Há algumas décadas, o terrorismo enxergou as - Clube Naval
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io de<br />
janeiro,<br />
cidade<br />
maravilhosa<br />
há 446 anos<br />
Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 1<br />
Issn 0102-0382 • ano 119 • nº 357 • jan/fev/mar • 2011
Nesta edição:<br />
4 editorial<br />
6 eM PaUta<br />
• Not<strong>as</strong> sobre acontecimentos no CN.<br />
8 charit<strong>as</strong><br />
b<strong>as</strong>tidores do 44º muNdial de optmist<br />
• renato botelho e susan Collingwood.<br />
12 atUalidade<br />
<strong>as</strong> “mídi<strong>as</strong> soCiais e a demoCarCia”:<br />
da gréCia aNtiga ao moderNo muNdo árabe<br />
• Fernando malburg da silveira.<br />
16 gUerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong><br />
o aFuNdameNto do hms sheFField<br />
• Contra-almirante (reF)<br />
Carlos Frederico V<strong>as</strong>concellos da silva.<br />
21 defesa<br />
liVro braNCo de deFesa NaCioNal<br />
• marcílio boavista da Cunha.<br />
26 defesa<br />
a estratégia de deFesa e o pré-sal<br />
• Capitão-de-mar-e-guerra-eN/reF<br />
antonio didier Vianna.<br />
30 atividades navais<br />
Combate à pirataria marítima e<br />
ao <strong>terrorismo</strong>: um NoVo Campo de atuação<br />
para <strong>as</strong> operações espeCiais NaVais?<br />
• Capitão-de-mar-e-guerra Carlos eduardo horta arentz.<br />
38 ensaio<br />
ti - teCNologia da iNFormação.<br />
uma síNtese da partiCipação dos oFiCiais<br />
da mariNha Na Formação da sua b<strong>as</strong>e<br />
téCNiCa No br<strong>as</strong>il<br />
• antônio tângari Filho.<br />
52 navios da Mb<br />
NdCC almiraNte saboia -<br />
2 aNos de iNCorporação à mariNha do br<strong>as</strong>il<br />
• Capitão-de-Corveta Wagner goulart de souza.<br />
54 saúde<br />
tabagismo. desaFio diFíCil de ser VeNCido<br />
• maj-brig méd ricardo l. de g. germano.<br />
56 viagens<br />
Chile. os belíssimos CoNtr<strong>as</strong>tes<br />
do deserto do ataCama<br />
• Capitão-tenente rosa Nair medeiros<br />
62 crônica<br />
soNhar Com o almiraNtado. por que Não?<br />
• Capitão-de-mar-e-guerra (Cd)<br />
leonor amélia de mello barros da Cunha reetz.<br />
64 Marinhagens<br />
saga amazôNiCa. o retorNo de josé<br />
• Contra-almirante domingos C<strong>as</strong>tello branco.<br />
67 os Militares<br />
Não peçam aos militares que se Neguem a lutar<br />
• eurico de andrade Neves borba<br />
74 últiMa Página<br />
adeus à luCiaNa<br />
2 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 3<br />
ti - tecnologia da<br />
inforMação •<br />
Pág 38 • um ensaio<br />
sobre a participação dos<br />
oficiais da marinha no<br />
desenvolvimento técnico<br />
da informática em<br />
todo o br<strong>as</strong>il • antônio<br />
tângari Filho<br />
<strong>as</strong> “Mídi<strong>as</strong> sociais<br />
e a deMocracia”:<br />
da grécia antiga<br />
ao Moderno<br />
MUndo árabe •<br />
Pág 12 • a trajetória<br />
evolutiva da democracia<br />
no mundo e como o<br />
conceito de “mídi<strong>as</strong><br />
sociais” conseguiu,<br />
através da informática,<br />
influenciar grandes<br />
grupos, principalmente<br />
de jovens, que vivem em<br />
sociedades de regime<br />
fechado • Fernando<br />
malburg da silveira<br />
o afUndaMento do<br />
hMs sheffield •<br />
Pág 16 • a primeira<br />
vez na história que uma<br />
aeronave lançou um<br />
míssil exocet am-39 foi<br />
justamente contra esse<br />
destróier inglês, durante<br />
a guerra d<strong>as</strong> malvin<strong>as</strong> •<br />
Contra-almirante (reF)<br />
Carlos Frederico<br />
V<strong>as</strong>concellos da silva<br />
chile.<br />
os belíssiMos<br />
contr<strong>as</strong>tes do<br />
deserto do<br />
atacaMa • Pág 56<br />
• mais uma de noss<strong>as</strong><br />
viagens, dessa vez pela<br />
exótica beleza de um<br />
deserto com gêiseres,<br />
vulcões e lagos de sal •<br />
Capitão-tenente rosa<br />
Nair medeiros
Prezado Sócio<br />
Neste número, como de costume, publicamos eventos sobre a vida<br />
social e outros artigos enviados nos moldes tradicionais da RCN ou seja,<br />
em ciência, tecnologia, ciênci<strong>as</strong> polític<strong>as</strong>, relações internacionais etc.<br />
Nessa linha, sem desmerecer os demais <strong>as</strong>suntos, destacamos a publicação<br />
da matéria “Tecnologia da informação” a cerca da participação dos<br />
Oficiais de Marinha no desenvolvimento da informática no Br<strong>as</strong>il, motivo<br />
de interesse de inúmeros de nossos leitores que nessa atividade conviveram<br />
e, também, espelhou o envaidecimento de nossa Cl<strong>as</strong>se em ter contribuído<br />
para o desenvolvimento do tema em nosso País.<br />
Também publicamos, a propósito do trimestre que se encerra, o artigo<br />
“Os Militares”, que ressalta o justo reconhecimento que a cl<strong>as</strong>se militar<br />
representou e continua a representar na vida da Nação br<strong>as</strong>ileira.<br />
Mais uma vez, portanto, esperamos esta continuidade para o<br />
melhor proveito dos nosso leitores.<br />
A Editoria<br />
4 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 5<br />
• • •<br />
<strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong><br />
Av. Rio Branco, 180 • 5º andar<br />
Centro • Rio de Janeiro • RJ<br />
Br<strong>as</strong>il • 20040-003<br />
Tel.: (21) 2112-2425<br />
Presidente<br />
V Alte Ricardo Antonio da Veiga Cabral<br />
Diretor do Departamento Cultural<br />
V Alte José Eduardo Pimentel de Oliveira<br />
• • •<br />
Editoria<br />
VAlte José Eduardo Pimentel de Oliveira<br />
CMG Adão Chag<strong>as</strong> de Rezende<br />
Jornalista Responsável<br />
Antônio de Oliveira Pereira<br />
(DRT-MT. Reg. 15.712)<br />
Direção de Arte e Diagramação<br />
AG Rio - Comunicação Corporativa<br />
ag-rio@agcom.com.br<br />
(21) 2569-9651<br />
Produção<br />
José Carlos Medeiros<br />
Atendimento Comercial<br />
Tel.: (21) 2262-1873<br />
revista@clubenaval.org.br<br />
• • •<br />
As informações e opiniões emitid<strong>as</strong> em<br />
entrevist<strong>as</strong>, matéri<strong>as</strong> <strong>as</strong>sinad<strong>as</strong> e cart<strong>as</strong><br />
publicad<strong>as</strong> são de exclusiva responsabilidade<br />
de seus autores. Não exprimem,<br />
necessariamente, informações, opiniões<br />
ou pontos de vista oficiais da Marinha do<br />
Br<strong>as</strong>il, nem do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a menos que<br />
explicitamente declarado.<br />
A transcrição ou reprodução de matéri<strong>as</strong> aqui<br />
publicad<strong>as</strong>, em todo ou em parte, necessita<br />
da autorização prévia da Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />
• • •<br />
Os artigos enviados estão sujeitos a cortes<br />
e modificações em sua forma, obedecendo<br />
a critérios de nosso estilo editorial.<br />
Também estão sujeitos às correções<br />
gramaticais, feit<strong>as</strong> pelo revisor da revista.<br />
As fotos enviad<strong>as</strong> através de e-mail devem<br />
medir o mínimo de 15cm, em jpg ou tif,<br />
com 300dpi.<br />
• • •
EvENtoS E<br />
ComEmoRAçõES<br />
NA SEDE SoCiAl<br />
Almoço DE ENtREgA DE PlACAS • Foram entregues aos representantes<br />
d<strong>as</strong> loj<strong>as</strong> situad<strong>as</strong> na sede social, plac<strong>as</strong> comemorativ<strong>as</strong> do Centenário da sede social.<br />
Na foto, a partir da esquerda, o Comandante josé joaquim pires,1º secretário do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a senhora Valéria silva dos santos,<br />
Vendedora da loja gir<strong>as</strong>sol, o Vice-almirante ricardo antônio da Veiga Cabral, presidente do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a senhora tereza Corsão,<br />
proprietária do restaurante ‘o Navegador’, a senhora josette maria macedo, administradora do restaurante ‘bistrô Villarino’, o senhor<br />
Walter Cabral, proprietário do salão Walter’s Coiffeur e o Comandante mario marcio simões huguet, diretor social do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />
Almoço Em homENAgEm Ao<br />
AltE CoRRêA guimARãES • No dia<br />
25 de março de 2011, o presidente do <strong>Clube</strong><br />
<strong>Naval</strong>, Vice-almirante ricardo antônio da<br />
Veiga Cabral, ofereceu um almoço ao<br />
almirante-de-esquadra (FN) marco antônio<br />
Corrêa guimarães, Comandante geral do<br />
Corpo de Fuzileiros Navais, em homenagem<br />
à sua promoção e em agradecimento pelos<br />
relevantes serviços prestados ao <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>,<br />
como 1º Vice-presidente.<br />
Na foto, a partir da esquerda, os almirantes<br />
Corrêa guimarães, Veiga Cabral e o Vicealmirante<br />
(FN) Carlos alfredo Vicente leitão,<br />
Comandante do pessoal de Fuzileiros Navais e<br />
atual 1º Vice-presidente do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />
viSitA À DiREtoRiA DE CoNtAS<br />
DA mARiNhA (DCom) • No dia 14 de fevereiro, o<br />
presidente do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, Vice-almirante ricardo antônio<br />
da Veiga Cabral, visitou a diretoria de Cont<strong>as</strong> da<br />
marinha (dCom) a convite do seu diretor, o Contra-almirante<br />
(im) Francisco josé de araújo, que ocupa também<br />
o cargo de diretor Financeiro do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />
Na foto, o almirante Francisco e o almirante Veiga<br />
Cabral, logo após a Cerimônia de recepção ao presidente<br />
do <strong>Clube</strong>.<br />
QuADRo ADSumuS • o quadro foi doado<br />
ao acervo do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> pelo autor, Comandante<br />
(FN) hiron. retrata, em arte digitalizada e infografada,<br />
o “memorial dos Fuzileiros Navais mortos<br />
em Combate”, desde 1808, quando aqui chegaram,<br />
trazidos por seus irmãos marinheiros. o<br />
memorial está erguido no pátio do batalhão <strong>Naval</strong>,<br />
na ilha d<strong>as</strong> Cobr<strong>as</strong>.<br />
o quadro adsumus foi premiado pelo júri<br />
do XV salão de bel<strong>as</strong> artes plástic<strong>as</strong> do bicentenário<br />
do CFN, em 2008, com menção honrosa e<br />
no 31º salão marinha do br<strong>as</strong>il, em 2009, com o<br />
prêmio grande medalha de bronze.<br />
Na foto, a partir da esquerda, o almirante<br />
Veiga Cabral, presidente do <strong>Clube</strong>, o Comandante<br />
hiron e o almirante leitão, 1º Vice-presidente<br />
do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />
6 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 7<br />
DoAção DE livRoS Ao ClubE NAvAl • No dia 28<br />
de Fevereiro de 2011, o alte Veiga Cabral recebeu a doação do<br />
livro “poluição marinha: uma questão de Competência. <strong>as</strong>pectos<br />
da lei nº. 9.966, de 28/04/2000”,<br />
ofertado pelo Comte Valdir andrade<br />
santos, na foto, acompanhado pelo<br />
Comte Fernando moraes baptista,<br />
presidente do Conselho diretor, e<br />
Comte helio augusto de souza,<br />
<strong>as</strong>sessor jurídico. a obra ficará<br />
disponível para consulta e<br />
empréstimos, na biblioteca<br />
do <strong>Clube</strong>.<br />
EvENtoS E<br />
ComEmoRAçõES<br />
NA SEDE SoCiAl
charit<strong>as</strong><br />
b<strong>as</strong>tidores do<br />
44º muNDiAl<br />
DE oPtmiSt<br />
reNato botelho<br />
susaN ColliNgWood<br />
O 44º Campeonato Mundial de Optimist foi sediado no <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> Charit<strong>as</strong> (CNC),<br />
entre 5 e 14 de agosto de 2009 e se constituiu num dos maiores eventos náuticos da história<br />
de Niterói. Foi considerado bem organizado pelos participantes, entidades envolvid<strong>as</strong> e<br />
espectadores. Este objetivo alcançado foi fruto de intenso trabalho de b<strong>as</strong>tidores, que não<br />
é aparente para os que avaliam apen<strong>as</strong> os resultados obtidos.<br />
Sediar o Mundial de 2009 foi consequência do sucesso<br />
anterior do Sul-Americano de Optimist que ocorrera no<br />
CNC em abril de 2007. A International Optimist Dinghy<br />
Association (IODA), entidade internacional que controla<br />
os campeonatos dessa cl<strong>as</strong>se, ficou bem impressionada e<br />
aceitou a candidatura do Charit<strong>as</strong>, apresentada na Itália<br />
no segundo semestre de 2007, concorrendo com dois<br />
outros países. A eleição, propriamente dita, se deu na Turquia no<br />
ano seguinte, na Assembleia Geral da IODA, composta pelos países<br />
participantes do Mundial de 2008 que se realizava naquele país, em<br />
votação presenciada pelos representantes do CNC.<br />
A partir da aprovação do CNC como sede do Mundial de 2009,<br />
foram tomad<strong>as</strong> <strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong> de preparação do <strong>Clube</strong> para<br />
atender aos requisitos da IODA. Essa preparação seria objeto de vistori<strong>as</strong><br />
periódic<strong>as</strong> por aquela entidade. Havia uma possibilidade, não<br />
muito perceptível, de que o campeonato poderia vir a ser também um<br />
teste da capacidade de organização br<strong>as</strong>ileira de um grande certame<br />
náutico, que de algum modo poderia ter influência na escolha da<br />
cidade do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016, visto que<br />
o Mundial ocorreria em agosto de 2009, dois meses antes de o Comitê<br />
Olímpico Internacional eleger a nossa capital do Estado como cidadesede<br />
para 2016. Era, deste modo, grande a responsabilidade do <strong>Clube</strong><br />
<strong>Naval</strong> e do seu Departamento Náutico- o nosso Charit<strong>as</strong>.<br />
Alguns desafios se mostraram de maior complexidade, tais como:<br />
alojamento para 300 pesso<strong>as</strong> de 47 países diferentes, mobilização de<br />
220 embarcações iguais para os competidores, embarcações de apoio,<br />
alimentação com três refeições diári<strong>as</strong> para todos os participantes,<br />
segurança, saúde, atendimento médico, proteção ao meio ambiente,<br />
adequação do tráfego marítimo para evitar contratempos para os<br />
velejadores, programação de atividades sociais que proporcion<strong>as</strong>sem<br />
entretenimento e bom relacionamento entre os participantes etc.<br />
Foi também definido que o campeonato deveria ocorrer sem causar<br />
transtorno às atividades normais do <strong>Clube</strong> e aos <strong>as</strong>sociados.<br />
Foi elaborado um planejamento detalhado com tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> atividades,<br />
durações e dat<strong>as</strong> de conclusão requerid<strong>as</strong>, usando-se o software<br />
Project. Esse planejamento foi elemento fundamental de controle<br />
e ajuste d<strong>as</strong> ações a serem tomad<strong>as</strong>.<br />
O <strong>as</strong>pecto financeiro se mostrou, como sempre, um desafio para<br />
que fossem atendidos os limites orçamentários definidos. As fontes<br />
de recursos seriam o módico pagamento de US$ 500 por participante,<br />
o pagamento do aluguel dos Optimists pelos participantes para<br />
treinamento antes do início do campeonato, pagamento ao CNC de<br />
comissão da empresa locadora d<strong>as</strong> embarcações, patrocínios por<br />
empres<strong>as</strong> que tradicionalmente apoiam esses eventos (Petrobr<strong>as</strong>,<br />
Universidade Salgado de Oliveira, Prezunic) e uma verba conseguida<br />
junto ao governo estadual. Posteriormente, o governo estadual, por<br />
intermédio da Secretaria de Esportes, não conseguiu atender seu<br />
compromisso e o <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> teve de <strong>as</strong>sumir esse encargo pouc<strong>as</strong><br />
seman<strong>as</strong> antes do início do evento.<br />
O atendimento aos requisitos de alojamento era crítico. Embora<br />
o hotel do <strong>Clube</strong> pudesse alojar alguns participantes, <strong>as</strong> acomodações<br />
eram insuficientes para a sua totalidade. A experiência do<br />
Sul-Americano mostrava a viabilidade do uso de contêineres como<br />
alojamento para vag<strong>as</strong> adicionais. O custo do aluguel seria, porém,<br />
excessivamente alto e fora dos orçamentos predefinidos. Surgiu<br />
então uma oportunidade: a Marinha do Br<strong>as</strong>il havia recebido da<br />
extinta Cia. de Navegação Lloyd Br<strong>as</strong>ileiro, uma década antes, o<br />
Navio Mercante Atlântico Sul, já desativado. Ele foi leiloado por<br />
não ter mais utilidade para a Armada e comprado pela Norsul. Esta<br />
empresa resolveu acolher a nossa solicitação e ceder para o Charit<strong>as</strong><br />
70 contêineres obsoletos, mantidos nos porões de carga do navio,<br />
m<strong>as</strong> os custos para removê-los e transportá-los seriam grandes.<br />
Foram então estabelecidos contatos com a Br<strong>as</strong>teiner, que opera no<br />
mercado de aluguel de contêineres transformados, e ficou acertado<br />
8 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 9<br />
Foto: Fred Hoffman<br />
que essa empresa removeria os contêineres do navio, sem custos<br />
para a Norsul ou para o Charit<strong>as</strong>, faria <strong>as</strong> adaptações necessári<strong>as</strong>,<br />
proveria o transporte e instalaria <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> “suítes” no campus do<br />
<strong>Clube</strong>. Nessa oc<strong>as</strong>ião, o custo de cada contêiner, pela sua obsolescência,<br />
se equiparava ao custo dos serviços acima (adaptação, transporte<br />
e instalação) – e isso permitiu que esses serviços fossem ressarcidos<br />
com a entrega da maioria dos contêineres para a Br<strong>as</strong>teiner.<br />
Foi uma operação complexa e bem-sucedida, que atendeu aos<br />
interesses de todos os envolvidos. No <strong>Clube</strong>, os 70 contêineres foram<br />
dispostos como se fossem uma vila olímpica de dois andares, com<br />
p<strong>as</strong>sarel<strong>as</strong> inferior e superior. Tinham forração interna e dispunham<br />
de cam<strong>as</strong>, armários, pia, chuveiro, sanitário, ar-condicionado, sistema<br />
de combate a incêndio, o que exigiu a construção de instalações<br />
especiais relacionad<strong>as</strong> com água, esgoto e energia elétrica, esta fornecida<br />
através de um grupo motor-gerador, alugado para a oc<strong>as</strong>ião.<br />
Tudo isso, inspecionado e aprovado pelo Corpo de Bombeiros.<br />
A principal cobertura jornalística do campeonato foi proporcionada<br />
pelo canal de TV ESPN Br<strong>as</strong>il, com um programa semanal que<br />
divulgava <strong>as</strong> notíci<strong>as</strong> em reportagens especiais. Também a empresa<br />
Ponte S.A. disponibilizou gratuitamente por du<strong>as</strong> seman<strong>as</strong> os painéis<br />
da ponte Rio-Niterói, dando destaque a esse grande acontecimento<br />
náutico da nossa cidade.<br />
A contratação de árbitros nacionais e internacionais de renome,<br />
<strong>as</strong>sim como de reconhecidos craques da vela nacional, para atuar<br />
n<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> comissões, foi importante para o padrão de qualidade da<br />
parte operacional do campeonato – considerado elevado pelos atlet<strong>as</strong>,<br />
técnicos e dirigentes participantes, n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> declarações.
A mobilização d<strong>as</strong> 220 embarcações da cl<strong>as</strong>se Optimist de um<br />
mesmo fabricante foi também complexa. Os prazos teriam de ser<br />
cumpridos e o custo teria de ser compatível com <strong>as</strong> expectativ<strong>as</strong> dos<br />
participantes. Logo no início, tentou-se uma solução no mercado<br />
nacional, que traria o benefício de ser geradora de emprego de<br />
mão de obra especializada e carente no nosso país. Infelizmente,<br />
essa alternativa mostrou-se inviável e partiu-se para a contratação<br />
de uma empresa argentina, experiente neste tipo de eventos e que<br />
havia fornecido os Optimists para o Sul-Americano no CNC. Os<br />
pagamentos a essa empresa foram feitos diretamente pelos participantes,<br />
com rep<strong>as</strong>se ao Charit<strong>as</strong>, pela locadora, de uma comissão<br />
pelo uso dos barcos durante o evento.<br />
As embarcações de apoio, tipo inflável com motor de popa, seriam<br />
inicialmente alugad<strong>as</strong>. Posteriormente, foi vislumbrada a possibilidade<br />
de mobilização desse tipo de embarcação junto ao Corpo<br />
de Fuzileiros Navais, Exército e Força de Submarinos. Desse modo,<br />
o atendimento se mostrou adequado e sem custos adicionais.<br />
O controle do tráfego marítimo era outro <strong>as</strong>pecto importante<br />
a se considerar para que não ocorressem transtornos durante <strong>as</strong><br />
competições. Isso envolvia principalmente o fluxo de catamarãs<br />
da empresa Barc<strong>as</strong> S/A, que fazem a linha Praça XV-Charit<strong>as</strong>. Esse<br />
encargo foi rep<strong>as</strong>sado à Capitania dos Portos do Rio de Janeiro, responsável<br />
pela segurança marítima na Baía de Guanabara, que tomou<br />
<strong>as</strong> providênci<strong>as</strong> necessári<strong>as</strong>, posicionando, inclusive, lanch<strong>as</strong> su<strong>as</strong><br />
pela proa dos catamarãs, servindo de gui<strong>as</strong> quando estes cruzavam<br />
<strong>as</strong> rai<strong>as</strong> demarcad<strong>as</strong> para a competição.<br />
O fato de o idioma oficial do campeonato ser o inglês demandou<br />
cuidado especial na seleção do pessoal para trabalhar no evento, bem<br />
como na preparação do material de divulgação e orientação aos estrangeiros,<br />
aqui incluíd<strong>as</strong> <strong>as</strong> plac<strong>as</strong> de sinalização espalhad<strong>as</strong> pelo <strong>Clube</strong>.<br />
Foi elaborado um plano de SMS (segurança individual, meio<br />
ambiente e saúde), com o sentido de garantir que a competição<br />
ocorresse sem riscos para os participantes e sem agressões ao meio<br />
ambiente, além de proporcionar condições adequad<strong>as</strong> a uma boa<br />
disposição física e mental dos competidores.<br />
Dentro dos conceitos atuais de convivência do ser humano com<br />
o meio ambiente, o lema escolhido para o campeonato foi a Geração<br />
da Energia Limpa (Clean Energy Generation).<br />
Para apoiar <strong>as</strong> delegações com relação a p<strong>as</strong>saporte e emigração,<br />
a Delegacia da Polícia Federal em Niterói instalou um posto de<br />
atendimento no CNC.<br />
O Posto Médico do <strong>Clube</strong> funcionou a contento<br />
e foi chefiada voluntariamente por um <strong>as</strong>sociado<br />
nosso, Médico da Reserva da Marinha, que ficou<br />
responsável pela preparação do Posto e pelos atendimentos<br />
que fossem necessários. Foi mobilizada<br />
também uma ambulância, fornecida pela Secretaria<br />
de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, que<br />
permaneceu n<strong>as</strong> dependênci<strong>as</strong> do <strong>Clube</strong> 24 hor<strong>as</strong><br />
por dia durante todo o evento, sem custos para o<br />
CNC e, felizmente, sem ter sido usada. Fez-se uma<br />
parceria com o Hospital d<strong>as</strong> Clínic<strong>as</strong> de Niterói,<br />
que <strong>as</strong>sumiu <strong>as</strong> responsabilidades de Hospital de<br />
B<strong>as</strong>e para c<strong>as</strong>os de emergência.<br />
Como curiosidade, ocorreu infestação de<br />
piolhos, de origem desconhecida, nos contêineres<br />
de du<strong>as</strong> equipes. O problema foi prontamente<br />
resolvido com a compra de xampu específico,<br />
distribuição a tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> equipes e orientação<br />
quanto ao seu uso. A compra foi de tal monta que,<br />
praticamente, se esgotaram os estoques desse<br />
produto n<strong>as</strong> farmáci<strong>as</strong> de Niterói!<br />
Uma participante, por sinal a campeã feminina<br />
Foto: Fred Hoffman<br />
da competição, caiu do beliche e quebrou um dente. Foi imediatamente<br />
levada a um dentista e no mesmo dia o dano foi reparado.<br />
Como vemos, nenhuma ocorrência médica grave teve lugar<br />
durante o campeonato.<br />
Uma preocupação adicional quanto à saúde decorreu da<br />
alarmante questão da gripe suína, cuja epidemia naqueles di<strong>as</strong><br />
ameaçava gr<strong>as</strong>sar pelo país: a orientação d<strong>as</strong> autoridades sanitári<strong>as</strong><br />
foi fundamental para que se tom<strong>as</strong>sem medid<strong>as</strong> preventiv<strong>as</strong><br />
e não houvesse no <strong>Clube</strong> qualquer registro de c<strong>as</strong>o da doença<br />
relacionado ao evento.<br />
A cerimônia de abertura representou um momento especial,<br />
quando foram h<strong>as</strong>tead<strong>as</strong> <strong>as</strong> bandeir<strong>as</strong> dos países participantes sob<br />
os acordes do Hino Nacional Br<strong>as</strong>ileiro, sucedendo ao desfile aberto<br />
pela Banda do CIAGA, em que atlet<strong>as</strong> e dirigentes d<strong>as</strong> 47 delegações<br />
levaram pelos caminhos do Charit<strong>as</strong> os seus pavilhões nacionais ao<br />
som do “Cisne Branco”.<br />
Os <strong>as</strong>pectos de segurança do patrimônio e d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> foram<br />
objeto de atenção especial. Não poderíamos nos permitir o risco de<br />
ocorrênci<strong>as</strong> que viessem a prejudicar o campeonato e a imagem do<br />
país como futura sede da Olimpíada. Foram mantidos contatos com<br />
a Guarda Municipal da Prefeitura de Niterói que mobilizou uma<br />
viatura 24 hor<strong>as</strong> por dia, durante todo o evento, n<strong>as</strong> proximidades do<br />
CNC. A Polícia Militar mobilizou efetivo que patrulhava a área entre<br />
a estação do catamarã e o Charit<strong>as</strong>, tendo em vista o elevado número<br />
de acompanhantes de atlet<strong>as</strong> que atravessavam a baía para conhecer<br />
10 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 11<br />
o Rio de Janeiro. O Grupamento Aeromarítimo<br />
(GAM) da Polícia Militar mobilizou um inflável<br />
com guard<strong>as</strong> armados que patrulharam <strong>as</strong> águ<strong>as</strong><br />
da enseada de Jurujuba diuturnamente. O Corpo<br />
de Fuzileiros Navais disponibilizou um pelotão<br />
para segurança não ostensiva, cujos soldados<br />
permaneceram descaracterizados no interior<br />
do <strong>Clube</strong> durante todo o evento. Seguranç<strong>as</strong><br />
feminin<strong>as</strong> contratad<strong>as</strong> realizaram o controle do<br />
acesso aos alojamentos femininos. Foi instalado<br />
um sistema de informações e monitoramento<br />
de imagens, com câmer<strong>as</strong> e sensores, visando<br />
ampliar <strong>as</strong> informações necessári<strong>as</strong> tanto à<br />
segurança quanto ao acompanhamento d<strong>as</strong><br />
regat<strong>as</strong>, já que o sistema possui câmer<strong>as</strong> com<br />
alcance de até 1,5 km.<br />
Tivemos desse modo garantia de condições<br />
adequad<strong>as</strong> de segurança que permitiram – também<br />
nesse <strong>as</strong>pecto – que o evento transcorresse<br />
sem nenhuma anormalidade.<br />
Um desafio diário foi o lançamento à água,<br />
praticamente simultâneo, de mais de 200<br />
embarcações em tempo compatível com os<br />
anseios dos participantes. Foram contratados<br />
marinheiros adicionais e destacado um funcionário<br />
da náutica do CNC como responsável<br />
pel<strong>as</strong> operações. Conseguimos a performance de<br />
lançamento de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> embarcações no prazo<br />
de 15 minutos!<br />
Para atender aos requisitos de alimentação,<br />
foram instalad<strong>as</strong> mes<strong>as</strong> no salão principal do<br />
<strong>Clube</strong> e servid<strong>as</strong> 1.800 refeições por dia. Antes<br />
disso, foram efetuad<strong>as</strong> reform<strong>as</strong> na cozinha,<br />
adquiridos materiais e equipamentos apropriados,<br />
contratados nutricionist<strong>as</strong> e garçons. Esse<br />
serviço, inicialmente complexo, foi prestado sem reclamações dos<br />
usuários e sem a ocorrência de distúrbios alimentares. Apen<strong>as</strong> um<br />
participante teve alimentação especial, por ser sensível à ingestão<br />
de glúten.<br />
Durante a noite, após o jantar, foram programad<strong>as</strong> fest<strong>as</strong> e<br />
atividades sociais que permitiram a alegria e o congraçamento dos<br />
participantes do evento.<br />
Como resultado de toda essa preparação, o CNC recebeu uma<br />
carta de elogios da IODA. Como a IODA tem representante na International<br />
Sailing Federation (ISAF) que por sua vez tem <strong>as</strong>sento<br />
no Comitê Olímpico Internacional (COI), parece justo dizer que o<br />
sucesso do evento contribuiu com uma imagem positiva do Br<strong>as</strong>il<br />
junto ao COI, órgão que viria a eleger o Rio de Janeiro como cidadesede<br />
da Olimpíada de 2016. Um fato recente pode corroborar essa<br />
<strong>as</strong>sertiva: o <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> Charit<strong>as</strong> foi honrado em fevereiro de 2011<br />
com um diploma do Comitê Olímpico Br<strong>as</strong>ileiro (COB), <strong>as</strong>sinado<br />
pelo seu presidente, Carlos Arthur Nuzman, pelo qual aquele Comitê<br />
agradece ao nosso <strong>Clube</strong> “o apoio para o crescimento do esporte e<br />
desenvolvimento do Movimento Olímpico Br<strong>as</strong>ileiro”.<br />
Ao terminar este registro histórico, faz-se necessário ressaltar<br />
que o atendimento aos requisitos de um evento de tamanha envergadura<br />
deveu-se ao trabalho árduo e abnegado de uma equipe dedicada<br />
e competente que buscou honrar <strong>as</strong> tradições do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> e do<br />
seu Departamento Náutico, escrevendo uma página inesquecível<br />
para os que dele participaram.<br />
Foto: Fred Hoffman
atUalidade<br />
AS “míDiAS SoCiAiS” N<strong>as</strong> fotos: de Platão a Kaddafi<br />
E A DEmoCRACiA:<br />
da Grécia antiGa ao<br />
moderno mundo árabe<br />
Fernando Malburg da Silveira<br />
A democracia ateniense e seus meios de divulgação às m<strong>as</strong>s<strong>as</strong><br />
Em artigo publicado nesta revista sob o título Os fundamentos<br />
da democracia ateniense e uma comparação com<br />
<strong>algum<strong>as</strong></strong> postur<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> contemporâne<strong>as</strong> (RCN, nº 345,<br />
jan./fev./mar. 2008), o autor procurou expor a forma pela<br />
qual o povo grego, seis séculos antes de Cristo, buscava<br />
organizar e consolidar os princípios que norteariam o<br />
comportamento ético e político d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>, e muito<br />
especialmente o dos cidadãos d<strong>as</strong> polis (<strong>as</strong> cidades greg<strong>as</strong>, onde se<br />
destacava Aten<strong>as</strong>, hospedeira do pensamento dos principais filósofos<br />
gregos). Desde então era percebida pelos mais intelectualizados a<br />
necessidade de moldar e parametrizar o convívio social d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong><br />
na coletividade, todavia sem deixar de considerar seus direitos e<br />
sua maneira de ver e pensar o mundo, desde que respeitando o<br />
bem comum, entendido como a vontade da maioria (na verdade,<br />
da “maioria pensante”).<br />
Dessa busca pelo bem comum resultou o sistema que então<br />
ficou conhecido como democracia (palavra que vem do grego<br />
demos – povo – e kratos – autoridade). Tal sistema reconhecia a<br />
vontade popular predominante, m<strong>as</strong> colocava acima dela a figura<br />
emblemática do governante, incumbido de que fazer com que essa<br />
vontade fosse realizada sob o domínio da ordem e sempre visando<br />
ao bem comum.<br />
Esse sistema levou alguns séculos para se consolidar. A partir da<br />
mitologia n<strong>as</strong>cida d<strong>as</strong> tradições culturais e do pensamento mítico<br />
dos magos e sacerdotes, p<strong>as</strong>sando pela escola filosófica fundamental<br />
de Tales de Mileto (século VI a.C.) e seus muitos discípulos, depois<br />
por Pitágor<strong>as</strong> (530 a.C.), chegando a Sócrates (470-399 a.C.), cujo<br />
pensamento clássico fertilizou a análise conceitual e a epistemologia<br />
de seu discípulo Platão (428-347 a.C.), a Grécia desenvolveu<br />
e legou para a posteridade, até os di<strong>as</strong> de hoje, teori<strong>as</strong> filosófic<strong>as</strong>,<br />
fundamentos éticos e comportamentos políticos que, p<strong>as</strong>sados 25 séculos,<br />
permanecem vivos, gerando a moderna consagração do termo<br />
democracia como sendo o governo do povo, pelo povo e para o povo<br />
(frequentemente desrespeitada, como se constata no mundo atual).<br />
A filosofia grega, mormente sob Platão, tornou-se um meio de alcançar<br />
um projeto político capaz de servir à sociedade, neutralizando os<br />
interesses de grupos e <strong>as</strong> opiniões apaixonad<strong>as</strong> que, desprovid<strong>as</strong> de<br />
fundamento sólido, se opunham ao real conhecimento. Procurava-se<br />
uma aristocracia do poder, sob a convicção de que, emanando dos<br />
grandes pensadores, <strong>as</strong> idei<strong>as</strong> dariam fruto às melhores soluções de<br />
governo para o cidadão comum. Para isso, Platão e seus seguidores,<br />
no pequeno contexto geográfico e social d<strong>as</strong> polis (Aten<strong>as</strong>, Esparta,<br />
Teb<strong>as</strong>, Micen<strong>as</strong> e muit<strong>as</strong> outr<strong>as</strong>), usavam fartamente a discussão<br />
política, o debate sobre o contraditório (opinião versus verdade,<br />
desejo versus razão, interesse particular versus interesse coletivo,<br />
senso comum versus senso filosófico etc.), fazendo máximo uso d<strong>as</strong><br />
poderos<strong>as</strong> arm<strong>as</strong> do diálogo e da dialética.<br />
Disseminar esses pensamentos, idei<strong>as</strong>, debates e su<strong>as</strong> conclusões<br />
por toda a Grécia era, decerto, tarefa difícil, limitada que estava aos<br />
deslocamentos dos mestres e seus discípulos, com os parcos meios<br />
de locomoção da época, para <strong>as</strong> cidades mais próxim<strong>as</strong>. Ness<strong>as</strong> polis<br />
mais populos<strong>as</strong> incentivava-se a concentração popular n<strong>as</strong> praç<strong>as</strong><br />
públic<strong>as</strong>, cenários de memoráveis debates que, muit<strong>as</strong> d<strong>as</strong> vezes,<br />
consagravam deliberações coletiv<strong>as</strong> que se tornavam regra para<br />
toda a comunidade citadina e <strong>as</strong> d<strong>as</strong> imediações, propagando-se<br />
pelo Estado grego. A isso se deu o nome de democracia direta, isto<br />
é, aquela praticada diretamente pelo povo presente às reuniões<br />
públic<strong>as</strong>. Esses aglomerados populares, ou <strong>as</strong>semblei<strong>as</strong>, eram a<br />
mídia social da época: diminuta, limitadamente informada e restrita<br />
à discussão do pensamento de alguns poucos cidadãos mais<br />
ilustrados, cuja divulgação mostrava-se precária e lenta m<strong>as</strong>, ainda<br />
<strong>as</strong>sim, eficaz para nortear o comportamento da sociedade.<br />
Aristóteles foi um dos primeiros a perceber que, com o crescimento<br />
d<strong>as</strong> polis e o aumento de sua população, tornavam-se pouco<br />
viáveis <strong>as</strong> reuniões e deliberações em praç<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>, pois eram<br />
parcos e raros os meios de reunir <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> e disseminar idei<strong>as</strong> para<br />
uma real prática democrática abrangente. Aristóteles aventou que<br />
a politeia, que seria expressa por representantes eleitos pelo povo<br />
para em seu nome decidir, era a solução mais adequada ao conceito<br />
de República e de Estado politicamente organizado. Surgiu então a<br />
democracia representativa, aceita por aqueles povos como forma<br />
mais justa e adequada de governo, admitindo-se que os representantes<br />
eleitos eram pesso<strong>as</strong> de notório saber e voltad<strong>as</strong> para o bem<br />
comum (conceito que, infelizmente, foi b<strong>as</strong>tante vilipendiado com o<br />
p<strong>as</strong>sar dos tempos...). Ainda <strong>as</strong>sim, a discussão d<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> permanecia<br />
limitada a uma pequena parcela da sociedade; e <strong>as</strong> deliberações eram<br />
de fato feit<strong>as</strong> por uns poucos cidadãos reunidos n<strong>as</strong> <strong>as</strong>semblei<strong>as</strong><br />
(parlamentos) da elite pensante, teoricamente representativ<strong>as</strong> da<br />
vontade comum. A divulgação para toda a comunidade, porém,<br />
continuava lenta e pouco eficiente.<br />
As mudanç<strong>as</strong><br />
O p<strong>as</strong>sar dos tempos imprimiu muit<strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> ao modo<br />
político de pensar d<strong>as</strong> sociedades. Nem sempre a opção foi pela<br />
democracia n<strong>as</strong> form<strong>as</strong> acima descrit<strong>as</strong>. Regimes absolutist<strong>as</strong>,<br />
estabelecidos no modelo monárquico ou sob o totalitarismo d<strong>as</strong><br />
revoluções ideológic<strong>as</strong>, fizeram-se presentes (e ainda sobrevivem)<br />
em muitos países da era moderna. Estão nesse c<strong>as</strong>o, por exemplo,<br />
<strong>as</strong> monarqui<strong>as</strong> europei<strong>as</strong> absolutist<strong>as</strong> da f<strong>as</strong>e pré-parlamentarista;<br />
<strong>as</strong> atuais monarqui<strong>as</strong> de muitos países do mundo árabe; os governos<br />
marxist<strong>as</strong> n<strong>as</strong>cidos dos ideais da Revolução Russa (poucos ainda<br />
existem); os governos populist<strong>as</strong> autoritários que se estabelecem<br />
pelo voto em alguns países de sociedades menos intelectualizad<strong>as</strong><br />
(a América Latina é prenhe de exemplos); e outros. No seio dess<strong>as</strong><br />
form<strong>as</strong> autoritári<strong>as</strong> de governo tiveram surgimento, em époc<strong>as</strong><br />
recentes – mormente em países latino-americanos onde a esquerda<br />
fortemente ideologizada <strong>as</strong>ssumiu o poder –, <strong>algum<strong>as</strong></strong> interpretações<br />
distorcid<strong>as</strong> da democracia, como é o c<strong>as</strong>o da utilização de plebiscitos<br />
a título de expressar e adotar a vontade popular – reedição deturpada<br />
da democracia direta ateniense, que tende a neutralizar a representatividade<br />
do Congresso substituindo-a por deliberações de m<strong>as</strong>s<strong>as</strong><br />
populares politicamente pouco preparad<strong>as</strong> e fortemente influenciad<strong>as</strong><br />
pelo discurso e pela propaganda do poder dominante.<br />
A mudança mais atual e dramática, porém, é a que se está<br />
12 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 13<br />
presenciando em regimes monárquicos, e em alguns presidencialist<strong>as</strong>,<br />
do mundo árabe, como decorrência dos acontecimentos<br />
na Tunísia, no Egito, no Iêmen, no Bahrein, no Irã e em outros<br />
países, onde parcel<strong>as</strong> da população – especialmente seus grupos<br />
mais jovens – parecem ter despertado de anos de torpor e, sob<br />
algum estímulo que vem sendo considerado como uma <strong>as</strong>piração<br />
democrática, estão indo para <strong>as</strong> ru<strong>as</strong> e praç<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> clamar por<br />
mudanç<strong>as</strong> e por maior liberdade político-social. Iniciados na Tunísia,<br />
esses movimentos – já considerados revolucionários – tiveram um<br />
rápido al<strong>as</strong>tramento, como se um pavio fosse queimando e fazendo<br />
explodir sucessiv<strong>as</strong> manifestações populares em múltiplos lugares<br />
do mundo árabe, do Norte da África até o Oriente Médio, motivando<br />
sever<strong>as</strong> repressões governamentais.<br />
O papel d<strong>as</strong> mídi<strong>as</strong> sociais parece ser, nesses c<strong>as</strong>os e em vários<br />
outros em potencial, o agente comburente dess<strong>as</strong> combustões, que<br />
poderão vir a resultar na instalação de outros regimes. Poderá surgir<br />
algo parecido, m<strong>as</strong> não necessariamente igual, às democraci<strong>as</strong> do<br />
mundo ocidental – nem sempre adaptáveis às cultur<strong>as</strong> nacionais<br />
daquel<strong>as</strong> sociedades; ou poderão resultar séri<strong>as</strong> instabilidades naquel<strong>as</strong><br />
regiões petrolífer<strong>as</strong>, com consequênci<strong>as</strong> importantes para<br />
o mundo ocidental. Além disso, no mundo presente ess<strong>as</strong> mídi<strong>as</strong><br />
influenciam o cenário com altíssima velocidade, fazendo uso da rede<br />
digital mundial de computadores em tempo real.<br />
As mídi<strong>as</strong> sociais<br />
O conceito de mídi<strong>as</strong> sociais (social medi<strong>as</strong>) precede a era da<br />
internet e d<strong>as</strong> atuais ferrament<strong>as</strong> tecnológic<strong>as</strong> de integração de<br />
m<strong>as</strong>s<strong>as</strong>, ainda que o termo não fosse então utilizado. Trata-se da<br />
produção de textos/vídeo/áudio de forma descentralizada e sem o<br />
controle editorial de grandes grupos, diferentemente da mídia impressa,<br />
radiofônica e televisiva convencionais. Significa disseminar<br />
<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> de muitos para muitos.<br />
