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<strong>Carreiras</strong>, <strong>re<strong>de</strong>s</strong> e <strong>internacionalização</strong>:<br />
um estudo do agronegócio<br />
1<br />
Mario Grynszpan<br />
CPDOC, FGV-RJ<br />
Dep. História, UFF<br />
O Brasil é, hoje, um dos gran<strong>de</strong>s exportadores mundiais <strong>de</strong> commodities como soja,<br />
açúcar, álcool, laranja, frango, carne vermelha, café e fumo, entre outras. Da exportação <strong>de</strong><br />
produtos do setor primário <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> fortemente a economia do país, o que é, na verda<strong>de</strong>, uma<br />
<strong>de</strong> nossas marcas mais antigas e contínuas. O que não é antigo, nem contínuo, é o termo que<br />
vem sendo empregado para referir o conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a produção até a<br />
comercialização <strong>de</strong> produtos da agropecuária e tudo que a elas se relaciona: agronegócio. De<br />
fato, mais do que as ativida<strong>de</strong>s, mais do que o negócio em si, o termo agronegócio abarca uma<br />
ampla gama <strong>de</strong> atores, instituições, agências, processos que com eles se relacionam, mas que<br />
vão além do eixo básico da agropecuária, incluindo também, por exemplo, a produção <strong>de</strong><br />
máquinas e o financiamento. Seu uso mais sistemático, embora já o tenhamos naturalizado, é<br />
relativamente recente, po<strong>de</strong>ndo ser datado dos anos 1970, intensificando-se a partir, dos 1990.<br />
Se agronegócio se afirmou, atualmente, como um termo bastante reconhecido,<br />
difundido, circulando com recorrência, ainda que carregado <strong>de</strong> sentidos diversos, na mídia,<br />
nos discursos e projetos oficiais, nos meios políticos, nas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças<br />
empresariais, nos documentos e manifestações <strong>de</strong> movimentos sociais, nos textos e <strong>de</strong>bates<br />
acadêmicos, foi como resultado, entre outros fatores, do trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição, <strong>de</strong><br />
representação, <strong>de</strong> articulação, das lutas políticas e da <strong>internacionalização</strong> <strong>de</strong> alguns atores e<br />
instituições, bem como <strong>de</strong> ações empreendidas pelo Estado. Caracterizar estas ações, este<br />
trabalho, estes processos como elementos fundamentais da gênese do agronegócio no Brasil,<br />
tal é o objetivo <strong>de</strong>ste texto. Para tanto, serão exploradas as trajetórias <strong>de</strong> dois indivíduos<br />
reconhecidos como fortemente associados à afirmação do agronegócio no país.
1<br />
COLÓQUIO SABER E PODER<br />
Focus, Unicamp, 10/2008<br />
Em 1996, com o apoio da Socieda<strong>de</strong> Rural Brasileira (SRB), foi publicado um livro em<br />
homenagem ao agrônomo Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo, morto no início daquele ano. Seu título<br />
era Ney Bittencourt: o dínamo do agribusiness. 1 A obra foi organizada pelo também agrônomo<br />
Roberto Rodrigues, que presidia a SRB, e reunia diversos pequenos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> pessoas<br />
que tiveram algum convívio com Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo. Um dos pontos mais<br />
recorrentemente ressaltados nos <strong>de</strong>poimentos é o do empenho do homenageado em trazer,<br />
difundir e consolidar a idéia <strong>de</strong> agribusiness no Brasil. É, em gran<strong>de</strong> parte, a <strong>de</strong> um apóstolo<br />
que peregrinou incansavelmente por todos os cantos do país levando a mensagem do<br />
agribusiness, a imagem que fica <strong>de</strong> Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo a partir do livro. E<br />
promovendo essa imagem, guardando a memória <strong>de</strong> Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo, estava<br />
Roberto Rodrigues, hoje, sem dúvida, um dos mais reconhecidos porta-vozes do agronegócio<br />
no Brasil.<br />
Até os anos 1990, como se vê pelo título do livro, o termo mais comumente utilizado<br />
no Brasil era agribusiness, do qual agronegócio é uma tradução. A origem da noção <strong>de</strong><br />
agribusiness é atribuída ao trabalho <strong>de</strong> dois professores da Harvard Business School (HBS),<br />
ainda nos anos 1950, John H. Davis e Ray A. Goldberg. Os dois publicaram, em 1957, o livro A<br />
concept of agribusiness, que veio a se afirmar como obra que lançou o conceito. 2 Segundo os<br />
autores, mudanças rápidas que ocorriam na economia nacional americana vinham produzindo<br />
impactos profundos na socieda<strong>de</strong> rural daquele país, transformando-a <strong>de</strong> forma dramática.<br />
Operando como um importante acelerador <strong>de</strong>ssas mudanças, acentuavam Davis e Goldberg,<br />
estavam as forças da pesquisa e da tecnologia. A agricultura, diante disso, tendia, cada vez<br />
1<br />
Rodrigues, Roberto (org.). Ney Bittencourt: o dínamo do agribusiness. São Paulo, s. ed., 1996.<br />
2<br />
Davis, John H. & Goldberg, Ray A. A concept of agribusiness. Boston, Division of Research, Graduate<br />
School of Business Administration, Harvard University, 1957. Mesmo antes da publicação do livro,<br />
John H. Davis já havia discutido a idéia <strong>de</strong> agribusiness em conferências, como "Business<br />
responsibility and the market for farm products”, que apresentou em um evento sobre distribuição<br />
realizado em Boston, em 1955 (Fusonie, Alan E. “John H. Davis: his contribution to agricultural<br />
education and productiviy”. Agricultural History, v. 60, n. 2: 97-110, spring 1986.). No ano seguinte, o<br />
autor publicou o artigo “From agriculture to agribusiness”, na Harvard Business Review (Davis, John<br />
H. “From agriculture to agribusiness”. Harvard Business Review, v. 34, n, 1: 107-115, jan.-feb. 1956.).<br />
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mais, a romper o seu isolamento, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser um setor autônomo da economia, para se<br />
integrar <strong>de</strong> forma crescente aos <strong>de</strong>mais, o que também significava criar crescentes laços <strong>de</strong><br />
inter<strong>de</strong>pendência com eles.<br />
A realida<strong>de</strong> da agricultura mo<strong>de</strong>rna, afirmavam, era inseparável tanto das empresas<br />
que produziam seus suprimentos, como sementes, fertilizantes, máquinas, quanto daquelas<br />
que comercializavam seus produtos. Esse era o conjunto da ca<strong>de</strong>ia do agribusiness, que<br />
