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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Dedicado à meu pai, minha família<br />
e ao saudoso livre espírito <strong>de</strong><br />
Alessandra <strong>de</strong> Fátima Troitiño.<br />
***<br />
Texto não adaptado para às novas regras da Gramática.<br />
Contém porém, antigos e inéditos erros da Língua Portuguesa.<br />
Altamente recomendado para quem quer ensinar o que não se <strong>de</strong>ve fazer ao<br />
escrever<br />
***<br />
O mo<strong>de</strong>sto trabalho literário que se segue foi produzido para o divertimento<br />
do leitor.<br />
***<br />
Todos os personagens das linhas a seguir são fictícios. Qualquer<br />
semelhança com pessoas ou fatos na vida real, é mera coincidência.<br />
1<br />
***
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A queda foi inevitável.<br />
Nenhum motociclista, por melhor que fosse, conseguiria se safar <strong>de</strong>la.<br />
De madrugada, logo após uma curva em forma <strong>de</strong> cotovelo, que não<br />
permitia a qualquer condutor visibilida<strong>de</strong> para o que quer que estivesse além <strong>de</strong>la,<br />
havia bem no meio da pista um fumante apreciando o seu cachimbo enquanto<br />
olhava as estrelas.<br />
Tão compenetrado estava na sua observação que não se dava conta do<br />
perigo pelo qual passava alí naquela estada..<br />
Pior! Sequer se <strong>de</strong>u conta do barulho crescente <strong>de</strong> motor, indicando a veloz<br />
aproximação <strong>de</strong> algum veículo.<br />
Por outro lado, quem conduzia, logo tomou susto quando, <strong>de</strong>pois do<br />
referido “cotovelo cego”, <strong>de</strong>parou-se com o distraído pe<strong>de</strong>stre no meio do seu<br />
caminho.<br />
Tal susto, tomou-lhe um ou dois preciosos segundos que foram suficientes<br />
para que per<strong>de</strong>sse o ponto exato <strong>de</strong> frenagem mais a<strong>de</strong>quado para a velocida<strong>de</strong><br />
que se encontrava naquele local...<br />
Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais tentou improvisar, mas, ainda aí <strong>de</strong>u-se mal, já que, sua moto<br />
escapou do controle da situação e terminou por se espatifar numa pare<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pedra a beira da pista.<br />
Motociclista teve melhor <strong>de</strong>stino já que, apesar <strong>de</strong> arrastar a bunda e as<br />
costas pelo asfalto durante intermináveis metros, safou-se sem qualquer ferimento<br />
graças ao grosso couro do macacão que usava.<br />
O involuntário causador <strong>de</strong> toda aquela situação acordou do seu transe e<br />
correu para verificar a extensão dos danos.<br />
-Me <strong>de</strong>sculpe! - Já chegou falando.- Estava tão distraído que nem percebi<br />
a sua aproximação. Deve ser a ida<strong>de</strong>...<br />
-Certamente! Tem que ser um bocado surdo para não ouvir esse motor.<br />
Motociclista ficou <strong>de</strong> pé e olhou-se da sola do sapato ao último fio <strong>de</strong> cabelo<br />
a procura <strong>de</strong> ferimentos.<br />
Ao constatar que o prejuízo, além <strong>de</strong> financeiro, atingira somente o moral,<br />
caminhou em silêncio até os <strong>de</strong>stroços da sua motocicleta.<br />
Não precisava <strong>de</strong> perícia para constatar a perda total .<br />
Qualquer fanático por motos choraria vendo tamanho estrago.<br />
-Lamento o prejuízo. – Desculpou-se o fumante..- O importante é que você<br />
está bem.<br />
Motociclista tirou o capacete, as luvas e respirou profundamente.<br />
Apesar da sua aparente tranqüilida<strong>de</strong>, um turbilhão <strong>de</strong> emoções o<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
atormentava.<br />
Alternava-se ora a sensação <strong>de</strong> alívio por ter miraculosamente escapado<br />
sem ferimento... Ora a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> matar o distraído causador do estrago.<br />
-É... Agora fica a encargo da seguradora. – Lamentou-se pensando no<br />
irrecuperável prejuízo que teve, já que, a moto era um mo<strong>de</strong>lo exclusivo <strong>de</strong><br />
coleção e ainda pela franquia milionária que teria <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembolsar.<br />
Sacou um celular do bolso e teve o <strong>de</strong>sprazer <strong>de</strong> constatar que este não<br />
funcionava.<br />
Desgraçadamente, o aparelho também fora danificado no tombo.<br />
Ainda assim, com esforço e muita vonta<strong>de</strong>, se recompôs controlando<br />
melhor suas emoções.<br />
Reavaliou então o momento, as priorida<strong>de</strong>s, e perguntou:<br />
-Po<strong>de</strong> me emprestar o seu telefone celular?<br />
-Não uso esse negócio não...<br />
Era realmente o fim do mundo mesmo!<br />
Com tantos milhões <strong>de</strong> celulares sendo diariamente vendidos pelo planeta,<br />
na hora que se precisa da ajuda <strong>de</strong> alguém, quem aparece é um dos poucos<br />
completamente <strong>de</strong>sconectados da realida<strong>de</strong>.<br />
Sem contar a pavimentação da estrada e as sinalizações disponíveis: além<br />
<strong>de</strong> telefones públicos, aquele local também não tinha pelas imediações nada que<br />
vagamente lembrasse a civilização.<br />
Apenas o <strong>de</strong>nso e escuro matagal ao redor...<br />
E, <strong>de</strong> acordo com o que se recordava do caminho anteriormente percorrido<br />
com a motocicleta, a situação por aquelas bandas não era diferente da que se<br />
encontrava no momento.<br />
-Olha, eu lamento pelo ocorrido. - Disse o distraído fumante. - Se pu<strong>de</strong>r<br />
ajudar, fico à sua disposição. - Esten<strong>de</strong>u a mão e se apresentou: - Meu nome é<br />
Alex Randall.<br />
Motociclista respirou fundo <strong>de</strong>monstrando serenida<strong>de</strong> e não recusou o<br />
cumprimento que lhe foi dirigido.<br />
-Sou Mel. Olha, eu preciso <strong>de</strong> ajuda para telefonar. - Esperando aqui nessa<br />
estrada tenho certeza que não conseguirei.<br />
-Não conheço a região, mas, <strong>de</strong> qualquer forma <strong>de</strong>vo concordar com você<br />
já que, numa madrugada como essa, os poucos motoristas que passam não<br />
param por <strong>de</strong>sconfiam <strong>de</strong> tudo.<br />
-E qual seria o lugar mais próximo daqui on<strong>de</strong> eu po<strong>de</strong>ria obter ajuda?<br />
Alex Randall fez uma careta e disse:<br />
-Mais próximo? Você está sem sorte. Porque, nas imediações mesmo...<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Apontou para uma placa on<strong>de</strong> se lia:<br />
“MANICOMIO”<br />
-Mas só aí mesmo?<br />
-Que eu saiba, só. - Confirmou Alex Randall.<br />
Mel pensou:<br />
-Bom talvez eu não precise nem <strong>de</strong> entrar lá. Se este local tiver uma<br />
portaria, peço um celular emprestado para alguém que esteja por alí mesmo.<br />
-Você sabe chegar lá? - Perguntou em seguida.<br />
-Sei sim!<br />
-Po<strong>de</strong> ir comigo?<br />
Alex Randall mais uma vez fez uma careta e respon<strong>de</strong>u:<br />
-Olha...Com toda sincerida<strong>de</strong>...Eu estou justamente fugindo <strong>de</strong> lá.<br />
Mel engoliu em seco.<br />
Olhou para o caminho que teria <strong>de</strong> seguir. Era simplesmente pavoroso,<br />
ainda mais com a escuridão que estava.<br />
Nem com aquela lua clara dava para ver alguma coisa.<br />
-Fugindo <strong>de</strong> lá??? E preten<strong>de</strong> ir para on<strong>de</strong>??? E como é que eu fico <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong>ssa que você me enfiou?<br />
Alex Randall olhou a direção que seguia rumo ao Manicômio, <strong>de</strong>pois para<br />
Mel e ainda os <strong>de</strong>stroços da motocicleta.<br />
Finalmente fez uma careta, suspirou fundo e disse:<br />
-Tudo bem! Eu te <strong>de</strong>vo essa. Vou te conseguir ajuda. Venha comigo. Na<br />
escuridão, siga a chama do meu cachimbo.<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u fortes tragadas inflamando a chama que ardia no fornilho.<br />
-Vamos em frente.<br />
Seguiu adiante e Mel foi logo atrás.<br />
***<br />
No meio daquela treva cegante Mel se indagava se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar por<br />
uma aventura só para usar um telefone ainda teria problemas com a seguradora.<br />
Será que ela tentaria inventar algum meio <strong>de</strong> não pagar o prejuízo que<br />
tivera?<br />
Teria <strong>de</strong> contratar um advogado só para redigir o pedido <strong>de</strong> ressarcimento<br />
<strong>de</strong> danos?<br />
Para quebrar o pessimismo dos problemas que pareciam se prenunciar no<br />
seu horizonte <strong>de</strong> eventos e o tédio da caminhada naquela escuridão, acabou<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
<strong>de</strong>ixando escapar a inevitável a questão:<br />
-Desculpe a pergunta; mas: o que fazia lá no Manicômio?<br />
-Estava internado. Todo mundo lá acha que sou louco e gagá.<br />
-E eles estão enganados?<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u algumas vigorosas tragadas no seu cachimbo e<br />
respon<strong>de</strong>u com semblante sério:<br />
-Claro que sim! - Disse sorrindo. - Me <strong>de</strong>ram muitos remédios. Me<br />
pren<strong>de</strong>ram e tentaram me <strong>de</strong>ixar maluco, mas eu não estou louco e tenho até<br />
gran<strong>de</strong> resistência a estas drogas que me <strong>de</strong>ram. Po<strong>de</strong> acreditar!<br />
Mesmo assim, Mel tinha lá suas dúvidas quanto a sanida<strong>de</strong> daquele<br />
senhor <strong>de</strong> aparência ruim. O tipo era barbudo, cabeludo e mal cheiroso.<br />
Para não cansar suas vistas olhando para um senhor tão horroroso, Mel<br />
<strong>de</strong>sviava sua visão para cima.<br />
E eventualmente, no meio daquela escuridão, conseguia vislumbrar uma<br />
quantida<strong>de</strong> impressionante <strong>de</strong> estrelas no firmamento.<br />
Mel <strong>de</strong>ixou escapar o seguinte comentário...<br />
-A noite bonita. Bem estrelada<br />
- Me lembra até das viagens que eu fazia antes <strong>de</strong> vir parar aqui...<br />
-Ah é? E costumava ir para on<strong>de</strong>?<br />
-Não tinha <strong>de</strong>stino fixo. Ia para on<strong>de</strong> me <strong>de</strong>sse na telha.<br />
-E viajava como? De ônibus? Carona? Ou algum outro meio <strong>de</strong> transporte?<br />
-Eu viajava numa nave espacial em forma <strong>de</strong> esfera com cinqüenta e dois<br />
quilômetros <strong>de</strong> diâmetro, capaz <strong>de</strong> superar em milhões <strong>de</strong> vezes a velocida<strong>de</strong> da<br />
luz...<br />
Mel fez silêncio, era melhor não discordar do velhote.<br />
Depois daquela resposta não havia dúvida que o grau <strong>de</strong> sanida<strong>de</strong> do<br />
sujeito não <strong>de</strong>via ser muito bom mesmo.<br />
Certamente ele tava gagá.<br />
Em todo caso, para não contrariar um maluco possivelmente agressivo ou<br />
violento <strong>de</strong>u corda para a historinha...<br />
-Hoje em dia ainda não é muito comum se viajar em naves espaciais. Algo<br />
assim, se existir, só po<strong>de</strong> ser fabricado fora da Terra.... Por acaso, algum<br />
alienígena chegou a te capturar como nessas histórias que a gente escuta por<br />
aí ?<br />
-Tive muitos contatos com seres <strong>de</strong> outros mundos, mas, a nave que eu<br />
usava era baseada em tecnologia humana mesmo, só que não foi construída<br />
nessa época em que estamos agora.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-E em que época ela foi construída então?<br />
-Eu venho do futuro.<br />
Era dureza para Mel assimilar tanta abobrinha <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sua moto<br />
estourada por causa <strong>de</strong> um maluco distraído.<br />
Tentou mudar o assunto. Procurou outro mais próximo à realida<strong>de</strong>.<br />
-Caramba! Mas você fuma bastante, hein!<br />
-Eu sempre fumei. Mas agora fumo mais ainda porque me ajuda a<br />
recuperar a saú<strong>de</strong>. Sabe... Lá <strong>de</strong>ntro, me davam muitos remédios e este é um<br />
meio que sempre usei para limpar a cabeça <strong>de</strong> tanto veneno...<br />
-Mas você sofre <strong>de</strong> algum mal?<br />
-Que nada! Sou normal. Não sou doente nem louco. Po<strong>de</strong> acreditar.<br />
-E porquê te <strong>de</strong>ram remédios?<br />
-Para que eu não mentisse e contasse a localização da minha nave<br />
espacial...<br />
-Deve ser por isso que resolveram interna-lo. - Pensou Mel - Com essa<br />
cabeça, só po<strong>de</strong>ria ter futuro num hospício mesmo...<br />
Ainda assim, fez uma cara séria e perguntou:<br />
-E você informou para eles a localização <strong>de</strong> sua nave espacial?<br />
-Disse, mas não acreditaram. Expliquei que todo o equipamento que me<br />
permitia contato com ela, ficou submerso numa caverna cuja localização<br />
<strong>de</strong>sconheço. Pela localização das estrelas, acho que po<strong>de</strong> estar até mesmo aqui<br />
nas imediações.<br />
Mel procurou enxergar alguma coisa naquela escuridão que lhe <strong>de</strong>sse a<br />
mínima esperança <strong>de</strong> que iria encontrar salvação.<br />
Vã tentativa! A treva era tão <strong>de</strong>nsa que não conseguia distinguir nada além<br />
da chama do cachimbo.<br />
Para não tê-la como único ponto <strong>de</strong> referência na sua orientação pela<br />
escuridão, continuou dando trela para que Alex Randall continuasse falando.<br />
Mesmo que fosse aquela historinha que consi<strong>de</strong>rava uma ficçãozinha <strong>de</strong> vigésima<br />
quinta categoria.<br />
-Como aconteceu?<br />
-O quê?<br />
-De você per<strong>de</strong>r o seu equipamento.<br />
-É história meio longa. Começou com a falta <strong>de</strong> CY7, um componente<br />
essencial para o funcionamento das máquinas do tempo a bordo da minha<br />
astronave.<br />
“O CY7 só po<strong>de</strong> ser extraído e processado em Marte.”<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
“Este não é um trabalho rápido <strong>de</strong> ser feito. Pelo contrário: sua obtenção é<br />
lenta e trabalhosa.”<br />
“A estimativa que o Cérebro Computadorizado me <strong>de</strong>u <strong>de</strong> conseguir a<br />
quantida<strong>de</strong> necessária para continuar a viagem pelo tempo foi <strong>de</strong> doze a vinte<br />
anos terrestres.”<br />
“Claro que, eu quis aproveitar o tempo para respirar um ar puro, tomar sol e<br />
fumar meu cachimbo.”<br />
“Nesse ínterim, enquanto os robôs da minha astronave trabalhariam<br />
automaticamente na resolução do problema, resolvi tirar férias aqui na Terra.”<br />
Fez uma pausa em sua narrativa e prosseguiu:<br />
-Achei que o clima tropical da América do Sul era o i<strong>de</strong>al para as minhas<br />
férias e <strong>de</strong>sci numa praia cheia <strong>de</strong> cavernas na suas encostas.<br />
“Numa <strong>de</strong>las, para não chamar a atenção, guar<strong>de</strong>i a poltrona voadora que<br />
juntamente com as roupas e os robôs <strong>de</strong> segurança eram os meios <strong>de</strong><br />
comunicação e transporte que permitiam contato com a minha astronave em<br />
Marte.”<br />
-Sei...<br />
-Casualmente, no mesmo dia dachegada aqui neste planeta, os dois robôs<br />
enguiçaram <strong>de</strong>vido a infiltração <strong>de</strong> areia e umida<strong>de</strong> por uma vedação estragada<br />
que causou problemas nos circuitos.<br />
“Em <strong>de</strong>corrência disso, tive <strong>de</strong> <strong>de</strong>sligá-los até quando fosse fazer uma<br />
limpeza completa nos mesmos.”<br />
“Guar<strong>de</strong>i tudo junto numa caverna e fui surfar. Quando estava em alto mar,<br />
passou uma onda gigante por mim que simplesmente avançou por sobre a praia<br />
on<strong>de</strong> estivera antes, submergindo tudo em seu caminho. Inclusive, as cavernas<br />
on<strong>de</strong> eu havia <strong>de</strong>ixado meus equipamentos.”<br />
“Era um Tsunami!”<br />
“Com as cavernas e os equipamentos <strong>de</strong> contato <strong>de</strong>saparecidos entre as<br />
águas, fiquei impossibilitado <strong>de</strong> estabelecer qualquer comunicação com minha<br />
astronave.”<br />
“O Cérebro Computadorizado <strong>de</strong>sta, por sua vez, enten<strong>de</strong>ndo que eu <strong>de</strong>via<br />
estar <strong>de</strong>sejoso por férias, <strong>de</strong>ixou-me à vonta<strong>de</strong> por aqui enquanto finalizava o<br />
complicado processo <strong>de</strong> fabricação a ser gerenciado em Marte.”<br />
Mesmo mais <strong>de</strong>scrente a cada momento, Mel procurava externar uma<br />
expressão <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong> para que o louco não se sentisse ofendido.<br />
-Não tem jeito nenhum <strong>de</strong> chamá-la <strong>de</strong> volta?<br />
-Só com meu equipamento. Sem ele, o Cérebro Computadorizado da<br />
astronave vai interpretar minha falta <strong>de</strong> chamados, como uma intenção <strong>de</strong><br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
prolongar o merecido <strong>de</strong>scanso que não tive.<br />
Ainda sem nenhum ponto <strong>de</strong> referência, a não ser a voz e a chama do<br />
cachimbo, Mel continuava estimulando Alex Randall a contar a sua historinha <strong>de</strong><br />
ficção...<br />
-Bom, e <strong>de</strong>pois? O que aconteceu?<br />
-Ah... Aquela situação já me <strong>de</strong>ixou chateado. Mas, pior fiquei mesmo<br />
quando percebi que nem o cachimbo ou o fumo conseguira salvar. Diante da<br />
constatação <strong>de</strong>ssa calamida<strong>de</strong> teve uma hora que acabei até <strong>de</strong>smaiando.<br />
“Mais tar<strong>de</strong>, entretanto, acor<strong>de</strong>i numa praia que, pela posição das estrelas<br />
talvez não seja longe daqui.”<br />
“Mas o meu <strong>de</strong>spertar naquela hora não foi muito feliz. Assim que abri os<br />
olhos, me vi cercado <strong>de</strong> militares perguntando a respeito da ca<strong>de</strong>ira voadora...”<br />
“Naturalmente eu fora avistado com uma das poltronas voadoras que<br />
eventualmente uso para transporte fora da astronave e até, em outras ativida<strong>de</strong>s.”<br />
“Naturalmente eles não foram muito amáveis comigo. Passei por diversos<br />
interrogatórios, alguns até, com o uso <strong>de</strong> injeções do soro da verda<strong>de</strong>.”<br />
“Minha história porém não mudou. Ela é idêntica à esta que te conto.”<br />
“Só que ninguém acreditou em mim.”<br />
“Mas, como o tempo passou, e, o que eu dizia nunca se alterava,<br />
começaram a achar que meu caso era <strong>de</strong> simples loucura, e então me enfiaram<br />
ainda mais nesse manicômio.”<br />
-Então era por isso que você queria fugir...<br />
-Sim, mas naquele momento do nosso <strong>de</strong>safortunado encontro eu estava<br />
mais preocupado em me localizar para chegar à praia on<strong>de</strong> meu equipamento<br />
ficou submerso do que propriamente fugir daqui...<br />
-Ah claro... Compreendo agora! Isso finalmente explica o péssimo lugar,<br />
exatamente no centro da pista, que você escolheu para ficar admirando a noite<br />
estrelada.<br />
De-repente a treva se dissipou e logo adiante, estava o tal manicômio.<br />
Agora, tudo o que Mel queria era apenas telefonar para ter todos os seus<br />
problemas finalmente resolvidos!<br />
O estilo arquitetônico daquele prédio não primava pela estética.<br />
***<br />
Ao contrário! Sua fachada sinistra se assemelhava a um verda<strong>de</strong>iro edifício<br />
dos horrores on<strong>de</strong> almas penadas eram encarceradas aguardando seu cruel<br />
<strong>de</strong>stino para um inferno qualquer.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Não haviam luzes acesas e o silêncio era ensur<strong>de</strong>cedor pois causava um<br />
tal medo que Mel sequer ousava revelar em seus movimentos mais singelos.<br />
Os gran<strong>de</strong>s portões <strong>de</strong> ferro da entrada estavam fechados.<br />
-Daqui nos separamos. - Disse Alex Randall. – Se a segurança colocar as<br />
mãos em mim, vai me enfiar numa cela novamente.<br />
-Ok! Obrigado!<br />
Apertaram-se as mãos. Alex Randall se embrenhou novamente na treva e<br />
Mel foi em direção à portaria.<br />
Diante da entrada abriu um dos portões e obteve como resposta um<br />
guincho indicando que as dobradiças precisavam <strong>de</strong> lubrificação.<br />
Mel observava tudo ao redor, seus sentidos estavam em total estado <strong>de</strong><br />
alerta.<br />
Lá <strong>de</strong>ntro tudo estava em silêncio e a portaria totalmente apagada.<br />
Andando um pouco mais naquele ambiente, sentiu forte cheiro <strong>de</strong> podre e<br />
ainda ouviu zumbido persistente.<br />
Caminhou alguns metros em direção ao balcão e, no tampo superior <strong>de</strong>ste,<br />
não viu nenhum telefone.<br />
Seguiu então para a parte <strong>de</strong> trás <strong>de</strong>le e o que encontrou simplesmente<br />
estarreceu Mel.<br />
No chão estava um cadáver com o ventre completamente estraçalhado,<br />
costelas e órgãos expostos como se tivesse passado pela mesa <strong>de</strong> um açougueiro<br />
iniciante.<br />
Ao seu redor, insetos faziam vôos acrobáticos disputando os restos mortais<br />
do cadáver.<br />
***<br />
O impacto causado por cena tão horrorosa era capaz <strong>de</strong> causar paralisia<br />
instantânea em pessoas mais sensíveis.<br />
Mel por exemplo, viu-se completamente sem ação, sabe se lá por quanto<br />
tempo, se minutos ou segundos.<br />
Pelo menos, quando se recobrou daquele susto, logo enxergou um<br />
telefone e procurou fazer bom uso <strong>de</strong>le.<br />
Não teve problemas com aquele aparelho e logo até, conseguiu contato<br />
com a central da polícia.<br />
Teve a sorte <strong>de</strong> encontrar o en<strong>de</strong>reço e outros dados daquele local por<br />
perto e, assim, transmitiu ao agente que lhe prestava atendimento, as<br />
informações necessárias a respeito da situação.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Recebeu uma mensagem tranqüilizadora e instruções <strong>de</strong> como proce<strong>de</strong>r.<br />
Infelizmente porém, a ajuda mesmo po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>morar pelo menos quarenta<br />
e cinco minutos...<br />
O lugar em que estava era distante e os policiais que lhe aten<strong>de</strong>ram<br />
insistiram para que ainda assim aguardasse a chegada <strong>de</strong>les.<br />
-Tem um cadáver na minha frente. – Disse Mel revelando muito <strong>de</strong>sconforto<br />
na sua voz. – O assassino que matou essa pessoa ainda po<strong>de</strong> estar por aqui.<br />
-Tranque-se num lugar seguro e aguar<strong>de</strong> a viatura. Dois agentes estão<br />
sendo <strong>de</strong>signados para se encaminharem imediatamente para o local on<strong>de</strong> está.<br />
Não havia o que fazer, iria esperar.<br />
Ainda assim, tentaria obter ajuda <strong>de</strong> outro modo.<br />
Imediatamente, ligou para casa. S<br />
Só que, ninguém aten<strong>de</strong>u a chamada. Como sempre nessas horas, a<br />
secretária eletrônica pediu para <strong>de</strong>ixar recado...<br />
Gravou uma mensagem com breve relato da situação, o en<strong>de</strong>reço e<br />
telefone <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se encontrava.<br />
Ligou para mais uns <strong>de</strong>z telefones que lhe vieram à mente naquele<br />
momento, mas, em todos eles, àquela hora só encontrava caixa postal ou<br />
ninguém atendia.<br />
Suas novas chamadas estavam sendo infrutíferas e aquele cadáver tão<br />
próximo estava incomodando a concentração.<br />
Resolveu encerrar as tentativas e afastou-se do balcão.<br />
Ficou imaginando se haveria algum envolvimento <strong>de</strong> Alex Randall naquela<br />
morte que aparentava ter sido bastante violenta.<br />
De uma certeza não havia dúvidas: aquele sujeito era louco e po<strong>de</strong>ria muito<br />
bem estar sujeito a ter um acesso <strong>de</strong> incontrolável fúria assassina.<br />
Sem uma idéia <strong>de</strong>finida do que fazer, seguiu para fora da cena do crime e<br />
respirou um ar mais puro.<br />
Fora da edificação o silencio era completo.<br />
Sua mente estava inquieta.<br />
O turbilhão <strong>de</strong> intermináveis questionamentos bombar<strong>de</strong>ando seu cérebro<br />
<strong>de</strong>ixava seus sentidos em estado <strong>de</strong> alerta total...<br />
Tal tensão permitiu que percebesse até um movimento estranho no meio do<br />
matagal que circundava a edificação do manicômio.<br />
Uma sombra negra, com altura bem maior que a <strong>de</strong> um ser humano, se<br />
movimentava rapidamente a distancia aproximada <strong>de</strong> duzentos metros do ponto<br />
on<strong>de</strong> Mel se encontrava.<br />
Dalí não podia <strong>de</strong>finir bem o que era aquela criatura tão gran<strong>de</strong>..<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
De qualquer forma, julgou pru<strong>de</strong>nte não revelar sua posição e escon<strong>de</strong>u-se<br />
num local encoberto por sombra, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> faria suas observações sem se fazer<br />
notar.<br />
Rompendo o silêncio da noite, rugidos e gritos animalescos inquietaram-lhe<br />
mais ainda...<br />
Pareciam vir do local <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vira os estranhos movimentos...<br />
Em seguida, tomou tremendo susto quando uma voz chamou seu nome <strong>de</strong><br />
modo abrupto a pouca distância <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava!<br />
E pior!!!<br />
Uma mão ensangüentada se apoiou em seu ombro.<br />
Não conteve um grito <strong>de</strong> susto!<br />
Afinal, observando atentamente as sombras distantes que se moviam pelo<br />
matagal, esquecera-se do que acontecia bem perto <strong>de</strong> suas costas.<br />
Deparou-se com Alex Randall.<br />
Segurava alguns ca<strong>de</strong>rnos velhos. Suas roupas estavam cheias <strong>de</strong> sangue,<br />
e sua expressão tinha o olhar <strong>de</strong> um louco varrido.<br />
-Esse manicômio virou um cemitério. – Disse com a voz embargada.<br />
Estava visivelmente atordoado e logo <strong>de</strong>ixou claro porquê:<br />
***<br />
-Encontrei mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mortos! Todos irreconhecíveis. Completamente<br />
estraçalhados!<br />
Mel não disse nada.<br />
Além das frases do velho amalucado, ainda ouvia os gritos medonhos que<br />
assombravam a noite escura.<br />
Com a <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> uma eventual participação <strong>de</strong> Alex Randall nas<br />
mortes lhe atormentando, mediu silenciosamente o fumante dos pés à cabeça.<br />
Mal sabia o que falar ou fazer...<br />
Alex Randall continuou seu relato...<br />
-Eu resolvi voltar assim que você entrou.<br />
“Observando <strong>de</strong> longe, percebi que havia algo <strong>de</strong> errado com a segurança.”<br />
“Normalmente, um guarda armado, acompanhado <strong>de</strong> um cão farejador, vai<br />
até o portão principal escoltar a visita ou, <strong>de</strong> vez em quando, prestar informações.”<br />
“No seu caso, não apareceu ninguém. O portão simplesmente estava<br />
<strong>de</strong>strancado e você foi entrando naturalmente...”<br />
“Quando eu havia escapado do manicômio, pouco tempo antes do nosso<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
encontro, pensei que tivesse me aproveitado <strong>de</strong> uma falha na segurança para<br />
fugir, mas ao te ver entrando com tamanha facilida<strong>de</strong>, percebi que alguma coisa<br />
alí <strong>de</strong>ntro estava muito estranha...”<br />
fria...”<br />
“Achei melhor te avisar para que não se metesse por minha causa em outra<br />
“Voltei e, assim que cheguei, encontrei um guarda morto sendo <strong>de</strong>vorado<br />
por moscas, vermes, formigas e outros bichos.”<br />
“Quando fui sair daquele ambiente nojento, acabei entrando em outra sala<br />
on<strong>de</strong> a situação era pior ainda.”<br />
“Alí haviam vários cadáveres <strong>de</strong> pessoas que estavam completamente<br />
estraçalhadas.”<br />
“No meio dos mortos, encontrei o único sujeito <strong>de</strong>cente que conheci aqui<br />
<strong>de</strong>ntro.”<br />
“O cara estava completamente <strong>de</strong>sfigurado... Só pu<strong>de</strong> reconhece-lo pois,<br />
mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> morto, ainda segurava os ca<strong>de</strong>rnos on<strong>de</strong> passava o tempo<br />
escrevendo as histórias que eu lhe contava.”<br />
-Outro louco, com certeza. – Pensou Mel, disfarçando o que realmente<br />
pensava. - Certamente era outro idiota. Provavelmente se achasse mais esperto<br />
que a maioria acreditando que po<strong>de</strong>ria faturar algum trocado com aquela<br />
ficçãozinha barata. Mas, quanto a isso, também o pretensioso escritor iria cair na<br />
real cedo ou tar<strong>de</strong>.<br />
Alex Randall esten<strong>de</strong>u os ca<strong>de</strong>rnos oferecendo-os a Mel que, vendo-se<br />
sem alternativa, os pegou com certa <strong>de</strong>sconfiança.<br />
Deu uma olhada superficial no material e não gostou do que viu: a capa,<br />
suja, engordurada, fedorenta e estragada.<br />
Todas as páginas velhas, amassadas, amareladas e o garrancho ali, quase<br />
que totalmente ilegível.<br />
-Olha! - Disse tentando <strong>de</strong>monstrar calma. -Acho melhor procurar um lugar<br />
on<strong>de</strong> possamos esperar a chegada da polícia.<br />
Alex Randall apontou para uma torre que se <strong>de</strong>stacava da edificação do<br />
manicômio.<br />
-Dali po<strong>de</strong>remos observar toda a região em segurança. Já estive lá uma<br />
vez. Se estiver aberta, po<strong>de</strong>rá nos servir <strong>de</strong> refúgio.<br />
***<br />
Para Mel não havia outra alternativa além <strong>de</strong> seguir a orientação proposta<br />
pelo fumante maluco.<br />
12
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Suspeitava <strong>de</strong>le, claro!<br />
E mesmo, que eventualmente estivesse incorrendo em engano, sem o<br />
menor remorso ou peso na consciência, confiava <strong>de</strong>sconfiando.<br />
Foram para a tal torre ouvindo os gritos e urros incessantes que cortavam a<br />
escuridão.<br />
Através <strong>de</strong> uma escada bastante estreita subiram até o topo on<strong>de</strong> havia<br />
uma sala com gran<strong>de</strong>s janelas e grossas portas que logo foram trancadas.<br />
Mel sentou-se numa poltrona e só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> relaxar sentiu dores por todo o<br />
corpo.<br />
Até este momento, os reflexos do tombo da moto ainda não haviam se<br />
manifestado completamente.<br />
Mesmo assim, manteve-se alerta e não externou o que sentia.<br />
Por sua vez, Alex Randall refestelou-se noutra poltrona e quase que<br />
imediatamente começou a dormir roncando alto.<br />
Aquela tranqüilida<strong>de</strong> toda, além da facilida<strong>de</strong> para dormir <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos<br />
sobressaltos causaram em Mel alguma estranheza.<br />
Somente um assassino muito frio po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>scansar daquele jeito tendo<br />
visto tantas mortes e ainda ouvindo o som daqueles gritos horríveis.<br />
Se estivesse mentindo, o fazia com gran<strong>de</strong> maestria.<br />
Porém, se a suspeita <strong>de</strong> Mel com relação a Alex Randall fosse verda<strong>de</strong>ira,<br />
as grossas pare<strong>de</strong>s e portas dali, mesmo que até inspirassem alguma segurança,<br />
não serviriam <strong>de</strong> nenhuma proteção.<br />
Alex Randall não parecia porém ser um tipo violento mesmo aparentemente<br />
biruta, a loucura <strong>de</strong>le era outra. A<strong>de</strong>mais, a força necessária para realização <strong>de</strong><br />
atos tão brutais parecia muito superior às capacida<strong>de</strong>s físicas daquele senhor <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong> avantajada.<br />
I<strong>de</strong>al seria aproveitar aquele momento para <strong>de</strong>scansar um pouco.<br />
Mas, temendo um provável instinto assassino do fumante, achou pru<strong>de</strong>nte<br />
não entregar-se ao sono.<br />
Teria <strong>de</strong> arrumar algo para fazer enquanto aguardava a chegada da polícia.<br />
Olhou melhor os tais ca<strong>de</strong>rnos e resolveu dar outra folheada neles.<br />
Estava cheio <strong>de</strong> rabiscos e rasuras.<br />
Depois <strong>de</strong> algum esforço e gigantesca boa vonta<strong>de</strong>, ao ler com atenção o<br />
texto, viu que ele não chegava a ser tão ruim quanto imaginava.<br />
Compreen<strong>de</strong>ndo um pouco melhor o raciocínio do escritor, Mel encontrou o<br />
começo da narrativa conseguindo com isso , não só algo para se distrair, mas<br />
também, um meio para enganar o sono que tentava dominar-lhe.<br />
Logo, envolveu-se <strong>de</strong> tal maneira com aquelas linhas que não tirava mais<br />
13
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
os olhos das mal conservadas folhas.<br />
O conteúdo do manuscrito se referia a uma história que começava mais ou<br />
menos assim:<br />
********<br />
14
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O FUMANTE E O VIAJANTE DAS ESTRELAS<br />
INTRODUÇÃO<br />
O relato contido nas linhas que se seguem tem início num futuro ainda<br />
distante on<strong>de</strong> será comum ao homem e mulher viverem até os duzentos anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong> com bastante saú<strong>de</strong> aparentando não mais que sessenta.<br />
Nessa era, a socieda<strong>de</strong> será equilibrada justa e harmoniosa dispondo a<br />
todos, os benefícios <strong>de</strong> diversos avanços tecnológicos entre os quais, naves<br />
espaciais capazes <strong>de</strong> cruzar o espaço si<strong>de</strong>ral atingindo lugares tão distantes que<br />
mesmo os melhores telescópios da atualida<strong>de</strong> sequer seriam capazes <strong>de</strong><br />
vislumbra-los da Terra.<br />
O protagonista do texto a essa época está prestes a completar seus<br />
duzentos anos e conforme a regra entre os bicentenários, <strong>de</strong>sfrutando dos<br />
benefícios da medicina que lhe dão a saú<strong>de</strong> e aparência equivalentes ao padrão<br />
comum dos homens <strong>de</strong> sessenta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> no final do século XXI.<br />
Além do bom estado físico, também mantinha-se em excelentes condições<br />
psicológicas, o que resultava num bom temperamento, não muito pessimista e<br />
com disposição para o trabalho.<br />
Não <strong>de</strong>sperdiçava seu tempo com qualquer tipo <strong>de</strong> serviço, mesmo porquê,<br />
felizmente, sua situação financeira seria consi<strong>de</strong>rada, para o padrão do seu<br />
tempo, muito mais do que excelente.<br />
Até pela ida<strong>de</strong> e graças a este gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r aquisitivo, resolveu investir<br />
boa parte do seu capital num empreendimento que seria a coroação <strong>de</strong> todas as<br />
suas realizações...<br />
A construção da maior astronave até o momento i<strong>de</strong>alizada pela<br />
humanida<strong>de</strong>.<br />
Entre suas diversas finalida<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> fazer viagens pelo tempo e por<br />
outras dimensões paralelas, serviria <strong>de</strong> laboratório <strong>de</strong> testes no espaço, sendo<br />
capaz ainda <strong>de</strong> realizar jornadas em uma velocida<strong>de</strong>-cruzeiro milhões <strong>de</strong> vezes<br />
superior à da luz..<br />
Além <strong>de</strong> ser única e fabricada com durabilida<strong>de</strong> quase eterna, era<br />
praticamente auto-sustentável.<br />
Os pouquíssimos componentes a exigirem manutenção podiam funcionar<br />
ininterruptamente por quase mil anos antes <strong>de</strong> precisarem ser substituídos.<br />
Um colosso <strong>de</strong> forma esférica, diâmetro <strong>de</strong> cinqüenta e dois quilômetros<br />
comandada pelo mais po<strong>de</strong>roso cérebro computadorizado até então construído.<br />
Seu nome: O VIAJANTE DAS ESTRELAS.<br />
Levava um único ser humano a bordo.<br />
15
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Este, gerenciaria da melhor maneira possível, os <strong>de</strong>stinos a serem seguidos<br />
por aquela astronave.<br />
Além <strong>de</strong> criador e produtor principal do projeto, o próprio Alex Randall seria<br />
este viajante.<br />
Era uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> já que milhares <strong>de</strong> empresas,<br />
patrocinavam, garantiam e ajudavam naquela fantástica iniciativa.<br />
Para ele porém, aquela oportunida<strong>de</strong> não significava apenas serviços a<br />
serem realizados.<br />
Sozinho, no espaço, esperava encontrar tranqüilida<strong>de</strong> enquanto os robôs<br />
da astronave trabalhavam automaticamente na realização dos inúmeros testes.<br />
Além do merecido <strong>de</strong>scanso após tanto trabalho, garantiria uma boa<br />
aposentadoria com os proventos obtidos dos experimentos.<br />
Tiraria férias da humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> todos os seus problemas enquanto<br />
relaxaria sem ser perturbado, fumando incessantemente o cachimbo, não tendo<br />
que ouvir crítica alheia <strong>de</strong>vido aos maus hábitos que prejudicavam a saú<strong>de</strong>.<br />
Na mente <strong>de</strong> Alex Randall, um empreendimento como aquele não tinha<br />
como dar prejuízo.<br />
Ainda que a astronave sofresse um horrível aci<strong>de</strong>nte, ela estava com<br />
seguro, portanto, o parte principal do investimento, pelo menos não seria perdida.<br />
outro.<br />
A realização <strong>de</strong> tão dispendioso projeto não se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> um momento para<br />
Muitos anos foram gastos na criação, nos <strong>de</strong>senhos e, outro período <strong>de</strong><br />
tempo maior ainda, na efetiva materialização da idéia.<br />
A última fase da montagem da astronave se <strong>de</strong>u num hangar em órbita da<br />
Lua com peças chegando <strong>de</strong> todos os planetas do sistema solar.<br />
Uma obra <strong>de</strong> tal porte não po<strong>de</strong>ria ser inaugurada sem uma festivida<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> as maiores autorida<strong>de</strong>s fossem convidadas.<br />
Assim aconteceu, e, até para tão gigantesca celebração, foram gastos<br />
meses <strong>de</strong> produção.<br />
Cumprida a última formalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida, o Viajante das Estrelas partiu.<br />
Simplesmente <strong>de</strong>sapareceu <strong>de</strong> um momento para o outro sem <strong>de</strong>ixar<br />
rastros ou indicar a direção que seguia.<br />
Dentro daquele bólido voador, seu único tripulante humano só queria<br />
relaxar, acompanhar à distancia o trabalho dos robôs, admirar os astros , e fumar<br />
tranqüilamente um cachimbo...<br />
***<br />
16