Em essência, trata-se de uma larga interação entre pesso<strong>as</strong>, da<br />
qual resulta a construção de temátic<strong>as</strong> compartilhad<strong>as</strong>, usando a<br />
tecnologia da eletrônica digital como meio de conexão e divulgação,<br />
circulando o planeta em poucos segundos. São sistem<strong>as</strong> on-line<br />
projetados para permitir a interação social a partir do compartilhamento<br />
da informação nos mais diversos níveis e form<strong>as</strong>. Essa tecnologia<br />
possibilita a publicação de conteúdos por qualquer pessoa,<br />
baixando a praticamente zero o custo de produção e distribuição, ao<br />
p<strong>as</strong>so que antes essa atividade se restringia a grandes grupos com<br />
poder econômico grande o b<strong>as</strong>tante para possuir jornais, emissor<strong>as</strong><br />
de rádio e de TV. Aí reside, possivelmente, a grande revolução do<br />
mundo de hoje, que muitos analist<strong>as</strong> entendem como característica<br />
principal da Era da Informação.<br />
As atividades integram tecnologia, interação social e o uso de<br />
palavr<strong>as</strong>, fotos, vídeos e áudios. Nel<strong>as</strong> a informação é apresentada<br />
em variados formatos, como blogs, sites, compartilhamento de fotos,<br />
correio eletrônico (e-mails), videologs (tipo YouTube), mensagens<br />
instantâne<strong>as</strong> de telefonia ou computadores, compartilhamento de<br />
músic<strong>as</strong>, VoIP, e vári<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> manifestações, que não param de<br />
surgir a cada ano que p<strong>as</strong>sa. Em nossos di<strong>as</strong>, poucos são os que<br />
nunca usaram (ou pelo menos ouviram falar) de blogs (publicações<br />
editoriais independentes), google groups (referênci<strong>as</strong>, redes sociais),<br />
wikipedia (enciclopédia eletrônica), Facebook (rede social), YouTube<br />
(rede social e de compartilhamento de vídeo), Second Life (realidade<br />
virtual), Flickr (rede social e de compartilhamento de fotos), Twitter<br />
(rede social e microblogging), Wikis (compartilhamento de conhecimento),<br />
Skype e inúmeros outros serviços e aplicações que usam a<br />
rede mundial de computadores e interligam praticamente em tempo
eal pesso<strong>as</strong> nos mais diversos e remotos locais do planeta.<br />
Isso provoca notável mudança na estrutura de poder social:<br />
qualquer pessoa, e não mais apen<strong>as</strong> os detentores do capital, pode<br />
construir e disseminar conteúdos capazes de influenciar a opinião<br />
pública e mobilizar outr<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> e grupos, a custo qu<strong>as</strong>e nulo e<br />
em alta velocidade, gerando uma d<strong>as</strong> mais influentes form<strong>as</strong> midiátic<strong>as</strong><br />
da atualidade e praticando uma liberdade de comunicação<br />
interativa dificilmente controlável pelos governantes, o que se<br />
torna um tormento para os regimes autoritários cerceadores da<br />
liberdade de expressão.<br />
As mídi<strong>as</strong> sociais, porém, não têm o condão de fazer revoluções<br />
polític<strong>as</strong>, nem de implantar democraci<strong>as</strong> via internet. El<strong>as</strong><br />
constituem apen<strong>as</strong> um meio, um instrumento capaz de propagar<br />
velozmente, a baixo custo, idei<strong>as</strong> que podem ser revolucionári<strong>as</strong>,<br />
catalisando opiniões e contribuindo para a rápida formação e mobilização<br />
de grupos capazes de promover os movimentos de força.<br />
Na Era da Informação já não se pode esconder dos dissidentes o<br />
que ocorre no mundo. Em poucos segundos, ações coletiv<strong>as</strong> podem<br />
ser incentivad<strong>as</strong> e disseminad<strong>as</strong>, alcançando milhares de adesões e<br />
desencadeando movimentos que, eventualmente, podem derrubar<br />
governos, cuja primeira reação é a de bloquear os acessos a provedores<br />
de internet, a websites e a operador<strong>as</strong> de telefonia celular (como<br />
tem ocorrido na China, no Irã e mais recentemente no Egito, diante<br />
de manifestações populares mobilizad<strong>as</strong> pel<strong>as</strong> mídi<strong>as</strong> sociais). Ess<strong>as</strong><br />
ações podem também – quando não logram mudar os governantes<br />
ou o regime – dar campo para a prevalência de movimentos sociais<br />
que se colocam acima da lei e da ordem vigentes, fazendo com<br />
que a ineficácia da lei e da ordem deem lugar ao que os sociólogos<br />
chamam de Estado anômico, onde prevalecem a confusão política<br />
e a fraqueza d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de conduta.<br />
Os governos que se sentem ameaçados por esses meios modernos<br />
de divulgação às m<strong>as</strong>s<strong>as</strong> também têm defes<strong>as</strong>. Entre el<strong>as</strong>, a possibilidade<br />
de identificar os usuários d<strong>as</strong> redes instigadores de movimentos,<br />
os quais se expõem ao disseminar su<strong>as</strong> mensagens. Muit<strong>as</strong> prisões, no<br />
Irã e no Egito, foram noticiad<strong>as</strong> como tendo sido fruto da identificação<br />
dos dissidentes, a partir de seus endereços eletrônicos e dos acordos<br />
entre governos e provedores de serviços. Esses governos podem, ainda,<br />
tirar seu próprio partido do uso d<strong>as</strong> redes, disseminando contrainformações<br />
e tentando desorganizar e confundir o “inimigo”. E podem,<br />
como já mencionando, bloquear os acessos às redes, com tanto mais<br />
facilidade quanto mais participante for o Estado (em termos de capital<br />
ou de influência política) d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> que <strong>as</strong> operam.<br />
É esse o moderno mundo da tecnologia eletrônica digital e d<strong>as</strong><br />
comunicações satelitais, que diferenciam a velocidade da propagação<br />
d<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> entre o tempo em que vivemos e a maneira grega de disseminar<br />
o pensamento político-social, 600 anos antes de Cristo.<br />
Efeitos recentes no mundo islâmico<br />
A área geográfica mais afetada, no momento, pela atuação desses<br />
movimentos sociais revolucionários midiáticos abrange grande<br />
parte do mundo muçulmano, do Norte da África até a Península<br />
Árabe e <strong>as</strong> vizinhanç<strong>as</strong> do Golfo Pérsico. Essa extensa área revela<br />
problem<strong>as</strong> sociais graves, que levam uma expressiva parte de su<strong>as</strong><br />
populações (principalmente jovens carentes de emprego e desejosos<br />
de mais liberdade) a um nível de tensão facilmente transformável<br />
em estremecimentos sociais, mormente com <strong>as</strong> facilidades de<br />
divulgação da internet.<br />
Do Oeste para o Leste, problem<strong>as</strong> dessa natureza afetam regimes<br />
ditatoriais e autoritários, monárquicos ou republicanos, qu<strong>as</strong>e todos<br />
convivendo há <strong>décad<strong>as</strong></strong> com algum nível de pobreza extrema e com<br />
tecnologia da eletrônica digital.<br />
Possivelmente, a grande revolução<br />
do mundo de hoje<br />
cerca de um terço de jovens descontentes formando sua população. (1)<br />
Como exemplos, o Marrocos, cuja din<strong>as</strong>tia real governa o país desde<br />
o século XVII; a Argélia, cujo presidente está no poder desde 1999; a<br />
Tunísia, que acaba de derrubar em janeiro o ditador que governava<br />
há 23 anos e inspirou o movimento que logo se seguiu no Egito; a<br />
Líbia, governada desde 1969 por Muamar Kadafi, que no momento<br />
em que era escrito este artigo promovia sangrenta repressão ao<br />
movimento revolucionário desencadeado no leste do país, gerando<br />
forte reação no mundo ocidental; o Egito, que em fevereiro derrubou<br />
o ditador Hosni Mubarak e é governado provisoriamente por<br />
um Conselho Supremo d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> (sendo de realçar que<br />
é país que desempenha papel crucial para o equilíbrio de poderes<br />
no mundo árabe e no processo de pacificação árabe-israelense). Já<br />
no outro lado do Canal de Suez, tem-se a Jordânia, aliada dos EUA<br />
e que reconhece o Estado de Israel, m<strong>as</strong> é governada pela din<strong>as</strong>tia<br />
h<strong>as</strong>hemita desde 1920; a Síria, que vive há <strong>décad<strong>as</strong></strong> em estado de<br />
emergência, cujo atual governante herdou a ditadura de 30 anos<br />
do falecido pai e tem relações tens<strong>as</strong> com os EUA em face de ser<br />
aliada do Irã e do grupo anti-israelita libanês Hezbollah, a quem dá<br />
suporte; o Iêmen, cujo presidente está no cargo desde 1990 e onde<br />
há sérios conflitos com a oposição; a Arábia Saudita, cuja din<strong>as</strong>tia<br />
monárquica governa desde o início do século XX, é forte aliada dos<br />
EUA – motivo de insatisfação para grande parte do mundo árabe –<br />
e detém 20% do petróleo do planeta; o Bahrein, rico emirado que<br />
hospeda a sede da 5ª Esquadra dos EUA e cujo monarca sucedeu o<br />
pai, falecido em 1999 e que governava desde 1961; e o Irã, teocracia<br />
islâmica radical antiamericanista que derrubou a din<strong>as</strong>tia Pahlevi,<br />
segundo maior produtor de petróleo da região e que prega a extinção<br />
do Estado de Israel, suportando sanções da ONU por seus projetos<br />
alegadamente belicist<strong>as</strong> na área nuclear.<br />
Não é possível atribuir aos movimentos antigovernamentais<br />
que proliferam nesses países o caráter de revoluções ideológic<strong>as</strong>.<br />
Tampouco é razoável generalizar para eles um cunho islâmico radical,<br />
embora, claramente, os radicais islâmicos fiquem motivados<br />
a aproveitar a oportunidade para chegar mais perto do poder, nos<br />
países em que ainda predominam islâmicos mais moderados. As<br />
avaliações dos analist<strong>as</strong> geopolíticos e sociais é de que se trata de<br />
uma explosão de desejos de uma juventude que n<strong>as</strong>ceu sob ess<strong>as</strong><br />
ditadur<strong>as</strong>, vive em penúria e não vê perspectiv<strong>as</strong> de progresso<br />
social e liberdade sociopolítica. O desemprego parece ser o maior<br />
ingrediente do descontentamento, havendo estatístic<strong>as</strong> que indicam<br />
que cerca de um terço da população árabe é de jovens entre 15 e 29<br />
anos, desempregados e precariamente educados. (2) M<strong>as</strong> sejam quais<br />
forem su<strong>as</strong> reais caus<strong>as</strong>, ou conjunto de caus<strong>as</strong>, está-se diante de<br />
um fato: são movimentos que se al<strong>as</strong>tram rapidamente, alimentados<br />
pelos recursos oferecidos pel<strong>as</strong> mídi<strong>as</strong> eletrônic<strong>as</strong> sociais, trazendo<br />
É como se um pavio fosse queimando e<br />
fazendo explodir sucessiv<strong>as</strong> manifestações populares<br />
em múltiplos lugares do mundo árabe<br />
14 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 15<br />
Fotomontagem: Sendino<br />
os manifestantes em grandes m<strong>as</strong>s<strong>as</strong> para <strong>as</strong> ru<strong>as</strong> d<strong>as</strong> capitais e<br />
principais cidades, surpreendendo regimes que aparentemente<br />
gozavam de estabilidade e até mesmo de suporte do mundo ocidental,<br />
em certos c<strong>as</strong>os. A perplexidade tomou esses governantes<br />
de forma inesperada, repentina, e isso terá desdobramentos. Entre<br />
eles, a necessidade dos regimes democráticos ocidentais que apoiam<br />
(ou apoiavam) regimes totalitários ou autoritários no mundo árabe<br />
reverem su<strong>as</strong> posições, diante dos clamores populares.<br />
<strong>Há</strong> dois <strong>as</strong>pectos importantes que convém ressaltar nesses<br />
desdobramentos. O primeiro é que apen<strong>as</strong> a vontade juvenil e o<br />
entusi<strong>as</strong>mo de estudantes n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> não vencem revoluções. Para<br />
vencê-l<strong>as</strong>, esses movimentos despertados pela mídia eletrônica precisam<br />
da adesão, ou da simpatia, de quem detém o poder d<strong>as</strong> arm<strong>as</strong>.<br />
No c<strong>as</strong>o do Egito, por exemplo, os militares aderiram e a revolução<br />
teve sucesso. No c<strong>as</strong>o líbio, os militares inicialmente se mostraram<br />
divididos, trazendo o risco de uma guerra civil de longa duração.<br />
Outro <strong>as</strong>pecto é o que se refere ao tipo de democracia que<br />
esses movimentos eventualmente logrem desenvolver. Trata-se de<br />
cultur<strong>as</strong> diferentes d<strong>as</strong> ocidentais a que estamos afeitos, há longo<br />
tempo acostumad<strong>as</strong> com liberdades limitad<strong>as</strong>, limitações ess<strong>as</strong> que,<br />
não raro, têm o fundamento religioso muçulmano em seu âmago.<br />
Dificilmente veremos o n<strong>as</strong>cimento de democraci<strong>as</strong> desenhad<strong>as</strong><br />
nos moldes ocidentais. Quando muito, serão modelos adaptados<br />
às circunstânci<strong>as</strong> locais, podendo prevalecer regr<strong>as</strong> de cunho<br />
shiita ou sunita, com maior ou menor influência da lei islâmica<br />
(a sharia). Em certos c<strong>as</strong>os, como o da Líbia, o tribalismo poderá<br />
ter influência mais proeminente do que a teologia, não sendo de se<br />
desprezar a possibilidade de não haver convergência de posições e<br />
da revolta surgir o caos. Em muitos c<strong>as</strong>os, nada garante, se adotado<br />
o sufrágio universal, que os eleitos formarão governos com postur<strong>as</strong><br />
e índoles pró-ocidentais (democracia e postur<strong>as</strong> pró-Ocidente<br />
não são cois<strong>as</strong> umbilicalmente ligad<strong>as</strong>). Em qu<strong>as</strong>e todos os c<strong>as</strong>os,<br />
os revolucionários carecem de organização política (partidos, por<br />
exemplo, com program<strong>as</strong> de governo) para <strong>as</strong>sumirem o poder, e<br />
esse despreparo pode ser des<strong>as</strong>troso para os Estados em que logrem<br />
derrubar o status quo.<br />
O epílogo de cada um desses movimentos “nutridos pela web” é<br />
imprevisível, no momento. Não é possível afirmar, por exemplo, que<br />
vá ocorrer algo similar a 1989, quando os manifestantes de países<br />
do Leste europeu, com expressiva ajuda de dissidentes d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong><br />
armad<strong>as</strong> e da polícia, decidiram livrar-se do comunismo, mudaram a<br />
ordem política em toda uma grande região e alteraram o equilíbrio<br />
de poder no planeta, ao dar fim ao Império Soviético. O mais provável,<br />
por motivos culturais, é que falhem em mudar profundamente<br />
o mundo árabe, m<strong>as</strong> <strong>as</strong> sementes para mudanç<strong>as</strong> ficarão plantad<strong>as</strong>,<br />
podendo futuramente germinar democraci<strong>as</strong> (ainda que não muito<br />
liberais, em razão de su<strong>as</strong> raízes islâmic<strong>as</strong>). (3)<br />
Uma coisa é certa: os monarc<strong>as</strong> e ditadores do mundo árabe,<br />
até agora confiantes de estabilidade em su<strong>as</strong> long<strong>as</strong> permanênci<strong>as</strong><br />
à frente do governo, foram sacudidos pelo poder da mídia digital e<br />
não voltarão a dormir em paz. As potênci<strong>as</strong> ocidentais, por sua vez,<br />
terão que decidir se apoiam <strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> ou se continuam – movid<strong>as</strong><br />
por seus interesses no petróleo – a prestigiar governos pouco ou<br />
nada democráticos.<br />
Not<strong>as</strong><br />
(1) Fonte: O Globo, “Uma região volátil”, 20 fev. 2011, p. 38.<br />
(2) Fonte: O Globo, 20 fev. 2011, p. 40.<br />
(3) Friedman, George. Revolution and the Muslim World. Disponível em:<br />
.
gUerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong><br />
O AFUNDAMENTO DO<br />
HMS SHEFFIELD<br />
ANtECEDENtES<br />
Na Inglaterra, na década de 1960, estava sendo planejada<br />
a construção de uma nova cl<strong>as</strong>se de navios-aeródromos<br />
(NAe), para substituir os mais antigos, remanescentes<br />
da II Guerra Mundial. A cl<strong>as</strong>se ganharia o nome de<br />
Queen Elizabeth (CVA-01), deveria ser incorporada à<br />
esquadra inglesa na década de 1970 e o projeto inicial<br />
previa a construção de dois desses NAe. Esse projeto<br />
deu origem a outro, o de construção dos navios que comporiam a<br />
escolta desses NAe, com a missão principal de lhes prover defesa<br />
contra-alMirante (ref)<br />
carlos frederico v<strong>as</strong>concellos da silva<br />
A importância da operação de ataque ao Destróier Sheffield, realizada em 4 de maio de 1982<br />
pela Aviação <strong>Naval</strong> Argentina na Guerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>, se deve, principalmente, ao fato de que,<br />
pela primeira vez na história, uma aeronave lançou com sucesso em operação real de guerra,<br />
um míssil ar-superfície contra um navio inimigo. A aeronave era um Super Etendard (SUE)<br />
da Aviação <strong>Naval</strong> Argentina, o míssil, um Exocet AM-39, ambos de fabricação francesa<br />
e o navio-alvo, o Destróier tipo 42 Sheffield, incorporado à Marinha inglesa em 1975.<br />
Para melhor entender o resultado da ação, devem ser considerados alguns <strong>as</strong>pectos<br />
importantes e fatos que ocorreram na Argentina e na Inglaterra, precedendo <strong>as</strong> operações que<br />
se desenrolaram na Guerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>, que por certo influenciaram alguns resultados.<br />
antiaérea e antissubmarino. Seriam quatro unidades dos Guided<br />
Missile Destroyer (DDG) tipo 82, com deslocamento de 6.700 a<br />
7.700 tonelad<strong>as</strong> a toda carga. Em 1966, levando em consideração<br />
os altos custos envolvidos, o governo trabalhista cancelou não só,<br />
o projeto dos CVA-01, como também o dos DDG tipo 82, quando o<br />
primeiro navio dessa cl<strong>as</strong>se já estava pronto, o HMS Bristol. Daí,<br />
ainda levando em conta ess<strong>as</strong> razões econômic<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> considerando<br />
<strong>as</strong> necessidades da Marinha inglesa, o Ministério da Defesa<br />
determinou que em substituição aos DDG tipo 82, fosse construída<br />
uma cl<strong>as</strong>se de navios com capacidade similar,<br />
m<strong>as</strong> de porte mais reduzido, deslocando de<br />
3.500 a 4.100 tonelad<strong>as</strong> e a um custo final bem<br />
menor, o que possibilitaria a construção de<br />
um maior número de unidades. Foi <strong>as</strong>sim que<br />
se originou o projeto dos destroieres tipo 42.<br />
o míssil<br />
exocet aM 39<br />
Obviamente, o requisito de compacidade impôs restrições relativ<strong>as</strong><br />
à configuração dos navios dos primeiro e segundo lotes construídos,<br />
como o Sheffield, do que resultou, entre outr<strong>as</strong>, a impossibilidade<br />
de se instalar um sistema mais eficiente de defesa antiaérea de<br />
ponto (CIWS-close in weapon system), para se contrapor a ataques<br />
de aeronaves e de mísseis em voo r<strong>as</strong>ante. Não foi possível instalar<br />
nem mesmo o sistema Sea Cat, cujo desempenho já era considerado<br />
16 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 17<br />
discutível, apesar de se enquadrar no parâmetro de custo estabelecido.<br />
Qualquer adição de armamento implicaria problem<strong>as</strong> relativos<br />
à indisponibilidade de espaço, que não havia e de aumento de peso,<br />
que afetaria <strong>as</strong> condições de estabilidade do navio. Dess<strong>as</strong> restrições,<br />
resultaram ainda, <strong>as</strong> impossibilidades de se instalar o sistema de<br />
arm<strong>as</strong> antissubmarino Ikara e de dotar o navio de um hangar duplo,<br />
para abrigar e operar dois helicópteros orgânicos, do modelo Lynx,<br />
o que seria necessário, tendo em vista que era considerado que a<br />
disponibilidade de voo desses helicópteros não ultrap<strong>as</strong>sava os 50%.<br />
Enfim, a redução de peso e espaço foram tais, que até o centro de<br />
operações de combate (COC) ganhou instalações acanhad<strong>as</strong>, em<br />
espaço inadequado, em prejuízo de sua funcionalidade.<br />
Na Argentina, no final do ano de 1981, período que precedeu ao<br />
início d<strong>as</strong> hostilidades com a Inglaterra, na Guerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>,<br />
a Aviação <strong>Naval</strong> contava com um efetivo aproximado de três mil<br />
homens e cerca de 130 aeronaves distribuíd<strong>as</strong> em dez unidades<br />
aére<strong>as</strong>, para operar de terra, de su<strong>as</strong> três b<strong>as</strong>es principais, e no mar<br />
embarcad<strong>as</strong> no Navio-Aeródromo 25 de Maio. Ess<strong>as</strong> unidades estavam<br />
bem adestrad<strong>as</strong> para desenvolver operações de esclarecimento,<br />
de ataque, antissubmarino, de logística e de busca e salvamento,<br />
tiveram participação ativa e cumpriram eficazmente su<strong>as</strong> missões,<br />
superando <strong>as</strong> muit<strong>as</strong> dificuldades encontrad<strong>as</strong>. No entanto, para<br />
desenvolver o esforço principal de ataque à Força Tarefa (FT) da<br />
Marinha inglesa, a Aviação <strong>Naval</strong> argentina contava apen<strong>as</strong> com 15<br />
Um<br />
super<br />
etendard<br />
(sUe)<br />
aeronaves Sky Hawks A-4Q, que, tanto quanto os 60 A-4P da Força<br />
Aérea, foram adquiridos da Marinha americana, na condição de<br />
aeronaves usad<strong>as</strong>. Além dess<strong>as</strong> aeronaves, a Aviação <strong>Naval</strong> argentina<br />
havia recebido cinco aeronaves, parte de um contrato de aquisição<br />
de 14 Super Etendard (SUE), caç<strong>as</strong>-bombardeiros fabricados pela<br />
D<strong>as</strong>sault e cinco mísseis ar-superfície Exocet AM-39, também<br />
adquiridos e recebidos antes da efetivação do embargo imposto ao<br />
fornecimento de arm<strong>as</strong> pela França à Argentina. Os SUE não possuíam<br />
característic<strong>as</strong> excepcionais de voo e, além disso, tinham um<br />
raio de ação muito limitado, sua velocidade máxima a 11 mil pés de<br />
altitude chegava a 1.3 Mach, m<strong>as</strong> a baixa altitude não p<strong>as</strong>sava de 0.97<br />
Mach, menor que a do som. Todavia, tiveram um bom desempenho<br />
no conflito, especialmente, em razão da sua capacidade de portar e
lançar o míssil ar-superfície Exocet AM-<br />
39, o que, aliado às deficiênci<strong>as</strong> de projeto<br />
inerentes aos destroieres tipo 42 dos 1º e<br />
2º lotes construídos para a Marinha inglesa,<br />
no que concerne à dificuldade de se<br />
contraporem de modo eficiente ao ataque<br />
de aeronaves e mísseis em voo r<strong>as</strong>ante,<br />
certamente, contribuiu para o sucesso da<br />
operação de ataque ao Sheffield.<br />
A oPERAção DE AtAQuE<br />
Dois di<strong>as</strong> antes da inv<strong>as</strong>ão d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong><br />
pel<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> argentin<strong>as</strong>, a Segunda<br />
Esquadrilha de Caça e Ataque da Aviação<br />
<strong>Naval</strong> da Marinha recebeu ordens de<br />
interromper seu programa normal de<br />
adestramento, para se dedicar exclusivamente,<br />
durante os 30 di<strong>as</strong> seguintes, ao<br />
adestramento objetivando o emprego eficiente<br />
do sistema de ataque com mísseis<br />
ar-superfície Exocet AM-39. Estabelecido<br />
o embargo, o governo da França determinou<br />
a suspensão da entrega d<strong>as</strong> demais aeronaves<br />
adquirid<strong>as</strong>, dos sobressalentes do<br />
armamento, e a suspensão dos trabalhos<br />
de <strong>as</strong>sessoria técnica que seus técnicos<br />
prestavam em território argentino. O<br />
interessante é que ainda <strong>as</strong>sim, esses técnicos<br />
não receberam ordem de regresso<br />
para a França, permanecendo na Argentina.<br />
De qualquer forma, os engenheiros<br />
e os técnicos da Marinha argentina, com<br />
auxílio ou não dos franceses, conseguiram<br />
o cruzador<br />
belgrano<br />
resolver os problem<strong>as</strong> de instalação e harmonização do armamento<br />
e, a fim de atender às necessidades de sobressalentes para quatro<br />
aeronaves, procederam à desmontagem do quinto SUE.<br />
Em 4 de maio de 1982, dois di<strong>as</strong> após o torpedeamento e afundamento<br />
do Cruzador Belgrano, uma aeronave de patrulha da Força<br />
Aérea Argentina, tipo Netuno, obteve um contato radar às 7h09min,<br />
a 90 milh<strong>as</strong> de distância e a 100 milh<strong>as</strong> de Porto Argentino, durante<br />
um voo de esclarecimento que vinha sendo realizado diariamente na<br />
área marítima ao redor d<strong>as</strong> ilh<strong>as</strong>, visando <strong>as</strong>segurar o tráfego aéreo<br />
e marítimo entre <strong>as</strong> ilh<strong>as</strong> e o continente. Pelo processamento dos<br />
sinais recebidos e analisados em seu equipamento ESM (eletronic<br />
support me<strong>as</strong>ures), foi determinado que se tratava de um navio<br />
inimigo, provavelmente um destróier tipo 42 da Marinha Inglesa.<br />
Na realidade, tratava-se do Destróier Sheffield posicionado 20 milh<strong>as</strong><br />
avante do navio capitânia da força-tarefa inglesa, o NAe Hermes,<br />
com a missão principal de lhe prover cobertura antiaérea e a seu<br />
par, o NAe Invencible.<br />
No Sheffield, para atenuar o desconforto da tripulação, decorrente<br />
d<strong>as</strong> condições de fechamento do material adotad<strong>as</strong> quando em cruzeiro<br />
de guerra, foi estabelecido o serviço em turnos de seis hor<strong>as</strong>,<br />
de maneira a proporcionar ao pessoal de folga, a possibilidade de<br />
melhores refeições e de descanso mais adequado (defence stationssecond<br />
state of readiness).<br />
O Netuno, após transmitir para a b<strong>as</strong>e argentina de Rio Grande<br />
a informação do contato obtido, recebeu a determinação de manter<br />
acompanhamento do alvo e de ampliar sua informação inicial.<br />
Paralelamente, foi determinada a prontificação de dois SUE para a<br />
Um exocet<br />
lançado de um<br />
navio<br />
o nae<br />
invencible<br />
realização de ataque aos alvos com mísseis<br />
Exocet AM-39. Às 8h45min, depois de recebida<br />
do Netuno a posição mais atualizada<br />
dos alvos, que então seriam três sendo um<br />
grande e dois médios, foram expedid<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />
ordens para que os SUE decol<strong>as</strong>sem às<br />
9h45min e para que o Netuno os inform<strong>as</strong>se,<br />
diretamente, a posição de 10h00min.<br />
Essa informação era necessária, para<br />
que os pilotos pudessem introduzi-la nos<br />
computadores de navegação de su<strong>as</strong> aeronaves<br />
antes do inicio do ataque. Por razões<br />
óbvi<strong>as</strong>, os SUE estavam se deslocando para<br />
a área de ataque, com seus radares Agave<br />
desligados. A decolagem aconteceu como<br />
determinado e a 150 milh<strong>as</strong> da b<strong>as</strong>e de Rio<br />
Grande, voando a 15 mil pés de altitude<br />
os SUE se encontraram com uma aeronave<br />
KC-130 da Força Aérea argentina, se<br />
reab<strong>as</strong>teceram em voo e atestaram seus<br />
tanques de combustível, antes do início<br />
da f<strong>as</strong>e final do ataque. Encerrado o reab<strong>as</strong>tecimento,<br />
os SUE prosseguiram para<br />
a área de ataque mantendo seus radares<br />
desligados e iniciando a descida para voo<br />
a baixa altitude, próximo ao nível do mar,<br />
a fim de evitar que fossem detectados pela<br />
FT inimiga. Encontraram condições meteorológic<strong>as</strong><br />
advers<strong>as</strong>, com teto d<strong>as</strong> nuvens a<br />
500 pés e visibilidade horizontal reduzida<br />
por efeito d<strong>as</strong> pancad<strong>as</strong> de chuva e bancos<br />
de névoa. Enquanto isso, o radar do Netuno<br />
apresentou um defeito que o impedia de<br />
manter o acompanhamento dos alvos. Ainda <strong>as</strong>sim, recebeu ordem<br />
de permanecer na área, fazendo uma derradeira tentativa de reparar<br />
o equipamento, até que às 10h30min conseguiu seu intento e<br />
transmitiu aos SUE <strong>as</strong> informações requerid<strong>as</strong>. Cumprida a ordem, a<br />
aeronave de patrulha encerrou sua missão com pleno sucesso, abandonou<br />
a área e regressou para a b<strong>as</strong>e de Rio Grande, onde pousou,<br />
às 13h04min. Recebida a última informação do Netuno, os pilotos<br />
dos SUE, sabendo que os navios da FT inglesa se encontravam a 115<br />
milh<strong>as</strong> de distância, decidiram atacar o alvo maior.<br />
Nesse entretempo, o comandante do Sheffield estava em seu<br />
posto no p<strong>as</strong>sadiço e o COC totalmente guarnecido, quando, visando<br />
diminuir a possibilidade do inimigo detectar a posição exata da FT,<br />
foi determinado pelo capitânia que o Sheffield transmitisse uma<br />
mensagem para o Comando da Esquadra Inglesa, em Northwood.<br />
Em razão dessa faina, o seu radar principal foi desligado, a fim de<br />
evitar qualquer interferência na transmissão da mensagem, do que<br />
resultou uma falha na cobertura radar. Para cobrir essa falha, o<br />
HMS Hermes, estava rep<strong>as</strong>sando por data-link para o Sheffield, <strong>as</strong><br />
imagens obtid<strong>as</strong> pelo seu radar. Apesar dess<strong>as</strong> precauções, ocorreu<br />
algum problema. Os detalhes são um pouco confusos, m<strong>as</strong>, aparentemente,<br />
o radar do Hermes obteve um contato momentâneo,<br />
chegando a detectar três aeronaves e a cl<strong>as</strong>sificá-l<strong>as</strong> como hostis,<br />
m<strong>as</strong> como esse contato se desvaneceu rapidamente, não houve<br />
tempo para uma identificação positiva d<strong>as</strong> aeronaves. Na falta dessa<br />
identificação positiva, o contato foi interpretado como sendo de<br />
aeronaves argentin<strong>as</strong> de interceptação, Mirage III, voando af<strong>as</strong>tad<strong>as</strong><br />
da FT, em rumo que não inspirava maiores cuidados. De certa forma,<br />
o destróier<br />
sheffield em<br />
três momentos,<br />
antes e depois<br />
de atingido pelo<br />
míssel exocet<br />
contribuiu para que essa falha não fosse percebida no devido tempo,<br />
o fato de os helicópteros Lynx, que estavam equipados com ESM,<br />
capazes de identificar não só radares de aeronaves inimig<strong>as</strong>, como<br />
também a frequência de emissão e o tipo do radar, se encontrarem<br />
voando muito af<strong>as</strong>tados da FT, em altitude que não lhes possibilitava<br />
a detecção de qualquer emissão radar d<strong>as</strong> aeronaves argentin<strong>as</strong>.<br />
Conhecedores da capacidade ESM da FT inglesa, os pilotos navais<br />
argentinos, deliberadamente, continuavam a aproximação com<br />
seus SUE, mantendo voo a baixa altitude e radares de busca desligados,<br />
até atingir posição na distância de 25 a 30 milh<strong>as</strong> dos alvos.<br />
Enquanto isso, outros problem<strong>as</strong> afetavam e agravavam o quadro<br />
de problem<strong>as</strong> da FT inglesa: o Sheffield e demais navios da escolta<br />
que também possuíam seus próprios equipamentos ESM, não puderam<br />
fazer no devido tempo, antes do início da guerra, os ajustes<br />
necessários nesses equipamentos, a fim de que o míssil Exocet fosse<br />
identificado como armamento hostil. Adicionalmente, vários dos<br />
radares de busca de superfície dos navios da FT, emitiam na mesma<br />
frequência do radar do míssil e, dessa combinação de problem<strong>as</strong>,<br />
resultou que não houve uma identificação rápida do ataque com os<br />
Exocet, até que os mísseis estivessem muito próximos ao alvo.<br />
Assim, introduzidos os dados dos alvos nos sistem<strong>as</strong> d<strong>as</strong> unidades<br />
de ataque (UAI) d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> aeronaves, os pilotos argentinos navegando<br />
pelos seus computadores, conduziram os SUE até a posição prevista<br />
para efetuar o lançamento dos mísseis. Após uma primeira tentativa<br />
falha, lograram identificar o inimigo em seus radares e lançaram<br />
seus mísseis a cerca de 25 milh<strong>as</strong> do alvo. Às 11h04min, imediatamente<br />
após o lançamento, os SUE iniciaram curva de af<strong>as</strong>tamento<br />
18 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 19<br />
da zona de perigo, <strong>as</strong>sumiram o rumo de regresso para a b<strong>as</strong>e de<br />
Rio Grande e pousaram sem novidades às 12h04min.<br />
Enquanto os Exocet se deslocavam voando baixo, com a velocidade<br />
de 1.000 km/h na direção do condenado Sheffield, o comandante<br />
do navio e outro oficial observavam com atenção o horizonte, com<br />
a finalidade de tentar confirmar a informação daquele contato<br />
momentâneo que haviam recebido do COC pouco antes. Estavam<br />
fazendo varredura visual pelo setor de boreste do navio, no sentido<br />
popa até a proa, quando perceberam muito af<strong>as</strong>tado uma pequena<br />
nuvem de fumo e não conseguiram identificar do que se tratava,<br />
porque nem eles, nem ninguém, jamais havia tido a oportunidade<br />
de ver um míssil Exocet voando r<strong>as</strong>ante, de frente, e se aproximando<br />
do navio com velocidade qu<strong>as</strong>e supersônica. Quando finalmente o<br />
identificaram, o míssil já se encontrava a uma milha de distância<br />
e não houve tempo para acionar qualquer medida defensiva, a não<br />
ser transmitir pelo sistema de intercomunicações, um alerta para<br />
que todos se protegessem. Quatro segundos depois o míssil atingiu<br />
o navio, por boreste, a meia-nau e abaixo do convés principal,<br />
poucos pés acima da linha d’água. O Exocet perfurou o costado do<br />
Sheffield, com trajetória em ângulo de cerca de 30° em relação ao<br />
plano diametral do navio, atravessou o compartimento de máquin<strong>as</strong><br />
avante, penetrou no compartimento de máquin<strong>as</strong> a ré, onde atingiu<br />
<strong>as</strong> turbin<strong>as</strong> de propulsão e, finalmente, se chocou contra a antepara<br />
de ré, sem explodir. O pessoal de serviço no p<strong>as</strong>sadiço e no COC,<br />
ouviu um estrondo, como o de uma colossal explosão, m<strong>as</strong> <strong>as</strong> fotos<br />
tirad<strong>as</strong> antes do navio afundar revelaram que a cabeça de combate de<br />
364 libr<strong>as</strong> do míssil não detonou e que o ruído ouvido foi produzido
Pode-se imaginar qual<br />
seria a representação do<br />
quadro que registra <strong>as</strong><br />
perd<strong>as</strong> reais da Marinha<br />
inglesa, na guerra d<strong>as</strong><br />
Malvin<strong>as</strong>, c<strong>as</strong>o a aviação<br />
naval argentina tivesse<br />
recebido em tempo útil os<br />
14 super etendard e uma<br />
quantidade maior de<br />
mísseis exocet<br />
pela onda de choque decorrente do impacto d<strong>as</strong> 1.455 libr<strong>as</strong> do<br />
seu corpo e do seu motor. Mesmo sem a detonação da cabeça de<br />
combate os resultados foram cat<strong>as</strong>tróficos. O atrito da p<strong>as</strong>sagem<br />
do míssil com <strong>as</strong> chap<strong>as</strong> de aço do navio ao atravessá-l<strong>as</strong>, provocou<br />
temperatur<strong>as</strong> elevad<strong>as</strong> e labared<strong>as</strong> que atingiram o tanque principal<br />
de combustível do navio, ocorrendo de imediato um incêndio de<br />
grandes proporções e dens<strong>as</strong> nuvens de fumaça branca. A seguir, o<br />
fogo propagou-se pela cablagem de PVC, pintura e outros materiais<br />
inflamáveis e sua fumaça tóxica se espalhou por todos os compartimentos<br />
e p<strong>as</strong>sagens do navio. Sem energia, não sendo possível nem<br />
mesmo ventilar os compartimentos internos para tentar expulsar<br />
a fumaça, <strong>as</strong> equipes de combate a incêndio ficaram isolad<strong>as</strong>, os<br />
equipamentos auxiliares como geradores e bomb<strong>as</strong> de incêndio não<br />
funcionaram, e o incêndio atingiu proporções incontroláveis, com<br />
ameaça de explosão do paiol de munição avante. Nesse paiol, estavam<br />
armazenados 22 mísseis Sea Dart e respectiv<strong>as</strong> cabeç<strong>as</strong> de combate,<br />
120 projéteis para o canhão de 4,5 polegad<strong>as</strong>, <strong>algum<strong>as</strong></strong> cabeç<strong>as</strong> de<br />
combate de torpedos, bomb<strong>as</strong> de profundidade e foguetes chaff.<br />
Frente a essa situação, após cerca de cinco hor<strong>as</strong> extenuantes de<br />
lut<strong>as</strong> para debelar o incêndio, sem sucesso, o comandante do navio<br />
se viu na contingência de dar a ordem de abandonar o navio.<br />
Ainda foi tentada uma operação de salvamento do Sheffield,<br />
rebocando-o para <strong>as</strong> ilh<strong>as</strong> de Ascensão ou para a Geórgia do Sul, m<strong>as</strong><br />
a deterioração do estado do tempo não possibilitou a concretização<br />
da ideia. O navio embarcou muita água, e cada vez mais, devido às<br />
más condições do mar, sem possibilidade de bombeá-la para fora,<br />
levando à decisão de afundá-lo naquela área, em águ<strong>as</strong> profund<strong>as</strong>, a<br />
10 de maio de 1982, seis di<strong>as</strong> depois de atingido pelo Exocet.<br />
obSERvAçõES FiNAiS<br />
A capacidade de defesa antimíssil do Destróier Sheffield foi praticamente<br />
nula, não tendo ocorrido nenhum tipo de alarme antecipado<br />
que lhe permitisse tentar uma manobra ev<strong>as</strong>iva, nem tão pouco, que<br />
seu armamento pudesse se contrapor à ação do míssil Exocet AM-39.<br />
O desempenho dos destroieres tipo 42 na Guerra d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>,<br />
quando a Marinha inglesa perdeu du<strong>as</strong> unidades dessa cl<strong>as</strong>se, o<br />
Sheffield e o Conventry, que faziam parte da sua força-tarefa, afundados<br />
nos ataques aéreos realizados pela Aviação <strong>Naval</strong> argentina,<br />
utilizando mísseis ar-superfície ou bomb<strong>as</strong>, determinaram posteriormente<br />
a adoção de medid<strong>as</strong> corretiv<strong>as</strong> que foram observad<strong>as</strong><br />
mais especificamente na construção dos destroieres tipo 42 do<br />
lote nº 3. Eles tiveram seu comprimento acrescido de 50 pés e seu<br />
deslocamento para 4.765 tonelad<strong>as</strong> a toda carga, melhorando seu<br />
comportamento no mar. Essa medida contribuiu para aumentar<br />
a disponibilidade de espaço e possibilitou a acomodação de um<br />
sistema CIWS (close in weapon system) mais efetivo de armamento<br />
antiaéreo para defesa de ponto, como o Vulcan Phalanx, para<br />
aumentar <strong>as</strong> dimensões da plataforma de voo junto ao hangar e<br />
ainda para instalação de um radar mais moderno.<br />
O ataque ao Sheffield, fez com que a força-tarefa inglesa tivesse<br />
que alterar substancialmente seu dispositivo, af<strong>as</strong>tando seus naviosaeródromos<br />
para leste, tendo que designar uma maior quantidade de<br />
navios para lhes prover proteção antiaérea mais efetiva e ainda, que<br />
na falta de aeronaves adequad<strong>as</strong>, tivesse que adaptar helicópteros<br />
para realização da função de alarme aéreo antecipado;<br />
Para reflexão, pode-se imaginar qual seria a representação do<br />
quadro que registra <strong>as</strong> perd<strong>as</strong> reais da Marinha inglesa, na Guerra<br />
d<strong>as</strong> Malvin<strong>as</strong>, c<strong>as</strong>o a Aviação <strong>Naval</strong> argentina tivesse recebido em<br />
tempo útil os 14 Super Etendard e uma quantidade maior de mísseis<br />
Exocet, adquiridos pouco antes do início d<strong>as</strong> hostilidades.<br />
Para finalizar, essa operação, certamente reforça a necessidade<br />
que tem qualquer Marinha, de contar com uma aviação de<br />
patrulha eficiente.<br />
Referênci<strong>as</strong><br />
1. Boletim Del Centro <strong>Naval</strong>, v. 109, n. 764, Ataque Al Sheffield, 1991.<br />
2. Marshall Cavendish. The Falklands War – day by day record from<br />
inv<strong>as</strong>ion to victory. 1983.<br />
3. The Sunday Times. “The Falklands War – The Full Story. 1982.<br />
defesa<br />
MarCÍlio boaviSTa da CunHa<br />
O ministro da Defesa<br />
recebeu, por Lei Complementar,<br />
a responsabilidade<br />
de implantar<br />
o Livro Branco de Defesa<br />
Nacional. (1) O Poder<br />
Executivo deverá, a<br />
seguir, encaminhá-lo à<br />
apreciação do Congresso<br />
Nacional, juntamente com<br />
a política (2) e a estratégia (3)<br />
de defesa.<br />
Os princípios e diretrizes para a elaboração<br />
deste livro foram recentemente estabelecidos<br />
pela presidente da República, que também<br />
liVro<br />
braNCo<br />
de deFesa<br />
NaCioNal<br />
20 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 21<br />
instituiu grupo de trabalho<br />
interministerial com o<br />
objetivo de elaborar estudos<br />
sobre tem<strong>as</strong> a ele<br />
pertinentes. (4)<br />
Porém, o que é um<br />
Livro Branco? Qual a<br />
sua importância numa<br />
democracia? O que é o<br />
Livro Branco de Defesa<br />
Nacional? Como se integra<br />
com a política e a estratégia<br />
de defesa? Qual serão <strong>as</strong> res-<br />
ponsabilidades do Executivo e do<br />
Legislativo? Quais <strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong> de<br />
sua elaboração pelo governo e apreciação pelo<br />
Congresso Nacional?
