>as</strong>sunto em tela foi quando<br />

visitei, há pouco tempo, o Monumento dos Mortos da<br />

II Guerra Mundial, no aterro do Flamengo, no Rio<br />

de Janeiro. Tive o privilégio e a honra de, em 1960,<br />

junto com meu pai, meu irmão e dois dos meus tios,<br />

levarmos, pel<strong>as</strong> mãos, cada um segurando uma alça de<br />

urna, os restos mortais dos seis pracinh<strong>as</strong>, padioleiros,<br />

que foram soldados do meu pai, que comandou o Batalhão de Saúde<br />

da Força Expedicionária Br<strong>as</strong>ileira, na Itália, entre 1944 e 1945.<br />

Caminhamos do Arsenal de Marinha, onde recebemos <strong>as</strong> cinz<strong>as</strong> dos<br />

soldados mortos na campanha europeia, que foram transportad<strong>as</strong><br />

desde a Itália pelo Cruzador Tamandaré, até o Parque do Flamengo,<br />

cruzando toda a Avenida Rio Branco. O povo, respeitoso, aplaudia<br />

sem muito entusi<strong>as</strong>mo, parecendo não entender muito bem o que<br />

estava se p<strong>as</strong>sando. Manifestações bem diferentes daquel<strong>as</strong> quando<br />

os pracinh<strong>as</strong> regressaram da guerra em 1945 – uma apoteose, com<br />

multidões n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> saudando os militares que regressavam cobertos


de glóri<strong>as</strong>, ou quando regressou ao Rio de Janeiro a Força <strong>Naval</strong><br />

do Nordeste, onde a Marinha desempenhou relevantes serviços na<br />

proteção de comboios, d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong> cost<strong>as</strong> e do mar territorial.<br />

Tomo esta iniciativa de escrever devido à minha formação.<br />

De certa forma posso dizer que estive, emocionalmente, presente<br />

em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> guerr<strong>as</strong> de que o Br<strong>as</strong>il participou e acompanhei a<br />

evolução d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>, ao longo de <strong>décad<strong>as</strong></strong>, com<br />

interesse muito particular. Foram tataravós, bisavós, avós, pai,<br />

irmão, tios, que del<strong>as</strong> fizeram parte desde <strong>as</strong> Campanh<strong>as</strong> do Prata,<br />

por volta de 1850, até a II Guerra Mundial, finda em 1945. Ouvia,<br />

com muita atenção e interesse, os relatos do ocorrido, primeiro<br />

pel<strong>as</strong> convers<strong>as</strong> com meu pai, meu avô paterno e meu irmão mais<br />

velho oficial da Marinha. Depois li dezen<strong>as</strong> de livros e <strong>as</strong>sisti a<br />

inúmeros documentários ou filmes b<strong>as</strong>eados em fatos reais.<br />

Uma lembrança muito forte minha foi a descrição, feita por minha<br />

mãe, de quando o Marechal Setembrino Carvalho comunicou, fardado,<br />

acompanhado de sua esposa, ao meu avô, o General Eurico<br />

de Andrade Neves e à minha avó Elvira, que residiam à época num<br />

sobrado na Tijuca, no Rio de Janeiro, a morte do meu tio, irmão da<br />

minha mãe, o Capitão Carlos de Andrade Neves, nos campos de batalha<br />

da França, em 1918. O Br<strong>as</strong>il, na I Grande Guerra, 1914-1918,<br />

enviou, além da Divisão <strong>Naval</strong> de Operações de Guerra que manteve<br />

patrulhando o Atlântico entre Recife e Dakar, uma missão de oficiais<br />

e um grupo da saúde, para ajudar o exaurido Exército francês<br />

no seu quarto ano de guerra. Meu pai, quinto anista de medicina,<br />

foi trabalhar nos hospitais franceses e completou, na França, seu<br />

curso de medicina no Hotel Dieu, hospital que até hoje existe ao<br />

lado da Catedral de Notre Dame, em Paris. Meu avô paterno, então<br />

tenente-coronel, foi subcomandante de um regimento de cavalaria<br />

francesa. O tio Carlos comandava uma bateria de artilharia de<br />

campanha. Faleceu pouco antes do fim da guerra, na batalha que<br />

veio a ser depois conhecida como a do Segundo Marne. Mamãe e<br />

minh<strong>as</strong> ti<strong>as</strong>, mocinh<strong>as</strong>, acordaram com o alvoroço da c<strong>as</strong>a e do alto<br />

d<strong>as</strong> escad<strong>as</strong> viram o Marechal Setembrino comunicar a morte do<br />

irmão. Vovô Eurico, fardado, permaneceu imp<strong>as</strong>sível. Vovó Elvira,<br />

praticamente desmaiada nos seus braços, começou a chorar baixinho<br />

e nunca mais se recuperou do trauma.<br />

Lembro, já adolescente, ter ido com papai e mamãe visitar<br />

os mortos da família, sepultados no Rio de Janeiro, no cemitério<br />

do Caju. Lá estava o túmulo do tio Carlos com a réplica da cruz<br />

de madeira que ornamentara seu túmulo na França – il est mort<br />

dans le champ d’honneur... Embaixo da inscrição a reprodução<br />

da condecoração francesa que recebera postumamente, a Legion<br />

d’Honeur. Os restos mortais do tio Carlos, anos depois, promovido<br />

post-mortem ao posto de major, foi transladado para Curitiba, sua<br />

terra natal, e a cruz está no museu da cidade.<br />

Nunca esqueci ess<strong>as</strong> narrativ<strong>as</strong> e experiênci<strong>as</strong>. El<strong>as</strong> consolidaram na<br />

minha memória, como marco referencial de alto valor patriótico, momentos<br />

estranhos ao quotidiano da família, m<strong>as</strong> narrados com orgulho<br />

e carinho – como ações dign<strong>as</strong> de serem lembrad<strong>as</strong> e homenagead<strong>as</strong>.<br />