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.1 DE ALEX RANDALL<br />
Sossegado no conforto <strong>de</strong> sua poltrona, <strong>de</strong>sfrutando os prazeres do fumo,<br />
Alex Randall olhou para as imagens tridimensionais projetadas ao seu redor, que<br />
mostravam um gráfico com os astros que compunham o sistema solar se<br />
afastando <strong>de</strong>pressa até sumirem em meio ao negrume espacial...<br />
Naquele momento <strong>de</strong>spedia-se <strong>de</strong> uma montanha <strong>de</strong> problemas...<br />
Tão cedo não teria sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong>les.<br />
Dalí por diante, levaria uma vida até certo ponto solitária, tranqüila e sem<br />
preocupações.<br />
Seu maior objetivo seria monitorar o funcionamento do Viajante das<br />
Estrelas, supervisionar e garantir o bom andamento dos experimentos que alí se<br />
sucediam, manter o cachimbo sempre aceso e escolher caminhos que não o<br />
levassem para o interior <strong>de</strong> um buraco negro, ou, em rota <strong>de</strong> colisão com qualquer<br />
corpo errante.<br />
Logo <strong>de</strong> cara iria pôr para funcionar , um inédito sistema <strong>de</strong> propulsão<br />
jamais usado em qualquer outra astronave construída pela humanida<strong>de</strong>, mesmo<br />
até, para aquela época, em que já eram muito populares os motores que<br />
permitiam às espaçonaves, <strong>de</strong>sempenhos muito superiores aos da velocida<strong>de</strong> da<br />
luz extrapolando assim, os limites impostos por algumas populares Leis da física.<br />
Aquele novo avanço da tecnologia permitia ao Viajante das Estrelas cobrir<br />
enormes distancias com toda a tranqüilida<strong>de</strong> a velocida<strong>de</strong>s que podiam ser<br />
centenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> vezes mais rápidas que a luz.<br />
E, justamente, para que tão glorioso feito se realizasse, caracterizando por<br />
si só, um marco da conquista humana, faltava apenas acionar a alavanca<br />
dourada <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign antigo e tradicional, instalada na lateral da poltrona que estava<br />
sentado.<br />
Conferiu tudo o que pô<strong>de</strong> mais uma vez e, com um rápido movimento, o<br />
novo sistema propulsor foi posto em ação.<br />
***<br />
A Central <strong>de</strong> Comando do Viajante das Estrelas dava uma projeção<br />
interativa tridimensional do que acontecia fora da nave.<br />
Nosso herói parecia estar sentado no meio do espaço sem nada ao redor,<br />
só ele e sua poltrona.<br />
Tudo o que se po<strong>de</strong>ria visualizar estando na parte externa do casco da<br />
astronave, era tridimensionalmente projetado alí naquele recinto.<br />
Tocando ou apontando na direção <strong>de</strong> uma imagem, por exemplo, logo se<br />
17
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
obtinha uma análise <strong>de</strong>scritiva do objeto ou fenômeno em análise.<br />
Gráficos, imagens <strong>de</strong> outros compartimentos, imagens externas e relatórios<br />
da situação também eram projetados como que por magia no próprio espaço ao<br />
redor <strong>de</strong> Alex Randall dando a qualquer um, a impressão <strong>de</strong> que ele estava num<br />
imenso cenário <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o game.<br />
Tão logo a alavanca dourada foi colocada na posição indicativa <strong>de</strong> que o<br />
novo sistema <strong>de</strong> propulsão estava operacional, tudo na astronave passou a ter um<br />
comportamento distinto.<br />
Mostradores flutuantes, relógios e medidores saltaram para marcas jamais<br />
atingidas anteriormente por qualquer outro invento produzido pelo engenho<br />
humano.<br />
Concentrado em todas as verificações daqueles primeiros momentos <strong>de</strong><br />
viagem, Alex Randall fumava seu cachimbo com uma voracida<strong>de</strong> sem<br />
prece<strong>de</strong>ntes, muito mal ocultando a própria tensão.<br />
Entretanto, a privilegiada visão que tinha dos acontecimentos exerceu nele<br />
um efeito tranquilizador.<br />
Extasiado com a beleza daquela visão, Alex Randall foi mais e mais se<br />
recostando na poltrona enquanto relaxava a tensão inicial da partida, diante<br />
daquele majestoso espetáculo sem igual.<br />
Sentiu o torpor que a erva do cachimbo causava no seu cérebro.<br />
Parecia até que este ia saltar <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da cabeça.<br />
Mais tranquilo com o passar do tempo, mesmo assim não diminuiu a<br />
vigilância nos mostradores e medidores piscando ao seu redor.<br />
Constatando que os resultados obtidos se mantinham <strong>de</strong>ntro dos<br />
parâmetros <strong>de</strong>sejados, Alex Randall sentiu-se bastante satisfeito chegando até a<br />
consi<strong>de</strong>rar aquele experimento como um sucesso.<br />
Daí então, pôs-se até a refletir sobre as conseqüências e <strong>de</strong>sdobramentos<br />
que eventual industrialização e popularização <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> propulsão como<br />
aquele traria à humanida<strong>de</strong>.<br />
Graças à tamanho salto tecnológico, um futuro <strong>de</strong> novas <strong>de</strong>scobertas em<br />
horizontes ainda mais longínquos além dos já <strong>de</strong>sbravados pelos povos do<br />
sistema solar, certamente se abria...<br />
Num futuro não muito distante, qualquer um po<strong>de</strong>riam investir poucos<br />
recursos e fazer viagens como a que ele iniciava...<br />
Muito provavelmente se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aria um crescimento nas empresas <strong>de</strong><br />
turismo fora do sistema solar bem maior do que aquele que já existia.<br />
Pacotes turísticos <strong>de</strong> visitas <strong>de</strong> fins <strong>de</strong> semana em planetas orbitando<br />
estrelas distantes, além e muitas outras atrações divertidas se tornariam<br />
18
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
populares e amplamente comercializados...<br />
Mesmo com a mente divagando em mundos longínquos, nosso herói não<br />
estava totalmente entorpecido.<br />
Ainda que a quantida<strong>de</strong> que ele fumasse fosse absurda, seus sentidos se<br />
mantinham alertas.<br />
Tanto que, seus ouvidos altamente treinados assim como os <strong>de</strong> um<br />
maestro, i<strong>de</strong>ntificaram sem <strong>de</strong>mora ou dúvida, um barulho estranho ali mesmo na<br />
Central <strong>de</strong> Comando...<br />
O temor <strong>de</strong> que aquele som incômodo pu<strong>de</strong>sse representar um mau sinal<br />
fez com que sua tensão voltasse a aumentar.<br />
-Alerta <strong>de</strong> intruso!<br />
***<br />
Um milésimo <strong>de</strong> segundo antes do computador do Viajante das Estrelas<br />
soar o alarme, os olhos atentos <strong>de</strong> Alex Randall já haviam i<strong>de</strong>ntificado a origem do<br />
problema.<br />
A nave havia sido invadida e a estranha forma <strong>de</strong> vida que conseguira<br />
tamanha proeza estava agora diante do seu único tripulante humano.<br />
-Como ocorreu a invasão? – Indagou Alex Randall.<br />
-Desconhecido! – Foi a resposta dada pelo cérebro computadorizado que<br />
utilizava uma voz feminina em suas manifestações.<br />
-Desconhecido como?!? Essa coisa simplesmente se materializou aqui<br />
<strong>de</strong>ntro?!?<br />
-Segundo os registros analisados sim!<br />
A criatura à que Alex Randall se referia era uma bola peluda muito brilhante<br />
com dois gran<strong>de</strong>s olhos vermelhos e um longo “nariz” que ia afinando até a<br />
extremida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> havia um par <strong>de</strong> pequenos orifícios. Ao seu redor brilhava uma<br />
aura colorida e <strong>de</strong> beleza encantadora.<br />
Não parecia agressiva.<br />
Ao contrário. Era até bastante amistosa. Tanto que, aproximou-se com<br />
pequenos saltos até os pés <strong>de</strong> Alex...<br />
-Existem mais formas <strong>de</strong> vida como esta a bordo?<br />
-Não.<br />
Não queria tocar naquele bicho até ter certeza <strong>de</strong> que tão simples gesto<br />
não representaria nenhum tipo <strong>de</strong> ameaça à sua saú<strong>de</strong> ou mesmo à segurança<br />
da nave.<br />
-Vamos verificar se esta coisa representa perigo imediato... - Or<strong>de</strong>nou.<br />
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Uma esfera preta flutuante, <strong>de</strong> diâmetro pouco maior que o das tradicionais<br />
bolas <strong>de</strong> futebol <strong>de</strong> campo, se aproximou e projetou na estranha forma <strong>de</strong> vida,<br />
três finos raios <strong>de</strong> cores distintas: vermelho, amarelo brilhante e azul...<br />
Estes, rapidamente correram por toda a superfície da criatura realizando<br />
uma “leitura” que “colhia” seus dados superficiais mais importantes...<br />
Algumas luzes piscaram e logo, a voz feminina <strong>de</strong>u o resultado...<br />
-Aparentemente, não oferece qualquer perigo à espécie humana ou mesmo<br />
à integrida<strong>de</strong> da nave...<br />
Apesar disso, Alex Randall ainda estava intrigado com aquela inesperada<br />
visita...<br />
Sua surpresa virou susto quando o pequeno ser peludo saltou<br />
inesperadamente à altura do seu rosto e com o seu longo nariz lhe <strong>de</strong>u um<br />
carinhoso beijo...<br />
-C-como?<br />
Abaixou-se e observou melhor a curiosa criatura e notou que esta se<br />
locomovia através <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> “mola” existente na parte inferior do seu<br />
corpo peludo...<br />
Além disso tudo, não parava <strong>de</strong> emitir um som...<br />
Parecia até estar falando alguma coisa:<br />
-Uorlops.<br />
Sabedor <strong>de</strong> que naquele momento já seriam completamente inúteis<br />
quaisquer medidas <strong>de</strong> anti-contaminação, precaução ou segurança que<br />
eventualmente tivessem <strong>de</strong> ter sido tomadas em situações semelhantes <strong>de</strong><br />
encontro com raças <strong>de</strong>sconhecidas, Alex Randall esticou o braço e, com certo<br />
receio, acariciou aquela coisa sentindo <strong>de</strong> um instante para outro, através dos<br />
<strong>de</strong>dos e da palma da mão, uma intensa onda <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> invadir o seu corpo...<br />
Aproximando a singular criatura do seu peito, sentiu emoções intensamente<br />
agradáveis e relaxantes...<br />
Fumando o seu caximbo a plenos pulmões, e agora, muito mais tranqüilo<br />
do que já estivera em toda a sua vida, ele carregava aquele estranho ser como se<br />
fosse um mascote canino.<br />
som:<br />
O bicho parecia até gostar, e não parava <strong>de</strong> falar, ou fazer aquele estranho<br />
-Uorlops!<br />
-Acho que me arrumei um acompanhante <strong>de</strong> aventuras. - Disse em voz alta<br />
o solitário aventureiro que já nem pensava mais direito, <strong>de</strong> tão sossegado que se<br />
sentia...<br />
Quanto mais acariciava aquele bichinho, maior era o seu relaxamento...<br />
20
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Vou até tomar uma cerveja... Faz muito tempo que não bebo algo com<br />
álcool... Preciso comemorar um importante evento como o <strong>de</strong> hoje.<br />
Fumando e carregando aquela carinhosa criaturinha, Alex Randall foi até a<br />
gela<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> on<strong>de</strong> tirou e abriu uma lata <strong>de</strong> cerveja.<br />
Num balcão próximo, colocou aquele curioso ser peludo e diante <strong>de</strong>ste<br />
encheu um copo .<br />
O bichinho enfiou no copo o seu longo nariz que muito se assemelhava a<br />
uma mini tromba <strong>de</strong> elefante e sugou o líquido. Em seguida, começou a saltitar<br />
pela sala realizando, diversas piruetas, evoluções, malabarismos aéreos e<br />
acrobacias não parando <strong>de</strong> falar:<br />
-Uorlops!<br />
Alex Randall se <strong>de</strong>leitava com as peripécias daquela criaturinha peluda...<br />
-Esta coisa precisa <strong>de</strong> um nome. Acho que vai ser Uorlops, mesmo...<br />
Deu mais algumas vorazes tragadas no cachimbo, em seguida bebeu um<br />
gole da cerveja e complementou:<br />
-É isso aí! Vai chamar “UORLOPS”.<br />
Alex Randall já ficou tonto com aquele único gole. Não era muito resistente<br />
ao álcool...<br />
Quando passou novamente em frente à gela<strong>de</strong>ira, quis guardar a lata <strong>de</strong><br />
cerveja que não havia tomado inteira.<br />
Qual não foi sua surpresa quando, ao abrir a porta, saltou para fora outro<br />
Uorlops similar ao primeiro, com a diferença apenas na cor do campo brilhante<br />
que emanava das criaturinhas. Cada uma tinha a sua.<br />
As duas então se juntaram e começaram a saltitar alegremente ao redor <strong>de</strong><br />
Alex Randall.<br />
Este por sua vez, inicialmente se assustou com aquela nova e também<br />
inesperada presença, mas <strong>de</strong>vido acima <strong>de</strong> tudo, à tranqüilizadora e relaxante<br />
sensação emanada pelos Uorlops, acabou <strong>de</strong>ixando o problema <strong>de</strong> lado...<br />
Ainda assim, não <strong>de</strong>ixou escapar um questionamento irônico dirigido ao<br />
cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas...<br />
-A astronave precisa <strong>de</strong> uma revisão. Seus sensores não estão<br />
i<strong>de</strong>ntificando o caminho <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong>sta invasão a bordo. Como este problema<br />
po<strong>de</strong> ser explicado?<br />
Se a voz digitalizada <strong>de</strong> um cérebro computadorizado <strong>de</strong> última geração<br />
po<strong>de</strong>ria em algum momento emitir sinais <strong>de</strong> emoção, aquele foi um <strong>de</strong>les, não<br />
através <strong>de</strong> gritos, choros, rizadas ou coisas do tipo, mas sim, pelo silêncio...<br />
Depois <strong>de</strong> um tempo sem se manifestar, veio a resposta:<br />
-Dados insuficientes para concluir qualquer conjectura.<br />
21
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Então faça o possível para <strong>de</strong>scobrir o que está acontecendo... Vou<br />
<strong>de</strong>scansar e tomar um banho, não precisa soar o alarme se aparecer um ou outro<br />
Uorlops por aí, esses bichos parecem ser pacíficos...<br />
Devidamente escoltado pelos seus novos amigos, Alex foi até o banheiro<br />
on<strong>de</strong> iria começar dando uma boa aliviada nos tubos intestinais...<br />
Levantou a tampa do vaso sanitário especial e inteligente para uso com ou<br />
sem gravida<strong>de</strong>, e se surpreen<strong>de</strong>u quando saltou lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro outra bola peluda<br />
brilhante <strong>de</strong> olhos arregalados.<br />
Os três se juntaram e ficaram saltando como macacos doidos pelo<br />
banheiro.<br />
-Que figurinhas estranhas estes Uorlops...<br />
Aliviado finalmente, limpou-se e entrou na banheira on<strong>de</strong> foi seguido pelos<br />
seus amiguinhos brincalhões.<br />
Recostou-se num canto e <strong>de</strong>ixou que a água morna relaxante <strong>de</strong>scansasse<br />
seu corpo.<br />
Segurou um Uorlops em cada mão sentindo novamente intensas vibrações<br />
<strong>de</strong> alegria e prazer emanando dos bichinhos.<br />
Mais tar<strong>de</strong> iria se preocupar com o porquê das criaturinhas simpáticas<br />
estarem se materializando alí <strong>de</strong>ntro sem explicação plausível...<br />
Naquele momento, estava tão tranqüilo na água que acabou fechando os<br />
olhos e dormindo...<br />
***<br />
Quando acordou, resolveu tomar uma ducha gelada para se restabelecer<br />
fisicamente.<br />
Ao abrir a porta do box, quase não acreditou no que viu: esperando por ele,<br />
estavam sete uorlops peludos, alegres, brilhantes, coloridos e saltitantes...<br />
-Tenho <strong>de</strong> verificar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estes bichos estão saindo.<br />
Vestiu-se e, acompanhado dos seus novos e inseparáveis amigos, foi até a<br />
central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas.<br />
Ao sentar-se na própria poltrona, sentiu algo batendo na bunda...<br />
-Catzo! Já sei o que <strong>de</strong>ve ser...<br />
Olhou para o assento e não se espantou quando <strong>de</strong>parou-se com outro<br />
daqueles bichinhos <strong>de</strong> procedência misteriosa.<br />
-Desculpe-me, mas, aqui, sento eu!<br />
Tirou o mais novo bichinho da ca<strong>de</strong>ira sentindo a intensa onda <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong><br />
que este irradiava.<br />
22
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Só <strong>de</strong> pegar na mão aquele Uorlops, veio novamente a sonolenta e<br />
agradável tranqüilida<strong>de</strong> que estes irradiavam.<br />
-De on<strong>de</strong> saem estes tipos esquisitos?...Algum palpite?!?<br />
-Por enquanto, nenhuma conjectura – Manifestou-se o cérebro<br />
computadorizado. - As criaturas continuam a materializar-se sem explicação<br />
lógica. Não existem acessos ou entradas que tenham ficado abertas <strong>de</strong>pois da<br />
partida...<br />
Alex colocou o cachimbo no braço da poltrona e continuou a acariciar o<br />
Uorlops que estava mais próximo.<br />
Alguma coisa estava errada, afinal, dificilmente Alex tirava seu cachimbo ou<br />
mesmo, o <strong>de</strong>ixava apagar.<br />
O torpor da sonolência e a tranqüilida<strong>de</strong> foram tomando novamente conta<br />
do nosso herói, seu raciocínio foi ficando lento...<br />
O problema do misterioso aparecimento dos Uorlops <strong>de</strong>ntro do Viajante das<br />
Estrelas <strong>de</strong>ixava lentamente <strong>de</strong> ser uma priorida<strong>de</strong> para Alex Randall resolver e,<br />
mais uma vez, mesmo contra a própria vonta<strong>de</strong>, o sono acabou tomando-o em<br />
seus braços...<br />
Despertou mais tar<strong>de</strong> e, novamente, surpreen<strong>de</strong>u-se!<br />
Ou melhor, aterrorizou-se!<br />
***<br />
Os Uorlops empesteavam a central <strong>de</strong> comando. Eram centenas, talvez<br />
milhares <strong>de</strong>les.<br />
Os bichinhos estavam alegres, saltitantes e brincalhões. As cores que<br />
irradiavam, além <strong>de</strong> brilhantes, eram lindas.<br />
Procurando não pisar em nenhum <strong>de</strong>les, tentou sair da central <strong>de</strong> comando,<br />
mas esta, parecia ser uma tentativa impossível...<br />
-Existe algum lugar on<strong>de</strong> eu possa ficar sem ser perturbado pelos Uorlops?<br />
-Não! Eles estão em todos os compartimentos.<br />
Alex Randall viu-se apavorado: O Viajante das Estrelas tinha mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />
mil andares, e não havia um só local on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse relaxar e se concentrar.<br />
Logo <strong>de</strong> cara, tudo <strong>de</strong>gringolara <strong>de</strong> tal maneira que a missão parecia<br />
<strong>de</strong>finitivamente comprometida.<br />
Até para dar solução a este grave problema estava impossibilitado já que,<br />
era mantido prisioneiro na própria na central <strong>de</strong> comando.<br />
Não sabia o que fazer ou como a resolver a situação.<br />
Notou que um dos bichinhos, ao realizar seus saltos acrobáticos, acabou<br />
23
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
<strong>de</strong>sligando os propulsores especiais <strong>de</strong> alto <strong>de</strong>sempenho da nave quando<br />
aci<strong>de</strong>ntalmente esbarrou justamente na alavanca dourada que os acionava e<br />
<strong>de</strong>sligava .<br />
O primeiro reflexo <strong>de</strong>ssa nova situação se fez notar logo nas imagens<br />
projetadas tridimensionalmente ao redor da poltrona on<strong>de</strong> Alex Randall sentava:<br />
elas mudaram completamente voltando a exibir a infinita escuridão espacial<br />
pontilhada <strong>de</strong> estrelas, galáxias e mistérios profundos.<br />
Mesmo antes disso porém, nosso herói já havia tomado na testa forte<br />
pancada <strong>de</strong> um dos bichinhos que saltavam <strong>de</strong>sembestadamente pela central <strong>de</strong><br />
comando.<br />
Como conseqüência, foi posto a nocaute com direito a um galo e <strong>de</strong>smaio<br />
gratuito!!!<br />
***<br />
Quando voltou à conciência, viu-se caído no chão.<br />
Olhou em volta logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acordar e não acreditou!<br />
Todos os UORLOPS haviam <strong>de</strong>saparecido.<br />
As coisas voltaram ao normal.<br />
Alex Randall sentou-se e perguntou;<br />
-On<strong>de</strong> estão os nossos visitantes?<br />
Desta vez, a resposta do cérebro computadorizado não tardou:<br />
-Desapareceram logo que os motores foram <strong>de</strong>sligados.<br />
***<br />
Posteriormente, uma análise mais completa confirmou algumas<br />
<strong>de</strong>sconfianças que o cérebro computadorizado já tinha, ao revelar que os Uorlops<br />
só ganhavam existência quando os novíssimos propulsores especiais <strong>de</strong> alto<br />
<strong>de</strong>sempenho eram acionados e a astronave alcançava velocida<strong>de</strong>s fenomenais.<br />
Antes disso, o estado natural daquelas criaturas era totalmente distinto:<br />
originalmente, pareciam-se com sementes brancas <strong>de</strong> dois centímetros cada uma,<br />
que estavam armazenadas em cápsulas transparentes on<strong>de</strong> eram constantemente<br />
monitoradas.<br />
Nesta condição, nem mesmo em escala atômica aparentavam ter vida.<br />
Nos momentos iniciais da ocorrência daquele evento inesperado, o cérebro<br />
computadorizado, ainda que dispondo <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> vigilância altamente<br />
sofisticados, não foi capaz <strong>de</strong> relacionar o <strong>de</strong>saparecimento das sementes do<br />
24
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
interior da capsula com a presença dos Uorlops que, apareciam pipocando<br />
aleatoriamente pela astronave.<br />
Por sorte o sistema <strong>de</strong> propulsão <strong>de</strong>sligado.<br />
Acaso continuasse operando por muito mais tempo, logo a astronave<br />
estaria sem ar até para se respirar.<br />
Assim, o Viajante das Estrelas se manteve a uma velocida<strong>de</strong> inferior<br />
àquela que po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>senvolver, tentando com isso, solucionar mais aquele<br />
problema.<br />
***<br />
E não foi necessário muito tempo para que uma solução fosse encontrada.<br />
As sementes foram isoladas no interior <strong>de</strong> um campo energético on<strong>de</strong> não<br />
seriam mais estimuladas pelos fatores que ocasionavam sua transformação nos<br />
Uorlops.<br />
Assim, Alex Randall superou seu primeiro imprevisto.<br />
Depois, recuperada a auto confiança, per<strong>de</strong>u-se até em reflexões do tipo:<br />
-Essa viagem está apenas começando! Tenho certeza que daqui pra frente,<br />
tudo vai ser diferente e finalmente ficarei livre <strong>de</strong> aborrecimentos e problemas.<br />
***<br />
25
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.2 DE ALEX RANDALL<br />
“Este pequeno conto foi escrito no aniversário <strong>de</strong> 18 anos da minha irmã mais nova e<br />
<strong>de</strong>dicado a ela.”<br />
“Posteriormente, ainda foi revisado várias vezes.”<br />
“Que Deus a tenha agora ao seu lado”.<br />
Fernando ZÈCA<br />
***<br />
Tendo já planejada as ativida<strong>de</strong>s que seriam executadas automaticamente<br />
nas próximas horas, Alex Randall achou por bem tirar um período <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esgotar os seus neurônios conferindo o trabalho realizado pelos robôs<br />
da nave na adaptação que evitaria que os Uorlops pipocassem pela nave<br />
<strong>de</strong>scontroladamente tão logo fossem acionados os novos propulsores ....<br />
Deitou na cama recém arrumada por um dos autômatos <strong>de</strong> limpeza e, seis<br />
minutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fechar os olhos, os alarmes soaram estrondosamente<br />
assustando-o.<br />
-Alerta! Alerta! Perigo <strong>de</strong> colisão!<br />
-Perigo <strong>de</strong> colisão? - Indagava-se o cansado viajante com as pálpebras<br />
ainda cerradas. – Mas... Como? O Viajante das Estrelas está à <strong>de</strong>riva e, as<br />
últimas análises feitas não indicaram nada capaz <strong>de</strong> causar problemas no interior<br />
<strong>de</strong> um raio <strong>de</strong> pelo menos 30 anos luz...<br />
Num gesto automático e quase acrobático, Alex Randall saltou para fora da<br />
cama, acionou o projetor <strong>de</strong> imagens tridimensionais e verificou a causa do<br />
alarme.<br />
Por incrível que pu<strong>de</strong>sse parecer, um planeta viajando pelo espaço a uma<br />
velocida<strong>de</strong> inacreditável estava atraindo o Viajante das Estrelas para o interior da<br />
sua atmosfera...<br />
A colisão com a superfície daquele mundo era eminente...<br />
***<br />
Voltou para a Central <strong>de</strong> Comando imediatamente.<br />
Alí, po<strong>de</strong>ria analisar a situação com mais clareza e, assim tomar as<br />
melhores <strong>de</strong>cisões, graças a um controle mais apurado que alí a astronave lhe<br />
oferecia.<br />
Deste modo, não tardou muito para que percebesse algo realmente<br />
26
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
extraordinário:<br />
Aquele era um planeta totalmente artificial!<br />
E algo ainda mais insólito: o relevo <strong>de</strong> sua superfície parecia lembrar o<br />
rosto humano <strong>de</strong> um homem com barba , cabelos longos e brancos.<br />
Diante daquela situação extraordinária, Alex Randall concordou com o<br />
Cérebro Computadorizado que a astronave <strong>de</strong>veria sair do caminho daquele<br />
mundo errante.<br />
Medidas nesse sentido imediatamente foram tomadas a bordo da<br />
astronave, mas, para surpresa do intrépido viajante, ocorreu uma pane<br />
generalizada.<br />
Se apercebendo disso, ele digitou alguns comandos no teclado luminoso<br />
projetado a partir do painel instalado no braço da sua poltrona, mas, logo<br />
percebeu que não tinha mais controle nenhum sobre a astronave.<br />
Alguma coisa estava interferindo no correto funcionamento das coisas lá<br />
<strong>de</strong>ntro...<br />
Mesmo o Cérebro Computadorizado da astronave ficou inoperante.<br />
Nada respondia seus chamados ou comandos <strong>de</strong> qualquer espécie..<br />
Diante dos fatos, nosso herói constatou que não teria mais que alguns<br />
segundos <strong>de</strong> vida já que a colisão parecia inevitável.<br />
Sem nunca <strong>de</strong>sistir, numa última e <strong>de</strong>sesperada tentativa, berrou alguns palavrões<br />
e <strong>de</strong>u fortes pancadas nos painéis e controles afixados no braço <strong>de</strong> sua poltrona<br />
<strong>de</strong> comando...<br />
E, então...<br />
Ocorreu algo inesperado!<br />
O temido choque não aconteceu.<br />
O movimento aparentemente incontrolável do Viajante das Estrelas foi<br />
parado.<br />
No meio da central <strong>de</strong> comando, materializou-se bem ao lado da poltrona<br />
<strong>de</strong> Alex Randall, um ser humanói<strong>de</strong> vestindo roupas e capacete preto.<br />
Em silencio, o invasor olhou fixamente para o apavorado viajante em<br />
seguida cada recanto da Central <strong>de</strong> Comando.<br />
Fez um sinal <strong>de</strong> reprovação com a cabeça e sacou da cintura, uma espécie<br />
<strong>de</strong> agenda eletrônica on<strong>de</strong> começou a fazer anotações.<br />
-Sou o policial responsável por este que é o setor 6. Estou aqui para uma<br />
vistoria na sua documentação e astronave. Se oferecer resistência, irei <strong>de</strong>struí-lo.<br />
Alex Randall ficou meio abobalhado com o que ouviu, tanto que, o seu<br />
cachimbo quase caiu da boca.<br />
Demorou ainda alguns segundos para se recompor e, finalmente disse:<br />
27
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Não sei que tipo <strong>de</strong> documentação o senhor <strong>de</strong>seja, porém, se quiser,<br />
coloco-me à disposição da justiça para o cumprimento <strong>de</strong> qualquer formalida<strong>de</strong>.<br />
A resposta automática veio imediata e sem espaço para pausa no dialogo:<br />
-Não quero saber se você se põe a disposição da Justiça e da Lei. Seu<br />
problema imediato e com a Polícia que está aqui para uma inspeção. Quero<br />
verificar o Certificado <strong>de</strong> Registro e Licenciamento do Veículo, Seguro obrigatório<br />
para naves categoria Macron-C+, recibo <strong>de</strong> pagamento do impostos <strong>de</strong><br />
autorização <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> vias públicas espaciais e habilitação para pilotagem...<br />
Alex Randall não enten<strong>de</strong>u muito bem, aquele falatório todo mas, sabia <strong>de</strong><br />
uma coisa:<br />
-Vias públicas espaciais??? Seguro obrigatório??? Infelizmente, não<br />
disponho <strong>de</strong>stes documentos. Sou da Terra e estou em missão exploratória pelo<br />
espaço <strong>de</strong>sconhecido. Só vou fotografar e filmar e estou <strong>de</strong> passagem. Esse<br />
Setor 6 ao qual o sr. se refere ainda era uma região <strong>de</strong>sconhecida para o nosso<br />
povo...<br />
Nem bem acabou <strong>de</strong> dar esta justificativa e, em seguida, outro sujeito se<br />
materializou <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando da mesma forma que o primeiro e logo<br />
disse:<br />
-Esta nave está equipada com motores ilegais que permitem trafegar em<br />
velocida<strong>de</strong> superior à da luz.<br />
-Temos <strong>de</strong> tomar providências. Retrucou o primeiro <strong>de</strong> volta<br />
-Que providências? Indagou Alex preocupado...<br />
-De acordo com o artigo 699 parágrafo quarto do regimento <strong>de</strong> tráfego<br />
espacial, nenhuma veículo sem autorização expressa das Forças Armadas<br />
Espaciais po<strong>de</strong>m fazer uso <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> equipamento. Seremos obrigados a<br />
apreen<strong>de</strong>r sua nave.<br />
-Mas vocês não po<strong>de</strong>m fazer isso! É uma medida muito drástica. Este é o<br />
primeiro contato entre nossas culturas, venho <strong>de</strong> muito longe. Eu não conheço<br />
suas Leis...<br />
-Medida drástica neste caso seria a sua prisão. Esta ainda só não ocorreu<br />
porquê o senhor não apresentou nenhum pressuposto que levasse a tal ação.<br />
-Mas senhor! O Viajante das Estrelas está em missão exploradora e foi<br />
construído justamente com o propósito <strong>de</strong> viajar numa velocida<strong>de</strong> cruzeiro que<br />
seja no mínimo igual à velocida<strong>de</strong> da luz. Se não for assim, não dá para fazer<br />
nada...<br />
-Seu equipamento está fora das normas. A Lei é clara...<br />
-Mas eu <strong>de</strong>sconheço completamente esta Lei que o sr. está falando. Venho<br />
<strong>de</strong> um mundo muito distante que não tem conhecimento da Legislação daqui. Veja<br />
28
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
bem: não sou procurado e tão pouco represento qualquer tipo <strong>de</strong> perigo, portanto,<br />
não há porquê me causar este transtorno.<br />
-De acordo com a constituição vigente, artigo 32 parágrafo terceiro,<br />
ninguém po<strong>de</strong> alegar <strong>de</strong>sconhecimento ou ignorância da lei. – O fato <strong>de</strong> não ser<br />
procurado pela nossa justiça não quer dizer nada. O que está pesando agora é<br />
justamente o fato da sua nave preencher todos os requisitos necessários para a<br />
apreensão...<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u mais algumas baforadas no cachimbo e ficou olhando<br />
aqueles dois...<br />
-Vocês não po<strong>de</strong>m fazer isso...<br />
Do jeito que as coisas estavam indo, jamais iria realizar o sonho <strong>de</strong> navegar<br />
tranquilamente pelo espaço si<strong>de</strong>ral sozinho...<br />
Tinha <strong>de</strong> tentar alguma outra coisa...<br />
Mas... O quê? Observou o painel <strong>de</strong> controle instalado no braço da sua<br />
poltrona e notou que, apesar dos pesares, aparentemente, pelo menos, o cérebro<br />
computadorizado já não estava totalmente inoperante.<br />
Agora, ele parecia trabalhar intensamente, quem sabe buscando alguma<br />
solução para aquela situação.<br />
Mas aquela breve luz <strong>de</strong> otimismo apagou-se das suas esperanças quando<br />
olhou a tela panorâmica principal e percebeu que a sua nave estava sendo<br />
puxada em direção a uma miría<strong>de</strong> <strong>de</strong> sondas, tentáculos mecânicos <strong>de</strong> todos os<br />
formatos possíveis e até diversos tipos <strong>de</strong> agulhas.<br />
Tudo isso, começou a ser ligado e conectado ao casco do Viajante das<br />
Estrelas <strong>de</strong>sesperando ainda mais nosso herói...<br />
-Será que vão <strong>de</strong>smontar a minha astronave?<br />
Numa última e <strong>de</strong>sesperada tentativa, Alex tentou argumentar repetindo a<br />
ladainha chorosa...<br />
-Minha missão é pacífica e científica. Venhom nome <strong>de</strong> todos que vivem no<br />
Sistema Solar e principalmente na Terra.<br />
“Por favor: permita que eu continue meu caminho. Toda minha fortuna e o<br />
meu tempo foi gasto na construção <strong>de</strong>ssa astronave...<br />
-Não existe Sistema Solar ou Terra registrado no Catálogo Oficial <strong>de</strong><br />
planetas, estrelas e sistemas planetários reconhecidos pelas forças policiais...<br />
Quanto à grana, isto para nós não tem valor. Sua nave será posta fora <strong>de</strong><br />
circulação até que a documentação esteja regularizada.<br />
Sem esperanças, Alex <strong>de</strong>u mais algumas tragadas no cachimbo, encostou<br />
a mão na testa e ficou pensando em todo o trabalho perdido em função da simples<br />
ausência <strong>de</strong> um maldito documento que seria impossível <strong>de</strong> ser conseguido por<br />
29
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
qualquer humano antes <strong>de</strong>le..<br />
Quisera po<strong>de</strong>r arrancar pedaço por pedaço daqueles estúpidos burocratas<br />
espaciais e <strong>de</strong>spachá-los diretamente para o inferno das máquinas...<br />
Infelizmente, naquele momento, não tinha nem um maldito advogado por<br />
perto para livrá-lo daquela fria...<br />
Sequer, o menor conhecimento da legislação a que estaria submetido.<br />
Uma lágrima furtiva escapou <strong>de</strong> seus olhos já inchados.<br />
Realmente, não havia mais o que pu<strong>de</strong>sse ser feito.<br />
O <strong>de</strong>sespero então bateu mais forte e uma idéia bateu na sua mente...<br />
Tentou a última cartada: saída à brasileira:<br />
-Seu guarda... Mas será que não tem um jeitinho para essa situação?<br />
-Jeitinho?? Como?<br />
-Ah! Um jeitinho... Sabe como é... Um acertozinho por baixo dos panos...<br />
-Você diz corrupção?<br />
-É... Po<strong>de</strong> se dizer que sim...<br />
-O sr. está preso por tentativa <strong>de</strong> suborno a autorida<strong>de</strong> policial. Prepare-se<br />
para ter um julgamento e con<strong>de</strong>nação a<strong>de</strong>quada. De agora em diante, tem o<br />
direito <strong>de</strong> ficar calado ou o que quer que diga será usado contra você...<br />
<strong>de</strong>la.<br />
Aquela fora <strong>de</strong>mais!<br />
Agora é que não tinha mais saída mesmo.<br />
Admirava toda a Central <strong>de</strong> Comando tentando guardar <strong>de</strong>talhe por <strong>de</strong>talhe<br />
Provavelmente nunca mais poria os pés alí novamente...<br />
Quando passou os olhos por uma das telas tridimensionais projetadas ao<br />
redor da sua poltrona, notou algo interessante: cabos que estavam até então<br />
presos ao casco do Viajante das Estrelas amarrando-o àquela imensa estrutura<br />
policial, começaram a se soltar emitindo faíscas...<br />
De-repente, os dois invasores <strong>de</strong>sapareceram. Sumiram do mesmo modo<br />
inesperado que haviam aparecido lá <strong>de</strong>ntro.<br />
Fora do Viajante das Estrelas iniciou-se então, uma anarquia generalizada.<br />
Todas as máquinas do planeta policial que até então trabalhavam com<br />
movimentos sincronizados e harmoniosos começaram a se <strong>de</strong>struir...<br />
Alex Randall verificou alguns dos mostradores que indicavam a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
trabalho do cérebro computadorizado da astronave...<br />
Eles mostravam intensa ativida<strong>de</strong>...<br />
De-repente, tudo se apagou. O Viajante das Estrelas e aquele mundo<br />
ficaram completamente às escuras...<br />
30
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Dentro da astronave <strong>de</strong> Alex Randall nem o suporte básico <strong>de</strong> vida<br />
funcionava direito., o que fez nosso herói sair flutuando com a repentina falta <strong>de</strong><br />
gravida<strong>de</strong> artificial.<br />
Silêncio total.<br />
Impossível saber exatamente o que aquilo significava.<br />
Sua cabeça começou a trabalhar febrilmente em diversas hipóteses.<br />
Tinha que raciocinar e tentar enten<strong>de</strong>r o que estava acontecendo alí, afinal,<br />
entre o Viajante das Estrelas, o curioso planeta totalmente automatizado e nosso<br />
herói, somente este último ainda podia pensar...<br />
Tentou relembrar os <strong>de</strong>talhes que prece<strong>de</strong>ram aquele momento...<br />
Logo então, supôs que a provável causa do apagão po<strong>de</strong>ria ser justamente<br />
a reação do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas àquela invasão.<br />
Afinal, se este seguisse o roteiro preparado na própria programação: o<br />
objetivo inicial a se cumprir seria combater e eliminar o foco da invasão.<br />
Por outro lado, os policiais invasores haviam voltado para o próprio mundo.<br />
Teria sido por vonta<strong>de</strong> própria ou não?<br />
O único modo disponível para se obter alguma idéia a respeito da situação<br />
era observando as amplas janelas que permitiam visão para o espaço si<strong>de</strong>ral.<br />
Aproximou-se <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las e avaliou os acontecimentos.<br />
Tanto o Viajante das Estrelas como todo o planeta pareciam estar sem<br />
energia. .<br />
Nenhum dos dois dava sinal <strong>de</strong> vida.<br />
-Voltariam ambos ao funcionamento normalmente? E se voltassem? Quem<br />
estaria com o controle da situação? A sua astronave ou os policiais?<br />
Nosso heroi tinha <strong>de</strong> fazer alguma coisa.<br />
Mas... O quê?<br />
Insistentemente, ele apertava, reapertava e <strong>de</strong>sapertava vários botões,<br />
mas, nada funcionava.<br />
De-repente, então: um susto!<br />
Por alguns segundos, tudo voltou ao normal. Tanto na astronave como o<br />
planeta.<br />
Alex Randall caiu no chão com um baque <strong>de</strong>vido à repentina volta da<br />
gravida<strong>de</strong>.<br />
Aturdido, ele ainda teve tempo <strong>de</strong> perguntar:<br />
- O que está havendo?<br />
Mas sua indagação não obteve resposta já que a energia acabou<br />
novamente.<br />
31
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