livRo bRANCo<br />
livros brancos (em inglês, “white papers”) fazem parte de<br />
um conjunto de livros coloridos que têm sido utilizados<br />
pelos governos dos regimes democráticos para expor e<br />
realizar consult<strong>as</strong> a setores da sociedade sobre su<strong>as</strong> idei<strong>as</strong>,<br />
planos e intenções. Muito utilizados, especialmente<br />
pelos governos europeus, eles são reconhecidos como<br />
documentos oficiais de governo que abordam um determinado<br />
problema e informam como ele será enfrentado. Tratam,<br />
geralmente, de problem<strong>as</strong> políticos ou econômicos.<br />
<strong>Há</strong> livros brancos que abordam problem<strong>as</strong> de defesa, m<strong>as</strong>,<br />
também, de <strong>as</strong>suntos internacionais, de negócios, de tecnologia,<br />
de saúde, de educação e outros. Historicamente, têm valor<br />
mais acentuado: o Livro Branco de Churchill, de 1922,<br />
e o Livro Branco, de 1939, ingleses, que abordam o<br />
problema de ocupação da Palestina pelos judeus; o<br />
Livro Branco sobre Empregos, de 1945, da Austrália,<br />
reconhecendo a obrigação do Estado de garantir<br />
empregos à população; o Livro Branco de Defesa<br />
do Reino Unido, de 1957, redefinindo su<strong>as</strong> necessidades<br />
da defesa; e o Livro Branco de Defesa do<br />
Canadá, de 1964, que unificou e modernizou <strong>as</strong><br />
Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> daquele país.<br />
Os livros verdes (“green papers”), que<br />
têm sido publicados mais frequentemente,<br />
são também chamados “documentos de<br />
consulta” e utilizados para propor uma<br />
estratégia ou mostrar <strong>as</strong> intenções do<br />
governo, visando à obtenção de pareceres<br />
e o retorno da opinião pública. Por<br />
exemplo, na União Europeia, os mais<br />
recentes Livros Verdes, publicados em<br />
2010 e 2011, consultam a sociedade<br />
sobre tem<strong>as</strong> como a modernização<br />
da política de compr<strong>as</strong>, a redução<br />
da burocracia para os cidadãos, o<br />
aumento da eficiência do sistema<br />
de arrecadação, <strong>as</strong> compr<strong>as</strong> de<br />
governo por meio eletrônico e o<br />
desenvolvimento sustentável.<br />
Livros de outr<strong>as</strong> colorações,<br />
como preto e azul,<br />
são eventualmente criados<br />
para atender a diferentes<br />
propósitos.<br />
livRo bRANCo<br />
DE DEFESA<br />
Os Livros Brancos de Defesa oferecem, em geral, uma avaliação<br />
estratégica do ambiente de defesa e segurança de um Estado,<br />
apontam a capacidade desejada para su<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> e definem<br />
<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> em que el<strong>as</strong> podem ser chamad<strong>as</strong> a intervir. No<br />
presente, vários países europeus, <strong>as</strong>iáticos e africanos já elaboraram<br />
e publicaram seus Livros Brancos de Defesa.<br />
N<strong>as</strong> Améric<strong>as</strong>, o incentivo para a elaboração desses livros partiu<br />
do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos.<br />
Ouvindo a Comissão de Segurança Hemisférica, o Conselho editou<br />
uma Resolução 5 adotando diretrizes para a elaboração dos livros e<br />
instando os Estados membros a implementá-l<strong>as</strong>.<br />
A resolução identifica a elaboração desses livros como um<br />
“mecanismo útil de fortalecimento da confiança e da segurança<br />
no Hemisfério” e considera sua preparação como um exercício<br />
fundamental de democracia, ao requerer extensa cooperação entre<br />
civis e militares. O livro elaborado por cada Estado membro oferecerá<br />
aos demais a visão de seus governos a respeito da própria<br />
defesa. Para sua sociedade, descreverá o contexto amplo de política<br />
e estratégia, refletindo o papel d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> de defesa no conjunto d<strong>as</strong><br />
prioridades nacionais.<br />
Mesmo reconhecendo não ser viável estabelecer um formato<br />
padrão para os Livros Brancos de Defesa, devido aos diferentes<br />
contextos históricos, geográficos, culturais, políticos e fiscais que influenciam<br />
cada país, a resolução sugere que eles contenham alguns<br />
itens comuns. Os Estados membros concordaram em incluir, em<br />
seus livros, artigos sobre política e doutrina de defesa, capacidades<br />
e padrões de desempenho d<strong>as</strong> FFAA, questões orçamentári<strong>as</strong> e de<br />
recursos e estrutura militar de defesa.<br />
Vários países americanos já produziram e publicaram seus Livros<br />
Brancos de Defesa, entre os quais a Argentina, o Canadá, o Chile, o<br />
Peru, a Nicarágua e a Guatemala.<br />
o livRo bRANCo DE DEFESA NACioNAl<br />
A Câmara aprovou, em março de 2010, o Projeto de Lei Complementar<br />
(PLP) n o 543/09, do Executivo, que se tornou a Lei Complementar<br />
n° 136. Ela promove alterações na Lei Complementar n°<br />
22 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 23<br />
97, de 1999, cria o Estado-Maior Conjunto d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> e<br />
determina a elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional.<br />
No §1° de seu art. 9°, a LC n o 136 define o Livro Branco de Defesa<br />
Nacional como um “documento de caráter público, por meio do qual<br />
se permitirá o acesso ao amplo contexto da Estratégia de Defesa<br />
Nacional, em perspectiva de médio e longo prazos, que viabilize<br />
o acompanhamento do orçamento e do planejamento plurianual<br />
relativos ao setor”, e estabelece que compete ao ministro de Estado<br />
da Defesa a sua implantação.<br />
O §2° determina que o Livro Branco de Defesa Nacional<br />
contenha dados estratégicos, orçamentários, institucionais e<br />
materiais detalhados sobre <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>, abordando os<br />
seguintes tópicos:<br />
I – cenário estratégico para o século XXI;<br />
II – política nacional de defesa;<br />
III – estratégia nacional de defesa;<br />
IV – modernização d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>;<br />
V – racionalização e adaptação d<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong><br />
de defesa;<br />
VI – suporte econômico da defesa nacional;<br />
VII – <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>: Marinha, Exército<br />
e Aeronáutica; e<br />
VIII –- operações de paz e ajuda humanitária.<br />
E o §3° recomenda que o Poder Executivo<br />
encaminhe à apreciação do Congresso Nacional,<br />
na primeira metade de cada sessão<br />
legislativa ordinária, de quatro em quatro<br />
anos, a partir de 2012, os seguintes documentos,<br />
devidamente atualizados:<br />
• a Política de Defesa Nacional,<br />
que fixa princípios, conceitos e<br />
objetivos;<br />
• a Estratégia Nacional de Defesa,<br />
que trata de questões institucionais,<br />
da organização d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong><br />
Armad<strong>as</strong> e dos meios para fazer<br />
com que a nação participe da<br />
defesa; e<br />
• o Livro Branco de Defesa<br />
Nacional, que promove<br />
a divisão de responsabilidades<br />
entre o Executivo<br />
e o Legislativo e transforma<br />
a estratégia de<br />
defesa nacional em<br />
<strong>as</strong>sunto de Estado.<br />
O encaminhamento<br />
simultâneo desses três importantes documentos implica<br />
que eles serão integrados e coerentes entre si.<br />
Em cumprimento à recomendação do Legislativo, a presidente<br />
da República determinou, em fevereiro de 2011, a elaboração do<br />
Livro Branco de Defesa Nacional. O trabalho ficará sob a responsabilidade<br />
do Ministério da Defesa, deverá conter os dados especificados<br />
na LC n o 136 e observar, como diretrizes: o incentivo a pesquis<strong>as</strong><br />
e estudos; a realização de parceri<strong>as</strong> com instituições públic<strong>as</strong> e<br />
privad<strong>as</strong>; e a integração da ação governamental. 6<br />
Para tanto, foi instituído o “Grupo de Trabalho Interministerial<br />
do Livro Branco de Defesa Nacional”, integrado por representantes<br />
de 11 órgãos do governo federal e presidido pelo representante do
Ministério da Defesa. Como esperado, participarão do Grupo de<br />
Trabalho representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia, do<br />
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Fazenda, da Justiça,<br />
do Planejamento, Orçamento e Gestão, d<strong>as</strong> Relações Exteriores,<br />
da secretari<strong>as</strong> de Assuntos Estratégicos e do Gabinete de Segurança<br />
Institucional. Para surpresa de alguns, foram também incluídos<br />
representantes do Ministério da Integração Regional e da Secretaria<br />
de Direitos Humanos da Presidência da República, que, certamente,<br />
muito contribuirão para a legitimidade do produto final.<br />
Interessante registrar a autorização para que a presidência<br />
do Grupo de Trabalho convide representantes de outros órgãos e<br />
entidades da administração pública e da sociedade para participar<br />
de su<strong>as</strong> atividades. Entre esses, espera-se que sejam convidad<strong>as</strong><br />
entidades representativ<strong>as</strong> dos setores acadêmicos, científicos, de<br />
comunicações, logísticos e industriais do país. Certamente os<br />
centros de estudos estratégicos e <strong>as</strong> <strong>as</strong>sociações de cl<strong>as</strong>se terão<br />
muito a contribuir, como a Associação Br<strong>as</strong>ileira d<strong>as</strong> Indústri<strong>as</strong><br />
de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), a Associação d<strong>as</strong><br />
Indústri<strong>as</strong> Aeroespaciais do Br<strong>as</strong>il (Aiab), a Confederação Nacional<br />
da Indústria (CNI), <strong>as</strong> federações estaduais d<strong>as</strong> indústri<strong>as</strong>,<br />
como a Fiesp, a Firjan, a Firgs, e outr<strong>as</strong>.<br />
CoNSEQuêNCiAS<br />
O art. 21, item III, da Constituição Federal estabelece que<br />
“compete à União <strong>as</strong>segurar a defesa nacional”. A defesa nacional<br />
é, portanto, uma responsabilidade de todos. A elaboração do<br />
Livro Branco de Defesa e seu encaminhamento à apreciação do<br />
Congresso Nacional, como determina a LC n° 136, traz, como<br />
primeira e mais importante consequência, o compartilhamento<br />
da responsabilidade sobre a defesa do país entre Executivo e<br />
Legislativo. Garante que a estratégia de defesa nacional se<br />
torne, como é devido, <strong>as</strong>sunto de Estado, e não apen<strong>as</strong> de um<br />
ou outro governo.<br />
Todo o processo de preparação do livro, por promover extensa<br />
cooperação entre representantes civis e militares de diversos setores<br />
da sociedade, contribuirá para uma ampla conscientização a<br />
respeito da missão e do valor d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>, e conferirá maior<br />
legitimidade à política de defesa nacional.<br />
Uma consequência em nível internacional, apontada pelo Conselho<br />
Permanente da Organização dos Estados Americanos, é que<br />
a elaboração e a troca de informações sobre polític<strong>as</strong> e doutrin<strong>as</strong><br />
de defesa nacional contribuirão para o fortalecimento da confiança<br />
e da segurança no hemisfério.<br />
A visão do Congresso está espelhada no seguinte texto: “a apreciação<br />
periódica pelo Parlamento dará a este a responsabilidade que<br />
o Legislativo deve ter em questões dessa magnitude, fortalecendo<br />
o papel do Congresso Nacional. É preciso que o Poder Legislativo<br />
participe do debate dos tem<strong>as</strong> que se relacionam intimamente à<br />
própria manutenção do Estado br<strong>as</strong>ileiro”. 7<br />
Consideremos, também, que o Livro Branco de Defesa Nacional<br />
será um permanente instrumento de prestação de cont<strong>as</strong>. Para tanto,<br />
a política e os objetivos constantes do livro deverão ser enunciados<br />
com clareza e precisão, e os recursos colocados à disposição d<strong>as</strong><br />
forç<strong>as</strong> de defesa terão que alcançar níveis coerentes. Isso tornará<br />
o Ministério da Defesa e <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> responsáveis pelos<br />
objetivos declarados, m<strong>as</strong>, também, os capacitará a defender seus<br />
pedidos plurianuais de recursos orçamentários, como necessários<br />
ao cumprimento da política de defesa enunciada.<br />
CoNCluSão<br />
A elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional pelo Executivo,<br />
e sua posterior apreciação pelo Legislativo, se tornará um autêntico<br />
exercício de democracia no Br<strong>as</strong>il. Esse livro, de fundamental<br />
importância, oferecerá à sociedade uma visão ampla do governo e<br />
do Congresso a respeito da defesa do país. A consulta aos diversos<br />
setores representativos da sociedade será imperativa, para conferir<br />
maior legitimidade à política de defesa nacional.<br />
24 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 25<br />
Not<strong>as</strong><br />
A análise d<strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong> apontad<strong>as</strong><br />
no item anterior mostra que a elaboração<br />
do Livro Branco de Defesa Nacional será<br />
benéfica aos militares e a todos os cidadãos<br />
br<strong>as</strong>ileiros. Esse livro tornar-se-á o esperado<br />
guia para orientar aqueles que se preocupam<br />
honestamente com a defesa do Br<strong>as</strong>il. Sem<br />
dúvida, devemos oferecer nossa contribuição<br />
e empenhar nossos esforços para que<br />
esse trabalho seja realizado com a melhor<br />
qualidade possível.<br />
Finalmente, lembremos que o Livro<br />
Branco de Defesa Nacional, pronto e aprovado,<br />
tornar-se-á um valioso instrumento de<br />
planejamento e acompanhamento, ao cobrar<br />
a consecução dos objetivos declarados e ao<br />
exigir a colocação dos recursos necessários<br />
à disposição d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> de defesa.<br />
(1) Lei Complementar n° 136, de 25 de agosto de 2010, que altera a<br />
Lei Complementar n° 97, de 9 de junho de 1999.<br />
(2) Decreto n° 5.484, de 30 de junho de 2005.<br />
(3) Decreto n° 6.703, de 18 de dezembro de 2008.<br />
(4) Decreto n° 7.483, de 11 de fevereiro de 2011.<br />
(5) Resolução CP/RES. 829 (1342/02), de 6 de novembro de 2002.<br />
(6) Decreto n° 7.483, de 11 de fevereiro de 2011.<br />
(7) Justificação do PLP-n o 547/2009, de autoria do deputado Raul<br />
Jungmann, em 10 de dezembro de 2009.
defesa<br />
A EStRAtÉgiA DE DEFESA<br />
E o<br />
CapiTão-de-Mar-e-guerra-en/reF<br />
anTonio didier vianna<br />
Engenheiro Nuclear/PhD<br />
Com o surgimento dos campos produtores dos reservatórios do pré-sal, o problema da proteção<br />
dess<strong>as</strong> nov<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> se tornou extremamente complexo. O pré-sal br<strong>as</strong>ileiro ficou na dependência da<br />
soberania do país, <strong>as</strong>sunto que envolve tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> forç<strong>as</strong> viv<strong>as</strong> da Nação na construção de estratégi<strong>as</strong>,<br />
meios e envolvimento de toda a sociedade para garantir o produto e a posse dess<strong>as</strong> jazid<strong>as</strong>. O Br<strong>as</strong>il<br />
tem uma posição muito forte sobre ess<strong>as</strong> jazid<strong>as</strong>, uma vez que foram descobert<strong>as</strong>, delimitad<strong>as</strong>, A<br />
Estratégia de Defesa Nacional em vigor, aprovada<br />
por Decreto n<br />
medid<strong>as</strong> e viabilizad<strong>as</strong> pela Petrobr<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> talvez não seja suficiente para garantir a plenitude do<br />
uso como único proprietário, exigindo outros enfoques, argumentos e posições e imposições.<br />
o PRÉ-SAl<br />
6.703, de 18/12/08, do governo,<br />
estampa na sua Introdução: “Se o Br<strong>as</strong>il quiser<br />
ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, precisará<br />
estar preparado para defender-se, não somente d<strong>as</strong><br />
agressões, m<strong>as</strong> também d<strong>as</strong> ameaç<strong>as</strong>. Vive-se em<br />
um mundo em que a intimidação tripudia sobre<br />
a boa-fé. Nada substitui o envolvimento do povo br<strong>as</strong>ileiro no<br />
debate e na construção de sua própria defesa.”<br />
Essa política foi estabelecida quando ainda inexistia definido o<br />
tamanho da riqueza do pré-sal. Agora não se pode perder tempo e<br />
<strong>as</strong> fati<strong>as</strong> dos royaltyes do Pré-sal<br />
25%<br />
ministério da ciência<br />
e tecnologia<br />
15%<br />
comando da marinha<br />
7,5%<br />
municípios afetados<br />
7,5%<br />
fundo especial distribuído<br />
22,5%<br />
estados produtores<br />
e confrontantes<br />
22,5%<br />
municípios produtores e confrontantes<br />
26 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 27<br />
estar cada vez mais preparados para repelir <strong>as</strong> ameaç<strong>as</strong> de exploração<br />
externa dessa nossa riqueza que breve surgirão, pois teremos<br />
a ganância financeira generalizada acrescida d<strong>as</strong> necessidades<br />
estratégic<strong>as</strong> da energia do petróleo que move o mundo atual e que<br />
está ficando cada vez mais esc<strong>as</strong>sa nos países dominantes. Como<br />
a construção dessa defesa é um processo contínuo e permanente,<br />
é preciso manter nossa sociedade informada de modo a obter a<br />
participação do povo nos processos desse desenvolvimento e se<br />
necessário no engajamento direto n<strong>as</strong> ações.<br />
O Congresso Nacional colocou sob responsabilidade da Marinha<br />
a fiscalização e a proteção d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de produção offshore e destinou<br />
parcela fixa dos royalties da produção de petróleo dess<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> como<br />
recursos adequados para isso.<br />
A fiscalização foi organizada pela Marinha em cooperação com o<br />
Ibama e tem sido realizada com eficiência em caráter permanente.<br />
A Petrobr<strong>as</strong> que opera a qu<strong>as</strong>e totalidade d<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> offshore<br />
tem priorizado investimentos para que su<strong>as</strong> equipes de operação d<strong>as</strong><br />
plataform<strong>as</strong> possam garantir plena execução d<strong>as</strong> leis ambientais.<br />
Entretanto, a PROTEÇÂO, converteu-se num problema crucial.<br />
Atentar para o seguinte: <strong>as</strong> reserv<strong>as</strong> descobert<strong>as</strong> do pré-sal<br />
dividem-se em três áre<strong>as</strong> marítim<strong>as</strong> bem distint<strong>as</strong>.<br />
1. Mar territorial br<strong>as</strong>ileiro – sem problem<strong>as</strong>. Aceitação internacional<br />
do domínio br<strong>as</strong>ileiro sobre ess<strong>as</strong> áre<strong>as</strong>.<br />
2. Zona econômica exclusiva (ZEE). Essa zona vai até o limite de<br />
200 milh<strong>as</strong> náutic<strong>as</strong> (cerca de 370 km) além do mar territorial. As<br />
norm<strong>as</strong> de exploração dessa região estão fixad<strong>as</strong> na Convenção d<strong>as</strong><br />
Nações Unid<strong>as</strong> sobre o Direito do Mar de 1982. No entanto cerca de<br />
40 nações não <strong>as</strong>sinaram ou ratificaram a convenção, aí incluídos os<br />
EUA e a Venezuela. Nessa zona é que está a maior parte d<strong>as</strong> reserv<strong>as</strong><br />
do pré-sal. O Itamaraty deveria pressionar a presidente Dilma para<br />
conseguir que o presidente Chávez da Venezuela ratifique essa<br />
convenção. Eliminaria um próximo da área e ativo em petróleo.<br />
3. Mar internacional – há uma faixa da reserva do pré-sal localizada<br />
na área de mar internacional. Essa faixa está sendo reivindicada<br />
pelo Br<strong>as</strong>il de acordo com o dispositivo do tratado que garante aos<br />
países direito sobre sua “plataforma continental”. Foi requerido à<br />
ONU o direito sobre 960 mil km² de plataforma continental em 2004,<br />
m<strong>as</strong> ainda não houve definição. Portanto essa parcela d<strong>as</strong> reserv<strong>as</strong><br />
do pré-sal situad<strong>as</strong> no mar internacional, ainda é “patrimônio da<br />
humanidade”. Deverá ser atuação prioritária de noss<strong>as</strong> Relações<br />
Exteriores a obtenção da aprovação dessa nossa pretensão.<br />
Pela Lei n o 9.478/97 – conhecida como Lei do Petróleo, o<br />
Congresso Nacional determinou, no seu artigo 49, que a parcela<br />
do valor do royalty que exceder a 5% da produção terá a seguinte<br />
distribuição (ver Lei n o 10.261/01):<br />
I – quando a lavra ocorrer em terra;<br />
II – quando a lavra ocorrer na plataforma continental (offshore)<br />
a) 22,5% aos estados produtores confrontantes;<br />
b) 22,5% aos municípios produtores confrontantes;<br />
c) 15% ao Comando da Marinha para atender aos encargos de<br />
fiscalização e proteção d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de produção;<br />
d) 7,5% aos municípios que sejam afetados pel<strong>as</strong> operações de<br />
embarque e desembarque de petróleo e gás natural;<br />
e) 7,5% para constituição de um fundo especial a ser distribuído<br />
entre todos os estados, territórios e municípios;<br />
f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar<br />
program<strong>as</strong> de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento<br />
tecnológico relacionados ao produto.<br />
O país <strong>as</strong>sistiu no Congresso e na mídia a uma demonstração<br />
pública de cobiça generalizada pelo dinheiro dos royalties não
Unidade de produção de p<strong>as</strong>tilh<strong>as</strong> da fábrica de combustível nuclear da INB<br />
somente pelo que seria gerado pelo pré-sal, m<strong>as</strong> também pelo que<br />
está sendo produzido pel<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> existentes com destinações<br />
especific<strong>as</strong> já estabelecid<strong>as</strong> pelo Congresso Nacional através da Lei<br />
do Petróleo. Essa cobiça que faz parte da mente do ser humano,<br />
não é só de políticos br<strong>as</strong>ileiros, m<strong>as</strong> também de nações que desde<br />
que existem procuram saquear os mais fracos e também dos pirat<strong>as</strong><br />
que sempre povoaram os mares do mundo.<br />
Como a riqueza do pré-sal é muito grande e será explorada pelos<br />
próximos 80 anos, é preciso concentrar recursos para progressivamente<br />
adequar noss<strong>as</strong> defes<strong>as</strong> e construir um aparato de dissu<strong>as</strong>ão<br />
para impedir que ess<strong>as</strong> cobiç<strong>as</strong>, inclusive dos br<strong>as</strong>ileiros inescrupulosos,<br />
venham desviar e perturbar a utilização dos benefícios que<br />
advirão dessa exploração pela sociedade br<strong>as</strong>ileira.<br />
É óbvio que, antes de se falar em royalties do pré-sal, isto é,<br />
do lucro líquido da exploração, é preciso garantir abrangência e<br />
independência para administrar e gerar recursos para desenvolver<br />
os campos, o que permitirá essa exploração. Os royalties são consequência<br />
de empreendimento bem-sucedido. A prioridade tem<br />
que ser focada no planejamento e nos recursos para viabilizar esse<br />
empreendimento e, paralelamente, com a mesma determinação,<br />
como protegê-lo da cobiça externa. Essa é uma riqueza excepcional<br />
e o país precisa aglutinar competênci<strong>as</strong> para fazer um planejamento<br />
cuidadoso e sem pressa para ir desenvolvendo os campos paralelamente<br />
com os recursos financeiros, de pessoal qualificado, de<br />
equipamentos e sistem<strong>as</strong> de segurança operacional para garantir a<br />
produção contínua desse petróleo sem des<strong>as</strong>tres como o do Golfo<br />
do México que podem consumir os royalties.<br />
Temos observado a pressa com a intenção de utilização d<strong>as</strong><br />
providênci<strong>as</strong> sobre o pré-sal em ativo político, visando vantagens<br />
de imagem para <strong>as</strong> eleições de outubro de 2010. Por favor, se<br />
“<br />
o br<strong>as</strong>il dispõe de<br />
completo domínio do<br />
ciclo de combustível nuclear.<br />
Produz seu próprio urânio<br />
e <strong>as</strong> centrífug<strong>as</strong> para<br />
enriquecimento.<br />
“<br />
abstenham desse desserviço ao país. Deixem o grupo competente<br />
trabalhar, sem pressões polític<strong>as</strong> e de pressa, para construir condições<br />
para nossa sociedade beneficiar-se continuamente e com<br />
segurança dess<strong>as</strong> riquez<strong>as</strong>.<br />
O que vimos no Congresso na cobiça pelos royalties foi uma<br />
demonstração do desvario de desqualificados querendo se apropriar<br />
indebitamente dos ganhos dos outros sem terem executado<br />
qualquer trabalho ou contribuição para criação daquel<strong>as</strong> riquez<strong>as</strong>.<br />
Quem não tem competência para gerar riquez<strong>as</strong>, também não<br />
tem para g<strong>as</strong>tá-l<strong>as</strong>. È preciso isolar essa turma de insensatos, do<br />
planejamento e execução do pré-sal.<br />
Embora não tenha sido divulgada para a sociedade, por não<br />
termos essa cultura nos governos, o Ministério da Defesa tem atuado<br />
para fortalecer nossa soberania. O país tem hoje uma “Estratégia<br />
de Defesa” muito bem costurada e tornada pública por decreto<br />
do presidente da República. Paralelamente está implantando o ali<br />
estabelecido dentro dos limites de recursos do governo.<br />
Por exemplo, o melhor meio de dissu<strong>as</strong>ão contra pirat<strong>as</strong> ou<br />
ações semelhantes é a disponibilidade de submarinos nucleares.<br />
Esses são os únicos que podem negar os mares a qualquer inimigo.<br />
Foi <strong>as</strong>sinado um acordo com o governo francês para completar o<br />
desenvolvimento do submarino nuclear br<strong>as</strong>ileiro e toda a infraestrutura<br />
de suporte de nossa flotilha de submarinos. O programa<br />
tem financiamento do governo francês e está em plena execução.<br />
Os royalties destinados em lei do Congresso para a Marinha são<br />
suficientes para pagar todo esse programa, desde que liberados<br />
para esse fim. Não precisa depender do Tesouro, nem do orçamento<br />
anual da República votado pelos congressist<strong>as</strong>. B<strong>as</strong>ta cumprir o<br />
que já foi transformado em lei pelo Congresso. Evita-se <strong>as</strong>sim o<br />
que aconteceu com Angra 3 que teve paralisada sua obra por 20<br />
anos e o próprio Programa Nuclear da Marinha cujo projeto do seu<br />
submarino nuclear ficou no limbo por 10 anos.<br />
O Congresso está discutindo agora a cobiça pelos royalties, entretanto<br />
é importantíssimo manter o royalty destinado a proteger <strong>as</strong><br />
áre<strong>as</strong> do pré-sal que o Congresso atribuiu à Marinha como condição<br />
para que a Marinha possa desenvolver os meios de dissu<strong>as</strong>ão que<br />
fortalecerão nossa soberania e protegerão noss<strong>as</strong> jazid<strong>as</strong>.<br />
O Ministério da Defesa está também no processo de aquisição de<br />
um grupo de aviões de caça e de transporte de pessoal e material para<br />
suportar nossa Estratégia de Defesa. Ess<strong>as</strong> ações fortalecem a nossa<br />
soberania e essa cobertura aérea é também necessária à proteção<br />
d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> do pré-sal. Desenvolver <strong>as</strong> ações previst<strong>as</strong> na Estratégia<br />
Nacional de Defesa são vitais para ir construindo o reforço contínuo<br />
da soberania nacional, b<strong>as</strong>e para qualquer tipo de enfrentamento.<br />
O Br<strong>as</strong>il dispõe de completo domínio do ciclo de combustível<br />
Projeto de<br />
um submarino<br />
nuclear<br />
28 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 29<br />
“<br />
Nossa Constituição proíbe o<br />
uso de arm<strong>as</strong> nucleares.<br />
É bom que fique bem claro<br />
que o br<strong>as</strong>il não fabrica bomb<strong>as</strong> atômic<strong>as</strong><br />
por decisão própria do seu povo e do seu<br />
Congresso, m<strong>as</strong> não ameacem a nossa<br />
soberania, pois é possível o Congresso<br />
Nacional reverter essa posição.<br />
“<br />
nuclear. Produz seu próprio urânio e <strong>as</strong> centrífug<strong>as</strong> para enriquecimento.<br />
Como o tratado de não proliferação (TNP) permite<br />
o enriquecimento até 20% por qualquer país, esse foi o escolhido<br />
para utilização nos submarinos nucleares da Marinha, que não são<br />
considerados arm<strong>as</strong> nucleares. Nossa Constituição proíbe o uso<br />
de arm<strong>as</strong> nucleares. É bom que fique bem claro que o Br<strong>as</strong>il não<br />
fabrica bomb<strong>as</strong> atômic<strong>as</strong> por decisão própria do seu povo e do seu<br />
Congresso, m<strong>as</strong> não ameacem a nossa soberania, pois é possível o<br />
Congresso Nacional reverter essa posição.<br />
O Ministério da Defesa negou a imposição americana para que<br />
proibíssemos a divulgação do livro Física dos explosivos nucleares<br />
do Dr. Dalton Barroso do Instituto Militar de Engenharia (IME). Lá<br />
estão didaticamente descritos todos os detalhes físicos e técnicos<br />
para a construção dos diferentes artefatos nucleares. É também um<br />
reforço para dissu<strong>as</strong>ão saberem que o Br<strong>as</strong>il dispõe de competência<br />
e instalações para tornar a matéria-prima disponível e desenvolver<br />
a bomba atômica. Foi positiva a posição do ministro da Defesa. É<br />
preciso ser direto e intransigente quando afeta nossa soberania. É<br />
bom que o mundo fique consciente do que já foi exposto. Precisamos<br />
ser respeitados, pois isso ajuda a dissu<strong>as</strong>ão.<br />
Os militares não desenvolveram cultura de marketing, <strong>as</strong>sunto<br />
inexistente nos currículos de su<strong>as</strong> escol<strong>as</strong>. No mundo moderno, o<br />
marketing tem força de persu<strong>as</strong>ão que muit<strong>as</strong> vezes faz reverter<br />
até conceitos arraigados n<strong>as</strong> sociedades. Substitui a espionagem<br />
e <strong>as</strong> atividades de quint<strong>as</strong>-colun<strong>as</strong>, forç<strong>as</strong> da época d<strong>as</strong> guerr<strong>as</strong><br />
do século p<strong>as</strong>sado. Com a internet cada vez mais generalizada, o<br />
marketing se converteu no vetor estratégico de qualquer empreendimento.<br />
É preciso incorporá-lo em todos os procedimentos<br />
relativos à nossa Defesa. Assim estará sendo cumprido o que<br />
determina o decreto da Estratégia Nacional de Defesa, e é uma<br />
d<strong>as</strong> condições para o sucesso, pois coloca o povo e o Congresso<br />
participando do Programa de Defesa.
atividades navais<br />
CombAtE À<br />
o navio italiano<br />
achille lauro,<br />
sequestrado em 1985,<br />
por fundamentalist<strong>as</strong><br />
palestinos ligados<br />
a al fatah<br />
PiRAtARiA mARítimA E<br />
Ao tERRoRiSmo:<br />
CapiTão-de-Mar-e-guerra CarloS eduardo HorTa arenTZ<br />
mapa de atos de pirataria<br />
em 2009, mostrando o<br />
golfo de Aden, sul do<br />
estreito de ormuz parte<br />
do oceano índico<br />
(fonte: imb)<br />
Ataques reais<br />
tentativ<strong>as</strong> de ataque<br />
Embarcações<br />
suspeit<strong>as</strong><br />
sudão<br />
Mar<br />
vermelho<br />
Quênia<br />
rep. Unida<br />
da tanzânia<br />
somália<br />
oman<br />
<strong>Há</strong> <strong>algum<strong>as</strong></strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong>, o <strong>terrorismo</strong> <strong>enxergou</strong> <strong>as</strong> atividades<br />
marítim<strong>as</strong> como uma de su<strong>as</strong> possíveis áre<strong>as</strong> de atuação.<br />
O ano de 1985 marcou a história, quando o navio italiano<br />
Achille Lauro, um navio de p<strong>as</strong>sageiros, foi sequestrado<br />
por fundamentalist<strong>as</strong> palestinos ligados a Al Fatah (o braço<br />
armado da Organização para Libertação da Palestina – OLP).<br />
A partir dessa ocorrência, Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> de vários<br />
países iniciaram a preparação de unidades de operações<br />
especiais para se contrapor a essa nova ameaça,<br />
conduzindo treinamentos em navios, terminais portuários<br />
e plataform<strong>as</strong> de exploração de petróleo e gás.<br />
um NoVo<br />
Campo de<br />
atuação<br />
para <strong>as</strong><br />
operações<br />
espeCiais<br />
A<br />
pirataria marítima, comum nos séculos XVI e XVII, é<br />
outra atividade que vem impondo restrições à liberdade<br />
nos mares e causa grandes prejuízos ao comércio<br />
internacional. As som<strong>as</strong> demandad<strong>as</strong> nos resgates já<br />
ultrap<strong>as</strong>sam cifr<strong>as</strong> de milhões de dólares para cada<br />
ocorrência (no início de novembro de 2010, foi anunciado<br />
o pagamento de US$ 9,5 milhões, o maior resgate<br />
pago a pirat<strong>as</strong>, para reaver, um mês depois, o petroleiro sul-coreano<br />
sequestrado por pirat<strong>as</strong> somalis em abril). As segurador<strong>as</strong> aumentaram<br />
os valores cobrados, acarretando o incremento no custo dos<br />
fretes, sobretudo n<strong>as</strong> rot<strong>as</strong> mais vulneráveis. A Otan já mobiliza um<br />
esquema de comboio militar, visando proteger os navios mercantes<br />
que transportam ajuda alimentar à população da Somália.<br />
Nesse contexto, a costa da Somália tem chamado a atenção da<br />
comunidade internacional, pois vem sendo palco da ocorrência rotineira<br />
de ataques pirat<strong>as</strong> aos navios que navegam em su<strong>as</strong> cercani<strong>as</strong>,<br />
por onde p<strong>as</strong>sam <strong>as</strong> rot<strong>as</strong> que demandam o canal de Suez, golfo<br />
de Aden e boa parte do transporte oriundo do estreito de Ormuz.<br />
Cerca de 52% dos ataques pirat<strong>as</strong> registrados pelo International<br />
Maritime Bureau (IMB) ocorreram na região do chamado “Chifre<br />
da África”. Dos ataques efetivamente consumados, 42% se deram<br />
contra navios em movimento, havendo registros de ataques conduzidos<br />
a 970 milh<strong>as</strong> náutic<strong>as</strong> a leste de Mogadishu, o que denota a<br />
estrutura de meios marítimos de que podem dispor esses atacantes<br />
e sua capacidade de atuação.<br />
NaVais?<br />
os seal teams<br />
30 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 31<br />
Este artigo busca expor como os EUA se estruturaram para reagir<br />
às ameaç<strong>as</strong> representad<strong>as</strong> pelo <strong>terrorismo</strong> e pela pirataria marítima,<br />
por meio d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> de operações especiais, particularmente os<br />
mergulhadores de combate da Marinha norte-americana, conhecidos<br />
pela sigla SEAL. (1)<br />
A análise realizada apresenta um panorama sumário acerca da<br />
estrutura operacional dos SEALs e <strong>as</strong> alterações introduzid<strong>as</strong> após os<br />
ataques de 11 de setembro de 2001, destacando uma parcela do seu<br />
emprego atual: o combate à pirataria marítima e ao <strong>terrorismo</strong>.<br />
No final do texto, é apresentada uma breve comparação entre os<br />
SEALs e os mergulhadores de combate (MEC) da Marinha do Br<strong>as</strong>il.<br />
Estrutura dos SEAl teams<br />
Os SEAL Teams são <strong>as</strong> unidades operacionais dos mergulhadores<br />
de combate norte-americanos. El<strong>as</strong> são subordinad<strong>as</strong> ao <strong>Naval</strong><br />
Special Warfare Command (NSWC), que é o componente marítimo<br />
vinculado ao United States Special Operations Command (SOCOM),<br />
por sua vez, ligado diretamente ao Ministério da Defesa (Departament<br />
of Defense – DoD).