Ao visitar o grande monólito de mármore negro, recordando<br />

os mortos da guerra do Vietnã, em frente do Lincoln Memorial e o<br />

cemitério de Arlington, em W<strong>as</strong>hington, uma homenagem do povo<br />

americano aos seus mortos n<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> guerr<strong>as</strong> em que estiveram<br />

presentes, p<strong>as</strong>sei a ter uma perspectiva mais abrangente da missão<br />

e do destino dos militares no nosso tempo. Fui à Normandia, em<br />

1995, n<strong>as</strong> comemorações dos 50 anos do fim da II Guerra Mundial,<br />

procurar o recanto de repouso dos milhares de militares, de vári<strong>as</strong><br />

nações, que tombaram naquele lugar no esforço aliado para pôr fim<br />

à dominação nazif<strong>as</strong>cista. Não esqueço, n<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> capitais e grandes<br />

cidades do continente europeu, <strong>as</strong> plac<strong>as</strong>, em <strong>algum<strong>as</strong></strong> ru<strong>as</strong>, com os<br />

nomes dos membros da resistência que, naqueles lugares, foram<br />

mortos pelos inv<strong>as</strong>ores – um preito de permanente recordação e<br />

reconhecimento ao heroísmo que tem como argumento explicativo<br />

do ato praticado, um único e decisivo motivo – amor à pátria e à<br />

causa da liberdade. São milhares de cemitérios e monumentos<br />

dedicados aos militares que morreram em milhares de combates,<br />

que podem ser encontrados em todo o mundo.<br />

Por quê? Qual a justificativa dess<strong>as</strong> mortes? Foram mortes diferentes<br />

d<strong>as</strong> demais tragédi<strong>as</strong> e violênci<strong>as</strong>, foram mortes aceit<strong>as</strong> em<br />

razão de ordens, compromissos e juramentos feitos, talvez até mal<br />

compreendidos, talvez até impostos em situações sem alternativa,<br />

foram mortes dignificad<strong>as</strong> por uma causa – a liberdade de um pedaço<br />

de terra do planeta chamado pátria. Não são apen<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong><br />

vãs – dever, honra, compromisso, pátria, lealdade, liberdade – são<br />

palavr<strong>as</strong> que expressam uma adesão a uma crença, mesmo que não<br />

sustentada por refinad<strong>as</strong> elaborações intelectuais, e, em decorrência,<br />

comportamentos que geram fatos e consequênci<strong>as</strong>.<br />

Jamais esquecerei <strong>as</strong> narrativ<strong>as</strong> familiares, os livros, os filmes, <strong>as</strong><br />

visit<strong>as</strong> a esses lugares tornados sagrados pelos corpos daqueles que<br />

entregaram su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>, como mártires, por uma causa. Com emoção<br />

recordo aqueles momentos de suprema dedicação à pátria, de coragem,<br />

de lealdade e honra, de testemunho a valores morais que estão se<br />

perdendo, referênci<strong>as</strong> que fazem parte dos fundamentos mesmo d<strong>as</strong><br />

sociedades e sobre <strong>as</strong> quais <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> gerações pouco ou nada conhecem.<br />

É preciso recordar que tais alicerces foram construídos com vid<strong>as</strong> que<br />

foram ofertad<strong>as</strong> em prol de um ideal que aqueles homens e mulheres,<br />

bravos e determinados, acreditavam e ajudaram a defender.<br />

Vid<strong>as</strong> livres e conscientemente oferecid<strong>as</strong> por causa de uma crença<br />

tornam quaisquer mortes dign<strong>as</strong> de respeito, não necessariamente<br />

de adesão ou de aplauso às caus<strong>as</strong> que motivaram o fato, m<strong>as</strong> de<br />

respeito. Se nada for acrescentado como explicação, b<strong>as</strong>ta a presença<br />

dos mártires de um ideal para que o ocorrido permaneça como algo<br />

pelo menos diferente a ser lembrado, com crític<strong>as</strong> ou aplausos, m<strong>as</strong><br />

respeitado. Nenhuma vida ofertada é uma oferta vã, mesmo que<br />

motivada por pensamentos simples, talvez até ingênuos. A entrega<br />

68 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 69<br />

Reverencio aqueles militares<br />

que, muit<strong>as</strong> vezes, mesmo sem<br />

entender <strong>as</strong> intrincad<strong>as</strong> e tortuos<strong>as</strong><br />

vi<strong>as</strong> da política e da diplomacia dos<br />

seus países, honraram seus juramentos<br />

de servir, honraram a su<strong>as</strong> fard<strong>as</strong> e<br />

ofereceram o que possuíam<br />

de melhor e de mais precioso:<br />

su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong><br />

consciente de uma vida transmuda, em solenes compromissos históricos,<br />

de condenação ou aplauso, o objetivo pelo qual alguém lutou<br />

e morreu. A radical opção que foi tomada pelo militar que morre em<br />

combate, probabilidade sempre presente em su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>, é um fato a<br />

ser considerado quando a eles nos referimos. Ofertar seu bem mais<br />

precioso a uma causa coletiva faz do militar uma figura distinta d<strong>as</strong><br />

demais pesso<strong>as</strong>, mesmo aqueles soldados convocados, como um dever<br />

temporário imposto pela cidadania que usufruem, de acordo com <strong>as</strong><br />