E tudo parou <strong>de</strong> funcionar voltando à escuridão..<br />
Teria sido algum dos botões que tanto apertara e reapertara?<br />
Meio nervoso, Alex Randall tentou repetir os mesmos movimentos e<br />
comandos que fizera diante do painel <strong>de</strong> instrumentos on<strong>de</strong> estivera antes da volta<br />
da energia.<br />
Nada <strong>de</strong>u certo.<br />
A situação não mudou e permaneceria assim durante um bom tempo.<br />
***<br />
Sem expectativas, Alex Randall <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto esperar <strong>de</strong>ntro da<br />
escuridão, já se resignara com a situação.<br />
Olhando pela vigia enquanto empesteava o ambiente com a fumaça do seu<br />
cachimbo, percebeu que, ao contrário <strong>de</strong>le, que praticamente havia se conformado<br />
com o triste fim, o movimento no mundo policial parecia intenso.<br />
Com auxílio <strong>de</strong> um velho telescópio que casualmente trouxera para a<br />
viagem, verificou que os policiais estavam em intensa ativida<strong>de</strong>.<br />
Comportas se abriram para o espaço <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram humanói<strong>de</strong>s com<br />
roupas espaciais negras.<br />
Eram agentes policiais.<br />
Idênticos àqueles primeiros que haviam se teletransportado sem<br />
autorização para o interior da central <strong>de</strong> comando invadido a astronave<br />
Estes vinham em grupos <strong>de</strong> seis, voando em fracos e toscos propulsores<br />
<strong>de</strong> reação química com forma <strong>de</strong> torpedo que eventualmente soltavam chispas <strong>de</strong><br />
fogo para corrigir o curso e a velocida<strong>de</strong>...<br />
Mas, por-quê estariam se utilizando <strong>de</strong>stes botijões <strong>de</strong> gás voadores para<br />
se aproximar do Viajante das Estrelas quando po<strong>de</strong>riam se materializar lá <strong>de</strong>ntro<br />
quando bem enten<strong>de</strong>ssem?<br />
Provavelmente, a resposta estaria no fato <strong>de</strong> nenhum equipamento daquele<br />
imenso mundo mecanizado estar funcionando a contento.<br />
De qualquer forma, assim que eles invadissem novamente o Viajante das<br />
Estrelas, suas chances <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, por mais remotas que já fossem, seriam<br />
ainda menores.<br />
Então... O que fazer já que nada funcionava?<br />
Subitamente o Viajante das Estrelas religou.<br />
***<br />
Voltou a funcionar plenamente e sem ro<strong>de</strong>ios.<br />
32
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Sem enten<strong>de</strong>r muito bem o que acontecia, Alex Randall gritou:<br />
-Temos <strong>de</strong> sair daqui.<br />
Então, lentamente a astronave <strong>de</strong> Alex Randall começou a se mover<br />
afastando-se daquele mundo policial.<br />
Finalmente, em espaço aberto, longe das cores funestas da atmosfera<br />
daquele mundo sinistro, mais uma vez o Viajante das Estrelas teve acionados os<br />
seus propulsores <strong>de</strong> altíssima velocida<strong>de</strong> e se afastou dalí num piscar <strong>de</strong> olhos.<br />
Já com a adrenalina mais baixa, nosso heroi sentia-se como estes jovens<br />
que saem para aprontar nas noites, envolvem-se em confusão e conseguem fugir<br />
da polícia.<br />
-O que aconteceu <strong>de</strong>pois que aqueles policiais do espaço entraram aqui?<br />
***<br />
O cérebro computadorizado respon<strong>de</strong>u com a sua conhecida voz feminina...<br />
-A primeira coisa que tentaram fazer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dar a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> apreensão<br />
foi conectar os próprios computadores ao <strong>de</strong>sta astronave.<br />
-E <strong>de</strong>pois?<br />
-Através do acesso <strong>de</strong>les, inverti o jogo e consegui entrar no computador<br />
central que gerencia o planeta policial.<br />
Alex Randall ficou curioso... A história estava ficando interessante.<br />
“-O mundo policial é um vasto complexo que funciona ao mesmo tempo<br />
como agente repressor espacial, tribunal e ca<strong>de</strong>ia para os infratores.”<br />
“Assim como a aplicação <strong>de</strong> justiça <strong>de</strong>ste planeta, os seus computadores<br />
são muito arcaicos”<br />
“Dentro do sistema <strong>de</strong>les, que é totalmente <strong>de</strong>sprotegido, copiei tudo lá<br />
<strong>de</strong>ntro para o meu banco <strong>de</strong> dados, em seguida, já com o controle da situação,<br />
man<strong>de</strong>i <strong>de</strong> volta os policiais que aqui <strong>de</strong>ntro ainda estavam.”<br />
-Muito bem! Mas, se você estava controlando todo aquele mundo, porquê<br />
<strong>de</strong>sligar tudo? Nem os suportes <strong>de</strong> vida permaneceram funcionando por aqui...<br />
“-Antes <strong>de</strong> partirmos, precisava <strong>de</strong> algumas horas para reorganizar e<br />
acomodar todos os dados obtidos naqueles computadores. Como o volume <strong>de</strong><br />
informações a ser armazenado era muito gran<strong>de</strong>, resolvi ganhar tempo com este<br />
“apagão” que, sem dúvida seria a forma melhor <strong>de</strong> preparar e executar nossa fuga<br />
sem causar mortes <strong>de</strong>snecessárias...”<br />
-E nessas informações? Vieram coisas interessantes?<br />
-Sim! Os dados disponíveis trazem informações sobre as tecnologias que<br />
os policiais se utilizam, mapas e muitos <strong>de</strong>talhes sobre diversas raças e habitantes<br />
<strong>de</strong> outros mundos <strong>de</strong>sconhecidos.<br />
-O supressor que vai impedir o aparecimento dos Uorlops aqui <strong>de</strong>ntro já<br />
33
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
está funcionando bem? - Indagou Alex Randall.<br />
-Sim.<br />
-Então vamos prosseguir viagem.<br />
Dando gostosas baforadas no seu cachimbo, ele relembrou do bíblico<br />
embate entre Davi e Golias:<br />
-Não é sempre que tamanho é documento<br />
O Viajante das Estrelas partiu então, em altíssima velocida<strong>de</strong>, rumo às<br />
misteriosas profun<strong>de</strong>zas do espaço<br />
.<br />
***<br />
34
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.2(a) DE ALEX RANDALL<br />
(não registrado)<br />
Alex Randall não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> se impressionar com as maravilhas que sua<br />
viagem lhe proporcionava.<br />
Estrelas fantásticas, cometas, super-novas, nebulosas, pulsares e outros<br />
fenômenos maravilhosos que encheriam <strong>de</strong> beleza mesmo os olhos dos mais<br />
<strong>de</strong>sinteressados...<br />
Extasiado, compenetrado e impressionado com aquela exuberância sem<br />
fim, ficava ainda boquiaberto...<br />
E nestes momentos, ás vezes <strong>de</strong>ixava o cachimbo cair...<br />
Como agora!<br />
Alex Randall apenas ouviu o barulho <strong>de</strong>le batendo sobre o braço da<br />
poltrona on<strong>de</strong> estava sentado e, logo a seguir, as coisas começaram a acontecer.<br />
Ou melhor, não aconteceram mais pois, tudo se apagou <strong>de</strong>-repente.<br />
Os motores do Viajante das Estrelas silenciaram completamente e todos os<br />
instrumentos pararam <strong>de</strong> funcionar.<br />
Mesmo os sistemas vitais que jamais, em circunstância alguma, <strong>de</strong>veriam<br />
apresentar qualquer tipo <strong>de</strong> pane... Sucumbiram!<br />
E aqui, por uma questão <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> aos fatos, serão reproduzidas as<br />
expressões <strong>de</strong> raiva e angústia emitidas pelo protagonista <strong>de</strong>sta ficção...<br />
-Mas que bosta! –Bradou Alex Randall ligeiramente irritado.<br />
Logo, para completar as <strong>de</strong>sgraças que se prenunciavam, nosso herói<br />
percebeu a típica sensação <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> peso que indicava a ausência <strong>de</strong><br />
funcionamento do sistema <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> artifical a bordo da astronave.<br />
-Mais essa ainda! Justo quando tudo parecia se encaminhar às mil<br />
maravilhas...<br />
Apertou alguns botões no braço da poltrona, mas, não obteve resposta<br />
alguma.<br />
A situação era preocupante. Somente as luzes <strong>de</strong> emergência estavam<br />
acesas.<br />
Em dado momento, mesmo a bateria <strong>de</strong>stas acabariam!<br />
Isso, sem esquecer o ar, que também não estava se renovando...<br />
Afora os problemas que se prenunciavam cada vez piores e mais<br />
catastróficos, nosso herói tentou saber o que teria causado aquela nova situação<br />
<strong>de</strong> apagão no Viajante das Estrelas...<br />
-Seriam os policiais novamente? Ou algum <strong>de</strong>sconhecido tipo <strong>de</strong> raça<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
alienígena? Talvez, interferências nos equipamentos da astronave causados por<br />
misteriosos fenômenos <strong>de</strong>sconhecidos... Quem saberia dizer ao certo?<br />
Dúvidas como estas pipocavam na mente <strong>de</strong> Alex Randall como milho na<br />
panela <strong>de</strong> pressão em fogo alto.<br />
A maioria das hipóteses, era imediata e logicamente refutada já que, os<br />
equipamentos <strong>de</strong>tectores e <strong>de</strong>mais sensores do Viajante das Estrelas até o último<br />
momento <strong>de</strong> funcionamento, não indicaram qualquer ameaça ou possível fonte <strong>de</strong><br />
problemas num raio <strong>de</strong> 10 anos luz..<br />
Tentando espantar o mau agouro, nosso herói soltou mais alguns<br />
impropérios...<br />
-Merda! Porra do carálho gordo maldito! Essa porcaria tinha que me<br />
acontecer logo agora?<br />
Depois <strong>de</strong> proferir novos palavrões, a mente <strong>de</strong> Alex Randall se anuviou da<br />
raiva e voltou a trabalhar na solução do problema.<br />
Lembrou-se da chave geral instalada justamente embaixo da sua<br />
poltrona...<br />
Segundo os projetos da Viajante das Estrelas, na ocorrência <strong>de</strong> panes<br />
como essa, o melhor a se fazer era <strong>de</strong>sliga-la e religa-la novamente.<br />
Alex Randall acionou uma alavanca na parte <strong>de</strong> trás do assento das costas<br />
e, abaixo <strong>de</strong>ste abriu-se um painel com a chave geral que naquele momento<br />
estava na posição ligada.<br />
Colocou-a na posição <strong>de</strong>sligada e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns segundos recolocou-a<br />
na posição original.<br />
Nada!<br />
Repetiu algumas vezes o procedimento mas a situação permaneceu<br />
inalterada.<br />
Desanimado com o fracasso daquela tentativa gritou mais alguns palavrões<br />
para espantar a frustração:<br />
-Maldição! Desgraça do Inferno! Satanás miserável! Demônios fedorentos!<br />
Será que não vou conseguir realizar minha jornada sem que algum problema<br />
sanguinolento venha me atormentar?<br />
Fechou o painel <strong>de</strong>baixo da poltrona tendo o cuidado <strong>de</strong> manter ligada a<br />
chave, para o caso da energia voltar subitamente...<br />
O cérebro do nosso herói trabalhava como uma locomotiva a todo vapor...<br />
Remoia insistentemente qual po<strong>de</strong>ria ter sido a causa do transtorno.<br />
Relembrou todos os procedimentos que po<strong>de</strong>ria ter feito errado nas últimas<br />
horas e até toda a lista <strong>de</strong> prováveis situações problemáticas existentes no manual<br />
que ele mesmo ajudara a escrever, mas, <strong>de</strong> momento, não lhe ocorria nada que<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
pu<strong>de</strong>sse solucionar o misterioso apagão.<br />
A medida que o tempo passava, nosso herói ia se irritado cada vez mais...<br />
-Pestilências do inferno! Eu não gastei toda a minha grana na construção<br />
<strong>de</strong> uma nave espacial que sequer tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se dar um maldito autodiagnóstico.<br />
Inconformado com os azares que o perseguiam implacavelmente, nosso<br />
herói sentou-se na poltrona reclamando da própria sorte.<br />
-Maldição! Que mais ainda po<strong>de</strong> dar errado?<br />
Subitamente, ocorreu uma explosão <strong>de</strong>ntro do banheiro que, naquele<br />
momento estava com a porta aberta...<br />
“Desgraça pouca é bobagem”... Célebre e sábia frase!<br />
***<br />
A plenos pulmões, o infeliz protagonista <strong>de</strong>sse conto fantasioso berrou:<br />
-Maldita boca!! Para quê fui abrir a minha boca?!?<br />
A falta <strong>de</strong> energia causou dano nos equipamentos <strong>de</strong> banheiro e, por<br />
alguma razão ocorreu a explosão que pulverizou o ar <strong>de</strong> mijo, água suja e <strong>de</strong>ixou<br />
flutuando pela central <strong>de</strong> comando merdas nos formatos mais diversos.<br />
Se já estava difícil fazer alguma coisa sem nada funcionando, com o ar<br />
daquele jeito então, nem pensar...<br />
Mentalmente, Alex Randall revisou todas as opções que lhe restavam,<br />
constatando que as perspectivas não eram nada animadoras.<br />
Aparentemente, não havia o que pu<strong>de</strong>sse fazer.<br />
-Estou ferrado mesmo! Longe <strong>de</strong> casa, sem a quem recorrer... Situação<br />
miserável essa que me encontro...<br />
Nosso herói já não raciocinava mais!<br />
Sua mente se viu subitamente inundada por uma avalanche <strong>de</strong> palavrões<br />
que tentavam <strong>de</strong> alguma forma <strong>de</strong>safogar a angústia daquele momento...<br />
Mesmo não sendo violento nem tendo o perfil <strong>de</strong> pessoa que sai quebrando<br />
tudo em momentos <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>, Alex Randall não evitava os palavrões...<br />
Aliás, já tinha até esgotado completamente a quota <strong>de</strong>les. Sua voz estava<br />
rouca e a garganta arranhada <strong>de</strong> tanto gritar..<br />
Para completar, os pulmões começaram a chiar com o nervosismo e o<br />
coração <strong>de</strong>u uma acelerada...<br />
Estava na hora <strong>de</strong> fumar um pouco para tranquilizar a cabeça...<br />
Alex Randall pegou o cachimbo que estava sobre o braço da poltrona e<br />
notou algumas cinzas que haviam caído fora <strong>de</strong>le...<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Teve então um lampejo luminoso!<br />
***<br />
Definitivamente, tudo estava resolvido!<br />
Deu um forte sopro sobre as cinzas limpando o local no braço da poltrona<br />
on<strong>de</strong> elas haviam caído.<br />
E então, como que por milagre, o Viajante das Estrelas voltou a funcionar<br />
quase que instantaneamente.<br />
Mentalmente, e apenas assim, só porquê já não tinha mais voz ou fôlego<br />
sequer para dar uma tossida mais forte, Alex Randall se auto ofendia com insultos<br />
não muito elogiosos dos quais, o mais leve era algo como idiota ou imbecil...<br />
Enquanto estivera medindo, fotografando e filmando os eventos fantásticos<br />
com que ia se <strong>de</strong>parando, nosso herói abriu um painel no braço da sua poltrona.<br />
Ali operavam componentes sensíveis que controlavam tudo na astronave.<br />
Realizou ajustes <strong>de</strong> rotina visando melhorar a performance dos<br />
equipamentos e não mexeu em mais nada.<br />
Ocorre que, por pura distração, esqueceu o dito cujo do painel aberto e,<br />
assim, os componentes sensíveis acabaram expostos.<br />
Maravilhado com tantas belezas no Universo, nosso herói ficou boquiaberto<br />
fazendo com que o cachimbo e as cinzas caíssem on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>viam..<br />
Ainda que temporariamente, foram afetados componentes <strong>de</strong> importância<br />
fundamental para o funcionamento da astronave e, por muito pouco, nosso herói<br />
não per<strong>de</strong> a vida encerrando prematuramente sua jornada.<br />
Mesmo assim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitos berros e palavrões, essa situação serviu a<br />
Alex Randall para relembrar um importante adágio:<br />
-“Se vacilar, o cachimbo cai”<br />
Constrangido e envergonhado consigo mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo o nervosismo<br />
e gritaria <strong>de</strong>snecessária, fechou o painel visando evitar dissabores no futuro e<br />
esquecer as agruras <strong>de</strong>ste episódio.<br />
Sua viagem prosseguiu...<br />
***<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.3 DE ALEX RANDALL<br />
Mesmo com toda a fumaceira que o cachimbo fazia não perdia a<br />
concentração em cada informação disponível nos mostradores e projetores<br />
tridimensionais que operavam na central <strong>de</strong> comando.<br />
Voltou sua atenção para o incomum e raro fenômeno astronômico cuja<br />
presença era assinalada pelos instrumentos: uma estrela invisível.<br />
Invisível para os humanos, aquele corpo celeste também diferenciava-se <strong>de</strong><br />
outros do mesmo porte pelas suas temperaturas baixíssimas.<br />
-Vamos chegar mais perto. - Or<strong>de</strong>nou Alex Randall. - O que sabemos a<br />
respeito <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> astro?.<br />
-Nada <strong>de</strong>talhado nem específico. - Respon<strong>de</strong>u o Cérebro Computadorizado<br />
com a sua característica voz feminina. - Muitas fontes dão conta que: passado<br />
algum tempo, elas simplesmente somem. As escolas mais tradicionalistas porém,<br />
sugerem que, esse diferente tipo <strong>de</strong> estrela já está no fim da vida e, muito<br />
certamente implodirá transformando toda a área ao seu redor num imenso buraco<br />
negro.<br />
-Aproveitaremos essa oportunida<strong>de</strong> para registrar tudo o que for possível!<br />
Envie sondas para diferentes regiões da superfície <strong>de</strong>ssa estrela.<br />
Segundos <strong>de</strong>pois, as or<strong>de</strong>ns foram cumpridas.<br />
Alex Randall apenas fumava tranqüilamente o seu cachimbo enquanto<br />
novos dados e imagens iam chegando.<br />
Aquele era um dos seus momentos <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>leite já que, podia relaxar e<br />
visualizar a beleza da natureza <strong>de</strong> modo como pouquíssimos seres humanos no<br />
universo tiveram chance anteriormente...<br />
Já se julgava até o verda<strong>de</strong>iro Cristóvão Colombo do espaço.<br />
Afinal, este tipo <strong>de</strong> estrela só havia sido concebida teoricamente pelos<br />
cientistas e, em virtu<strong>de</strong> disso, não pô<strong>de</strong> ser tão <strong>de</strong>talhadamente registrada ou<br />
analisada anteriormente.<br />
Voltaria para Terra com tanta informações e imagens, que ganharia novas<br />
fortunas.<br />
Também sabia que, chegando em casa, recomeçariam as tão comuns<br />
dores <strong>de</strong> cabeça e problemas característicos da humanida<strong>de</strong> para solucionar no<br />
seu dia a dia.<br />
Longe, no espaço, ao menos, os robôs resolviam tudo para ele, e, assim,<br />
sua vida transcorria sem maiores problemas.<br />
Assim, podia transcorrer tranqüilamente com a sua viagem, relaxando, e,<br />
até sonhando com os lucros altos que aquela jornada no futuro lhe proporcionaria.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Mas, não <strong>de</strong>u mais para seguir filosofando numa linha <strong>de</strong> pensamentos tão<br />
otimistas já que, o Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas apresentou<br />
importantes novida<strong>de</strong>s:<br />
- Detectado cubo gigante se aproximando em baixa velocida<strong>de</strong>.<br />
-Quanto tempo para chegar até aqui?<br />
-Neste ritmo, chegarão aon<strong>de</strong> estamos em 4 meses.<br />
-Dá para visualizar?<br />
Em meio do nada, bem ao lado <strong>de</strong> Alex Randall apareceu como que por<br />
mágica, uma imagem tridimensional do objeto.<br />
O sólido realmente correspondia à <strong>de</strong>scrição feita.<br />
Mas, a surpresa maior logo foi revelada através das lentes superpo<strong>de</strong>rosas<br />
que podiam mostrar coisas muito pequenas em pontos realmente<br />
distantes...<br />
O cubo parecia ter suas superfície granulada...<br />
E tudo indicava que cada grão componente da pare<strong>de</strong> daquele objeto tinha<br />
na verda<strong>de</strong> tamanho maior que o próprio Viajante das Estrelas.<br />
Concluía-se então que as medidas do curioso artefato eram simplesmente<br />
colossais!<br />
A partir <strong>de</strong> então, as priorida<strong>de</strong>s mudaram...<br />
-Vamos <strong>de</strong>ixar o estudo <strong>de</strong>talhado da estrela para <strong>de</strong>pois. Ela não vai sair<br />
do lugar. Quero ver esse negócio mais <strong>de</strong> perto.<br />
A hiper-velocida<strong>de</strong> que a astronave comandada por Alex Randall podia<br />
alcançar era realmente impressionante, tanto que, logo cobriu a distância que a<br />
separava daquele imenso objeto...<br />
Do seu novo ponto <strong>de</strong> vista, nosso herói observou mais <strong>de</strong>talhadamente a<br />
gigantesca estrutura.<br />
-Algum palpite do que quer que seja isso?<br />
-Certamente um artefato construído por raça alienígena inteligente.<br />
Provavelmente até, tripulado.- Foi a resposta com voz feminina dada pelo cérebro<br />
computadorizado.<br />
-Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> alguma forma fazer contato com os prováveis tripulantes<br />
<strong>de</strong>ssa nave sem <strong>de</strong>monstrar hostilida<strong>de</strong>?<br />
-O banco <strong>de</strong> dados extraído do mundo policial dispõe <strong>de</strong> uma meio <strong>de</strong><br />
saudação que funciona e é compreendido por quase seiscentos milhões <strong>de</strong> raças<br />
extra-terrestres e po<strong>de</strong> também ser adaptado para nossas necessida<strong>de</strong>s.<br />
-Adaptar a saudação dos tiras, para as nossas necessida<strong>de</strong>s... Talvez<br />
possa funcionar!<br />
“Muito bem! Vamos apenas fazer uma mudança na forma <strong>de</strong> auto<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
apresentação alterando o :-“Parados! É a polícia!”- Passa então a ser: -“Aqui é o<br />
Viajante das Estrelas, em missão <strong>de</strong> paz solicitando contato”.<br />
A mensagem foi enviada, mas, a resposta foi um total silencio <strong>de</strong> vários<br />
minutos...<br />
-Nos antigos filmes, estas saudações inter-raciais sempre funcionaram. -<br />
Comentou Alex Randall em voz alta <strong>de</strong>monstrando evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>silusão com o<br />
insucesso da novida<strong>de</strong>.<br />
O Viajante das Estrelas aguardou pacientemente por longo tempo...<br />
***<br />
A resposta não veio <strong>de</strong> forma alguma.<br />
Mesmo assim, o tempo esperado não foi gasto inutilmente.<br />
Sondas robotizadas fizeram um excelente trabalho coletando informações a<br />
partir das observações realizadas.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> on<strong>de</strong> aquele cubo fora visto inicialmente, muitos<br />
<strong>de</strong>talhes reveladores a seu respeito estavam escondidos.<br />
Já não restava dúvida <strong>de</strong> que era uma nave espacial auto pilotada. Em<br />
diversos pontos <strong>de</strong> superfície haviam janelas transparentes que permitiam<br />
visibilida<strong>de</strong> para o seu interior.<br />
Nos cantos do cubo, haviam curiosos propulsores <strong>de</strong> dimensões<br />
extraordinárias.<br />
O artefato carregava em si marcas <strong>de</strong> choques e ainda fragmentos das<br />
colisões com asterói<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>struíram completamente quase todos os seus<br />
motores.<br />
O resultado disso era que o cubo seguia em rota <strong>de</strong> colisão direta com uma<br />
estrela próxima, pois os seus propulsores não tinham po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> manobrabilida<strong>de</strong><br />
ou frenagem.<br />
Mantendo tal curso, em poucas semanas, não sobraria nem um parafuso<br />
daquele imenso colosso.<br />
Alex Randall estava muito curioso com a história do cubo, mas, este não<br />
parecia facilitar na tarefa <strong>de</strong> revelar os seus segredos.<br />
Pouca coisa do interior era visível pelas janelas, mesmo com as luzes dos<br />
robôs. Lá <strong>de</strong>ntro não havia o menor sinal <strong>de</strong> vida.<br />
Não teletransportaria nada para o interior daquele artefato pois não queria<br />
invadir espaço alheio sem necessida<strong>de</strong> ou autorização.<br />
Microfones super sensíveis foram encostados na estrutura tentando ouvir<br />
algum som <strong>de</strong> seu interior, mas, mesmo estes, não revelaram nada.<br />
Lá <strong>de</strong>ntro tudo parecia morto.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Análises na composição química da superfície daquele cubo revelaram que<br />
esta era extremamente resistente; quase inviolável.<br />
Tal fato porém, em nada alteraria o <strong>de</strong>stino do artefato que, <strong>de</strong>ntro do que<br />
tudo indicava, seria a <strong>de</strong>struição total.<br />
Pela completa ausência <strong>de</strong> sinais vitais do cubo, aquele po<strong>de</strong>ria até ser<br />
uma espécie <strong>de</strong> cemitério voador, ou coisa que o valesse.<br />
ali.<br />
Nosso herói ficou a pensar se valia a pena prosseguir com os estudos por<br />
Já estava difícil <strong>de</strong> obter novida<strong>de</strong>s, talvez, voltar para as proximida<strong>de</strong>s da<br />
estrela invisível ren<strong>de</strong>sse material mais interessante e lucrativo...<br />
Fumando incessantemente o seu cachimbo, Alex Randall finalmente tomou<br />
a <strong>de</strong>cisão.<br />
Or<strong>de</strong>nou o retorno <strong>de</strong> todas as sondas robotizadas.<br />
Resolveu <strong>de</strong>ixar o gigantesco artefato à própria sorte pois, já realizara todas<br />
as pesquisas e registros possíveis no momento.<br />
Assim que as sondas voltaram para os seus respectivos hangares <strong>de</strong><br />
lançamento, Alex Randall começou a calcular o curso que <strong>de</strong>veria seguir para<br />
voltar ao setor do espaço on<strong>de</strong> estava situada a estrela invisível.<br />
No momento que ia dar o comando <strong>de</strong> partida o cubo se acen<strong>de</strong>u.<br />
Ficou mais iluminado que árvore <strong>de</strong> natal.<br />
Compartimentos se abriram próximos aos propulsores danificados pelos<br />
choques com os meteoros errantes <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram ondas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> robôs<br />
das mais variadas formas que logo <strong>de</strong>ram início aos reparos necessários ao cubo.<br />
Robõs do Viajante das Estrelas que haviam ficado nas proximida<strong>de</strong>s para<br />
continuar registrando o que quer que ali acontecesse, chegaram mais perto das<br />
janelas do artefato <strong>de</strong> modos a transmitir para Alex Randall, imagens <strong>de</strong> alguns<br />
dos acontecimentos que alí <strong>de</strong>ntro se <strong>de</strong>senrolavam.<br />
-Aparentemente; nada assim <strong>de</strong> extraordinário. - Enten<strong>de</strong>u nosso herói<br />
num primeiro momento. Apenas esferas azuis que movem-se <strong>de</strong> um lado para<br />
outro.<br />
Pelo movimento <strong>de</strong>las, <strong>de</strong>duzia-se que o ambiente ali <strong>de</strong>ntro era <strong>de</strong>sprovido<br />
<strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> artificial.<br />
Alguns reflexos luminosos ao seu redor revelavam outra curiosida<strong>de</strong>:<br />
O meio que as suspendia não era gasoso, mas líquido...<br />
De transparência similar à água, aquele fluído enchia o artefato em quase<br />
todos seus compartimentos.<br />
Cada uma bolinhas azuis tinha dois pontos escuros que pareciam olhinhos.<br />
Quando elas se tocavam, estes olhinhos brilhavam.<br />
42
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Vamos repetir a saudação pediu Alex Randall.<br />
-Saudação sendo retransmitida.<br />
O brilho <strong>de</strong> uma pequena luz vermelha no painel instalado no braço da<br />
poltrona confirmou o envio da mensagem.<br />
Dentro do cubo as janelas revelaram um movimento diferente das bolinhas<br />
azuis no momento da retransmissão da sudação.<br />
Foi algo assim como que, se por um segundo, elas parassem o seu curioso<br />
movimento, olhassem para a direção on<strong>de</strong> estava o Viajante das Estrelas e então<br />
voltassem à sua rotina.<br />
Pacientemente aguardou novos acontecimentos.<br />
A situação permaneceu inalterada.<br />
Mais duas ou três vezes, enviou a saudação para aquele artefato e, em<br />
todas as tentativas, teve por parte das bolinhas azuis, reação idêntica à primeira<br />
chamada; ou seja, aquela breve parada com a atenção voltada para o Viajante<br />
das estrelas e então, a volta ao que quer que estivessem fazendo.<br />
Quando começava a achar que tanta espera não ia resolver nada, foi<br />
surpreendido por uma mensagem tridimensional escrita diante <strong>de</strong> sua poltrona:<br />
-Viajante das Estrelas. Aguar<strong>de</strong>.<br />
Tão súbita quanto veio, a mensagem terminou.<br />
E nosso herói acabou ficando naquele momento com uma única opção: a<br />
<strong>de</strong> esperar. Até mesmo, para satisfazer sua curiosida<strong>de</strong>.<br />
***<br />
Encheu o cachimbo novamente e fumou tudo pelo menos umas quatro ou<br />
cinco vezes sem parar...<br />
Aquele tipo <strong>de</strong> coisa só acontecia com ele mesmo...<br />
Sentia-se quase idiota por per<strong>de</strong>r tempo esperando por uma resposta.<br />
Já haviam se passado bastante tempo e nada...<br />
Aproveitaria o tempo <strong>de</strong> espera dando uma aliviante cagada...<br />
Sentou-se no vaso, relaxou e, quando a bosta estava na meta<strong>de</strong> do<br />
caminho <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scida, finalmente chegou o comunicado:<br />
-“Chamando Viajante das Estrelas! Chamando Viajante das Estrelas!<br />
Responda! Vamos logo! Vamos logo! Estamos aguardando! “<br />
Naturalmente nosso herói praguejou pela hora imprópria que <strong>de</strong>terminadas<br />
coisas sempre acabam acontecendo.<br />
Limpou-se xingando e foi para a sua poltrona na central <strong>de</strong> comando com<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
uma carranca realmente assustadora...<br />
Sentou-se, respirou profundamente e disse:<br />
-Muito bem! O que está acontecendo?<br />
Nas telas e projetores, estava a imagem do interlocutor que representava<br />
tão estranha raça: uma bola azul com expressivos olhos escuros.<br />
Nosso herói mais uma vez viu-se surpreso.<br />
As esferas eram formas <strong>de</strong> vida inteligentes.<br />
Prova disso era a imagem projetada diante <strong>de</strong> sua poltrona e o som que<br />
vinha <strong>de</strong>sta.<br />
-Sou CROPRI!<br />
Aquela criatura não tinha boca, entretanto, sua mensagem era claramente<br />
audível e expressa num idioma <strong>de</strong> fácil compreensão...<br />
-Fui escolhido para estabelecer contato com o Viajante das Estrelas.<br />
-CROPRI! Sou Alex Randall, o gerenciador responsável pelo Viajante das<br />
Estrelas. Venho <strong>de</strong> um mundo chamado Terra e viajo pelo espaço em busca <strong>de</strong><br />
conhecimento. Casualmente encontrei sua nave pelo caminho e me aproximei<br />
para estabelecer contato...”<br />
-Alex Randall, o que você se refere como uma nave, não é uma nave. É<br />
KURPNOTZIS.<br />
-Como?????<br />
-KURPNOTZIS! Ela abriga minha raça enquanto nossos po<strong>de</strong>res<br />
telepáticos a energizam.<br />
Nosso herói estava meio confuso, o tal nome KURPNOTZIS já era<br />
complicado só <strong>de</strong> pensar, quanto mais então <strong>de</strong> engolir cérebro a<strong>de</strong>ntro.<br />
O conceito <strong>de</strong> uma conversa com KURPNOTZIS que, telepaticamente se<br />
“energizava” com um montão <strong>de</strong> bolinhas azuis brilhantes, era engraçado <strong>de</strong><br />
engolir, mas, por uma questão <strong>de</strong> diplomacia, Alex Randall não expressou o<br />
menor sinal <strong>de</strong> ironia.<br />
Também resolveu por fé nas informações que recebia, afinal estava numa<br />
viagem espacial on<strong>de</strong> certamente se <strong>de</strong>pararia com muita novida<strong>de</strong> que a raça<br />
humana ainda não conhecia e, aquela, seria apenas mais uma <strong>de</strong>las...<br />
-Percebi que vocês estão com problemas nos propulsores e gostaria <strong>de</strong><br />
saber se há alguma coisa que eu possa ser lhes útil.<br />
Dado o avanço da maré <strong>de</strong> robôs <strong>de</strong> todos os tipos que naquele momento<br />
consertava o equipamento avariado <strong>de</strong> KURPNOTZIS, a pergunta <strong>de</strong> nosso herói<br />
era uma mera questão <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong> já que, ante as dimensões absurdamente<br />
colossais daquele cubo, mesmo o Viajante das Estrelas nada po<strong>de</strong>ria ajudar<br />
diante <strong>de</strong> tanto serviço.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Peço que aguar<strong>de</strong>. Levarei esta questão ao conselho para <strong>de</strong>bate...<br />
A imagem <strong>de</strong> CROPRI <strong>de</strong>sapareceu no nada quase que igualmente ao jeito<br />
que se <strong>de</strong>sliga um aparelho <strong>de</strong> TV.<br />
Nosso herói, assim como quem não quer nada acen<strong>de</strong>u tranqüilamente seu<br />
cachimbo e aguardou...<br />
Tanto fumou que até per<strong>de</strong>u a noção <strong>de</strong> tempo gasto esperando.<br />
***<br />
Mais tar<strong>de</strong>, CROPRI estabeleceu novo contato.<br />
-Sua ajuda não é necessária, mas gostaríamos <strong>de</strong> estabelecer um<br />
intercâmbio <strong>de</strong> informações com a sua cultura.<br />
Alex Randall não podia acreditar. Era uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro.<br />
-Fico muito feliz com este convite. E como po<strong>de</strong>ríamos estabelecer esta<br />
troca cultural?<br />
-Se aceitar, colocaremos todo o conteúdo dos nossos bancos <strong>de</strong><br />
informações à sua disposição, Alex Randall.<br />
-Claro!<br />
***<br />
Mesmo a razoável distancia que separavam KURPNOTZIS do Viajante das<br />
Estrelas não impediu o tal intercâmbio cultural.<br />
Apesar do tamanho muito menor do Viajante das Estrelas e, por<br />
conseguinte, do cérebro computadorizado que administrava suas tarefas, a<br />
imensa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação disponibilizada por KURPNOTZIS foi facilmente<br />
armazenada pelos bancos <strong>de</strong> dados da astronave cujas capacida<strong>de</strong>s pareciam<br />
não ter fim.<br />
Enquanto se processava a troca <strong>de</strong> informações, nosso herói ia se<br />
divertindo analisando e estudando a cultura daqueles seres que se auto<br />
<strong>de</strong>nominavam BLUS.<br />
Naturalmente que estes por sua vez, também iam fazendo a mesma coisa<br />
com as informações enviadas pelo Viajante das Estrelas.<br />
Do lado <strong>de</strong> Alex Randall, ele analisava um pouco do perfil psicológico<br />
daquela raça que praticamente vivia isolada do universo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> KURPNOTZIS.<br />
Os Blus eram extremamente disciplinados, coor<strong>de</strong>nados, obedientes e<br />
seguidores das normas.<br />
45
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Seres que em hipótese alguma fugiriam das regras para nada.<br />
Toda e qualquer <strong>de</strong>cisão que tomassem era muito bem medida e calculada<br />
por um sábio conselho <strong>de</strong> Blus e nunca era <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cida...<br />
***<br />
Tanta novida<strong>de</strong> porém acabou mexendo com os pensamentos <strong>de</strong> muitos<br />
dos Blus.<br />
Analisando a cultura humana, diversas daquelas criaturinhas azuis<br />
começam a perceber muitas coisas <strong>de</strong> outras maneiras diferentes daquelas que<br />
viviam no seu dia a dia.<br />
força.<br />
Assim, toda a coesão, disciplina e coor<strong>de</strong>nação dos Blus começou a per<strong>de</strong>r<br />
Num tempo extraordinariamente curto, a unida<strong>de</strong> física e mental<br />
energicamente mantida por tanta concentração, começou a enfraquecer e uma<br />
revolução rapidamente se espalhou entre os Blus.<br />
A mudança radical que as informações ocasionaram ficou mais evi<strong>de</strong>nte<br />
quando uma nova li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong>ntro do KURPNOTZIS se apresentou a Alex<br />
Randall como legítimo representante dos Blus.<br />
Nas horas seguintes, mais <strong>de</strong> cinqüenta grupos também estabeleceram<br />
contato com o Viajante das Estrelas alegando serem os novos lí<strong>de</strong>res da<br />
revolução que acontecia <strong>de</strong>ntro do KURPNOTZIS.<br />
Na verda<strong>de</strong>, o Sábio Conselho dos Blus era quem li<strong>de</strong>rava e tomava todas<br />
as <strong>de</strong>cisões cujas conseqüências repercutiam na vida dos tripulantes <strong>de</strong><br />
KURPNOTZIS.<br />
A contestação da li<strong>de</strong>rança era coisa nova <strong>de</strong>ntro daquela comunida<strong>de</strong>, e<br />
por isso, para aquele caso, consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> uma gravida<strong>de</strong> sem igual.<br />
Esta porém, não foi a repercussão mais grave ou violenta da revolução<br />
involuntariamente causada por uma simples troca <strong>de</strong> informações entre duas<br />
culturas diferentes.<br />
Uma sangrenta guerra estourou e logo tomou conta do interior<br />
KURPNOTZIS.<br />
Nosso herói só percebeu toda a gravida<strong>de</strong> da situação quando violentas<br />
explosões aconteceram por todo o imenso cubo.<br />
Instintivamente, nos teclados luminosos tridimensionais projetados a partir<br />
braço da sua poltrona <strong>de</strong> comando, digitou alguns comandos que fizeram com que<br />
o Viajante das Estrelas se distanciasse <strong>de</strong> KURPNOTZIS colocando-se num<br />
perímetro <strong>de</strong> segurança on<strong>de</strong> as explosões que aconteciam não pu<strong>de</strong>ssem lhe<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
causar nenhum dano<br />
Estarrecido com aquele trágico evento, Alex Randall viu-se como<br />
involuntário responsável pela morte daquela raça.<br />
***<br />
KURPNOTZIS continuou explodindo e incendiando-se continua e<br />
inexoravelmente em meio ao gélido vácuo espacial por muito tempo.<br />
Toda aquela <strong>de</strong>sgraçaria ocorreu <strong>de</strong> modo tão rápido, brutal e<br />
surpreen<strong>de</strong>nte que nem houve tempo para se cogitar em salvamento <strong>de</strong> alguma<br />
vida a bordo do imenso cubo.<br />
Assistindo àquele fantástico espetáculo pirotécnico <strong>de</strong> beleza sem igual,<br />
que na verda<strong>de</strong> estava mesmo causando muita morte e <strong>de</strong>struição, nosso herói<br />
reorganizava as idéias e fazia uma reflexão dos acontecimentos.<br />
Pensou na boa intenção que terminou em uma guerra suicida.<br />
Sentia-se culpado, claro!<br />
Surpreen<strong>de</strong>u-lhe o po<strong>de</strong>r que uma informação tinha e a sua velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