englobava operações realizadas antes, durante e após a produção nas unida<strong>de</strong>s agrícolas. Ele<br />
recobria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a produção e a distribuição <strong>de</strong> máquinas e outros suprimentos agrícolas,<br />
passando pela produção nas unida<strong>de</strong>s agrícolas, indo até o armazenamento, o processamento e<br />
a distribuição <strong>de</strong> produtos agrícolas e dos itens com eles produzidos. Envolvendo, portanto,<br />
uma diversa gama <strong>de</strong> operações e ativida<strong>de</strong>s, as ca<strong>de</strong>ias do agribusiness integravam também<br />
um amplo conjunto <strong>de</strong> agentes, <strong>de</strong> diferentes setores da economia. Sendo assim, acentuavam<br />
Davis e Goldberg, qualquer problema, em qualquer ponto da ca<strong>de</strong>ia, só po<strong>de</strong>ria ser pensado,<br />
avaliado, pesquisado, resolvido, levando em conta o sistema <strong>de</strong> agribusiness como um todo,<br />
local e internacionalmente.<br />
A conversão <strong>de</strong> Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo às idéias <strong>de</strong> Davis e Goldberg se <strong>de</strong>u,<br />
sobretudo, a partir dos anos 1970, em passagens pelos Estados Unidos. Foi em 1958 que ele se<br />
formou pela Escola Superior <strong>de</strong> Agricultura da então Universida<strong>de</strong> Rural do Estado <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais (UREMG), que originou a Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa. 3 Seu pai, Antônio<br />
Secundino <strong>de</strong> São José, foi o primeiro engenheiro-agrônomo a se formar naquela mesma<br />
Escola, on<strong>de</strong> também se tornou professor, <strong>de</strong>senvolvendo pesquisas na área <strong>de</strong> genética<br />
vegetal, sobretudo com milho híbrido, pelo qual se interessou durante um período <strong>de</strong> estudos<br />
nos Estados Unidos, no Mississipi e em Iowa, na década <strong>de</strong> 1930. Em 1945, Antônio Secundino<br />
criou a Agroceres, on<strong>de</strong> pesquisas eram <strong>de</strong>senvolvidas com fins comerciais. A Agroceres foi a<br />
primeira empresa a <strong>de</strong>senvolver, produzir e comercializar semente <strong>de</strong> milho híbrido no país.<br />
Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo foi o sucessor <strong>de</strong> seu pai na direção da empresa. 4<br />
Em 1970, Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo fez um curso <strong>de</strong> administração na American<br />
Management Association, em Nova York. Dessa década em diante, participou <strong>de</strong> diferentes<br />
3<br />
A UREMG transformou-se na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa em 1969.<br />
4<br />
http://www.vicosa.com.br/Vicosa/Secundino.htm, consultado em 30/03/2009.<br />
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edições do seminário <strong>de</strong> agribusiness da HBS, o que se <strong>de</strong>u ao mesmo tempo em que buscou<br />
diversificar os investimentos da Agroceres, julgando ser esta excessivamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das<br />
sementes <strong>de</strong> milho, que representavam 80% <strong>de</strong> suas vendas. 5 Foi no seminário <strong>de</strong> 1976 que ele<br />
conheceu Ken Woolley, então diretor da Pig Improvement Company (PIC), empresa que<br />
<strong>de</strong>senvolvia pesquisas <strong>de</strong> melhoria genética <strong>de</strong> porcos. Do encontro resultou, em 1977, uma<br />
associação que permitiu à Agroceres expandir a sua atuação também para o campo da genética<br />
animal. 6 Tudo isso, cabe ressaltar, se <strong>de</strong>u também como parte <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> Ney<br />
Bittencourt <strong>de</strong> Araújo <strong>de</strong> retomar o controle acionário da Agroceres que havia, a partir dos<br />
anos 1950, passado à International Basic Economy Corporation (IBEC), criada por Nelson<br />
Rockefeller em 1947. A retomada se <strong>de</strong>u em 1980.<br />
A idéia <strong>de</strong> agribusiness foi ganhando fôlego ao longo dos anos 1980, sendo apropriada<br />
por uma parcela do empresariado que passou a disputar posições hegemônicas com antigas<br />
li<strong>de</strong>ranças do setor, que estavam à frente <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s mais tradicionais, como a Socieda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Agricultura (SNA) e a Confe<strong>de</strong>ração Nacional da Agricultura (CNA). Um<br />
nome importante nessas disputas foi o do agrônomo Roberto Rodrigues. Produtor <strong>de</strong> cana no<br />
estado <strong>de</strong> São Paulo, Roberto Rodrigues ganhou visibilida<strong>de</strong> à frente do movimento<br />
cooperativista, chegando à presidência da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)<br />
em meados dos anos 1980. Seu nome ganhou projeção nacional também nesse período,<br />
sobretudo com a criação da Frente Ampla da Agropecuária Brasileira, em 1986.<br />
A Frente visava aglutinar os interesses do setor agropecuário e influir na nova<br />
institucionalida<strong>de</strong> que se construía após o fim do regime militar, particularmente na<br />
elaboração da nova Constituição. Dela participavam entida<strong>de</strong>s patronais rurais, com exceção<br />
da União Democrática Ruralista (UDR), que ficou <strong>de</strong> fora, além <strong>de</strong> outros setores, como o<br />
financeiro, que também tinham relação com a agropecuária. Roberto Rodrigues foi secretário<br />
da Frente e, nessa condição, tomou a dianteira <strong>de</strong> várias ações e negociações importantes,<br />
5<br />
No início da década <strong>de</strong> 1970, as sementes <strong>de</strong> milho híbrido foram atacadas por um fungo que, nos<br />
Estados Unidos, levou à perda <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> parte da colheita. A Agroceres, naquele momento,<br />
<strong>de</strong>cidiu eliminar toda a sua produção, investindo na busca <strong>de</strong> sementes resistentes. Rodrigues, Roberto<br />
(org.). cit. p. 241.<br />
6<br />
Zylberstajn, Decio; Turner, Jonathan C.; Jones, James V. H. “Agroceres-PIC”. Journal of Business<br />
Research, 50: 71 e 72, 2000.<br />
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ganhando projeção nacional para além dos círculos agropecuários e do movimento<br />
cooperativista. Ele se afirmou como um articulador e um interlocutor importante,<br />
apresentando-se como um contraponto às posições mais extremadas da UDR, além <strong>de</strong> se<br />