O <strong>Naval</strong> Special Warfare Command concentra cerca de 2 mil<br />
militares SEAL e qu<strong>as</strong>e o dobro, quando contabilizados o pessoal de<br />
apoio e staff, distribuídos em cinco grandes Comandos (<strong>Naval</strong> Special<br />
Warfare Groups – NSWG). Existem oito SEAL Teams subordinados<br />
aos NSWG, possuindo, cada um, cerca de 130 militares SEAL, além da<br />
unidade SEAL que opera os veículos minissubmarinos (SEAL Delivery<br />
Vehicle Teams – SDVT) e d<strong>as</strong> unidades que operam <strong>as</strong> embarcações<br />
especiais utilizad<strong>as</strong> pelos SEALs (Special Boat Teams).<br />
Minissubmarino sdv (seal delivery vehicle Mk-8). como não havia<br />
informação precisa se <strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> de petróleo Kaaot e Mabot possuíam<br />
algum sistema radar capaz de detectar embarcações na superfície, a coleta<br />
de dados de inteligência foi conduzida por meio dos sdv<br />
<strong>Há</strong> ainda o SEAL Team 6, oficialmente extinto em 1987, tendo<br />
sido reconfigurado, p<strong>as</strong>sando a denominar-se DEVGRU ou NSWDG<br />
(United States <strong>Naval</strong> Special Warfare Development Group), sendo encarregado<br />
d<strong>as</strong> ações contraterrorist<strong>as</strong> em ambiente marítimo. É uma<br />
d<strong>as</strong> unidades mais sigilos<strong>as</strong> d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> norte-american<strong>as</strong>,<br />
ao lado da Força Delta, do Exército.<br />
A mudança: 11 de setembro de 2001<br />
Uma d<strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong> dos ataques terrorist<strong>as</strong> de 11 de setembro<br />
foi a alteração da configuração do emprego operativo dos SEALs,<br />
em combate, sobretudo com relação ao apoio tático e logístico e<br />
ao comando e controle. O novo conceito p<strong>as</strong>sou a adotar o préposicionamento<br />
(deployment) de um SEAL Team inteiro, reforçado<br />
por destacamentos de outr<strong>as</strong> unidades. Essa estrutura de combate<br />
foi denominada de Esquadrão de Mergulhadores de Combate (<strong>Naval</strong><br />
Special Warfare Squadron). Além dos SEALs, ela conta também com<br />
<strong>as</strong> embarcações de operações especiais, minissubmarinos e desativadores<br />
de artefatos explosivos. Esses esquadrões são normalmente<br />
adjudicados a Forç<strong>as</strong>-Taref<strong>as</strong> Conjunt<strong>as</strong> de OpEsp.<br />
Antes de 11 de setembro de 2001, os SEALs atuavam estritamente<br />
em ambiente marítimo e ribeirinho. Após os ataques, os<br />
SEALs p<strong>as</strong>saram a conduzir também outr<strong>as</strong> taref<strong>as</strong> de operações<br />
especiais, inclusive em ambientes puramente terrestres, como reconhecimentos<br />
estratégicos e ações cirúrgic<strong>as</strong> envolvendo confronto<br />
direto com trop<strong>as</strong> inimig<strong>as</strong>.<br />
Controle de área marítima,<br />
combate à pirataria marítima e defesa d<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> de petróleo<br />
Como sucessão aos ataques de 11 de setembro, divers<strong>as</strong> ações de<br />
abordagens, forçad<strong>as</strong> ou não, a navios suspeitos de terem ligações<br />
ou mesmo que estivessem conduzindo membros da Al-Qaeda foram<br />
realizad<strong>as</strong> pela parcela dos SEALs que se encontrava pré-posicionada<br />
n<strong>as</strong> proximidades do golfo Pérsico. Outra importante tarefa desempenhada<br />
por esses militares foi o reconhecimento estratégico da área<br />
terrestre onde viria a ser posteriormente estabelecida a b<strong>as</strong>e de operações<br />
denominada Camp Rhino, a primeira b<strong>as</strong>e avançada estabelecida<br />
no Afeganistão, como parte da Operação Enduring Freedom.<br />
Durante <strong>as</strong> operações de interdição marítima (MIO) (2) realizad<strong>as</strong><br />
antes e durante a inv<strong>as</strong>ão do Iraque, os SEALs foram utilizados<br />
novamente para abordarem navios e investigarem a existência de<br />
membros da Al-Qaeda.<br />
Além disso, os SEALs conduziram ações de reconhecimento<br />
n<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> do canal que liga o porto de Um Q<strong>as</strong>r ao Golfo Pérsico,<br />
interceptando e capturando todos os navios e embarcações capazes<br />
de lançar min<strong>as</strong> de fundeio. A preocupação com esta ameaça era<br />
grande, uma vez que, di<strong>as</strong> antes da operação, o navio-patrulha USS<br />
Firebolt (PC 10), apreendeu 86 min<strong>as</strong> que estavam sendo conduzid<strong>as</strong><br />
por uma chata na região.<br />
Os SEALs já haviam conduzido reconhecimentos estratégicos<br />
submersos n<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> do golfo Pérsico mesmo antes da inv<strong>as</strong>ão do<br />
Iraque, empregando os veículos submersíveis SDV, (3) lançados por<br />
uma embarcação de operações especiais Mk-V. As taref<strong>as</strong> atribuíd<strong>as</strong><br />
32 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 33<br />
sequestro<br />
do navio mercante<br />
Mv Maersk alabama<br />
lifeboat do<br />
Mv Maersk alabama<br />
saltando com<br />
paraqued<strong>as</strong> (sloP)<br />
a ess<strong>as</strong> equipes foram: realizar<br />
reconhecimentos hidrográficos<br />
submersos d<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> de<br />
petróleo Al B<strong>as</strong>rah (ou Mina Al-<br />
Bakr Oil Terminal – Mabot) e<br />
Khawr al-Amaya (ou Khor al-<br />
Amaya Oil Terminal – Kaaot). Os<br />
SEALs mergulharam por baixo<br />
d<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong> e levaram vári<strong>as</strong><br />
hor<strong>as</strong> tirando fotografi<strong>as</strong> e coletando<br />
outros dados de inteligência<br />
sobre a estrutura, pontos de<br />
possível acesso, <strong>as</strong>sim como sobre<br />
a atividade e estado de alerta dos<br />
iraquianos. Posteriormente, uma<br />
força conjunta e combinada de US<br />
Navy SEALs foi formada para realizar<br />
a captura dess<strong>as</strong> plataform<strong>as</strong>.<br />
Ela contava com os poloneses do<br />
GROM (Grupa Reagowania Operacyjno-Manewrowego<br />
– Grupo<br />
Operacional de Reação Rápida) e os fuzileiros britânicos, além dos<br />
helicópteros e embarcações empregados para a inserção.<br />
Mais recentemente, em abril de 2009, uma reação militar interrompeu<br />
uma investida pirata contra outro navio desarmado, agora<br />
no golfo de Aden, na costa da Somália. Tratou-se do sequestro do<br />
navio mercante norte-americano MV Maersk Alabama. No dia 8 de<br />
abril, quatro pirat<strong>as</strong> somalis, armados de fuzis AK-47, atacaram o<br />
navio, em águ<strong>as</strong> internacionais, a cerca de 350 milh<strong>as</strong> de distância<br />
da costa da Somália, mantendo o comandante como refém. O resgate<br />
exigido foi US$ 1 milhão. A Marinha norte-americana determinou<br />
ao contratorpedeiro USS Bainbridge que se desloc<strong>as</strong>se para a área,<br />
<strong>as</strong>sim como designou uma equipe SEAL para se encontrar com o<br />
navio. O encontro (rendezvouz) ocorreu após a equipe haver saltado<br />
com paraqued<strong>as</strong> (SLOP), (4) em pleno mar, no ponto previamente<br />
acertado com o navio. Com a recusa da cooperação por parte dos<br />
pirat<strong>as</strong> e considerando o risco a que estava submetido o comandante<br />
do navio, os atiradores de precisão SEALs aniquilaram os agentes<br />
adversos, possibilitando o resgate bem-sucedido do refém.
os mergulhadores de Combate do br<strong>as</strong>il<br />
No Br<strong>as</strong>il, a unidade que se equipara aos SEALs Teams é o<br />
Grupamento de Mergulhadores de Combate (GRUMEC). A implementação<br />
do mergulho de combate (MEC) na nossa Marinha foi<br />
iniciada há cerca de quatro <strong>décad<strong>as</strong></strong>, tendo sido possível devido aos<br />
conhecimentos adquiridos pelos oficiais e praç<strong>as</strong> que lograram<br />
êxito nos cursos de MEC realizados junto às Marinh<strong>as</strong> dos Estados<br />
Unidos da América e da França.<br />
Nossos Mergulhadores de Combate são especialmente selecionados<br />
e adestrados para atuarem em ambientes de risco elevado,<br />
empregando técnic<strong>as</strong> e métodos não convencionais, podendo ser<br />
o grupamento<br />
de Mergulhadores<br />
de combate<br />
(grUMec) em<br />
treinamento<br />
lançados por submarinos, navios, aviões etc. Entre a gama de<br />
equipamentos que utilizam estão vários tipos de equipamentos de<br />
mergulho, caiaques, lanch<strong>as</strong> de alta velocidade, embarcações pneumátic<strong>as</strong>,<br />
paraqued<strong>as</strong> e armamentos diversos. O GRUMEC realiza,<br />
também, a desativação de artefatos explosivos subaquáticos e possui<br />
Militares do<br />
gerr/Mec em<br />
adestramento<br />
de retomada<br />
e resgate<br />
34 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 35<br />
exímios atiradores de precisão (snipers).<br />
Nos anos iniciais, a atividade MEC no Br<strong>as</strong>il seguiu a doutrina<br />
desenvolvida na II Guerra Mundial, conflito em que os mergulhadores<br />
de combate de outr<strong>as</strong> Marinh<strong>as</strong> foram empregados realizando<br />
a colocação de explosivos n<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> viv<strong>as</strong> de navios inimigos. Nesse<br />
cruento combate eles também conduziram levantamentos hidrográficos<br />
d<strong>as</strong> prai<strong>as</strong> escolhid<strong>as</strong> para operações anfíbi<strong>as</strong>, demolindo<br />
os eventuais obstáculos existentes, de modo a prover melhores condições<br />
de abicagem para <strong>as</strong> embarcações e navios de desembarque.<br />
M<strong>as</strong>, ao longo dos anos, o GRUMEC incorporou nov<strong>as</strong> doutrin<strong>as</strong> e<br />
desenvolveu procedimentos próprios.<br />
Assim, devido às su<strong>as</strong> habilitações específic<strong>as</strong>, os Mergulhadores<br />
de Combate da Marinha do Br<strong>as</strong>il (MB) têm papel relevante n<strong>as</strong><br />
operações clássic<strong>as</strong> da guerra naval, <strong>as</strong>sim como no combate ao<br />
<strong>terrorismo</strong> e à pirataria em navios e instalações petrolífer<strong>as</strong>, entre<br />
outros delitos transfronteiriços atuantes no mar.<br />
Complementarmente, os Destacamentos de Abordagem do GRU-<br />
MEC vêm fazendo parte d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> navais, em apoio aos Grupos de<br />
Visita e Inspeção (GVI) dos nossos navios, contribuindo sobremaneira<br />
n<strong>as</strong> ações de fiscalização d<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> jurisdicionais br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> e n<strong>as</strong><br />
operações de controle de área marítima, atuando previamente aos<br />
GVI, em c<strong>as</strong>o de alvos não cooperativos ou potencialmente hostis.<br />
A MB conta também com o Grupo Especial de Retomada e<br />
Resgate do GRUMEC (GERR/MEC), voltado, desde a década de<br />
1980, para ações contra elementos adversos em ambiente marítimo,<br />
contribuindo para a proteção dos inúmeros terminais e plataform<strong>as</strong><br />
petrolífer<strong>as</strong> e navios na nossa Amazônia Azul.<br />
O GRUMEC é, portanto, uma importante parcela do Poder <strong>Naval</strong><br />
do Br<strong>as</strong>il, podendo ser empregado nos mais variados ambientes<br />
operacionais, em perfeita sintonia com <strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> do século XXI,<br />
em face de sua estrutura eficiente, de grande flexibilidade e agilidade<br />
de emprego em múltipl<strong>as</strong> taref<strong>as</strong>.<br />
Conclusão<br />
Os conflitos atuais e os delitos marítimos que transp<strong>as</strong>sam<br />
<strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> nacionais têm carreado <strong>as</strong> Marinh<strong>as</strong> de vários<br />
países desenvolvidos para <strong>algum<strong>as</strong></strong> transformações estruturais,<br />
como a dos Estados Unidos da América, visando responder<br />
adequadamente a tais ameaç<strong>as</strong>.<br />
A nação norte-americana, que representa, desde o esfacelamento<br />
da União Soviética, o principal poder militar estatal existente<br />
no mundo, capaz de atuar em vári<strong>as</strong> partes do planeta, conta com<br />
um conjunto de militares de sua<br />
lancha de<br />
operações especiais<br />
Mk-v, usada pelos<br />
seals<br />
Marinha, altamente selecionados<br />
e adestrados, contribuindo de<br />
forma relevante nessa empreitada:<br />
seus mergulhadores de<br />
combate – os SEALs.<br />
Tendo em vista o rigoroso<br />
processo de formação, o custobenefício<br />
compensador (5) e um<br />
razoável período de efetivação<br />
da qualificação operativa, (6)<br />
cabe ressaltar a importância<br />
que vem sendo dada a esses<br />
combatentes de elite, uma vez<br />
que forç<strong>as</strong> de operações especiais<br />
não são produzid<strong>as</strong> em<br />
m<strong>as</strong>sa, após um conflito haver<br />
surgido.
Nos combates mais recentes, os SEALs estão sendo empregados<br />
de forma conjunta com outr<strong>as</strong> trop<strong>as</strong> de operações especiais,<br />
inclusive estrangeir<strong>as</strong>, conduzindo reconhecimentos estratégicos<br />
terrestres ou submersos, realizando ações de busca e captura de<br />
membros da Al-Qaeda e su<strong>as</strong> célul<strong>as</strong> coirmãs, <strong>as</strong>salto tático a instalações,<br />
combate ao <strong>terrorismo</strong>, entre outr<strong>as</strong> taref<strong>as</strong>. Fora dos conflitos,<br />
eles vêm atuando, também, na repressão à pirataria marítima e aos<br />
outros crimes internacionais.<br />
O mundo globalizado, hoje, é multifacetado e o mar representa<br />
um de seus <strong>as</strong>pectos mais importantes, pois cerca de 90% do comércio<br />
mundial tem com força propulsora o transporte marítimo. O Br<strong>as</strong>il<br />
é igualmente dependente desse sistema, uma vez que 95% do nosso<br />
comércio internacional e cerca de 90% da produção de petróleo e gás<br />
natural são potenciais ligados ao mar. Com a perspectiva do pré-sal,<br />
estima-se que o Br<strong>as</strong>il será, em du<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong>, o 6º maior produtor de<br />
petróleo do mundo, o que já vem gerando grandes atenções, que por sua<br />
vez, tendem a aumentar <strong>as</strong> potencialidades de ataques externos, estatais<br />
ou não, c<strong>as</strong>o esteja vulnerável e não possa reagir ou se precaver.<br />
Nesse contexto, a Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada<br />
em 2008, traça os caminhos para o remodelamento d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong><br />
forç<strong>as</strong> de defesa. Na MB, concernente à END, faz-se destaque para<br />
a perspectiva da implementação do Sistema de Gerenciamento da<br />
Amazônia Azul (SisGAAz) que, em conjunto com os meios navais<br />
necessários, entre eles o GRUMEC, contará com uma infraestrutura<br />
de resposta adequada à vigilância, acompanhamento e reação às<br />
eventuais ameaç<strong>as</strong>.<br />
Particularmente ao Br<strong>as</strong>il, em cuj<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> jurisdicionais e leito<br />
marinho repousam imensos recursos vivos e não vivos, representando<br />
parcela significativa da economia nacional e um potencial<br />
marcante no cenário internacional, cabe prover-se de meios navais e<br />
estrutur<strong>as</strong> compatíveis com os interesses da nossa pátria. A Marinha<br />
vem buscando compor o arcabouço correspondente às necessidades<br />
afet<strong>as</strong> à defesa da nossa Amazônia Azul, estando o GRUMEC plenamente<br />
inserido neste contexto.<br />
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treinamento<br />
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de interdição<br />
Marítima (Mio)<br />
seals<br />
embarcando em<br />
submarino, pelo<br />
método f<strong>as</strong>t rope,<br />
antes de seguirem<br />
para a área de<br />
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Not<strong>as</strong><br />
(1) Acrônimo de SEa, Air and Land, representando os ambientes<br />
operacionais em que podem operar.<br />
(2) Maritime Interdiction Operations – uma modalidade mais<br />
reativa d<strong>as</strong> Operações de Controle de Área Marítima.<br />
(3) SEAL Delivery Vehicle.<br />
(4) Salto Livre Operacional – SLOP, no qual os SEALs saltam<br />
com seu armamento, equipamento e, por vezes, também com<br />
embarcações.<br />
(5) Investimentos relativamente pequenos, comparados às forç<strong>as</strong><br />
convencionais, grande poder de destruição em alvos pontuais e<br />
possibilidade de mínima exposição política em certos c<strong>as</strong>os.<br />
(6) Cerca de dois a três anos.
ensaio<br />
ti<br />
tECNologiA DA<br />
INFORMAÇÃO<br />
uma síntese da participação dos<br />
oficiais da marinha na formação<br />
da sua b<strong>as</strong>e técnica no br<strong>as</strong>il<br />
anTônio Tângari FilHo<br />
introdução<br />
Neste século XXI a sigla TI aparece com frequência em<br />
textos de natureza não técnica, em revist<strong>as</strong>, jornais e<br />
program<strong>as</strong> de rádio e de TV.<br />
Leitores, ouvintes e telespectadores, não habituados<br />
aos jargões do ramo, antigamente chamados de “ibemês”,<br />
só ficam sabendo que se trata de tecnologia da<br />
informação, acompanhando a matéria até o final.<br />
De forma resumida, TI é o título que se dá ao conjunto: processamento<br />
de dados (ped); informática; teleprocessamento; banco de<br />
dados; processamento distribuído; acesso à internet; celulares.<br />
Muit<strong>as</strong> dess<strong>as</strong> técnic<strong>as</strong>, já existentes desde antes da metade do<br />
século XX combinad<strong>as</strong> ou isoladamente, são hoje fundamentais para<br />
praticamente tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, escol<strong>as</strong>, atividades de Estado, e<br />
até mesmo para o conforto dos nossos lares. Podemos dizer que se<br />
trata de um neologismo, para se referir às atividades de tratamento<br />
da informação. A criação de nov<strong>as</strong> expressões é muito comum, em<br />
se tratando de tecnologi<strong>as</strong> em permanente mutação. No presente<br />
ensaio serão mencionad<strong>as</strong> <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> denominações, ligad<strong>as</strong> ao contexto<br />
e época em que foram utilizad<strong>as</strong>, tod<strong>as</strong> el<strong>as</strong> nos remetendo<br />
ao termo atual, tecnologia da informação (TI).<br />
As famíli<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> têm cada vez mais acesso a microcomputadores<br />
desktops, laptops, e a modernos tablets, com muitos usuários<br />
domiciliares ligados à grande rede “internet”. Paralelamente, os<br />
governantes se esforçam em m<strong>as</strong>sificar o uso da tecnologia, com<br />
program<strong>as</strong> do tipo “Internet para Todos”, “Banda Larga sem Fio<br />
Gratuita para a População” – lamentavelmente em esforço nem<br />
sempre bem coordenado e efetivo – para universalizar o conhecimento<br />
e uso dess<strong>as</strong> modern<strong>as</strong> tecnologi<strong>as</strong>.<br />
A Fundação Getulio Varg<strong>as</strong>, na sua 21ª Pesquisa Anual, diz que<br />
em 2010 o Br<strong>as</strong>il já tem 72 milhões de computadores pessoais em<br />
uso (desktop, PC, notebook, netbook). Segundo essa mesma pesquisa,<br />
a previsão é de que até 2014 venham a ser 140 milhões, ou<br />
seja, du<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> para cada três habitantes.<br />
Quanto ao uso da internet, por banda larga ou por linha discada,<br />
levantamentos feitos pel<strong>as</strong> entidades ligad<strong>as</strong> à TI apontam para 10,8<br />
milhões de IP (endereços de máquin<strong>as</strong> diretamente conectad<strong>as</strong> em<br />
todo o território nacional com a internet), e cerca de 54 milhões<br />
de br<strong>as</strong>ileiros com acesso à Rede, considerados domicílios, escol<strong>as</strong>,<br />
38 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 39<br />
empres<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> e privad<strong>as</strong>, órgãos governamentais, bem como<br />
usuários via telefonia móvel e lan houses.<br />
No entanto, poucos br<strong>as</strong>ileiros sabem da intensa participação da<br />
Marinha do Br<strong>as</strong>il, por meio dos seus Oficiais, no desenvolvimento<br />
dessa tecnologia.<br />
O propósito deste artigo é contar um pouco dessa história,<br />
procurando não cansar o prezado leitor, muito embora venha a<br />
ser mandatório citar nomes e dat<strong>as</strong>. Desde já, o autor, que deixou<br />
o Serviço Ativo da Marinha em 1976, ressalta que <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> e<br />
participantes mencionados nessa pequena história, por certo não<br />
são os únicos. Admite e se desculpa perante os possíveis leitores<br />
pel<strong>as</strong> su<strong>as</strong> limitações e falh<strong>as</strong> de memória, em parte decorrentes<br />
ainda da intenção de se restringir às dimensões reduzid<strong>as</strong> em que<br />
um artigo dessa natureza teve que ser contido.<br />
A ideia de escrever sobre <strong>as</strong>sunto tão empolgante, surgiu há<br />
alguns anos, durante almoço com um pequeno grupo de amigos<br />
do Corpo de Intendentes da Marinha, no qual alguns fatos aqui<br />
narrados foram rememorados.
Primórdios<br />
Na década de 40 do século p<strong>as</strong>sado, a Comissão de Marinha<br />
Mercante (CMM) criada em 7/3/1941, órgão vinculado ao Ministério<br />
da Marinha até o final dos anos 60 – quando foi transferida para o<br />
Ministério dos Transportes, e posteriormente reorganizada sob o<br />
nome de Superintendência Nacional de Marinha Mercante (Sunamam)<br />
– já utilizava recursos de processamento de dados.<br />
Logo após a sua criação, a CMM contratou à IBM máquin<strong>as</strong>,<br />
então chamad<strong>as</strong> de convencionais, n<strong>as</strong> quais eram tabulados e<br />
listados os dados estatísticos relativos à movimentação de carga<br />
por via marítima/fluvial.<br />
Essa experiência em processamento de dados, desenvolvida na<br />
Marinha à época, era também aplicada pioneiramente no controle<br />
do pagamento do seu pessoal militar e civil, <strong>as</strong>sim como em <strong>algum<strong>as</strong></strong><br />
grandes empres<strong>as</strong> no Br<strong>as</strong>il. O termo “hollerit”, como são chamados<br />
os bilhetes de pagamento até hoje, nos remete ao estatístico norte<br />
americano Hermann Hollerit (1860/1929) fundador da empresa<br />
Tabulation Machines Corporation que deu origem à empresa IBM,<br />
fabricante d<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> usad<strong>as</strong> para processá-los e imprimi-los, e<br />
antigamente utilizad<strong>as</strong> no Sistema de Pagamento da Marinha. A<br />
IBM desenvolveu o primeiro computador, o Eniac em 1941, Sendo<br />
até os di<strong>as</strong> atuais, líder na venda de equipamentos de grande porte,<br />
os chamados mainframes.<br />
Na CMM, embora sob nova jurisdição, não foi desprezada a<br />
utilização de processamento de dados. Pelo contrário, foi cada vez<br />
mais expandida, em razão do aumento do volume de informações<br />
relativ<strong>as</strong> ao transporte aquaviário a serem trabalhad<strong>as</strong>, e da criação<br />
do adicional de frete marítimo, para cujo cálculo era essencial a<br />
manutenção de uma b<strong>as</strong>e de dados estatísticos a partir do controle<br />
dos manifestos de carga. Este fato levou a que cada vez mais fossem<br />
necessários equipamentos de grande porte, e técnicos para desenvolver,<br />
manter e gerenciar tais atividades.<br />
Assim, mesmo não mais subordinada ao Ministério da Marinha a<br />
CMM, bem como a sua sucessora Sunamam, sempre contaram com<br />
Oficiais cedidos pela Marinha – ou que p<strong>as</strong>saram a prestar serviços<br />
àquel<strong>as</strong> organizações após sua transferência para a Reserva – para<br />
desempenhar <strong>as</strong> su<strong>as</strong> funções específic<strong>as</strong>, muito ligad<strong>as</strong> à atividade<br />
marítima.<br />
Concomitantemente, outr<strong>as</strong> atividades de processamento de<br />
dados na Marinha também evoluíam qu<strong>as</strong>e que geometricamente,<br />
de sorte que, em 1965/66, a Diretoria de Intendência da Marinha<br />
contratou junto à IBM um dos primeiros computadores de grande<br />
porte em uso no país, modelo IBM/360. Antes já tinha acumulado<br />
grande experiência no uso do computador IBM-1401 cuja memória<br />
era de no máximo 32KB, m<strong>as</strong> diferentemente d<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>sificador<strong>as</strong><br />
e de tabulação convencionais, permitia linguagens de<br />
programação (Fortran, Cobol, RPG), em substituição à montagem<br />
de instruções através de painéis.<br />
A excepcional capacidade de processamento, alocada à Diretoria<br />
de Intendência, apoiou também <strong>as</strong> complex<strong>as</strong> e vitais taref<strong>as</strong> da<br />
Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), <strong>as</strong>sim como outros<br />
setores da Marinha, enquanto não possuíam equipamentos próprios,<br />
como por exemplo, a Diretoria de Pessoal, o Centro de Controle<br />
de Estoque de Material, o Departamento de Pessoal do Comando<br />
Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, o Centro de Adestramento<br />
Alte. Marques Leão (Camaleão), entre outros.<br />
Oficiais de Marinha – dos Corpos da Armada, de Fuzileiros<br />
Navais e do Corpo de Intendentes – foram indicados para fazer<br />
cursos específicos de programação n<strong>as</strong> dependênci<strong>as</strong> do Centro<br />
Educacional da IBM, estrategicamente instalado na Rua Teófilo<br />
hermann hollerit (1860/1929), fundador da ibM<br />
Otoni, bem próximo do prédio do então Ministério da Marinha,<br />
hoje sede do Primeiro Distrito <strong>Naval</strong>. Mostrando a preocupação da<br />
Marinha com o <strong>as</strong>sunto, bem antes de 1965, quando foi adquirido<br />
o primeiro grande computador, o Currículo do Estágio dos GGMM<br />
(IM) já incluía um curso básico de processamento de dados. Curiosamente,<br />
naquela mesma via pública, no final da década de 1970,<br />
foi inicialmente instalado o Instituto de Processamento de Dados<br />
e Informática da Marinha (IPDIM), no local onde hoje está a sede<br />
da Diretoria de Portos e Cost<strong>as</strong> da Marinha (DPC).<br />
O contato cada vez mais frequente dos Oficiais da Marinha com<br />
o mundo do processamento de dados levou à busca de talentos na<br />
Marinha do Br<strong>as</strong>il, em decorrência da expansão do mercado que<br />
se verificou a partir da década de 60 e pela carência de técnicos<br />
especializados. A própria IBM se tornou uma voraz atuante nesse<br />
tipo de “recrutamento”.<br />
Na opinião deste autor, a perda de inteligênci<strong>as</strong> para o mercado,<br />
em que pese ser no curto prazo prejudicial para a Marinha, sob o<br />
<strong>as</strong>pecto macroeconômico foi um grande benefício para o país. Este<br />
pessoal, altamente qualificado, tem sido responsável pelo desenvolvimento<br />
da informática e sua aplicação em inúmer<strong>as</strong> atividades,<br />
colaborando para o progresso da nação.<br />
Posteriormente, com a criação do então chamado Quadro de<br />
40 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 41<br />
Funções Técnic<strong>as</strong> (QFT), inúmeros Oficiais Superiores da Marinha<br />
optaram por fazer mestrado e doutorado em informática em universidades<br />
(PUC, Unicamp, USP), ao serem aprovados para cursar<br />
a Escola de Guerra <strong>Naval</strong>. Isto gerou maior interação da Marinha<br />
com a sociedade civil no que se refere àquela tecnologia, avançada<br />
e em permanente expansão.<br />
Pretende-se registrar participações expressiv<strong>as</strong> da Marinha e de<br />
seus Oficiais em empres<strong>as</strong>, instituições e iniciativ<strong>as</strong> na informática,<br />
que permitiram a sua constante evolução, até se chegar ao estágio atual,<br />
em que a tecnologia da informação (TI) se mostra tão presente.<br />
Será mencionada também a expressiva contribuição do uso intenso<br />
de apoio de informática às atividades técnico-administrativ<strong>as</strong> da Marinha,<br />
que permitiu a implantação de sistem<strong>as</strong> inéditos no Br<strong>as</strong>il.<br />
O sucesso de alguns destes sistem<strong>as</strong>, chamou a atenção de outros<br />
setores d<strong>as</strong> administrações federal, estadual e municipal, e de<br />
empres<strong>as</strong> privad<strong>as</strong>, sendo aproveitad<strong>as</strong> <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> dos Oficiais<br />
da Marinha envolvidos na sua concepção e desenvolvimento.<br />
Em se tratando de um artigo, fica a esperança de que desperte<br />
a curiosidade de outros coleg<strong>as</strong> da Marinha, que por certo tiveram<br />
participação marcante nesta história e poderão corrigir lacun<strong>as</strong> ou<br />
falh<strong>as</strong> eventualmente cometid<strong>as</strong> pelo autor, que se considera um<br />
perfeito “dinossauro”, se comparado aos jovens que hoje atuam<br />
neste campo. A sua principal vantagem é a de ter tido o privilégio de<br />
acompanhar pessoalmente uma pequena parte dessa “saga”, digna<br />
de ser mais aprofundada e divulgada para <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> gerações.<br />
acima, em 1956, o disco rígido de 5Mb do primeiro computador com hd, da ibM (foto cedida por Jorge e Janete braga). abaixo, um ibM 360, em plena atividade
É de suma importância que nós br<strong>as</strong>ileiros, hoje usufruindo<br />
desta maravilha que é a TI, saibamos da luta que foi chegar até ela,<br />
para não esmorecermos na busca do permanente aperfeiçoamento,<br />
única maneira de não se perder o nível técnico atingido e conseguir<br />
acompanhar a sua explosiva evolução.<br />
Mesmo a aparentemente singela facilidade de nossos filhos e<br />
netos poderem se sentar diante de um micro com jogos eletrônicos,<br />
não chegou até eles de “mão beijada”.<br />
A marinha do br<strong>as</strong>il e a informática<br />
Considerações preliminares<br />
Já foi mencionado anteriormente que inúmeros Oficiais da<br />
Marinha se dedicaram ao estudo, pesquisa, desenvolvimento e<br />
implantação de técnic<strong>as</strong> relacionad<strong>as</strong> com o uso de processamento<br />
de dados, desde a década de 40 do século XX, época em que no<br />
Br<strong>as</strong>il não havia o ensino do <strong>as</strong>sunto nos bancos escolares. De forma<br />
natural, em razão d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> atividades na Marinha, os Oficiais<br />
Intendentes direcionaram-se para o software, e os Oficiais da Armada<br />
e Engenheiros, em especial os de eletrônica para o hardware ou<br />
para o “software básico”, necessários à operação de equipamentos<br />
eletrônicos instalados a bordo dos navios da Marinha.<br />
Sabiamente, <strong>as</strong> Autoridades Navais criaram o Instituto de<br />
Processamento de Dados e Informática da Marinha (IPDIM) e o<br />
Centro de Análise de Sistem<strong>as</strong> Navais (CASNAV), ambos no início<br />
da década de 1970, reconhecendo a necessidade de tratar separadamente<br />
<strong>as</strong> especializações.<br />
Deve ser destacado que, detalhar a contribuição destes Oficiais<br />
no aperfeiçoamento da informática na Marinha, não é o propósito<br />
deste artigo, reconhecida que é como tendo atingido – como se<br />
diria no ibemês antigo – um nível b<strong>as</strong>tante sofisticado no “estado<br />
da arte”, m<strong>as</strong> a sua contribuição para o Br<strong>as</strong>il em geral.<br />
A propósito, muito se discutiu e ainda se discute, se a informática<br />
é ciência ou arte. Os pioneiros da Assespro, Sucesu, Capre, Cobra, e<br />
outr<strong>as</strong> entidades ligad<strong>as</strong> ao meio, optaram por não adotar o termo<br />
“computer science”, como o processamento de dados p<strong>as</strong>sou a ser<br />
chamado nos Estados Unidos. Foi preferida a expressão francesa<br />
“informatique”, julgada mais abrangente.<br />
Provavelmente, dessa decisão derivou a ampla divulgação da tecnologia<br />
pelo termo “informática”. A esta terminologia, se seguiram<br />
outr<strong>as</strong> denominações, até p<strong>as</strong>sar a ser consagradamente chamada<br />
de TI – tecnologia da informação.<br />
Voltando ao tema deste artigo – a participação da Marinha e de<br />
seus Oficiais no desenvolvimento da TI – em pesquisa sem grande<br />
grau de aprofundamento, pode ser verificado que entre 1960 e 1980<br />
mais de 50 Oficiais, ao pedirem seu desligamento do Serviço Ativo,<br />
ou se transferirem para a Reserva, ocuparam ou ainda ocupam<br />
funções de destaque nessa área de conhecimento. Essa participação<br />
abrange divers<strong>as</strong> atividades, tais como:<br />
• indústri<strong>as</strong> de equipamentos (hardware);<br />
• concepção de sistem<strong>as</strong> e program<strong>as</strong> básicos (software);<br />
• desenvolvimento de sistem<strong>as</strong> e program<strong>as</strong> aplicativos<br />
(software);<br />
• vend<strong>as</strong> de hardware e software e treinamento dos usuários;<br />
• integração dos sistem<strong>as</strong> com <strong>as</strong> telecomunicações;<br />
• ensino em universidades e cursos específicos de informática;<br />
• consultoria e implantação de sistem<strong>as</strong> informatizados.<br />
Determinante também para essa contribuição, foi o fato de que<br />
diversos sistem<strong>as</strong> de uso corrente na Marinha tiveram emprego<br />
qu<strong>as</strong>e que imediato em atividades empresariais e governamentais,<br />
Rússia<br />
bielo-Rússia<br />
Angola<br />
Peru<br />
méxico<br />
República Dominicana<br />
na medida em que os seus Oficiais se retiravam do Serviço Ativo e<br />
de pronto eram recrutados pela sociedade civil.<br />
Exemplos incontestes, para ficar somente em c<strong>as</strong>os mais marcantes,<br />
podem ser mencionados:<br />
• uso do dígito verificador, adotado pelo Sistema de Pagamento<br />
da Marinha, e hoje disseminado em todos os sistem<strong>as</strong> que processam<br />
grandes cad<strong>as</strong>tros;<br />
• técnic<strong>as</strong> de ab<strong>as</strong>tecimento controle e catalogação de material,<br />
indispensáveis para qualquer entidade, de grande ou médio porte;<br />
• Sistema de Pagamento da Marinha, iniciado na década de<br />
1940, e considerado dos mais aperfeiçoados, sendo replicado em<br />
inúmer<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> e organizações do Br<strong>as</strong>il;<br />
• Sistema de Consignações (desconto em folha de pagamento), que<br />
atualmente serve de b<strong>as</strong>e para o tão festejado crédito consignado;<br />
• Sistema de Controle e Acompanhamento do Plano Diretor<br />
(planejamento e execução orçamentária), implantado na Marinha<br />
n<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong> de 1960/1970, e transplantado com sucesso para empres<strong>as</strong>,<br />
e entidades públic<strong>as</strong> no país e no exterior.<br />
Deve ser ressaltado ainda que a meta de transparência n<strong>as</strong> despes<strong>as</strong><br />
públic<strong>as</strong>, hoje tão festejada nos meios de comunicação pela<br />
facilidade de acesso via internet – vide <strong>as</strong> informações divulgad<strong>as</strong> pela<br />
ONG Cont<strong>as</strong> Abert<strong>as</strong> – não teria sido possível sem a participação da<br />
Marinha. O primeiro ministério a descentralizar a Execução Financeira<br />