repercussão naquela cultura.<br />
Indagava-se o que teria causado tamanha revolução numa raça<br />
aparentemente tão or<strong>de</strong>ira e disciplinada como a dos Blus.<br />
Inicialmente enviara um pacote <strong>de</strong> dados extremamente inofensivo.<br />
Não imaginava como é que o conteúdo alí existente pu<strong>de</strong>sse ter causado<br />
todo aquele estrago...<br />
As informações mandadas eram referentes à catálogos <strong>de</strong> turismo nas<br />
diversas localida<strong>de</strong>s da Terra e até em outros planetas do sistema solar.<br />
Através do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas, Alex Randall<br />
fêz um rastreio do material que mais havia interessado aos Blus e, que<br />
provavelmente teria sido causador <strong>de</strong> tamanha calamida<strong>de</strong>.<br />
Acabou <strong>de</strong>scobrindo que o Brasil e o “jeitinho brasileiro” <strong>de</strong> resolver as<br />
coisas (através das gambiarras, malandragens e outros malabarismos que nem<br />
Deus enten<strong>de</strong>) foi o tema que mais chamou a atenção daquela raça.<br />
A idéia <strong>de</strong> um povo que conseguia sobreviver em meio a tantas<br />
trambicagens simplesmente acabou com toda a or<strong>de</strong>m e progresso que até o<br />
momento regulava a vida dos Blus.<br />
Era uma constatação chocante. Mal dava para acreditar.<br />
***<br />
47
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Por longo tempo ainda permaneceu assistindo à sucessão <strong>de</strong> explosões e<br />
incêndios que consumiam KURPNOTZIS.<br />
Quando não restou mais nada, Alex Randall encheu seu cachimbo e fumou<br />
todo o seu conteúdo como forma <strong>de</strong> homenagear os amigos que per<strong>de</strong>ra.<br />
Teve então uma idéia.<br />
Certamente salvaria todas aquelas vidas perdidas.<br />
-Vamos viajar pelo tempo em direção ao passado para salvar<br />
KURPNOTZIS e os BLUS. Nossas máquinas disponíveis a bordo certamente<br />
po<strong>de</strong>riam nos fazer voltar a um momento on<strong>de</strong> o intercambio cultural não tenha<br />
ocorrido e...<br />
-Não vai dar certo. - Disse o Cérebro Computadorizado do Viajante das<br />
Estrelas.<br />
-Não entendi. Mas como não vai dar certo?<br />
-Não vai dar certo porquê o intercâmbio não foi a razão principal que<br />
vitimou KURPNOTZIS e os BLUS.<br />
-Não foi? Mas a guerra civil que se iniciou entre eles foi <strong>de</strong>vido á quebra <strong>de</strong><br />
sua unida<strong>de</strong>...<br />
-Exato. Mas a guerra civil entre os BLUS não foi a causa do fim <strong>de</strong><br />
KURPNOTZIS.<br />
-Mas as explosões ocorreram durante a guerra...<br />
-KURPNOTIZIS estava morrendo e ia explodir daquele jeito <strong>de</strong> qualquer<br />
maneira. Ele tinha colocado os BLUS em estado <strong>de</strong> hibernação para diminuir a dor<br />
do fim.<br />
-E nós <strong>de</strong>spertamos os BLUS do seu sono...<br />
-Provavelmente...<br />
-Agora me sinto mais culpado ainda...<br />
-Talvez não seja o caso. O fim <strong>de</strong>les já estava certo. Agora, pelo menos a<br />
cultura e história <strong>de</strong> KURPNOTZIS e os BLUS estará temporariamente preservada<br />
para o futuro.<br />
-Sei...<br />
-E tem mais... Se não houvesse o intercambio, jamais conheceríamos as<br />
verda<strong>de</strong>iras causas que <strong>de</strong>ram fim a KURPNOTZIS e os BLUS.<br />
-Verda<strong>de</strong>... Então, acho que no fim das contas foi melhor assim.<br />
Parcialmente recobrado daquele <strong>de</strong>sastre, Alex Randall resolveu voltar aos<br />
estudos da Estrela invisível.<br />
Veio então nova surpresa na voz feminina do cérebro computadorizado:<br />
-A estrela invisível não se encontra mais no ponto on<strong>de</strong> anteriormente<br />
estava.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Quêêêêêê!?!?!?!?<br />
-Sumiu sem <strong>de</strong>ixar vestígios.<br />
A fim <strong>de</strong> sufocar o inconformismo diante daquelas situações, que já<br />
estavam passando a ser irritantemente constantes, acen<strong>de</strong>u o seu cachimbo e<br />
fumou tudo o que podia até concluir que não adiantava chorar o leite <strong>de</strong>rramado.<br />
O negócio era seguir em frente.<br />
***<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.4 DE ALEX RANDALL<br />
1994 -TERRA<br />
Domingo à noite, voltando para casa, Jorson entrou na estação <strong>de</strong> metrô e<br />
pegou o último trem do dia.<br />
No seu caminho <strong>de</strong> retorno para o lar, percorreria quase toda linha<br />
metroviária parando <strong>de</strong> estação em estação até finalmente chegar no bairro da<br />
periferia on<strong>de</strong> morava.<br />
Jorson embarcou no último vagão da composição que saiu no horário<br />
correto.<br />
Estava sozinho alí <strong>de</strong>ntro.<br />
Mesmo <strong>de</strong>pois que o trem partiu e, posteriormente, parou em outras<br />
estações ninguém entrou naquele ou em outros vagões.<br />
Pelo sistema <strong>de</strong> som, uma voz sinistra anunciava cada uma das paradas.<br />
Chegava a ser tenebroso e assustador em alguns momentos.<br />
Jorson porém, longe <strong>de</strong> achar sinistra aquela situação encarava tudo como<br />
um fato engraçado, talvez até pitoresco.<br />
A certa altura, já não sabia se ria ou chorava <strong>de</strong> medo...<br />
Há que se frizar ainda, que os anúncios informativos das estações eram<br />
feitos <strong>de</strong> modo tão tétrico, que certamente causaria inveja aos melhores locutores,<br />
interpretes e atores profissionais...<br />
Percebendo que ninguém mais entrava na composição on<strong>de</strong> estava, Jorson<br />
resolveu fumar charutos proibidos por serem <strong>de</strong> um país revolucionário comunista<br />
cujo lí<strong>de</strong>r se perpetuava no po<strong>de</strong>r a quase meio século...<br />
Acen<strong>de</strong>u-o sem o menor constrangimento e logo estava soltando algumas<br />
baforadas que acabaram por formar uma espessa névoa <strong>de</strong> fumaça naquele<br />
ambiente.<br />
Relaxado, contemplava através da janela o mundo lá fora que se movia em<br />
alta velocida<strong>de</strong>.<br />
Estava escuro, não era possível para olhos humanos i<strong>de</strong>ntificar se o trem<br />
corria por <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algum túnel ou se a noite é que se a<strong>de</strong>nsava cada vez mais.<br />
Mesmo assim, Jorson se tranqüilizava.<br />
Não seriam as sombras ou a falta <strong>de</strong> luz que iriam assustá-lo na sua volta<br />
para casa.<br />
Pequenos pontos brancos começaram a aparecer lá fora.<br />
Tinham brilho diferente. Pareciam até estrelas e galáxias no espaço.<br />
Jorson <strong>de</strong>u algumas tragadas no seu cigarro e cerrou firmemente os olhos.<br />
De vez em quando, <strong>de</strong>pois que ficava meio atordoado com tanto fumo na<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
cabeça, via manchas brilhantes que lhe atrapalhavam a visão.<br />
Voltava a enxergar as coisas normalmente <strong>de</strong>pois que fechava os olhos<br />
com força.<br />
Naquele momento, apesar do esforço, os pontos brilhantes visíveis além<br />
das janelas do vagão insistiam em não querer <strong>de</strong>saparecer, ao contrário, quanto<br />
mais olhava, o número <strong>de</strong>les parecia aumentar...<br />
Começou a <strong>de</strong>sconfiar que aquele fumo <strong>de</strong>via ser bom <strong>de</strong>mais quando, ao<br />
<strong>de</strong>ter com mais atenção os olhos sobre os tais pontos brancos, percebeu que,<br />
estes, eram realmente galáxias com centenas <strong>de</strong> bilhões <strong>de</strong> estrelas...<br />
Percebeu também que, <strong>de</strong> um momento para outro, apareceu a uns<br />
duzentos ou trezentos metros adiante da composição on<strong>de</strong> estava, uma<br />
gigantesca esfera prateada.<br />
Então a voz sinistra manifestou-se novamente...<br />
-Próxima parada; Viajante das Estrelas.<br />
A temperatura baixou <strong>de</strong> um momento para outro, o ar, parecia querer sair<br />
dos seus pulmões...<br />
Na superfície da esfera, abriram-se duas comportas e o trem avançou para<br />
o interior <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las.<br />
Logo <strong>de</strong>pois, parou...<br />
Dentro do vagão, novamente manifestou-se a voz tenebrosa:<br />
-Desembarque autorizado.<br />
***<br />
Alex Randall fumava seu cachimbo enquanto analisava as prováveis<br />
causas do misterioso sumiço da estrela fria que tentara tão <strong>de</strong>talhadamente<br />
estudar.<br />
Um corpo celeste com tais proporções simplesmente não some do<br />
firmamento como se alguém o enfiasse no bolso.<br />
Aquilo, <strong>de</strong> algum modo <strong>de</strong>via ter explicação lógica.<br />
Porém, nosso herói não conseguia encontrá-la.<br />
Mas, outros motivos para intrigá-lo não faltaram...<br />
Subitamente, <strong>de</strong> modo inexplicável, a uns duzentos ou trezentos metros <strong>de</strong><br />
distância do casco do Viajante das Estrelas, materializou-se uma composição <strong>de</strong><br />
metrô que avançava veloz e diretamente para a superfície da astronave.<br />
Não havia tempo para se fazer nada. Sequer até para enten<strong>de</strong>r direito o<br />
que estava acontecendo.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Na parte externa do Viajante das Estrelas, abriram-se duas comportas por<br />
on<strong>de</strong> entrou a composição.<br />
Logo a seguir, o casco da astronave fechou-se ocultando a entrada por<br />
on<strong>de</strong> passara o trem...<br />
-Com mil diabos! O que está acontecendo aqui?<br />
O cérebro computadorizado da astronave logo se manifestou:<br />
-Há um intruso a bordo!<br />
-Isso eu já sei! Agora me diga como é que este trem conseguiu acionar os<br />
controles <strong>de</strong> abertura das comportas externas e entrar...<br />
Alex Randall estava realmente mal-humorado.<br />
A <strong>de</strong>speito das medidas <strong>de</strong> segurança existentes na astronave, uma<br />
invasão não autorizada sempre era o tipo <strong>de</strong> coisa que o irritava.<br />
-Bombas! Eu projetei essa bola voadora! EU <strong>de</strong>veria comandar as coisas<br />
aqui <strong>de</strong>ntro. EU é que <strong>de</strong>veria autorizar as coisas a acontecerem, e não o<br />
contrário!<br />
Em seguida levantou-se da poltrona e saiu da central <strong>de</strong> comando.<br />
-Vou verificar pessoalmente que negócio é este que está acontecendo...<br />
Jorson não entendia nada!<br />
O trem tocou o chão mas não estivera apoiado em trilho algum.<br />
***<br />
Depois <strong>de</strong> abertas, as portas aliviaram daquele vagão a fumaça que o<br />
empesteava.<br />
Olhando para fora, pô<strong>de</strong> ver que estava num local totalmente diferente<br />
daquele para on<strong>de</strong> pretendia ir...<br />
Diferente <strong>de</strong> uma estação <strong>de</strong> trem era sem a menor sombra <strong>de</strong> duvida, já<br />
que, tinha maior similarida<strong>de</strong> com hangares para aviões ou até, naves<br />
espaciais...<br />
As visões <strong>de</strong> cenários futuristas digna dos filmes <strong>de</strong> ficção científica <strong>de</strong>viam<br />
ser causadas pelo excesso <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> fumo.<br />
Normalmente, o que via quando <strong>de</strong>scia no ponto final situado na periferia,<br />
era um cenário cheio <strong>de</strong> favelas, ruas esburacadas, esgoto a céu aberto e não<br />
aquela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> toda.<br />
Pior <strong>de</strong> tudo é que Jorson reparou ser o único a estar fazendo a viagem<br />
naquele trem. Não havia ninguém nos outros vagões ...<br />
Bom, pelo menos, um maquinista <strong>de</strong>veria existir! Não conseguia imaginar<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
um trem andando por aí sem condutor humano.<br />
Jorson saltou para o chão e seguiu até o primeiro vagão on<strong>de</strong>, em tese,<br />
<strong>de</strong>veria encontrar um piloto mas, lá não havia ninguém.<br />
A história já era estranha e ficou mais esquisita ainda quando apareceu um<br />
sujeito fumando um cachimbo.<br />
***<br />
-Ei amigo! Você é o condutor do trem?<br />
Alex Randall ficou perplexo frente àquela questão.<br />
Fumando seu cachimbo, respon<strong>de</strong>u:<br />
-Não. E ao que parece, o sr. é que é o único passageiro nele.<br />
-Mas não tem ninguém pilotando esta composição?<br />
Segurando o cachimbo preso a boca, nosso herói respon<strong>de</strong>u<br />
negativamente com a cabeça e ainda complementou:<br />
-Tudo indica que o sr. é a única pessoa a bordo além <strong>de</strong> mim.<br />
Alex Randall não queria transparecer, mas estava simplesmente<br />
abestalhado com o fato <strong>de</strong> encontrar outro ser humano tão longe da Terra que<br />
falasse em idioma conhecido, e numa circunstância como aquela.<br />
O confuso Jorson coçou a nuca e, com ar um tanto incrédulo disse:<br />
-Está tudo muito esquisito mesmo! Será que eu peguei o trem errado?<br />
Observando atentamente o comportamento do pobre homem que<br />
involuntariamente entrara no Viajante das Estrelas, nosso herói reparou que este<br />
também era fumante.<br />
Sacou outro cachimbo automático do bolso ofereceu-o a Jorson que o<br />
aceitou e logo quis fazer uso.<br />
Estabeleceram assim uma atmosfera <strong>de</strong> cordialida<strong>de</strong>, relaxamento e<br />
respeito sendo que, a partir daí o confuso passageiro daquele trem relatou a sua<br />
história com riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes.<br />
Alex Randall estava atento a cada palavra.<br />
Terminada a narrativa, teve uma idéia que explicava com lógica o<br />
acontecimento.<br />
Contou-a para Jorson que, ao se dar conta <strong>de</strong> que estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />
astronave flutuando no meio do nada e longe <strong>de</strong> tudo, teve até uma sensação <strong>de</strong><br />
enjôo.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> Alex Randall, Jorson era um sujeito muito pé no chão em<br />
sua vida e o simples fato <strong>de</strong> afastar-se da sua cida<strong>de</strong> sem avisar a família para ele<br />
53
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
era algo preocupante, quanto mais então, uma viagem fora do sistema solar, ou<br />
até longe da galáxia<br />
Percebendo a aflição do homem, nosso herói tentava habilidosamente<br />
acalmar-lhe falando sobre as infinitas qualida<strong>de</strong>s da sua astronave:<br />
-O Viajante das Estrelas é insuperável na velocida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong> oferecer todos<br />
os confortos que a vida na Terra tem. A gravida<strong>de</strong> a bordo é idêntica à do nosso<br />
planeta natal, mas, po<strong>de</strong> ser alterada <strong>de</strong> acordo com a vonta<strong>de</strong> do tripulante.<br />
Tenho aqui à minha disposição até um parque aquático com diversos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />
piscinas cheias dos mais diversos tipos <strong>de</strong> águas para relaxamento, práticas<br />
esportivas ou tratamento <strong>de</strong> enfermida<strong>de</strong>s e moléstias...<br />
As explicações po<strong>de</strong>riam durar dias seguidos...<br />
Jorson já sentia-se um pouco mais calmo com elas, mas, ainda assim<br />
queria saber como viera parar alí e, principalmente, como voltaria para casa...<br />
Nosso herói então revelou a hipótese que tinha em mente que po<strong>de</strong>ria<br />
explicar aqueles fatos inusitados:<br />
-Acho que viemos parar numa região do espaço com alguns “buracos <strong>de</strong><br />
minhoca” escondidos.<br />
-Buracos <strong>de</strong> minhoca escondidos? - Indagou Jorson.<br />
-É uma teoria que po<strong>de</strong>ria explicar tanto a sua inexplicável chegada a<br />
minha astronave, bem como o sumiço <strong>de</strong> uma estrela que ando procurando...<br />
-O sr. acha que o meu aparecimento aqui tem algo a ver com o sumiço da<br />
estrela? Caramba! Que história confusa!<br />
-Talvez a causa para os dois fatos possa ser similar. Os tais buracos <strong>de</strong><br />
minhoca a que me referi anteriormente.<br />
Jorson <strong>de</strong>u fortes baforadas no seu cachimbo novo, mesmo complicada,<br />
agora a conversa estava ficando interessante...<br />
Talvez, fosse conseqüência da excelente qualida<strong>de</strong> do fumo oferecido por<br />
Alex Randall. Sem dúvida, um dos melhores que já experimentara durante toda a<br />
vida.<br />
Alex Randall herói foi <strong>de</strong>ixando então suas idéias mais claras para o<br />
confuso passageiro daquele trem fantasma:<br />
-Ponha uma folhal sobre uma mesa e marque dois pontos distantes um do<br />
outro e próximos às extremida<strong>de</strong>s do papel.<br />
“Mantendo o mesmo esticado na mesa; o modo mais direto <strong>de</strong> se sair <strong>de</strong><br />
um dos pontos da folha e chegar ao outro seria através <strong>de</strong> uma linha reta.”<br />
“Mas, se curvássemos a folha <strong>de</strong> papel <strong>de</strong> modo que, um ponto<br />
“encostasse” no outro, criaríamos a simulação do que seria um “buraco <strong>de</strong><br />
minhoca”, ou seja, é uma espécie <strong>de</strong> “atalho” que interliga diferentes regiões no<br />
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
espaço e até no tempo...”<br />
“-Acho que estamos num lugar on<strong>de</strong> estes fenômenos surgem <strong>de</strong> modo<br />
espontâneo e inesperado, abrindo uma ou várias passagens para diversos pontos<br />
no universo.”<br />
A explicação ficara mais ou menos clara para Jorson, mesmo assim, não<br />
estava na sua praia a idéia <strong>de</strong> viver trancafiado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma nave espacial por<br />
tempo in<strong>de</strong>terminado...<br />
Alex Randall sabia se estava certo nas suas teorias com respeito àquela<br />
confusa situação, mas, ficou ainda mais atordoado quando Jorson manifestou o<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> partir...<br />
-Partir como, Jorson? Nem sei direito o que está acontecendo. O mais<br />
seguro seria nos afastarmos <strong>de</strong>ste lugar enquanto ainda estamos vivos e com o<br />
controle da situação.<br />
-Sei que para o sr. é muito normal passar todo o tempo aqui <strong>de</strong>ntro tirando<br />
fotos e filmando estrelas, galáxias e o que mais aparecer pela frente, mas, para<br />
mim não.<br />
“Tenho <strong>de</strong> respirar em lugar aberto e sem pare<strong>de</strong>s. Negócio <strong>de</strong> viagem<br />
espacial não é comigo.”<br />
-Compreendo seu ponto <strong>de</strong> vista, Jorson. Se quiser, eu o levo <strong>de</strong> volta para<br />
a Terra, mas, pelo que disse, acredito que a época que o sr voltará é diferente<br />
daquela que <strong>de</strong>ixou...<br />
-Tenho mulher e família. Não dá para voltar em outra época. Quero mesmo<br />
é iro para casa. Como faço para voltar aon<strong>de</strong> pertenço?<br />
A surpreen<strong>de</strong>nte resposta veio com a voz sinistra novamente se<br />
manifestando <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro dos vagões da composição...<br />
-Partida após o fechamento das portas. Senhores passageiros, favor<br />
embarcarem agora.<br />
Jorson não per<strong>de</strong>u tempo e se <strong>de</strong>spediu <strong>de</strong> Alex Randall:<br />
-Vou seguir daqui, amigo. Não posso per<strong>de</strong>r este trem.<br />
-Sr. Jorson. Seu <strong>de</strong>stino é incerto, não po<strong>de</strong> embarcar arriscando sua vida<br />
assim...<br />
-Vou assim mesmo!<br />
Sem perda <strong>de</strong> tempo, Jorson subiu no último vagão novamente e, as portas<br />
fecharam-se atrás <strong>de</strong>le logo após o seu embarque.<br />
Nosso herói conformou-se pois, apesar do seu infrutífero esforço, tentara<br />
convencer o confuso viajante a realizar aquela que julgava ser a mais segura<br />
forma <strong>de</strong> volta para casa.<br />
Alguns minutos <strong>de</strong>pois, sentado <strong>de</strong> volta na central <strong>de</strong> comando, Alex<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Randall acompanhava através dos monitores e projetores a partida daquele trem<br />
que se <strong>de</strong>u do mesmo modo misterioso como chegou.<br />
***<br />
Dentro do trem, fumando seu novo cachimbo e, apavorado com o <strong>de</strong>stino<br />
incerto que po<strong>de</strong>ria ter, se algo <strong>de</strong>sse errado, Jorson observava a imensidão do<br />
espaço cujo infinito chegava a lhe causar vertigens.<br />
O trem corria e internamente fazia até o mesmo barulho que quando<br />
estando apoiado nos trilhos...<br />
Lentamente, a visão <strong>de</strong> Jorson foi se turvando até que dormiu<br />
profundamente.<br />
Acordou com um solavanco!<br />
***<br />
Chegara à última estação do trajeto que, já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong>veria ter feito.<br />
As portas se abriram e o mundo lá fora estava exatamente como sempre<br />
<strong>de</strong>veria estar.<br />
Jorson saiu na plataforma e dirigiu-se até a cabina <strong>de</strong> pilotagem no primeiro<br />
vagão on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria haver um maquinista e não surpreen<strong>de</strong>u-se muito quando a<br />
encontrou sem ninguém.<br />
A estação estava completamente vazia.<br />
Não havia lá <strong>de</strong>ntro ninguém que pu<strong>de</strong>sse lhe esclarecer algo a respeito <strong>de</strong><br />
tão estranha viagem.<br />
Saiu para a rua on<strong>de</strong> o movimento das pessoas indicava que a vida seguia,<br />
apesar daquela estranha história que tinha vivido.<br />
Concluiu que tudo talvez não passasse <strong>de</strong> um sonho que tivera dormindo<br />
no trem; assim, achou melhor esquecer os acontecimentos...<br />
Resolveu fumar e encontrou no bolso o cachimbo cheio daquele fumo<br />
excepcional que ganhara <strong>de</strong> Alex Randall...<br />
As dúvidas então voltaram e, assim, acabaram <strong>de</strong>finitivamente ficando sem<br />
solução...<br />
***<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.5 DE ALEX RANDALL<br />
O sumiço da estrela invisível e o não menos misterioso aparecimento do<br />
trem sem condutor no hangar do Viajante das Estrelas eram fatos que Alex<br />
Randall se esforçava para assimilar.<br />
Analisou inúmeras vezes as imagens gravadas da estrela, e as do trem<br />
mas não chegou a conclusão alguma.<br />
As do trem eram as mais espetaculares.<br />
Este <strong>de</strong>colava sabe-se lá como <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do hangar; subia em direção às<br />
comportas, e estas se abriam sem que o Cérebro Computadorizado da astronave<br />
sequer tomasse conhecimento ou autorizasse.<br />
A composição ia pro meio do nada espacial e simplesmente <strong>de</strong>saparecia...<br />
Por não ter ainda conseguido elementos que comprovassem uma teoria<br />
que tinha à respeito do assunto, Alex Randall <strong>de</strong>cidiu permanecer mais tempo pela<br />
região.<br />
Entretanto, nenhuma anormalida<strong>de</strong> ocorria...<br />
-Vamos até o local on<strong>de</strong> a estrela fria foi registrada pela última vez.<br />
Rapidamente o Viajante das Estrelas transpôs a astronômica distância até<br />
chegar às proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estar a Estela Invisível...<br />
Entretanto... Por alí não havia nada!<br />
Sequer um meteorito, resíduo <strong>de</strong> matéria, ou qualquer coisa que indicasse<br />
que naquele local do espaço, poucos tempo antes, existia uma estrela <strong>de</strong><br />
proporções colossais.<br />
Mesmo os instrumentos da astronave nada mostrvam <strong>de</strong> estranho ou<br />
suspeito.<br />
Foi então que, <strong>de</strong> um momento para outro, apareceu sem nenhuma<br />
explicação, no meio do espaço um buraco...<br />
Não um buraco comum, mas, um abismo com mais <strong>de</strong> quinhentos mil<br />
quilômetros <strong>de</strong> diâmetro e profundida<strong>de</strong> incalculável.<br />
Seu interior era muito brilhante, chamas eternas e purificadoras pareciam<br />
ar<strong>de</strong>r lá <strong>de</strong>ntro...<br />
Nosso herói não teve muito tempo para conjeturar como aquele fenômeno<br />
havia aparecido alí, ou, se ele era um outro atalho para alguma distante região do<br />
universo.<br />
Do mesmo modo repentino que o buraco havia aparecido do meio do nada,<br />
ele sumiu!<br />
E <strong>de</strong>sta vez, engolindo para o seu interior o Viajante das Estrelas!<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
***<br />
Dentro da astronave, nosso herói ouviu um barulho estranho por trás <strong>de</strong> um<br />
dos equipamentos <strong>de</strong> controle da central <strong>de</strong> comando.<br />
Foi verificar e surpreen<strong>de</strong>u-se com a origem <strong>de</strong>le: uma barata!<br />
Alex Randall imediatamente pensou:<br />
-On<strong>de</strong> aparece uma barata, existirão outras, e talvez até ratos.<br />
Além <strong>de</strong> ter sua astronave levada sabe se lá para que lugar graças àquele<br />
fenômeno estranho em forma <strong>de</strong> buraco no espaço, nosso herói também tinha<br />
agora a difícil tarefa <strong>de</strong> adivinhar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> teria vindo aquele inseto.<br />
Tinha certeza <strong>de</strong> que o Viajante das Estrelas havia sido completamente<br />
limpo e esterilizado antes da partida.<br />
A presença <strong>de</strong> um intruso a bordo sem conhecimento do cérebro<br />
computadorizado já era muito estranha.<br />
Mesmo um inseto cem vezes menor que aquele teria sido localizado antes<br />
da partida.<br />
E a situação não parou <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r nosso herói...<br />
Assim que foi percebida, a barata apontou as antenas para Alex Randall e<br />
avançou na direção <strong>de</strong>le subindo pelo seu braço que, naquele momento estava<br />
com as mãos apoiadas no chão.<br />
Então, veio aquela dor insuportável.<br />
Por on<strong>de</strong> andava, o inseto soltava um forte ácido que queimava a pele.<br />
Antes que, num movimento involuntário dos braços pu<strong>de</strong>sse livrar-se do<br />
bicho que o atormentava, este, entranhou-se mais ainda por <strong>de</strong>ntro da roupa.<br />
E continuou sua caminhada pelo corpo <strong>de</strong> Alex Randall queimando-o ainda<br />
mais...<br />
Nosso <strong>de</strong>stemido <strong>de</strong>sbravador do espaço tentou esmagar a barata<br />
apoiando a parte do corpo on<strong>de</strong> ela se encontrava em alguma superfície dura,<br />
mas, nem isso <strong>de</strong>u certo.<br />
O bichinho a cada momento aumentava mais o castigo com seu passeio.<br />
Rasgou a roupa preta que usava estragando todos os computadores e<br />
acessórios conectados.<br />
Ainda assim, o inseto não <strong>de</strong>sgrudava e a tortura continuava...<br />
Não teve outro jeito senão arrancar o bicho com as próprias mãos. Claro<br />
que, à custa <strong>de</strong> novos e dolorosos sofrimentos.<br />
Desgraçadamente, quando achou que finalmente teria <strong>de</strong>scanso, percebeu<br />
58
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
que seus momentos <strong>de</strong> tormento ainda não haviam se findado.<br />
Diante <strong>de</strong> Alex Randall estava um ser extremamente assustador com<br />
aparência <strong>de</strong>moníaca.<br />
Era feio, <strong>de</strong> cor vermelha, com chifres, asas, <strong>de</strong>ntes e unhas pontiagudas.<br />
Cheirava muito mal e ainda segurava um tri<strong>de</strong>nte preto e enferrujado.<br />
O primeiro contato com tal criatura logo <strong>de</strong> cara foi pouco amistoso.<br />
Nosso herói sequer teve tempo para se recuperar e dizer: “-Olá, como vai?<br />
- quando foi espetado na altura do peito pela arma afiada do estranho.<br />
-Olá Alex Randall! Como vai? Seja bem vindo ao inferno!<br />
Aquilo só podia ser brinca<strong>de</strong>ira.<br />
***<br />
Justamente com Alex Randall que não acreditava no inferno tão pouco no<br />
paraíso..<br />
Era um sujeito completamente ateu que, já em vida, acreditava estar<br />
pagando seus pecados.<br />
-Po<strong>de</strong> acreditar! - Berrava aquela criatura apavorante. - Mas é verda<strong>de</strong>! Não<br />
é sonho não! O fato <strong>de</strong> ser ateu não o livrará do seu sofrimento que, quando tiver<br />
início, fará você acreditar em todos os <strong>de</strong>uses do Universo implorando a salvação<br />
para cada um <strong>de</strong>les!<br />
Sentiu a mão daquele ser amaldiçoado mexendo o tri<strong>de</strong>nte que, por sua<br />
vez, transmitia diretamente para os seus órgãos a força daqueles movimentos.<br />
Não tardou e, é claro! Alex Randall, que já estava espetado, foi suspenso<br />
no ar pela grotesca criatura que se <strong>de</strong>leitava com os seus gritos <strong>de</strong> dor.<br />
-Sou o Xerife do Inferno! Agora, você não terá um segundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso.<br />
Sua agonia durará muito tempo.<br />
O ser infernal realizava peripécias com apenas um braço usando o tri<strong>de</strong>nte<br />
on<strong>de</strong> nosso herói estava espetado.<br />
E Alex Randall, o pobre infeliz, sofria diretamente no próprio corpo, o que<br />
era ser o pão que o diabo amassou.<br />
E sua infelicida<strong>de</strong> não terminou por aí.<br />
Logo, nosso agonizante herói sentiu que respirava algum tipo <strong>de</strong> gás<br />
asfixiante que, quase forçava os pulmões a serem expelidos pela boca, tal a<br />
potência da tosse que ocasionava.<br />
E veio a risada infernal que parecia não terminar nunca, além <strong>de</strong> também,<br />
causar dor nos ouvidos, na cabeça e no próprio cérebro.<br />
Cansado <strong>de</strong> realizar evoluções acrobáticas com o tri<strong>de</strong>nte on<strong>de</strong> Alex<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Randall estava espetado, o Xerife do Inferno arremessou-o à distância fazendo-o<br />
estatelar-se a uma das pare<strong>de</strong>s da central <strong>de</strong> comando.<br />
O corpo do nosso herói foi ao chão semi-morto, arrebentado e por alí ficou<br />
agonizando.<br />
-Vamos com isso, rapaz! Você não é tão fraco assim. Po<strong>de</strong> suportar mais!<br />
Com um estalar <strong>de</strong> <strong>de</strong>dos, cujo som seria capaz <strong>de</strong> ensur<strong>de</strong>cer qualquer<br />
ouvido humano, o Xerife do Inferno fez surgir na central <strong>de</strong> comando cães negros<br />
com correntes presas ao pescoço, <strong>de</strong>ntes prateados e olhos vermelhos como<br />
sangue.<br />
-Peguem rapazes! Ainda sobrou um pouco para vocês...<br />
Os animais saltaram sobre o nosso pobre e in<strong>de</strong>feso herói <strong>de</strong>vorando-lhe<br />
as carnes tomando o cuidado <strong>de</strong> começar a comilança pelos testículos.<br />
Não havia o que fazer.<br />
Alex Randall estava sentindo cada momento daquela intensa agonia,<br />
mesmo quando já <strong>de</strong>veria estar morto.<br />
A dor e a violência eram tão gran<strong>de</strong>s que sequer havia tempo <strong>de</strong> imaginar o<br />
porquê daquela situação...<br />
Os gritos agonizantes do nosso herói não comoviam o Xerife do Inferno.<br />
Tanto que, este começou a falar como se nada <strong>de</strong>mais estivesse acontecendo...<br />
-Meu amigo! Que oportunida<strong>de</strong> rara! Não é sempre que temos no inferno<br />
gente viva nos visitando... Não quer ficar permanentemente?<br />
A resposta foi um grito pavoroso <strong>de</strong> dor.<br />
A agonia era interminável...<br />
Do corpo vivo <strong>de</strong> Alex Randall só restou a sua cabeça que o Xerife do<br />
Inferno pegou pelos cabelos agora já um tanto ensangüentados.<br />
-As coisas aqui ficaram socializadas. Mo<strong>de</strong>rnizamos o sistema. Todo<br />
mundo tem tratamento igual. O sujeito já chega sofrendo e continua assim até o<br />
fim da eternida<strong>de</strong>...<br />
E <strong>de</strong>u outra sonora gargalhada...<br />
-Até o fim da eternida<strong>de</strong>... Enten<strong>de</strong>u a piada?<br />
A criatura <strong>de</strong>moníaca lançou a cabeça <strong>de</strong> Alex Randall, que, mesmo<br />
separada do resto do corpo continuava agonizando, como se fosse uma bola <strong>de</strong><br />
futebol e <strong>de</strong>u nela alguns chutes contra as pare<strong>de</strong>s da central <strong>de</strong> comando.<br />
Depois, ensaiou seus privilegiados dotes <strong>de</strong> jogador <strong>de</strong> futebol praticando<br />
“embaixadinhas”.<br />
E até que não era ruim...<br />
Conseguiu chutar a cabeça com a mesma perna sem <strong>de</strong>ixar cair no chão<br />
por bastante tempo.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Mesmo assim, a cabeça <strong>de</strong> Alex Randall não tinha <strong>de</strong>scanso.<br />
A morte não o abraçava aliviando-o <strong>de</strong> tanta dor.<br />
O Viajante das Estrelas então <strong>de</strong>sapareceu.<br />
A cabeça <strong>de</strong> nosso herói flutuava em direção a um mar <strong>de</strong> chamas que<br />
parecia existir em todas as direções e não ter fim...<br />
Caiu então num amontoado <strong>de</strong> corpos e membros provenientes <strong>de</strong> bilhões<br />
<strong>de</strong> outros pecadores <strong>de</strong> diversas raças inteligentes existentes pelo universo que,<br />
agora eram resi<strong>de</strong>ntes permanentes do inferno.<br />
Aquela pilha monumental não parava <strong>de</strong> crescer. A cada segundo centenas<br />
<strong>de</strong> corpos <strong>de</strong>spencavam do alto alimentando as chamas da fogueira.<br />
Ainda assim, a agonia do nosso herói prosseguia, mesmo que só do<br />
pescoço para cima.<br />
Surgiram várias outras criaturas infernais que também se divertiam bastante<br />
causando sofrimento às almas que involuntariamente alí pa<strong>de</strong>ciam.<br />
Do meio do monte <strong>de</strong> corpos, o Xerife do Inferno retirou a cabeça <strong>de</strong> Alex<br />
Randall e chutou-a em direção ao grupo <strong>de</strong> seres medonhos que dividiram-se em<br />
dois times e começaram a jogar futebol.<br />
Nosso herói, ainda assim não morria. Mesmo a partida tendo durado muito<br />
além dos tempos regulamentares.<br />
Terminado o clássico futebolístico, o Xerife do inferno pegou a cabeça <strong>de</strong><br />
Alex Randall novamente e, mostrou-lhe o cachimbo que tanto usava e apreciava.<br />
-Vê?!? Isso faz mal à saú<strong>de</strong>. Mas, quem sou eu para livrá-lo do seu vício?<br />
Com seus <strong>de</strong>dos sujos e nojentos, a criatura puxou para fora da boca a<br />
língua <strong>de</strong> Alex Randall e, sobre esta, jogou as cinzas ar<strong>de</strong>ntes do fornilho.<br />
Complementando a tortura, quebrou o cachimbo no meio, jogou fora a<br />
piteira e colocou o que sobrou preso aos <strong>de</strong>ntes daquela cabeça...<br />
-Assim, você não reclamará que eu não suavizei o seu sofrimento<br />
permitindo-lhe apreciar o seu prazer <strong>de</strong> fumar.<br />
E o Xerife do inferno gargalhou alucinadamente.<br />
Só parou no momento que um outro personagem apareceu nesta história...<br />
Era um homem alto, bem vestido, <strong>de</strong> boa aparência e com voz tranquila que<br />
se aproximou silenciosamente do Xerife do inferno:<br />
-On<strong>de</strong> está Alex Randall?<br />
O Xerife do inferno pegou a cabeça do nosso herói, ou o que sobrou <strong>de</strong>la e<br />
disse:<br />
-Chegou até nós por meio <strong>de</strong> um dos “buracos <strong>de</strong> minhoca” que ligam o<br />
inferno à dimensão dos vivos. Achei melhor antecipar um pouco do sofrimento que<br />
ele irá merecer.<br />
61
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Dizendo isso, o Xerife do inferno entregou a cabeça para aquele homem<br />
que a tomou em suas mãos e encarou firmemente seus olhos.<br />
-Disse bem! Que virá a merecer... Infelizmente, ainda não teve tempo <strong>de</strong><br />
cometer o pecado que garantirá seu lugar entre os nossos mais ilustres<br />
hóspe<strong>de</strong>s...<br />
E então, vendo os olhos daquele ser, Alex Randall, mesmo no estado em<br />
que se encontrava, percebeu quem ele era. A suprema força do mal, LÚCIFER, o<br />
manda-chuva do inferno, ao vivo e à cores!<br />
-Não vai escapar do seu <strong>de</strong>stino! Mortal! Veja o que o aguarda!<br />
Alex Randall viu uma imagem on<strong>de</strong> ele mesmo, aparecia sentado numa<br />
versão atemorizante da poltrona que usava na central <strong>de</strong> comando do Viajante<br />
das Estrelas. Esta, o prendia e aterrorizava, com diversos instrumentos <strong>de</strong> tortura.<br />
-Consi<strong>de</strong>re-se um privilegiado. Os amantes da dor certamente gostariam <strong>de</strong><br />
passar pelos mesmos suplícios que sentiu e <strong>de</strong>pois ainda voltar a viver. Mas eles<br />
não po<strong>de</strong>m! Por isso, não vão tão longe quanto você, ó gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravador das<br />
fronteiras espaciais! Por agora, só quero que lembre da sua visita aqui. Vai voltar<br />
a viver porque a sua conta no Inferno ainda não é <strong>de</strong>vedora, mas, no futuro...<br />
Quem sabe os caminhos que te aguardam?<br />
Lúcifer estalou os <strong>de</strong>dos e a realida<strong>de</strong> se alterou completamente outra vez.<br />
Alex Randall voltou ao normal <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando do Viajante<br />
das Estrelas.<br />
Suas roupas e seu corpo estavam intactos sem um único arranhão.<br />
Quando ia achando que toda aquela experiência macabra po<strong>de</strong>ria ser<br />
apenas fruto da sua imaginação, ouviu a voz <strong>de</strong> Lúcifer manifestando-se com<br />
bastante eco através do sistema <strong>de</strong> som da astronave:<br />
-Não se esqueça que esteve no inferno, Alex Randall. Seu lugar aqui está<br />
reservado em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>.<br />
Assustado com os acontecimentos, encontrou o cachimbo que o Xerife do<br />
Inferno havia quebrado. Este não fora concertado!<br />
Aquela, era outra prova da medonha viagem em que se metera.<br />
Para esquecer tão horrível experiência, <strong>de</strong>cidiu fazer alguma coisa.<br />
Aquela região do espaço estava povoada <strong>de</strong> fenômenos invisíveis até para<br />
os sensores mais sofisticados.<br />
alí.<br />
Estrelas invisíveis, buracos-<strong>de</strong>-minhoca e sabe se lá mais o que havia por<br />
Os incautos viajantes que transitassem pela região tinham <strong>de</strong> ser avisados<br />
dos perigos que os aguardavam.<br />
Antes <strong>de</strong> se afastar, <strong>de</strong>ixou em várias zonas seguras, que cercavam aquela<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
região, <strong>de</strong> modo a po<strong>de</strong>rem ser avistados bem <strong>de</strong> longe, faróis que emitiriam<br />
sinais, inclusive luminosos informando os perigos nas proximida<strong>de</strong>s.<br />