tornar um porta-voz reconhecido <strong>de</strong> uma agropecuária que se apresentava como mo<strong>de</strong>rna, que<br />
pensava para além da porteira da fazenda e que se internacionalizava.<br />
Para Roberto Rodrigues, portanto, a Frente Ampla foi um marco importante para a<br />
nacionalização da sua li<strong>de</strong>rança, para tornar o agribusiness no Brasil uma realida<strong>de</strong>. Nesse<br />
mesmo processo, fundiu-se a sua li<strong>de</strong>rança, a sua imagem, ao agribusiness. Relembrando hoje<br />
aquele momento, ele afirma:<br />
Em meados dos anos 80, foi criada pela atuação conjunta da OCB, SRB e CNA, a<br />
Frente Ampla da Agropecuária Brasileira, uma espécie <strong>de</strong> colegiado <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s do<br />
agronegócio, juntando cooperativas, sindicatos, associações <strong>de</strong> produtores, bancos, da<br />
indústria <strong>de</strong> insumos e <strong>de</strong> transformação. Não tinha estatuto, se<strong>de</strong>, orçamento nem<br />
presi<strong>de</strong>nte, e objetivava unificar o discurso do agribusiness nacional. Foi um período rico<br />
para o setor. Esta unificação foi conseguida e gran<strong>de</strong>s vitórias foram alcançadas, inclusive,<br />
durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte. Apren<strong>de</strong>u-se, na ocasião, que<br />
um trabalho articulado redundaria em benefícios para a classe rural.<br />
Foi neste período que Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo trouxe <strong>de</strong> Harvard o conceito <strong>de</strong><br />
agribusiness, <strong>de</strong>senvolvido por Ray Goldberg e seus assistentes, mostrando que a Frente<br />
Ampla nada mais era do que um fórum do agribusiness brasileiro. 7<br />
Assim como Roberto Rodrigues, Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo teve também um papel<br />
importante na Frente Ampla da Agropecuária Brasileira. Os dois tinham já uma ligação<br />
prévia e Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo ocupou uma diretoria da OCB quando ela foi presidida<br />
por Roberto Rodrigues. Além <strong>de</strong> atuar junto aos meios intelectuais e políticos, Ney<br />
Bittencourt <strong>de</strong> Araújo aproximava-se dos meios acadêmicos, freqüentando encontros e<br />
congressos nacionais, como os da Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Economia, Administração e<br />
Sociologia Rural (SOBER), e internacionais, on<strong>de</strong> não apenas colhia idéias, mas também<br />
apresentava trabalhos. A Agroceres, que era já uma empresa reconhecida pelo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> pesquisa aplicada em sementes e, posteriormente, também em melhoria<br />
7 http://abag.sites.srv.br/site/item.asp?c=396, consultado em 31/03/2009.<br />
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animal, 8 passou a ser uma base importante para o <strong>de</strong>bate e a afirmação do agribusiness nos<br />
meios empresariais, mas igualmente nos acadêmicos. 9<br />
Em 1990, marcando os 45 anos <strong>de</strong> existência da Agroceres, Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo<br />
lançou, juntamente com dois agrônomos da empresa, Ivan We<strong>de</strong>kin e Luiz Antônio Pinazza,<br />
um livro que é também citado como um marco importante do <strong>de</strong>bate e da afirmação do<br />
agribusiness no Brasil, Complexo agroindustrial: o agribusiness brasileiro. 10 Além disso,<br />
promoveu um seminário para o qual trouxe Ray Goldberg. Na verda<strong>de</strong>, ao mesmo tempo em<br />
que importava, impunha e difundia a noção <strong>de</strong> agribusiness no Brasil, vinculando também<br />
seu nome a ela, Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo ampliava sua presença em <strong>re<strong>de</strong>s</strong> internacionais<br />
ligadas ao agribusiness, tendo seus vínculos com Ray Goldberg colaborado para isso. No<br />
mesmo ano <strong>de</strong> 1990, foi criada a IAMA, International Food and Agribusiness Management<br />
Association, da qual o americano foi um dos fundadores e presi<strong>de</strong>nte. Ney Bittencourt <strong>de</strong><br />
Araújo foi também um dos membros fundadores da associação, tendo feito parte do seu<br />
conselho <strong>de</strong> diretores no início dos anos 1990. 11<br />
A partir da década <strong>de</strong> 1990, agribusiness, mais do que uma noção, um conceito, passou<br />
a ser uma categoria <strong>de</strong> aglutinação e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> agentes e instituições diversos, com<br />
porta-vozes e órgãos <strong>de</strong> representação próprios. O trabalho <strong>de</strong> imposição do termo foi parte<br />
do processo <strong>de</strong> constituição do grupo que buscava <strong>de</strong>finir. Em 1993, foi criada a Associação<br />
Brasileira <strong>de</strong> Agribusiness (ABAG), presidida por Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo. A ABAG<br />
8 Em 1981, logo após retomar o controle da Agroceres, Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo conseguiu, junto à<br />
Finep, um gran<strong>de</strong> financiamento para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> pesquisa aplicada voltada para sementes.<br />
Rodrigues, Roberto (org.). cit. p. 94. A proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo com o campo<br />
acadêmico, fazendo a ponte entre empresa e pesquisa, ren<strong>de</strong>u-lhe o assento em conselhos <strong>de</strong> órgãos<br />
como o CNPq, a Embrapa e o Laboratório Nacional <strong>de</strong> Luz Sincrotron. Ele foi, também, presi<strong>de</strong>nte do<br />
grupo Universida<strong>de</strong>-Empresa do Fórum <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>de</strong> São Paulo, da Secretaria <strong>de</strong> Ciência e<br />
Tecnologia <strong>de</strong> São Paulo.<br />
9 Em algumas <strong>de</strong> suas idas à HBS para participar do seminário <strong>de</strong> agribusiness, Ney Bittencourt <strong>de</strong><br />
Araújo levou também técnicos da empresa. Um dos que foram foi o agrônomo Ivan We<strong>de</strong>kin que,<br />
posteriormente, teve também o seu nome ligado à afirmação do agribusiness no Brasil. Rodrigues,<br />
Roberto (org.). cit. p. 115.<br />
10 Araújo, Ney Bittencourt <strong>de</strong>, We<strong>de</strong>kin, Ivan e Pinazza, Luiz Antônio. Complexo agroindustrial: o<br />
agribusiness brasileiro. São Paulo, Agroceres, 1990.<br />
11<br />
http://www.ifama.org/tamu/iama/conferences/2003Conference/fellowsbios.<strong>pdf</strong>, acessado em<br />
01/04/2009.<br />