do Orçamento, com b<strong>as</strong>e em um sofisticado Sistema de Processamento<br />
de Dados foi o da Marinha, em 1967. Essa descentralização<br />
reduziu a um mínimo <strong>as</strong> Despes<strong>as</strong> sob o Regime de Adiantamento de<br />
Recursos, complicado e de difícil aplicação e controle.<br />
Com a Circular nº 12 da Diretoria de Intendência da Marinha,<br />
editada em 1967, foi dada a partida para ser projetado o hoje conhecido<br />
Siafi, Sistema Integrado de Administração Financeira, em vigor<br />
nos governos federais, estaduais e municipais do Br<strong>as</strong>il. A Circular<br />
o siafi, inicialmente implantado na Marinha, acabou sendo atodado por muitos países<br />
nº 12 foi de tal repercussão positiva na Marinha que, além de p<strong>as</strong>sar<br />
a ser cognominada por alguns como Circular do Zé (carinhosa e<br />
reconhecida alusão ao seu mentor inicial, Comte Edison José Ribeiro),<br />
constou da publicação do Ministério do Planejamento Anais<br />
da Reforma Administrativa no Br<strong>as</strong>il como sendo um dos marcos<br />
daquela Reforma. Além da responsabilidade do Comte Edison na<br />
sua concepção, deve ser destacado o indispensável apoio de Diretor<br />
de Intendência da Marinha à época, VA (IM) Arnoldo H<strong>as</strong>selmann<br />
Fairbairn. Além de colocar à disposição a estrutura da Diretoria,<br />
designou dois Oficiais para, em regime de mutirão (o autor deste<br />
ensaio e o Ten (IM) Roberto Ricardo Calazans Tavares), auxiliarem<br />
o Comte Edison na redação final, bem como na elaboração dos<br />
formulários, anexos e demais documentos que vieram a compor<br />
essa Circular. Tudo pronto, m<strong>as</strong> faltava a impressão dos documentos<br />
para possibilitar a sua distribuição por tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> organizações da<br />
MB. Entra aí, o espírito de equipe dos Intendentes da Marinha. O<br />
então Comte (IM) Geraldo Souza Vieira servindo da DHN (futuro<br />
Oficial General e Diretor da Diretoria de Intendência da Marinha),<br />
obteve autorização para que o trabalho fosse feito na gráfica daquela<br />
Diretoria, com qualidade excepcional, o que em muito contribuiu<br />
para a sua rápida <strong>as</strong>similação pela Marinha.<br />
O Siafi inicialmente implantado na Marinha e idealizado pelo<br />
Comte (IM) Edison José Ribeiro, b<strong>as</strong>eado na primeira experiência<br />
acima detalhada, e com a participação de uma equipe altamente<br />
capacitada da Marinha, foi adotado pelos diversos níveis do governo e<br />
até mesmo exportado. Assim é que, o Comte (IM) Carlos de Andrade<br />
Duarte, que ao se transferir para a Reserva trabalhou na Secretaria<br />
do Tesouro Nacional no desenvolvimento e implantação do Siafi<br />
no governo federal, nos anos de 1986 e 1987, e o Comte Edison,<br />
foram contratados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para<br />
implantar noss<strong>as</strong> técnic<strong>as</strong> de gerência e controle de orçamento e<br />
42 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 43<br />
gestão na Rússia, Bielo-Rússia, Angola, Peru, México, República<br />
Dominicana, e outros países.<br />
A seguir serão lembrad<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> específic<strong>as</strong> de Oficiais da<br />
Marinha no âmbito da informática ressaltando a influência de su<strong>as</strong><br />
atuações, e grupando-<strong>as</strong> em tópicos que sejam correlatos. Como<br />
ressalvado anteriormente, não há a pretensão de esgotar o <strong>as</strong>sunto,<br />
muito menos de registrar de forma completa e com exatidão<br />
cronológica a participação de todos os que saíram da Marinha e<br />
ingressaram neste mundo novo, levando seu conhecimento técnico<br />
e vontade de colaborar para o engrandecimento do Br<strong>as</strong>il, além<br />
d<strong>as</strong> atender às su<strong>as</strong> realizações pessoais e profissionais. Trata-se<br />
tão somente de mostrar um panorama geral, com o propósito de<br />
propiciar ao leitor o conhecimento do que foi feito pelo pessoal da<br />
Marinha, para e pela informática do nosso país.<br />
Antes, voltando à Escola <strong>Naval</strong>, nos idos de 1957/1958, não<br />
pode deixar de ser mencionado que o Comte (IM) Carlos Augusto<br />
Guimarães Cordovil, professor de Cálculo Integral e posteriormente<br />
de Mecanografia na Escola <strong>Naval</strong> era um grande incentivador do<br />
estudo de ciênci<strong>as</strong> exat<strong>as</strong>. Foi ele responsável pelo convencimento e<br />
tomada de decisão por Oficiais da Marinha de <strong>algum<strong>as</strong></strong> gerações, de<br />
que deveriam continuar estudando, alguns optando por Matemática,<br />
Economia, Estatística, Contabilidade, Física, ou Engenharia Eletrônica,<br />
já que não havia ainda cursos regulares de processamento<br />
de dados no Br<strong>as</strong>il. Ele próprio dizia que tinha um pequeno local<br />
sossegado, para poder se manter atualizado n<strong>as</strong> matéri<strong>as</strong> que lecionava.<br />
Ao deixar o Serviço Ativo da Marinha, em 1961, foi um dos<br />
primeiros contratados pela IBM do Br<strong>as</strong>il.<br />
Nos estabelecimentos bancários e financeiros<br />
Em 1968, o Banco Nacional do Norte criou a sua Diretoria de<br />
Processamento de Dados, chamando para ser titular o Comte (IM)<br />
Zemar Carneiro de Rezende, antigo chefe da Divisão de Consignações<br />
da Diretoria de Intendência da Marinha, à época se transferindo para<br />
a Reserva. O Comte Zemar, posteriormente convidou um antigo seu<br />
comandado, o Comte (IM) Manfredo Carlos Zenkert, que se retirou<br />
do Serviço Ativo da Marinha para também trabalhar no Banorte.<br />
Em 1967, deixa o Serviço Ativo da Marinha o Comte (CA) Adolpho<br />
Ferreira de Oliveira, para fundar a corretora que levou o seu<br />
nome, posteriormente transformada em banco. Essa corretora foi<br />
uma d<strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> do Rio de Janeiro a utilizar um terminal para<br />
consulta à Bolsa de Valores, Para tal se valeu da experiência adquirida<br />
na Marinha, e buscou a <strong>as</strong>sessoria de Oficiais familiarizados com o<br />
desenvolvimento de software.<br />
Também, de grande importância tem sido a contribuição para<br />
<strong>as</strong> entidades bancári<strong>as</strong> no desenvolvimento de software, através da<br />
consultoria para automação bancária, prestada já no final do século<br />
XX e início do século XXI, pelos técnicos da empresa Lab-System,<br />
fundada pelo Comte (IM) Osmar Boavista da Cunha Júnior, tendo<br />
como um dos seus colaboradores o autor deste trabalho.<br />
Nos setores de hardware,<br />
“software básico” e equipamentos periféricos<br />
Em 1961, o Comte (EN) Antônio Carlos Didier Barbosa Vianna<br />
pede transferência para a Reserva. Atuando na área de hardware fundou<br />
<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> Microlab e Impelco, localizad<strong>as</strong> no Rio de Janeiro,<br />
produzindo diversos equipamentos entre os quais, unidades de fita<br />
magnética, discos rígidos e winchesters, então essenciais para os<br />
Centros de Processamento de Dados. Foi presidente da Associação<br />
Br<strong>as</strong>ileira d<strong>as</strong> Indústri<strong>as</strong> de Computadores e Periféricos (Abicomp).<br />
Merece uma referência especial a participação da Marinha no
desenvolvimento, no Laboratório de Sistem<strong>as</strong> Digitais<br />
da USP, do primeiro computador nacional de 8 bits com<br />
4 Kbites de memória. O inicialmente chamado “Patinho<br />
Feio” concluído em 1972. Patinho Feio, em alusão à<br />
canção “Cisne Branco”, b<strong>as</strong>tante conhecida nos navios<br />
e estabelecimentos navais.<br />
Esse projeto, apoiado enfaticamente pela Marinha,<br />
que estava interessada em desenvolver equipamentos e<br />
“software básico” para <strong>as</strong> Fragat<strong>as</strong> em início de construção<br />
na Inglaterra, muito contribuiu para a b<strong>as</strong>e<br />
tecnológica da qual se derivou a indústria de eletrônica<br />
e microeletrônica no Br<strong>as</strong>il. Alguns Oficiais da Marinha<br />
se dedicaram denodadamente ao projeto, que visava procurar<br />
substituir equipamentos importados por similares<br />
construídos no Br<strong>as</strong>il.<br />
A empresa Cobra – Computadores Br<strong>as</strong>ileiros, fundada<br />
em 1974, com forte apoio da Marinha e do BNDE<br />
foi herdeira desse desenvolvimento, lançando em 1980 o<br />
computador Cobra 530, que derivou do Projeto G-10 (o G<br />
tirado da inicial do nome de guerra do Comte (CA) José Luiz<br />
Guaranys Rego, especializado em eletrônica). Na Marinha<br />
e em alguns meios acadêmicos, esse projeto pioneiro ficou<br />
conhecido como Projeto Guaranys.<br />
A Cobra, além de outros diretores, teve dois Oficiais da<br />
Marinha na sua Presidência, o Alte (EN) José Claudio Frederico<br />
Beltrão e o Comte Antônio Carlos de Loyola Reis.<br />
O Comte Guaranys, juntamente com o Comte (EN)<br />
Cleof<strong>as</strong> Ismael de Medeiros Uchoa, então já tendo saído<br />
do Serviço Ativo da Marinha e atuando na Digibrás,<br />
<strong>as</strong>sim como o Comte (CA) Pedro Paulo Betim Paes Leme, também<br />
especializado em eletrônica, atuaram de forma marcante nessa f<strong>as</strong>e<br />
embrionária da indústria eletrônica do país. Na oc<strong>as</strong>ião, a Marinha<br />
tinha uma grande preocupação em absorver a tecnologia da empresa<br />
Ferranti, que fornecia os equipamentos eletrônicos d<strong>as</strong> Fragat<strong>as</strong>,<br />
como dito anteriormente, em construção na Inglaterra e com<br />
previsão para posteriormente serem construíd<strong>as</strong> no Br<strong>as</strong>il, como<br />
realmente o foram, no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro.<br />
São testemunhos da influência desses Oficiais da Marinha<br />
naqueles chamados “tempos difíceis” da indústria nacional, os<br />
seguintes pronunciamentos de profissionais isentos, por serem<br />
estranhos à Marinha.<br />
• Homenagem ao Comte Paes Leme na Sessão Solene de<br />
Abertura do Primeiro Congresso Nacional de Processamento de<br />
Dados, em 9 de setembro de 1968. “Antes de mais nada, é nosso<br />
dever prestar uma homenagem ao Comte Pedro Paulo Betim Paes<br />
Leme, que morreu trabalhando. Para tal estirpe de homem é que<br />
peço ao Plenário um minuto de silêncio, de pé, como nossa sincera<br />
e última homenagem.” Palavr<strong>as</strong> do coordenador-geral do Congresso<br />
Eng. Juan Missirlian.<br />
Este Primeiro Congresso de Informática, b<strong>as</strong>tante prestigiado<br />
pela MB, constitui um dos marcos da grande interação da Marinha<br />
com a sociedade civil.<br />
• Trechos do livro R<strong>as</strong>tro de cobra, de 1984, no qual sua<br />
autora, Silvia Helena Vianna Rodrigues, conta a saga da criação<br />
e consolidação da Cobra – Computadores Br<strong>as</strong>ileiros: “Um dos<br />
maiores batalhadores pela criação da indústria br<strong>as</strong>ileira de computadores,<br />
Guaranys não viveu para ver concretizada a primeira<br />
empresa: a Cobra que ajudou a criar... O comandante Guaranys<br />
era dos mais atentos, na Diretoria de Eletrônica da Marinha, para<br />
a questão d<strong>as</strong> modificações introduzid<strong>as</strong> pelos equipamentos de<br />
computação em todo o funcionamento naval.”<br />
“Uchoa deixara a Marinha em 1968, <strong>as</strong>sumindo a Diretoria Técnica<br />
da Digibrás, presidida por Ézio Távora... P<strong>as</strong>sada pelo presidente<br />
da Digibrás a Uchoa... este <strong>as</strong>sumiu a tarefa com garra, e em julho<br />
estava feita a Cobra.”<br />
O governo federal, primeiramente em 1975, através da Capre<br />
– Comissão de Coordenação d<strong>as</strong> Atividades de Processamento<br />
Eletrônico, subordinada à Seplan, e a partir de 1979, da Secretaria<br />
Especial de Informática (SEI), subordinada ao Conselho de Segurança<br />
Nacional, p<strong>as</strong>sou a interferir diretamente na formulação de<br />
uma Política Nacional de Informática, gerando a chamada Reserva<br />
de Mercado. À época objetivava não só o progresso da indústria<br />
local, m<strong>as</strong> também reduzir os resultados negativos da Balança de<br />
Pagamentos do país.<br />
Não cabe neste artigo descrever <strong>as</strong> incontáveis discussões em<br />
torno do tema. A Reserva de Mercado teve muitos defensores e<br />
detratores. No entanto, deve-se reconhecer que os estímulos à<br />
pesquisa e desenvolvimento dela advindos, em muito colaboraram<br />
para a formação da ampla b<strong>as</strong>e industrial existente hoje em dia, da<br />
mesma maneira que a posterior abertura propiciou a inserção do<br />
Br<strong>as</strong>il no mercado global de computadores e demais equipamentos<br />
eletrônicos correlatos.<br />
Em 1987, <strong>as</strong>sume a SEI um Oficial da Marinha, o Comte (CA)<br />
José Ezil Veiga da Rocha, na f<strong>as</strong>e em que a Reserva de Mercado já<br />
estava sendo flexibilizada.<br />
Em 1988/89, na sua gestão, foi atualizado o Plano Nacional de<br />
Informática (Planin), que incluiu uma Proposta de Plano Setorial de<br />
Informática nos Transportes, através da Comissão Especial nº 31. No<br />
Plano Setorial, que contou com a coordenação do autor deste artigo<br />
na qualidade de representante da Sunamam, foi proposto um projeto<br />
denominado Projeto Navio. Este projeto foi aprovado por aclamação<br />
na Reunião Plenária da Comissão, realizada em Br<strong>as</strong>ília.<br />
O Projeto Navio, do qual participaram representantes dos setores<br />
ligados aos transportes (estaleiros, armadores, companhi<strong>as</strong> de<br />
navegação, DNER, Geipot, Portobràs), detalhava e propunha medid<strong>as</strong><br />
de estímulo à informatização dos navios, desde a construção<br />
até a operação, bem como na sua relação com os portos quando da<br />
atracação e despacho.<br />
Talvez, um tanto ou quanto utopicamente, mencionava o futuro<br />
de se ter navios operando com apen<strong>as</strong> nove tripulantes, além do<br />
seu comandante!<br />
O período de 1985 até 1989 foi muito profícuo no uso da informática<br />
na Sunamam, graç<strong>as</strong> ao apoio de seus principais diretores,<br />
Comte Murillo Rubens Habbemma de Maia, Superintendente-Geral,<br />
Comte Wander Amoroso Wang, Diretor-Geral de Planejamento e<br />
Comte Alfredo Pinto de Magalhães Júnior, Diretor-Geral de Administração,<br />
que não mediram esforços para dotar a organização de<br />
recursos para os investimentos em hardware planejados nos seus<br />
Planos Diretores de Informática (PDI). Seu principal “cliente” da informática,<br />
o Diretor de Estatística, Comte Nauro Monteiro de Campos,<br />
cuja principal atribuição era fornecer subsídios para permitir o<br />
cálculo do adicional do frete marítimo – de implicações financeir<strong>as</strong><br />
importantes para o Fundo de Marinha Mercante e, ipso facto para a<br />
expansão da Marinha Mercante Nacional – também muito colaborou,<br />
de forma proativa e eficaz, com a informática. A equipe de informática<br />
da Sunamam, reformulada na gestão dos Comtes Habbemma<br />
e Wander, desenvolveu e implantou diversos sistem<strong>as</strong> de TI, que<br />
permitiam o acesso dos diretores a informações importantes para<br />
a formulação da Política de Navegação, via terminais on-line. Foi<br />
também iniciada, em projeto conjunto com técnicos da Secretaria de<br />
Transportes Aquaviários, a descentralização da entrada de dados dos<br />
manifestos de carga, utilizando microcomputadores nos principais<br />
portos de embarque e desembarque de mercadori<strong>as</strong>.<br />
Não pode deixar de ser citado que uma d<strong>as</strong> grandes concorrentes<br />
da IBM nos EUA e no Br<strong>as</strong>il, no fornecimento de computadores,<br />
especialmente para <strong>as</strong> grandes empres<strong>as</strong> de engenharia foi a Control<br />
Data. Essa empresa chegou a contar<br />
com grande participação no mercado,<br />
tendo como um dos seus principais<br />
clientes a Petrobr<strong>as</strong>. Na década de<br />
1990, por estratégia de marketing,<br />
ela deixou de atuar, de forma direta,<br />
no Br<strong>as</strong>il. O CT (IM) Renaldo Pereira<br />
Nunes foi vice-presidente da Control<br />
Data do Br<strong>as</strong>il.<br />
No anuário Computerworld do<br />
Br<strong>as</strong>il (CWB) de informática, editado<br />
em 1988/1989, foram listad<strong>as</strong> 2 mil<br />
empres<strong>as</strong> no setor, registrando um<br />
acréscimo de 700 nov<strong>as</strong> em relação<br />
ao de 1987/1988, certamente, fruto<br />
da Política Nacional de Informática<br />
implantada no período.<br />
No desenvolvimento de<br />
software e aplicações para PED<br />
Em 1964, o Ministério da Fazenda<br />
resolve centralizar <strong>as</strong> atividades de<br />
processamento de dados, criando o<br />
Serviço Federal de Processamento<br />
de Dados (Serpro). Dois Oficiais da<br />
44 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 45<br />
Marinha foram convidados para <strong>as</strong>sumir cargos de direção no<br />
Serpro, o Comte (IM) Antônio Bernardino de Carvalho e o Comte<br />
(IM) Thomaz Edison Goulart do Amarante.<br />
Esses Oficiais, com grande experiência de processamento de<br />
dados, gerência de projetos e de implantação de técnic<strong>as</strong> de planejamento<br />
com o Plano Diretor, juntamente com vários outros que<br />
saíram da Marinha para trabalhar nessa nova atividade – entre eles<br />
são mencionados o Comte (FN) José Danilo Silvestre Fernandes, e os<br />
1T (IM) RNR Augusto Dolher do Carmo e Gilson Leal Barbosa – foram<br />
os impulsionadores do crescimento e pujança atual do Serpro.<br />
Ainda com relação ao Serpro, responsável pela administração<br />
dos sistem<strong>as</strong> de TI do Ministério da Fazenda, deve ser especialmente<br />
citado o Centro de Informações Econômico-Fiscais (CIEF). Trata-se<br />
de um sistema que opera uma imensa b<strong>as</strong>e de dados, hoje apoiada<br />
nos computadores de maior capacidade instalados no Br<strong>as</strong>il, onde<br />
são concentrad<strong>as</strong> e cruzad<strong>as</strong> <strong>as</strong> informações de caráter fiscal de<br />
empres<strong>as</strong> e pesso<strong>as</strong> físic<strong>as</strong>, dando suporte ao governo federal na<br />
arrecadação e na formulação de polític<strong>as</strong> econômic<strong>as</strong>.<br />
Na f<strong>as</strong>e inicial de formação do CIEF, a participação dos Oficiais<br />
e técnicos oriundos da Marinha que optaram em trabalhar em<br />
informática foi muito intensa. O Comte Edison, anteriormente<br />
mencionado, mesmo enquanto no Serviço Ativo e por determinação<br />
dos Ministros da Marinha à época, colaborou durante muitos anos<br />
com o Serpro, na qualidade de <strong>as</strong>sessor especial. Nesse período foi<br />
implantado um documento único para controlar a arrecadação, o<br />
conhecido DARF, que contou com a sua <strong>as</strong>sessoria na concepção do<br />
layout. Esse documento, depois adotado nos estados e nos municípios,<br />
propiciou o controle individualizado de cada recolhimento de<br />
impostos e tax<strong>as</strong> pelos cidadãos e empres<strong>as</strong>. O DARF, <strong>as</strong>sociado aos<br />
cad<strong>as</strong>tros de contribuintes, é essencial também para o cruzamento<br />
de informações sobre arrecadação.<br />
Notíci<strong>as</strong> veiculad<strong>as</strong> na internet dão conta de que:<br />
“A Receita Federal p<strong>as</strong>sou a contar com o T-Rex, um supercomputador<br />
que leva o nome do dev<strong>as</strong>tador Tiranossauro rex, e o<br />
software Harpia, ave de rapina mais poderosa do país, que teria até<br />
470 roda linux, um dos quinze maiores computadores do mundo, atualmente
a capacidade de aprender com o ‘comportamento’ dos contribuintes<br />
para detectar irregularidades. O programa vai integrar <strong>as</strong> secretari<strong>as</strong><br />
estaduais da Fazenda, instituições financeir<strong>as</strong>, administrador<strong>as</strong> de<br />
cartões de crédito e os cartórios.”<br />
Com certeza tal poder de verificação, essencial para o Estado,<br />
m<strong>as</strong> intimidador para os cidadãos, não deixa de ser uma ferramenta<br />
importante no combate à sonegação.<br />
Esperamos que contribua para ser possível um real alívio na<br />
carga fiscal, em futuro não muito remoto. Sem a b<strong>as</strong>e montada<br />
pelo Serpro e seus colaboradores iniciais, muitos da Marinha, não<br />
se teria chegado a tal grau de sofisticação.<br />
Ainda no âmbito do governo federal, a produção de estatístic<strong>as</strong><br />
se ressentia, no final da década de 1960, de um órgão que tivesse<br />
flexibilidade e permitisse tornar os censos mais ágeis, com seus<br />
resultados processados com maior segurança e rapidez.<br />
Para tal, em 1973 foi criada a Fundação IBGE na estrutura do<br />
Ministério do Planejamento, de grande importância e respeitabilidade.<br />
Essa Fundação também contou com<br />
Oficiais de Marinha na montagem da estrutura<br />
informatizada, entre eles o CT (IM)<br />
Hidelberto Gonçalves Tavares, estudioso de<br />
Matemática, estatística e processamento de<br />
dados, e conhecido pelos seus amigos na<br />
Marinha, da Turma Elmo, como “Sinésio”,<br />
em alusão ao Professor Sinésio de Fari<strong>as</strong>,<br />
autor do livro Curso de Álgebra, muito<br />
familiar aos que faziam concursos para <strong>as</strong><br />
escol<strong>as</strong> militares na década de 1950.<br />
O IBGE adquiriu os mais modernos<br />
equipamentos então existentes e hoje é motivo<br />
de orgulho dos br<strong>as</strong>ileiros, tendo seus<br />
trabalhos muita credibilidade, pela abrangência<br />
e metodologia de pesquisa desenvolvida.<br />
Sempre com o suporte de atualizados<br />
sistem<strong>as</strong> de hardware e software.<br />
No que diz respeito às iniciativ<strong>as</strong> no setor privado da economia, a<br />
partir da década de 1960 os Oficiais saídos da Marinha, muitos deles recrutados<br />
pela IBM, p<strong>as</strong>saram a atuar como representantes técnicos (RT),<br />
tendo contato com grandes empres<strong>as</strong> nacionais e multinacionais.<br />
No final dos anos 60 era grande a carência de pessoal especializado<br />
em Processamento Eletrônico de Dados (PED), com conhecimento<br />
da programação dos novos computadores e de técnic<strong>as</strong> de<br />
análise e projetos de sistem<strong>as</strong>. Por esse motivo, alguns migraram<br />
para empres<strong>as</strong> clientes da IBM, ou criaram su<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de consultoria<br />
ou de “bureau de serviços”.<br />
O mercado necessitava e havia pouca disponibilidade de técnicos,<br />
principalmente pela falta de formação regular. Essa deficiência só<br />
p<strong>as</strong>sou a ser sanada, com a criação dos cursos de programação,<br />
análise de sistem<strong>as</strong> e os de tecnólogos de processamento de dados,<br />
no Rio de Janeiro, por iniciativa da PUC, da UFRJ e da Petrobr<strong>as</strong>,<br />
<strong>as</strong>sim como em São Paulo, através da USP e Unicamp.<br />
Na Marinha o IPDIM, órgão responsável pela condução d<strong>as</strong><br />
atividades de processamento de dados, preocupado com a demanda<br />
decorrente da expansão da informática não suprida adequadamente<br />
por especialist<strong>as</strong>, tomou a iniciativa de propor um Curso<br />
de Formação de Técnicos em Análise de Sistem<strong>as</strong> (CESTASPDO)<br />
que teve como primeiro encarregado, o Comte (IM) Túlio Cícero<br />
Cavalcante de Albuquerque.<br />
A partir de 1980 é que começaram a se multiplicar, principalmente<br />
n<strong>as</strong> capitais dos estados, os cursos específicos de informá-<br />
tica, que formaram gerações de técnicos nos mais diversos níveis.<br />
Atualmente, são b<strong>as</strong>tante comuns os cursos de informática para a<br />
terceira idade. Mais um sinal da importância da informática, ou TI,<br />
para a sociedade br<strong>as</strong>ileira!<br />
Logicamente, sendo então um mercado com restrição na<br />
oferta de mão de obra especializada, houve estímulos para que<br />
Oficiais do Corpo de Intendentes da Marinha, familiarizados há<br />
muito com o <strong>as</strong>sunto, nele encontr<strong>as</strong>sem um nicho importante<br />
para atuação, como técnicos, consultores e empreendedores, à<br />
medida que saíam do Serviço Ativo.<br />
As <strong>décad<strong>as</strong></strong> de 1970 e de 1980 foram ric<strong>as</strong> nesse tipo de<br />
experiência!<br />
Inúmer<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de consultoria em análise de sistem<strong>as</strong><br />
foram criad<strong>as</strong> nesse período, <strong>algum<strong>as</strong></strong> del<strong>as</strong> por Oficiais oriundos<br />
da Marinha e ainda prestando serviços reconhecidos como<br />
excelentes pelos seus clientes.<br />
Para ficar em apen<strong>as</strong> alguns exemplos, uma vez que seria difícil<br />
fazer pesquis<strong>as</strong> n<strong>as</strong> Junt<strong>as</strong> Comerciais ou nos<br />
Cartórios de Registro de Pesso<strong>as</strong> Jurídic<strong>as</strong>,<br />
além de inadequado a um artigo que pretende<br />
ser o mais sucinto possível, o autor p<strong>as</strong>sa a<br />
relatar alguns c<strong>as</strong>os vitoriosos.<br />
Em 1970, o CT (IM) Alberto Machado<br />
Corrêa Netto, recém-saído do Serviço<br />
Ativo, e o Comte (IM) Antônio Bernardino<br />
de Carvalho ex-diretor do Serpro, se<br />
juntaram a outros Oficiais e fundaram<br />
uma sociedade civil, voltada b<strong>as</strong>icamente<br />
para análise e projeto de sistem<strong>as</strong>. Como a<br />
sociedade civil então formada não detinha<br />
imóveis, máquin<strong>as</strong> e equipamentos, o seu<br />
capital era representado pela experiência<br />
e, porque não dizer, pela inteligência dos<br />
seus <strong>as</strong>sociados e consultores.<br />
Essa sociedade civil foi denominada<br />
PPS – Planejamento, Projetos, Sistem<strong>as</strong>, e contou inicialmente,<br />
além dos diretores acima mencionados, com os Comtes José Maria<br />
Teixeira da Cunha Sobrinho (um dos seus idealizadores), Nilo<br />
Mendes Figueiredo, Edison José Ribeiro, Sérvio Gama de Almeida,<br />
e com o autor deste artigo, que teve o privilégio de conviver com<br />
esta plêiade de mentes criativ<strong>as</strong>.<br />
Este grupo, além de ter técnicos de alto nível, foi reforçado por<br />
inúmeros outros consultores, entre os quais se ressaltam: os Comtes<br />
(IM) José Eduardo Amaral de Sá, José Carlos Sette Ferreira Pires,<br />
Luiz Vicente Franco, Jiro Kaw<strong>as</strong>e, o Ten (IM) Gilson Leal Barbosa<br />
e Ten (CA) Jorge Araújo (atualmente professor da Escola <strong>Naval</strong>).<br />
No decorrer d<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong> de 1970 e de 1980, foram desenvolvidos<br />
e implantados diversos sistem<strong>as</strong>, além de treinamento do pessoal<br />
d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> contratantes.<br />
No anuário CWB de Informática, anos 1988/1989, a PPS está<br />
catalogada como “Software House”, com menção aos diversos<br />
sistem<strong>as</strong> nela desenvolvidos, em especial n<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de patrimônio,<br />
livros fiscais, atendimento médico, controle acadêmico, mala direta,<br />
contabilidade, entre outros.<br />
Ainda na década de 1970, alguns Oficiais também oriundos da Marinha,<br />
entre os quais os CT (IM) Haroldo Medeiros Duarte, e Roberto<br />
Ricardo Calazans Tavares fundaram a empresa Interdata que, além<br />
de prestar serviços de análise, projeto, implantação e treinamento de<br />
pessoal para <strong>as</strong> atividades de PED, montou um “bureau de serviços”,<br />
que continua atendendo à própria empresa e a diversos clientes.<br />
Essa empresa se consolidou no mercado e presta serviços especializados<br />
de TI para administrador<strong>as</strong> de cartões de crédito, imóveis,<br />
entre outr<strong>as</strong> atividades que requerem grandes bancos de dados.<br />
A Interdata também consta do anuário CWB de Informática<br />
1988/1989 como “software house”.<br />
M<strong>as</strong> não só como empresários os Oficiais que saíram da<br />
Marinha para se dedicarem à TI foram de grande influência no<br />
seu desenvolvimento.<br />
Muitos se firmaram na IBM, com carreir<strong>as</strong> brilhantes. Entre eles:<br />
Comte (IM) Vinício La Maison Buschmann, CT (CA) Hélio Paes, CT<br />
(CA) João Luiz Volmmer Motta Paes Ten (IM) Roberto Vidal Lameiro,<br />
Ten (IM) Gustavo Rib<strong>as</strong> da Gama Lima, o Ten (IM) Eduardo Mello<br />
Barbieri. Deve ser mencionado também o Comte (IM) Paulo Arivaldo<br />
de Aragão Filho, especialista em controle e gestão usando técnic<strong>as</strong> de<br />
informática e de Plano Diretor, que se dedicou a aplicar seus conhecimentos<br />
nos municípios do Br<strong>as</strong>il, ao se retirar do Serviço Ativo.<br />
A Datamec, empresa que presta serviços à CEF, também contou<br />
com Oficiais da Marinha, entre eles<br />
o Comte (FN) Roberto Berlinck Ramos.<br />
Sendo empresa praticamente estatal, sua<br />
diretoria era política, m<strong>as</strong> mesmo <strong>as</strong>sim,<br />
o autor deste artigo no ano de 1984 teve<br />
a honra de compor uma lista de possíveis<br />
presidentes. Foi escolhido um dirigente do<br />
PTB no estado do Rio.<br />
Outros, ao se retirarem do Serviço<br />
Ativo, especializaram-se em auditoria e<br />
segurança em TI, entre os quais podem<br />
ser lembrados: Comte (CA) Gabriel de<br />
Almeida, com intensa participação em<br />
congressos nacionais e internacionais de<br />
TI, bem como em cursos especiais, relacionados<br />
com a segurança n<strong>as</strong> atividades<br />
de informática; Comte (IM) Roberto de<br />
C<strong>as</strong>tro Filho, que foi diretor da empresa<br />
Price Watherhouse e Coopers de auditoria e o Comte (IM) José<br />
Augusto Vieira, consultor de vári<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> sobre auditoria em<br />
sistem<strong>as</strong> de TI, atualmente na Dataprev.<br />
Com o advento dos micros, <strong>as</strong> planilh<strong>as</strong> de aplicativos foram<br />
adaptad<strong>as</strong> e largamente difundid<strong>as</strong>. P<strong>as</strong>sou-se então da f<strong>as</strong>e de desenvolvimento<br />
de program<strong>as</strong> aplicativos, para a nova situação em que<br />
para qu<strong>as</strong>e todo tipo de necessidade havia um software disponível<br />
no mercado, inúmeros desenvolvidos por empres<strong>as</strong> nacionais.<br />
Comercializado pela Microsoft, um dos softwares mais utilizados<br />
tem sido o Excel. Dois Oficiais oriundos da Marinha são considerados<br />
experts no uso do Excel, com brilhante sucesso na sua utilização<br />
n<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> e entidades por onde p<strong>as</strong>saram: os Comtes (IM) Jiro<br />
Kaw<strong>as</strong>e e Nelson Br<strong>as</strong>ileiro de Medeiros, ambos prestando inestimável<br />
colaboração ao <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, e também ao querido Flamengo,<br />
no c<strong>as</strong>o do Comte Br<strong>as</strong>ileiro.<br />
Como exemplo de elevado conhecimento técnico, merece ser<br />
narrado um fato ocorrido na antiga Sunamam. Em 1987, o Comte<br />
(IM) João Luiz Carneiro Cerqueira era o seu Diretor Financeiro e<br />
solicitou ao autor deste artigo, à época Diretor de Informática, que<br />
pesquis<strong>as</strong>se e adquirisse um desses softwares – a planilha Lotus –<br />
para uso na sua diretoria. Cerca de um mês após a compra, liga o<br />
dono da empresa de software para o Diretor de Informática. O propósito<br />
do telefonema era pedir desculp<strong>as</strong> e solicitar paciência, pois<br />
o Comte Carneiro havia levantado questões tão importantes e de tal<br />
complexidade, que ele pediu à matriz nos EUA que envi<strong>as</strong>se um dos<br />
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técnicos desenvolvedores do programa para tentar esclarecer.<br />
Os Oficiais da Marinha trabalharam também na Aviação Civil!<br />
Na então chamada ARSA (Aeroportos do Rio de Janeiro S/A),<br />
foi criado e implantado um sistema de automação para o Aeroporto<br />
do Galeão, pelo CT (CA) Roberto Antônio L<strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> Bruce, quando<br />
dirigiu o seu Departamento de Informática.<br />
O Comte (IM) Osmar Boavista da Cunha Júnior, e o Comte (CA)<br />
Luiz Fernando Melo de Almeida, em dat<strong>as</strong> posteriores também<br />
dirigiram o Departamento de Informática da ARSA.<br />
N<strong>as</strong> telecomunicações e teleprocessamento de dados<br />
Em 1962, segundo dados da Telebrás, havia no país 1.326.000<br />
linh<strong>as</strong> telefônic<strong>as</strong> instalad<strong>as</strong>. Hoje em dia, contando os aparelhos<br />
celulares temos praticamente uma linha para cada habitante!<br />
Além d<strong>as</strong> linh<strong>as</strong> telefônic<strong>as</strong>, o uso da banda larga e da internet<br />
tem crescido vertiginosamente no Br<strong>as</strong>il, sendo a opinião dos especialist<strong>as</strong><br />
que muito ainda há para se expandir.<br />
No entanto, poucos br<strong>as</strong>ileiros sabem<br />
o longo caminho percorrido até se chegar<br />
a este ponto. “Com b<strong>as</strong>e na reconstituição<br />
d<strong>as</strong> ações que precederam a implantação da<br />
internet no Br<strong>as</strong>il, o artigo tem por objetivo<br />
demonstrar que, como em toda inovação<br />
tecnológica, sua expansão/apropriação é<br />
o resultado de um processo mais longo<br />
do que transparece para o grande público<br />
(...) No país, dependendo de quem fala, <strong>as</strong><br />
estimativ<strong>as</strong> variam de 450 mil a 1 milhão.<br />
Esta incerteza, porém, não parece ser um<br />
problema; acredita-se que a constituição<br />
da clientela da rede também chamada ‘comunidade<br />
virtual’ está apen<strong>as</strong> começando<br />
e que, portanto, esses números só tendem a<br />
crescer num ritmo cada vez mais rápido.”<br />
As citações acima são do excelente artigo,<br />
de 1997, “Redes técnic<strong>as</strong>/redes sociais: a pré-história da Internet no<br />
Br<strong>as</strong>il”, autoria de Tamara Benakouche, disponível para consulta e<br />
leitura na internet.<br />
Na realidade, muitos fatos precederam o estágio atual que foi<br />
alcançado. Mesmo a ampla e ousada privatização d<strong>as</strong> telecomunicações,<br />
que independentemente do ponto de vista de cada um<br />
trouxe mais investimentos para o setor a partir de 1998, não teria<br />
sido possível sem a b<strong>as</strong>e anteriormente formada, para o que os<br />
Oficiais da Marinha contribuíram de forma inequívoca, com se<br />
procurará mostrar a seguir.<br />
Entre <strong>as</strong> providênci<strong>as</strong> que precederam o “boom” d<strong>as</strong> telecomunicações,<br />
merecem ser destacad<strong>as</strong>:<br />
• aprovação do Código Br<strong>as</strong>ileiro de Telecomunicações em 1962;<br />
• criação em julho de 1972 da Telebrás;<br />
• fundação em setembro de 1965 da Embratel, que adquiriu a Companhia<br />
Telefônica Br<strong>as</strong>ileira, e instalou em março de 1966 em Tanguá,<br />
RJ, a primeira estação terrestre de comunicação via satélite;<br />
• implantação pela Telebrás e Embratel, em 1984 da Renpac,<br />
rede de telecomunicações que opera o Sistema de Comunicação<br />
de Dados por Comutação de Pacotes. Na época com a incrível capacidade<br />
de transmitir 512 bytes, à velocidade de 56.000 bits por<br />
segundo (BPS)! A Renpac pode ser considerada como a precursora da<br />
internet, e ainda hoje é comercializada pela Embratel, para empres<strong>as</strong><br />
que necessitam de transmissão de grandes arquivos;<br />
• criação em 1980 da rede Transdata.