leis e a Constituição dos seus países.<br />

Reverencio aqueles militares que, muit<strong>as</strong> vezes, mesmo sem<br />

entender <strong>as</strong> intrincad<strong>as</strong> e tortuos<strong>as</strong> vi<strong>as</strong> da política e da diplomacia<br />

dos seus países, honraram seus juramentos de servir, honraram<br />

a su<strong>as</strong> fard<strong>as</strong> e ofereceram o que possuíam de melhor e de mais<br />

precioso: su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>. Acreditaram que todos os mecanismos sociais<br />

e políticos, que fizeram mover o destino e <strong>as</strong> decisões de<br />

uma sociedade até aquele momento de confronto, eram medid<strong>as</strong><br />

just<strong>as</strong>, <strong>as</strong>sumid<strong>as</strong> também por homens e mulheres honestamente<br />

imbuídos do mesmo compromisso coletivo. Não perceberam que


alguns mentem, que alguns, solertes personagens, muit<strong>as</strong> vezes<br />

forçaram <strong>as</strong> situações de conflito que conduziram a história para<br />

um momento de guerra.<br />

<strong>Há</strong> momentos históricos, criados por circunstânci<strong>as</strong> muito<br />

especiais, onde a maioria da nação p<strong>as</strong>sa a acreditar em uma causa,<br />

na proposta de que todos estão comprometidos honesta e verdadeiramente<br />

com um objetivo comum certo, adequado, honesto e,<br />

portanto, justificando o sacrifício extremo se <strong>as</strong>sim for necessário.<br />

Não que eles, militares, sejam melhores do que os outros concidadãos,<br />

m<strong>as</strong>, no entanto, carregam pela vida a consciência de que<br />

pelos outros são capazes de se entregar integralmente, até morrer<br />

se preciso for, por decisão livre que <strong>as</strong>sumiram ao optarem pela<br />

carreira militar. Como decorrência, necessariamente cultivam a<br />

coragem de agir, coragem que descobrem no fundo de su<strong>as</strong> alm<strong>as</strong>,<br />

fruto não só do treinamento que recebem para o desempenho de<br />

su<strong>as</strong> missões específic<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> também pela motivação d<strong>as</strong> glorios<strong>as</strong><br />

tradições e exemplos do p<strong>as</strong>sado que lhes foram ensinados e nos<br />

quais acreditam integralmente. Foi <strong>as</strong>sim, qu<strong>as</strong>e sempre, nesses<br />

cenários de lut<strong>as</strong> que a humanidade progrediu em direção à democracia,<br />

à liberdade e à paz. As conquist<strong>as</strong> d<strong>as</strong> civilizações não foram<br />

realizad<strong>as</strong> e consolidad<strong>as</strong> com discursos ou poesi<strong>as</strong> – foram fruto de<br />

lut<strong>as</strong> cruent<strong>as</strong> onde os vencedores impuseram seus estilos de vida<br />

e su<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de pensar num processo persistente e ininterrupto<br />

do progredir da história d<strong>as</strong> nações.<br />

Orgulho-me de uma época que parece que já p<strong>as</strong>sou em definitivo,<br />

não restando nem a memória dos fatos gloriosos que abrigou.<br />

Abomino os medíocres que, indistintamente e a cada oportunidade,<br />

criticam mentirosa e irresponsavelmente os militares. Eles não<br />

deviam existir, dizem. São crític<strong>as</strong> vulgares, pervers<strong>as</strong> e mentiros<strong>as</strong><br />

na sua ação demolidora de uma história e de testemunhos que um<br />

dia honraram e motivaram o orgulho de nações inteir<strong>as</strong>. Hoje, em<br />

sociedades amorais, a lembrança honrada do p<strong>as</strong>sado ainda incomoda.<br />

Por isso é preciso desmerecê-l<strong>as</strong>, se não suprimi-l<strong>as</strong>. E, o pior,<br />

não se quer conhecer a verdade – se satisfazem na sua ignorância.<br />

Não querem pensar sobre <strong>as</strong> reais circunstânci<strong>as</strong> e condicionamentos<br />

políticos, legais, sociológicos e psicológicos que conduziram<br />

a existência dos militares, como grupo social diferenciado como<br />

tantos outros grupos que formam uma sociedade democrática. Não<br />

querem conhecer <strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> que levaram às guerr<strong>as</strong><br />

e o porquê da persistência d<strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> até os di<strong>as</strong> atuais.<br />

Quem são realmente os responsáveis pel<strong>as</strong> tragédi<strong>as</strong> que são <strong>as</strong><br />

guerr<strong>as</strong> que se abateram sobre a humanidade,<br />

em todo o seu percurso histórico e lá<br />

se vão centen<strong>as</strong> de séculos?<br />

O que condiciona os militares a ser o<br />

que são, cultivando um estilo de vida e uma<br />

forma de pensar muito próprios?<br />

Recordam sempre <strong>as</strong> tortur<strong>as</strong> praticad<strong>as</strong><br />

– fato que, inegavelmente, mancha<br />

a história militar de forma terrível. Esquecem,<br />

no entanto, que foram alguns<br />

desajustados, que existem em todos os<br />

grupamentos humanos, que praticaram o<br />

ocorrido, condenados pelos próprios coleg<strong>as</strong>,<br />

nunca uma política determinada pelo<br />

estilo de vida que os caracterizam ou da<br />

instituição a que pertencem. Foi, sempre,<br />

no Br<strong>as</strong>il e em todos os países, iniciativa<br />

de pesso<strong>as</strong> com personalidades distorcid<strong>as</strong>,<br />

como aquel<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> também encontrad<strong>as</strong><br />

em quaisquer corporações, e pela qual os militares já pagaram, sozinhos,<br />

um preço excessivo. Erraram, m<strong>as</strong> não todos, apen<strong>as</strong> alguns<br />

poucos. Podemos recordar atrocidades e arbitrariedades praticad<strong>as</strong>,<br />

no decorrer d<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong>, pelo Exército francês na guerra de<br />

libertação da África do Norte, pelo inglês na manutenção da ordem<br />

em su<strong>as</strong> colôni<strong>as</strong>, dos Estados Unidos na guerra permanente no<br />