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congregava, além <strong>de</strong> órgãos <strong>de</strong> representação como a SRB, a SNA e a OCB, diversas<br />
empresas, como Agroceres e Sadia. Ela atuava nos meios empresariais, mas também buscava<br />
articulações com a política e, sobretudo, com os centros <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> políticas públicas<br />
relacionadas aos seus interesses. Sua criação, em maio <strong>de</strong> 1993, foi anunciada justamente no<br />
salão Nereu Ramos, no Congresso Nacional. Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo foi nomeado,<br />
também em 1993, no governo Itamar Franco, membro do recém-criado Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
Segurança Alimentar (CONSEA).12<br />
Informação e pesquisa foram também duas áreas <strong>de</strong> forte investimento da ABAG,<br />
tendo Ney Bittencourt <strong>de</strong> Araújo uma participação ativa até a sua morte, em 1996. A ABAG<br />
estimulou a produção <strong>de</strong> pesquisas sobre o agronegócio buscando, <strong>de</strong>ssa forma, abastecer-se<br />
<strong>de</strong> informações e análises para balizar as suas ações. Uma amostra <strong>de</strong>sse investimento foi a<br />
articulação entre a ABAG e o PENSA, Programa <strong>de</strong> Estudos dos Negócios do Sistema<br />
Agroindustrial, da <strong>Faculda<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Economia, Administração e Contabilida<strong>de</strong> da Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo (USP), criado em 1990. Em 1995, por exemplo, quando a ABAG promoveu um<br />
seminário <strong>de</strong> agribusiness no Japão, coube à equipe do PENSA um papel importante na<br />
preparação do material que lá foi apresentado. 13 A ABAG, por intermédio <strong>de</strong> Ney<br />
Bittencourt <strong>de</strong> Araújo, foi também importante para que a FGV, em 1994, retomasse a<br />
publicação da revista Agroanalysis, criada em 1977 como iniciativa do Grupo <strong>de</strong> Informação<br />
Agrícola do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Economia (IBRE) da FGV do Rio <strong>de</strong> Janeiro e suspensa<br />
em fins <strong>de</strong> 1989, em meio a mudanças e problemas financeiros da instituição.14 A revista é<br />
12 Em 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, um mês após o anúncio da criação da ABAG no Congresso Nacional,<br />
realizou-se em São Paulo um Seminário <strong>de</strong> Agribusiness, on<strong>de</strong> foi lançada a entida<strong>de</strong>. O evento<br />
dividiu-se em quatro painéis principais: segurança alimentar; agribusiness - conceitos e abrangência;<br />
tamanho e custo do Estado; e infra-estrutura e o agribusiness brasileiro. http://www.abag.com.br<br />
acessado em 05/04/2009. Mais tar<strong>de</strong>, já no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, Ney<br />
Bittencourt <strong>de</strong> Araújo foi membro do conselho do programa Comunida<strong>de</strong> Solidária.<br />
13 Cf. http://www.abag.com.br, acessado em 05/04/2009.<br />
14 Rodrigues, Roberto (org.). cit. p. 212. Motta, Marly e Rocha, Dora (org.). Memórias do IBRE:<br />
<strong>de</strong>poimentos ao CPDOC. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Editora FGV, 2008.<br />
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publicada até hoje, mas agora pelo GV Agro, centro <strong>de</strong> estudos do agronegócio da EESP,<br />
escola <strong>de</strong> economia da FGV <strong>de</strong> São Paulo, que é dirigido por Roberto Rodrigues.15<br />
2<br />
Roberto Rodrigues nasceu em 1942, em Cor<strong>de</strong>irópolis, região rural do interior do<br />
estado <strong>de</strong> São Paulo. Ele foi o único filho homem <strong>de</strong> Antonio José Rodrigues Filho,<br />
engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior <strong>de</strong> Agricultura Luiz <strong>de</strong> Queiroz<br />
(ESALQ). Antônio José foi gerente <strong>de</strong> usina <strong>de</strong> açúcar por alguns anos, até adquirir uma<br />
fazenda na região <strong>de</strong> Guariba, próxima à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ribeirão Preto, on<strong>de</strong> se afirmou como<br />
plantador <strong>de</strong> cana. Atuou na criação e na direção <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> interesses<br />
dos plantadores <strong>de</strong> sua região, como a SOCICANA, Associação dos Fornecedores <strong>de</strong> Cana <strong>de</strong><br />
Guariba, surgida em 1951, que presidiu até 1965, e a COPLANA, Cooperativa dos Plantadores<br />
<strong>de</strong> Cana da Zona <strong>de</strong> Guariba, criada em 1963, da qual foi presi<strong>de</strong>nte até 1966. Essa atuação foi<br />
importante para que se lançasse em outras disputas políticas, como a da Prefeitura <strong>de</strong><br />
Guariba, que ocupou <strong>de</strong> 1952 a 1955 e <strong>de</strong> 1964 a 1967. Antonio José Rodrigues Filho foi<br />
secretário da Agricultura do estado <strong>de</strong> São Paulo por duas vezes, a primeira (1964/1965) no<br />
governo <strong>de</strong> Adhemar <strong>de</strong> Barros e a segunda (1969/1970) no <strong>de</strong> Roberto <strong>de</strong> Abreu Sodré. No<br />
governo seguinte, o <strong>de</strong> Laudo Natel, <strong>de</strong> 1971 a 1975, Antonio José Rodrigues Filho foi vice-<br />
governador. Mesmo durante o período em que ocupou cargos públicos, Antonio José<br />
Rodrigues Filho manteve-se atuante nos movimentos cooperativistas. Ele foi um dos<br />
criadores e primeiro presi<strong>de</strong>nte da OCB e da OCESP, Organização das Cooperativas do<br />
Estado <strong>de</strong> São Paulo. 16<br />
A trajetória <strong>de</strong> Roberto Rodrigues seguiu <strong>de</strong> perto a <strong>de</strong> seu pai, tendo também se<br />
formado em agronomia pela ESALQ, em 1965. Em 1966, quando era governador <strong>de</strong> São Paulo<br />
Laudo Natel, que substituiu Adhemar <strong>de</strong> Barros, com o pai em Guariba, Roberto Rodrigues<br />
15<br />
Atualmente, além <strong>de</strong> informativos, a ABAG publica, juntamente com outras entida<strong>de</strong>s, como a<br />
ABIMAQ, Associação Brasileira da Indústria <strong>de</strong> Máquinas e Equipamentos, a SRB e a ANDA,<br />
Associação Nacional para a Difusão <strong>de</strong> Adubos, a revista Panorama Rural.<br />
16<br />
A criação da OCB se <strong>de</strong>u em 1969 e o registro em cartório ocorreu no início <strong>de</strong> 1970. A da OCESP se<br />
<strong>de</strong>u neste mesmo ano, alguns meses <strong>de</strong>pois. Cf. http://www.ocb.org.br e<br />
http://www.portaldocooperativismo.org.br, consultados em 10/04/2009.<br />