Alex Randall po<strong>de</strong>ria ficar se lamentando durante diversos dias a respeito<br />
daquela terrível experiência e ainda reclamando a respeito das incertezas que o<br />
futuro lhe reservava já que sabia que o próprio Diabo estava nos seus<br />
calcanhares, mas, resolveu reverter toda aquela dor <strong>de</strong> forma a ajudar o próximo,<br />
fosse este <strong>de</strong> que raça este fosse.<br />
Antes <strong>de</strong> seguir caminho, observaria e analisaria o <strong>de</strong>sempenho dos faróis<br />
por algum tempo, só para ter certeza <strong>de</strong> que estes resistiriam às condições<br />
ambientais a que seriam submetidos.<br />
***<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.6 DE ALEX RANDALL<br />
Daquele novo ponto <strong>de</strong> vista, os sensores altamente apurados do Viajante<br />
das Estrelas perceberam uma força gravitacional que lhe exercia pequena<br />
influencia e procuraram por sua origem.<br />
Mesmo a uma consi<strong>de</strong>rável distância, as po<strong>de</strong>rosas lentes das câmeras da<br />
astronave i<strong>de</strong>ntificaram um planeta como responsável e, a respeito do mesmo,<br />
fizeram interessantes <strong>de</strong>scobertas.<br />
Alí, o ambiente era viável e favorável a vida humana...<br />
A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência confortável para o homem num novo<br />
mundo sempre era motivo mais do que justo para pesquisa, tanto que, no<br />
momento seguinte, Alex Randall autorizou o Cérebro Computadorizado a<br />
conduzir a astronave rumo àquele novo mundo.<br />
Depois <strong>de</strong> cobrir uma distância astronômica em pouquíssimo tempo, O<br />
Viajante das Estrelas circulou o planeta várias vezes analisando <strong>de</strong>talhadamente<br />
toda a sua superfície procurando por cida<strong>de</strong>s ou resquícios <strong>de</strong> vida.<br />
Após intensas buscas, sinais indicando a presença <strong>de</strong> construções e<br />
artefatos tecnológicos foram confirmados.<br />
Tratavam-se <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> naves espaciais das mais diversas origens<br />
estacionadas umas ao lado das outras.<br />
Através dos transmissores do Viajante das Estrelas, foi enviada uma<br />
saudação <strong>de</strong> paz e amiza<strong>de</strong> em todos os idiomas conhecidos pelo cérebro<br />
computadorizado.<br />
Aguardou algum tempo, mas não obteve resposta alguma...<br />
-Vou <strong>de</strong>scer. Tentarei uma abordagem direta.<br />
A resposta do cérebro computadorizado foi imediata.<br />
-Devo aconselhá-lo do contrário, a atmosfera não foi suficientemente<br />
analisada, uma mudança <strong>de</strong> tempo é possível a qualquer momento. Existe até a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontro com formas <strong>de</strong> vida agressivas e perigosas. Os<br />
serviços preliminares po<strong>de</strong>m ser feitos por robôs e sondas exploradoras...<br />
-Não acredito que os construtores <strong>de</strong>ssas naves espaciais possam ser<br />
perigosos ou ignorantes! A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco à minha segurança é mínima.<br />
Mantenho a <strong>de</strong>cisão.<br />
Alex Randall dirigiu-se até o hangar on<strong>de</strong> estavam disponíveis diversos<br />
tipos <strong>de</strong> veículos que permitiam variadas missões fora da nave.<br />
Po<strong>de</strong>ria ser teletransportado diretamente para a superfície do planeta, mas,<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
per<strong>de</strong>ria uma das maiores diversões <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> visita: apreciar a vertigem e as<br />
fortes emoções características dos esportes radicais durante a entrada e queda<br />
em alta velocida<strong>de</strong> em direção à superfície daquele mundo..<br />
No hangar também havia uma poltrona ligeiramente diferente daquela que<br />
usava na central <strong>de</strong> comando.<br />
Seria nela que apreciaria aquela “pequena viagem”.<br />
Sentou-se, digitou alguns comandos no painel <strong>de</strong> controles instalado em<br />
seu braço e, ela começou a flutuar.<br />
O cinto <strong>de</strong> segurança pren<strong>de</strong>u automaticamente nosso herói ao encosto e<br />
um capacete vedado com amplo visor foi colocado sua cabeça.<br />
Formou-se então pálida esfera branca, semitransparente e brilhante ao<br />
redor da poltrona.<br />
Era um campo <strong>de</strong> proteção. Tão intransponível, que mesmo no vácuo<br />
espacial não <strong>de</strong>ixaria escapar o ar que eventualmente estivesse em seu interior.<br />
Tudo parecia muito seguro para Alex Randall, mas, o cérebro<br />
computadorizado do Viajante das Estrelas ainda não havia se convencido disso...<br />
Com sua voz feminina digitalizada, tentava ainda uma última vez <strong>de</strong>mover o<br />
nosso herói <strong>de</strong> seu intento.<br />
-Devo insistir na recomendação <strong>de</strong> cautela e no pedido para que<br />
permaneça aqui <strong>de</strong>ntro em segurança até a chegada <strong>de</strong> novas informações.<br />
-Não se preocupe. Pretendo voltar inteiro para a nave...<br />
Seria aquela impetuosida<strong>de</strong> toda fruto dos momentos agonizantes pelos<br />
quais passara nas mãos dos senhores dos infernos?<br />
Difícil saber.<br />
Com um movimento rápido das mãos sobre o painel instalado no braço da<br />
poltrona, esta voou para fora do hangar.<br />
Do espaço, seguiu em direção aos céus daquele planeta.<br />
Escoltando Alex Randall, seguia um robô <strong>de</strong> segurança com forma esférica<br />
e diâmetro aproximado <strong>de</strong> quarenta centímetros.<br />
Penetrou a atmosfera em alta velocida<strong>de</strong> e, logo viu ao redor do campo <strong>de</strong><br />
força que o protegia as chamas ar<strong>de</strong>rem.<br />
Não tardou muito diminuiu a velocida<strong>de</strong> até para po<strong>de</strong>r visualizar melhor<br />
os acontecimentos ao seu redor.<br />
Afora as nuvens do céu e o vento, na superfície daquele mundo nada se<br />
movia em parte alguma.<br />
Bem distante, numa vasta planície <strong>de</strong>serta, os instrumentos <strong>de</strong> localização<br />
da poltrona encontraram um veículo terrestre muito similar a um toda estrada <strong>de</strong><br />
seis rodas.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Dirigiu-se para a localida<strong>de</strong>, pousou ao seu lado, e logo notou que, <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>le haviam dois seres <strong>de</strong> formas humanói<strong>de</strong>s <strong>de</strong>bruçados no painel...<br />
Não se moviam...<br />
Alex imaginou que ambos po<strong>de</strong>riam estar mortos, mesmo assim, <strong>de</strong>u um<br />
grito <strong>de</strong> saudação:<br />
-Ei!!<br />
Continuaram sem se mover...<br />
Alex <strong>de</strong>sativou a esfera protetora ao redor da poltrona e <strong>de</strong>sceu <strong>de</strong>sta, se<br />
aproximando do carro.<br />
Empurrou o ombro <strong>de</strong> um dos seres, e este caiu duro no chão!<br />
Era humanói<strong>de</strong>, sem duvida nenhuma. Quase não tinha diferenças com um<br />
terrestre...<br />
O rosto <strong>de</strong>monstrava um sorriso escancarado mesmo <strong>de</strong>pois da morte.<br />
Uma cena realmente tétrica...<br />
Só para confirmar, Alex Randall olhou também o rosto do outro que também<br />
estava no jipe.<br />
Apresentava as mesmas condições...<br />
-Esses dois não po<strong>de</strong>m me ajudar em mais nada. – Pensou - Vou procurar<br />
vida em outro lugar.<br />
Ao lado <strong>de</strong> Alex o seu robô <strong>de</strong> segurança e escolta registrava todos os<br />
<strong>de</strong>talhes da cena <strong>de</strong> morte enviando-os ao cérebro computadorizado do Viajante<br />
das Estrelas.<br />
Alex.<br />
-Algum fator que i<strong>de</strong>ntifique o porquê <strong>de</strong>ssa morte sorri<strong>de</strong>nte? Perguntou<br />
-Não. – Foi a resposta vinda da esfera robotizada. - Afora a estranha<br />
mudança nos músculos do rosto, nada <strong>de</strong> anormal se feita uma comparação com<br />
a anatomia humana terrestre.<br />
-Morte sorri<strong>de</strong>nte... Este termo é muito engraçado mesmo...<br />
Alex acabou <strong>de</strong>ixando até escapar uma gargalhada, mesmo diante uma<br />
situação nada risonha...<br />
Voltou novamente para a poltrona e levantou vôo à procura <strong>de</strong> vida.<br />
Decidiu seguir na direção on<strong>de</strong> estavam as estranhas naves que havia<br />
i<strong>de</strong>ntificado anteriormente.<br />
Depois <strong>de</strong> voar um pouco, encontrou o que procurava.<br />
Pousou ao lado <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las.<br />
Uma com forma <strong>de</strong> torpedo e bastante carcomida pelo tempo.<br />
De pé, começou a procurar por uma porta ou escotilha que <strong>de</strong>sse acesso<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
para o foguete.<br />
Não <strong>de</strong>morou e logo encontrou o que queria.<br />
Deu alguns gritos e ninguém se manifestou.<br />
Abriu a porta e, um pouco mais cauteloso, disse para o robô.<br />
-Entre aí e verifique a situação.<br />
O robõ entrou e <strong>de</strong>sapareceu na escuridão ali <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro.<br />
Alguns minutos passaram e então voltou com informações:<br />
-Existem <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> formas humanói<strong>de</strong>s aí <strong>de</strong>ntro. Todas sem vida.<br />
Aparentemente, também foram vítimas do mesmo mal que matou os que<br />
encontramos agora a pouco.<br />
Subitamente, Alex Randall começou a gargalhar novamente...<br />
Se contendo um pouco mais, ele parou para respirar e disse:<br />
-Que droga! Eu venho preparado até com discurso <strong>de</strong>corado para a<br />
eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar formas <strong>de</strong>sconhecidas <strong>de</strong> vida e tudo o que encontro é<br />
um cemitério...<br />
Inexplicavelmente, Alex Randall caiu novamente na gargalhada...<br />
-Puxa vida, isto não é tão engraçado assim. Afinal, aqui todos estão<br />
mortos...<br />
E ria mais um pouco.<br />
O robô que o acompanhava <strong>de</strong>u uma sugestão:<br />
-Recomendo que voltemos ao Viajante das Estrelas para procedimentos<br />
médicos <strong>de</strong> emergência. Suas atitu<strong>de</strong>s indicam uma aparente contaminação pelo<br />
mesmo mal que matou toda esta gente...<br />
Alex ficou <strong>de</strong> pé contendo inutilmente as gargalhadas e ainda tentando<br />
apelar para ficar um pouco mais...<br />
-Não é necessário! Já me sinto melhor... Vamos procurar novas formas <strong>de</strong><br />
vida. Eu sei que vamos encontrar.<br />
E ria mais ainda.<br />
Logo não conseguia mais conter as gargalhadas e se ajoelhou novamente.<br />
As lágrimas rolavam pelo seu rosto, seus músculos estomacais estavam<br />
estirados <strong>de</strong> tanta contração e dor, mas, Alex não parava <strong>de</strong> dar risada.<br />
O rosto começou a <strong>de</strong>sfigurar-se no temido sorriso mortal.<br />
O robô que o acompanhava registrava em <strong>de</strong>talhes seus momentos <strong>de</strong><br />
agonia.<br />
Caiu no chão e contorcia-se com fortes dores no abdômen, mas sem parar<br />
<strong>de</strong> dar risada.<br />
Acabou per<strong>de</strong>ndo todo o controle do seu corpo quando urinou<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
<strong>de</strong>scontroladamente nas próprias calças enquanto gargalhava sem parar.<br />
Finalmente, ficou sem ar e tombou inerte com o sinistro sorriso cravado nos<br />
músculos faciais.<br />
***<br />
Logo, <strong>de</strong> maneira inexplicável e surpreen<strong>de</strong>nte um forte vento começou a<br />
soprar no local on<strong>de</strong> estava o corpo <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Nuvens se a<strong>de</strong>nsaram escurecendo tudo.<br />
A velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> circulação do ar aumentou drasticamente...<br />
Dos ventos surgiram furacões e tornados que começaram a levantar<br />
arbustos, galhos e outros objetos do chão...<br />
Uma pedra, no meio da confusão, acertou o robô que prestava segurança a<br />
Alex Randall.<br />
Com a pancada, o refinado aparato tecnológico <strong>de</strong>scontrolou seu vôo<br />
espatifando-se no chão.<br />
A poltrona voadora por sua vez, foi sendo lenta e inexoravelmente coberta<br />
pela areia daquela tempesta<strong>de</strong>.<br />
Mais uma vez, a natureza levava a melhor sobre a ciência do homem...<br />
***<br />
No meio <strong>de</strong> toda barulheira e ventania causada pela tempesta<strong>de</strong>, uma<br />
sombra <strong>de</strong> forma humanói<strong>de</strong> coberta com estranhos roupas, agachou-se junto ao<br />
corpo <strong>de</strong> Alex Randall e o carregou esquivando-se habilidosamente das forças<br />
brutais da natureza.<br />
local.<br />
***<br />
Acordou sentindo uma forte dor no abdômen e nos músculos faciais.<br />
Olhou ao redor e viu-se numa caverna <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s brilhantes e luminosas.<br />
Ao seu lado havia um ser humanói<strong>de</strong>, <strong>de</strong> quase dois metros.<br />
Era um homem muito velho que tinha barba espessa branca e cumprida.<br />
Alex Randall sentou-se bastante cansado.<br />
O corpo parecia ligeiramente endurecido...<br />
-Preciso ir ao banheiro...<br />
Assim que o ouviu, o velho apontou para um túnel que saia dalí daquele<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Como <strong>de</strong>ntro da caverna não havia o conforto <strong>de</strong> uma instalação sanitária<br />
a<strong>de</strong>quada, nosso herói enten<strong>de</strong>u a mensagem do velho e enfiou-se no túnel<br />
escuro indicado.<br />
Já <strong>de</strong> cara, assim que a<strong>de</strong>ntrou mais aquela penumbra, ao sentir o cheiro<br />
reinante lá <strong>de</strong>ntro percebeu a finalida<strong>de</strong> do local.<br />
Botou a bunda pra fora e, na escuridão aliviou-se...<br />
Andou alguns metros, pegou areia do chão e usou-a para fazer a melhor<br />
limpeza possível.<br />
Depois, voltou para a luz on<strong>de</strong> estivera antes.<br />
-Caramba! Agora sinto-me melhor...<br />
-É bom sinal. - Ouviu – O veneno saiu do seu corpo...<br />
Sentou-se diante do dono daquela misteriosa voz...<br />
-Você po<strong>de</strong> me enten<strong>de</strong>r. –Constatou nosso herói meio aliviado.<br />
O sujeito acenou positivamente com um gesto <strong>de</strong> cabeça...<br />
-O que aconteceu?<br />
-O sr. foi envenenado pelo ar da atmosfera <strong>de</strong>sse mundo e <strong>de</strong>pois, salvo<br />
pelo po<strong>de</strong>r da Água Purificadora...<br />
Dizendo isso, o sujeito apontou para um lago subterrâneo.<br />
-A Água Purificadora cura qualquer doença em seres <strong>de</strong> todas as espécies.<br />
Observe seu reflexo na superfície e constate a dádiva que lhe foi oferecida...<br />
Afora as dores musculares que ainda sentia, muito parecidas com as <strong>de</strong> um<br />
atleta <strong>de</strong>pois do treino, Alex Randall percebeu uma melhora nos pulmões.<br />
Agora respirava melhor...<br />
Andou até a beira do lago e olhou seu reflexo que era claramente refletido<br />
naquele líquido...<br />
anos!<br />
Ficou chocado com o que viu...<br />
***<br />
Seu rosto aparentemente havia rejuvenescido mais <strong>de</strong> cento e oitenta anos<br />
A pele estava muito mais lisa e saudável... As rugas e manchas nela<br />
<strong>de</strong>sapareceram como que por milagre.<br />
Os <strong>de</strong>ntes voltaram à cor original branca e mesmo as gengivas<br />
anteriormente escurecidas pelo excesso <strong>de</strong> fumo durante décadas estavam mais<br />
vermelhas e tenras...<br />
Até o cabelo e os pelos do corpo voltaram à cor loura dos velhos e bons<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
tempos.<br />
Tinha agora não só a aparência, mas a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> um jovem <strong>de</strong> 19 anos.<br />
Esta era a dádiva a que o misterioso humanói<strong>de</strong> naquela caverna se<br />
referia...<br />
Sentia um vigor que há muito não experimentava.<br />
Olhava para as próprias mãos e se indagava:<br />
-Como é possível?<br />
-Um milagre <strong>de</strong> Deus – foi a resposta que ouviu do estranho... – Só ele é<br />
capaz <strong>de</strong> fazer brotar do meio das pedras <strong>de</strong>sse mundo a Água Purificadora...<br />
Alex ficou em silêncio pois não acreditava em Deus.<br />
Ainda assim, enten<strong>de</strong>u ser melhor não dizer a seu salvador que era ateu<br />
para não <strong>de</strong>cepciona-lo já que este parecia bastante religioso.<br />
-Não se preocupe, Alex Randall. Não sou um fanático e compreendo a sua<br />
falta <strong>de</strong> fé. Eu já fui assim um dia...<br />
Nosso herói não podia acreditar. O tal sujeito ainda era telepata!<br />
-Me perdoe. Foi <strong>de</strong>selegante da minha parte. Não me intrometerei mais em<br />
seus pensamentos.<br />
-Tem uma vantagem sobre mim, senhor. Não sei quem é...<br />
-Sou Lemor. – Fez uma mesura. - Ao seu dispor...<br />
-Aon<strong>de</strong> estamos, Lemor?<br />
Estavam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma caverna iluminada com tochas acesas afixadas em<br />
suas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pedra escura e brilhante.<br />
O chão era <strong>de</strong> areia fofa e permitia que nosso atordoado herói<br />
permanecesse em posição confortável almejando até relaxamento e conforto.<br />
Ouvia um som forte, alto, constante e até incomodava um pouco que vinha<br />
cuja origem aparentemente estava bem distante dalí. Eram o <strong>de</strong> fortes ventos que<br />
castigavam aquele mundo..<br />
-Estamos em lugar seguro. – Foi a resposta <strong>de</strong> Lemor. Aqui po<strong>de</strong>remos<br />
esperar o término <strong>de</strong>ssa tempesta<strong>de</strong> e você então po<strong>de</strong>rá partir em paz...<br />
-E todas aquelas naves lá fora? O que aconteceu com seus tripulantes?<br />
-Mortos. Não tiveram tempo <strong>de</strong> beneficiar-se dos po<strong>de</strong>res da Água<br />
Purificadora...<br />
-Você disse que o ar <strong>de</strong>sse planeta está envenenado... Mas os meus<br />
instrumentos indicaram que ele não apresentava perigo...<br />
-Foi o que todos nós achamos antes <strong>de</strong> chegarmos. Esse povo tinha<br />
intenção <strong>de</strong> formar uma colônia e continuar o resto <strong>de</strong> suas vidas aqui. Um<br />
elemento presente no ar, imperceptível aos melhores sensores e purificadores,<br />
70
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
causou a morte que não poupou ninguém: só a mim.<br />
-Tem idéia do que permitiu a sua sobrevivência?<br />
-Minha fé. Des<strong>de</strong> que fui abençoado com a visão <strong>de</strong> Deus, nenhum mal<br />
mais acometeu minha saú<strong>de</strong>. Por outro lado, as provações que suporto tem sido<br />
imensas, já que <strong>de</strong>dico-me agora à pregação da palavra do senhor.<br />
Mesmo com a aparência um tanto mais jovem, as expressões <strong>de</strong> Alex<br />
Randall não <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> revelar uma total <strong>de</strong>scrença no que lhe era dito.<br />
Lemor podia perceber isso mesmo sem seus dons telepáticos.<br />
-Me permite contar como foi o momento mais iluminado <strong>de</strong> minha vida?<br />
Aquele que vi a luz divina <strong>de</strong> Deus? – Ou, como prefiro dizer : A MÃE<br />
CRIADORA DE TODAS AS COISAS<br />
Não havia muito o que fazer naquela situação.<br />
Nosso herói sacou do bolso um cachimbo, acen<strong>de</strong>u-o e abriu um amplo<br />
sorriso:<br />
-Como posso negar um pouco <strong>de</strong> atenção para quem me tirou o peso <strong>de</strong><br />
quase duas centenas <strong>de</strong> anos das costas?<br />
***<br />
A voz <strong>de</strong> Lemor era pausada e tranqüila.<br />
Transportou seu ouvinte, da caverna, para um período muito anterior àquele<br />
on<strong>de</strong> o narrador vivera outro momento, neste caso, como um senhor <strong>de</strong> guerra.<br />
Um período <strong>de</strong> tempo on<strong>de</strong> comandara uma gran<strong>de</strong> frota <strong>de</strong> naves militares<br />
completamente armadas capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegrar uma estrela.<br />
Estava a serviço <strong>de</strong> um império governado com mão <strong>de</strong> ferro por lí<strong>de</strong>res<br />
que não davam o menor valor para a vida alheia.<br />
Lemor era apenas mais um fiel servidor, porém, um <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, que<br />
cumpria suas or<strong>de</strong>ns sem discução.<br />
Porém, ao final <strong>de</strong> outra batalha on<strong>de</strong> encontrara a vitória a custa <strong>de</strong> muitas<br />
mortes inimigas, teve seu momento <strong>de</strong> iluminação.<br />
Do seu posto <strong>de</strong> comando, Lemor contemplava o caos causado por mais<br />
aquela guerra.<br />
Milhares <strong>de</strong> naves espaciais <strong>de</strong>stroçadas incendiando-se no meio da noite<br />
espacial, gritaria geral, disparos <strong>de</strong> armas, explosões, fumaça, cheiro <strong>de</strong><br />
combustível e gases tóxicos no ar...<br />
Tudo aquilo para ele era apenas mais um dia <strong>de</strong> rotina no trabalho.<br />
Até o momento que o negrume espacial ficou completamente iluminado,<br />
como se, um único raio tivesse aceso todo o infinito...<br />
71
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Ao redor <strong>de</strong> Lemor, o tempo pareceu congelar.<br />
Ninguém se movia, mesmo a fumaça no ar parecia parada <strong>de</strong>ntro daquele<br />
instante.<br />
Ainda não conseguia enten<strong>de</strong>r o que acontecia...<br />
Então, uma jovem apareceu ao seu lado.<br />
Era muito bonita e estava completamente nua.<br />
Tinha olhos negros e profundos, como se todo o cosmo estivesse no interior<br />
<strong>de</strong>les...<br />
Com uma doce e sensual voz, ela disse:<br />
-Sou a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS. Deste momento em<br />
diante, você <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> servir ao teu antigo senhor e somente a mim prestará<br />
contas. Deixa <strong>de</strong> briga e prega o amor entre os irmãos <strong>de</strong> todas as raças. Este é o<br />
caminho para mim.<br />
A jovem <strong>de</strong>sapareceu diante <strong>de</strong> seus olhos, mas, suas palavras não.<br />
Elas ainda pareceram ficar escritas em diversas cores ao redor por algum<br />
tempo...<br />
O fenômeno que congelava o tempo ao seu redor permanecia assim como<br />
um encantamento.<br />
Lemor tirou a armadura que vestia, abandonou o posto <strong>de</strong> comando e<br />
seguiu para o hangar on<strong>de</strong> estavam diversas naves..<br />
Embarcou num dos caças disponíveis e lançou-se ao espaço.<br />
Afastou-se da cena <strong>de</strong> guerra e do estilo <strong>de</strong> vida que até aquele momento<br />
levara.<br />
Depois disso, passou algum tempo isolado meditando e preparando-se para<br />
o futuro que levaria dali em diante.<br />
Quando voltou para o seu povo, <strong>de</strong>scobriu que o império para quem servira<br />
e que antes governava a tudo e todos com tirania e mão <strong>de</strong> ferro, tombara.<br />
No seu lugar, fora instaurada uma república.<br />
Naquele momento, Lemor enten<strong>de</strong>u que seu lado marcial agora estava<br />
morto e dali em diante, <strong>de</strong>dicaria a vida pregando as palavras da MÃE CRIADORA<br />
DE TODAS AS COISAS.<br />
***<br />
Utilizando-se do mesmo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> oratória que conduzia voluntários para a<br />
luta, o ex-lí<strong>de</strong>r militar agora arregimentava as massas para o caminho iluminado.<br />
Seu exército <strong>de</strong> fieis agora era muito superior àquele que um dia<br />
72
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
comandara visando somente a morte e <strong>de</strong>struição do inimigo.<br />
Gente <strong>de</strong> todas as classes sociais, saudáveis ou não, agra<strong>de</strong>cidos e<br />
<strong>de</strong>sesperados, os oprimidos, doentes, abandonados, etc..<br />
Todos os sofredores tinham lugar no novo exercito <strong>de</strong> Lemor.<br />
As belas palavras do gran<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r calavam a aflição <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> milhões<br />
<strong>de</strong> corações <strong>de</strong> seres <strong>de</strong> todos os cantos da galaxia.<br />
O crescimento do movimento se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> tal maneira que achou-se por bem<br />
que ele fosse levado e sediado num planeta on<strong>de</strong> os fieis pu<strong>de</strong>ssem viver<br />
tranqüilamente sem incomodar ou ser importunado por aqueles que não<br />
compartilhavam ou não eram atingidos pela palavra iluminada.<br />
E o mundo escolhido fora justamente aquele on<strong>de</strong> Alex Randall quase teve<br />
sua vida ceifada pela morte sorri<strong>de</strong>nte.<br />
Destino idêntico não tiveram os seguidores <strong>de</strong> Lemor que sucumbiram<br />
pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> chegar.<br />
O fim veio inclemente.<br />
Exceto para o ex-lí<strong>de</strong>r militar, que, amargurado com tamanha tragédia, quis<br />
viver seus últimos dias isolado do resto do universo.<br />
-Aquelas mortes me abateram muito mais que a dos meus companheiros<br />
que tombaram em batalha. Falhei diante da MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />
COISAS e dos meus seguidores. Não sou digno <strong>de</strong> prosseguir pregando a sua<br />
palavra ...<br />
***<br />
Não sabia se era o efeito do fumo num corpo ainda jovem, mas, as palavras<br />
<strong>de</strong> Lemor realmente haviam tocado o coração <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Por alguns instantes sentiu-se na pele daquele pregador cuja fé estava<br />
abalada.<br />
Era meio como que ficar órfão da noite para o dia ou talvez per<strong>de</strong>r um<br />
amigo...<br />
Tocou-se também com a historinha que lhe fora contada <strong>de</strong>vido às décadas<br />
que lhe foram subtraídas das costas.<br />
Tudo ali era um pouco místico e irreal...<br />
Tal atmosfera relembrou na mente <strong>de</strong> nosso herói antigas histórias da<br />
Terra:<br />
-Você sabe que não sou muito crente e tão pouco seguidor <strong>de</strong> qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> fé. Mas lembro-me das histórias <strong>de</strong> homens santos do meu mundo que<br />
<strong>de</strong>ram a própria vida em <strong>de</strong>fesa daquilo que acreditavam. Se estavam certos ou<br />
73
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
errados eu ignoro... O fato é que até o fim eles seguiram fortes na sua fé...<br />
Alex fez uma pausa e continuou...<br />
-Tenho certeza que estes também no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> suas caminhadas<br />
cometeram muitos equívocos e acredito até que em alguns casos tenham sido<br />
causadores indiretos <strong>de</strong> muitas mortes ao pregarem o que acreditavam. A guerra<br />
<strong>de</strong>les seria pouca coisa diferente daquela que você viveu nos seus dias <strong>de</strong><br />
soldado. As armas com certeza eram bem distintas, mas, em alguns casos, o<br />
resultado podia ser o mesmo....<br />
“Sua falha, apesar <strong>de</strong> causadora <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tragédia é <strong>de</strong>sculpável, pois,<br />
não foi intencional nem fruto <strong>de</strong> negligência...”<br />
Alex Randall interrompeu suas reflexões filosóficas e disse:<br />
-Quando sairmos daqui, te <strong>de</strong>ixo em algum mundo civilizado on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá<br />
voltar à vida normal...”<br />
Nem Alex Randall acreditou no que disse, já que não era dado a fazer tais<br />
tipos <strong>de</strong> discurso.<br />
Estranhou até a naturalida<strong>de</strong> e fluência com que falara tanta coisa...<br />
Mas o efeito em Lemor foi bastante positivo.<br />
Um brilho surgiu em seus olhos e algumas lágrimas até ensaiaram a saída<br />
para o choro.<br />
Respirou fundo e, nesse momento, cessou todo o barulho <strong>de</strong> ventania que<br />
parecia fustigar o exterior das pare<strong>de</strong>s daquela caverna.<br />
Lemor pegou uma garrafa transparente que estava ao seu lado, encheu-a<br />
com a Água Purificadora que havia naquele tranqüilo lago subterrâneo e entregouo<br />
para Alex Randall.<br />
-Leve-a consigo. No seu futuro você vai precisar <strong>de</strong>la novamente!<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada.<br />
-Pressinto um pouco <strong>de</strong> humor em suas palavras, Lemor. Será que você<br />
reencontrou a sua velha força para pregar e lutar?<br />
Lemor abriu um sorriso em meio a tanta barba espessa respon<strong>de</strong>ndo...<br />
-As palavras <strong>de</strong> um infiel trouxeram-me <strong>de</strong> volta ao caminho <strong>de</strong> Deus. Os<br />
exemplos dos homens santos a quem você se referiu me comoveram. Vejo<br />
claramente agora o meu <strong>de</strong>stino...<br />
-Que é ser santo? - Indagou ironicamente nosso herói...<br />
-Não! Na verda<strong>de</strong> é apenas o <strong>de</strong> pregar. Mas também posso dizer que no<br />
seu futuro, você um dia encontrará a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS ...<br />
Nesse momento um ruído <strong>de</strong> pedra sendo arrastada ecoou pela caverna,<br />
Nosso herói <strong>de</strong>sviou a sua atenção para a fonte daquele som e viu que se abrira<br />
uma saída on<strong>de</strong> era possível vislumbrar o céu azulado...<br />
74
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-E então, Lemor. Vem comigo?<br />
Alex Randall olhou para traz e surpreen<strong>de</strong>u-se...<br />
***<br />
As pare<strong>de</strong>s da caverna não eram mais brilhantes, as tochas estavam<br />
apagadas e o lago on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estar a Água Purificadora completamente seco.<br />
O misterioso eremita tão pouco estava mais lá...<br />
-Lemor..<br />
Alex Randall chamou varias vezes mas não obteve resposta.<br />
Dirigiu-se para a saída da caverna e <strong>de</strong>parou-se com um dia lindo e<br />
maravilhoso.<br />
A tempesta<strong>de</strong> havia limpado os céus.<br />
Vislumbrou a poltrona voadora semi enterrada no meio <strong>de</strong> tanta areia e<br />
também os <strong>de</strong>stroços do robô.<br />
Desenterrou a poltrona e conseguiu colocá-la para funcionar.<br />
O Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas surpreen<strong>de</strong>u-se com<br />
a recém adquirida juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alex Randall, mas, após alguns rápidos testes,<br />
convenceu-se <strong>de</strong> que aquele jovem era realmente quem dizia ser.<br />
Já sentado na poltrona, nosso herói com os recursos <strong>de</strong>la, tentou localizar<br />
Lemor.<br />
A resposta que obteve foi lacônica...<br />
-Não há o menor indício <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> seres humanos vivos num raio <strong>de</strong> cem<br />
quilômetros <strong>de</strong>ssa posição.<br />
lugar.<br />
-Ele certamente está escondido nas cavernas subterrâneas <strong>de</strong>sse mundo...<br />
Mal acabou <strong>de</strong> dizer isso, um forte terremoto começou a abalar aquele<br />
Todo o chão <strong>de</strong>sabou.<br />
A poltrona voadora saiu flutuando e o seu campo protetor esférico foi<br />
imediatamente ativado.<br />
As vibrações foram tão intensas que todo o horizonte, até on<strong>de</strong> a vista<br />
podia alcançar tremia visível e violentamente.<br />
As naves espaciais paradas umas ao lado das outras começaram a tombar<br />
e, no choque com o chão, ou, <strong>de</strong> umas com as outras, causavam explosões <strong>de</strong><br />
violento impacto.<br />
O terremoto era tão forte que, em pouquíssimo tempo soterrou todas não<br />
<strong>de</strong>ixando na superfície do planeta o menor indício da sua anterior existência ali.<br />
75
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Alguns minutos <strong>de</strong>pois, o silêncio total.<br />
Dos céus, flutuando sentado em sua poltrona voadora, Alex Randall não<br />
parava <strong>de</strong> se impressionar com as surpresas que a cada novo instante<br />
aconteciam..<br />
Olhando também para a garrafa da misteriosa Água Purificadora oferecida<br />
por Lemor, resolveu voltar para a astronave.<br />
Quem sabe, alí obtivesse algum relaxamento...<br />
***<br />
Confortavelmente sentado na central <strong>de</strong> comando enquanto saboreava seu<br />
cachimbo, Alex Randall não se conformava em não ter encontrado o menor sinal<br />
<strong>de</strong> Lemor ou mesmo do lago da Água Purificadora que simplesmente sumira<br />
daquele mundo.<br />
Também das espaçonaves soterradas pelo terremoto, não havia mais o<br />
menor sinal.<br />
Mesmo <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> terra, on<strong>de</strong> os sensíveis instrumentos do Viajante das<br />
Estrelas ainda <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>tectá-las, não apareciam nem davam sinais <strong>de</strong><br />
existência em lugar algum.<br />
Com mais indagações do que respostas, Alex Randall resolveu partir rumo<br />
ao profundo e <strong>de</strong>sconhecido espaço.<br />
Quando pensava no que acontecera, seu cérebro simplesmente se negava<br />
a acreditar nessa história, porém, <strong>de</strong>pois que se olhava no espelho, via com<br />
certeza que o seu miraculoso rejuvenescimento era agora um fato.<br />
***<br />
76
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
RELATÓRIO N.7 DE ALEX RANDALL<br />
Abriu os olhos e quando ia levar o cachimbo à boca percebeu que não era<br />
uma mão humana que o segurava, mas, a pata <strong>de</strong> inseto.<br />
Deu-se conta ainda, que os seus pensamentos lhe davam razoável<br />
controle daquele membro.<br />
Olhou o resto do corpo e <strong>de</strong>sconcertou-se com o que viu.<br />
Alex Randall se transformara num inseto.<br />
Num primeiro momento, foi impossível saber classificar <strong>de</strong> que tipo; nem<br />
mesmo, i<strong>de</strong>ntificar as razões que o levaram a tão estranha transformação.<br />
Num segundo momento, passou a agir instintivamente.<br />
Mor<strong>de</strong>u o chão rosado e brilhante on<strong>de</strong> se encontrava e começou a<br />
alimentar-se <strong>de</strong> um fluído vermelho que passava por <strong>de</strong>baixo daquela superfície.<br />
Era sangue!<br />
Só terminou a refeição <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> efetivamente matar a fome que o<br />
atormentava.<br />
Desnecessário dizer que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ingerir todo aquele <strong>de</strong>sjejum, o que<br />
mais <strong>de</strong>sejava era <strong>de</strong>scansar.<br />
Percebeu alguma coisa aproximando-se da sua direção e <strong>de</strong>u um salto<br />
quase cento e cinqüenta vezes superior à altura do seu corpo indo cair novamente<br />
noutra região com superfície rosada semelhante àquela on<strong>de</strong> estivera.<br />
Outra vez, alguma coisa aproximou-se muito rapidamente e o capturou.<br />
Eram dois <strong>de</strong>dos humanos gigantes que o apertavam.<br />
Felizmente, a pressão que estes exerciam sobre si não eram suficiente para<br />
esmagá-lo e, assim que o aperto foi afrouxado, habilmente <strong>de</strong>svencilhou-se<br />
saltando novamente...<br />
Percebeu então que a superfície rosada <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saltava era o corpo <strong>de</strong><br />
uma pessoa e, aquela pessoa era ele mesmo: Alex Randall.<br />
Seu último e <strong>de</strong>sgovernado salto levou-o para <strong>de</strong>ntro do cachimbo que o<br />
seu correspon<strong>de</strong>nte humano fumava naquele instante.<br />
O inseto caiu bem em cima <strong>de</strong> uma brasa acesa e queimou-se em menos<br />
<strong>de</strong> um segundo não restando qualquer resquício <strong>de</strong> seu corpo...<br />
***<br />
Abriu os olhos após uma rápida soneca..<br />
Coçou o pescoço que estava a ar<strong>de</strong>r.<br />
77
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Parecia te sido picado por algum inseto.<br />
Levou a mão ao local da mordida, mas, nada conseguiu pegar.<br />
O inseto, que parecia ser uma pulga, fugiu.<br />
Mas não foi muito longe.<br />
Terminou o salto no seu braço esquerdo.<br />
Com um rápido e preciso movimento, pegou o pequeno chupador <strong>de</strong><br />
sangue.<br />
Instintivamente apertou-o entre os <strong>de</strong>dos e quando foi verificar o resultado<br />
teve o dissabor <strong>de</strong> ver o bichinho escapar vivo com outro salto.<br />
Não <strong>de</strong>u para ver on<strong>de</strong> a pulga foi parar, mas, percebeu alguma coisa<br />
caindo <strong>de</strong>ntro do fornilho do seu cachimbo e, logo em seguida, ar<strong>de</strong>ndo num<br />
estalo acompanhado <strong>de</strong> pequena e rápida labareda <strong>de</strong> fogo.<br />
Lembrou em seguida do “sonho” que a poucos instantes tivera on<strong>de</strong> se via<br />
no corpo <strong>de</strong> uma pulga...<br />
Teria sido apenas um <strong>de</strong>lírio?<br />
Na eventual e muito remota hipótese daquela suposição ser realida<strong>de</strong>:<br />
-Como é que uma pulga po<strong>de</strong>ria circular solta a bordo do Viajante das Estrelas já<br />
que no seu interior, tudo era meticulosamente limpo e controlado.<br />
Micro-organismos, insetos e outros seres vivos, além do nosso herói, <strong>de</strong>ntro<br />
da astronave, não tinham a mesma liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção que este, já que,<br />
mesmo a menor <strong>de</strong>las, estava em ambiente controlado on<strong>de</strong> era constantemente<br />
monitorada.<br />
Mesmo no parque existente a bordo, as condições <strong>de</strong> segurança eram tão<br />
restritivas que qualquer micróbio alí existente não sairia dalí a<strong>de</strong>ntrando outros<br />
compartimentos da astronave.<br />
Teria realmente ocorrido a transferência dos seus pensamentos para o<br />
corpo <strong>de</strong> um inseto e <strong>de</strong>pois para o seu próprio novamente?<br />
Aquilo só po<strong>de</strong>ria ser sonho!<br />
Certamente, fruto das constantes e intermináveis cachimbadas que<br />
passava o tempo todo dando por aí.<br />
Se continuasse fumando direto, logo, certamente estaria vendo elefantinhos<br />
cor <strong>de</strong> rosa voando pelo espaço.<br />
Pelo bem da sua saú<strong>de</strong>, resolveu adotar uma rotina menos prejudicial on<strong>de</strong>,<br />
ampliaria os intervalos que passaria sem pitar, por um período adicional <strong>de</strong> trinta<br />
minutos.<br />
Esperaria assim po<strong>de</strong>r prosseguir com suas pesquisas e aventuras pelo<br />
espaço sem passar muito mal...<br />
Melhor ainda...<br />
78
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