Oriente Médio, pelo russo no Afeganistão, pelo japonês na China e<br />

Coreia, pelo alemão em toda a Europa, pelo português em Angola e<br />

Moçambique, pelo br<strong>as</strong>ileiro na revolução de 1964. São fatos deploráveis,<br />

merecedores de condenação, condenemos o desvio ocorrido<br />

não a corporação inteira pela ação de alguns de seus membros.<br />

Os militares em todos os países democráticos, a maioria do<br />

Ocidente, são subordinados ao poder civil. Se bem pesquisarmos a<br />

história podemos, hoje, verificar como os civis sempre condicionaram<br />

o comportamento dos militares, procurando n<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> armad<strong>as</strong><br />

o necessário poder para desfazer os malfeitos por eles mesmos praticados<br />

ou dar continuidade às su<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> de interesse nacional,<br />

também por eles definid<strong>as</strong>. Não poderia ser de outra forma, pois os<br />

civis, na qu<strong>as</strong>e totalidade, são os que compõem o Poder Executivo,<br />

o Legislativo e o Judiciário eleitos pelo povo. Guerr<strong>as</strong>, revoluções,<br />

não foram organizad<strong>as</strong>, planejad<strong>as</strong>, gestad<strong>as</strong>, pelos militares – certamente<br />

eles informam, <strong>as</strong>sessoram o poder civil, m<strong>as</strong> não decidem<br />

- cumprem ordens. O poder civil, os interesses econômicos, empresariais<br />

e políticos, os meandros da política internacional, formam<br />

o pano de fundo, o ambiente histórico que, em oc<strong>as</strong>iões especiais,<br />

conduzem ao conflito armado. É fácil distorcer os fatos junto à mídia<br />

e à população, oferecendo os acontecimentos que incriminem, no<br />

desenrolar do processo litigioso, aqueles que estão à frente dos fatos<br />

e são facilmente identificáveis, especialmente se fardados e armados.<br />

Por uma questão de formação, de disciplina, de organização de uma<br />

sociedade democrática, os militares permanecem calados e não explicam<br />

ao povo <strong>as</strong> razões de sua presença no processo beligerante, ao<br />

qual foram convocados a participar. Depois, qu<strong>as</strong>e sempre, o poder<br />

civil cala sobre <strong>as</strong> razões e consequênci<strong>as</strong> trágic<strong>as</strong> de su<strong>as</strong> decisões.<br />

P<strong>as</strong>sados os eventos do conflito, muit<strong>as</strong> vezes ajudam a jogar pedr<strong>as</strong><br />

naqueles que executaram su<strong>as</strong> determinações: os militares.<br />

Na Alemanha nazista os militares erraram ao permitir a <strong>as</strong>censão<br />

de Hitler e dos seus <strong>as</strong>secl<strong>as</strong>. M<strong>as</strong> o poder civil, os partidos políticos,<br />

<strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> cristãs, a mídia, também não souberam ou não quiseram<br />

reagir: calaram-se. Foram coniventes com a barbárie que se estruturava,<br />

com a liquidação da liberdade. Depois culparam os militares<br />

por terem permitido a <strong>as</strong>censão do tirano. O mesmo ocorreu na Itália<br />

f<strong>as</strong>cista, na Espanha franquista, em Portugal salazarista. O mesmo<br />

ocorreu em outros países latino-americanos. O mesmo aconteceu<br />

no Br<strong>as</strong>il quando políticos, banqueiros, empresários, latifundiários,<br />

representantes d<strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> cristãs, expoentes da imprensa, envolveram<br />

os militares com a argumentação de que só eles poderiam salvar<br />

o Br<strong>as</strong>il d<strong>as</strong> mãos do comunismo internacional, pedindo um b<strong>as</strong>ta<br />

à República sindicalista que um presidente fraco e inepto favorecia.<br />

Esquecem-se, os que espezinham e criticam os militares, especificamente<br />

no Br<strong>as</strong>il – poucos conhecem a história contemporânea<br />

– que o comunismo internacional, muito bem organizado em su<strong>as</strong><br />

múltipl<strong>as</strong> ações internacionais, naqueles anos que sucederam o fim<br />

da II Guerra Mundial, até o fim dos anos de 1980, quando ruiu o<br />

muro de Berlim e a seguir o Império Soviético, estava pronto para<br />

<strong>as</strong>sumir o controle de vários países, mormente na América Latina<br />

e África. Hoje essa trama internacional está amplamente divulgada<br />

e existe farta documentação que comprova <strong>as</strong> ações do comunismo<br />

internacional durante <strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong> da Guerra Fria. É de se recordar o<br />

que efetivamente ocorreu quando o comunismo internacional, com<br />

a União Soviética à frente, se <strong>as</strong>senhoreou, no final da década dos<br />

anos de 1940 da Hungria, da Romênia, da Bulgária, da Albânia, da<br />

Tchecoslováquia, da Polônia, da metade da Alemanha, qu<strong>as</strong>e tomando<br />

conta, inclusive, da Itália, da Grécia e da França. Era a esperada<br />

libertação dos povos do domínio capitalista. Não diziam que também<br />

seria o fim da liberdade muito mal plantada em inúmer<strong>as</strong> nações,<br />

m<strong>as</strong> promissora em outr<strong>as</strong> como era o c<strong>as</strong>o do Br<strong>as</strong>il.<br />