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ocupou a chefia <strong>de</strong> gabinete da Secretaria <strong>de</strong> Agricultura. No governo seguinte, porém, com a<br />
perspectiva do retorno <strong>de</strong> Antonio José Rodrigues Filho à Secretaria, Roberto Rodrigues<br />
rumou para Guariba para cuidar da fazenda. Ao mesmo tempo em que o fez, militou em<br />
movimentos cooperativistas e tornou-se professor da <strong>Faculda<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Medicina Veterinária e<br />
Agronomia <strong>de</strong> Jaboticabal, mais tar<strong>de</strong>, em 1976, <strong>Faculda<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Ciências Agrárias e Veterinária<br />
da Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista Júlio <strong>de</strong> Mesquita Filho (UNESP). Uma das disciplinas<br />
que ministrou foi, justamente, a <strong>de</strong> Cooperativismo.<br />
A partir dos movimentos cooperativistas, Roberto Rodrigues atuou no sentido <strong>de</strong><br />
organizar os interesses dos fornecedores <strong>de</strong> cana frente aos usineiros, 17 aumentar a<br />
produtivida<strong>de</strong> com o emprego <strong>de</strong> tecnologia, sementes e adubo, bem como a formar<br />
cooperativas <strong>de</strong> crédito. 18 Com essa linha <strong>de</strong> atuação, ganhou visibilida<strong>de</strong> nacional e<br />
conseguiu, em 1985, conquistar a presidência da OCB. Dois outros fatos importantes,<br />
ocorridos em meados dos anos 1980, contribuíram para ampliar a notorieda<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong><br />
Roberto Rodrigues. Um <strong>de</strong>les, ocorrido em 1984, foi um episódio que ficou conhecido como a<br />
revolta <strong>de</strong> Guariba. O segundo, em 1986, foi a formação da Frente Ampla da Agropecuária<br />
Brasileira.<br />
A revolta <strong>de</strong> Guariba ocorreu em maio <strong>de</strong> 1984, quando os usineiros da região<br />
modificaram o sistema <strong>de</strong> corte da cana, que era feito manualmente pelo trabalhador,<br />
tornando-o mais penoso, mas mantendo a mesma remuneração. Isso em um momento em<br />
que os trabalhadores se encontravam endividados pelos altos preços cobrados pelos alimentos<br />
nos mercados locais e, também, em função das tarifas elevadas do fornecimento <strong>de</strong> água.<br />
Além disso, havia um forte <strong>de</strong>scontentamento em relação às condições <strong>de</strong> moradia e ao<br />
transporte oferecido pelas usinas. Nesse quadro, milhares <strong>de</strong> trabalhadores paralisaram o<br />
corte, ocuparam ruas da cida<strong>de</strong>, realizaram invasões e <strong>de</strong>predações em prédios como o da<br />
SABESP, a empresa fornecedora <strong>de</strong> água, e saques em supermercados, além <strong>de</strong> atearem fogo<br />
em um canavial. Na repressão à revolta, uma pessoa foi morta e várias outras ficaram feridas.<br />
Roberto Rodrigues teve um papel importante na mediação das partes em conflito, exercendo<br />
17<br />
Roberto Rodrigues foi um dos criadores da ORPLANA, Organização dos Plantadores <strong>de</strong> Cana da<br />
Região Centro-Sul do Brasil, em 1976, cujo primeiro presi<strong>de</strong>nte foi seu pai.<br />
18<br />
A Cooperativa <strong>de</strong> Crédito Rural dos Plantadores <strong>de</strong> Cana da Zona <strong>de</strong> Guariba, COOPECREDI,<br />
criada em 1974.<br />
<strong>Carreiras</strong>, <strong>re<strong>de</strong>s</strong> e <strong>internacionalização</strong> 9
COLÓQUIO SABER E PODER<br />
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influência junto aos usineiros para que voltassem atrás na <strong>de</strong>cisão, o que foi feito. Sua atuação<br />
pesou também como um elemento favorável na disputa pela presidência da OCB.<br />
À frente da OCB, Roberto Rodrigues buscou influir nas eleições <strong>de</strong> 1986, promovendo<br />
candidatos mais próximos aos interesses das cooperativas. Posteriormente, <strong>de</strong>senvolveu um<br />
trabalho <strong>de</strong> lobby junto aos parlamentares, <strong>de</strong> modo a introduzir dispositivos que aten<strong>de</strong>ssem<br />
aos interesses cooperativistas na nova Constituição. Tais dispositivos diziam respeito, por<br />
exemplo, à autonomia das cooperativas em relação ao Estado e ao reconhecimento da<br />
isonomia das cooperativas <strong>de</strong> crédito em relação às instituições do sistema financeiro. Essa<br />
atuação <strong>de</strong> Roberto Rodrigues no sentido <strong>de</strong> contemplar os interesses cooperativistas no texto<br />
da Constituição se <strong>de</strong>u em paralelo com o seu trabalho junto à Frente Ampla da Agropecuária<br />
Brasileira. Ambas foram importantes para a projeção não apenas <strong>de</strong> Roberto Rodrigues, mas<br />
também para a própria afirmação do agronegócio no Brasil.<br />
Ao mesmo tempo em que se projetava nacionalmente, Roberto Rodrigues passou a<br />
estabelecer vínculos internacionais. Nesse movimento, passou a investir na Organização das<br />
Cooperativas da América (OCA), que existia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1963, com se<strong>de</strong> em Bogotá, Colômbia,<br />
mas não exercia uma forte li<strong>de</strong>rança. A partir da OCA, Roberto Rodrigues tornou-se membro<br />
do Conselho da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), sediada em Genebra, na Suíça, que<br />
reunia centenas <strong>de</strong> representações <strong>de</strong> diferentes países, com uma forte presença <strong>de</strong><br />
cooperativas <strong>de</strong> consumo, sobretudo do antigo Leste Europeu. Na ACI, Roberto Rodrigues<br />
veio a ocupar a presidência do Comitê Agrícola, em 1991, a presidência do Conselho das<br />
Américas e, por isso mesmo, a vice-presidência da Aliança, em 1992, tornando-se o presi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong>sta, já em 1997.<br />
Nesse processo <strong>de</strong> <strong>internacionalização</strong>, alguns resultados importantes para a afirmação<br />
do agronegócio no Brasil foram produzidos. Um <strong>de</strong>les foi a criação <strong>de</strong> um banco cooperativo<br />
no Brasil, a partir dos exemplos <strong>de</strong> instituições semelhantes existentes em outros países,<br />
como o Rabobank Ne<strong>de</strong>rland, localizado em Utrecht, e o Crédit Agricole, francês, visitados<br />
por Roberto Rodrigues. As cooperativas <strong>de</strong> produtores brasileiras <strong>de</strong> café, açúcar, soja, frango,<br />
porco, entre outros, entraram em contato com as <strong>de</strong> consumidores <strong>de</strong> outros países e passaram<br />