“Para não seguir uma rotina excessivamente espartana, a tal ampliação da<br />
pausa seria <strong>de</strong> apenas vinte e cinco minutos...”<br />
“Mas...”<br />
“Pensando bem, talvez, vinte seria um número mais redondo para ser<br />
usado como referência num esforço pela saú<strong>de</strong>...”<br />
“E que tal quinze?”<br />
“Melhor <strong>de</strong>z.”<br />
“Quer saber mesmo? Cinco minutos a mais sem fumar e já é um tremendo<br />
esforço!”<br />
-Aos diabos! Essa história <strong>de</strong> pulga não passa <strong>de</strong> um sonho que sequer<br />
merece atenção. Tenho coisas mais importantes para pensar – Concluiu<br />
sabiamente nosso herói. – Na central <strong>de</strong> comando, mesmo um bichinho <strong>de</strong>sse,<br />
ainda que pequeno, jamais passaria <strong>de</strong>sapercebido pelos monitores do cérebro<br />
computadorizado.<br />
(Só para contrariar, uma coceirinha acompanhada <strong>de</strong> ligeiro inchaço na<br />
pele, incomodavam exatamente on<strong>de</strong> se teria ocorrido a hipotética mordida.)<br />
-Vou mais é manter o ritmo com o cachimbo aceso o tempo todo...<br />
...(ALUCINAÇÕES!)...<br />
***<br />
79
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.8 DE ALEX RANDALL<br />
E então os telescópios do Viajante das Estrelas captaram imagens <strong>de</strong> um<br />
fato extraordinário.<br />
Formas luminosas extremamente brilhantes similares a pingos esticados.<br />
Pelo seu comportamento, davam toda a impressão <strong>de</strong> serem criaturas vivas<br />
dotadas <strong>de</strong> inteligência...<br />
E não eram poucas.<br />
Formavam um imenso rio <strong>de</strong> aproximadamente 7 anos luz <strong>de</strong> cumprimento<br />
que movimentava-se pelo infinito frio e vazio espacial como um cardume.<br />
Um espetáculo sem igual que compensava os momentos <strong>de</strong> solidão que<br />
Alex Randall regularmente era obrigado a enfrentar na central <strong>de</strong> comando <strong>de</strong> sua<br />
astronave.<br />
Antes mesmo que sequer pensasse em chegar mais perto para registrar<br />
melhor o fato, percebeu a presença <strong>de</strong> outra nave espacial bem próxima às<br />
criaturas luminosas.<br />
Suas intenções eram claras e cristalinas!<br />
Estavam caçando, capturando e aprisionando os tais “peixinhos<br />
luminosos”.<br />
***<br />
Apreciando o que se sucedia, nosso herói estava com a cabeça nos mares<br />
da Terra.<br />
Mentalmente comparava a ativida<strong>de</strong> daqueles caçadores espaciais com as<br />
cenas <strong>de</strong> programas que eventualmente assistia, em que os barcos pescadores<br />
terráqueos saiam atrás <strong>de</strong> seus pescados em meio à condições inóspitas dos<br />
mares, com re<strong>de</strong>s gigantescas on<strong>de</strong>, as vidas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> criaturas marinhas<br />
eram arrastadas para a morte...<br />
Mesmo sabendo do risco <strong>de</strong> extinção que muitas espécies corriam com a<br />
simples presença <strong>de</strong> um simples barco pesqueiro representava nos mares da<br />
Terra; naquele caso, Alex Randall não pretendia interferir na situação que<br />
presenciava.<br />
Entendia que seu papel não era bancar o herói ou <strong>de</strong>fensor dos fracos<br />
oprimidos..<br />
Deixaria a natureza seguir o seu curso e apenas registraria os fatos sem<br />
meter o nariz on<strong>de</strong> não era chamado do mesmo modo que um documentarista ao<br />
80
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
registrar a vida animal na selva.<br />
Mesmo assim, para conseguir maior riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes nas imagens que<br />
pretendia capturar, teria <strong>de</strong> se aproximar daquele cenário.<br />
***<br />
Sem qualquer aviso, o Viajante das Estrelas materializou-se, próximo ao<br />
caminho por on<strong>de</strong> passava aquele imenso rio <strong>de</strong> seres luminosos.<br />
O visual alí era simplesmente fantástico e in<strong>de</strong>scritível.<br />
Relaxado e fumando, Alex Randal <strong>de</strong>leitava-se com tanta beleza.<br />
-Vamos registrar tudo! Em todos os ângulos, espectros <strong>de</strong> luminosida<strong>de</strong> e<br />
lentes possíveis.<br />
Diversas câmeras <strong>de</strong> variados tamanhos começaram a trabalhar<br />
incansavelmente..<br />
Os equipamentos da astronave obtinham dados não só daquelas criaturas e<br />
das características do local on<strong>de</strong> se encontravam, mas também, da nave<br />
“pescadora”.<br />
Rastreando todos os sinais que esta emitia, obtinha informações sobre sua<br />
tripulação, armamentos e até da arquitetura interna..<br />
Pelos resíduos dos propulsores podia <strong>de</strong>duzir o tipo <strong>de</strong> motor.<br />
Naquele caso, os cabos que conduziam os dados internamente não tinham<br />
uma blindagem muito boa e isso, permitia ao equipamento espião do Viajante<br />
das Estrelas, uma leitura <strong>de</strong> todos os acontecimentos que ali se <strong>de</strong>senrolavam.<br />
Foram captadas e obtidas até imagens das câmeras e microfones internos<br />
<strong>de</strong> segurança.<br />
A tripulação usava uma linguagem <strong>de</strong>sconhecida, mas suas atitu<strong>de</strong>s e<br />
expressões corporais tornavam claro o sentimento <strong>de</strong> apreensão que ali se<br />
generalizou assim que apareceu o Viajante das Estrelas.<br />
Tal era a tensão a bordo que, não passou muito tempo, foi <strong>de</strong>cidida a<br />
retirada sem que fosse feita qualquer i<strong>de</strong>ntificação ou contato.<br />
Alex Randall não se perturbou com a partida da outra nave, tanto que,<br />
ainda permaneceu atento aos fantásticos movimentos das criaturas luminosas por<br />
longo tempo até o cérebro computadorizado se manifestar com novida<strong>de</strong>s:<br />
-Foi feita a tradução <strong>de</strong> todas as comunicações naquela nave <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
momento em que a avistamos, até a sua partida .<br />
-O que <strong>de</strong>u para <strong>de</strong>scobrir?<br />
-Que se trata do que o mundo policial <strong>de</strong>finiria como uma típica nave <strong>de</strong><br />
contrabandistas e criminosos. Veja só:<br />
81
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Uma gran<strong>de</strong> imagem retangular formou-se do nada meio metro adiante do<br />
nosso herói..<br />
nave.<br />
O que se via alí era a vista panorâmica <strong>de</strong> toda a sala <strong>de</strong> comando da outra<br />
Seus tripulantes lembravam os galináceos da Terra. Só que, no lugar das<br />
penas das extremida<strong>de</strong>s das asas, tinham longos <strong>de</strong>dos móveis, e seus corpos<br />
eram revestidos com uma textura porosa e brilhante.<br />
-Comandante! – Cacarejou um <strong>de</strong>les. – Temos um intruso no setor.<br />
-Estamos recebendo imagens do interior do artefato intruso...<br />
Nos monitores da nave dos galináceos apareceu não só a imagem do<br />
Viajante das Estrelas, mas também, a <strong>de</strong> Alex Randall sentado em sua poltrona<br />
enquanto fumava na Central <strong>de</strong> Comando.<br />
Nosso herói ficou perplexo ao perceber que também pô<strong>de</strong> ser espionado<br />
pelas criaturas.<br />
Tal fato <strong>de</strong>monstrava que, a <strong>de</strong>speito do alto nível <strong>de</strong> tecnologia envolvido<br />
na segurança do Viajante das Estrelas, ela ainda po<strong>de</strong>ria ser ludibriada...<br />
A invasão dos galináceos no sistema interno <strong>de</strong> vigilância não foi a única<br />
coisa que surpreen<strong>de</strong>u o nosso herói:<br />
-Mas que ser horrendo. – Os galináceos comentavam.<br />
-Pavoroso!<br />
-Nunca vi nada tão feio em toda a minha vida.<br />
Eles estavam espantados com a aparência do nosso herói.<br />
-Nem o circo <strong>de</strong> horrores <strong>de</strong> Traloxom 7 aceitaria criatura tão asquerosa. -<br />
Cacarejou um <strong>de</strong>les para os outros.<br />
Até certo ponto, apesar do exagero daquelas afirmações, os frangos<br />
histéricos não estavam totalmente errados, afinal, Alex Randall já estava a algum<br />
tempo sem passar por um chuveiro e suas feições <strong>de</strong> marujo dos mares espaciais<br />
estavam assustadoras.<br />
-Senhor! O intruso está pesadamente armado! Num confronto, nossas<br />
chances seriam...<br />
-Vamos dar o fora daqui! - Or<strong>de</strong>nou aquele que parecia o comandante<br />
para os seus subordinados. - Numa outra oportunida<strong>de</strong> caçaremos esses bichos...<br />
A tradução das imagens captadas terminou por aí.<br />
Os projetores então mostraram a nave dos galináceos contrabandistas<br />
partindo.<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u mais algumas tragadas no cachimbo e pôs-se a pensar...<br />
-Criminosos e covar<strong>de</strong>s são iguais em qualquer parte do universo! Só<br />
atuam quando estão em superiorida<strong>de</strong>...<br />
82
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
“Mas isso não me interessa, não estou aqui para julgá-los”<br />
Coçou o queixo e ficou olhando os exaustores que, apesar <strong>de</strong> trabalharem<br />
à plena potência, não davam conta do volume <strong>de</strong> fumaça que saia do cachimbo.<br />
Muito longe <strong>de</strong> se preocupar com algumas das saudáveis conseqüências<br />
<strong>de</strong> tanto fumo; Alex Randall voltou a contemplar a infindável quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
criaturas brilhantes.<br />
Um ser <strong>de</strong> cor prateada com dois metros <strong>de</strong> altura muito semelhante a um<br />
marimbondo terrestre separou-se do meio do extenso rio vivo..<br />
Aproximou-se do casco da astronave, e vibrou seu corpo em alta<br />
velocida<strong>de</strong> até ficar quase invisível aos olhos humanos.<br />
Em seguida, penetrou a blindagem do Viajante das Estrelas como se fosse<br />
um fantasma passando pelas pare<strong>de</strong>s.<br />
Pouco tempo <strong>de</strong>pois, materializou-se bem adiante <strong>de</strong> Alex Randall...<br />
***<br />
-Sua presença aqui evitou que milhares <strong>de</strong> vidas fossem exterminadas.<br />
O som daquela voz manifestou-se no interior da cabeça <strong>de</strong> nosso herói.<br />
Certamente, estava recebendo uma mensagem telepática da misteriosa<br />
forma <strong>de</strong> vida.<br />
-Os seres brilhantes que você vê, Alex Randall, são meus filhos. Sua<br />
intervenção evitou a morte <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>les.<br />
-Não quero mentir. – Disse nosso herói em voz alta. - Mas, a evasão<br />
daqueles que atacaram sua família foi mera casualida<strong>de</strong>. Eu não vim para cá com<br />
nenhuma intenção <strong>de</strong> interferir nos fatos e...<br />
-Sua presença nos salvou! Preciso agra<strong>de</strong>cer-lhe!<br />
Dizendo isso, o curioso marimbondo abaixou a sua parte traseira em<br />
direção ao chão e começou a cagar.<br />
-Não faça isso! Reclamou nosso herói.<br />
-Estou lhe agra<strong>de</strong>cendo! Foi a resposta.<br />
O bicho cagava rápido <strong>de</strong>mais. Soltava pelo cú fezes redondas como bolas<br />
<strong>de</strong> tênis <strong>de</strong> coloração cinza chumbo.<br />
Em poucos minutos, sabe-se lá como, aquela criatura <strong>de</strong>fecou<br />
aproximadamente umas vinte mil bolinhas idênticas àquela e terminou com um<br />
sonoro peido que respingou um mal cheiroso caldo ver<strong>de</strong> por todo o lugar.<br />
-O odor logo vai passar, amigo! Então, eles estarão prontos para ser<br />
consumidos.<br />
83
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Consumidos?<br />
-Você po<strong>de</strong>rá usá-las. Mas lembre-se: nunca mais do que uma por vez.<br />
-E por acaso tenho eu cara <strong>de</strong> quem come merda? Perguntou Alex Randall<br />
indignado com o estranho presente.<br />
-Não é uma bosta qualquer. É por causa <strong>de</strong>la que eu e meus filhos somos<br />
perseguidos. Quem a consome abre portas para outras dimensões...<br />
Nosso herói foi surpreendido por aquela inesperada resposta e não soube o<br />
que fazer...<br />
Terminada a caganeira animal, o estranho inseto agra<strong>de</strong>ceu mais uma vez,<br />
<strong>de</strong>spediu-se vibrando intensamente e voltou para junto dos numerosos filhos em<br />
sua jornada pelas estrelas.<br />
Alguns momentos <strong>de</strong>pois, o brilho daquelas criaturas aumentou <strong>de</strong><br />
intensida<strong>de</strong>, chegando mesmo a um nível extraordinário e então, <strong>de</strong> modo súbito e<br />
inexplicável todas <strong>de</strong>sapareceram.<br />
Os sensores do Viajante das Estrelas já não as captavam mais em lugar<br />
algum.<br />
Alex Randall estava sozinho com um monte <strong>de</strong> merda fedorenta para limpar<br />
na central <strong>de</strong> comando.<br />
***<br />
O cheiro logo não perturbou mais nosso herói, mas sim a sua curiosida<strong>de</strong>.<br />
Será que eram verda<strong>de</strong>iras as afirmações daquele inseto?<br />
Haveria mesmo uma real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conhecer outras dimensões<br />
simplesmente consumindo aquelas bolas cinzentas?<br />
De qualquer forma, a limpeza na central <strong>de</strong> comando era fundamental e<br />
exigia rapi<strong>de</strong>z.<br />
Logo, diversos tipos <strong>de</strong> robôs apareceram e <strong>de</strong>ram início a uma faxina lá<br />
<strong>de</strong>ntro.<br />
Os exaustores conseguiram limpar o ar.<br />
-Quero esse material todo guardado para posterior análise. Deve ser<br />
preservado da melhor maneira possível<br />
Os robôs analisaram a consistência daquela bosta e verificaram que as<br />
bolinhas eram suficientemente sólidas para permitir que fossem empilhadas sem<br />
sofrer <strong>de</strong>formações.<br />
Logo centenas <strong>de</strong> embalagens plásticas foram trazidas para permitir um<br />
armazenamento a<strong>de</strong>quado.<br />
Ali mesmo, vendo que o manuseio daquele material ocorria sem problemas,<br />
84
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
nosso herói vestiu uma luva e pegou uma das bolinhas.<br />
Aproximou-a do nariz e analisou o seu cheiro.<br />
Parecia alimento cozido... E não tinha odor ruim... Pelo contrário, parecia<br />
até bom.<br />
Será que aquilo era realmente comestível?<br />
Cheirou mais uma vez, apertou a bolinha com os <strong>de</strong>dos.<br />
Tentado, já que, até estava com um pouco <strong>de</strong> fome e, seu horário <strong>de</strong><br />
refeição estava próximo, tocou rapidamente com a ponta da língua aquele cocô <strong>de</strong><br />
inseto...<br />
Pela rápida sensação, o sabor não parecia ser ruim.<br />
Repetiu o feito novamente, <strong>de</strong>ssa vez tocando a bolinha com uma parte<br />
maior da língua...<br />
-Humm... Não é mau.<br />
Olhou corajosamente para a bolinha e tomou uma <strong>de</strong>cisão.<br />
-O que não mata engorda...<br />
Deu uma mordida e mastigou lenta e cautelosamente aquele negócio.<br />
O sabor era bom, ou melhor, ótimo.<br />
Talvez, a melhor iguaria que já tivera o prazer <strong>de</strong> saborear em sua vida...<br />
Comeu todo o resto da bolinha...<br />
Era uma <strong>de</strong>lícia mesmo, no teste do paladar, já estava aprovada.<br />
Logo porém <strong>de</strong>scobriu que aquela iguaria não tinha como único objetivo<br />
saciar a fome <strong>de</strong> quem a consumisse...<br />
Olhou para o alto e viu algo inacreditável: tudo ao seu redor começou a<br />
<strong>de</strong>rreter <strong>de</strong> cima para baixo num movimento contínuo.<br />
A transformação mudou o espaço a sua volta.<br />
Ainda sentia a estranha comida sendo digerida e seu corpo continuava o<br />
mesmo, mas, todo o resto com exceção <strong>de</strong> suas roupas e, do velho e bom<br />
cachimbo, não!<br />
Agora não estava mais no Viajante das Estrelas.<br />
Disso tinha certeza.<br />
Estava num lugar diferente <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>pendência existente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
sua astronave.<br />
Parecia mais ser uma casa.<br />
Haviam duas janelas, uma porta e um cômodo anexo que <strong>de</strong>veria ser o<br />
banheiro.<br />
Pela mobília existente, tudo indicava que naquele local, <strong>de</strong>veria ser<br />
realizada alguma ativida<strong>de</strong> ligada à <strong>de</strong>senho. As mesas estavam cheias <strong>de</strong> papéis<br />
85
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
rabiscados com diversos tipos <strong>de</strong> lápis e canetas espalhadas em suas superfícies,<br />
além <strong>de</strong> réguas e borrachas.<br />
Estantes <strong>de</strong> livros com as prateleiras forradas por diversos títulos <strong>de</strong> arte e<br />
fantasia, além <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> revistas em quadrinhos reforçavam o caráter do tipo<br />
<strong>de</strong> trabalho que eventualmente era feito alí.<br />
Não parecia ser um ambiente <strong>de</strong> alta tecnologia como aquele em que vivia<br />
na sua astronave.<br />
Pelo contrário, alí <strong>de</strong>ntro haviam velharias do século XX tais como: um<br />
velho rádio transistorizado à pilha e até computador da mesma época.<br />
Nosso herói sentia-se num museu holográfico artificial on<strong>de</strong> podia interagir<br />
com elementos e situações gerados graças aos po<strong>de</strong>rosos recursos da informática<br />
Analisou cada <strong>de</strong>talhe do local tentando sentir toda textura e aroma<br />
perceptível como que, se <strong>de</strong>sejasse encontrar alguma falha que <strong>de</strong>nunciasse a<br />
inexatidão do que estava vivendo.<br />
Nada disso lhe saltou aos olhos.<br />
Nas pare<strong>de</strong>s, estavam afixados cartazes com algumas das formações<br />
campeãs do Corinthians Futebol Clube.<br />
Com toda certeza, quem quer que alí <strong>de</strong>ntro vivesse ou trabalhasse<br />
aparentava ser um torcedor fanático pois, ca<strong>de</strong>rnos, bonés, camisetas e outros<br />
itens com o logotipo <strong>de</strong>ste time podiam ser encontrados espalhados em toda<br />
parte...<br />
Por mera curiosida<strong>de</strong>, abriu um <strong>de</strong>sses ca<strong>de</strong>rnos e espantou-se com o que<br />
encontrou escrito alí <strong>de</strong>ntro.<br />
Entre diversos garranchos, rabiscos e linhas mal feitas, encontrou redigidos<br />
à mão<br />
“MEMORIAIS DE ALEX RANDALL”.<br />
Era simplesmente impressionante!<br />
***<br />
As narrativas <strong>de</strong>scritas naquelas linhas batiam em todos os <strong>de</strong>talhes com<br />
os acontecimentos que suce<strong>de</strong>ram-se <strong>de</strong>pois que saíra em viagem a bordo do<br />
Viajante das Estrelas.<br />
Absorto na leitura daquelas mal escritas linhas, tomou um belo susto<br />
quando alguém berrou no seu ouvido:<br />
-Quem é o senhor e o que está fazendo aqui?<br />
Seus tímpanos quase foram furados com aquele grito...<br />
Olhou para o sujeito que lhe fizera a pergunta <strong>de</strong> modo tão educado.<br />
86
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Era atarracado, baixinho, barrigudo e com pouco cabelo na parte superior<br />
da cabeça. Estava com os olhos vermelhos e tinha um mau hálito terrível...<br />
Diante <strong>de</strong> uma criatura tão medonha, nosso herói foi logo respon<strong>de</strong>ndo:<br />
-Sou Alex Randall, o sujeito sobre quem tratam estas folhas.<br />
Lentamente acen<strong>de</strong>u o seu cachimbo e fumou soltando volumosas colunas<br />
<strong>de</strong> fumaça...<br />
-...Fumo cachimbo! Sou eu mesmo! Não há outro igual!<br />
Tomou um soco no queixo que o colocou para dormir.<br />
Antes <strong>de</strong> apagar completamente teve tempo <strong>de</strong> ouvir:<br />
-Pateta! Não <strong>de</strong>i or<strong>de</strong>m para fumar aqui <strong>de</strong>ntro!<br />
-Nome!<br />
-Fernando.<br />
-Profissão!<br />
***<br />
-Desenhista, fotógrafo e escritor <strong>de</strong> horas vagas.<br />
-Relate os fatos!<br />
-Eu estava escrevendo uma história <strong>de</strong> ficção científica quando fui ao<br />
banheiro. Fiz lá o que tinha <strong>de</strong> fazer e, quando voltei encontrei esse cara fuçando<br />
nas minhas coisas. Pedi para se i<strong>de</strong>ntificar e ele disse que era um dos<br />
personagens que inventei nos meus romances.<br />
-Como é?<br />
-O sujeito <strong>de</strong>ve ter lido meus manuscritos e veio com essa história idiota. Aí<br />
ele acen<strong>de</strong>u o cachimbo e começou a fumar sem nem pedir autorização...<br />
-Foi então que o senhor o agrediu!<br />
-Exatamente! Ele estava empesteando o ambiente com toda aquela<br />
fumaceira. Não <strong>de</strong>u para agüentar! Meti a mão mesmo!<br />
-Meteu a mão e o sujeito está alí prostrado agora!<br />
Nem bem terminou <strong>de</strong> falar isso e Alex Randall, que estava <strong>de</strong>itado logo<br />
acordou.<br />
Ainda aparentava estar atordoado com o murro que levara.<br />
-E o senhor quem é?<br />
Um pouco abestalhado, olhou para o sujeito que o interrogava. Tinha pinta<br />
<strong>de</strong> ser um daqueles <strong>de</strong>legados ou investigadores dos velhos filmes policiais do<br />
século XX ou XXI...<br />
-Não ouviu o que eu perguntei?<br />
87
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Coçando o queixo, respon<strong>de</strong>u:<br />
-Meu nome é Alex Randall. Sou viajante e estava <strong>de</strong> passagem. Fui parar<br />
no lugar errado. Só isso! Peço que me <strong>de</strong>sculpem se causei algum incômodo.<br />
-Olha’í! Não tô falando? Ele está se i<strong>de</strong>ntificando como o personagem que<br />
criei no meu livro <strong>de</strong> ficção científica.<br />
Percebendo o sujeito que tinha pinta <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> que, talvez aquele caso<br />
não fosse coisa grave, perguntou ao senhor Fernando:<br />
-O indivíduo roubou alguma coisa do seu estúdio?<br />
-Não!<br />
-Ele o atacou ou mesmo, lhe ofen<strong>de</strong>u?<br />
-Também não!<br />
-Então nada posso fazer... E se ele for mesmo quem diz ser?<br />
O escritor ficou perplexo diante da pergunta.<br />
Naquele momento seu cérebro chegou até a consi<strong>de</strong>rar viável tal<br />
possibilida<strong>de</strong> mesmo porquê, para um autor <strong>de</strong> ficção científica nada é impossível.<br />
-O senhor vai querer fazer um boletim <strong>de</strong> ocorrência? Este fato não dá nem<br />
falsida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica.<br />
-Nem isso?<br />
Naquela pergunta havia um certo <strong>de</strong>sapontamento.<br />
Fez um gesto com as mãos como se quisesse afastar o caso.<br />
-Então <strong>de</strong>ixa para lá.<br />
Despediu-se em seguida e partiu.<br />
Alguns instantes <strong>de</strong> silêncio <strong>de</strong>pois, Alex Randall rompeu o mutismo e<br />
perguntou:<br />
-Posso sair?<br />
-O senhor é mesmo quem diz ser? Um personagem <strong>de</strong> ficção científica?<br />
-Não me julgo um personagem, sr. Sou uma pessoa como outra qualquer.<br />
Apenas costumo viajar por lugares diferentes do comum... E po<strong>de</strong> ficar tranqüilo<br />
que não menti com relação à minha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>...<br />
A autorida<strong>de</strong> olhou com ar <strong>de</strong> pouco caso para o nosso herói, apontou com<br />
o <strong>de</strong>dão a porta <strong>de</strong> saída para a rua e disse:<br />
-Cai fora! E vê se não me aparece mais aqui! Tenho bandidos para pren<strong>de</strong>r<br />
e não fanáticos por novelas <strong>de</strong> fantasia para aguentar.<br />
Nosso herói saiu rapidamente da sala.<br />
***<br />
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Na calçada da rua, os olhos <strong>de</strong> Alex Randall não suportaram a luz do dia,<br />
afinal, já fazia nem sabia quanto tempo, que não ficava exposto ao ar livre da<br />
atmosfera <strong>de</strong> algum planeta habitável.<br />
Alguns minutos <strong>de</strong>pois, parecia estar melhor adaptado à clarida<strong>de</strong> diurna.<br />
Foi então que apareceu o escritor novamente...<br />
-Ei cara! Me <strong>de</strong>sculpe pelo nocaute. Acho que na hora fiquei meio nervoso!<br />
Alex Randall esticou a mão para o escritor e cumprimentou-o dizendo:<br />
-Tudo bem! Não me quebrou nenhum <strong>de</strong>nte!<br />
***<br />
À convite do senhor Fernando, os dois foram para um <strong>de</strong>sses tradicionais<br />
botecos <strong>de</strong> esquina on<strong>de</strong> ficaram bebendo cachaça com açúcar e limão: a<br />
tradicional caipirinha brasileira.<br />
A conversa e a pinga rolaram alegres e tranqüilas durante várias horas com<br />
o escritor já aceitando sem problemas o homem que estava à sua frente como<br />
verda<strong>de</strong>ira encarnação do seu personagem <strong>de</strong> ficção.<br />
-Fico imaginando quantos autores teriam oportunida<strong>de</strong> idêntica à essa...<br />
Poucos! Só os biógrafos <strong>de</strong> sorte, já que, tem caso <strong>de</strong> biografado que, além <strong>de</strong><br />
não ajudar no trabalho, atrapalha na hora da publicação.<br />
-Entendo o que diz e sou obrigado a concordar, mas, ainda assim não me<br />
julgo personagem <strong>de</strong> romance. Minha vida segue como a <strong>de</strong> qualquer pessoa.<br />
O escritor consentiu com a cabeça, suspirou e tomou alguns goles da sua<br />
bebida...<br />
-Ainda assim, sou um privilegiado entre os escritores. Mas agora me diga:<br />
como você entrou no meu estúdio? Eu sempre <strong>de</strong>ixo as janelas e portas fechadas.<br />
Naquele momento é assim que elas estavam.<br />
Alex Randall sorriu e contou todos os acontecimentos que se <strong>de</strong>senrolaram<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que involuntariamente salvara as criaturas luminosas até a sua misteriosa<br />
chegada ao estúdio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho.<br />
-Puxa! Manifestou-se o escritor após ouvir tão maluca narrativa. Ainda não<br />
escrevi história assim. Você me <strong>de</strong>u algumas idéias.<br />
Nosso herói agra<strong>de</strong>ceu, sorriu, bebericou um pouco <strong>de</strong> seu copo <strong>de</strong><br />
caipirinha e acen<strong>de</strong>u o tradicional cachimbo...<br />
-Não vai me bater agora por fumar, vai?<br />
-Claro que não! É que a minha mãe havia limpado o estúdio pouco tempo<br />
antes da sua chegada e, se ela percebesse cheiro <strong>de</strong> fumo lá <strong>de</strong>ntro, quem iria<br />
levar porrada seria eu.<br />
89
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada.<br />
Sua risada porém não durou muito tempo, pois logo, entraram sem aviso<br />
no boteco, dois garotos <strong>de</strong> armas em punho gritando:<br />
-Mão na cabeça todo mundo que é assalto!<br />
Com uma rapi<strong>de</strong>z assombrosa, os dois foram revistando todos alí <strong>de</strong>ntro e<br />
tomando seus valores.<br />
Na vez <strong>de</strong> Alex Randall nada encontraram que pu<strong>de</strong>sse ser levado...<br />
-Num têm nada vai morrê!<br />
Dizendo isso, um <strong>de</strong>les efetuou três disparos praticamente à queima roupa<br />
contra nosso herói que instintivamente se encolheu fechando os olhos <strong>de</strong> pavor...<br />
***<br />
Quando os abriu novamente, encontrou-se <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando<br />
do Viajante das Estrelas são e salvo.<br />
Lá <strong>de</strong>ntro, aparentemente nada tinha se alterado!<br />
Com um breve relance <strong>de</strong> olhos verificou a situação percebendo que a<br />
astronave permanecia inerte no mesmo ponto do espaço em que estivera <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que o misterioso marimbondo prateado a havia invadido.<br />
Passou a mão pelo corpo e percebeu que não havia sido atingido pelos<br />
tiros que foram efetuados contra si.<br />
Ainda estava bem vivo!<br />
Deu algumas furiosas tragadas no inseparável cachimbo, acalmou-se um<br />
pouco e pôs-se a refletir...<br />
Teria viajado realmente para outra dimensão ou aquele seria um efeito<br />
alucinógeno causado por aquela coisa no organismo?<br />
Indagou então em voz alta:<br />
– Eu cheguei a sumir do interior <strong>de</strong>sta nave por alguns instantes?<br />
-Negativo! - Foi a resposta do Cérebro Computadorizado.<br />
Alex Randall reviu a filmagem feita pelas câmeras internas que o<br />
mostravam imóvel, com os olhos fixos em algum lugar distante logo após comer<br />
aquela coisa estranha.<br />
Apesar da comprovação <strong>de</strong> sua alucinação, ainda tinha a sensação <strong>de</strong> que<br />
a experiência vivida fora um tanto real para ser assim <strong>de</strong>scartada.<br />
Uma dúvida estava lhe martelando o cérebro:<br />
-Sou apenas um personagem <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong> ficção científica? Não. Acho<br />
que não. Esse fato só ocorreu mesmo na minha cabeça. Viagens inter-<br />
90
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
dimensionais são possíveis. O Viajante das Estrelas po<strong>de</strong> realizá-las graças aos<br />
meios tecnológicos <strong>de</strong> que dispõe. Todavia, por mais que os po<strong>de</strong>res da mente<br />
humana tenham evoluído nos últimos séculos, a realização <strong>de</strong> tal tipo <strong>de</strong> jornada<br />
com base unicamente neste tipo <strong>de</strong> recurso ainda seria praticamente impossível.<br />
Intrigado <strong>de</strong>vido aos acontecimentos pelos quais tinha passado, nosso herói<br />
pôs-se a pensar em problemas diferentes:<br />
-Vou é ajudar no monitoramento do termino da limpeza da central <strong>de</strong><br />
comando. Em outra oportunida<strong>de</strong> consumirei mais uma bolinha <strong>de</strong>ssas para tirar<br />
a dúvida...<br />
***<br />
ALGUMAS LINHAS ESCRITAS POR UM AUTOR DESTA DIMENSÃO<br />
Conheci um sujeito chamado Alex Randall.<br />
Ele se dizia uma criação minha!<br />
Como num <strong>de</strong>sses casos raros em que se vê nos filmes e contos <strong>de</strong><br />
fantasia on<strong>de</strong> criador e criatura se encontram.<br />
Não é bem um relacionamento entre um pai e filho, mas, <strong>de</strong> certa forma,<br />
também não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser.<br />
No início, não acreditei que fosse verda<strong>de</strong>, mas, o cara estava alí. Real<br />
exatamente como o <strong>de</strong>screvi.<br />
Claro que o meu bom senso me disse que o sujeito <strong>de</strong>veria ser apenas um<br />
<strong>de</strong>sconhecido que, <strong>de</strong> algum modo ficou sabendo e leu meu romance para <strong>de</strong>pois,<br />
por uma birutice qualquer, querer personificar o protagonista <strong>de</strong>le.<br />
Mas como isso po<strong>de</strong>ria ter acontecido?<br />
Tratava-se <strong>de</strong> um trabalho ainda inédito, em revisão e que apenas duas ou<br />
três pessoas leram as versões <strong>de</strong> revisão.<br />
A todo momento me indagava:<br />
-De on<strong>de</strong> teria saído esse sujeito?<br />
Por isso e pelo fato <strong>de</strong>le estar empesteando o meu estúdio com aquele<br />
fumo fedorento é que acertei a muca no queixo <strong>de</strong>le.<br />
[Também quis <strong>de</strong>scontar a namorada (ex-leitora dos meus trabalhos<br />
literários) que perdi anteriormente por conta do fato <strong>de</strong>le, personagem, ser melhor<br />
que eu, medíocre escritor.]<br />
O problema foi quando o <strong>de</strong>legado levantou a lebre:<br />
-E se o sujeito realmente fosse quem dizia ser?<br />
91
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Ora, um <strong>de</strong>legado aventando a possibilida<strong>de</strong> do irreal se tornar realida<strong>de</strong><br />
era coisa rara e tal fato eu não po<strong>de</strong>ria ignorar.<br />
Comecei a acreditar que o personagem se tornara real e, quando o<br />
reencontrei, convi<strong>de</strong>i-o até para tomar algumas caninhas por minha conta.<br />
A hora que eu estava começando a gostar do cidadão apareceram aqueles<br />
bandidos malditos querendo <strong>de</strong>penar todo mundo.<br />
Um <strong>de</strong>les atirou no figura...<br />
Então, as coisas ficaram engraçadas...<br />
Não sei direito pois, assim como os outros freqüentadores do bar, todos<br />
estávamos muito bêbados, portanto, mais para lá do que para cá.<br />
Alex Randall <strong>de</strong>sapareceu no ar! Evaporou! Escafe<strong>de</strong>u-se!<br />
Os bandidos ficaram assustados e saíram correndo sem nem levar nada<br />
dos pretendidos produtos do roubo.<br />
Restou um bando <strong>de</strong> bêbados olhando dois buracos <strong>de</strong> bala na ca<strong>de</strong>ira e<br />
um na pare<strong>de</strong>.<br />
Ninguém compreen<strong>de</strong>u nada!<br />
Fiquei com um ligeiro entendimento <strong>de</strong> tudo o que havia ou po<strong>de</strong>ria ter<br />
acontecido, mas, eu estava bêbado <strong>de</strong>mais para concordar com uma teoria tão<br />
fantasiosa saída do meu próprio cérebro.<br />
Ignorava se tudo que havia passado era verda<strong>de</strong> ou não, mas, tinha certeza<br />
<strong>de</strong> que aqueles disparos não foram dados para o ar, afinal, os bandidos haviam<br />
atirado justamente porquê o meu personagem não carregava nada <strong>de</strong> valor.<br />
De qualquer forma, apesar <strong>de</strong> não ter sido assaltado pelos criminosos,<br />
acabei tendo <strong>de</strong> pagar duas garrafas <strong>de</strong> pinga na hora <strong>de</strong> fechar a conta, uma eu<br />
bebi, a outra quem teria bebido seria Alex Randall. Mas... Será que ele estivera<br />
mesmo alí?<br />
Por fim, novamente me perguntava:<br />
-De on<strong>de</strong> teria saído tão estranho sujeito? Das páginas do romance?<br />
***<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.9 DE ALEX RANDALL<br />
Sentado na confortável e anatômica poltrona, Alex Randall fumava<br />
tranqüilamente seu cachimbo soltando espessa cortina <strong>de</strong> fumaça que, além <strong>de</strong><br />
empestear todo o ambiente forçava os exaustores a trabalharem no máximo <strong>de</strong><br />
sua capacida<strong>de</strong> já que nosso herói poluía mais que as antigas chaminés<br />
industriais do século XIX.<br />
Sob os efeitos da erva que queimava, relaxava ouvindo uma música e<br />
observando as diversas imagens tridimensionais projetadas diante <strong>de</strong> si que lhe<br />
traziam todo tipo <strong>de</strong> informação a respeito do que acontecia <strong>de</strong>ntro e fora da<br />
astronave.<br />
As câmeras e os potentes telescópios controlados pelo cérebro<br />
computadorizado do Viajante das Estrelas, focavam suas po<strong>de</strong>rosas lentes em<br />
sóis, estrelas e galáxias distantes.<br />
Com um olhar afiado pouco comum à maioria das pessoas, percebeu<br />
interessantes movimentos e oscilações num setor do espaço on<strong>de</strong> tudo parecia<br />
calmo e sossegado. E ali colocou sua atenção.<br />
Aproximou a imagem e aumentando os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>la percebeu que nela<br />
aparecia um cometa prateado e seu vôo era um tanto irregular no <strong>de</strong>senho do<br />
trajeto.<br />
De-repente, como se tivesse percebido que estava sendo observado, o<br />
curioso objeto espacial mudou novamente <strong>de</strong> rota e, a uma velocida<strong>de</strong><br />
assombrosa, veio em direção da astronave.<br />
Se aquela rota fosse mantida, uma colisão certamente ocorreria.<br />
Antes mesmo que qualquer reação pu<strong>de</strong>sse ser esboçada, estacionou a<br />
menos <strong>de</strong> um metro da superfície externa do Viajante das Estrelas<br />
Era um humanói<strong>de</strong> careca, seminu, que estava <strong>de</strong> pé numa prancha <strong>de</strong><br />
surf. Ambos tinham superfície espelhada e muito brilhante.<br />
O cara não usava roupa que o ajudasse a sobreviver aos rigores do frio do<br />
espaço, ou mesmo, qualquer outro tipo <strong>de</strong> aparelho que lhe facilitasse a tarefa<br />
nesse sentido...<br />
Apenas ele e a prancha flutuando no meio do nada.<br />
Por alguns segundos, ou talvez, nem isso, nosso herói ainda se indagou se<br />
os seus miolos estariam lhe pregando algumas peças <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantas viagens<br />
solitárias.<br />
-Quem é esse cara? Perguntou Alex Randall...<br />
A voz feminina do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas<br />
respon<strong>de</strong>u:<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Informação ainda indisponível.<br />
Dando po<strong>de</strong>rosas tragadas no cachimbo, nosso herói observou<br />
atentamente o sujeito misterioso através das câmeras externas.<br />
Tão estranho personagem olhava o Viajante das Estrelas com um certo ar<br />
<strong>de</strong> arrogância, como que, se dizendo que toda aquela tecnologia não lhe<br />
impressionava.<br />
Assim tão rapidamente como apareceu, aquela figura partiu, sem nada<br />
dizer ou fazer...<br />
Num movimento instintivo, Alex Randall acionou alguns comandos no painel<br />
do braço da sua confortável poltrona pondo a astronave em ação.<br />
-Vamos atrás <strong>de</strong>sse sujeito! Gostaria <strong>de</strong> conhecê-lo melhor.<br />
De uma momento para outro o Viajante das Estrelas saiu <strong>de</strong> sua posição<br />
estática no espaço passando para altíssima velocida<strong>de</strong> tentando se aproximar<br />
daquela criatura.<br />
Coçando o queixo enquanto observava os anéis <strong>de</strong> fumaça exalados pelo<br />
seu cachimbo, nosso herói se indagava...<br />
-On<strong>de</strong> já terei visto tão singular personagem? É como que se o seu nome<br />
me saltasse à língua à qualquer instante.<br />
Em pouco tempo, o Viajante das Estrelas alcançou o sujeito...<br />
Mais uma vez, ele tentou se afastar da astronave, mas, apesar do esforço,<br />
não conseguia superá-la em velocida<strong>de</strong>.<br />
Na sala <strong>de</strong> comando, exalando agora através <strong>de</strong> seu cachimbo, anéis <strong>de</strong><br />
fumaça que tornavam o ar cada vez mais espesso, nosso herói se indagava como<br />
po<strong>de</strong>ria fazer contato com aquela criatura da maneira mais cordial possível...<br />
No que perdia tempo com estas divagações mentais, viu-se surpreendido<br />
por um aviso da voz feminina do cérebro computadorizado:<br />
-Violentas perturbações <strong>de</strong>tectadas nos campos gravitacionais da região<br />
para on<strong>de</strong> está seguindo a criatura.<br />
O cérebro computadorizado fez uma pausa e logo prosseguiu com um tom<br />
<strong>de</strong> voz que <strong>de</strong>monstrava maior preocupação:<br />
-Buraco negro localizado! Se mantivermos esta trajetória, em menos <strong>de</strong> três<br />
minutos estaremos entrando em área <strong>de</strong> perigo muito próxima à ele...<br />
-Parada total!<br />
De um momento para outro a astronave não se movia mais.<br />
O cérebro computadorizado manisfestou-se novamente:<br />
-A criatura avançou direto rumo ao buraco negro, e, pelo último sinal obtido<br />