C<strong>as</strong>o os comunist<strong>as</strong> tivessem vencido por est<strong>as</strong> band<strong>as</strong>, o sistema<br />

de organização da sociedade que pretendiam implantar não<br />

permitiria o aparecimento nem de Lula, nem de Chávez, nem de<br />

Evo Morales dos di<strong>as</strong> atuais. Fidel C<strong>as</strong>tro não se apercebeu que<br />

a sua revolução era própria e adequada à sua ilha Cuba e acabou<br />

perturbando o continente sul-americano e até a África, com su<strong>as</strong><br />

propost<strong>as</strong> socialist<strong>as</strong> ineficientes e ultrap<strong>as</strong>sad<strong>as</strong>, com sua megalomania<br />

ridícula e truculenta e lá está até os di<strong>as</strong> de hoje a encantar<br />

parte da juventude ignorante do que realmente ocorreu. Os militares<br />

salvaram a democracia no Chile e no Br<strong>as</strong>il. Isso não é dito nem<br />

lembrado – um lamentável erro histórico, uma covardia acadêmica.<br />

A liberdade que hoje usufruímos se deve à revolução de março de<br />

1964. Certamente foram terríveis e condenáveis <strong>as</strong> prisões arbitrári<strong>as</strong>,<br />

<strong>as</strong> c<strong>as</strong>sações de direitos políticos, <strong>as</strong> tortur<strong>as</strong>, o fechamento<br />

do Congresso Nacional, a censura da imprensa – uma mancha na<br />

nossa história. Aconteceu, no entanto, num momento histórico<br />

muito próprio e, lamentavelmente, foi a resposta encontrada para<br />

o mal feito por civis, políticos, acadêmicos e empresários, que não<br />

souberam fazer vencer su<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> pelo caminho da democracia.<br />

70 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 71<br />

Ao não atenderem às necessidades dos mais pobres, em <strong>décad<strong>as</strong></strong><br />

de vigência de um Estado democrático em permanente evolução,<br />

criando “dois br<strong>as</strong>is” – os do que possuíam alguma coisa<br />

e a grande m<strong>as</strong>sa dos marginalizados – possibilitaram que<br />

demagogos incompetentes, seduzidos pelo socialismo irreal e<br />

inaplicável, como logo depois a história acabaria por comprovar,<br />

tent<strong>as</strong>sem uma revolução. A contrarrevolução que se instalou,<br />

autoritária, foi a resposta encontrada para suprimir a ameaça da<br />

ditadura comunista que<br />

se anunciava. Terrível<br />

momento da história br<strong>as</strong>ileira,<br />

que se espera que<br />

não mais se repita.<br />

As crític<strong>as</strong> superficiais<br />

e qu<strong>as</strong>e sempre ofensiv<strong>as</strong><br />

são simplist<strong>as</strong>: os militares<br />

são boçais, estúpidos,<br />

com pouca formação acadêmica<br />

não compreendem<br />

a história, a dinâmica social<br />

e desprezam os civis.<br />

São perversos, cultivam a<br />

violência, são autoritários<br />

e não admitem crític<strong>as</strong>. São arrogantes, acobertados pel<strong>as</strong> arm<strong>as</strong><br />

e pelo poder que ainda possuem.<br />

Não é nada disso.<br />

As ciênci<strong>as</strong> sociais, os estudos antropológicos, políticos e sociológicos,<br />

apontam, com clara evidência, a importância que a natural<br />

divisão do trabalho teve na organização e no funcionamento da<br />

vida coletiva d<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> sociedades, que se formaram ao longo dos<br />

tempos. Certamente foi um dos fatores determinantes mais importantes<br />

para o progresso da humanidade. Com o p<strong>as</strong>sar do tempo a<br />

especialização permitiu o progresso d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong>, d<strong>as</strong> tecnologi<strong>as</strong>,<br />

d<strong>as</strong> artes, da reflexão filosófica, teológica e da política. Cada um,<br />

com a divisão do trabalho, teve a oportunidade de desenvolver su<strong>as</strong><br />

naturais preferênci<strong>as</strong> e habilidades, permitindo <strong>as</strong>sim o crescimento<br />

do estoque de saberes e o aperfeiçoamento d<strong>as</strong> sociedades,<br />

contribuindo para que uma forma de viver coletiva, uma cultura<br />

diferenciada se torn<strong>as</strong>se possível e sobrevivesse ao confronto com<br />

outros grupos humanos, firmando sua individualidade própria e<br />

prosperando como nação.<br />

Na divisão natural do trabalho, quais são <strong>as</strong> atividades típic<strong>as</strong><br />

dos militares? Sempre foi a da defesa da comunidade, da vida e d<strong>as</strong><br />

propriedades – públic<strong>as</strong> e privad<strong>as</strong> – dos seus cidadãos, da soberania<br />

do seu território, da integridade de su<strong>as</strong> rot<strong>as</strong> comerciais, enfim do<br />

conjunto de interesses e conquist<strong>as</strong> que tornaram cada sociedade<br />

distinta d<strong>as</strong> demais e convivente, num mundo cada vez mais interdependente<br />

e competitivo, com outr<strong>as</strong> sociedades também soberan<strong>as</strong><br />

e com interesses e objetivos próprios a defender. É óbvio que para<br />

cumprir sua missão, como parte integrante de uma sociedade, com<br />

missão específica determinada pela divisão do trabalho, os militares<br />

são preparados para a luta, para o combate, para a guerra. Falhando<br />

os políticos, os diplomat<strong>as</strong>, na defesa dos interesses vitais de uma<br />