a ven<strong>de</strong>r diretamente a elas, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mediação <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> trading. As<br />
cooperativas constituíram a sua própria trading, em 1990, a EXIMCOOP (Exportadora e<br />
Importadora <strong>de</strong> Cooperativas Brasileiras S.A.). As missões internacionais, por conta disso, se<br />
<strong>Carreiras</strong>, <strong>re<strong>de</strong>s</strong> e <strong>internacionalização</strong> 10
COLÓQUIO SABER E PODER<br />
Focus, Unicamp, 10/2008<br />
intensificaram e as cooperativas e suas organizações foram criando seus <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong><br />
comércio exterior.<br />
Não foi somente no âmbito das organizações <strong>de</strong> cooperativas que esse processo se<br />
observou. Na verda<strong>de</strong>, parte do grupo que esteve à sua frente buscou também, ao mesmo<br />
tempo, ocupar a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> outras organizações mais tradicionais. Assim é que, em meados<br />
dos anos 1980, com o apoio da OCB, tendo à frente Roberto Rodrigues, o agrônomo mineiro<br />
Alysson Paulinelli, ministro da Agricultura no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979),<br />
assumiu a presidência da Confe<strong>de</strong>ração Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).<br />
Paulinelli era visto pelo grupo que o apoiou como um dos melhores ministros da Agricultura<br />
da história recente do país, tanto pelo Programa Nacional do Álcool, o Pró-Álcool, quanto<br />
pelo PRODECER, Programa <strong>de</strong> Desenvolvimento dos Cerrados, que estimulou a ocupação<br />
das áreas <strong>de</strong> cerrado. Com Paulinelli à frente, e com o apoio <strong>de</strong> Roberto Rodrigues, a CNA,<br />
juntamente com a OCB, filiou-se à FIPA, Fe<strong>de</strong>ração Internacional dos Produtores Agrícolas.<br />
Tanto Roberto Rodrigues, pela OCB, quanto Alysson Paulinelli, com a CNA, e<br />
também Flávio Tiles <strong>de</strong> Menezes, presi<strong>de</strong>nte da SRB, tiveram papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na Frente<br />
Ampla da Agropecuária Brasileira. Do esforço <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação da Frente resultou a<br />
possibilida<strong>de</strong> que passou a ter esse grupo <strong>de</strong> influir não somente na formulação da nova<br />
Constituição, mas também em importantes espaços <strong>de</strong> formulação e avaliação <strong>de</strong> políticas<br />
públicas e tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. Suas reivindicações pesaram, por exemplo, na formatação da<br />
lei número 8.171, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1991, que dispunha sobre a política agrícola. Roberto<br />
Rodrigues passou a participar <strong>de</strong> diversos conselhos, como o Conselho <strong>de</strong> Crédito Rural e<br />
Agroindustrial, criado em 1986, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Comércio Exterior (CONCEX), do<br />
Ministério da Fazenda, entre 1989 e 1990, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Política Agrícola, instituído<br />
pela lei 8.171, a Comissão Empresarial <strong>de</strong> Competitivida<strong>de</strong> (CEC), criada junto ao Ministério<br />
da Economia, Fazenda e Planejamento, em 1991, coor<strong>de</strong>nando o grupo <strong>de</strong> agribusiness, o<br />
Conselho Monetário Nacional, <strong>de</strong> 1992 a 1993. 19<br />
De 1993 a 1994, no governo <strong>de</strong> Luiz Antônio Fleury Filho, então do Partido do<br />
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Roberto Rodrigues foi secretário <strong>de</strong><br />
Agricultura e Abastecimento do estado <strong>de</strong> São Paulo. Uma das ações empreendidas por ele à<br />
19 Cf. http://www.coophalicerce.org.br/roberto.html consultado em 10/04/2009.<br />
<strong>Carreiras</strong>, <strong>re<strong>de</strong>s</strong> e <strong>internacionalização</strong> 11
COLÓQUIO SABER E PODER<br />
Focus, Unicamp, 10/2008<br />
frente da Secretaria foi a realização da Agrishow, uma feira agrícola que teve a sua primeira<br />
edição em 1994, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ribeirão Preto, então governada por Antônio Palocci Filho, do<br />
Partido dos Trabalhadores (PT). Capitaneada pela ABAG, a Agrishow era caracterizada<br />
como uma feira dinâmica <strong>de</strong> tecnologia e negócios, em que máquinas, equipamentos e<br />
implementos eram não apenas expostos, apresentados, mas utilizados. 20 A feira tinha o apoio<br />
do Banco do Brasil e da Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Ribeirão Preto, e tinha na sua comissão<br />
organizadora, além da ABAG, a SRB, que à época passava a ser presidida por Roberto<br />
Rodrigues, a Associação Brasileira da Indústria <strong>de</strong> Maquinas e Equipamentos (ABIMAQ), a<br />
Associação Brasileira <strong>de</strong> Sementes e Mudas (ABRASEM), a Associação Nacional para<br />
Difusão <strong>de</strong> Adubos (ANDA), a Associação Nacional <strong>de</strong> Defesa Vegetal (ANDEF), o<br />
Sindicato Nacional da Indústria <strong>de</strong> Produtos para Saú<strong>de</strong> Animal (SINDAN), entre outros. A<br />
idéia era reunir, em um mesmo espaço e momento, os diferentes elos da ca<strong>de</strong>ia do<br />
agronegócio. 21<br />
Os vínculos que se estabeleceram entre Roberto Rodrigues e Antônio Palocci, a partir<br />
da organização da Agrishow, foram importantes para a indicação daquele para o Ministério<br />
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no primeiro governo <strong>de</strong> Luís Inácio Lula da Silva.<br />
A passagem <strong>de</strong> Roberto Rodrigues pelo Ministério da Agricultura representou um marco<br />
importante na tradução, <strong>de</strong> forma efetiva, das propostas do agronegócio em políticas públicas.<br />
Um movimento anterior foi feito, em 1996, no primeiro governo <strong>de</strong> Fernando Henrique<br />
Cardoso. Fernando Henrique criou, no segundo semestre daquele ano, um Fórum Nacional<br />
da Agricultura, reunindo representantes do setor privado, coor<strong>de</strong>nados por Roberto<br />
Rodrigues, do Executivo e do Legislativo. O Fórum produziu um extenso documento, com<br />
programas articulados em torno <strong>de</strong> <strong>de</strong>z pontos básicos, <strong>de</strong>nominados “<strong>de</strong>z ban<strong>de</strong>iras do<br />
agronegócio”. 22 Entregue ao governo em setembro <strong>de</strong> 1998, o documento, segundo Roberto<br />