<strong>de</strong>la, não retroce<strong>de</strong>u no seu caminho.<br />
Alex Randall ainda olhava para o alto tentando enten<strong>de</strong>r como tão estranho<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
sujeito po<strong>de</strong>ria sobreviver daquela maneira no espaço inclemente.<br />
Mal terminou <strong>de</strong> passar este pensamento pela sua cabeça e algo<br />
inacreditável aconteceu.<br />
As câmeras externas da astronave mostraram um raio <strong>de</strong> luz prateada sair<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da região on<strong>de</strong> estava indicada a presença do buraco negro.<br />
Pelo estilo e configuração do fenômeno luminoso, só podia ser o sujeito<br />
novamente.<br />
-Mas não é possível! – Exclamou Alex Randall – Ele entra e sai <strong>de</strong> um<br />
buraco negro como quem vai ao banheiro!<br />
Fisicamente explicável ou não, aquele era um fato.<br />
A criatura parecia não ser afetada pelas imensas forças gravitacionais<br />
capazes <strong>de</strong> esmigalhar gigantescas estrelas milhares <strong>de</strong> vezes maiores que o sol<br />
da Terra.<br />
Talvez por isso, o cara fizesse tanta pose <strong>de</strong> maioral sobre sua prancha.<br />
Voltou para as proximida<strong>de</strong>s e tocou o casco da astronave com as palmas<br />
das mãos e sua voz então foi ouvida lá <strong>de</strong>ntro...<br />
-Não assino autógrafos sem o consentimento dos meus empresários ou<br />
advogados. Não adianta insistir...<br />
Do mesmo modo que veio, aquele estranho personagem partiu.<br />
Seguiu novamente para a região on<strong>de</strong> estava o buraco negro, e alí sumiu<br />
<strong>de</strong>finitivamente.<br />
A voz feminina digitalizada do cérebro computadorizado manifestou-se:<br />
-Estão disponíveis alguns dados a respeito da provável i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />
sujeito...<br />
-Esqueça! Está mais do que claro que trata-se <strong>de</strong> algum artista famoso.<br />
Assim como eu, ele quer paz e sossego. Sigamos adiante. Não iremos perturbá-lo.<br />
***<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
RELATÓRIO N.10 DE ALEX RANDALL<br />
A central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas, fora mais uma vez<br />
inexplicavelmente invadida.<br />
-Nós somos os SOIGRÉS.<br />
Incrível! Os invasores falavam até o mesmo idioma que ele...<br />
-M-m-m-mas... C-c-como?<br />
O susto causado fez com que o veterano fumante <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> milhares<br />
<strong>de</strong> cachimbadas acabasse até engasgando com a própria fumaça...<br />
Claro que o resultado disso foi uma sessão <strong>de</strong> fortíssimas tosses que quase<br />
fizeram os <strong>de</strong>ntes do nosso herói saltarem para fora da boca.<br />
Depois que acalmaram-se os pulmões, Alex Randall, com os olhos<br />
vermelhos tentou se recompor e enten<strong>de</strong>r o que acontecia naquele momento.<br />
-Se bem me recordo, você <strong>de</strong>ve ser humano...- Disse um dos invasores. -<br />
Limitado pelo seu corpo físico como os outros <strong>de</strong> sua raça...<br />
-Ainda <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> tecnologia para viajar pelo cosmo. – Argüiu outro.<br />
-Não parece ser muito inteligente.- Comentou um terceiro.- Fuma <strong>de</strong>mais!<br />
Parece até que preten<strong>de</strong> por fim à própria existência...<br />
-Se eu ainda tivesse um corpo físico como ele, me preocuparia em cuidar<br />
da saú<strong>de</strong> fazendo exercícios em vez <strong>de</strong> permanecer sentado numa poltrona<br />
fumando todo o tempo...<br />
-Pobre infeliz, ainda precisa evoluir muito.<br />
Dentro da central <strong>de</strong> comando, nosso herói estava cercado por criaturas <strong>de</strong><br />
forma muito estranha.<br />
Aparentemente, não eram sólidas...<br />
Lembravam muito a forma que a água tomava em ambiente <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong><br />
zero: uma espécie <strong>de</strong> bola líquida totalmente <strong>de</strong>suniforme no meio do ar.<br />
Uma série <strong>de</strong> dúvidas a respeito da estranha forma, consistência daqueles<br />
seres e o fato <strong>de</strong> tão surpreen<strong>de</strong>ntemente terem invadido a sua astronave, imergia<br />
nosso herói num mar <strong>de</strong> dúvidas ...<br />
-Será que enten<strong>de</strong> que estamos tentando nos comunicar com ele? –<br />
Indagou um dos invasores.<br />
-Os humanos não são assim tão primitivos... Alguma coisa ele <strong>de</strong>ve<br />
enten<strong>de</strong>r, afinal, estamos usando o seu idioma natal.<br />
-Vamos adotar uma forma que lhe seja mais compreensível.<br />
Nosso herói estava tão abestalhado com o aspecto totalmente inconstante<br />
dos invasores que mal conseguia raciocinar ou falar alguma coisa.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Milésimos <strong>de</strong> segundo <strong>de</strong>pois, os estranhos seres disformes<br />
transformaram-se em gente!<br />
Quatro homens e mulheres brotaram, como num piscar <strong>de</strong> olhos, daquelas<br />
“bolas líquidas flutuantes”.<br />
Recomposto, Alex Randall percebeu que estava diante <strong>de</strong> criaturas<br />
incomuns, aparentemente mais informadas dos fatos do universo do que outros<br />
seres que já encontrara nas suas jornadas.<br />
-E tem razão em pensar assim, somos as formas <strong>de</strong> vida mais evoluídas <strong>de</strong><br />
todos os tempos, universos e dimensões paralelas. Nenhum po<strong>de</strong>r se compara ao<br />
nosso.<br />
-Concordo plenamente, somos os maiorais.<br />
-Estamos fora da escala <strong>de</strong> medição <strong>de</strong> forças <strong>de</strong> seres super-po<strong>de</strong>rosos<br />
utilizada pela sua raça.<br />
-Po<strong>de</strong>ríamos dizer também que somos o melhores em tudo o que fazemos,<br />
que não erramos nunca e nossa perfeição é tão gran<strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>ria ser<br />
expressa nas poucas palavras <strong>de</strong>ste idioma.<br />
-Realmente, seu vocabulário é muito pobre para <strong>de</strong>finir nossa gran<strong>de</strong>za em<br />
toda a sua imensidão.<br />
-Este corpo humanói<strong>de</strong> realmente é imprestável mesmo! Limita quase todas<br />
a minhas percepções...<br />
-Acho que vi umas <strong>de</strong>z estrelas nascerem e morrerem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a última vez<br />
que adquiri uma forma <strong>de</strong> vida mortal. Já tinha até esquecido como era...<br />
-Digo o mesmo!<br />
-O jeito como o ser humano se relaciona com o meio on<strong>de</strong> vive até não é<br />
tão ruim. Basta manter um pouco <strong>de</strong> limpeza e boa higiene que dá para se<br />
aguentar.<br />
-Acho que este sujeito não pensa bem assim, afinal, está cheirando muito<br />
mal. Já não cuida do asseio pessoal a um bom tempo.<br />
-Que fedô! Isso tudo aqui está uma imundície danada.<br />
Dirigindo-se ao nosso herói que estava mudo ouvindo a conversa tão<br />
inteligente, um dos SOIGRÉS perguntou:<br />
-O senhor não toma banho? Quando foi a última vez que escovou os<br />
<strong>de</strong>ntes?<br />
-É! Precisa lavar a boca... O mau hálito está <strong>de</strong> lascar...<br />
-Muito fumo na cabeça, precisa mudar os hábitos.<br />
-Este lugar precisa <strong>de</strong> ser limpo <strong>de</strong> vez em quando. Por-quê não libera os<br />
robôs <strong>de</strong> limpeza para fazerem uma faxina geral aqui?<br />
-Bem, eu...<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A situação surpreendia cada vez mais nosso herói. Ele quase não<br />
conseguia acompanhar tudo o que falavam, ainda assim, tentou colocar um pouco<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no cérebro e respon<strong>de</strong>r a algumas perguntas...<br />
-Aqui <strong>de</strong>ntro tomo banho quando bem entendo. Até agora não tive <strong>de</strong> dar<br />
satisfações a ninguém e não pretendo ,mudar.<br />
-Resposta pouco educada da parte <strong>de</strong>le...<br />
-Compreensível, a raça humana, apesar dos poucos momentos <strong>de</strong><br />
genialida<strong>de</strong>, na maioria das vezes consegue ser muito violenta e ignorante...<br />
-Pobres infelizes! Ainda precisam evoluir muito!<br />
Aquela conversa toda começava a irritar.<br />
Nada porém, que não pu<strong>de</strong>sse ser controlado com um pouco <strong>de</strong> paciência.<br />
-Ah! Estes humanos são tão divertidos! Veja só! Constroem naves que além<br />
<strong>de</strong> reproduzir todas as condições i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> conforto no ambiente que vivem,<br />
po<strong>de</strong>m ainda, atravessar galáxias em muito pouco tempo...<br />
-Tão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da própria tecnologia...<br />
-Claro! Não conseguem como nós usar apenas a força do pensamento e<br />
se transportar para qualquer lugar <strong>de</strong>ste ou <strong>de</strong> outros universos no momento que<br />
<strong>de</strong>sejarem.<br />
-Eles não têm nada. Se tivessem, não usariam naves primitivas como esta.<br />
-Vamos lhe dar uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> nossos po<strong>de</strong>res...<br />
-Claro! Ele merece...<br />
De um segundo para outro tudo mudou.<br />
O Viajante das Estrelas, com a velocida<strong>de</strong> do pensamento, foi <strong>de</strong>slocado<br />
para uma distância que, mesmo no seu melhor <strong>de</strong>sempenho, <strong>de</strong>moraria um<br />
bilhão <strong>de</strong> anos terrestres para percorrer!<br />
***<br />
O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas se esforçava para<br />
compreen<strong>de</strong>r e recalcular a nova localização, mas, a tarefa se mostrava quase<br />
impossível, visto que, on<strong>de</strong> se encontrava naquele momento, não haviam estrelas<br />
ou pontos luminosos <strong>de</strong> referência no firmamento que pu<strong>de</strong>ssem ser usados como<br />
orientação..<br />
Para melhorar tão interessante situação a voz feminina digitalizada da<br />
astronave <strong>de</strong>u um aviso:<br />
-Todo o casco da nave está sofrendo pressão externa muito gran<strong>de</strong>. Se<br />
permanecermos aqui mais cinco minutos haverá um irreversível esmagamento e,<br />
por conseguinte, fim <strong>de</strong> tudo a bordo.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Os escudos energéticos protetores estão funcionando? – Perguntou Alex<br />
Randall preocupado<br />
-Plenamente! Mas, não <strong>de</strong>vem resistir mais que cinco minutos.<br />
-On<strong>de</strong> estamos? Perguntou Alex Randall visivelmente preocupado.<br />
-Desconhecido. Foi a resposta do cérebro computadorizado.<br />
Com impassível tranquilida<strong>de</strong>, um dos Soigrés respon<strong>de</strong>u:<br />
-Muito além <strong>de</strong> tudo, amigo. Aqui, nem os corpos mais distantes do seu<br />
universo são visíveis.<br />
-É a região das trevas! – Complementou outro.<br />
-Ao seu tempo, tudo virá parar aqui e então será o fim do universo como<br />
você conhece, Alex Randall.<br />
Com o cérebro refeito pelo susto e o raciocínio mais rápido, nosso herói<br />
finalmente compreen<strong>de</strong>u que os po<strong>de</strong>res daqueles seres ia muito além do que a<br />
ciência e tecnologia humana ainda podia explicar.<br />
Observando os monitores e projetores da central <strong>de</strong> comando, não<br />
encontrava o menor ponto <strong>de</strong> referência on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse localizar-se...<br />
-Não vejo nada! Aqui não é possível <strong>de</strong>tectar qualquer tipo <strong>de</strong> energia<br />
luminosa.<br />
-Não vê porquê a luz ainda não chegou aqui.<br />
-Estamos muito além do seu universo!<br />
-E minha nave? O que está acontecendo com ela? De on<strong>de</strong> vem esta<br />
pressão que quer nos esmagar?<br />
-É a energia própria das trevas que é a que domina por aqui.<br />
-É incompreensível para uma raça tão ignorante como a humana. Mesmo<br />
tanta tecnologia é incapaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver o po<strong>de</strong>r das trevas.<br />
-E por-quê me trouxeram aqui? O que os motiva a buscar a minha<br />
<strong>de</strong>struição? – Perguntava Alex Randall apavorado e vendo que o tempo se<br />
escoava rapidamente.<br />
-Não queremos sua <strong>de</strong>struição!<br />
-Apenas incrementar seus conhecimentos.<br />
-O mortal teme pela própria segurança e a da nave...<br />
-Sim, é compreensível... Seu corpo é finito igual ao seu veículo <strong>de</strong><br />
transporte pelo espaço...<br />
-Aqui ele não perceberá <strong>de</strong>vidamente toda a nossa grandiosida<strong>de</strong> em sua<br />
plenitu<strong>de</strong>.<br />
-Pior! Ainda correrá inútil risco <strong>de</strong> vida. Po<strong>de</strong>mos levá-lo a outro sítio menos<br />
distante <strong>de</strong> on<strong>de</strong> o encontramos.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Um dos Soigrés estalou os <strong>de</strong>dos e, novamente o Viajante das Estrelas,<br />
numa fração <strong>de</strong> segundo, percorreu incalculável distância indo se situar em outro<br />
lugar extraordinário.<br />
Muita luz!<br />
***<br />
Toda a central <strong>de</strong> comando foi inundada por uma ofuscante e forte luz<br />
branca.<br />
Ainda assim, nosso herói pô<strong>de</strong> verificar os instrumentos no braço <strong>de</strong> sua<br />
poltrona e percebeu que, <strong>de</strong>sta vez, naquele lugar, o Viajante das Estrelas não<br />
corria perigo.<br />
-Filtros óticos! - Or<strong>de</strong>nou.<br />
A intensa luminosida<strong>de</strong> diminuiu até tornar visível uma imensa bola branca<br />
muito brilhante adiante do Viajante das Estrelas.<br />
Parecia uma estrela gigante, mas, logo, nosso herói percebeu que não era.<br />
Um fenômeno muito brilhante, e gigantesco mas, que ainda assim<br />
encontrava-se bem distante.<br />
Pelos cálculos do cérebro computadorizado, a astronave, a plena<br />
velocida<strong>de</strong>, ainda levaria uns <strong>de</strong>z mil anos terrestres <strong>de</strong> viagem para alcançar a<br />
periferia daquele astro extremamente luminoso.<br />
Essa informação intrigou nosso herói, a tal ponto que resolveu analisar<br />
melhor o fenômeno.<br />
Não precisou muito para então perceber o que era.<br />
Centenas <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> galáxias se fundiam numa imensa e tão brilhante<br />
esfera que, <strong>de</strong> longe tudo parecia ser uma coisa só.<br />
Lendo seus pensamentos, um dos Soigrés procurou acalmá-lo.<br />
-Não se preocupe, este tipo <strong>de</strong> aglomerado galático é mais comum do que<br />
você po<strong>de</strong> imaginar.<br />
-Se a tecnologia do seu mundo ainda não conhecia com tanta riqueza <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>talhes tal fenômeno é porquê a distância da localização <strong>de</strong>ste ainda é muito<br />
maior do que o alcance dos seus melhores telescópios.<br />
Alex Randall trabalhava febrilmente.<br />
Digitava num teclado luminoso tridimensional, projetado a partir do braço <strong>de</strong><br />
sua poltrona, comandos especificando como registrar aqueles acontecimentos.<br />
mim?<br />
Deu algumas tragadas no cachimbo e indagou aos Soigrés:<br />
-Agra<strong>de</strong>ço pela oportunida<strong>de</strong> que me dão, mas... Por-quê escolheram a<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Tédio! – Foi a resposta.<br />
-Temos tudo o que <strong>de</strong>sejamos.<br />
-Nada nos falta.<br />
-Resolvemos acompanhar <strong>de</strong> perto as aventuras <strong>de</strong> um explorador primitivo<br />
cercado por tecnologia arcaica tentando enfrentar as intempéries do espaço.<br />
-Tecnologia arcáica? - Indagou nosso herói ofendido. – Aqui foi gasto um<br />
dinheirão e você me fala que tudo isso não vale nada. Parece papo <strong>de</strong> comprador<br />
<strong>de</strong> carro usado...<br />
-Para nós, sua astronave nada mais representa que uma bola <strong>de</strong> sucata<br />
voadora.<br />
Alex Randall ficou boquiaberto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir aquela.<br />
-É! E, como diziamos...- Disse outro dos Soigrés.- Para matar o tédio,<br />
resolvemos acompanhar suas viagens.<br />
-Puxa vida! Que bom! Com seres po<strong>de</strong>rosos como vocês me escoltando,<br />
posso ficar <strong>de</strong>spreocupado... Com certeza po<strong>de</strong>rei enfrentar audaciosamente os<br />
maiores perigos sem pestanejar, já que certamente me darão proteção...<br />
-Na verda<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> sermos as criaturas mais po<strong>de</strong>rosas do universo,<br />
não interferimos nos assuntos <strong>de</strong> outras raças...<br />
Nosso herói, que achava, que mesmo com aqueles chatos criticando e<br />
perturbando, talvez fosse ter ajuda num monte <strong>de</strong> problemas retrucou:<br />
-Mas vocês já interferiram no momento que me levaram a lugares que<br />
provavelmente eu nem viesse a encontrar durante uma viagem normal.<br />
Os Soigrés confabularam entre si rapidamente e continuaram...<br />
-Você não está pronto para apren<strong>de</strong>r todos os nossos ensinamentos.<br />
-E nem iremos interferir no seu caminho, seja para beneficiá-lo ou não.<br />
-Não nos intrometemos em assuntos <strong>de</strong> seres primitivos.<br />
-Muito menos naqueles concernentes a humanos.<br />
-Pobres infelizes! Ainda têm muito que evoluir.<br />
-É verda<strong>de</strong>! Tudo esta raça aproveita muito mal, incluindo os próprios<br />
recursos e tempo.<br />
-Baseado nisso, tenho certeza que não será bem sucedida a viagem a que<br />
se propôs este humano.<br />
fato.<br />
-Se eu me preocupasse com acúmulo <strong>de</strong> bens materiais apostaria nesse<br />
A irritação crescia na mente do nosso herói.<br />
-Acho que sei porquê esses caras estão na minha nave... - Pensou. – Para<br />
me encher o saco.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Num estalar <strong>de</strong> <strong>de</strong>dos <strong>de</strong> um dos Soigrés, o Viajante das Estrelas<br />
novamente retornou ao mesmo local on<strong>de</strong> se encontraram pela primeira vez...<br />
Mesmo irritado com a constante auto-exaltação dos próprios dons a que os<br />
Soigrés o estavam submetendo, tentava manter a calma.<br />
-Que achou <strong>de</strong>sta pequena e breve jornada, Alex Randall?<br />
-Somos po<strong>de</strong>rosos, não?<br />
-O infeliz ainda sequer se recuperou. Não force muito os neurônios <strong>de</strong>le. A<br />
pobre criatura ainda tem muito que evoluir...<br />
A irritação <strong>de</strong> Alex Randall cada vez aumentava mais.<br />
-Humanos são muito ignorantes.<br />
-Ainda nem apren<strong>de</strong>ram a se utilizar <strong>de</strong> todas as capacida<strong>de</strong>s do próprio<br />
cérebro.<br />
-Perfeitos atrasados!<br />
-Violentos <strong>de</strong>mais! Deixam-se dominar facilmente pelas emoções e <strong>de</strong>sejos.<br />
-Verda<strong>de</strong>iramente primitivos.<br />
-Os dois sexos existentes nesta raça não conseguem se fundir<br />
mentalmente! Muito mal e porcamente o fazem fisicamente.<br />
-Pobrezinhos! Ainda têm muito o que evoluir...<br />
Em meio a todos aqueles comentários <strong>de</strong>sabonadores feitos pelos Soigrés,<br />
o infeliz protagonista <strong>de</strong>stas linhas se impacientava cada vez mais.<br />
Deu mais algumas fortes baforadas no cachimbo.<br />
Teria <strong>de</strong> achar um jeito <strong>de</strong> botar aqueles tipos para fora.<br />
Caso contrário, iria acabar virando uma espécie <strong>de</strong> atração televisiva, um<br />
rato <strong>de</strong> laboratório monitorado constantemente num ambiente à la “big-brother”<br />
pelos palpiteiros <strong>de</strong> plantão<br />
Restava agora adivinhar o que fazer...<br />
Para encontrar esta resposta, fazia todo tipo <strong>de</strong> careta enquanto refletia<br />
sobre o problema.<br />
-Pobrezinho... Veja que cara <strong>de</strong> bobo faz quando fuma este cachimbo...<br />
Pior <strong>de</strong> tudo era buscar a solução agüentando tantas críticas e<br />
pentelhações.<br />
Tarefa penosa para qualquer um!<br />
Tal momento <strong>de</strong> divagação levou os Soigrés num primeiro momento a<br />
erroneamente pensarem que o nosso herói estivesse interessado nas suas<br />
habilida<strong>de</strong>s, conhecimentos, ensinamentos e verda<strong>de</strong>s que tanto pregavam.<br />
Logo porém perceberam que o <strong>de</strong>sinteresse <strong>de</strong> Alex Randall era patente!<br />
-Não presta atenção em nossos po<strong>de</strong>res!<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Esse fumo o <strong>de</strong>ixa muito abestalhado mesmo.<br />
-Parece nada ouvir do que falamos.<br />
-Se soubesse o estado em que se encontra sua saú<strong>de</strong>, não continuaria<br />
levando esta vida <strong>de</strong> cachimbeiro.<br />
-Precisa acordar. Está muito disperso.<br />
Dizendo isso, um dos Soigrés aproximou-se <strong>de</strong> Alex Randall, esten<strong>de</strong>u a<br />
mão na direção da testa e penetrou com ela na cabeça <strong>de</strong> nosso herói como se<br />
duas distintas imagens estivessem se fundindo uma a outra graças a algum efeito<br />
especial <strong>de</strong> computação gráfica.<br />
***<br />
A realida<strong>de</strong> se transformou novamente.<br />
Estava sentado numa espécie <strong>de</strong> trono que claramente tentava simular <strong>de</strong><br />
um modo tanto precário, a poltrona que usava na central <strong>de</strong> comando do Viajante<br />
das Estrelas.<br />
Não era a original, claro! Muito menos, tinha a pretensão <strong>de</strong> ser.<br />
Dançavam ao seu redor, lindíssimas mulheres semi-nuas que rebolavam<br />
exibindo farta gostosura.<br />
Era uma barulheira só.<br />
Porém, que acabava por se transformar numa contagiante música que<br />
comandava toda a bagunça e festivida<strong>de</strong>.<br />
Deu tragadas no cachimbo e, logo, uma coluna <strong>de</strong> fumaça erguia-se das<br />
chamas do fumo em direção aos céus estrelados daquela noite.<br />
Olhou para frente e viu músicos, bailarinos e festeiros <strong>de</strong> várias raças se<br />
confraternizando alegremente embalados ela música contagiante.<br />
Mais adiante ainda. On<strong>de</strong> se iniciava o alegre cortejo, vinha escrito o com<br />
letras <strong>de</strong> aproximadamente quatro metros <strong>de</strong> altura: “Memoriais <strong>de</strong> Alex Randall.”<br />
Seguindo-o, <strong>de</strong>sfilavam crianças brincando com bolas peludas pintadas<br />
com tinta brilhante e estranhos acessórios costurados que, lembravam os<br />
Uorlops.<br />
Vindo logo atrás do bloco infantil, caracterizados como os policiais espaciais<br />
que quase encarceraram nosso herói no planeta prisão, chegavam os tocadores<br />
<strong>de</strong> bumbo fazendo diversas evoluções.<br />
Na seqüência, alegremente cantando e dançando, seguiam senhoras<br />
usando largos vestidos claros, lenços que, à moda das cozinheiras baianas lhe<br />
cobriam os cabelos, além <strong>de</strong> adornos como colares e pulseiras.<br />
Carregavam gran<strong>de</strong>s cestas <strong>de</strong> cujo interior tiravam e jogavam para o<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
público bolinhas azuis com pequenos apetrechos que, muito lembravam os BLUS.<br />
Só, usando terno e chapéu brancos, sambando bastante, aparecia o sujeito<br />
que entrara com metrô e tudo no Viajante das Estrelas.<br />
Logo atrás, um bloco que causou calafrios em nosso herói: o dos <strong>de</strong>mônios<br />
que vinham atormentando alegremente as almas penadas que propositadamente<br />
estavam alí para, durante a celebração <strong>de</strong>sempenharem o papel <strong>de</strong> sofredores.<br />
Num outro carro, tão alto e imponente quanto aquele em que se encontrava<br />
nosso herói, estava uma loira muito linda.<br />
Seu monumental corpo estava coberto apenas por uma microscópica tanga<br />
dourada e bastante purpurina prateada.<br />
Era uma beleza a forma vigorosa como aquela mulher sambava. Tão<br />
perfeitamente quanto as verda<strong>de</strong>iras mulatas.<br />
Ainda havia outra mulher completamente nua flutuando sobre a escola <strong>de</strong><br />
samba. Esta tinha olhos profundamente negros que pareciam conter todo o<br />
cosmos.<br />
Segurava um arame com argola em uma <strong>de</strong> suas extremida<strong>de</strong>s e, soprava<br />
por um líquido negro que aí havia, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saiam diversas bolhas negras e<br />
brilhantes contendo universos inteiros.<br />
Sua pele era morena e seu corpo, <strong>de</strong> uma beleza fantástica.<br />
Bem adiante do carro alegórico on<strong>de</strong> estava Alex Randall <strong>de</strong>sfilava um<br />
sujeito baixote e meio careca fazendo evoluções para uma bonita porta-ban<strong>de</strong>ira<br />
que ostentava o símbolo do Corinthians Futebol Clube.<br />
Olhando mais atentamente, nosso herói percebeu que aquele cara era o tal<br />
do escritor da outra dimensão que se dizia ser o criador <strong>de</strong> suas aventuras. Ou<br />
melhor, <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>sventuras.<br />
Virou-se para trás, mas, pouco conseguia vislumbrar.<br />
Aparentemente, fumaça branca, muito similar àquela utilizada como efeito<br />
especial nos shows, encobria sua visão.<br />
Percebia algum movimento, mas, muito mal vislumbrava dois enormes<br />
animais que aparentavam ser dragões...<br />
Nada mais enxergava além disso.<br />
Adiante e cercando o carro alegórico on<strong>de</strong> estava, só havia música e<br />
empolgação.<br />
Um rapaz <strong>de</strong> cor negra aproximou-se e sussurrou no seu ouvido:<br />
-Não se esqueça! Você é apenas um ser humano!<br />
O rapaz afastou-se com semblante sério e, <strong>de</strong> um segundo para outro,<br />
voltou a sambar e cantar alegremente.<br />
Alex Randall parou para pensar e, em seguida <strong>de</strong>ixou-se levar pela<br />
104
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
empolgação daquele carnaval.<br />
Descontraiu-se, <strong>de</strong>u fortes tragadas no cachimbo e, segurando-o com uma<br />
das mãos, pôs-se <strong>de</strong> pé tentando ensaiar algumas evoluções sambísticas.<br />
Seus shows e passos acrobáticos pouco ou nada duraram, afinal, sempre<br />
fora um verda<strong>de</strong>iro perna <strong>de</strong> pau.<br />
Despencou do carro alegórico <strong>de</strong>vido a embriagues que tomou conta <strong>de</strong>le<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto fumar e se <strong>de</strong>ixar entorpecer pelo espírito festivo.<br />
Sequer teve tempo <strong>de</strong> estatelar-se no chão...<br />
Voltou à realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho do Viajante das Estrelas.<br />
***<br />
Os Soigrés ainda estavam lá, inclusive aquele que lhe tocara <strong>de</strong> modo tão<br />
estranho.<br />
A mão <strong>de</strong>le já não estava mais <strong>de</strong>ntro da sua cabeça!<br />
-Compreen<strong>de</strong> agora a vastidão dos nossos po<strong>de</strong>res? – Perguntou um dos<br />
Soigrés.<br />
-Sim! Plenamente! Respon<strong>de</strong>u nosso herói <strong>de</strong>monstrando claramente sua<br />
irritação. – E pediria aos senhores para não me jogarem <strong>de</strong> um lado para o outro<br />
só para provarem o quanto são bem dotados e superiores. Essa ladainha<br />
repetitiva já me cansou.<br />
Os Soigrés se mostraram perplexos...<br />
-Procuramos <strong>de</strong>monstrar sua insignificância para que quando lhe dirigirmos<br />
críticas relativas às suas ações você possa compreen<strong>de</strong>r que nossas sugestões<br />
<strong>de</strong>vem ser urgentemente aceitas e realizadas como a mais pura e absoluta<br />
verda<strong>de</strong>.<br />
-Deveria agra<strong>de</strong>cer pelos nossos comentários.<br />
-Somos muito po<strong>de</strong>rosos e sábios.<br />
-Concordo! - Disse Alex Randall. – Mas, vocês estão interferindo... Se o<br />
vosso objetivo não é esse, peço que não se manifestem mais.<br />
-Mas nossas críticas são construtivas...<br />
-Não preten<strong>de</strong>mos ofendê-lo quando lhe lembramos <strong>de</strong> como seu modo <strong>de</strong><br />
vida é primitivo.<br />
-Você <strong>de</strong>ve ser mais tolerante com o próprio fracasso e apren<strong>de</strong>r com<br />
nossos interesses.<br />
Um dos Soigrés aproximou-se <strong>de</strong> Alex Randall e disse:<br />
-Alex Randall tem razão.<br />
105
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Sua aparência humana era a <strong>de</strong> um velho barbudo com chapéu, roupas<br />
largas, surradas e óculos escuro:<br />
-Já interferimos <strong>de</strong>mais na vida <strong>de</strong>le. Não é este o nosso propósito. Vamos<br />
<strong>de</strong>ixar que prossiga sua jornada solitária.<br />
Outro então se manifestou:<br />
-Vamos então conce<strong>de</strong>r-lhe um favor! Seres inferiores apreciam muito<br />
quando lhe aten<strong>de</strong>mos a realização <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo como forma <strong>de</strong> os<br />
compensarmos por nossos raríssimos enganos.<br />
-Boa idéia! Assim não ficamos com a imagem <strong>de</strong> “po<strong>de</strong>rosos mas muito<br />
chatos”.<br />
-O problema é tentar <strong>de</strong>scobrir o que po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sejar uma forma <strong>de</strong> vida tão<br />
primitiva?<br />
Irritado com a constante exaltação à própria superiorida<strong>de</strong> quase infinita,<br />
sem contar as enervantes críticas nosso herói não po<strong>de</strong> evitar:<br />
-Parem <strong>de</strong> me encher as paciências e digam logo algo que eu não saiba.<br />
Chega <strong>de</strong> ficar repetindo o quanto são melhores que eu...<br />
-Na verda<strong>de</strong>, Alex Randall, você pediu três coisas, mas, não nos faremos<br />
<strong>de</strong> rogados e lhe aten<strong>de</strong>remos em cada uma <strong>de</strong>stas solicitações.<br />
Um dos Soigrés se aproximou e disse:<br />
-Alex Randall, não adianta fugir que os problemas vão sempre te achar....<br />
-Q-q-quê?<br />
Agora, quem estava perplexo era o nosso herói.<br />
Por aquela não esperava...<br />
-Dissemos a você algo que não sabia. Agora, estamos partindo.<br />
Nada <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedidas ou baboseiras melosas. Tão inesperadamente quanto<br />
surgiram, os Soigrés se foram...<br />
Alex Randall sentiu-se aliviado com o sumiço daqueles críticos chatos super<br />
po<strong>de</strong>rosos.<br />
Agora, precisava inventar alguma coisa que impedisse novas invasões não<br />
autorizadas no Viajante das Estrelas.<br />
***<br />
Em algum lugar do Universo, inalcançável para um mero mortal humano, os<br />
Soigrés confabulavam entre si...<br />
-Tão insignificante criatura e menosprezou nossas críticas...<br />
-Não <strong>de</strong>ve melhorar <strong>de</strong> vida nunca...<br />
106
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Provavelmente vai bater cabeça pelo resto da existência até adquirir uma<br />
consi<strong>de</strong>rável experiência.<br />
-É um mal muito comum da raça humana! Detestam ser criticados quando<br />
estão errados.<br />
-Pobres infelizes! Ainda têm muito que evoluir.<br />
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.11 DE ALEX RANDALL<br />
Observando a paisagem espacial, sentado em sua poltrona na central <strong>de</strong><br />
comando, nosso herói, a olho nu, casualmente notou lá longe nas profun<strong>de</strong>zas<br />
cósmicas um curioso e fugaz brilho amarelo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>.<br />
Talvez pelo fato <strong>de</strong> ter sido notada, a curiosa cintilação logo <strong>de</strong>sapareceu<br />
não tendo, sua aparição, durado mais que cinco segundos.<br />
E não <strong>de</strong>ixou rastros...<br />
É impreciso afirmar corretamente o porquê, mas, tal fenômeno, por mais<br />
insignificante que fosse na escala cósmica universal, ainda <strong>de</strong>spertava a atenção<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>socupado mortal que viajava pelo espaço numa astronave dotada da<br />
melhor tecnologia já alcançada pela humanida<strong>de</strong>, sendo capaz <strong>de</strong> percorrer<br />
distâncias inimagináveis num tempo insignificante.<br />
Quando ia or<strong>de</strong>nar um estudo mais <strong>de</strong>talhado da situação, aconteceu algo<br />
inesperado.<br />
De modo súbito e misterioso, alguns quilômetros adiante do Viajante das<br />
Estrelas materializou-se uma imensa massa com aspecto <strong>de</strong> vômito e, num tom<br />
<strong>de</strong> cor amarelada, que muito lembrava o do brilho que a pouco chamara a atenção<br />
<strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Não só o aspecto daquela coisa era impressionante, mas também, as suas<br />
dimensões por si só muito superiores às do Viajante das Estrelas.<br />
Se tivesse uma forma perfeitamente esférica, o diâmetro daquele “objeto”,<br />
se é que nestes termos po<strong>de</strong>ria ser colocado, chegaria a uns mil quilômetros.<br />
Fosse lá o que fosse aquilo, avançou na direção do Viajante das Estrelas<br />
envolvendo-lhe rapidamente.<br />
A astronave por fim, acabou <strong>de</strong>saparecendo no meio daquela massa<br />
assustadora e repugnante.<br />
Dentro do Viajante das Estrelas reinava o pesa<strong>de</strong>lo total.<br />
***<br />
Estava sendo imerso contra a vonta<strong>de</strong> numa substância amarelenta que,<br />
brotava do chão sem explicação física convincente.<br />
Tal fato estava tornando, a situação crítica.<br />
O cheiro era insuportável. Muito azedo! Capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar os mais<br />
valentes.<br />
Nos painéis <strong>de</strong> instrumentos nada funcionava.<br />
108
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Nosso herói tinha <strong>de</strong> nadar no meio daquela coisa amarela para sair,<br />
porém, tudo indicava que, on<strong>de</strong> quer que fosse, encontraria as coisas do mesmo<br />
jeito.<br />
Nada mais era possível, fazer, não restava nem espaço para se respirar.<br />
O nariz, a boca e até o estômago foram tomados por aquela substância<br />
que praticamente o afogou no meio daquela <strong>de</strong>sgraça toda.<br />
***<br />
Mesmo assim ainda escapou da morte!<br />
Porém, naquele instante, logo percebeu que estava vivendo uma realida<strong>de</strong><br />
totalmente diversa da sua. Talvez, um sonho...<br />
Inexplicavelmente, encontrava-se num ambiente aberto, e distante do<br />
Viajante das Estrelas.<br />
O cheiro que sentia não era <strong>de</strong>sagradável, pelo contrário; lembrava estes<br />
sabonetes naturais com fragrâncias primaveris.<br />
Até on<strong>de</strong> podia enxergar, toda a paisagem era coberta por uma <strong>de</strong>licada<br />
espécie <strong>de</strong> teia branca.<br />
Tocou-a movido pela curiosida<strong>de</strong> e percebeu que sua consistência, textura<br />
e flexibilida<strong>de</strong> muito se assemelhavam à dos antigos tecidos terrestres.<br />
Também se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> outro <strong>de</strong>talhe importante...<br />
Estava diante <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> vida diferente!<br />
Apercebeu-se do fato observando como a teia envolvia a sua mão.<br />
***<br />
Tocando a criatura, imediatamente formaram-se nos seus pensamentos,<br />
imagens e sentimentos diversos dos que normalmente vivia no seu dia a dia.<br />
Era uma forma <strong>de</strong> vida imensa, simplesmente <strong>de</strong>veria cobrir todo aquele<br />
mundo.<br />
Conforme o lugar on<strong>de</strong> a tocava, passava por uma nova emoção, como se<br />
estivesse imerso num um imenso instrumento musical...<br />
Po<strong>de</strong>ria permanecer se divertindo com aquela experiência fantástica<br />
in<strong>de</strong>finidamente.<br />
Foi porém interrompido quando notou nos céus daquele mundo o súbito<br />
aparecimento <strong>de</strong> uma frota <strong>de</strong> naves espaciais que, pela quantida<strong>de</strong>, mais se<br />
assemelhava a uma imensa nuvem <strong>de</strong> gafanhotos.<br />
109
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
E então a <strong>de</strong>sgraça!<br />
As naves começaram a jogar bombas incendiárias e jatos <strong>de</strong> fogo sobre a<br />
criatura que foram queimando e matando-a.<br />
Agora, apercebia-se da situação <strong>de</strong> um modo diferente.<br />
Alheio às limitações físicas, seu corpo começou a flutuar ao redor daquele<br />
mundo e, <strong>de</strong> fora da sua atmosfera enxergou o tamanho do estrago que as<br />
chamas faziam na estranha forma <strong>de</strong> vida.<br />
Seus pensamentos foram invadidos por sentimentos <strong>de</strong> pavor e imagens da<br />
morte.<br />
Era uma avalancha <strong>de</strong> agonia que lhe invadia.<br />
A criatura não tinha mais salvação, estava fadada a morrer.<br />
Ainda assim, <strong>de</strong> um ponto daquela forma <strong>de</strong> vida que ainda não havia sido<br />
atingido pelo fogo, brotou uma bola amarelada com o aspecto <strong>de</strong> vômito idêntico<br />
ao da massa que havia tomado o Viajante das Estrelas.<br />
A massa foi crescendo.<br />
Pouco a pouco, foram se externando também os sentimentos <strong>de</strong> ódio e<br />
<strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> vingança que, existiam e davam vida àquela coisa horrível.<br />
Ela se inflou até alcançar um diâmetro aproximado <strong>de</strong> mil quilômetros, e<br />
então soltou-se da teia branca.<br />
Momentos <strong>de</strong>pois a imensa criatura que anteriormente cobrira todo aquele<br />
mundo não mais existia.<br />
Agora, ela fora substituída por uma horrenda massa amarelenta.<br />
A essas alturas, a frota <strong>de</strong> naves responsáveis pelo seu fim já havia partido<br />
e <strong>de</strong>saparecido no meio do infinito espaço si<strong>de</strong>ral.<br />
rumo.<br />
A bola <strong>de</strong> vômito, movida por ódio e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança seguiu o mesmo<br />
Alex Randall continuava a olhar a terrível transformação que aquele mundo<br />
sofrera e o resultado <strong>de</strong> todo o incêndio.<br />
Concluiu que talvez aquela história não terminasse por alí.<br />
***<br />
Acordou novamente na central <strong>de</strong> comando.<br />
Tudo parecia normal.<br />
Nem sequer o mínimo odor que indicasse que a astronave havia sido<br />
totalmente inundada por aquela criatura com aparência <strong>de</strong> vômito.<br />
Duvidando <strong>de</strong> sua própria sanida<strong>de</strong>, nosso herói consultou os registros<br />
110
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
feitos pelas câmeras internas e constatou que a invasão realmente se verificara e<br />
que ele próprio em nenhum momento havia saído para lugar algum.<br />
As imagens não mentiam.<br />
O Viajante das Estrelas fora realmente inundado por completo pela<br />
criatura, mas, esta, <strong>de</strong> um momento para outro, simplesmente <strong>de</strong>sapareceu<br />