nação, a manutenção de sua identidade, resta a decisão pela força<br />

d<strong>as</strong> arm<strong>as</strong>, decisão esta sempre subordinada, mesmo durante sua<br />

execução, ao poder político civil, democraticamente constituído.<br />

Clausewitz, já no século XIX, definia a guerra “como a política<br />

exercida por outros meios” (War is not merely a political act, but<br />

also a political instrument, a continuation of political relations,<br />

a carrying out of the same by other means – in Da Guerra). Esta


<strong>as</strong>sertiva não é contestada pois é clara a sua evidência, mesmo<br />

nos di<strong>as</strong> atuais. Isto ainda é verdade – frac<strong>as</strong>sando <strong>as</strong> atividades<br />

geracionais de uma sociedade democrática, exercida pelos civis,<br />

só resta, se esta mesma sociedade pretende continuar a sobreviver<br />

livre e soberana, o apelo àqueles que destinaram su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong> para a<br />

defesa da pátria, como última opção para a sua sobrevivência como<br />

grupo humano com característic<strong>as</strong> própri<strong>as</strong>.<br />

Portanto, não peçam aos militares que se neguem a lutar. Não<br />

esperem que afrouxem e percam um combate, uma guerra que,<br />

uma vez iniciada, pelos políticos e diplomat<strong>as</strong>, por civis, tem uma<br />

dinâmica própria – vencer o inimigo da pátria, atingindo os objetivos<br />

determinados pela liderança política. A partir da deflagração de um<br />

conflito bélico cessa a lógica da paz, do altruísmo solidário, da bondade<br />

n<strong>as</strong> relações human<strong>as</strong> – vigora a lógica da eficiência dos combates,<br />

a lógica da vitória a ser conquistada nos campos de luta, conduzida<br />

e interpretada pelos militares, pois este é o seu trabalho, a sua especialidade,<br />

a sua missão. Podem os militares até ser incompreendidos,<br />

criticados por su<strong>as</strong> ações, m<strong>as</strong> não peçam nem esperem que sejam<br />

traidores da razão de su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong> – a defesa da pátria – construída pela<br />

natural divisão do trabalho numa sociedade que é dirigida por civis,<br />

num sistema político representativo e participativo, sob o império da<br />

lei que, democraticamente, conduziu o país à guerra.<br />

Em momentos de discussão pública sobre o papel dos militares<br />

na vida de uma nação, sempre são lembrad<strong>as</strong> <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> do discurso<br />

de despedida do presidente dos Estados Unidos, General Eisenhower,<br />

em que denunciou o perigo, para a democracia e a paz, d<strong>as</strong> pressões<br />

polític<strong>as</strong> exercid<strong>as</strong> pelo “complexo militar industrial”. Parece que os<br />

eternos críticos d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> se esquecem do componente<br />

industrial e só se referem ao componente militar, da argumentação<br />

apresentada no discurso do ilustre presidente americano. Sabe-se,<br />

e a mídia é exuberante em apresentar os fatos ocorridos no último<br />

século, como os civis, donos d<strong>as</strong> indústri<strong>as</strong> que podem produzir<br />

artefatos bélicos, capitalist<strong>as</strong> possuidores de incalculáveis riquez<strong>as</strong>,<br />

manipulam a política, os políticos, muit<strong>as</strong> vezes os corrompendo,<br />

da mesma forma como se intrometem n<strong>as</strong> relações internacionais,<br />

quando seus negócios indicam ser o melhor caminho para prosperarem,<br />

gerando situações de conflito entre nações, para <strong>as</strong>sim<br />

obrigar, “pelo interesse nacional”, a interferência militar.<br />

Certamente que <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> conhecem o potencial bélico<br />

de possíveis contendores e, logicamente, solicitam nos orçamentos<br />

nacionais <strong>as</strong> condições mínim<strong>as</strong> de equipamentos e arm<strong>as</strong> para,<br />

quando e se forem chamados a atuar, possam atender com eficácia<br />

os apelos da pátria, interpretados pelos civis, parlamentares, empresários,<br />

diplomat<strong>as</strong>, que representam a nação. Não queiram que<br />

uma força militar, mal equipada e mal treinada, possa atender às<br />

expectativ<strong>as</strong> de defesa do povo apen<strong>as</strong> com coragem e disciplina. É<br />

preciso que <strong>as</strong> forç<strong>as</strong> armad<strong>as</strong> estejam equipad<strong>as</strong> na proporção d<strong>as</strong><br />

possíveis missões que o poder civil possa, um dia, vir a ordenar que<br />

cumpram. É normal, numa sociedade democrática, que os vários<br />

segmentos que a compõe – educação, saúde, transportes, comunicação,<br />

forç<strong>as</strong> armad<strong>as</strong>, energia, agricultura, indústria – procurem nos<br />

orçamentos a serem votados uma melhor participação, amparados<br />

por argumentos e estudos comprobatórios de su<strong>as</strong> necessidades. Os<br />

recursos, os orçamentos, são produtos de decisões de civis que atuam<br />

no Legislativo e Executivo – são eles que estabelecem <strong>as</strong> prioridades,<br />

julgam <strong>as</strong> solicitações e direcionam os recursos nacionais segundo os<br />

interesses da nação da qual são os legítimos representantes. Não são<br />

os militares que determinam a parcela da riqueza nacional que a eles<br />

deve ser alocada – como os demais setores apontam su<strong>as</strong> necessidades<br />

e apresentam su<strong>as</strong> justificativ<strong>as</strong>. Se o sistema político não é auten-<br />

ticamente representativo dos interesses nacionais pode sim ocorrer<br />

distorções, m<strong>as</strong>, mais uma vez insisto, a responsabilidade pelo mal<br />

feito cabe aos civis que gerenciam e decidem os destinos do país.<br />

Iludem-se os que pensam que <strong>as</strong> guerr<strong>as</strong>, os conflitos armados<br />

não mais ocorrerão. B<strong>as</strong>ta prestar atenção para o que vem acontecendo<br />

de forma crescente, em nossos di<strong>as</strong>, em todos os continentes:<br />