Esse conjunto de medid<strong>as</strong> formou a b<strong>as</strong>e para o desenvolvimento<br />
da telefonia, e sua conjugação com a informática foi responsável<br />
pelo surgimento no Br<strong>as</strong>il da então chamada telemática.<br />
Pode-se dizer que tudo isso foi possível em grande parte graç<strong>as</strong><br />
ao Comte (CA) Euclides Quandt de Oliveira, que a partir de 1970<br />
colocou seu dinamismo e visão de futuro n<strong>as</strong> telecomunicações do<br />
país a serviço do Contel, da Telebrás e da Embratel, especialmente<br />
no período em que foi Ministro d<strong>as</strong> Comunicações (1974 a 1979).<br />
O Comte Quandt, apesar da sua capacidade, sempre foi consciente<br />
de que não poderia fazer tudo sozinho. Inteligentemente,<br />
buscou se cercar de uma equipe de técnicos excepcionais tanto<br />
em telecomunicações, quanto em administração, e que fossem<br />
igualmente devotados ao bem público como ele.<br />
Apen<strong>as</strong> para exemplificar, serão mencionados dois membros<br />
daquela equipe, por serem também Oficiais da Marinha e <strong>as</strong>sim<br />
caberem no espírito que norteia este artigo.<br />
Um deles é o Comte (EN) Luiz de Oliveira Machado<br />
que, a partir de 1972, foi um dos pioneiros na Telebrás.<br />
P<strong>as</strong>sou posteriormente para a iniciativa privada, onde<br />
teve muito sucesso. Foi escolhido o Executivo do Ano em<br />
Telecomunicações em 1997. Outro que cabe ser citado é o<br />
CC (IM) Henrique da Costa Ferreira Filho, especializado<br />
em ab<strong>as</strong>tecimento, catalogação e controle de material, que<br />
teve também intensa atuação na Telebrás a partir de 1977,<br />
quando deixou o Serviço Ativo.<br />
Na luta para difundir a informática<br />
Neste tópico, podemos verificar como a Marinha e<br />
seus Oficiais colaboraram para difundir e universalizar o<br />
uso e conhecimento dessa tecnologia. Como já dito anteriormente,<br />
nos primeiros tempos da informática pouco<br />
havia no Br<strong>as</strong>il, em termos de ensino formal. Também<br />
ess<strong>as</strong> atividades não eram regulamentad<strong>as</strong>, muito menos<br />
apoiad<strong>as</strong> por entidades de cl<strong>as</strong>se.<br />
Na Marinha, em 1966 pela primeira vez foi incluída na grade<br />
de matéri<strong>as</strong> ensinad<strong>as</strong> na Escola <strong>Naval</strong>, a cadeira de Processamento<br />
de Dados, substituindo a de Mecanização. Seu primeiro<br />
instrutor foi o Comte (IM) Michel Eli<strong>as</strong> Jorge, que atuou por<br />
30 anos no ensino de informática, e em 1972 publicou o livro<br />
de sua autoria Processamento de dados, adotado em cursos<br />
regulares e universidades do Rio de Janeiro.<br />
Paralelamente, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do<br />
Rio de Janeiro foi criado em 1966 o Rio Data Centro, voltado primordialmente<br />
para a computação científica e também apoiando<br />
os cursos de programação, análise de sistem<strong>as</strong>, tecnólogo de<br />
processamento de dados.<br />
Entre os Oficiais da Marinha que exerceram funções<br />
de professores e coordenadores na PUC não podem deixar<br />
de ser mencionados: o Comte (IM) Boavista, o Comte (CA)<br />
Mário Antônio Monteiro, <strong>as</strong>sim como o Ten (IM) Augusto Dolher<br />
do Carmo do IAG – Instituto de Administração e Gerência. Com<br />
mestrado e doutorado em informática, os Comtes Boavista e Mário<br />
Monteiro, se dedicaram à consultoria e ao ensino, na PUC e outr<strong>as</strong><br />
universidades, como a Estácio de Sá, <strong>as</strong>sim como em cursos regulares<br />
que vieram a ser criados.<br />
Mesmo nos tempos atuais, os Oficiais da Marinha contribuem<br />
para o ensino de informática, como é o c<strong>as</strong>o do Comte (IM) José<br />
Roberto de Souza Bl<strong>as</strong>chek, que deixou o Serviço Ativo em 1997,<br />
leciona na PUC e coordena projetos de TI pela UFRJ, através da Fundação<br />
Coppetec. Segundo depoimento do Comte Bl<strong>as</strong>chek, ainda na<br />
Marinha, trabalhou em diversos projetos ligados à informática, tais<br />
como: Sistema de Ab<strong>as</strong>tecimento da Marinha (Singra); Sistem<strong>as</strong> de<br />
Caixa de Economi<strong>as</strong> e Municiamento da DFM (Quaestor); Sistema<br />
de Pagamento no Exterior da Papem; Controle de Material também<br />
da DFM; Sistema de Controle de Seguros do SASM e Sistema de<br />
Controle de Auditori<strong>as</strong> da DCoM.<br />
Em 1981 foi lançado, pela Editora Campus, no Congresso Nacional<br />
da Sucesu daquele ano, o primeiro livro de programação, que<br />
abordou de forma acadêmica, m<strong>as</strong> b<strong>as</strong>tante acessível para os jovens<br />
que iniciavam a sua aventura no mundo dos microcomputadores.<br />
Este livro, cujo título era B<strong>as</strong>ic básico foi considerado um bestseller.<br />
Vendeu mais de 30 mil exemplares, em cinco edições, e é de<br />
autoria do engenheiro e professor Jorge da Cunha Pereira Filho,<br />
ex-aluno do Colégio e Escola Navais (1954 a 1957), Chefe de Cl<strong>as</strong>se<br />
da Turma de Oficiais Fuzileiros Navais formada em 1957, e que saiu<br />
cedo da Marinha para se dedicar à engenharia e à informática.<br />
Ainda na área de desenvolvimento do ensino, na década de<br />
1980, o Comte (IM) José Maria Sobrinho, um dos fundadores da<br />
empresa PPS, <strong>as</strong>sociou-se ao principal curso de informática em<br />
funcionamento na cidade de São Paulo, instalando no Rio de Janeiro<br />
a filial da Servimec de SP. A Servimec-Rio, durante alguns anos foi<br />
responsável por incontáveis turm<strong>as</strong> de programadores e analist<strong>as</strong><br />
de sistem<strong>as</strong> aptos a trabalharem com os micros e minis que eram<br />
lançados no mercado pela indústria nacional ou importados. Desfeita<br />
a parceria com o curso de São Paulo, o foco do empresário José<br />
Maria Sobrinho não foi desviado. Fundou a JMS – Informática, com<br />
sede no Rio de Janeiro e filial em São Paulo, montando uma rede de<br />
ensino de informática, com material didático próprio e instrutores<br />
especialmente treinados, que substituiu com muito sucesso a filial<br />
Rio da Servimec. O Comte José Maria Sobrinho, já considerado<br />
um líder empresarial, continuou contribuindo para a formação<br />
de pessoal, procurando acompanhar a evolução da informática, ao<br />
atualizar os cursos oferecidos ao mercado.<br />
A seguir será feita uma p<strong>as</strong>sagem pel<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> f<strong>as</strong>es em que<br />
foi projetada a ideia de se criar entidades de cl<strong>as</strong>se congregando <strong>as</strong><br />
empres<strong>as</strong> de informática, que foi iniciada no Rio de Janeiro.<br />
Já foi citada neste ensaio a Sociedade dos Usuários de Computadores<br />
e Equipamentos Subsidiários (Sucesu). A sua Seção do Estado<br />
da Guanabara organizou em 1968 o primeiro de subsequentes e cada<br />
vez mais concorridos Congressos Nacionais de Processamento de<br />
Dados, que contaram para a sua efetivação com a colaboração de<br />
Oficiais da Marinha. O congresso p<strong>as</strong>sou a ser realizado alternando<br />
a cada ano sua Sede entre <strong>as</strong> cidades do Rio de Janeiro e de São<br />
Paulo. Juntamente com o congresso eram montad<strong>as</strong> feir<strong>as</strong> de produtos<br />
de hardware e de software, muito concorrid<strong>as</strong> e procurad<strong>as</strong><br />
por empresários e pelo público interessado na nova tecnologia. A<br />
Marinha procurou sempre prestigiar os congressos, liberando seus<br />
Oficiais e técnicos para <strong>as</strong> palestr<strong>as</strong> sobre o tema informática e até<br />
designando equipes para representá-la nos eventos. A Sucesu, com<br />
representações n<strong>as</strong> principais capitais do país, ainda contribui para o<br />
acompanhamento da evolução da tecnologia da informação – TI.<br />
M<strong>as</strong> faltava uma entidade que represent<strong>as</strong>se <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> do setor!<br />
Em 1976 cinco empres<strong>as</strong> reuniram-se, du<strong>as</strong> del<strong>as</strong> dirigid<strong>as</strong> por<br />
antigos Oficiais da Marinha, e após inúmer<strong>as</strong> discussões, por consenso<br />
resolveram fundar a Assespro/RJ – Associação d<strong>as</strong> Empres<strong>as</strong><br />
de Processamento de Dados. A ideia inicial, bem como a liderança<br />
dos trabalhos foi do empresário de Informática Márcio Canavarro,<br />
que cedeu a sede da sua empresa para <strong>as</strong> inúmer<strong>as</strong> reuniões que<br />
precederam a deliberação final. A PPS, consultoria formada por<br />
antigos Oficiais da Marinha foi representada por um dos seus diretores,<br />
o Comte (IM) Carvalho, tendo também a participação do Ten<br />
(IM) Hilton Freit<strong>as</strong> Pinho, empresário do setor, e que veio a falecer<br />
prematuramente em plena campanha para deputado federal, indicado<br />
que fora pela comunidade de informática do estado do Rio<br />
de Janeiro. Para se ter uma ideia da visão do Ten Hilton, em 1980,<br />
ele já conjecturava sobre a grande rede da internet, <strong>as</strong>sim como<br />
com relação ao futuro da interatividade digital, hoje tão difundida<br />
e aplicada nos celulares e n<strong>as</strong> TVs digitais e a cabo. Participaram<br />
ainda da fundação do Assespro os empresários Benito Paret e<br />
Nelson Ichikawa. Com o dinamismo emprestado pel<strong>as</strong> empres<strong>as</strong><br />
que lutaram pela sua constituição, através dos seus diretores, a nova<br />
entidade teve sucesso imediato. Em poucos anos a <strong>as</strong>sociação adquiriu<br />
foro e âmbito nacional, e dando continuidade à sua influência<br />
no mercado, o Comte (IM) José Maria Sobrinho presidiu a Assespro/<br />
RJ em 1980 e a Assespro nacional de 1981 até 1983.<br />
Em 1988, foi fundado o Sindicato d<strong>as</strong> Empres<strong>as</strong> de Informática<br />
do RJ (Seprorj), atualmente presidido pelo empresário Benito Paret<br />
– um dos fundadores da Assespro, e que tem na sua diretoria atual<br />
um Oficial da Marinha, Ten (CA) Jorge Araújo. A Assespro continua<br />
prestando seus serviços, adaptando seu nome para Associação d<strong>as</strong><br />
Empres<strong>as</strong> Br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> de Tecnologia da Informação.<br />
As empres<strong>as</strong> produtor<strong>as</strong> de software são também representad<strong>as</strong><br />
pela Associação Br<strong>as</strong>ileira de Empres<strong>as</strong> de Software (Abes), fundada<br />
em 1986, na cidade de São Paulo. A Abes teve como um dos<br />
seus objetivos colaborar com a abertura do mercado br<strong>as</strong>ileiro de<br />
informática, meta atingida plenamente em 1992, com o advento do<br />
48 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 49<br />
governo Collor. Segundo essa <strong>as</strong>sociação, em 2009 o Br<strong>as</strong>il tinha<br />
um mercado interno para produtos de software estimado em US$<br />
15 bilhões, exportando US$ 363 milhões (coluna Conexão Global,<br />
O Globo edição do dia 6/7/2010).<br />
Fechando este tópico, não pode deixar de ter uma referência<br />
especial a participação do já citado empresário do setor de informática,<br />
Comte José Maria Sobrinho, quando da sua p<strong>as</strong>sagem pela<br />
Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). Tendo sido eleito<br />
para o Conselho Permanente de Informática de 1983 a 1987, sendo<br />
posteriormente Vice-Presidente da ACRJ, abriu <strong>as</strong> port<strong>as</strong> da Associação<br />
para os empresários discutirem a Reserva do Mercado de<br />
Informática, então ainda defendida pela SEI no âmbito do governo<br />
federal. O Conselho foi palco de incontáveis Ciclos de Palestr<strong>as</strong>, em<br />
que eram ouvidos os titulares d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> produtor<strong>as</strong> de hardware<br />
e software nacionais, <strong>algum<strong>as</strong></strong> del<strong>as</strong> considerando a Reserva intocável,<br />
<strong>as</strong>sim como os empresários que viam na Reserva um limitador<br />
para o seu desenvolvimento, e prejudicial ao crescimento do país.<br />
Este autor teve também o privilégio de participar do Conselho de<br />
Informática como Secretário, e ser testemunho do quanto foi importante<br />
e esclarecedor o embate naquele fórum tão especial.<br />
Conclusões<br />
Nos bancos escolares da Universidade de Ciênci<strong>as</strong> Econômic<strong>as</strong><br />
do Estado do Rio de Janeiro, os mestres ensinaram a este autor e a<br />
tantos quantos tiveram a oportunidade de estudar Macro e Microeconomia,<br />
que a capilaridade e o potencial d<strong>as</strong> micro, pequen<strong>as</strong> e<br />
médi<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, com sua capacidade de gerar emprego, inovar e<br />
atuar com mais flexibilidade nos diversos nichos do mercado, são os<br />
grandes responsáveis pelo desenvolvimento de uma nação. As grandes<br />
e mega empres<strong>as</strong> pesam no contexto, m<strong>as</strong> na realidade não representam<br />
a maior fatia do Produto Interno Bruto. No setor de TI, são<br />
milhares e milhares de empreendimentos, estimulados pelo “boom”<br />
d<strong>as</strong> telecomunicações, e d<strong>as</strong> inovações tecnológic<strong>as</strong> que surgem de<br />
maneira vertiginosa, especialmente a partir do início deste século XXI<br />
em que vivemos. Tudo isto somado à globalização e potencializado<br />
pela velocidade com que <strong>as</strong> novidades são divulgad<strong>as</strong> em um mundo<br />
cada vez mais digitalizado. No Br<strong>as</strong>il não poderia ser diferente. O<br />
empreendorismo na área de TI é fabulosamente rico e variado. Com<br />
a globalização, um produto lançado no mercado é imediatamente absorvido,<br />
gerando em seu entorno uma infinidade de nov<strong>as</strong> aplicações,<br />
e naturalmente mais empres<strong>as</strong> e empregos para o país.<br />
Seria uma tarefa hercúlea tentar quantificar o volume de faturamento,<br />
e o número de empres<strong>as</strong> ligad<strong>as</strong> à TI no mercado br<strong>as</strong>ileiro.<br />
O cumprimento dessa tarefa é perseguido pel<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> <strong>as</strong>sociações<br />
ligad<strong>as</strong> à TI, m<strong>as</strong> altamente dificultado pela mistura e complexidade<br />
d<strong>as</strong> atividades que compõem o amplo espectro dessa tecnologia,<br />
que vai desde o microempresário que leva seus serviços pessoais às<br />
empres<strong>as</strong> de maior porte até <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> multinacionais e os grandes<br />
grupos nacionais, atuantes no “mundo digitalizado”. Todos são<br />
personagens de uma história, que, como se procurou demonstrar<br />
neste artigo, no Br<strong>as</strong>il começou na primeira metade do século XX.<br />
Mais do que tudo, contou com intensa participação da Marinha do<br />
Br<strong>as</strong>il e dos seus abnegados Oficiais, que foram dominados pela<br />
“cachaça” que é o trabalho em TI, expressão tirada do rótulo de<br />
uma pequena moringa de barro que foi distribuída no Congresso<br />
de Informática de 1984 da Sucesu, contendo excelente aguardente<br />
com o título: “INFORMÁTICA, A NOSSA GRANDE CACHAÇA”.<br />
Como foi dito anteriormente, a refrega Reserva de Mercado x<br />
Abertura, foi intensa n<strong>as</strong> du<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong> do século XX. M<strong>as</strong>,<br />
com isenção pode-se afirmar que os dois lados foram importantes
para se atingir o estágio atual. Se não tivesse havido o patriotismo<br />
dos pioneiros, muitos deles da Marinha do Br<strong>as</strong>il, que lançaram<br />
<strong>as</strong> b<strong>as</strong>es para a indústria do hardware e do software apoiados pela<br />
proteção da Reserva, o Br<strong>as</strong>il não teria gerado m<strong>as</strong>sa crítica para<br />
enfrentar a concorrência d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> multinacionais, e lograr<br />
um mínimo de independência d<strong>as</strong> tecnologi<strong>as</strong> alienígen<strong>as</strong>. Do<br />
outro lado, sem a tenacidade dos empresários que, sentindo a necessidade<br />
de acesso às nov<strong>as</strong> tecnologi<strong>as</strong> que surgiam no mercado<br />
mundial, pugnaram pela abertura do mercado, talvez ainda estivéssemos<br />
em estágio muito inferior, ultrap<strong>as</strong>sados pelo “tsunami”<br />
d<strong>as</strong> inovações, lançad<strong>as</strong> em progressão exponencial, ou parados no<br />
tempo, dependendo do contrabando ou como se costumava dizer,<br />
dos “executivos de fronteira”. Para se ter uma ideia, valendo como<br />
amostragem, pois se b<strong>as</strong>eia em dados divulgados sobre <strong>as</strong> maiores<br />
empres<strong>as</strong> do Br<strong>as</strong>il, que logicamente, exclui milhares de micro,<br />
pequen<strong>as</strong> e médi<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, a revista Visão, na sua publicação<br />
Quem é Quem, dos anos de 1977 e 1980, ainda não dedicava um<br />
capítulo específico para <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de TI, ao divulgar os dados<br />
d<strong>as</strong> 200 maiores empres<strong>as</strong> do Br<strong>as</strong>il. Estavam el<strong>as</strong> inserid<strong>as</strong> no<br />
título “Máquin<strong>as</strong>, Aparelhos e Instrumentos para Escritórios”, com<br />
<strong>algum<strong>as</strong></strong> pouc<strong>as</strong> empres<strong>as</strong> multinacionais listad<strong>as</strong>. Como empresa<br />
nacional somente a Cobra – Computadores, Sistem<strong>as</strong> Br<strong>as</strong>ileiros<br />
S.A. apareceu na listagem de 1980.<br />
A edição especial da revista Exame, de 1983 dedica um capítulo<br />
exclusivo para a Informática, com dados comparativos 83/82. Entre <strong>as</strong><br />
500 maiores empresa do país, estão incluíd<strong>as</strong> 20 do Setor de Informática,<br />
dentre el<strong>as</strong>: IBM, Burroughs, HP,<br />
Olivetti, Xerox, NCR, estrangeir<strong>as</strong>, e<br />
Cobra, Elebra, Scopus, Labo, Microlab,<br />
Edisa, nacionais. Consulta ao balanço<br />
anual da Gazeta Mercantil, publicado<br />
em novembro de 1994, constata que<br />
são listad<strong>as</strong> 27 empres<strong>as</strong>, separad<strong>as</strong><br />
em fabricantes de computadores e de<br />
periféricos; 15 empres<strong>as</strong> de software;<br />
6 consultori<strong>as</strong> e 20 “birôs” privados,<br />
além de empres<strong>as</strong> de comunicações<br />
de dados, automação industrial, centrais<br />
telefônic<strong>as</strong> e telecomunicações<br />
divers<strong>as</strong>. Não elabora um “ranking”<br />
geral, m<strong>as</strong> faz um retrato b<strong>as</strong>tante<br />
consistente do setor de TI. As principais<br />
empres<strong>as</strong> nacionais citad<strong>as</strong> são:<br />
Cobra, Itautec. Medidata, Sisco, Elebra,<br />
Racimec, Proceda, Software de B<strong>as</strong>e,<br />
Progresso, e Cetil Informática.<br />
Verifica-se um notável progresso<br />
de 1977 para 1994, pela simples<br />
constatação do número de empres<strong>as</strong><br />
e a nítida separação da informática<br />
em vários subtítulos, já livre do título<br />
genérico de 1977!<br />
Chegamos finalmente ao ano de<br />
2010!<br />
Ainda com a ressalva deste autor,<br />
de não abranger <strong>as</strong> micros, pequen<strong>as</strong> e<br />
médi<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, a edição especial da<br />
revista Exame, publicada em julho de<br />
2010, se refere à TI como “Mundo Digital”.<br />
Dedica um capítulo para analisar<br />
<strong>as</strong> 50 maiores empres<strong>as</strong> do setor, tod<strong>as</strong> el<strong>as</strong> listad<strong>as</strong> n<strong>as</strong> 1.000 maiores<br />
do Br<strong>as</strong>il. Como o titulo sugere, engloba <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de software e<br />
de hadware de todo o espectro abrangido pela TI. Entre <strong>as</strong> empres<strong>as</strong><br />
ali incluíd<strong>as</strong> estão: Cobra, Scopus, Intel, IBM, Positivo, Terra, Nortel,<br />
Serpro, Itautec, Google, Sony, Prodesp, Totvs, HP, Motorola.<br />
Para se ter uma ideia do potencial est<strong>as</strong> 50 empres<strong>as</strong>, no ano de<br />
2009, junt<strong>as</strong> tiveram um faturamento total equivalente a 39.284,80<br />
milhões de dólares americanos! Ressalte-se que d<strong>as</strong> 50 apen<strong>as</strong> 8 (oito)<br />
sofreram redução em su<strong>as</strong> vend<strong>as</strong> em relação a 2008, mesmo diante<br />
da séria crise financeira internacional. Comparando o número de<br />
2009, acima mencionado, com 1976 no qual <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> incluíd<strong>as</strong> no<br />
título Informática e Material de Escritório, tiveram um faturamento<br />
total equivalente a 840,8 milhões de dólares americanos, houve um<br />
fortíssimo incremento. Deve ser ressaltado que <strong>algum<strong>as</strong></strong> empres<strong>as</strong><br />
multinacionais como a IBM não divulgavam os seus resultados financeiros<br />
para <strong>as</strong> pesquis<strong>as</strong>, o que não acontece atualmente.<br />
Ainda para fins de comparação com os números de 2010, em fevereiro<br />
de 1986 a Secretaria Especial de Informática do Ministério da<br />
Ciência e Tecnologia, cujo Secretário Executivo era o Comte José Ezil<br />
Veiga da Rocha, fez um excelente diagnóstico da informática no Br<strong>as</strong>il,<br />
com o título Perfil da informática na Administração Pública federal.<br />
N<strong>as</strong> su<strong>as</strong> págin<strong>as</strong> 32 a 34 são divulgad<strong>as</strong> estatístic<strong>as</strong> de importação do<br />
setor de informática, detalhado por aplicação, nos anos de 1983/84/85.<br />
Os dados estatísticos abrangem os governos municipais, estaduais e<br />
federais, bem como no setor privado. Os totais d<strong>as</strong> importações podem<br />
ser <strong>as</strong>sim resumidos, (valores expressos em US$ 1,00):<br />
LOBO<br />
Federal 100.473.656 Estadual 28.510.457 Municipal 49.240 Setor<br />
Privado 311.075.619 Totalizando 440.108.972 no ano de 1983.<br />
Federal 105.006.009 Estadual 15.968.492 Municipal 628.688 Setor<br />
Privado 483.640.300 Totalizando 605.243.483 no ano de 1984.<br />
Federal 142.378.627 Estadual 51.871.541. Municipal 1.818.312 Setor<br />
Privado 443.822.150 Totalizando US$ 639.690.630,00 no ano de 1985.<br />
Nos resumos estatísticos apresentados anteriormente, pode ser<br />
observado que de 1983 a 1985, não houve variações consideráveis,<br />
muito embora o total geral tenha crescido cerca de 45%. Pode-se<br />
ressaltar, sem medo de incorrer em erro, que a evolução ocorrida no<br />
setor de tecnologia da informação se deve a três fatores principais:<br />
• a b<strong>as</strong>e instalada na indústria local (hardware, software e<br />
teleprocessamento), fruto do esforço dos pioneiros, muitos deles<br />
da Marinha do Br<strong>as</strong>il;<br />
• a posterior abertura do mercado de informática;<br />
• a dinâmica de crescimento do setor de tecnologia da informação,<br />
que abriu milhares de oportunidades para <strong>as</strong> empres<strong>as</strong><br />
nacionais, complementad<strong>as</strong> pela importação, de forma a atender à<br />
demanda estimulada pelo crescimento do país.<br />
Podemos considerar que o saldo é amplamente positivo, os<br />
números não mentem!<br />
Ao se falar de TI, não pode deixar de ser mencionado o tema<br />
do momento: “cloud computing”, isto é computação n<strong>as</strong> nuvens.<br />
Preocupad<strong>as</strong> com os investimentos para manter imensos bancos<br />
de dados em equipamentos servidores exclusivos, principalmente<br />
quando os volumes de dados têm característic<strong>as</strong> sazonais, foi<br />
desenvolvida a ideia de usar uma rede de servidores tipo internet,<br />
trabalhando em paralelo e sem exclusividade, onde <strong>as</strong> capacidades<br />
de armazenamento são compartilhad<strong>as</strong>. No entanto, é sabido que<br />
uma vez colocad<strong>as</strong> em rede, <strong>as</strong> informações são p<strong>as</strong>síveis de violação<br />
no que se refere a sua segurança. Já dizia Bill Gates, o fundador da<br />
Microsoft, em seu livro A estrada do futuro, que para se ter completa<br />
certeza de que uma informação transmitida estaria completamente<br />
segura, seria necessário usar um algoritmo b<strong>as</strong>eado em números<br />
primos de tal ordem, que o processamento praticamente se tornaria<br />
inviável, por ser muito lento e oneroso!<br />
Nossos filhos e netos, acostumados que estão ao uso dos computadores<br />
pessoais, muit<strong>as</strong> vezes se esquecem de que os chamados “mainframes”,<br />
ainda são necessários. Confirmando essa afirmação, notícia do<br />
jornal O Globo, de 27/7/2010, coluna Conexão Global, dá conta de que<br />
a IBM comemora o lançamento do “zEnterprise System”. Segundo o<br />
titular da coluna citada, Nelson V<strong>as</strong>concelos: “...com os smartphones,<br />
dando conta de qualquer recado, pode parecer anacrônico falar em<br />
mainframes – m<strong>as</strong> quem move a humanidade são eles...”<br />
Ao concluir este despretensioso artigo, <strong>algum<strong>as</strong></strong> considerações<br />
importantes.<br />
A influência dos Oficiais da Marinha que se dedicaram à informática<br />
não ficou restrita aos <strong>as</strong>pectos até aqui abordados. Como mencionado<br />
na seção II, por ser o Serviço de Intendência da Marinha um dos<br />
primeiros setores a se valer da informática, foi natural que entre 1960<br />
e 1980 houvesse uma participação mais ativa dos Oficiais Intendentes<br />
no processo, bem como na sua disseminação na sociedade civil.<br />
Os Oficiais Generais que dirigiram a então Diretoria de Intendência<br />
da Marinha, ao darem seu apoio ao desenvolvimento da informática<br />
tiveram uma visão de futuro. Simbolizando o reconhecimento dessa<br />
atuação, este autor menciona alguns desses antigos Diretores, sob<br />
cujo Comando teve a honra de servir na Marinha: VA (IM) Arnoldo<br />
H<strong>as</strong>selmann Fairbairn; CA (IM) Jorge de Queiroz Combacau e VA (IM)<br />
Estanislau Façanha Sobrinho, que foi o seu último Comandante, antes<br />
de se retirar do Serviço Ativo da Marinha, no ano de 1976.<br />
50 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 51<br />
Quantos são os técnicos, programadores, analist<strong>as</strong>, gerentes de<br />
suporte e de treinamento, e gerentes de TI, que fazem parte da segunda<br />
e até mesmo da terceira geração dos aqui chamados de pioneiros? A semente<br />
da informática foi lançada em campo fértil, nos filhos, sobrinhos,<br />
netos e até nos filhos de amigos que não se envolveram diretamente<br />
com o <strong>as</strong>sunto. È uma corrente que não se quebrará nunca, por não ter<br />
elos fracos. Foi forjada no respeito às leis, no amor à pátria, à Marinha<br />
e no compromisso com o trabalho honesto e honrado. O lema da PPS,<br />
empresa de consultoria da qual este autor foi um dos colaboradores<br />
“Criatividade e Técnica, a Perfeição como Objetivo” se aplica adequadamente<br />
ao trabalho desenvolvido por todos.<br />
Agora perguntariam os leitores, afinal, o que é feito dos personagens<br />
desta história contada resumidamente, m<strong>as</strong> plena de<br />
belos exemplos?<br />
Eis <strong>algum<strong>as</strong></strong> respost<strong>as</strong>:<br />
Muitos já nos deixaram e estão no plano superior, com a certeza<br />
do dever cumprido; outros gozam de merecido descanso junto a seus<br />
familiares, dedicando-se a seus filhos, netos ou a algum hobby, contentes<br />
pela colaboração que deram ao país. Não ficaram milionários,<br />
pois que não é esse o objetivo dos que se dedicam com amor ao que<br />
fazem, sem pensar em negociat<strong>as</strong>, ou em vantagens não merecid<strong>as</strong>.<br />
Outros mais ainda continuam envolvidos com a “cachaça” que é a<br />
informática; e há os que agora se dedicam a uma segunda paixão,<br />
como a música, a literatura, <strong>as</strong> artes plástic<strong>as</strong>, o Flamengo e a Escola<br />
de Samba Portela, com a mesma proficiência.<br />
Para finalizar, o autor pede licença aos possíveis leitores para<br />
dedicar este artigo ao seu querido amigo Comte Edison José Ribeiro,<br />
muito justamente considerado por br<strong>as</strong>ileiros ligados à Administração<br />
Pública federal como um verdadeiro gênio, inovador que foi n<strong>as</strong><br />
prátic<strong>as</strong> de contabilidade, controle e gerenciamento d<strong>as</strong> finanç<strong>as</strong><br />
públic<strong>as</strong> usando a tecnologia da informação aliada à sistematização<br />
dos processos administrativos. Em outubro de 1970, a revista Cidades<br />
e Municípios publicou num encarte o trabalho de autoria do Comte<br />
Edison intitulado “Orçamento Programa”, no qual já explanava objetivamente<br />
nov<strong>as</strong> técnic<strong>as</strong> de gestão aplicáveis nos diversos níveis de<br />
governo. Isto é, há 40 anos, ele já antevia o que hoje se torna comum<br />
e mandatório em qualquer governo realmente sério!<br />
este ensaio foi escrito em outubro de 2010.<br />
bibliogRAFiA<br />
O autor se valeu de consult<strong>as</strong> a seus<br />
arquivos, contato pessoal ou por<br />
escrito com alguns personagens<br />
desta pequena história, e de leitur<strong>as</strong><br />
e pesquis<strong>as</strong> divers<strong>as</strong>, entre <strong>as</strong> quais:<br />
• A indústria de informática:<br />
tendênci<strong>as</strong> e oportunidades.<br />
Suma Econômica, 1989.<br />
• Perfil da informática na<br />
Administração Pública federal.<br />
Ministério da Ciência e<br />
Tecnologia, 1986.<br />
• Turma Elmo 1955/2005.<br />
Ney Dant<strong>as</strong>.<br />
• R<strong>as</strong>tro de cobra. Silvia Helena,<br />
internet.<br />
• A estrada do futuro. Bill Gates.<br />
• Núcleo de Memória da PUC-Rio.<br />
Internet.<br />
• Patinho Feio/Redetec. Prof.<br />
Antônio Hélio Guerra Vieira,<br />
internet.<br />
• Anuário CWB de Informática<br />
/88/89. Computerworld do Br<strong>as</strong>il.<br />
• Plano Diretor de Informática.<br />
Sunamam, 1986.<br />
- Págin<strong>as</strong> na Web da Assespro,<br />
Abes, Embratel, Telebrás e Seprorj.<br />
• Página na Web do Museu<br />
da Informática e Tecnologia da<br />
Informação (Miti).<br />
• Wikipédia.<br />
Transcrições e citações<br />
considerad<strong>as</strong> necessári<strong>as</strong> ao seu<br />
melhor entendimento foram<br />
incluíd<strong>as</strong> no texto, sendo <strong>as</strong> fontes<br />
devidamente indicad<strong>as</strong>.<br />
Sobre o autor<br />
Oficial Superior Reformado da<br />
Marinha do Br<strong>as</strong>il componente da<br />
Turma Elmo (1955/1957), bacharel<br />
em Ciênci<strong>as</strong> Econômic<strong>as</strong>, formado<br />
pela UERJ em 1968, Ex-diretor de<br />
empres<strong>as</strong> privad<strong>as</strong> e estatais,<br />
natural de Belo Horizonte - MG,<br />
onde n<strong>as</strong>ceu em 1938
navios da Mb<br />
NDCC<br />
AlmiRANtE<br />
SAboiA<br />
2 aNos de<br />
iNCorporação<br />
à mariNha do br<strong>as</strong>il<br />
CapiTão-de-CorveTa Wagner goularT de SouZa<br />
No próximo dia 21 de maio, o NDCC Almirante Saboia<br />
estará completando seu segundo ano na Marinha do<br />
Br<strong>as</strong>il. Construído pelo estaleiro R. & W. Hawthorn<br />
Leslie and Company Limited e lançado ao mar em<br />
julho de 1966, o NDCC Almirante Saboia foi adquirido<br />
na Inglaterra e incorporado em 21 de maio de 2009 à<br />
Marinha do Br<strong>as</strong>il pela Portaria nº 105/MB, de 23 de<br />
março de 2009, do Comandante da Marinha.<br />
Entre 1994 e 1998 o navio p<strong>as</strong>sou por um “programa de extensão<br />
da sua vida útil” (SLEP – Ship Life Extended Programme). Entre os<br />
diversos serviços realizados durante a modernização destacaram-se<br />
a introdução de uma seção de 12 metros; a substituição de grande<br />
parte d<strong>as</strong> chap<strong>as</strong> d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> viv<strong>as</strong>; uma completa alteração de sua<br />
superestrutura para uma de concepção mais moderna; a substituição<br />
dos dois motores da propulsão e do “Bow Thruster”, para<br />
propulsores mais potentes e modernos; e a substituição de cerca<br />
de 90% d<strong>as</strong> auxiliares.<br />
Após sua obtenção pela Marinha do Br<strong>as</strong>il (MB), o navio realizou<br />
extenso programa de obr<strong>as</strong> no estaleiro A & P Falmouth, no<br />
período de 24 de novembro de 2008 a 21 de maio de 2009, a fim<br />
de adaptá-lo aos requisitos da MB e revitalizá-lo para operação<br />
como Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) na<br />
Esquadra Br<strong>as</strong>ileira.<br />
O navio foi incorporado à Armada em 21 de maio de 2009, ainda<br />
na cidade de Falmouth, no Reino Unido, tendo realizado a travessia<br />
52 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 53<br />
para o Br<strong>as</strong>il no período de 23 de junho a 31 de julho de 2009. A<br />
cerimônia de p<strong>as</strong>sagem de subordinação para o setor operativo<br />
ocorreu em 6 de agosto de 2009.<br />
A missão do navio é “Realizar o transporte de carga e tropa,<br />
transbordos de pessoal, movimento navio-terra (MNT), por superfície<br />
ou helitransportado, abicagens e operações aére<strong>as</strong>, podendo ainda<br />
realizar, com restrições, lançamentos e recolhimentos de carros<br />
lagarta anfíbios (CLAnf), a fim de contribuir para a realização de<br />
operações anfíbi<strong>as</strong>, ribeirinh<strong>as</strong> e de apoio logístico móvel”.<br />
O navio possui ramp<strong>as</strong> na proa e a ré para embarque e desembarque<br />
de viatur<strong>as</strong> e pessoal, du<strong>as</strong> ramp<strong>as</strong> intermediári<strong>as</strong>, ligando<br />
o convés principal (Vehicle Deck) ao convés 3 (Tank Deck), um<br />
guind<strong>as</strong>te de 25t, dois de 8t e dois convoos. O convés 3 (Tank Deck)<br />
possui 124,50m de comprimento e 8m de largura útil para acondicionamento<br />
d<strong>as</strong> viatur<strong>as</strong> e carga geral.<br />
Desde a sua chegada ao Br<strong>as</strong>il, que ocorreu em 31 de julho de<br />
2009, o navio realizou importantes comissões, entre el<strong>as</strong> destacamse<br />
<strong>as</strong> comissões de ajuda humanitária às vítim<strong>as</strong> do terremoto no<br />
Haiti (HAITI VIII e HAITI X), ASPIRANTEX 2010 e 2011, operação ATLÂN-<br />
TICO II/2010, comissões de reab<strong>as</strong>tecimento/revitalização do Posto<br />
Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT V/2009 e POIT VI/2010) e<br />
comissões de familiarização/estágio dos diversos alunos dos Centros/<br />
Escol<strong>as</strong> de Formação de Oficiais e Praç<strong>as</strong> da MB, tais como: CIAW,<br />
CIABA, CIAA, EAMPE, EAMES e EAMCE.<br />
Ao nosso HIPPO da Esquadra, parabéns!!!
saúde<br />
DESAFio DiFíCil DE SER vENCiDo<br />
Maj-brig Méd riCardo l. de g. gerMano<br />
o raio X e<br />
a foto do pulmão<br />
Tabagismo é a doença crônica causada pela<br />
de um fumante<br />
dependência química e psicológica à nicotina.<br />
Sendo <strong>as</strong>sim, o não preenchimento da necessidade<br />
leva à sintomatologia orgânica e psicológica<br />
(síndrome de abstinência). Trata-se de aderência<br />
a uma droga que é aceita pela sociedade.<br />
A adição química à nicotina leva aproximadamente<br />
90 di<strong>as</strong> para ocorrer, e a memória química pode<br />
persistir por muitos anos.<br />
o<br />
tabaco é nativo d<strong>as</strong> Améric<strong>as</strong> e acredita-se que tenha<br />
começado a crescer nessa região por volta de 6000 a.C. As<br />
origens do uso disseminado do tabaco para fumar datam<br />
de 1492, quando Colombo chegou ao Novo Mundo e foi<br />
presenteado pelos nativos americanos com folh<strong>as</strong> de<br />
tabaco. Os espanhóis introduziram a planta na Europa.<br />
Durante todo o século XVIII, o rapé ficou popular em<br />
toda a Europa. No século XIX, o uso do rapé (tabaco de m<strong>as</strong>car de fino<br />
corte, que é colocado dentro da bochecha, ou pó de tabaco que é inalado<br />
pel<strong>as</strong> narin<strong>as</strong>) deu lugar ao tabagismo de charuto. Com a introdução<br />
da fabricação automatizada de cigarros em 1881, o preço dos mesmos<br />
caiu e a popularidade desse tipo de tabagismo aumentou dr<strong>as</strong>ticamente.<br />
Entre 1910 e 1919, a produção de cigarros aumentou em 633%, de<br />
menos de 10 bilhões para mais de 70 bilhões por ano.<br />
Composição do cigarro<br />
Muito além da nicotina e do alcatrão, principais substânci<strong>as</strong><br />
divulgad<strong>as</strong>, cada cigarro possui mais de 4 mil substânci<strong>as</strong>, sendo<br />
em bom número tóxic<strong>as</strong> ou carcinogênic<strong>as</strong>, tais como: acetona,<br />
amônia, naftalina, terebentina, formol e fósforo P4/PE.<br />
Dados epidemiológicos e patológicos<br />
O tabagismo é a principal causa prevenível de doenç<strong>as</strong> graves e<br />
mortes. Entre <strong>as</strong> patologi<strong>as</strong> relacionad<strong>as</strong>, temos:<br />
Câncer (pulmão, bexiga, próstata, mama, cavidade oral, língua,<br />
faringe, laringe, esôfago, estômago, cólon e outros), doença cardiov<strong>as</strong>cular<br />
isquêmica (hipertensão arterial, aterosclerose, infarto do<br />
miocárdio, derrame etc.), DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica),<br />
osteoporose, g<strong>as</strong>trite, úlcera péptica, disfunção erátil e outr<strong>as</strong>. O<br />
cenário atual do tabagismo é de uma pandemia, tendo-se 1,25 bilhão<br />
de fumantes no mundo, sendo 33 milhões no Br<strong>as</strong>il, causando cinco<br />
milhões de mortes por ano em todo o planeta, d<strong>as</strong> quais 200 mil no<br />
nosso país. Projetando-se <strong>as</strong> mortes para o período 2025-2030 teremos<br />
nos países desenvolvidos três milhões por ano e nos países emergentes<br />
sete milhões por ano. Deve ser mencionado que os fumantes p<strong>as</strong>sivos<br />
correm os mesmos riscos, embora em menor intensidade.<br />
Como dito na definição, a nicotina causa dependência física e<br />
psicológica, transformando o tabagismo em uma condição de difícil<br />
tratamento. Os sintom<strong>as</strong> de abstinência são: físicos: enxaqueca, palpitações,<br />
fome e náuse<strong>as</strong> – e psicológicos: ansiedade, irritabilidade,<br />
perda de identidade, depressão e estresse.<br />
Abordagem terapêutica<br />
Em primeiro lugar deve ser ressaltado que o fato de o fumante<br />
querer parar com a prática do tabagismo é fundamental para que se<br />
g<strong>as</strong>te energia com a abordagem terapêutica. Se o fumante não estiver<br />
motivado para contribuir, será perda total de tempo e recursos.<br />
Por outro lado, o ideal é que uma equipe multidisciplinar e profissional<br />
participe dessa abordagem. Essa equipe deve ser composta<br />
de: médico (preferencialmente, clínico geral), psicólogo, <strong>as</strong>sistente<br />
social e enfermeir<strong>as</strong> sendo coordenada pelo primeiro.<br />
Surgindo a necessidade, pareceres de outros especialist<strong>as</strong> serão<br />
solicitados. Dito isto, a abordagem terapêutica deverá ser: não<br />
medicamentosa e medicamentosa.<br />
Abordagem não medicamentosa: seu objetivo é auxiliar o<br />
54 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 55<br />
fumante a lidar com o estresse, estimular<br />
habilidades para resistir às tentações de<br />
fumar e prevenir <strong>as</strong> recaíd<strong>as</strong>. “Os nove<br />
p<strong>as</strong>sos para parar de fumar” ajudam<br />
muito e são os seguintes: Acredite:<br />
você pode e deve parar de fumar.<br />
Planeje: informe-se sobre o <strong>as</strong>sunto e<br />
organize-se para partir com tod<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />
forç<strong>as</strong> para esse projeto. Contabilize: os<br />
recursos g<strong>as</strong>tos com o cigarro poderão<br />
ser investidos em cois<strong>as</strong> melhores para<br />
você e sua família. M<strong>as</strong> o maior rendimento<br />
é o da saúde. Peça ajuda: a equipe multidisciplinar<br />
estará à sua disposição nessa hora. Escolha:<br />
discuta com a equipe que o acompanha e, devidamente<br />
<strong>as</strong>sessorado, encontre a melhor abordagem para seu c<strong>as</strong>o. Priorize:<br />
esse deve ser seu principal objetivo no momento. Agende: é fundamental<br />
marcar o dia e a hora para parar de fumar. Resista: lembre-se<br />
de que para toda grande vitória é necessário esforço. Você não é um<br />
perdedor. Tente outra vez: a guerra não acabou, portanto respire<br />
fundo e parta determinante para vencer a batalha final.<br />
Nessa abordagem, o uso de uma dieta saudável (pouco hidrato<br />
de carbono, gordura vegetal, aves, peixes, verdur<strong>as</strong>, legumes e frut<strong>as</strong>),<br />
além de atividade física regular, ajuda em dem<strong>as</strong>ia. Reuniões<br />
com a equipe multidisciplinar e com pacientes bem-sucedidos são<br />
importantes também.<br />
Abordagem medicamentosa: os fármacos disponíveis para o<br />
auxílio ao abandono do tabagismo são:<br />
• reposição de nicotina: sob a forma de adesivo cutâneo de<br />
liberação lenta ou goma de m<strong>as</strong>car;<br />
• antidepressivos: entre estes funciona melhor a bupropiona;<br />
• tartarato de vareniclina: por sua dupla ação agonista e antagonista<br />
dos receptores nicotínicos α4 α 2 a vareniclina funciona como<br />
um tipo de “falso cigarro”. Pela ação agonista estimula a liberação<br />
de dopamina que, mesmo em menor quantidade, proporciona<br />
alívio ao fumante. Como antagonista, ocupa o receptor nicotínico,<br />
evitando a ação da nicotina circulante. Assim, o fumante tende a<br />
abandonar o cigarro mais facilmente. Com o advento da vareniclina,<br />
os resultados se têm mostrado animadores, pois antes dela o índice<br />
de recaída mostrava-se elevado.<br />
mensagem final<br />
Espero que os tabagist<strong>as</strong> e seus familiares (inclusive os fumantes<br />
p<strong>as</strong>sivos) tenham compreendido a intensidade do mal chamado<br />
tabagismo e motivem-se para vencer esse desafio. Nesse c<strong>as</strong>o querer<br />
é fundamental para se poder.