20 http://www.agrishowribeiraopreto.com.br consultado em 11/04/2009.<br />
21 http://www.abag.com.br consultado em 10/04/2009.<br />
22 Um dos redatores do documento foi Ivan We<strong>de</strong>kin, autor, juntamente com Ney Bittencourt <strong>de</strong><br />
Araújo e Luiz Antônio Pinazza, <strong>de</strong> Complexo agroindustrial: o agribusiness brasileiro. As <strong>de</strong>z ban<strong>de</strong>iras<br />
eram: 1. Financiamento do agronegócio; 2. Mo<strong>de</strong>rnização da comercialização externa e interna; 3.<br />
Desoneração e simplificação tributária; 4. Redução do Custo Brasil; 5. Desenvolvimento tecnológico;<br />
6. Mo<strong>de</strong>rnização da <strong>de</strong>fesa agropecuária; 7. Sustentabilida<strong>de</strong> da agropecuária; 8. Agricultura familiar;<br />
9. Política fundiária; e 10. Coor<strong>de</strong>nação institucional do agronegócio. Cf.<br />
<strong>Carreiras</strong>, <strong>re<strong>de</strong>s</strong> e <strong>internacionalização</strong> 12
COLÓQUIO SABER E PODER<br />
Focus, Unicamp, 10/2008<br />
Rodrigues, “foi solenemente <strong>de</strong>sprezado”. De acordo com ele, em um artigo publicado em<br />
2001, a agricultura, apesar da sua importância econômica, vinha per<strong>de</strong>ndo po<strong>de</strong>r político, ao<br />
mesmo tempo em que seus agentes <strong>de</strong>clinavam no que tangia ao reconhecimento social. Era<br />
preciso, portanto, revalorizar o setor, tornando a sua força política e o seu prestígio social<br />
condizentes com o seu peso na economia. Isso só se faria, na sua visão, pela incorporação e<br />
implementação, <strong>de</strong> fato, da idéia <strong>de</strong> agribusiness.23<br />
Roberto Rodrigues promoveu uma série <strong>de</strong> alterações na estrutura do Ministério,<br />
fazendo com que os assuntos atinentes ao agronegócio tornassem-se atribuição <strong>de</strong> diversos<br />
dos seus órgãos. Criou uma Assessoria <strong>de</strong> Gestão Estratégica e uma Secretaria <strong>de</strong> Relações<br />
Internacionais do Agronegócio. Esta Secretaria ficaria, juntamente com o Ministro, à frente<br />
do também criado Conselho <strong>de</strong> Negociações Agrícolas Internacionais (CONAI), cujo<br />
objetivo era “coor<strong>de</strong>nar, orientar, articular e acompanhar as políticas e ativida<strong>de</strong>s do<br />
Ministério relativas ao comércio exterior <strong>de</strong> bens e serviços <strong>de</strong> interesse do agronegócio”. 24<br />
Dos ministros do primeiro governo Lula, Roberto Rodrigues foi um dos que por mais tempo<br />
se mantiveram no cargo. Ele permaneceu ministro <strong>de</strong> 2003 até junho <strong>de</strong> 2006 quando, após<br />
divergências com a equipe do Ministério da Fazenda sobre recursos a serem <strong>de</strong>stinados à<br />
agricultura, pediu <strong>de</strong>missão.<br />
Fora do Ministério, Roberto Rodrigues continuou atuando como um especialista e um<br />
promotor do agronegócio, associando seu nome fortemente, também, ao <strong>de</strong>bate sobre<br />
agroenergia e etanol. Na verda<strong>de</strong>, os dois temas estão, hoje, muito fortemente imbricados.<br />
Uma das importantes bases <strong>de</strong>ssa atuação <strong>de</strong> Roberto Rodrigues, ao lado das diversas<br />
entida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> milita, é o GV Agro. Além <strong>de</strong> manter em circulação a revista Agroanalysis,<br />
que se apresenta como a revista <strong>de</strong> agronegócio da FGV, o Centro realiza estudos,<br />
consultorias e <strong>de</strong>senvolve cursos <strong>de</strong> especialização e, também, <strong>de</strong> pós-graduação stricto sensu,<br />
como o MPAGRO, Mestrado Profissional em Agroenergia. O curso é uma parceria entre o<br />
http://www.fae.edu/publicacoes/<strong>pdf</strong>/revista_fae_business/n3_setembro_2002/ambiente_economico1_<br />
Agronegocio_.<strong>pdf</strong> consultado em 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2009.<br />
23 Rodrigues, Roberto. “Agricultura e agronomia”. Estudos Avançados, v. 15, n. 43: 289-302, 2001.<br />
24 Cf. Portarias n° 277, <strong>de</strong> 10/11/2004, e n° 292, <strong>de</strong> 09/06/2005, do Ministério da Agricultura, Pecuária e<br />
Abastecimento, e Decretos n° 4629, <strong>de</strong> 21/03/2003, e n° 5351, <strong>de</strong> 21/01/2005, da Presidência da República.<br />
Disponíveis em SISLEGIS, Sistema <strong>de</strong> Legislação Agrícola Fe<strong>de</strong>ral,<br />
http://extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/consultarLegislacao.do<br />
<strong>Carreiras</strong>, <strong>re<strong>de</strong>s</strong> e <strong>internacionalização</strong> 13
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Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação da Escola <strong>de</strong> Economia da FGV <strong>de</strong> São Paulo, a ESALQ e a<br />
Empresa Brasileira <strong>de</strong> Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) do Ministério da Agricultura,<br />
Pecuária e Abastecimento. Outra base importante <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> Roberto Rodrigues na<br />
promoção do agronegócio é o Conselho Superior do Agronegócio (COSAG) da Fe<strong>de</strong>ração das<br />
Indústrias do Estado <strong>de</strong> São Paulo (FIESP), do qual é presi<strong>de</strong>nte. 25<br />
3<br />
A criação do MPAGRO é parte <strong>de</strong> um processo que começa a se tornar visível a partir<br />
do início dos anos 2000, isto é, a abertura <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> pós-graduação stricto sensu relacionados<br />
ao agronegócio. Ao lado das pós-graduações lato sensu, que já vinham proliferando, e da<br />
criação <strong>de</strong> disciplinas específicas em cursos <strong>de</strong> graduação, mestrados acadêmicos, mestrados<br />
profissionais e doutorados em agronegócio passaram a ser abertos. O presi<strong>de</strong>nte da<br />
Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Pessoal <strong>de</strong> Nível Superior do Ministério da <strong>Educação</strong><br />
(CAPES), Jorge Guimarães, chamava a atenção para isso já em 2006, <strong>de</strong>stacando que, até<br />
2002, havia apenas três cursos voltados para a área, sendo um doutorado, um mestrado<br />
acadêmico e um mestrado profissional. Em 2006, esse número havia saltado para 16, sendo<br />
quatro doutorados, nove mestrados acadêmicos e três mestrados profissionais. 26 O forte<br />
crescimento apontado por Jorge Guimarães ocorreu justamente no primeiro governo Lula.<br />
A fala <strong>de</strong> Jorge Guimarães se <strong>de</strong>u a propósito <strong>de</strong> um seminário realizado em Campo<br />