<strong>terrorismo</strong> desvairado, crime organizado atingindo v<strong>as</strong>t<strong>as</strong> extensões<br />

territoriais, o narcotráfico, <strong>as</strong> disput<strong>as</strong> étnic<strong>as</strong> e religios<strong>as</strong>, os questionamentos<br />

sobre a localização d<strong>as</strong> reais fronteir<strong>as</strong> que dividem<br />

<strong>as</strong> nações, o acesso e o uso dos mananciais de água potável, a posse<br />

de fontes de energia não renováveis, a exploração dos minerais do<br />

fundo dos mares, os direitos de pesca, a poluição atmosférica que<br />

supera <strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> terrestres afetando vários países, o contrabando<br />

de mercadori<strong>as</strong> perturbando o comércio internacional. São questões<br />

que devem ser considerad<strong>as</strong> para que se perceba, com maior clareza,<br />

a necessidade dos países de manterem Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> eficientes,<br />

com rápida capacidade de mobilização e de deslocamento de expressivos<br />

efetivos, de tal forma que o país que <strong>as</strong> utilizar possa garantir<br />

sucesso na iniciativa e seu objetivo estratégico ser alcançado.<br />

O Br<strong>as</strong>il, recentemente, precisou apelar para <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong><br />

com a finalidade de restabelecer a ordem em determinada área do<br />

estado do Rio de Janeiro, então n<strong>as</strong> mãos do crime organizado,<br />

fato que pode ocorrer em outr<strong>as</strong> unidades da Federação. O governo<br />

br<strong>as</strong>ileiro enviou e mantém trop<strong>as</strong> no Haiti e deverá contribuir na<br />

Força de Paz que irá se estabelecer no Líbano, como apoio e afirmação<br />

de sua política exterior. Em p<strong>as</strong>sado não muito remoto, enviou<br />

militares, sob o comando d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong>, para a faixa de Gaza<br />

e para o Timor, bem como observadores da ONU na conflagrada ex<br />

Iugoslávia, com a missão de <strong>as</strong>segurarem a paz ameaçada naquel<strong>as</strong><br />

paragens. Precisamos estar preparados para ess<strong>as</strong> missões que podem<br />

ser solicitad<strong>as</strong> a qualquer momento neste mundo instável em<br />

que vivemos. No entanto, para que isso aconteça, torna-se necessário<br />

uma política permanente de reequipamento, treinamento e manutenção<br />

de um efetivo mínimo do Exército, Marinha e Aeronáutica,<br />

de tal forma que nossa presença no mundo contemporâneo seja<br />

considerada como um país de real expressão econômica, política,<br />

diplomática e militar. Não há alternativa a ser considerada – a não<br />

ser a irresponsabilidade para com <strong>as</strong> necessidades da nação.<br />

Os militares, os cidadãos que por primeiro sofrem com os horrores<br />

da batalha, com os sofrimentos infligidos pela guerra, são os cidadãos<br />

que mais <strong>as</strong>piram a paz. Vale, no seu estilo e determinação de vida, a<br />

sábia orientação da máxima latina: Si vis pacem, para bellum (Se queres<br />

paz, prepara-te para a guerra). Cabe aos civis, ao processo educacional<br />

de qualidade, às igrej<strong>as</strong> cristãs, eliminarem ou diminuírem o mal, o<br />

pecado do mundo, conquistando <strong>as</strong> condições de realização da paz.<br />

Os militares devem ganhar <strong>as</strong> guerr<strong>as</strong>, proteger a nação, su<strong>as</strong> leis e<br />

Constituição – esta é a sua missão, sua atribuição constitucional.<br />

Certamente podemos visualizar na já longa caminhada da humanidade,<br />

exemplos notáveis de virtudes pessoais e coletiv<strong>as</strong>, bem<br />

como instantes da mais deslavada predominância do mal cometido<br />

por pesso<strong>as</strong> ou por grupos de pesso<strong>as</strong>. Não precisamos nos deter<br />

muito mais debatendo esse pressuposto óbvio e irretocável: o mal,<br />

n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de manifestação, existe como decorrência<br />

mesmo da liberdade e da racionalidade da pessoa humana que faz<br />

opções na sua vida. Os militares, tratando-se daquilo que é considerado<br />

um mal para a sua nação, por sua liderança política civil,<br />

tratarão de eliminá-lo ou contê-lo, segundo os meios de combate e<br />

de treinamento que possuem.<br />

Apreendi que cert<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, com tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> possibilidades<br />

e força de comunicação, são o norte, a orientação principal<br />

da vida de um militar: Pátria, Honra e Lealdade. Uma ideologia<br />

que se cristaliza em tradição, disciplina, hierarquia e coragem.<br />

Agem, como outros grupamentos humanos que possuem su<strong>as</strong><br />

ideologi<strong>as</strong> própri<strong>as</strong> – partidos políticos, sindicatos, organizações<br />

vári<strong>as</strong> que compõe uma sociedade.<br />

O mesmo povo que hoje cospe no rosto dos militares, a mesma<br />

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juventude que debocha do estilo de vida que os militares cultivam<br />

e dos valores pelos quais estão dispostos a dar a vida, é o que<br />

nos momentos de perigo vai exigir, clamar por Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong><br />

capazes de defendê-lo exigindo, nesse momento, que <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong><br />

estejam pront<strong>as</strong>, bem equipad<strong>as</strong> e treinad<strong>as</strong>. Isto aconteceu em<br />