Chile<br />
oS<br />
viagens<br />
Texto e fotos:<br />
CapiTão-TenenTe roSa nair MedeiroS<br />
gêiseres, vulcões, lagos de sal, cenários<br />
que remetem a outra atmosfera, à<br />
lua, a Marte. Tudo isso é o atacama e<br />
muito mais... estar ali, em paisagens<br />
esculpid<strong>as</strong> há milhões de anos, é ter<br />
um encontro único com a pachamama,<br />
a Mãe Terra para os atacamenhos.<br />
o valle<br />
de la luna<br />
bElíSSimoS<br />
CoNtRAStES<br />
Do DESERto<br />
Do AtACAmA<br />
Depois de alguns di<strong>as</strong> em Santiago, cidade cosmopolita<br />
e ao mesmo tempo aconchegante, viajei para Calama.<br />
Destino: o deserto do Atacama, localizado a 1.300 quilômetros<br />
da capital chilena, entre o Oceano Pacífico e<br />
a Cordilheira dos Andes, numa superfície de mais de<br />
106 mil quilômetros quadrados, que vai de Copiapó (no<br />
norte do Chile) à fronteira com o Peru.<br />
Depois de du<strong>as</strong> hor<strong>as</strong> de voo, foi preciso mais de uma hora na<br />
estrada até a simpática cidadezinha de San Pedro (província de<br />
Antofag<strong>as</strong>ta), a b<strong>as</strong>e da maioria dos turist<strong>as</strong> no deserto. Ao chegar,<br />
realizei o primeiro p<strong>as</strong>seio, ao famoso Valle de la Luna, na Cordilheira<br />
de Sal – antigo lago cujo fundo se levantou há milhões de<br />
anos, em razão dos mesmos movimentos na crosta terrestre que<br />
deram origem à Cordilheira dos Andes.<br />
O vento e outros fenômenos atmosféricos moldaram ao longo do<br />
tempo a Cordilheira de Sal, surgindo <strong>as</strong>sim impressionantes form<strong>as</strong><br />
e escultur<strong>as</strong> naturais. Devido à diversidade mineral do local (sal,<br />
56 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 57<br />
os gêiseres, a<br />
4.300 metros de altura<br />
e a temperatur<strong>as</strong> de<br />
até16 gráus negativos<br />
gesso, argila e outros minerais), apresenta diferentes estratificações<br />
e colorações. De mirantes tem-se a vista para o Salar de Atacama, a<br />
cadeia de vulcões pertencentes à Cordilheira dos Andes, particularmente<br />
o Licancabur, e o vale que forma o oásis de San Pedro.<br />
A primeira parada que fizemos (um grupo composto de turist<strong>as</strong><br />
de vários países) foi na Quebrada de Cari. Depois de descer dezen<strong>as</strong><br />
de metros por uma duna, chegamos a um desfiladeiro, onde paramos<br />
para observar <strong>as</strong> roch<strong>as</strong> e ouvir <strong>as</strong> explicações do guia sobre os minerais<br />
que <strong>as</strong> formam, como o sulfato de cálcio. O p<strong>as</strong>seio prosseguiu<br />
em direção ao Valle de la Muerte, encravado n<strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> formações<br />
esculpid<strong>as</strong>, com tonalidades avermelhad<strong>as</strong> e manch<strong>as</strong> branc<strong>as</strong>. Segundo<br />
uma versão, os atacamenhos não entenderam bem quando o padre<br />
e arqueólogo Gustavo Le Paige, que explorou a região na década de<br />
1950, chamou o lugar de Vale de Marte, devido ao solo avermelhado<br />
e extremamente ressecado semelhante ao daquele planeta.<br />
Retornamos à estrada que corta a Cordilheira, na direção de Calama,<br />
e logo entramos no Valle de la Luna, uma grande depressão, com
solo salino, rodeada por morros com formações exótic<strong>as</strong> lembrando<br />
o solo lunar. O entardecer é um momento especial, quando <strong>as</strong> cores<br />
ficam ainda mais fortes e bel<strong>as</strong>. Na grande cratera central há uma<br />
impressionante duna de areia; o seu topo é um dos mais concorridos<br />
mirantes. De lá, pode-se ver o pôr do sol no céu magenta, em meio<br />
a vários picos andinos. Aos poucos surge uma paleta de cores – tons<br />
laranja, depois vermelho, rosa, lilás, azul.<br />
Findo o espetáculo, voltamos ao centro de San Pedro, onde<br />
os restaurantes na rua principal, a Caracoles, viram pontos de<br />
encontro. O mais conhecido é o café Adobe, onde os atacamenhos<br />
e turist<strong>as</strong> costumam combinar fest<strong>as</strong>.<br />
Caracoles,<br />
a rua principal<br />
o deserto<br />
Considerado o deserto mais seco do mundo, o Atacama guarda<br />
grandes riquez<strong>as</strong>, como o cobre (a maior del<strong>as</strong>), lítio e outros minerais,<br />
o que já foi motivo de disput<strong>as</strong>, como a Guerra do Pacífico, em<br />
que o Chile perdeu boa parte da Patagônia para a Argentina (devido<br />
a um acordo que <strong>as</strong>segurava a neutralidade desse país no conflito),<br />
m<strong>as</strong> garantiu, em 1883, <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> de Antofag<strong>as</strong>ta (pertencente<br />
à Bolívia) e Taparacá, que pertencia ao Peru. No entanto, a maior<br />
riqueza da região é a aquela contemplada por milhares de visitantes<br />
a cada ano, os contr<strong>as</strong>tes da natureza nesse deserto n<strong>as</strong> altur<strong>as</strong>.<br />
Nele estão mais de 150 vulcões, dos quais dois estão ativos e três<br />
em semiatividade. M<strong>as</strong> é o Lincancabur, um vulcão inativo, com mais<br />
de 5 mil metros de altura, que marca a paisagem e fixa-se na memória<br />
dos viajantes. Considerado sagrado pelos atacamenhos (significa “Pai<br />
da Gente”), está localizado a cerca de 45 quilômetros de San Pedro, e é<br />
um cone qu<strong>as</strong>e perfeito; na sua cratera há um lago de cor esverdeada.<br />
O L<strong>as</strong>car, a 70 quilômetros de San Pedro e a 5.600 metros acima do<br />
nível do mar, é outro que marca presença. Considerado um vulcão<br />
semiativo, de vez em quando surpreende lançando cinz<strong>as</strong>.<br />
As temperatur<strong>as</strong> no deserto são outro desafio, variam entre zero<br />
grau à noite e 40 graus durante o dia. Devido a ess<strong>as</strong> condições<br />
existem pouc<strong>as</strong> cidades e vil<strong>as</strong>, a mais conhecida é San Pedro do<br />
Atacama, que tem pouco mais de 5 mil habitantes e está a 2.400<br />
Algum<strong>as</strong><br />
peç<strong>as</strong> do museu<br />
Arqueológico<br />
Pe. le Paige<br />
o valle<br />
de la muerte<br />
impressionantes<br />
escultur<strong>as</strong> naturais<br />
metros de altitude. Considerada um oásis no meio do deserto, é o<br />
principal ponto de encontro de viajantes do mundo inteiro.<br />
lago<strong>as</strong> miscanti e miñiques<br />
No dia seguinte, fui ao Salar de Atacama, combinado com <strong>as</strong> lago<strong>as</strong><br />
Miscanti e Miñiques, que ficam dentro da Reserva Nacional dos<br />
Flamingos. No Salar impressionam <strong>as</strong> pedr<strong>as</strong> de sal; já n<strong>as</strong> lago<strong>as</strong>,<br />
destaca-se o azul intenso em contr<strong>as</strong>te com <strong>as</strong> montanh<strong>as</strong> em tons<br />
de bege e cinza. Começamos pelo Salar, localizado a 55 quilômetros<br />
de San Pedro e a 2.300 metros acima do nível do mar, cercado por<br />
montanh<strong>as</strong>, onde não há saíd<strong>as</strong> para drenagem de água. Na sua<br />
superfície pode-se observar crost<strong>as</strong> de sal gerad<strong>as</strong> pelo acúmulo<br />
de cristais produzidos pela evaporação de águ<strong>as</strong> subterrâne<strong>as</strong>. O<br />
ponto de entrada, que permite uma exploração parcial do local, é o<br />
de acesso à lagoa Chaxa, onde habitam flamingos de três espécies<br />
(andino, chileno e James).<br />
58 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 59<br />
Flamingos,<br />
habitantes da<br />
lagoa Chaxa<br />
Após essa incursão pelo salar é hora de experimentar altitudes<br />
maiores. A 4 mil metros na Cordilheira dos Andes, forma-se<br />
uma meseta, pequeno planalto, conhecida como altiplano, com<br />
pequenos lagos e pântanos. É lá que estão <strong>as</strong> lago<strong>as</strong> Miscanti e<br />
Miñiques, a 110 quilômetros de San Pedro e a 28 quilômetros do<br />
povoado de Socaire.<br />
Na paisagem destacam-se os vulcões Miscanti e Miñiques que,<br />
junto a montanh<strong>as</strong> de pont<strong>as</strong> negr<strong>as</strong>, dão forma a ess<strong>as</strong> lago<strong>as</strong><br />
irmãs, separad<strong>as</strong> por uma pequena faixa de terra. El<strong>as</strong> recebem<br />
Deserto<br />
de Atacama,<br />
o mais seco<br />
do mundo
ecarg<strong>as</strong> de água subterrânea, d<strong>as</strong> chuv<strong>as</strong> de verão e do degelo<br />
dos cumes. No inverno é possível observar sua superfície qu<strong>as</strong>e<br />
totalmente congelada.<br />
<strong>Há</strong> milhões de anos a paisagem deste setor era diferente; <strong>as</strong><br />
águ<strong>as</strong> provenientes da alta cordilheira escorriam livremente<br />
frente aos vulcões Miscanti e Miñiques, chegando até o Salar, o<br />
qual gerava um pequeno rio. Uma erupção do vulcão Miñiques,<br />
ocorrida há menos de um milhão de anos, cortou o avanço d<strong>as</strong><br />
águ<strong>as</strong>, conformando <strong>as</strong> lago<strong>as</strong>.<br />
No retorno há uma parada para almoço em Socaire, um pequeno<br />
vilarejo, e outra em Toconao, povoado com menos de mil habitantes,<br />
com c<strong>as</strong>inh<strong>as</strong> feit<strong>as</strong> de pedra vulcânica (liparita) e lojinh<strong>as</strong> de<br />
artesanato, onde encontram-se desde escultur<strong>as</strong> em pedra vulcânica,<br />
únic<strong>as</strong> na região, tecidos de lã e trabalhos em madeira de cactus,<br />
algarrobo e tamarugo.<br />
Próximo a Toconao está a Quebrada de Jere, um cânion fértil que<br />
r<strong>as</strong>ga o deserto com paredes de mais de 20 metros de altura. Nesse<br />
oásis, ao longo de um pequeno rio, são plantad<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> frut<strong>as</strong>.<br />
Jatos d’água fervente que brotam da terra<br />
Enfrentar o frio intenso e o sono da madrugada; é <strong>as</strong>sim que<br />
começa o p<strong>as</strong>seio aos gêiseres del Tatio. Os ônibus p<strong>as</strong>sam nos hotéis<br />
às quatro hor<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> vale a pena para ver uma d<strong>as</strong> atrações mais<br />
impressionantes do Atacama. Localizados a 99 quilômetros de San<br />
Pedro, os gêiseres estão a 4.300 metros de altitude, e <strong>as</strong> temperatur<strong>as</strong><br />
vão de oito a 16 graus negativos. Madrugar é preciso porque a água<br />
é lançada de fissur<strong>as</strong> no solo somente<br />
ao amanhecer, a partir d<strong>as</strong> seis hor<strong>as</strong>,<br />
a uma altura de até 10 metros e a uma<br />
temperatura de 85 graus. Esse campo<br />
geotérmico é formado por 40 gêiseres,<br />
60 term<strong>as</strong> e 70 fumarol<strong>as</strong> numa extensão<br />
de 3 quilômetros quadrados.<br />
À medida que o sol vai n<strong>as</strong>cendo<br />
por trás da cadeia de montanh<strong>as</strong>,<br />
a visão da paisagem torna-se ainda<br />
mais espetacular. O guia explica que<br />
os gêiseres são formados quando a<br />
água subterrânea que se encontra n<strong>as</strong><br />
fissur<strong>as</strong> e cavidades entra em contato<br />
com roch<strong>as</strong> quentes, ocorrendo então<br />
o aquecimento da água. Quando a<br />
temperatura atinge um ponto crítico,<br />
entra rapidamente em ebulição.<br />
Próximo ao local há uma parada<br />
numa piscina térmica natural, onde<br />
o vulcão<br />
miscanti<br />
muitos aproveitam para banhar-se. Toda a área em volta dos gêiseres<br />
é muito bela. No caminho de volta p<strong>as</strong>sa-se por longos trechos de terra<br />
dourada e avermelhada, onde não raro encontram-se vicunh<strong>as</strong>.<br />
Para completar o p<strong>as</strong>seio, os turist<strong>as</strong> podem experimentar o churr<strong>as</strong>quinho<br />
de lhama no povoado de Machuca, onde pode-se fotografar<br />
<strong>as</strong> c<strong>as</strong>inh<strong>as</strong> e a igreja em cima do morro. M<strong>as</strong> o maior charme desse<br />
lugar é o fato de viverem ali apen<strong>as</strong> seis habitantes, o que garante um<br />
ar de cidade perdida no deserto. As pouc<strong>as</strong> famíli<strong>as</strong> que viviam em<br />
Machuca foram deixando o local para garantirem uma vida melhor.<br />
Os que decidiram ficar sobrevivem da pecuária e do turismo.<br />
Flutuar na lagoa Cejar<br />
Localizada a cerca de 30 quilômetros de San Pedro, essa lagoa<br />
de cor verde-esmeralda e margens cristalizad<strong>as</strong> é chamada de mar<br />
um geiser<br />
lançando<br />
água quente,<br />
que pode alcançar<br />
até 10 metros de altura<br />
morto sul-americano, por ter água com alta taxa de salinidade,<br />
impedindo que os banhist<strong>as</strong> afundem. Por precaução recomend<strong>as</strong>e<br />
que se leve chinelos para caminhar sobre o solo a fim de evitar<br />
acidentes n<strong>as</strong> plac<strong>as</strong> afiad<strong>as</strong> de sal.<br />
Depois de desfrutar dessa experiência única, o p<strong>as</strong>seio prossegue<br />
até Los Ojos e a seguir à lagoa<br />
Tebenquiche. Los Ojos são du<strong>as</strong><br />
impressionantes crater<strong>as</strong> justapost<strong>as</strong><br />
encontrad<strong>as</strong> em pleno Salar do Atacama,<br />
com água de cor azulada que até<br />
hoje têm sua origem desconhecida.<br />
Alguns dizem que são o resultado da<br />
queda de meteoritos na região. Muitos<br />
turist<strong>as</strong> não resistem e banham-se<br />
ness<strong>as</strong> profund<strong>as</strong> piscin<strong>as</strong>. Já a lagoa<br />
Tebenquiche abriga flamingos e<br />
outros pássaros. As su<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> são<br />
verdadeiros espelhos refletindo tudo<br />
a sua volta; mais um lindo lugar para<br />
apreciar o pôr do sol.<br />
As llham<strong>as</strong>,<br />
em um oásis<br />
próximo ao<br />
povoado de<br />
machuca<br />
A lagoa Cejar,<br />
também chamada<br />
de mar morto<br />
sul-americano<br />
Outros lugares interessantes são <strong>as</strong> Term<strong>as</strong> de Puritama,<br />
piscin<strong>as</strong> naturais de águ<strong>as</strong> quentes em meio ao<br />
deserto, e o Salar de Tara, a 100 quilômetros de San Pedro<br />
e a 4.300 metros de altitude, onde encontram-se escultur<strong>as</strong><br />
de pedr<strong>as</strong> feit<strong>as</strong> pelo vento e pela erosão, como os Monjes<br />
de La Pacana, o C<strong>as</strong>telo de Tara, e um lago de água azulpiscina<br />
que vai se estendendo até tornar-se branco de sal.<br />
O Valle del Arcoiris, onde montanh<strong>as</strong> de rocha de vári<strong>as</strong><br />
cores formam uma paisagem fantástica, é também um<br />
destino muito procurado.<br />
Sítios arqueológicos<br />
Para os que desejam conhecer mais sobre a parte<br />
histórica do Atacama e seus povos, há um tour específico.<br />
Nos arredores de San Pedro, considerada a capital<br />
arqueológica do Chile, encontram-se vários sítios atacamenhos,<br />
como a Aldea de Tulor, vestígio habitacional<br />
mais antigo do Salar, e Pukará de Quitor, construção pré-incaica<br />
de caráter defensivo.<br />
Tulor é um conjunto de construções circulares interconectad<strong>as</strong>,<br />
habitado entre 800 aC e 200 dC pelos antigos povos atacamenhos.<br />
Do mirante construído sobre <strong>as</strong> ruín<strong>as</strong>, é possível ver parte<br />
dos trabalhos de escavação que foram realizados.<br />
As ruín<strong>as</strong> de Pukará de Quitor não estão muito bem preservad<strong>as</strong>,<br />
mesmo <strong>as</strong>sim pode-se imaginar a distribuição espacial d<strong>as</strong><br />
edificações. Localizada na Cordilheira de Sal, proporciona uma<br />
bela vista do vale que está em seu entorno. De San Pedro dá para<br />
ir caminhando ou de bicicleta.<br />
O p<strong>as</strong>seio termina com visita ao Museu Arqueológico Pe. Le<br />
Paige, onde há exibição de divers<strong>as</strong> peç<strong>as</strong> da evolução dos povoados<br />
um dos<br />
los ojos<br />
60 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 61<br />
atacamenhos, também objetos da cultura inca e espanhola.<br />
M<strong>as</strong> não é só entre montanh<strong>as</strong>, vulcões, gêiseres, lago<strong>as</strong> de sal<br />
que o Atacama nos arrebata. Com um dos céus mais limpos do<br />
planeta, o deserto é um paraíso para os <strong>as</strong>trônomos. Por isso, a 30<br />
quilômetros de San Pedro, a 5.100 metros de altura, está sendo<br />
implantado o grande conjunto de radiotelescópio, o Atacama Large<br />
Millimeter Array (Alma), reunindo cientist<strong>as</strong> de vários países. As<br />
imagens terão 10 vezes mais detalhes que <strong>as</strong> capturad<strong>as</strong> pelo Hubble<br />
e a previsão é de que esteja pronto em 2012.<br />
Por enquanto, há observatórios particulares como o do Hotel<br />
Explora e o do <strong>as</strong>trônomo francês Alain Maury. M<strong>as</strong> o melhor mesmo<br />
é contemplar naturalmente o céu salpicado de estrel<strong>as</strong>, que ali<br />
parecem estar mais perto.<br />
lagun<strong>as</strong><br />
altiplanic<strong>as</strong>
crônica<br />
Almirantado.<br />
Capitão-de-mar-e-guerra (Cd)<br />
leoNor amélia de mello barros<br />
da CuNha reetz<br />
“Se seus sonhos estiverem n<strong>as</strong> nuvens,<br />
não se preocupe, pois eles estão no lugar<br />
certo; agora, construa os alicerces.”<br />
lendo há poucos di<strong>as</strong> a Revista Marítima Br<strong>as</strong>ileira de junho<br />
de 2010, deparei-me com este dito chinês atribuído a<br />
Chuang Tzu, num artigo de autoria do Contra-Almirante<br />
(Ref) Reginaldo Gomes Garcia dos Reis.<br />
Dei-me conta então que, há exatos 30 anos coloquei<br />
meus sonhos n<strong>as</strong> nuvens e iniciei a construção<br />
de sólidos alicerces.<br />
Lembro-me quando, em fevereiro de 1980, graduada em<br />
Odontologia há apen<strong>as</strong> dois meses, atravessei pela primeira vez<br />
o portão do 1º Distrito <strong>Naval</strong>, embarcando rumo ao Centro de<br />
Instrução Almirante Wandenkolk, para <strong>as</strong>sistir à formatura militar<br />
de alguns coleg<strong>as</strong> de turma da faculdade, que ingressavam<br />
como Oficiais da Reserva da Marinha.<br />
Como num verdadeiro c<strong>as</strong>o de amor à primeira vista, a visão do<br />
belo cenário da Ilha d<strong>as</strong> Enxad<strong>as</strong>, a imponência da cerimônia com<br />
seus garbosos oficiais em seus impecáveis uniformes brancos e o<br />
salário b<strong>as</strong>tante atraente que iriam receber, encantaram-me profundamente,<br />
levando-me a pensar e desejar intensamente a mesma oportunidade.<br />
Completamente apaixonada, sonhei tornar-me militar!<br />
Alguns meses mais tarde, soube que o então Ministro da<br />
Marinha, Alte Maximiano Eduardo da Silva Fonseca, <strong>as</strong>sinara<br />
uma Portaria criando o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da<br />
Marinha, em 7 de julho de 1980, numa atitude ousada e pioneira,<br />
permitindo o ingresso daquel<strong>as</strong> que, voluntariamente, desejavam<br />
servir à pátria e à Marinha do Br<strong>as</strong>il.<br />
Vi, <strong>as</strong>sim, surgir a tão desejada e sonhada oportunidade.<br />
Sem esmorecer diante do frac<strong>as</strong>so no primeiro concurso, persegui<br />
meu objetivo, obtendo êxito no ano seguinte e ingressando,<br />
em 1982, na 2ª Turma de Oficiais do Corpo Auxiliar Feminino, com<br />
sonhar<br />
com o<br />
por<br />
que não?<br />
a alegria e o entusi<strong>as</strong>mo próprios de quem realizava um sonho e<br />
começava a fazer parte da história naval do Br<strong>as</strong>il.<br />
Estava pronta a b<strong>as</strong>e. Havia me tornado militar! E o orgulho<br />
que senti ao pronunciar diante dos meus pais, familiares e divers<strong>as</strong><br />
autoridades presentes, o Juramento à Bandeira, <strong>as</strong>sumindo o<br />
compromisso de defender a pátria com o sacrifício da própria vida,<br />
fez-me ter a certeza de que um dia, nós mulheres, seríamos mais que<br />
Capitão-de-Fragata, que era o último posto previsto para o Quadro<br />
Feminino de Oficiais. Seríamos sim, Almirantes! Por que não?<br />
As oficiais do Quadro Feminino, formad<strong>as</strong> n<strong>as</strong> mais divers<strong>as</strong><br />
especialidades d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de saúde, de tecnologia e human<strong>as</strong>, sem<br />
distinções, só seriam efetivad<strong>as</strong> ou não após nove anos de serviço,<br />
sendo que antes, porém, deveriam ser reavaliad<strong>as</strong> a cada triênio.<br />
Entretanto, a Alta Administração <strong>Naval</strong> atenta à competência,<br />
profissionalismo e total adaptação d<strong>as</strong> oficiais à vida militar,<br />
promulgou, em 1987, nova lei, efetivando aquel<strong>as</strong> que já haviam<br />
p<strong>as</strong>sado pela primeira avaliação da Comissão de Promoção de Oficiais<br />
e elevando o último posto a Capitão-de-Mar-e-Guerra, numa<br />
significativa conquista.<br />
Subíamos, <strong>as</strong>sim, mais um posto na escala hierárquica e com<br />
ele o meu alicerce e a convicção plena de que um dia, nós mulheres,<br />
ainda seríamos Almirantes! E este sonho não me abandonava.<br />
Estava, portanto, em igualdade de condições perante meus<br />
coleg<strong>as</strong> do Quadro de Cirurgiões-Dentist<strong>as</strong>.<br />
O que era então exclusividade m<strong>as</strong>culina foi gradativamente, por<br />
nós mulheres, sendo desbravado e à medida que o tempo p<strong>as</strong>sava,<br />
vivenciávamos cada vez mais experiênci<strong>as</strong> numa clara evidência<br />
de igualdade de deveres e direitos, a qual culminou com a reestruturação<br />
de Corpos e Quadros e a consequente extinção do Corpo<br />
Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha em 1997.<br />
Com a transferência d<strong>as</strong> oficiais para os diversos Corpos e Quadros<br />
já existentes, e onde já havia a previsão de se alcançar o posto de Vice-<br />
Almirante, a oportunidade para <strong>as</strong> mulheres atingirem o Almirantado<br />
deixou de ser apen<strong>as</strong> um sonho. Tornou-se real! Que grande vitória<br />
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feminina! As mulheres já poderiam, sim, ser Almirantes!<br />
Contudo, a alegria da conquista alcançada pel<strong>as</strong> oficiais que<br />
teriam essa chance foi, pouco a pouco, sendo substituída pela<br />
frustração de saber que nem tod<strong>as</strong> teriam a mesma oportunidade.<br />
Somente <strong>as</strong> médic<strong>as</strong> e engenheir<strong>as</strong> transferid<strong>as</strong> para seus respectivos<br />
quadros e <strong>as</strong> intendentes do Quadro Complementar, quando<br />
fossem transferid<strong>as</strong> para o Corpo de Intendentes, usufruiriam dessa<br />
prerrogativa. Seriam então ess<strong>as</strong> especialidades mais importantes<br />
que <strong>as</strong> demais para serem merecedor<strong>as</strong> de tal privilégio?<br />
Mesmo apaixonada pela carreira, como não se entristecer ao ver<br />
que Quadros que compõem o mesmo Corpo não possuem <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong><br />
oportunidades? Afinal, todos aqueles que ingressam com formação<br />
acadêmica universitária, realizam o mesmo curso de adaptação à<br />
vida militar, o mesmo juramento à bandeira e os mesmos cursos<br />
de carreira até o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra.<br />
Sei que diferenç<strong>as</strong> ocorrem também entre os oriundos da Escola<br />
<strong>Naval</strong>, onde o Corpo de Intendentes, que carrega em sua história<br />
241 anos de existência, ainda não possui entre os seus integrantes,<br />
um Almirante-de-Esquadra, a exemplo do Corpo da Armada e do<br />
Corpo de Fuzileiros Navais, que há 30 anos promoveu o seu primeiro<br />
Almirante-de-Esquadra numa justa e merecida vitória.<br />
Entretanto, o fato de ter servido à Escola Superior de Guerra<br />
por pouco mais de quatro anos, além de ter realizado um dos<br />
cursos ministrados por aquela instituição, onde o pensamento da<br />
igualdade de oportunidades era amplamente propalado, tornou esse<br />
sentimento cada vez mais arraigado em meu ser.<br />
É nesse sentido que sonho em ver um dia, o Quadro de Cirurgiões-<br />
Dentist<strong>as</strong> ao qual pertenço e que este ano completa 75 anos de existência<br />
com excelentes serviços prestados à Família <strong>Naval</strong>, <strong>as</strong>cender<br />
ao Almirantado. Cabe ressaltar que esse anseio já constituiu motivo<br />
de pronunciamento por parte do Presidente do Conselho Regional de<br />
Odontologia em 2008. Com isso, seria feita a adequação do Quadro,<br />
a exemplo do que já ocorre com os cirurgiões-dentist<strong>as</strong><br />
militares nos Estados Unidos, onde, além de altamente<br />
conceituados, ocupam posição de destaque no Corpo de<br />
Saúde e há muito já atingiram o Almirantado.<br />
Ao atingir o último posto existente, até o momento,<br />
para o Quadro de Cirurgiões-Dentist<strong>as</strong>, no mesmo ano<br />
em que é comemorado o 30º Aniversário de Ingresso<br />
da Mulher Militar na Marinha, este sonho voltou<br />
com força ainda maior ao meu coração. E embora<br />
com <strong>algum<strong>as</strong></strong> lágrim<strong>as</strong> derramad<strong>as</strong> inerentes<br />
a todos que vivem uma grande paixão,<br />
ainda carrego a mesma alegria e entusi<strong>as</strong>mo<br />
da Guarda-Marinha de 1982, muitos sonhos<br />
realizados e outros ainda pelo caminho...<br />
E irmanando-me com oficiais, homens e<br />
mulheres, d<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> especialidades, dos diferentes<br />
Quadros e que provavelmente carregam<br />
em seus corações o desejo de alcançar os mais<br />
altos postos da Administração <strong>Naval</strong>, m<strong>as</strong>, que até<br />
o momento, não vislumbram essa possibilidade,<br />
concito-os a que jamais percam a alegria, o entusi<strong>as</strong>mo<br />
e a paixão que um dia os levaram a ingressar<br />
na Marinha do Br<strong>as</strong>il e jurar defender a pátria com o<br />
sacrifício da própria vida!<br />
Continuem a construir seus alicerces.<br />
Sonhar é preciso! Tornar os sonhos em realidade é<br />
possível! Por que não?
Marinhagens<br />
SAgA<br />
AmAZÔNiCA ConTra-alMiranTe<br />
o<br />
REtoRNo<br />
DE JoSÉ<br />
doMingoS CaSTello branCo<br />
A<br />
corveta se deslocou de lado, no remanso junto ao<br />
barranco alto, conforme <strong>as</strong> espi<strong>as</strong> eram entrad<strong>as</strong> pelo<br />
cabrestante na proa e pelo poderoso guincho da popa,<br />
com retornos em troncos de árvores da margem. O<br />
comandante achou desnecessário largar o ferro de<br />
bombordo, como recurso para puxar melhor a proa<br />
para fora, na próxima desatracação, programada para<br />
ocorrer na manhã do dia seguinte. Para sair dali, pareceu-lhe<br />
b<strong>as</strong>tante contar somente com o emprego d<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong>. O fato<br />
de o navio ter du<strong>as</strong> hélices, bem af<strong>as</strong>tad<strong>as</strong> uma da outra, sempre<br />
facilitava muito esse tipo de manobra. Em poucos minutos,<br />
empurrado pelo forte rodamoinho na água, o navio chegou em<br />
posição e a prancha foi p<strong>as</strong>sada para terra. Ela ficou apoiada a<br />
partir do p<strong>as</strong>sadiço, único lugar possível para acomodá-la, devido<br />
à altura da margem. Uma pequena multidão de caboclos e índios<br />
<strong>as</strong>sistia atenta e silenciosa à atracação.<br />
O major, comandante da companhia de fronteira, entrou a bordo<br />
acompanhado por seus oficiais. Foi recebido pelo comandante com<br />
<strong>as</strong> honr<strong>as</strong> de estilo do cerimonial naval, incluindo uma guarda de<br />
fuzileiros navais, do pequeno destacamento que sempre embarcava<br />
ness<strong>as</strong> long<strong>as</strong> viagens. Os trinados do apito do contramestre e<br />
o movimento de arm<strong>as</strong> da guarda causaram sensação no público<br />
e agitaram de vez <strong>as</strong> muit<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>, até então quiet<strong>as</strong> como os<br />
adultos. Seguiu-se uma breve confraternização de oficiais da tropa<br />
e do navio, na praça-d’arm<strong>as</strong>. Cerca de meia hora depois, o comandante<br />
e o major saíram de bordo, juntos com seus oficiais, para<br />
uma visita protocolar ao quartel da companhia, situado também<br />
próximo da margem do rio, a <strong>algum<strong>as</strong></strong> centen<strong>as</strong> de metros abaixo<br />
de onde estava a corveta.<br />
Na saída, o comandante, acompanhado pelo major e pelo imediato,<br />
fez questão de percorrer o barranco por todo o comprimento<br />
do navio, para observar <strong>as</strong> condições de atracação, feita por boreste<br />
e aproada à correnteza. A profundidade do canal, logo ao lado do<br />
remanso onde se abrigara o navio, era de absurdos 22 metros, e<br />
sua correnteza fora estimada em 4 nós, apesar de estarem a mais<br />
de 4 mil quilômetros da foz do imenso rio. Ali ocorria ainda uma<br />
permanente p<strong>as</strong>sagem de troncos e galhos, alguns avantajados. Dois<br />
vigi<strong>as</strong> da faxina do mestre guarneceram a proa, munidos de longos<br />
croques reforçados, para manter af<strong>as</strong>tada da corveta a galharia que<br />
eventualmente nela enganch<strong>as</strong>se.<br />
Do barranco, o comandante observava tudo aquilo com muita<br />
satisfação e orgulho do seu navio. Entretanto, ao se aproximar da<br />
64 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 65<br />
popa, viu uma meia dúzia de meninos maiores que mergulhavam<br />
no remanso. Isso era feito a partir da borda baixa do navio a ré, e<br />
também de pontos altos dos conveses superiores, inclusive do p<strong>as</strong>sadiço,<br />
mais a vante, pelo lado de fora da atracação. Ele não gostou<br />
daquela brincadeira e cogitava mandar cessá-la, quando o imediato<br />
interrompeu seus pensamentos, avisando que o major os esperava<br />
junto às viatur<strong>as</strong> para levá-los ao quartel. Na pressa, o comandante<br />
arquivou o <strong>as</strong>sunto e partiu com o companheiro do Exército.<br />
A chegada de um navio da Marinha naquel<strong>as</strong> lonjur<strong>as</strong> era sempre<br />
motivo de muita festa. A recepção ao comandante da corveta e seus<br />
oficiais foi carinhosa, muito além d<strong>as</strong> formalidades. Como homem<br />
do mar, ele ficou emocionado ao p<strong>as</strong>sar em revista a companhia de<br />
fronteira, ao som da canção “Cisne Branco”, entoada pel<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong><br />
da escola do grupamento, em uniformes azul e branco, e agitando<br />
pequen<strong>as</strong> bandeir<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> feit<strong>as</strong> por el<strong>as</strong>. A tropa era integrada<br />
por jovens caboclos e índios d<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> aldei<strong>as</strong> da região, e se<br />
apresentou de forma impecável. Seguiu-se uma palestra, na maior<br />
sala do colégio, na qual o major discorreu sobre os diversos <strong>as</strong>pectos<br />
da existência do grupamento, naquele ponto distante do território<br />
nacional. O encontro terminou em um modesto coquetel, com a<br />
presença d<strong>as</strong> famíli<strong>as</strong> dos oficiais, que sempre participavam de tod<strong>as</strong><br />
<strong>as</strong> atividades civis do grupamento.<br />
Já anoitecia, quando o comandante regressou para bordo a<br />
fim de vestir roup<strong>as</strong> civis, por ter aceito o convite do major para<br />
jantar em sua c<strong>as</strong>a. N<strong>as</strong> proximidades do barranco de atracação,<br />
percebeu um movimento anormal, com gente correndo em<br />
direção ao local. Ao descer da camioneta, notou que o oficial de<br />
servico estava ausente do portaló. O contramestre não o esperou<br />
entrar a bordo e veio correndo pela prancha para lhe dar a má<br />
notícia. Desaparecera debaixo do navio um dos garotos maiores<br />
que estavam mergulhando do p<strong>as</strong>sadiço e, carregados pela correnteza,<br />
subiam para bordo na popa.<br />
Foi um soco no estômago. Uma perplexidade dolorida tomou<br />
conta do comandante. Pensou imediatamente nos pais do menino.<br />
Ele mesmo tinha um filho pré-adolescente, a paixão de sua vida.<br />
Entretanto, em instantes, re<strong>as</strong>sumiu o papel de comandante, para<br />
o qual tivera anos de preparação. Sabedor de que o oficial de servico<br />
estava na popa, dirigiu-se apressadamente para lá. Antes, porém,<br />
enviou um sargento à companhia para avisar ao imediato do ocorrido<br />
e dizer-lhe que regress<strong>as</strong>se para bordo com todos os oficiais.<br />
Além disso, o imediato deveria informar pessoalmente ao major o<br />
que estava se p<strong>as</strong>sando.<br />
Encontrou o oficial de serviço supervisionando a colocação de<br />
luminári<strong>as</strong> na popa para clarear a superfície da água, na qual vários<br />
homens mergulhavam em sequência, na tentativa desesperada de<br />
encontrar o garoto. Entre eles, destacava-se um que exercia uma<br />
certa coordenação do grupo. Era um caboclo alto e desempenado<br />
o qual, ao ver o comandante, dirigiu-se a ele, acompanhado pel<strong>as</strong><br />
demais pesso<strong>as</strong> ali presentes. O comandante teve um pressentimento<br />
logo confirmado. Era o pai do menino. Ele começou a falar de<br />
forma descontrolada. Estava todo molhado, com os olhos injetados<br />
de sangue, e ajustava nervosamente o calção velho, que insistia em<br />
descer da cintura, enquanto gesticulava trêmulo.<br />
O pobre homem via no comandante a última esperança de salvar<br />
seu filho. Ele não conseguia se fazer entender e ficava cada vez mais<br />
nervoso. De repente, tentou segurar <strong>as</strong> mãos do seu salvador e se<br />
ajoelhou em frente a ele, em um choro convulsivo. O comandante<br />
e o oficial de serviço tentaram ajudá-lo a levantar-se, m<strong>as</strong> o homem<br />
insistia em ficar de joelhos. Em seguida, deitou-se no convés e foi<br />
se encolhendo, aos prantos, até ficar em posição fetal, gemendo
aixinho. A perplexidade e o constrangimento dominavam a cena.<br />
Súbito, ouviu-se a voz de uma mulher que chegava. Era a mãe,<br />
também desesperada com a situação. Ela já havia chorado muito,<br />
tudo que pudera. Contudo, ao ver seu homem naquel<strong>as</strong> condições,<br />
reagiu da forma que só <strong>as</strong> mulheres sabem fazer, em especial <strong>as</strong><br />
mães. Abraçou-se com ele e o fez se levantar, dizendo palavr<strong>as</strong> carinhos<strong>as</strong><br />
ao seu ouvido, p<strong>as</strong>sando-lhe a mão no rosto e nos cabelos.<br />
O pai, já mais recomposto e cercado pelos companheiros,<br />
dirigiu-se ao comandante, de forma muito respeitosa, e lhe fez<br />
um pedido irrecusável, n<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> trágic<strong>as</strong> da oc<strong>as</strong>ião. Ele<br />
queria que o navio fosse tirado dali logo, para poderem mergulhar<br />
mais livremente e ter alguma chance de encontrar o corpo do seu<br />
filho menino, o José.<br />
O comandante foi apanhado de surpresa pela solicitação e não<br />
concordou de pronto. Disse ao homem angustiado que iria pensar no<br />
<strong>as</strong>sunto e lhe daria uma posição dentro de algum tempo. Dirigiu-se<br />
para a câmara, onde se trancou, deixando antes instruções para o<br />
imediato vir falar com ele <strong>as</strong>sim que cheg<strong>as</strong>se a bordo. Sua cabeça<br />
estava a mil, pois a primeira ideia a lhe ocorrer era de o corpo do<br />
menino poder estar preso ao leme, entre <strong>as</strong> du<strong>as</strong> hélices. Qu<strong>as</strong>e<br />
certamente, seria necessário usar <strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> para abrir a proa do<br />
barranco e sair dali com o navio. Maldita hora em que não lançara<br />
n’água o ferro de bombordo, cuja falta agora iria complicar toda<br />
a manobra. Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, o corpo do José corria o risco de<br />
ser despedaçado pel<strong>as</strong> hélices, girando necessariamente acelerad<strong>as</strong><br />
durante a manobra.<br />
Muito ansiosos, ele e o imediato discutiram o <strong>as</strong>sunto durante<br />
algum tempo. Examinaram todos os <strong>as</strong>pectos da manobra de desatracação<br />
do navio de onde estava, a ser seguida por seu deslocamento e<br />
fundeio em frente à posição atual, a cerca de 100 metros da margem.<br />
N<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> existentes, seria qu<strong>as</strong>e imprevisível o efeito d<strong>as</strong><br />
correntes sobre a corveta durante os poucos minutos que ela levaria<br />
para chegar à posição de fundeio, após largar da margem, girar para<br />
fora e cruzar o canal em frente, com sua forte correnteza.<br />
Além disso, seria fundamental que toda a manobra fosse feita<br />
com o mínimo emprego d<strong>as</strong> hélices, de preferência uma de cada<br />
vez, de modo a evitar ou minimizar o pior, isto é, seu provável efeito<br />
no corpo do menino. Sob esse <strong>as</strong>pecto, isso poderia ter sido muito<br />
facilitado se o ferro de bombordo tivesse sido largado n’água na<br />
chegada, possibilitando o navio ser puxado por ele, para se af<strong>as</strong>tar<br />
do barranco na saída. Para complicar ainda mais <strong>as</strong> cois<strong>as</strong>, a noite lá<br />
fora estava um breu, perdendo-se b<strong>as</strong>tante <strong>as</strong> referênci<strong>as</strong> de distância<br />
da margem, inclusive pelo radar, muito impreciso de tão perto.<br />
A parte mais difícil, naquele momento, seria falar com os pais<br />
do José para alertá-los d<strong>as</strong> possíveis consequênci<strong>as</strong> da manobra. De<br />
qualquer maneira, a desatracação teria de ser feita logo, como eles<br />
pediram, ou quando o navio prosseguisse viagem, na manhã do dia<br />
seguinte. Essa conversa ocorreu na câmara, com a presença do c<strong>as</strong>al,<br />
do comandante, do major – que viera dar apoio ao navio – do imediato<br />
e do médico de bordo. Foi um momento de alta dramaticidade,<br />
por tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong>, e que terminou com os pais do menino<br />
destroçados e todos os presentes chorando. Dela decorreu também<br />
a ordem do comandante para que nada fosse comentado a bordo a<br />
respeito, até o navio continuar a viagem no dia seguinte.<br />
Tomada a decisão, o comandante e o imediato foram para o<br />
p<strong>as</strong>sadiço, a fim de executar a manobra. Os pais de José, o major e<br />
o médico desembarcaram em seguida e ficaram no barranco, em<br />
frente ao navio. Eles foram cercados pelos fuzileiros navais, que<br />
também estavam em terra, para controlar qualquer agitação por<br />
parte do povo, que <strong>as</strong>sistia silencioso aos acontecimentos. Enquanto<br />
o imediato tomava <strong>as</strong> providênci<strong>as</strong> rotineir<strong>as</strong> para a desatracação, o<br />
comandante se isolou na escuridão, do lado de fora do p<strong>as</strong>sadiço.<br />
Nesses poucos minutos, sua ansiedade atingiu um ponto qu<strong>as</strong>e<br />
insuportável. Ele se sentia responsável por tudo aquilo e inteiramente<br />
só. Entretanto, nada poderia ser demonstrado por ele daí<br />
em diante, até terminar toda a manobra, com o navio devidamente<br />
fundeado na posição predeterminada, af<strong>as</strong>tado do barranco. O<br />
imediato, muito tenso, veio lhe informar que o navio estava pronto<br />
para ser movimentado, com exceção da rotineira experiência com <strong>as</strong><br />
hélices, que não havia sido feita, por razões óbvi<strong>as</strong>. O comandante<br />
entrou no p<strong>as</strong>sadiço e iniciou a manobra.<br />
Sua primeira ordem foi mandar largar os cabos de vante e de ré,<br />
que ainda mantinham o navio junto ao barranco. A corveta, mesmo<br />
livre, não se mexeu. O rodamoinho no remanso, que não podia ser<br />
visto na escuridão, continuava a empurrá-la contra a margem. Decorridos<br />
alguns minutos, o comandante, com um nó na garganta,<br />
começou a usar <strong>as</strong> hélices devagar – a de dentro para vante e a de<br />
fora para ré – sem mexer no leme, na tentativa de girar a proa da<br />
corveta para o meio do rio. Dessa forma, ela sofreria influência da<br />
forte correnteza do canal e, naturalmente se af<strong>as</strong>taria do barranco.<br />
De novo, o navio não se mexeu.<br />
Angustiado, o comandante ordenou meia-força para <strong>as</strong> máquin<strong>as</strong>,<br />
o que aumentou b<strong>as</strong>tante a rotação d<strong>as</strong> hélices, fazendo o navio<br />
vibrar um pouco, porém sem sair do lugar. O leme, onde poderia<br />
estar preso o corpo de Jose, foi então carregado para bombordo, de<br />
modo a auxiliar na tentativa de girar o navio para fora. Nada aconteceu.<br />
Suando frio, o comandante ordenou toda força para amb<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />
hélices. A corveta finalmente reagiu e, com forte vibração, começou<br />
a girar devagar para bombordo e avançar em direção ao canal. Ao<br />
chegar lá, devido à velocidade da correnteza, foi necessário manobrar<br />
vári<strong>as</strong> vezes com o leme e com <strong>as</strong> hélices, de modo a atingir a<br />
posição predeterminada e nela fundear com segurança.<br />
A manobra toda durou cerca de vinte minutos. Ao terminá-la,<br />
com o navio firmemente fundeado na posição escolhida, o comandante<br />
desceu desarvorado para a câmara e jogou-se chorando no<br />
beliche, sem tirar a roupa. Dormiu um sono sobressaltado por um<br />
pesadelo terrível, no qual o menino José e seu filho se afogavam<br />
no rio e eram despedaçados por hélices enormes, em alta rotação.<br />
Acordou no meio da noite alagado de suor e se sentindo mal. Avisou<br />
ao médico e foi logo atendido por ele, acompanhado pelo imediato.<br />
Foi-lhe aplicado um forte calmante que o fez dormir até tarde no<br />
dia seguinte. O imediato suspendeu cedo com o navio, dando prosseguimento<br />
à viagem.<br />
O comandante qu<strong>as</strong>e não saiu da câmara nos dois di<strong>as</strong> seguintes.<br />
Quando ia ao p<strong>as</strong>sadiço, permanecia taciturno e calado,<br />
sentado em sua cadeira privativa e olhando fixamente para o rio.<br />
Fazia <strong>as</strong> refeições sozinho, em seus aposentos. O navio todo se<br />
preocupava muito com ele, por ser uma pessoa justa e boa. O<br />
moral da tripulação estava muito baixo.<br />
No terceiro dia, chegou uma mensagem do major para ele,<br />
informando que o corpo do José fora encontrado n<strong>as</strong> águ<strong>as</strong><br />
parad<strong>as</strong> da boca de um igarapé, vários quilômetros rio abaixo.<br />
Estava inteiro, salvo os efeitos naturais de morte por afogamento.<br />
O comandante da companhia dizia também que o José fora<br />
enterrado no pequeno cemitério local. Estiveram presentes sua<br />
família e boa parte da população da pequena cidade. Foram-lhe<br />
prestad<strong>as</strong> honr<strong>as</strong> militares por um grupo de combate de jovens<br />
soldados da companhia de fronteira.<br />
O filho José havia retornado.<br />
A corveta prosseguiu viagem em paz.<br />
os Militares<br />
Não PEçAm<br />
AoS militARES<br />
QuE SE NEguEm<br />
A lutAR<br />
Vári<strong>as</strong> vezes pensei em escrever estes comentários.<br />
A cada vez que percebo <strong>as</strong> virulent<strong>as</strong> crític<strong>as</strong> aos<br />
militares, o não entendimento da missão específica<br />
ue lhes cabe, o enxovalhamento a que estão sendo<br />
submetidos – principalmente no Br<strong>as</strong>il, m<strong>as</strong> também<br />
em todo o mundo – sinto uma revolta contra o<br />
silêncio que se impõe e percebo que nenhuma voz<br />
se levanta, nem aquel<strong>as</strong> vozes categorizad<strong>as</strong> da nação<br />
que deveriam, em momentos como esses, se pronunciar<br />
para esclarecer <strong>as</strong> <strong>as</strong>sertiv<strong>as</strong> contundentes que são<br />