Gran<strong>de</strong>, Mato Grosso do Sul, sobre a formação e a qualificação <strong>de</strong> recursos humanos em<br />
agronegócio. O título da fala era “A visão da Capes como indutora <strong>de</strong> transformações na<br />
formação <strong>de</strong> recursos humanos”. 27 O que nela se indicava era a importância do investimento<br />
em cursos voltados à formação <strong>de</strong> recursos humanos para o agronegócio, tendo em vista a<br />
enorme contribuição do setor para a economia nacional. O surgimento <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong><br />
agronegócio, portanto, se <strong>de</strong>ve em gran<strong>de</strong> parte à ação indutora do Governo, por intermédio<br />
25<br />
A FIESP possui um Departamento do Agronegócio (DEAGRO), criado em 2007, que atua em<br />
articulação com o COSAG. Cf. http://www.fiesp.com.br/agronegocio/<strong>de</strong>fault.aspx consultado em<br />
13/04/2009.<br />
26<br />
http://www.capes.gov.br/servicos/sala-<strong>de</strong>-imprensa/36-noticias/1453 consultado em 13/04/2009.<br />
27 I<strong>de</strong>m.<br />
<strong>Carreiras</strong>, <strong>re<strong>de</strong>s</strong> e <strong>internacionalização</strong> 14
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do Ministério da <strong>Educação</strong> e da CAPES, com o intuito <strong>de</strong> criar, capacitar, formar, os quadros<br />
do setor. Além, é claro, das possibilida<strong>de</strong>s entrevistas pelas Instituições <strong>de</strong> Ensino (IES) <strong>de</strong><br />
auferir ganhos financeiros com a venda <strong>de</strong> cursos sobre agronegócio.<br />
A ação indutora se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> diversos modos, indo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o convite direto a IES no<br />
sentido <strong>de</strong> que apresentassem propostas <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> cursos, oferecendo recursos para a<br />
instalação dos mesmos e bolsas para alunos, até o lançamento <strong>de</strong> editais específicos. Além da<br />
abertura <strong>de</strong> cursos, a ação incluiu editais <strong>de</strong> estímulo à formação <strong>de</strong> <strong>re<strong>de</strong>s</strong> <strong>de</strong> pesquisa voltadas<br />
para o agronegócio, com foco em temas diversos como nanotecnologia, saú<strong>de</strong>, meio ambiente,<br />
entre outros. 28 E não foi apenas da CAPES que partiu essa ação, mas também do Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora <strong>de</strong><br />
Estudos e Projetos (FINEP). Tanto o CNPq quanto a FINEP são executores do Fundo<br />
Setorial <strong>de</strong> Agronegócio (CT – Agronegócio), do Ministério da Ciência e Tecnologia. 29 No<br />
caso do CNPq, até 2008, cerca <strong>de</strong> um ou dois editais relativos ao agronegócio foram lançados<br />
em alguns anos. Em 2008, porém, o número <strong>de</strong> editais referentes ao agronegócio saltou para<br />
nove. 30 Com isso, o agronegócio se afirmou como um tema privilegiado <strong>de</strong> pesquisa, atraindo<br />
mais e mais pesquisadores. 31 Tem havido, portanto, um significativo investimento <strong>de</strong><br />
recursos públicos, e também privados, na consolidação e na expansão do agronegócio, o que<br />
passa, em parte, pela produção <strong>de</strong> conhecimento e pela formação <strong>de</strong> quadros, <strong>de</strong> recursos<br />
humanos voltados para ele.<br />
Tais investimentos buscam se legitimar com o argumento <strong>de</strong> que o agronegócio é um<br />
setor estratégico da economia do país, altamente mo<strong>de</strong>rno, produtivo, internacionalizado,<br />
gerador <strong>de</strong> divisas, emprego e renda e, por isso mesmo, i<strong>de</strong>ntificado aos interesses não <strong>de</strong> um<br />
grupo social específico, mas da nação como um todo. Não é essa, porém, a única leitura do<br />
agronegócio que hoje circula no espaço público. Ele também é <strong>de</strong>nunciado como predador do<br />
28<br />
Cf. http://www.capes.gov.br consultado em 13/04/2009.<br />
29<br />
Ver http://www.finep.gov.br e http://www.mct.gov.br consultados em 13/04/2009.<br />
30<br />
Ver http://www.cnpq.br consultado em 13/04/2009.<br />
31<br />
Ainda que seja um dado superficial, <strong>de</strong>mandando uma análise mais cuidadosa, mas que po<strong>de</strong> ser<br />
tomado como um indicador interessante, o número <strong>de</strong> currículos registrados na base Lattes que, hoje,<br />
são associados ao assunto agronegócio, é <strong>de</strong> 5.314, o que é bastante expressivo. Cf. http://lattes.cnpq.br<br />
consultado em 13/04/2009.<br />
<strong>Carreiras</strong>, <strong>re<strong>de</strong>s</strong> e <strong>internacionalização</strong> 15
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meio ambiente, gerador <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e pobreza, concentrador da proprieda<strong>de</strong> da terra,<br />
avançando sobre territórios <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s tradicionais, como as indígenas, movido<br />
unicamente pela perspectiva do lucro e, portanto, expressão somente dos interesses das<br />
classes dominantes. Essa é a visão que <strong>de</strong>le buscam impor grupos e partidos mais à esquerda,<br />
organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e mesmo a<br />
Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).<br />
Em meio a esses embates, o agronegócio vai se afirmando como realida<strong>de</strong><br />
inquestionável, incontornável, penetrando mesmo nos espaços que, <strong>de</strong> maneira geral, eram<br />
apontados como opostos a ele, como o da agricultura familiar. Há posições que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />
hoje, por exemplo, a tese <strong>de</strong> que o modo <strong>de</strong> se conferir sustentabilida<strong>de</strong> aos pequenos<br />
agricultores, entre eles os assentados, é inseri-los no agronegócio. 32 Na verda<strong>de</strong>, o agronegócio<br />
não cresce apesar das resistências que a ele se apresentam. As batalhas discursivas que em<br />
torno <strong>de</strong>le se travam são também uma dimensão importante do seu processo <strong>de</strong> afirmação.<br />
32 Argumentos nesse sentido po<strong>de</strong>m ser encontrados em textos e informes que circulam, por exemplo,<br />
no site do Núcleo <strong>de</strong> Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), ligado ao Ministério do<br />
Desenvolvimento Agrário. Ver www.nead.org.br.<br />
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