2010 no Br<strong>as</strong>il e tende a se repetir outr<strong>as</strong> vezes, com percepção<br />

clara dos inimigos internos e externos a<br />

serem neutralizados.<br />

Frente a tal situação os militares ficam estupefatos,<br />

desorientados e tristes. Desolados<br />

com o abandono dos políticos, historiadores,<br />

filósofos, igrej<strong>as</strong>, professores, que gozam<br />

a liberdade, a paz e o progresso que foram<br />

erguidos, em p<strong>as</strong>sado não muito distante,<br />

também com lut<strong>as</strong>, com guerr<strong>as</strong>, com a perda<br />

de inúmer<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>, geralmente de jovens,<br />

que acreditavam que lutavam e morriam<br />

por uma causa justa, cumprindo ordens dos<br />

legítimos dirigentes de sua nação, esperando,<br />

no desespero trágico dos combates, apen<strong>as</strong><br />

cumprir a missão que lhes fora confiada e<br />

o reconhecimento do seu povo para com os<br />

sacrifícios que se dispuseram a fazer. Essa<br />

disposição continua a mesma.<br />

Acredito que todos os cidadãos e cidadãs<br />

esperam pelo dia em que não mais existirão<br />

conflitos. Que <strong>as</strong> naturais divergênci<strong>as</strong> de<br />

opinião e conflitos de interesse possam<br />

ser resolvidos nos parlamentos nacionais<br />

e internacionais. São inúmer<strong>as</strong> <strong>as</strong> vozes<br />

de mulheres e de homens ilustres que, no<br />

decorrer da história da humanidade, propugnaram<br />

pelo aperfeiçoamento da democracia,<br />

da liberdade, da justiça e da paz. Muito já foi<br />

feito e consolidado na organização da vida<br />

d<strong>as</strong> nações e da n<strong>as</strong>cente ordem internacional.<br />

Muito resta a ser feito. Vale recordar <strong>as</strong><br />

palavr<strong>as</strong> do profeta Isaí<strong>as</strong>:<br />

“Com efeito, de Sião sairá a Lei, e de Jerusalém,<br />

a palavra de Iahweh. Ele julgará <strong>as</strong><br />

nações, Ele corrigirá a muitos povos. Estes<br />

quebrarão <strong>as</strong> su<strong>as</strong> espad<strong>as</strong>, transformando<strong>as</strong><br />

em relh<strong>as</strong>, e <strong>as</strong> su<strong>as</strong> lanç<strong>as</strong>, a fim de fazerem<br />

podadeir<strong>as</strong>. Uma nação não levantará a<br />

espada contra a outra, e nem se aprenderá<br />

mais a fazer guerra” (Is 2, 1-4).<br />

Os militares, disciplinadamente atentos,<br />

certamente saberão dizer, como uma<br />

oração, na trilha d<strong>as</strong> tradições que cultivam,<br />

como último alento de certeza na missão<br />

que lhes foi confiada pela sociedade, como<br />

tão singelamente cantou C<strong>as</strong>tro Alves, (in<br />

“Dous de Julho”), com sua poesia vibrante<br />

de emoção e pertinência:<br />

“Heróis! Como o cedro augusto<br />

Campeia rijo e vetusto<br />

Dos séculos ao perp<strong>as</strong>sar,<br />

Vós sois os cedros da História,<br />

A cuja sombra de glória<br />

Vai-se o Br<strong>as</strong>il abrigar.”


últiMa Página<br />

deus à luciana<br />

A<br />

É com<br />

profundo pesar que participamos<br />

o falecimento da nossa colaboradora<br />

na Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a Sra.<br />

Luciana Buarque Goulart, em 15 de<br />

janeiro deste ano.<br />

Nossa querida Luciana trabalhou na revista<br />

desde julho de 1998, e tinha como tarefa organizar<br />

os trabalhos propostos para publicação, manter<br />

contato com os autores, orientar o diretor de arte<br />

quanto a detalhes pertinentes ao texto e coordenar<br />

a produção final da revista. Pelo contato afável que<br />

manteve com os autores d<strong>as</strong> matéri<strong>as</strong>, foi sempre<br />

muito elogiada e querida.<br />

A direção da revista sempre teve nela uma<br />

incansável colaboradora e amiga, que facilitava a<br />

relação com os nossos autores de textos.<br />

Tudo o que ela representou nesses anos, a sua<br />

amizade, simpatia e fino trato com todos do Departamento<br />

Cultural, deixou em nossos corações<br />

um grande vazio.<br />

À sua família, portanto, em nome do <strong>Clube</strong><br />

<strong>Naval</strong> e de todos nós que desfrutamos do seu convívio,<br />

transmitimos os mais sinceros sentimentos<br />

de condolência.<br />

ClubE NAvAl, 127 ANoS<br />

o Presidente do <strong>Clube</strong> naval, vice-almirante ricardo antônio da vega Cabral tem a honra de convidar<br />

para <strong>as</strong> cerimôni<strong>as</strong> comemorativ<strong>as</strong> do 127º aniversário do<br />

<strong>Clube</strong> naval, que serão realizad<strong>as</strong> no dia 10 de junho<br />

de 2011: homenagem ao almirante saldanha da Gama,<br />

na praça que tem o seu nome, no jardim de alah,<br />

às 9 hor<strong>as</strong>. missa em ação de graç<strong>as</strong> em memória dos<br />

sócios falecidos, na igreja santa Cruz dos militares,<br />

na rua 1º de março, 36, às 11 hor<strong>as</strong>.<br />

Traje: p<strong>as</strong>seio completo.<br />

militares da mB: 5.3.<br />

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