propagad<strong>as</strong> aos quatro ventos e que são de grande<br />
interesse para o exercício consciente da cidadania e<br />
mesmo para o futuro da humanidade.<br />
66 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 67<br />
euriCo de andrade neveS borba<br />
Ex-professor, diretor do Departamento de Economia e<br />
vice-reitor da PUC-Rio, ex-presidente do IBGE, ex-diretor-geral da<br />
Escola de Administração Fazendária, escritor.<br />
A<br />
última vez em que pensei no <strong>as</strong>sunto em tela foi quando<br />
visitei, há pouco tempo, o Monumento dos Mortos da<br />
II Guerra Mundial, no aterro do Flamengo, no Rio<br />
de Janeiro. Tive o privilégio e a honra de, em 1960,<br />
junto com meu pai, meu irmão e dois dos meus tios,<br />
levarmos, pel<strong>as</strong> mãos, cada um segurando uma alça de<br />
urna, os restos mortais dos seis pracinh<strong>as</strong>, padioleiros,<br />
que foram soldados do meu pai, que comandou o Batalhão de Saúde<br />
da Força Expedicionária Br<strong>as</strong>ileira, na Itália, entre 1944 e 1945.<br />
Caminhamos do Arsenal de Marinha, onde recebemos <strong>as</strong> cinz<strong>as</strong> dos<br />
soldados mortos na campanha europeia, que foram transportad<strong>as</strong><br />
desde a Itália pelo Cruzador Tamandaré, até o Parque do Flamengo,<br />
cruzando toda a Avenida Rio Branco. O povo, respeitoso, aplaudia<br />
sem muito entusi<strong>as</strong>mo, parecendo não entender muito bem o que<br />
estava se p<strong>as</strong>sando. Manifestações bem diferentes daquel<strong>as</strong> quando<br />
os pracinh<strong>as</strong> regressaram da guerra em 1945 – uma apoteose, com<br />
multidões n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> saudando os militares que regressavam cobertos
de glóri<strong>as</strong>, ou quando regressou ao Rio de Janeiro a Força <strong>Naval</strong><br />
do Nordeste, onde a Marinha desempenhou relevantes serviços na<br />
proteção de comboios, d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong> cost<strong>as</strong> e do mar territorial.<br />
Tomo esta iniciativa de escrever devido à minha formação.<br />
De certa forma posso dizer que estive, emocionalmente, presente<br />
em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> guerr<strong>as</strong> de que o Br<strong>as</strong>il participou e acompanhei a<br />
evolução d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong>, ao longo de <strong>décad<strong>as</strong></strong>, com<br />
interesse muito particular. Foram tataravós, bisavós, avós, pai,<br />
irmão, tios, que del<strong>as</strong> fizeram parte desde <strong>as</strong> Campanh<strong>as</strong> do Prata,<br />
por volta de 1850, até a II Guerra Mundial, finda em 1945. Ouvia,<br />
com muita atenção e interesse, os relatos do ocorrido, primeiro<br />
pel<strong>as</strong> convers<strong>as</strong> com meu pai, meu avô paterno e meu irmão mais<br />
velho oficial da Marinha. Depois li dezen<strong>as</strong> de livros e <strong>as</strong>sisti a<br />
inúmeros documentários ou filmes b<strong>as</strong>eados em fatos reais.<br />
Uma lembrança muito forte minha foi a descrição, feita por minha<br />
mãe, de quando o Marechal Setembrino Carvalho comunicou, fardado,<br />
acompanhado de sua esposa, ao meu avô, o General Eurico<br />
de Andrade Neves e à minha avó Elvira, que residiam à época num<br />
sobrado na Tijuca, no Rio de Janeiro, a morte do meu tio, irmão da<br />
minha mãe, o Capitão Carlos de Andrade Neves, nos campos de batalha<br />
da França, em 1918. O Br<strong>as</strong>il, na I Grande Guerra, 1914-1918,<br />
enviou, além da Divisão <strong>Naval</strong> de Operações de Guerra que manteve<br />
patrulhando o Atlântico entre Recife e Dakar, uma missão de oficiais<br />
e um grupo da saúde, para ajudar o exaurido Exército francês<br />
no seu quarto ano de guerra. Meu pai, quinto anista de medicina,<br />
foi trabalhar nos hospitais franceses e completou, na França, seu<br />
curso de medicina no Hotel Dieu, hospital que até hoje existe ao<br />
lado da Catedral de Notre Dame, em Paris. Meu avô paterno, então<br />
tenente-coronel, foi subcomandante de um regimento de cavalaria<br />
francesa. O tio Carlos comandava uma bateria de artilharia de<br />
campanha. Faleceu pouco antes do fim da guerra, na batalha que<br />
veio a ser depois conhecida como a do Segundo Marne. Mamãe e<br />
minh<strong>as</strong> ti<strong>as</strong>, mocinh<strong>as</strong>, acordaram com o alvoroço da c<strong>as</strong>a e do alto<br />
d<strong>as</strong> escad<strong>as</strong> viram o Marechal Setembrino comunicar a morte do<br />
irmão. Vovô Eurico, fardado, permaneceu imp<strong>as</strong>sível. Vovó Elvira,<br />
praticamente desmaiada nos seus braços, começou a chorar baixinho<br />
e nunca mais se recuperou do trauma.<br />
Lembro, já adolescente, ter ido com papai e mamãe visitar<br />
os mortos da família, sepultados no Rio de Janeiro, no cemitério<br />
do Caju. Lá estava o túmulo do tio Carlos com a réplica da cruz<br />
de madeira que ornamentara seu túmulo na França – il est mort<br />
dans le champ d’honneur... Embaixo da inscrição a reprodução<br />
da condecoração francesa que recebera postumamente, a Legion<br />
d’Honeur. Os restos mortais do tio Carlos, anos depois, promovido<br />
post-mortem ao posto de major, foi transladado para Curitiba, sua<br />
terra natal, e a cruz está no museu da cidade.<br />
Nunca esqueci ess<strong>as</strong> narrativ<strong>as</strong> e experiênci<strong>as</strong>. El<strong>as</strong> consolidaram na<br />
minha memória, como marco referencial de alto valor patriótico, momentos<br />
estranhos ao quotidiano da família, m<strong>as</strong> narrados com orgulho<br />
e carinho – como ações dign<strong>as</strong> de serem lembrad<strong>as</strong> e homenagead<strong>as</strong>.<br />
Ao visitar o grande monólito de mármore negro, recordando<br />
os mortos da guerra do Vietnã, em frente do Lincoln Memorial e o<br />
cemitério de Arlington, em W<strong>as</strong>hington, uma homenagem do povo<br />
americano aos seus mortos n<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> guerr<strong>as</strong> em que estiveram<br />
presentes, p<strong>as</strong>sei a ter uma perspectiva mais abrangente da missão<br />
e do destino dos militares no nosso tempo. Fui à Normandia, em<br />
1995, n<strong>as</strong> comemorações dos 50 anos do fim da II Guerra Mundial,<br />
procurar o recanto de repouso dos milhares de militares, de vári<strong>as</strong><br />
nações, que tombaram naquele lugar no esforço aliado para pôr fim<br />
à dominação nazif<strong>as</strong>cista. Não esqueço, n<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> capitais e grandes<br />
cidades do continente europeu, <strong>as</strong> plac<strong>as</strong>, em <strong>algum<strong>as</strong></strong> ru<strong>as</strong>, com os<br />
nomes dos membros da resistência que, naqueles lugares, foram<br />
mortos pelos inv<strong>as</strong>ores – um preito de permanente recordação e<br />
reconhecimento ao heroísmo que tem como argumento explicativo<br />
do ato praticado, um único e decisivo motivo – amor à pátria e à<br />
causa da liberdade. São milhares de cemitérios e monumentos<br />
dedicados aos militares que morreram em milhares de combates,<br />
que podem ser encontrados em todo o mundo.<br />
Por quê? Qual a justificativa dess<strong>as</strong> mortes? Foram mortes diferentes<br />
d<strong>as</strong> demais tragédi<strong>as</strong> e violênci<strong>as</strong>, foram mortes aceit<strong>as</strong> em<br />
razão de ordens, compromissos e juramentos feitos, talvez até mal<br />
compreendidos, talvez até impostos em situações sem alternativa,<br />
foram mortes dignificad<strong>as</strong> por uma causa – a liberdade de um pedaço<br />
de terra do planeta chamado pátria. Não são apen<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong><br />
vãs – dever, honra, compromisso, pátria, lealdade, liberdade – são<br />
palavr<strong>as</strong> que expressam uma adesão a uma crença, mesmo que não<br />
sustentada por refinad<strong>as</strong> elaborações intelectuais, e, em decorrência,<br />
comportamentos que geram fatos e consequênci<strong>as</strong>.<br />
Jamais esquecerei <strong>as</strong> narrativ<strong>as</strong> familiares, os livros, os filmes, <strong>as</strong><br />
visit<strong>as</strong> a esses lugares tornados sagrados pelos corpos daqueles que<br />
entregaram su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>, como mártires, por uma causa. Com emoção<br />
recordo aqueles momentos de suprema dedicação à pátria, de coragem,<br />
de lealdade e honra, de testemunho a valores morais que estão se<br />
perdendo, referênci<strong>as</strong> que fazem parte dos fundamentos mesmo d<strong>as</strong><br />
sociedades e sobre <strong>as</strong> quais <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> gerações pouco ou nada conhecem.<br />
É preciso recordar que tais alicerces foram construídos com vid<strong>as</strong> que<br />
foram ofertad<strong>as</strong> em prol de um ideal que aqueles homens e mulheres,<br />
bravos e determinados, acreditavam e ajudaram a defender.<br />
Vid<strong>as</strong> livres e conscientemente oferecid<strong>as</strong> por causa de uma crença<br />
tornam quaisquer mortes dign<strong>as</strong> de respeito, não necessariamente<br />
de adesão ou de aplauso às caus<strong>as</strong> que motivaram o fato, m<strong>as</strong> de<br />
respeito. Se nada for acrescentado como explicação, b<strong>as</strong>ta a presença<br />
dos mártires de um ideal para que o ocorrido permaneça como algo<br />
pelo menos diferente a ser lembrado, com crític<strong>as</strong> ou aplausos, m<strong>as</strong><br />
respeitado. Nenhuma vida ofertada é uma oferta vã, mesmo que<br />
motivada por pensamentos simples, talvez até ingênuos. A entrega<br />
68 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 69<br />
Reverencio aqueles militares<br />
que, muit<strong>as</strong> vezes, mesmo sem<br />
entender <strong>as</strong> intrincad<strong>as</strong> e tortuos<strong>as</strong><br />
vi<strong>as</strong> da política e da diplomacia dos<br />
seus países, honraram seus juramentos<br />
de servir, honraram a su<strong>as</strong> fard<strong>as</strong> e<br />
ofereceram o que possuíam<br />
de melhor e de mais precioso:<br />
su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong><br />
consciente de uma vida transmuda, em solenes compromissos históricos,<br />
de condenação ou aplauso, o objetivo pelo qual alguém lutou<br />
e morreu. A radical opção que foi tomada pelo militar que morre em<br />
combate, probabilidade sempre presente em su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>, é um fato a<br />
ser considerado quando a eles nos referimos. Ofertar seu bem mais<br />
precioso a uma causa coletiva faz do militar uma figura distinta d<strong>as</strong><br />
demais pesso<strong>as</strong>, mesmo aqueles soldados convocados, como um dever<br />
temporário imposto pela cidadania que usufruem, de acordo com <strong>as</strong><br />
leis e a Constituição dos seus países.<br />
Reverencio aqueles militares que, muit<strong>as</strong> vezes, mesmo sem<br />
entender <strong>as</strong> intrincad<strong>as</strong> e tortuos<strong>as</strong> vi<strong>as</strong> da política e da diplomacia<br />
dos seus países, honraram seus juramentos de servir, honraram<br />
a su<strong>as</strong> fard<strong>as</strong> e ofereceram o que possuíam de melhor e de mais<br />
precioso: su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>. Acreditaram que todos os mecanismos sociais<br />
e políticos, que fizeram mover o destino e <strong>as</strong> decisões de<br />
uma sociedade até aquele momento de confronto, eram medid<strong>as</strong><br />
just<strong>as</strong>, <strong>as</strong>sumid<strong>as</strong> também por homens e mulheres honestamente<br />
imbuídos do mesmo compromisso coletivo. Não perceberam que
alguns mentem, que alguns, solertes personagens, muit<strong>as</strong> vezes<br />
forçaram <strong>as</strong> situações de conflito que conduziram a história para<br />
um momento de guerra.<br />
<strong>Há</strong> momentos históricos, criados por circunstânci<strong>as</strong> muito<br />
especiais, onde a maioria da nação p<strong>as</strong>sa a acreditar em uma causa,<br />
na proposta de que todos estão comprometidos honesta e verdadeiramente<br />
com um objetivo comum certo, adequado, honesto e,<br />
portanto, justificando o sacrifício extremo se <strong>as</strong>sim for necessário.<br />
Não que eles, militares, sejam melhores do que os outros concidadãos,<br />
m<strong>as</strong>, no entanto, carregam pela vida a consciência de que<br />
pelos outros são capazes de se entregar integralmente, até morrer<br />
se preciso for, por decisão livre que <strong>as</strong>sumiram ao optarem pela<br />
carreira militar. Como decorrência, necessariamente cultivam a<br />
coragem de agir, coragem que descobrem no fundo de su<strong>as</strong> alm<strong>as</strong>,<br />
fruto não só do treinamento que recebem para o desempenho de<br />
su<strong>as</strong> missões específic<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> também pela motivação d<strong>as</strong> glorios<strong>as</strong><br />
tradições e exemplos do p<strong>as</strong>sado que lhes foram ensinados e nos<br />
quais acreditam integralmente. Foi <strong>as</strong>sim, qu<strong>as</strong>e sempre, nesses<br />
cenários de lut<strong>as</strong> que a humanidade progrediu em direção à democracia,<br />
à liberdade e à paz. As conquist<strong>as</strong> d<strong>as</strong> civilizações não foram<br />
realizad<strong>as</strong> e consolidad<strong>as</strong> com discursos ou poesi<strong>as</strong> – foram fruto de<br />
lut<strong>as</strong> cruent<strong>as</strong> onde os vencedores impuseram seus estilos de vida<br />
e su<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de pensar num processo persistente e ininterrupto<br />
do progredir da história d<strong>as</strong> nações.<br />
Orgulho-me de uma época que parece que já p<strong>as</strong>sou em definitivo,<br />
não restando nem a memória dos fatos gloriosos que abrigou.<br />
Abomino os medíocres que, indistintamente e a cada oportunidade,<br />
criticam mentirosa e irresponsavelmente os militares. Eles não<br />
deviam existir, dizem. São crític<strong>as</strong> vulgares, pervers<strong>as</strong> e mentiros<strong>as</strong><br />
na sua ação demolidora de uma história e de testemunhos que um<br />
dia honraram e motivaram o orgulho de nações inteir<strong>as</strong>. Hoje, em<br />
sociedades amorais, a lembrança honrada do p<strong>as</strong>sado ainda incomoda.<br />
Por isso é preciso desmerecê-l<strong>as</strong>, se não suprimi-l<strong>as</strong>. E, o pior,<br />
não se quer conhecer a verdade – se satisfazem na sua ignorância.<br />
Não querem pensar sobre <strong>as</strong> reais circunstânci<strong>as</strong> e condicionamentos<br />
políticos, legais, sociológicos e psicológicos que conduziram<br />
a existência dos militares, como grupo social diferenciado como<br />
tantos outros grupos que formam uma sociedade democrática. Não<br />
querem conhecer <strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> que levaram às guerr<strong>as</strong><br />
e o porquê da persistência d<strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> até os di<strong>as</strong> atuais.<br />
Quem são realmente os responsáveis pel<strong>as</strong> tragédi<strong>as</strong> que são <strong>as</strong><br />
guerr<strong>as</strong> que se abateram sobre a humanidade,<br />
em todo o seu percurso histórico e lá<br />
se vão centen<strong>as</strong> de séculos?<br />
O que condiciona os militares a ser o<br />
que são, cultivando um estilo de vida e uma<br />
forma de pensar muito próprios?<br />
Recordam sempre <strong>as</strong> tortur<strong>as</strong> praticad<strong>as</strong><br />
– fato que, inegavelmente, mancha<br />
a história militar de forma terrível. Esquecem,<br />
no entanto, que foram alguns<br />
desajustados, que existem em todos os<br />
grupamentos humanos, que praticaram o<br />
ocorrido, condenados pelos próprios coleg<strong>as</strong>,<br />
nunca uma política determinada pelo<br />
estilo de vida que os caracterizam ou da<br />
instituição a que pertencem. Foi, sempre,<br />
no Br<strong>as</strong>il e em todos os países, iniciativa<br />
de pesso<strong>as</strong> com personalidades distorcid<strong>as</strong>,<br />
como aquel<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> também encontrad<strong>as</strong><br />
em quaisquer corporações, e pela qual os militares já pagaram, sozinhos,<br />
um preço excessivo. Erraram, m<strong>as</strong> não todos, apen<strong>as</strong> alguns<br />
poucos. Podemos recordar atrocidades e arbitrariedades praticad<strong>as</strong>,<br />
no decorrer d<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong>, pelo Exército francês na guerra de<br />
libertação da África do Norte, pelo inglês na manutenção da ordem<br />
em su<strong>as</strong> colôni<strong>as</strong>, dos Estados Unidos na guerra permanente no<br />
Oriente Médio, pelo russo no Afeganistão, pelo japonês na China e<br />
Coreia, pelo alemão em toda a Europa, pelo português em Angola e<br />
Moçambique, pelo br<strong>as</strong>ileiro na revolução de 1964. São fatos deploráveis,<br />
merecedores de condenação, condenemos o desvio ocorrido<br />
não a corporação inteira pela ação de alguns de seus membros.<br />
Os militares em todos os países democráticos, a maioria do<br />
Ocidente, são subordinados ao poder civil. Se bem pesquisarmos a<br />
história podemos, hoje, verificar como os civis sempre condicionaram<br />
o comportamento dos militares, procurando n<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> armad<strong>as</strong><br />
o necessário poder para desfazer os malfeitos por eles mesmos praticados<br />
ou dar continuidade às su<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> de interesse nacional,<br />
também por eles definid<strong>as</strong>. Não poderia ser de outra forma, pois os<br />
civis, na qu<strong>as</strong>e totalidade, são os que compõem o Poder Executivo,<br />
o Legislativo e o Judiciário eleitos pelo povo. Guerr<strong>as</strong>, revoluções,<br />
não foram organizad<strong>as</strong>, planejad<strong>as</strong>, gestad<strong>as</strong>, pelos militares – certamente<br />
eles informam, <strong>as</strong>sessoram o poder civil, m<strong>as</strong> não decidem<br />
- cumprem ordens. O poder civil, os interesses econômicos, empresariais<br />
e políticos, os meandros da política internacional, formam<br />
o pano de fundo, o ambiente histórico que, em oc<strong>as</strong>iões especiais,<br />
conduzem ao conflito armado. É fácil distorcer os fatos junto à mídia<br />
e à população, oferecendo os acontecimentos que incriminem, no<br />
desenrolar do processo litigioso, aqueles que estão à frente dos fatos<br />
e são facilmente identificáveis, especialmente se fardados e armados.<br />
Por uma questão de formação, de disciplina, de organização de uma<br />
sociedade democrática, os militares permanecem calados e não explicam<br />
ao povo <strong>as</strong> razões de sua presença no processo beligerante, ao<br />
qual foram convocados a participar. Depois, qu<strong>as</strong>e sempre, o poder<br />
civil cala sobre <strong>as</strong> razões e consequênci<strong>as</strong> trágic<strong>as</strong> de su<strong>as</strong> decisões.<br />
P<strong>as</strong>sados os eventos do conflito, muit<strong>as</strong> vezes ajudam a jogar pedr<strong>as</strong><br />
naqueles que executaram su<strong>as</strong> determinações: os militares.<br />
Na Alemanha nazista os militares erraram ao permitir a <strong>as</strong>censão<br />
de Hitler e dos seus <strong>as</strong>secl<strong>as</strong>. M<strong>as</strong> o poder civil, os partidos políticos,<br />
<strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> cristãs, a mídia, também não souberam ou não quiseram<br />
reagir: calaram-se. Foram coniventes com a barbárie que se estruturava,<br />
com a liquidação da liberdade. Depois culparam os militares<br />
por terem permitido a <strong>as</strong>censão do tirano. O mesmo ocorreu na Itália<br />
f<strong>as</strong>cista, na Espanha franquista, em Portugal salazarista. O mesmo<br />
ocorreu em outros países latino-americanos. O mesmo aconteceu<br />
no Br<strong>as</strong>il quando políticos, banqueiros, empresários, latifundiários,<br />
representantes d<strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> cristãs, expoentes da imprensa, envolveram<br />
os militares com a argumentação de que só eles poderiam salvar<br />
o Br<strong>as</strong>il d<strong>as</strong> mãos do comunismo internacional, pedindo um b<strong>as</strong>ta<br />
à República sindicalista que um presidente fraco e inepto favorecia.<br />
Esquecem-se, os que espezinham e criticam os militares, especificamente<br />
no Br<strong>as</strong>il – poucos conhecem a história contemporânea<br />
– que o comunismo internacional, muito bem organizado em su<strong>as</strong><br />
múltipl<strong>as</strong> ações internacionais, naqueles anos que sucederam o fim<br />
da II Guerra Mundial, até o fim dos anos de 1980, quando ruiu o<br />
muro de Berlim e a seguir o Império Soviético, estava pronto para<br />
<strong>as</strong>sumir o controle de vários países, mormente na América Latina<br />
e África. Hoje essa trama internacional está amplamente divulgada<br />
e existe farta documentação que comprova <strong>as</strong> ações do comunismo<br />
internacional durante <strong>as</strong> <strong>décad<strong>as</strong></strong> da Guerra Fria. É de se recordar o<br />
que efetivamente ocorreu quando o comunismo internacional, com<br />
a União Soviética à frente, se <strong>as</strong>senhoreou, no final da década dos<br />
anos de 1940 da Hungria, da Romênia, da Bulgária, da Albânia, da<br />
Tchecoslováquia, da Polônia, da metade da Alemanha, qu<strong>as</strong>e tomando<br />
conta, inclusive, da Itália, da Grécia e da França. Era a esperada<br />
libertação dos povos do domínio capitalista. Não diziam que também<br />
seria o fim da liberdade muito mal plantada em inúmer<strong>as</strong> nações,<br />
m<strong>as</strong> promissora em outr<strong>as</strong> como era o c<strong>as</strong>o do Br<strong>as</strong>il.<br />
C<strong>as</strong>o os comunist<strong>as</strong> tivessem vencido por est<strong>as</strong> band<strong>as</strong>, o sistema<br />
de organização da sociedade que pretendiam implantar não<br />
permitiria o aparecimento nem de Lula, nem de Chávez, nem de<br />
Evo Morales dos di<strong>as</strong> atuais. Fidel C<strong>as</strong>tro não se apercebeu que<br />
a sua revolução era própria e adequada à sua ilha Cuba e acabou<br />
perturbando o continente sul-americano e até a África, com su<strong>as</strong><br />
propost<strong>as</strong> socialist<strong>as</strong> ineficientes e ultrap<strong>as</strong>sad<strong>as</strong>, com sua megalomania<br />
ridícula e truculenta e lá está até os di<strong>as</strong> de hoje a encantar<br />
parte da juventude ignorante do que realmente ocorreu. Os militares<br />
salvaram a democracia no Chile e no Br<strong>as</strong>il. Isso não é dito nem<br />
lembrado – um lamentável erro histórico, uma covardia acadêmica.<br />
A liberdade que hoje usufruímos se deve à revolução de março de<br />
1964. Certamente foram terríveis e condenáveis <strong>as</strong> prisões arbitrári<strong>as</strong>,<br />
<strong>as</strong> c<strong>as</strong>sações de direitos políticos, <strong>as</strong> tortur<strong>as</strong>, o fechamento<br />
do Congresso Nacional, a censura da imprensa – uma mancha na<br />
nossa história. Aconteceu, no entanto, num momento histórico<br />
muito próprio e, lamentavelmente, foi a resposta encontrada para<br />
o mal feito por civis, políticos, acadêmicos e empresários, que não<br />
souberam fazer vencer su<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> pelo caminho da democracia.<br />
70 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 357 71<br />
Ao não atenderem às necessidades dos mais pobres, em <strong>décad<strong>as</strong></strong><br />
de vigência de um Estado democrático em permanente evolução,<br />
criando “dois br<strong>as</strong>is” – os do que possuíam alguma coisa<br />
e a grande m<strong>as</strong>sa dos marginalizados – possibilitaram que<br />
demagogos incompetentes, seduzidos pelo socialismo irreal e<br />
inaplicável, como logo depois a história acabaria por comprovar,<br />
tent<strong>as</strong>sem uma revolução. A contrarrevolução que se instalou,<br />
autoritária, foi a resposta encontrada para suprimir a ameaça da<br />
ditadura comunista que<br />
se anunciava. Terrível<br />
momento da história br<strong>as</strong>ileira,<br />
que se espera que<br />
não mais se repita.<br />
As crític<strong>as</strong> superficiais<br />
e qu<strong>as</strong>e sempre ofensiv<strong>as</strong><br />
são simplist<strong>as</strong>: os militares<br />
são boçais, estúpidos,<br />
com pouca formação acadêmica<br />
não compreendem<br />
a história, a dinâmica social<br />
e desprezam os civis.<br />
São perversos, cultivam a<br />
violência, são autoritários<br />
e não admitem crític<strong>as</strong>. São arrogantes, acobertados pel<strong>as</strong> arm<strong>as</strong><br />
e pelo poder que ainda possuem.<br />
Não é nada disso.<br />
As ciênci<strong>as</strong> sociais, os estudos antropológicos, políticos e sociológicos,<br />
apontam, com clara evidência, a importância que a natural<br />
divisão do trabalho teve na organização e no funcionamento da<br />
vida coletiva d<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> sociedades, que se formaram ao longo dos<br />
tempos. Certamente foi um dos fatores determinantes mais importantes<br />
para o progresso da humanidade. Com o p<strong>as</strong>sar do tempo a<br />
especialização permitiu o progresso d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong>, d<strong>as</strong> tecnologi<strong>as</strong>,<br />
d<strong>as</strong> artes, da reflexão filosófica, teológica e da política. Cada um,<br />
com a divisão do trabalho, teve a oportunidade de desenvolver su<strong>as</strong><br />
naturais preferênci<strong>as</strong> e habilidades, permitindo <strong>as</strong>sim o crescimento<br />
do estoque de saberes e o aperfeiçoamento d<strong>as</strong> sociedades,<br />
contribuindo para que uma forma de viver coletiva, uma cultura<br />
diferenciada se torn<strong>as</strong>se possível e sobrevivesse ao confronto com<br />
outros grupos humanos, firmando sua individualidade própria e<br />
prosperando como nação.<br />
Na divisão natural do trabalho, quais são <strong>as</strong> atividades típic<strong>as</strong><br />
dos militares? Sempre foi a da defesa da comunidade, da vida e d<strong>as</strong><br />
propriedades – públic<strong>as</strong> e privad<strong>as</strong> – dos seus cidadãos, da soberania<br />
do seu território, da integridade de su<strong>as</strong> rot<strong>as</strong> comerciais, enfim do<br />
conjunto de interesses e conquist<strong>as</strong> que tornaram cada sociedade<br />
distinta d<strong>as</strong> demais e convivente, num mundo cada vez mais interdependente<br />
e competitivo, com outr<strong>as</strong> sociedades também soberan<strong>as</strong><br />
e com interesses e objetivos próprios a defender. É óbvio que para<br />
cumprir sua missão, como parte integrante de uma sociedade, com<br />
missão específica determinada pela divisão do trabalho, os militares<br />
são preparados para a luta, para o combate, para a guerra. Falhando<br />
os políticos, os diplomat<strong>as</strong>, na defesa dos interesses vitais de uma<br />
nação, a manutenção de sua identidade, resta a decisão pela força<br />
d<strong>as</strong> arm<strong>as</strong>, decisão esta sempre subordinada, mesmo durante sua<br />
execução, ao poder político civil, democraticamente constituído.<br />
Clausewitz, já no século XIX, definia a guerra “como a política<br />
exercida por outros meios” (War is not merely a political act, but<br />
also a political instrument, a continuation of political relations,<br />
a carrying out of the same by other means – in Da Guerra). Esta
<strong>as</strong>sertiva não é contestada pois é clara a sua evidência, mesmo<br />
nos di<strong>as</strong> atuais. Isto ainda é verdade – frac<strong>as</strong>sando <strong>as</strong> atividades<br />
geracionais de uma sociedade democrática, exercida pelos civis,<br />
só resta, se esta mesma sociedade pretende continuar a sobreviver<br />
livre e soberana, o apelo àqueles que destinaram su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong> para a<br />
defesa da pátria, como última opção para a sua sobrevivência como<br />
grupo humano com característic<strong>as</strong> própri<strong>as</strong>.<br />
Portanto, não peçam aos militares que se neguem a lutar. Não<br />
esperem que afrouxem e percam um combate, uma guerra que,<br />
uma vez iniciada, pelos políticos e diplomat<strong>as</strong>, por civis, tem uma<br />
dinâmica própria – vencer o inimigo da pátria, atingindo os objetivos<br />
determinados pela liderança política. A partir da deflagração de um<br />
conflito bélico cessa a lógica da paz, do altruísmo solidário, da bondade<br />
n<strong>as</strong> relações human<strong>as</strong> – vigora a lógica da eficiência dos combates,<br />
a lógica da vitória a ser conquistada nos campos de luta, conduzida<br />
e interpretada pelos militares, pois este é o seu trabalho, a sua especialidade,<br />
a sua missão. Podem os militares até ser incompreendidos,<br />
criticados por su<strong>as</strong> ações, m<strong>as</strong> não peçam nem esperem que sejam<br />
traidores da razão de su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong> – a defesa da pátria – construída pela<br />
natural divisão do trabalho numa sociedade que é dirigida por civis,<br />
num sistema político representativo e participativo, sob o império da<br />
lei que, democraticamente, conduziu o país à guerra.<br />
Em momentos de discussão pública sobre o papel dos militares<br />
na vida de uma nação, sempre são lembrad<strong>as</strong> <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> do discurso<br />
de despedida do presidente dos Estados Unidos, General Eisenhower,<br />
em que denunciou o perigo, para a democracia e a paz, d<strong>as</strong> pressões<br />
polític<strong>as</strong> exercid<strong>as</strong> pelo “complexo militar industrial”. Parece que os<br />
eternos críticos d<strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> se esquecem do componente<br />
industrial e só se referem ao componente militar, da argumentação<br />
apresentada no discurso do ilustre presidente americano. Sabe-se,<br />
e a mídia é exuberante em apresentar os fatos ocorridos no último<br />
século, como os civis, donos d<strong>as</strong> indústri<strong>as</strong> que podem produzir<br />
artefatos bélicos, capitalist<strong>as</strong> possuidores de incalculáveis riquez<strong>as</strong>,<br />
manipulam a política, os políticos, muit<strong>as</strong> vezes os corrompendo,<br />
da mesma forma como se intrometem n<strong>as</strong> relações internacionais,<br />
quando seus negócios indicam ser o melhor caminho para prosperarem,<br />
gerando situações de conflito entre nações, para <strong>as</strong>sim<br />
obrigar, “pelo interesse nacional”, a interferência militar.<br />
Certamente que <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> conhecem o potencial bélico<br />
de possíveis contendores e, logicamente, solicitam nos orçamentos<br />
nacionais <strong>as</strong> condições mínim<strong>as</strong> de equipamentos e arm<strong>as</strong> para,<br />
quando e se forem chamados a atuar, possam atender com eficácia<br />
os apelos da pátria, interpretados pelos civis, parlamentares, empresários,<br />
diplomat<strong>as</strong>, que representam a nação. Não queiram que<br />
uma força militar, mal equipada e mal treinada, possa atender às<br />
expectativ<strong>as</strong> de defesa do povo apen<strong>as</strong> com coragem e disciplina. É<br />
preciso que <strong>as</strong> forç<strong>as</strong> armad<strong>as</strong> estejam equipad<strong>as</strong> na proporção d<strong>as</strong><br />
possíveis missões que o poder civil possa, um dia, vir a ordenar que<br />
cumpram. É normal, numa sociedade democrática, que os vários<br />
segmentos que a compõe – educação, saúde, transportes, comunicação,<br />
forç<strong>as</strong> armad<strong>as</strong>, energia, agricultura, indústria – procurem nos<br />
orçamentos a serem votados uma melhor participação, amparados<br />
por argumentos e estudos comprobatórios de su<strong>as</strong> necessidades. Os<br />
recursos, os orçamentos, são produtos de decisões de civis que atuam<br />
no Legislativo e Executivo – são eles que estabelecem <strong>as</strong> prioridades,<br />
julgam <strong>as</strong> solicitações e direcionam os recursos nacionais segundo os<br />
interesses da nação da qual são os legítimos representantes. Não são<br />
os militares que determinam a parcela da riqueza nacional que a eles<br />
deve ser alocada – como os demais setores apontam su<strong>as</strong> necessidades<br />
e apresentam su<strong>as</strong> justificativ<strong>as</strong>. Se o sistema político não é auten-<br />
ticamente representativo dos interesses nacionais pode sim ocorrer<br />
distorções, m<strong>as</strong>, mais uma vez insisto, a responsabilidade pelo mal<br />
feito cabe aos civis que gerenciam e decidem os destinos do país.<br />
Iludem-se os que pensam que <strong>as</strong> guerr<strong>as</strong>, os conflitos armados<br />
não mais ocorrerão. B<strong>as</strong>ta prestar atenção para o que vem acontecendo<br />
de forma crescente, em nossos di<strong>as</strong>, em todos os continentes:<br />
<strong>terrorismo</strong> desvairado, crime organizado atingindo v<strong>as</strong>t<strong>as</strong> extensões<br />
territoriais, o narcotráfico, <strong>as</strong> disput<strong>as</strong> étnic<strong>as</strong> e religios<strong>as</strong>, os questionamentos<br />
sobre a localização d<strong>as</strong> reais fronteir<strong>as</strong> que dividem<br />
<strong>as</strong> nações, o acesso e o uso dos mananciais de água potável, a posse<br />
de fontes de energia não renováveis, a exploração dos minerais do<br />
fundo dos mares, os direitos de pesca, a poluição atmosférica que<br />
supera <strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> terrestres afetando vários países, o contrabando<br />
de mercadori<strong>as</strong> perturbando o comércio internacional. São questões<br />
que devem ser considerad<strong>as</strong> para que se perceba, com maior clareza,<br />
a necessidade dos países de manterem Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong> eficientes,<br />
com rápida capacidade de mobilização e de deslocamento de expressivos<br />
efetivos, de tal forma que o país que <strong>as</strong> utilizar possa garantir<br />
sucesso na iniciativa e seu objetivo estratégico ser alcançado.<br />
O Br<strong>as</strong>il, recentemente, precisou apelar para <strong>as</strong> Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong><br />
com a finalidade de restabelecer a ordem em determinada área do<br />
estado do Rio de Janeiro, então n<strong>as</strong> mãos do crime organizado,<br />
fato que pode ocorrer em outr<strong>as</strong> unidades da Federação. O governo<br />
br<strong>as</strong>ileiro enviou e mantém trop<strong>as</strong> no Haiti e deverá contribuir na<br />
Força de Paz que irá se estabelecer no Líbano, como apoio e afirmação<br />
de sua política exterior. Em p<strong>as</strong>sado não muito remoto, enviou<br />
militares, sob o comando d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong>, para a faixa de Gaza<br />
e para o Timor, bem como observadores da ONU na conflagrada ex<br />
Iugoslávia, com a missão de <strong>as</strong>segurarem a paz ameaçada naquel<strong>as</strong><br />
paragens. Precisamos estar preparados para ess<strong>as</strong> missões que podem<br />
ser solicitad<strong>as</strong> a qualquer momento neste mundo instável em<br />
que vivemos. No entanto, para que isso aconteça, torna-se necessário<br />
uma política permanente de reequipamento, treinamento e manutenção<br />
de um efetivo mínimo do Exército, Marinha e Aeronáutica,<br />
de tal forma que nossa presença no mundo contemporâneo seja<br />
considerada como um país de real expressão econômica, política,<br />
diplomática e militar. Não há alternativa a ser considerada – a não<br />
ser a irresponsabilidade para com <strong>as</strong> necessidades da nação.<br />
Os militares, os cidadãos que por primeiro sofrem com os horrores<br />
da batalha, com os sofrimentos infligidos pela guerra, são os cidadãos<br />
que mais <strong>as</strong>piram a paz. Vale, no seu estilo e determinação de vida, a<br />
sábia orientação da máxima latina: Si vis pacem, para bellum (Se queres<br />
paz, prepara-te para a guerra). Cabe aos civis, ao processo educacional<br />
de qualidade, às igrej<strong>as</strong> cristãs, eliminarem ou diminuírem o mal, o<br />
pecado do mundo, conquistando <strong>as</strong> condições de realização da paz.<br />
Os militares devem ganhar <strong>as</strong> guerr<strong>as</strong>, proteger a nação, su<strong>as</strong> leis e<br />
Constituição – esta é a sua missão, sua atribuição constitucional.<br />
Certamente podemos visualizar na já longa caminhada da humanidade,<br />
exemplos notáveis de virtudes pessoais e coletiv<strong>as</strong>, bem<br />
como instantes da mais deslavada predominância do mal cometido<br />
por pesso<strong>as</strong> ou por grupos de pesso<strong>as</strong>. Não precisamos nos deter<br />
muito mais debatendo esse pressuposto óbvio e irretocável: o mal,<br />
n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de manifestação, existe como decorrência<br />
mesmo da liberdade e da racionalidade da pessoa humana que faz<br />
opções na sua vida. Os militares, tratando-se daquilo que é considerado<br />
um mal para a sua nação, por sua liderança política civil,<br />
tratarão de eliminá-lo ou contê-lo, segundo os meios de combate e<br />
de treinamento que possuem.<br />
Apreendi que cert<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, com tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> possibilidades<br />
e força de comunicação, são o norte, a orientação principal<br />
da vida de um militar: Pátria, Honra e Lealdade. Uma ideologia<br />
que se cristaliza em tradição, disciplina, hierarquia e coragem.<br />
Agem, como outros grupamentos humanos que possuem su<strong>as</strong><br />
ideologi<strong>as</strong> própri<strong>as</strong> – partidos políticos, sindicatos, organizações<br />
vári<strong>as</strong> que compõe uma sociedade.<br />
O mesmo povo que hoje cospe no rosto dos militares, a mesma<br />
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juventude que debocha do estilo de vida que os militares cultivam<br />
e dos valores pelos quais estão dispostos a dar a vida, é o que<br />
nos momentos de perigo vai exigir, clamar por Forç<strong>as</strong> Armad<strong>as</strong><br />
capazes de defendê-lo exigindo, nesse momento, que <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong><br />
estejam pront<strong>as</strong>, bem equipad<strong>as</strong> e treinad<strong>as</strong>. Isto aconteceu em<br />
2010 no Br<strong>as</strong>il e tende a se repetir outr<strong>as</strong> vezes, com percepção<br />
clara dos inimigos internos e externos a<br />
serem neutralizados.<br />
Frente a tal situação os militares ficam estupefatos,<br />
desorientados e tristes. Desolados<br />
com o abandono dos políticos, historiadores,<br />
filósofos, igrej<strong>as</strong>, professores, que gozam<br />
a liberdade, a paz e o progresso que foram<br />
erguidos, em p<strong>as</strong>sado não muito distante,<br />
também com lut<strong>as</strong>, com guerr<strong>as</strong>, com a perda<br />
de inúmer<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>, geralmente de jovens,<br />
que acreditavam que lutavam e morriam<br />
por uma causa justa, cumprindo ordens dos<br />
legítimos dirigentes de sua nação, esperando,<br />
no desespero trágico dos combates, apen<strong>as</strong><br />
cumprir a missão que lhes fora confiada e<br />
o reconhecimento do seu povo para com os<br />
sacrifícios que se dispuseram a fazer. Essa<br />
disposição continua a mesma.<br />
Acredito que todos os cidadãos e cidadãs<br />
esperam pelo dia em que não mais existirão<br />
conflitos. Que <strong>as</strong> naturais divergênci<strong>as</strong> de<br />
opinião e conflitos de interesse possam<br />
ser resolvidos nos parlamentos nacionais<br />
e internacionais. São inúmer<strong>as</strong> <strong>as</strong> vozes<br />
de mulheres e de homens ilustres que, no<br />
decorrer da história da humanidade, propugnaram<br />
pelo aperfeiçoamento da democracia,<br />
da liberdade, da justiça e da paz. Muito já foi<br />
feito e consolidado na organização da vida<br />
d<strong>as</strong> nações e da n<strong>as</strong>cente ordem internacional.<br />
Muito resta a ser feito. Vale recordar <strong>as</strong><br />
palavr<strong>as</strong> do profeta Isaí<strong>as</strong>:<br />
“Com efeito, de Sião sairá a Lei, e de Jerusalém,<br />
a palavra de Iahweh. Ele julgará <strong>as</strong><br />
nações, Ele corrigirá a muitos povos. Estes<br />
quebrarão <strong>as</strong> su<strong>as</strong> espad<strong>as</strong>, transformando<strong>as</strong><br />
em relh<strong>as</strong>, e <strong>as</strong> su<strong>as</strong> lanç<strong>as</strong>, a fim de fazerem<br />
podadeir<strong>as</strong>. Uma nação não levantará a<br />
espada contra a outra, e nem se aprenderá<br />
mais a fazer guerra” (Is 2, 1-4).<br />
Os militares, disciplinadamente atentos,<br />
certamente saberão dizer, como uma<br />
oração, na trilha d<strong>as</strong> tradições que cultivam,<br />
como último alento de certeza na missão<br />
que lhes foi confiada pela sociedade, como<br />
tão singelamente cantou C<strong>as</strong>tro Alves, (in<br />
“Dous de Julho”), com sua poesia vibrante<br />
de emoção e pertinência:<br />
“Heróis! Como o cedro augusto<br />
Campeia rijo e vetusto<br />
Dos séculos ao perp<strong>as</strong>sar,<br />
Vós sois os cedros da História,<br />
A cuja sombra de glória<br />
Vai-se o Br<strong>as</strong>il abrigar.”
últiMa Página<br />
deus à luciana<br />
A<br />
É com<br />
profundo pesar que participamos<br />
o falecimento da nossa colaboradora<br />
na Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a Sra.<br />
Luciana Buarque Goulart, em 15 de<br />
janeiro deste ano.<br />
Nossa querida Luciana trabalhou na revista<br />
desde julho de 1998, e tinha como tarefa organizar<br />
os trabalhos propostos para publicação, manter<br />
contato com os autores, orientar o diretor de arte<br />
quanto a detalhes pertinentes ao texto e coordenar<br />
a produção final da revista. Pelo contato afável que<br />
manteve com os autores d<strong>as</strong> matéri<strong>as</strong>, foi sempre<br />
muito elogiada e querida.<br />
A direção da revista sempre teve nela uma<br />
incansável colaboradora e amiga, que facilitava a<br />
relação com os nossos autores de textos.<br />
Tudo o que ela representou nesses anos, a sua<br />
amizade, simpatia e fino trato com todos do Departamento<br />
Cultural, deixou em nossos corações<br />
um grande vazio.<br />
À sua família, portanto, em nome do <strong>Clube</strong><br />
<strong>Naval</strong> e de todos nós que desfrutamos do seu convívio,<br />
transmitimos os mais sinceros sentimentos<br />
de condolência.<br />
ClubE NAvAl, 127 ANoS<br />
o Presidente do <strong>Clube</strong> naval, vice-almirante ricardo antônio da vega Cabral tem a honra de convidar<br />
para <strong>as</strong> cerimôni<strong>as</strong> comemorativ<strong>as</strong> do 127º aniversário do<br />
<strong>Clube</strong> naval, que serão realizad<strong>as</strong> no dia 10 de junho<br />
de 2011: homenagem ao almirante saldanha da Gama,<br />
na praça que tem o seu nome, no jardim de alah,<br />
às 9 hor<strong>as</strong>. missa em ação de graç<strong>as</strong> em memória dos<br />
sócios falecidos, na igreja santa Cruz dos militares,<br />
na rua 1º de março, 36, às 11 hor<strong>as</strong>.<br />
Traje: p<strong>as</strong>seio completo.<br />
militares da mB: 5.3.<br />
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