<strong>de</strong>ixando apenas aquelas imagens como prova <strong>de</strong> sua visita. Nada mais.<br />
De resto, tudo se mantinha inalterado na astronave.<br />
Todos os controles agora respondiam exatamente como antes da curiosa<br />
invasão.<br />
Então, os instrumentos <strong>de</strong>tectaram a presença <strong>de</strong> uma frota <strong>de</strong> naves<br />
espaciais.<br />
Olhando mais atentamente a configuração <strong>de</strong>las, notou que eram<br />
exatamente aquelas que haviam assassinado a forma <strong>de</strong> vida do mundo on<strong>de</strong><br />
mentalmente imaginara ter visitado<br />
Também <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> outro fato.<br />
Vislumbrou novamente o mesmo brilho que enxergara pouco antes <strong>de</strong> estar<br />
diante do gigantesco vômito amarelado pela primeira vez.<br />
***<br />
As potentes câmeras telescópicas do Viajante das Estrelas registraram a<br />
súbita aparição da criatura amarela bem adiante do caminho que seguia a frota<br />
avistada por Alex Radall.<br />
E também o que aconteceu a seguir.<br />
A maior e mais espetacular <strong>de</strong>struição que um combate no espaço po<strong>de</strong>ria<br />
propiciar.<br />
Ali,só um dos lados na luta <strong>de</strong>sigual sofria revezes.<br />
A criatura se dividiu em milhares <strong>de</strong> partes que atingiram cada uma das<br />
naves <strong>de</strong>struindo-as num silencioso e mortífero espetáculo visual.<br />
Após o breve tempo que durou a matança, a bola amarelada aumentou<br />
mais ainda seu diâmetro habitual e absorveu todos os <strong>de</strong>stroços que resultaram<br />
daquela rápida batalha.<br />
Nada mais havia que indicasse tamanho extermínio.<br />
A imensa bola <strong>de</strong> vômito também <strong>de</strong>sapareceu.<br />
***<br />
111
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Voltou porém a dar as caras.<br />
Novamente, <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando.<br />
Estava menor agora.<br />
Tinha a altura e a forma muito semelhante à humana.<br />
Alex Randall não percebia mais nela o quase infindável <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança<br />
ou o menor resquício <strong>de</strong> ódio.<br />
Estava diferente agora.<br />
A criatura apontou para um dos diversos projetores <strong>de</strong> imagens<br />
tridimensionais e, flutuando no meio do nada apareceu a seguinte mensagem:<br />
“Cumpri minha missão”<br />
“E sem satisfação”<br />
“A vingança consumada”<br />
“Minha alma arrasada”<br />
“Sem lugar para voltar”<br />
“Sem amparo e sem lar”<br />
“Tudo chega ao fim.”<br />
“O futuro vem a mim”<br />
“Queimando no inferno”<br />
“Tormento será eterno...”<br />
O misterioso ser mais uma vez <strong>de</strong>sapareceu.<br />
Nosso herói leu aquelas palavras brilhando no ar.<br />
Acen<strong>de</strong>u seu cachimbo e <strong>de</strong>u fortes baforadas enquanto refletia a respeito<br />
do texto.<br />
Concluiu que, mesmo tendo alcançado a vingança, a criatura<br />
aparentemente não achou a felicida<strong>de</strong>.<br />
Diversas questões também invadiram a mente <strong>de</strong> nosso herói.<br />
Sem a pretensão <strong>de</strong> encontrar respostas para todas, afinal sabia que<br />
muitas ficariam sem solução, apenas <strong>de</strong>sejou po<strong>de</strong>r terminar sua vida sem jamais<br />
ser escravo do ódio e da vingança.<br />
112
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.12 DE ALEX RANDALL<br />
Quanta coisa engraçada acontece por acaso...<br />
Sem querer, a mão <strong>de</strong> Alex Randall esbarrou no botão <strong>de</strong> parada total.<br />
Apertando-o, a qualquer velocida<strong>de</strong> que estivesse o Viajante das Estrelas,<br />
este seria imediatamente parado.<br />
Estando então imóvel, o cérebro computadorizado faria um auto diagnóstico<br />
completo em toda a astronave e, na eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não encontrar <strong>de</strong>feito<br />
algum, já <strong>de</strong> imediato, realizaria uma varredura externa a procura <strong>de</strong> eventuais<br />
elementos potencialmente perigosos ao prosseguimento da viagem.<br />
Todo esse procedimento, numa nave esférica <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 50 quilômetros <strong>de</strong><br />
diâmetro, levava menos <strong>de</strong> cinco segundos.<br />
E por acaso, não no momento da busca por eventuais problemas internos<br />
mas, sim no seguinte, aquele em que se tenta i<strong>de</strong>ntificar alguma ameaça externa,<br />
uma curiosida<strong>de</strong> foi vista flutuando sem rumo no espaço.<br />
-Uma porta com batente e tudo. Só não tem pare<strong>de</strong> para apóia-la.<br />
-Quê?!?!?!? Indagou bastante perplexo nosso herói frente ao relato do<br />
cérebro computadorizado.<br />
As câmeras <strong>de</strong>ram uma imagem clara da tal porta.<br />
Ela se encontrava a menos <strong>de</strong> cem metros <strong>de</strong> on<strong>de</strong> o Viajante das Estrelas<br />
havia feito sua involuntária parada.<br />
Era comum.<br />
Com no máximo dois metros e meio <strong>de</strong> altura, trincos dourados, bem<br />
conservada e, num dos lados do batente havia um pequeno painel <strong>de</strong> botões cujas<br />
superfícies continham diversos <strong>de</strong>senhos que pareciam ser parte <strong>de</strong> algum<br />
alfabeto <strong>de</strong>sconhecido.<br />
O que estava fazendo ali?<br />
De on<strong>de</strong> viria?<br />
Não havia mais nada naquele setor do espaço num raio <strong>de</strong> pelo menos dois<br />
anos luz, portanto, aparentemente não po<strong>de</strong>ria se tratar <strong>de</strong> <strong>de</strong>stroço <strong>de</strong> alguma<br />
nave espacial aci<strong>de</strong>ntada ou coisa do gênero.<br />
Curioso com a procedência da porta, nosso herói <strong>de</strong>cidiu enviar robôs para<br />
investiga-la.<br />
Alguns minutos <strong>de</strong>pois, três já estavam ao lado <strong>de</strong>la colhendo informações.<br />
Afora o painel com teclado contendo estranhos caracteres, era uma porta<br />
completamente normal, igualzinha a essas usadas na Terra.<br />
Os próprios robôs apertaram os botões daquele teclado usando as mais<br />
113
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
diversas combinações, mas, não obtiveram nenhum tipo <strong>de</strong> resposta.<br />
-Tragam-no para <strong>de</strong>ntro! Veio a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Compartimentos embutidos nos bojos dos robôs se abriram e, <strong>de</strong>stes<br />
saíram garras que <strong>de</strong>licadamente seguraram no batente da porta.<br />
Foram puxar a porta em direção à astronave e...<br />
Surpresa!<br />
Os braços que seguravam as garras se romperam.<br />
Revendo aquela cena no Replay, a impressão que se tinha era a <strong>de</strong> que a<br />
porta simplesmente não saia do lugar.<br />
Mesmo com as garras impossibilitadas <strong>de</strong> segura-la, os robôs não<br />
<strong>de</strong>sistiram e tentaram empurra-la em direção ao Viajante das Estrelas.<br />
Ainda assim, o resultado foi o mesmo.<br />
Tentou-se teletransportar a porta para o interior da astronave.<br />
Os resultados <strong>de</strong>sta tentativa também foram infrutíferos.<br />
Aquela porta não parecia mover-se um milésimo <strong>de</strong> milímetro do lugar.<br />
Pela cabeça <strong>de</strong> Alex Randall ocorreu até a idéia <strong>de</strong> tentar fazer com que o<br />
Viajante das Estrelas se aproximasse da porta envolvendo-a num dos seus<br />
hangares para alguns estudos mais precisos.<br />
Imaginou porém se a astronave correria algum risco caso tentasse moverse<br />
com a porta no seu interior...<br />
Melhor seria não arriscar...<br />
Como dizia ao célebre ditado...<br />
“Se Maomé não vai à montanha, a montanha iria até Maomé.”<br />
Alex Randall resolveu vestir um dos trajes espaciais e, ele mesmo fazer um<br />
passeio fora do Viajante das Estrelas.<br />
Aproximou-se da porta.<br />
***<br />
Naquele momento usava um dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> roupa mais resistentes para<br />
saídas no espaço.<br />
O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas logo manifestou-se<br />
através dos alto-falantes embutidos no capacete:<br />
-Esse objeto incorpora uma tecnologia que ainda nos é <strong>de</strong>sconhecida. A<br />
prudência recomenda uma análise mais <strong>de</strong>talhada antes <strong>de</strong>...<br />
Mal teve tempo <strong>de</strong> completar o que ia dizendo quando Alex Randall<br />
interrompeu com um largo sorriso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdém ao perigo...<br />
114
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Ora! Que é isso!?!?!? Só po<strong>de</strong> estar brincando!!! Análise <strong>de</strong>talhada eu<br />
mesmo vou fazer...<br />
Colocou-se <strong>de</strong> frente para a porta e tentou abri-la normalmente usando a<br />
maçaneta.<br />
Esta, não se mexeu um milímetro..<br />
Olhou o teclado com os botões e apertou uma seqüência aleatória <strong>de</strong>les e<br />
casualmente a tranca da porta se <strong>de</strong>stravou na primeira tentativa.<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u um largo sorriso e tirou um sarrinho daquele momento:<br />
-Veja como são as coisas: um cérebro computadorizado capaz <strong>de</strong> ler,<br />
interpretar, analisar e processar zilhões <strong>de</strong> textos maiores que a Bíblia em menos<br />
<strong>de</strong> um décimo <strong>de</strong> segundo, ficou o maior tempão usando um robô para <strong>de</strong>scobrir a<br />
senha disso aqui, e, venho eu, um simples mortal humano que, na sorte,<br />
consegue acertar <strong>de</strong> primeira...<br />
-Ainda assim, o melhor procedimento a partir <strong>de</strong>sse passo seria uma<br />
análise <strong>de</strong>talhada a respeito do que vem a ser essa porta e...<br />
-Que análise <strong>de</strong>talha, que nada! Eu tive sorte e vou manter o ritmo. Quero<br />
logo abri-la para <strong>de</strong>scobrir que segredo tão interessante ela guarda.<br />
Alex Randall abriu a tal porta e, num primeiro momento tudo o que viu foi o<br />
outro lado com o mesmo espaço cheio <strong>de</strong> estrelas. Justamente, aquilo que seria<br />
<strong>de</strong> se esperar...<br />
Mas, essa imagem começou a tremer e, então, um forte sopro vindo do que<br />
seria o “outro lado da porta” arremessou nosso herói contra o casco do Viajante<br />
das Estrelas.<br />
O tal sopro continuou e manchas brancas rápidas e in<strong>de</strong>finidas passaram a<br />
transpor os umbrais daquela porta a todo instante...<br />
Quando o fôlego do tal sopro terminou, apareceram centenas <strong>de</strong> naves<br />
espaciais dos mais variados mo<strong>de</strong>los.<br />
Torpedos, discos, esferas e ainda tantos outros tipos das mais estranhas<br />
formas .<br />
Todas porém tinham algo em comum.<br />
Eram transparentes como que se fossem feitas <strong>de</strong> plástico ou <strong>de</strong> vidro.<br />
Nosso herói nada sofreu com o choque. Apenas o susto pelo impacto<br />
inesperado.<br />
Choque mesmo, foi quando uma figura horrorosa foi projetada diretamente<br />
nos seus olhos no interior do capacete que usava. Pelo texto explicativo que a<br />
acompanhava, vinha <strong>de</strong> uma daquelas naves estranhas...<br />
-Sou o almirante TALMODENAS, comandante da frota que o cerca!<br />
Tipo muito feio que, assim como as naves da frota sob seu comando,<br />
115
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
também era transparente.<br />
Era algo fantasmagórico.<br />
Apavorante <strong>de</strong> se ver.<br />
***<br />
Alex Randall recuperou-se do susto do impacto da feiúra daquele sujeito e<br />
se apresentou:<br />
-Sou Alex Randall...<br />
-Você é o nosso salvador. Libertou-nos do purgatório que sofríamos<br />
Nosso herói sentiu um orgulho crescendo cada vez mais <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, pois<br />
fizera um gran<strong>de</strong> gesto humanitário.<br />
-Puxa vida, que bom! Fico feliz com isso. Principalmente porquê vocês são<br />
em muitos mesmo...<br />
-Realmente! O que temos em comum é que somos todos súditos do Império<br />
do Pai Gordo, mas, proce<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> planetas diferentes. Estamos seguindo para a<br />
se<strong>de</strong> imperial on<strong>de</strong> completaremos nossa missão.<br />
No campo inferior do projetor interno do capacete cujas imagens eram<br />
vistas diretamente pelos olhos <strong>de</strong> Alex Randall, uma luz vermelha começou a<br />
piscar.<br />
fato.<br />
Sua alegria com a boa ação realizada era tanta que mal <strong>de</strong>u-se conta do<br />
TALMODENAS perguntou:<br />
-Há alguma coisa que possamos fazer pelo sr.?<br />
Por uma questão <strong>de</strong> educação, nosso herói apenas respon<strong>de</strong>u.<br />
-Não! Agra<strong>de</strong>ço pela intenção <strong>de</strong> retribuir o pequeno favor, mas estou bem<br />
e posso me virar sozinho sem problemas.<br />
-Então temos que seguir. Devemos encerrar a nossa missão o mais<br />
brevemente possível.<br />
Meio minuto <strong>de</strong>pois, aquela frota <strong>de</strong> naves que também contava com<br />
gran<strong>de</strong>s asterói<strong>de</strong>s modificados e adaptados para receber todo tipo <strong>de</strong> artefato,<br />
como motores, armas, escon<strong>de</strong>rijos para naves menores, etc..., <strong>de</strong>sapareceu<br />
seguindo o seu <strong>de</strong>stino.<br />
Só então Alex Randall <strong>de</strong>u atenção para a tal luzinha que estava<br />
insistentemente piscando e já chamando atenção para si até com um insistente<br />
sinal sonoro..<br />
116
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
***<br />
-A missão <strong>de</strong> TALMODENAS é <strong>de</strong> vingança! Ele vai levar a morte a um<br />
povo que participou <strong>de</strong> uma guerra a muito tempo terminada. Sua frota vai acabar<br />
com a capital <strong>de</strong> um império que hoje não existe mais.<br />
Alex Randall então <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> que libertara uma força <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
incalculável pronta para causar muita <strong>de</strong>struição...<br />
Certamente, a porta <strong>de</strong> algum modo conteve toda aquela frota prisioneira<br />
evitando que a sua missão fosse cumprida.<br />
Agora, graças a ele, vidas po<strong>de</strong>riam correr risco...<br />
-Essa informação é correta? Não tem erro?<br />
A resposta contida na voz feminina do cérebro computadorizado veio fria e<br />
certeira.<br />
-As histórias da frota comandada por TALMODENAS e do seu <strong>de</strong>stino é<br />
conhecida em lendas e versos por mais da meta<strong>de</strong> da galáxia. Até mesmo os<br />
computadores do mundo policial dispõem <strong>de</strong> informações a respeito <strong>de</strong>sses fatos.<br />
-É mesmo?!? Pois eu a <strong>de</strong>sconheço. – Disse Alex Randall enquanto voltava<br />
para o interior do Viajante das Estrelas. – Esclareça-me esse ponto.<br />
-O império do Pai Gordo viveu dias <strong>de</strong> rebelião por todas as suas colônias.<br />
Com muita morte e violência, conseguiu por fim aos conflitos nos mundos sob o<br />
seu jugo. Porém, os movimentos <strong>de</strong> resistência não cessaram suas ativida<strong>de</strong>s.<br />
“Queriam alcançar seus objetivos, mas, com os meios convencionais <strong>de</strong><br />
que dispunham, jamais conseguiriam.”<br />
“Foi então arquitetado um plano cujo objetivo seria dar um golpe mortal na<br />
capital do império para esfacelar esse governo.”<br />
“Para tanto, precisariam <strong>de</strong> uma po<strong>de</strong>rosa frota <strong>de</strong> naves capazes <strong>de</strong><br />
enfrentar máquinas e soldados muito bem treinados.”<br />
“Espaçonaves <strong>de</strong> diversos mundos colonizados pelo império se juntaram ao<br />
movimento e, aos poucos foi sendo formada a frota <strong>de</strong> TALMODENAS”<br />
“O quê <strong>de</strong> in<strong>de</strong>strutibilida<strong>de</strong> que faltaria para a realização da missão foi<br />
conseguido através <strong>de</strong> antigos encantos <strong>de</strong> bruxaria.”<br />
“Não sem, é claro, o tradicional sacrifício que sempre é feito em ocasiões<br />
assim.”<br />
“Aquela frota seria in<strong>de</strong>strutível, mas, para isso, as almas <strong>de</strong> todos que nela<br />
estivessem ,seriam dadas como forma <strong>de</strong> pagamento ao <strong>de</strong>mônio que lhes<br />
conce<strong>de</strong>u o pedido.”<br />
-Isso explica a transparência <strong>de</strong> suas formas. – Pensou Alex Randall. - São<br />
fantasmas!<br />
117
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O cérebro computadorizado prosseguiu o relato:<br />
-O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança pelas perdas que o Império do Pai Gordo havia lhes<br />
impingido era tão gran<strong>de</strong> que sacrificariam as próprias vidas para realizar seu<br />
intento.<br />
“Mesmo assim, as intenções <strong>de</strong> TALMODENAS não passaram<br />
<strong>de</strong>spercebidas.”<br />
“O serviço <strong>de</strong> espionagem leal ao império conseguiu aprisionar o bruxo que<br />
intermediara a barganha entre o <strong>de</strong>mônio e a frota.”<br />
“Logo ficaram os leais servos do Império sabendo do perigo que ameaçava<br />
a capital e puseram em ação um plano para afastá-lo.”<br />
“O próprio bruxo que ajudara na criação da frota fantasma acabou tendo <strong>de</strong><br />
involuntariamente encontrar uma solução para o problema.”<br />
“Com novo encanto que transcen<strong>de</strong>u tempo e espaço , pôs no caminho <strong>de</strong><br />
TALMODENAS e da frota, uma armadilha que os aprisionou no purgatório.”<br />
“Tudo indica que era essa porta que mantinha a frota fantasma<br />
prisioneira...”<br />
Alex Randall ouviu atentamente toda a explicação...<br />
Deu algumas tragadas no seu cachimbo, refletiu brevemente e perguntou...<br />
-On<strong>de</strong> fica a capital <strong>de</strong>sse Império do Pai Gordo?<br />
-O império não existe mais. O planeta que o sediava hoje é capital <strong>de</strong> uma<br />
república cuja constituição preza a vida e as diferenças entre os governados.”<br />
“Esse estado, encontrou uma rara e bem sucedida forma <strong>de</strong> governar... “<br />
“É um mundo que mais nada tem do seu passado imperial e opressor.”<br />
Só então, Alex Randall pô<strong>de</strong> dimensionar melhor os fatos:<br />
-Temos <strong>de</strong> ir atrás <strong>de</strong> TALMODENAS e tentar <strong>de</strong>move-lo do seu intento.<br />
Logo em seguida, o Viajante das Estrelas partiu.<br />
***<br />
Não tardou muito para chegar ao seu objetivo.<br />
Destroços <strong>de</strong> naves, fragmentos <strong>de</strong> satélites, pedaços <strong>de</strong> estações<br />
espaciais e até corpos <strong>de</strong>spedaçados vagando pelo espaço eram os sinais da<br />
presença da frota fantasma por todo aquele sistema planetário.<br />
Resistência era oferecida por alguns poucos que não foram surpreendidos.<br />
Inútil!<br />
Nada podia parar a frota fantasma.<br />
O planeta capital era o mais castigado. Ali se concentrou um ataque tão<br />
118
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
intenso que praticamente aniquilou todas as formas <strong>de</strong> vida existentes.<br />
Céus ardiam e praticamente todos os centros urbanos foram consumidos<br />
por um interminável mar <strong>de</strong> fogo.<br />
Apesar das mortes e da violência, as chamas causadoras <strong>de</strong> tanta tragédia<br />
eram bonitas <strong>de</strong> se admirar.<br />
Do espaço, as explosões que consumiam cida<strong>de</strong>s inteiras pareciam apenas<br />
pontinhos brilhantes que se acendiam e apagavam...<br />
Aquela beleza assassina por alguns momentos seduziu nosso herói.<br />
Foram momentos em que ficou imerso, fascinado com o brilho e os fogos<br />
da guerra.<br />
Logo porém voltou a si e chamou por TALMODENAS através das mesmas<br />
freqüências <strong>de</strong> comunicação que havia usado anteriormente.<br />
A resposta veio imediata.<br />
-O que <strong>de</strong>seja amigo? O que posso fazer por você?<br />
-Tem que cessar o ataque imediatamente! O povo que você está matando<br />
não é o mesmo dos tempos do império. A sua guerra acabou! A vingança que por<br />
tanto tempo esperou agora está atingindo inocentes!<br />
Nem bem terminou seu discurso eloqüente, a imagem <strong>de</strong> TALMODENAS<br />
que os projetores mostravam na central <strong>de</strong> comando tremeu...<br />
As câmeras e <strong>de</strong>mais sensores do Viajante das Estrelas captaram <strong>de</strong> todos<br />
os planetas habitados do sistema planetário, explosões tão potentes que,<br />
certamente, em cada um <strong>de</strong>les, a vida foi <strong>de</strong>finitivamente extinta.<br />
A imagem do almirante voltou ao normal e ele enviou sua última<br />
mensagem...<br />
-Lamento que tenha sido assim. Agora esse sistema planetário virou um<br />
imenso cemitério. Se pelo menos tivesse nos avisado logo após termos saído do<br />
purgatório, ou mesmo, alguns poucos momentos atrás, certamente seu pedido<br />
teria sido consi<strong>de</strong>rado. A nós que cumprimos a vingança, resta pagar os pecados<br />
no inferno, já que , realizada a missão, os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> in<strong>de</strong>strutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong><br />
dar a proteção que tínhamos! Agora vejo como caímos nas armadilhas do<br />
<strong>de</strong>stino...<br />
A imagem <strong>de</strong> TALMODENAS <strong>de</strong>sapareceu e o que havia restado da frota<br />
fantasma também.<br />
Ficou o rastro <strong>de</strong> morte e <strong>de</strong>struição <strong>de</strong>ixado por esta, que não poupou<br />
ninguém do sistema planetário que um dia fora a capital do império do pai gordo.<br />
Não havia o que salvar.<br />
Tudo fora completamente arrasado.<br />
Permanecer nas imediações, só se fosse para chorar a chacina on<strong>de</strong><br />
119
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
somente o <strong>de</strong>mônio saíra com saldo positivo.<br />
Mas Alex Randall ainda sugeriu uma última cartada...<br />
-Temos máquinas do tempo a bordo que po<strong>de</strong>m nos levar <strong>de</strong> volta ao<br />
passado num momento on<strong>de</strong> seja possível salvar todas estas vidas perdidas...<br />
-Sim. - Concordou o Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas. -<br />
Só que não vale a pena...<br />
Alex Randall ficou surpreso com aquela resposta.<br />
-Mas por-quê? - Indagou.<br />
-Ainda que conseguíssemos voltar ao passado e manter a frota <strong>de</strong><br />
TALMODENAS encarcerada, outro qualquer que estivesse passando por alí<br />
<strong>de</strong>scobriria o segredo daquela fechadura e abriria a porta novamente. Mesmo no<br />
espaço, ela estava localizada num lugar acessível que faz parte <strong>de</strong> uma rota por<br />
on<strong>de</strong> transitam muitas naves. A libertação daqueles fantasmas era apenas<br />
questão <strong>de</strong> tempo. Neste caso, o <strong>de</strong>stino já estava <strong>de</strong>cidido...<br />
-Quem diria: um Cérebro Computadorizado <strong>de</strong> última geração sugerindo a<br />
tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões com base na crença da imutabilida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>stino.<br />
-Não! Apenas na pura lógica mesmo! Com essa porta a solta pelo espaço,<br />
cedo ou tar<strong>de</strong> alguém iria revelar seus segredos. É mais ou menos como largar<br />
um objeto <strong>de</strong> valor numa via por on<strong>de</strong> passam várias pessoas. Em algum<br />
momento, uma <strong>de</strong>las vai percebê-lo e querer verificar do que se trata. O que está<br />
feito está feito. O resultado será o mesmo.<br />
-Muito bem então. - Concordou Alex Randal...<br />
Com um enorme peso na consciência reduzido graças à explanação do<br />
ponto <strong>de</strong> vista do Cérebro Computadorizado, nosso herói or<strong>de</strong>nou a partida para o<br />
espaço profundo.<br />
Quanta <strong>de</strong>sgraça não acontece <strong>de</strong>vido ao acaso...<br />
***<br />
120
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.13 DE ALEX RANDALL<br />
“Quando <strong>de</strong>spertó, el dinossaurio todavia estaba alli.”<br />
Augusto Monterroso<br />
-Pedido <strong>de</strong> socorro captado!<br />
-De on<strong>de</strong> vem?<br />
-Das proximida<strong>de</strong>s. Em poucos segundos po<strong>de</strong>remos alcançar a fonte<br />
emissora.<br />
Imediatamente, logo adiante da poltrona on<strong>de</strong> estava sentado nosso herói,<br />
apareceu a imagem <strong>de</strong> uma nave espacial que, na sua configuração era similar<br />
aos velhos torpedos da Terra.<br />
-Já encontramos esta espaçonave antes. Só que, no momento, ainda não<br />
dá para <strong>de</strong>terminar a causa <strong>de</strong> seus problemas. – Disse a voz feminina do cérebro<br />
computadorizado.<br />
Alex Randall não podia discordar.<br />
Era a mesma espaçonave que em outra ocasião, encontrara caçando os<br />
filhotes dourados do inseto gigante que tivera a diarréia na central <strong>de</strong> comando.<br />
-Faça contato.<br />
Algum tempo passou mas, não houve resposta aos chamados realizados.<br />
-Não aten<strong>de</strong>m.<br />
-Po<strong>de</strong>m estar em situação difícil. Rapi<strong>de</strong>z agora é essencial. - Pensou Alex<br />
Randall enquanto mordiscava a piteira do seu cachimbo.<br />
-Vamos até lá. - Or<strong>de</strong>nou.<br />
Imediatamente, a astronave seguiu o seu novo <strong>de</strong>stino.<br />
***<br />
Pouco tempo após a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> prestar socorro ser tomada, o Viajante das<br />
Estrelas estacionava suavemente a menos <strong>de</strong> cem metros da nave em perigo..<br />
Alex Randall estranhou o silencio da nave. Chegara o mais rápido possível<br />
e, a distância que percorrera <strong>de</strong>pois que recebera o pedido <strong>de</strong> socorro não era tão<br />
longa assim.<br />
Algum sinal <strong>de</strong> vida ou movimentação ainda <strong>de</strong>veria haver, entretanto,<br />
reinava uma total quietu<strong>de</strong> que chegava até a ser sinistra.<br />
Nem as luzes externas <strong>de</strong> sinalização da nave estavam mais acesas.<br />
Estranhando a curiosa situação, nosso herói achou por bem agir rápido.<br />
-Ponha uma equipe robotizada em ação! Temos <strong>de</strong> saber o que está<br />
121
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
acontecendo. Não vou teletransportar nada lá para <strong>de</strong>ntro sem dar antes uma<br />
verificada.<br />
Logo, comportas se abriram na parte externa do Viajante das Estrelas por<br />
on<strong>de</strong> passaram vários enxames <strong>de</strong> robôs das mais diversas formas.<br />
Tão estranho conjunto <strong>de</strong> artefatos se dividiu em diversos grupos. Alguns,<br />
registrando imagens. Outros, pousando no casco do torpedo tentando contato<br />
com o interior daquela espaçonave.<br />
Da central <strong>de</strong> comando, Alex Randall acompanhava cada movimento.<br />
Apesar da expressão do seu rosto aparentar <strong>de</strong>sinteresse, nenhum <strong>de</strong>talhe<br />
escapava à sua aguçada visão.<br />
Os robôs assentados no casco da espaçonave não conseguiam obter<br />
resposta alguma apesar dos insistentes e diversos chamados que realizavam.<br />
Mesmo assim captaram sons que po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong> batimentos cardíacos e<br />
outros tipos <strong>de</strong> vibrações muito distantes que davam conta <strong>de</strong> que ali <strong>de</strong>ntro<br />
certamente havia pelo menos uma vida que po<strong>de</strong>ria ser salva.<br />
Não gostava <strong>de</strong> tomar tal tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, mas em virtu<strong>de</strong> do tempo estar<br />
correndo e com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém estar prestes a morrer, or<strong>de</strong>nou a<br />
injeção <strong>de</strong> micro-robôs naquela espaçonave...<br />
Três “pernilongos arrombadores” robotizados pousaram em diferentes<br />
pontos da parte externa e, conforme o praxe, inseriram nesta superfície, suas<br />
trombas pontiagudas metálicas e brilhantes.<br />
Tais engenhocas, capazes <strong>de</strong> perfurar pare<strong>de</strong>s grossas e resistentes<br />
injetariam no interior da nave, milhares <strong>de</strong> micro-robôs exploradores que,<br />
percorriam tudo lá <strong>de</strong>ntro colhendo informações.<br />
Pouca coisa se alterava enquanto a invasão acontecia, já que, os<br />
“pernilongos” faziam os furos na superfície <strong>de</strong> modo a não permitir a<br />
<strong>de</strong>scompressão interna.<br />
Em conseqüência <strong>de</strong>sse processo, as novida<strong>de</strong>s logo começaram a chegar<br />
à central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas na forma <strong>de</strong> imagens e gráficos<br />
tridimensionais que foram projetados ao redor da poltrona <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
A informação mais importante que chegou, dava conta <strong>de</strong> que: apesar dos<br />
cuidados tomados para a invasão, boa parte dos compartimentos da espaçonave<br />
já estava com os controles <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> vida completamente inoperantes.<br />
Pior ainda: Toda a tripulação lá <strong>de</strong>ntro já estava morta.<br />
E eram mesmo os tais contrabandistas que nosso herói encontrara em<br />
outra <strong>de</strong> suas viagens.<br />
Mas também havia outro importante <strong>de</strong>talhe.<br />
No centro da espaçonave, havia um gran<strong>de</strong> compartimento blindado por<br />
122
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
on<strong>de</strong> os robôs ainda não haviam conseguido transitar e nem mesmo penetrar.<br />
Lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, vinham os sons que o cérebro computadorizado interpretou<br />
como sendo <strong>de</strong> batimentos cardíacos.<br />
Robôs especializados em arrombamento foram enviados para o local.<br />
Encontraram o acesso que era protegido por uma fechadura que só era<br />
<strong>de</strong>strancada mediante senha numérica a ser digitada em teclado ali disposto.<br />
Os robôs, com sua rapi<strong>de</strong>z característica, tentaram diversas combinações,<br />
mas, novamente, o tempo corria e os seus esforços não eram recompensados.<br />
Outros, por sua vez, batiam na pare<strong>de</strong> daquele recinto blindado tentando<br />
fazer, com os sons das batidas, algum tipo <strong>de</strong> contato, com o que quer que<br />
eventualmente estivesse ali <strong>de</strong>ntro.<br />
Não obtiveram resposta, mas uma perceptível alteração no ritmo dos<br />
supostos batimentos cardíacos que os sensores altamente sensíveis captavam<br />
ocorreu.<br />
Enquanto isso, a senha da porta <strong>de</strong> acesso não se mostrava fácil <strong>de</strong><br />
revelar.<br />
Seu mecanismo blindado, estava se mostrando um páreo duro <strong>de</strong> vencer.<br />
Tanta <strong>de</strong>mora impacientava Alex Randall que naquele momento já<br />
começava a ter algumas <strong>de</strong> suas novas idéias mirabolantes.<br />
Baseado na sua bem sucedida experiência anterior com a abertura <strong>de</strong><br />
portas, mais uma vez resolveu tentar uma intervenção pessoal.<br />
E novamente, o cérebro computadorizado teve que manifestar sua<br />
discordância com a tomada daquela súbita <strong>de</strong>cisão.<br />
-Sua vida po<strong>de</strong> correr perigo. O que quer que esteja naquele<br />
compartimento blindado do interior daquela nave é <strong>de</strong>sconhecido e po<strong>de</strong> até<br />
representar perigo.<br />
-Uma vida po<strong>de</strong> estar em perigo e, se tenho um talento para abrir portas<br />
<strong>de</strong>vo exercita-lo nesse momento, já que, os robôs não conseguem resolver o<br />
problema.<br />
-Mas que talento é esse? A <strong>de</strong>scoberta da senha que libertou a Frota<br />
Fantasma foi questão <strong>de</strong> sorte, qualquer outro po<strong>de</strong>ria fazer o mesmo. Não há o<br />
que discutir a respeito <strong>de</strong>sse assunto.<br />
Alex Randall ouviu em silêncio.<br />
Mesmo assim, já estava tomando as providências para fazer mais um <strong>de</strong><br />
seus passeios fora do Viajante das Estrelas...<br />
***<br />
123
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O cérebro computadorizado cansou as orelhas do nosso herói <strong>de</strong> tanto<br />
avisar-lhe dos perigos que passaria entrando na nave <strong>de</strong>sconhecida.<br />
Algum tempo <strong>de</strong>pois, vestindo um avançadíssimo traje para astronautas, e<br />
contrariando todas as advertências, Alex Randall já estava lá.<br />
Percorrendo os corredores, flutuando em gravida<strong>de</strong> zero, vendo ao vivo<br />
mais <strong>de</strong> quarenta cadáveres daqueles curiosos galináceos, indagava-se o que<br />
teria causado tantas mortes...<br />
Olhando aquela nave por <strong>de</strong>ntro, percebia que, entre outras funções, ela<br />
também funcionava como instalação industrial on<strong>de</strong> as criaturas douradas que<br />
salvara numa outra ocasião eram mortas, fatiadas, “limpas”, embaladas e<br />
encaixotadas em gran<strong>de</strong>s gela<strong>de</strong>iras.<br />
Na outra ocasião que encontrara este finado bando <strong>de</strong> contrabandistas,<br />
inconscientemente fizera uma associação daquela situação que presenciava, com<br />
as pescarias industrializadas da Terra que, em muitos casos, exterminavam<br />
espécies inteiras além <strong>de</strong> tirar a vida <strong>de</strong> muitas criaturas que não eram<br />
aproveitadas para nada.<br />
Era uma associação correta. Aquela nave talvez tivesse um papel bem<br />
parecido, só que em outro plano...<br />
Em meio a estas reflexões, finalmente viu-se diante da porta.<br />
Com a sua chegada, o robô que, realizava as tentativas infrutíferas na<br />
fechadura relatou...<br />
-Tentei 65.738 combinações e não obtive resultado positivo.<br />
-Deixe me tentar pelo menos uma vez...<br />
Numa das teclas havia um <strong>de</strong>senho que parecia uma bola, nosso herói<br />
pressionou-a várias vezes e apertou outro botão ver<strong>de</strong> logo ao lado...<br />
Disse então como que por brinca<strong>de</strong>ira:<br />
-Abracadabra!<br />
E a porta se abriu como que por encanto.<br />
Alex Randall não pô<strong>de</strong> evitar:<br />
-Agora o meu potencial para intuir com cem por cento <strong>de</strong> certeza as senhas<br />
problemáticas terá <strong>de</strong> ser reconhecido...<br />
***<br />
A porta <strong>de</strong>strancada revelou pequeno cubículo com uma escotilha fechada<br />
na pare<strong>de</strong> oposta.<br />
Audacioso, nosso herói logo avançou para <strong>de</strong>ntro, antes mesmo dos seus<br />
robôs.<br />
124
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Sabia que o cérebro computadorizado certamente e, com toda razão, iria<br />
lhe passar sermão pelo fato <strong>de</strong> não resguardar sua segurança <strong>de</strong> modo correto.<br />
E realmente ouviu...<br />
-Devia <strong>de</strong>ixar o serviço arriscado para os robôs.<br />
Antes que pu<strong>de</strong>sse dar uma resposta irônica àquela advertência, ou mesmo<br />
que os robôs a<strong>de</strong>ntrassem o cubículo, a porta se fechou novamente isolando Alex<br />
Randall .<br />
A única iluminação existente era a do seu traje.<br />
De - repente ocorreu um estrondo e então, um chiado que parecia indicar<br />
que alguma espécie <strong>de</strong> gás estava sendo inserido naquele ambiente.<br />
Sobre a escotilha, uma luz avermelhada acen<strong>de</strong>u e, <strong>de</strong>pois, outra ver<strong>de</strong>.<br />
Alex Randall girou o volante que ficava nela esta se abriu mostrando um<br />
corredor cujas luzes acen<strong>de</strong>ram automaticamente.<br />
Uma pequena lâmpada azul iluminou o interior do capacete.<br />
Indicava que o ambiente no interior do setor blindado daquela nave tinha ar<br />
respirável para humanos.<br />
Abriu a viseira e <strong>de</strong>u uma respirada.<br />
Tudo ok!<br />
Avançou pelo corredor e reparou que, nas laterais <strong>de</strong>le, haviam celas.<br />
Eram comuns, porcas e fechadas com barras cilíndricas <strong>de</strong> um material<br />
muito parecido com o ferro.<br />
Todas vazias.<br />
No fim do corredor, outra porta.<br />
Nosso audacioso herói dirigiu-se até ela e a abriu.<br />
Acionou a iluminação ambiente antes <strong>de</strong> entrar.<br />
Era um <strong>de</strong>pósito cheio <strong>de</strong> caixas feitas com material metálico.<br />
Uma <strong>de</strong>las, enorme!<br />
Devia medir uns sessenta metros <strong>de</strong> cumprimento por trinta <strong>de</strong> altura e<br />
largura.<br />
Uma <strong>de</strong> suas pare<strong>de</strong>s laterais estava completamente <strong>de</strong>stroçada; alguma<br />
força abriu imenso buraco nela a partir do seu lado interno.<br />
Alex Randall aproximou-se para observar as proporções do estrago.<br />
Tão entretido ficou com suas observações que não percebeu a figura<br />
gigantesca que movia-se ao seu redor.<br />
Quando <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> que algo acontecia, <strong>de</strong>parou-se com um dragão<br />
cuja cabeça estava próxima <strong>de</strong> si .<br />
Seu olhar era perturbador e hipnótico.<br />
125
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Alex Randall ficou imóvel preso aos olhos daquela criatura.<br />
Não era mais dono <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> ou seus pensamentos.<br />
A realida<strong>de</strong> ao seu redor se alterou colocando-o em um lugar<br />
completamente diferente.<br />
Via-se num mundo primitivo com <strong>de</strong>nsa floresta.<br />
Naquele cenário, apareceu um dragão fugindo.<br />
Parecia justamente aquele da nave em que se encontrava.<br />
Era perseguido pelos galináceos contrabandistas armados <strong>de</strong> bastões<br />
emissores <strong>de</strong> raios que lhe impingiam dor severa.<br />
A situação alterou-se novamente.<br />
Não se enxergava mais nada.<br />
No meio das trevas, um sentimento <strong>de</strong> aperto, tanto físico como mental.<br />
Os movimentos estavam completamente tolhidos.<br />
Como conseqüência disso, o pânico também foi tomando seu lugar naquele<br />
cenário <strong>de</strong> escuridão.<br />
Quando a agonia do aperto parecia ser insuportável, a explosão da própria<br />
força física abriu espaço ao lado do corpo e uma luz <strong>de</strong> esperança iluminou a<br />
saída...<br />
Seguiu-a e <strong>de</strong>parou-se com o <strong>de</strong>pósito da nave espacial dos<br />
contrabandistas.<br />
Havia escapado da caixa gigantesca que encontrara arrombada.<br />
Percebera então que, as sensações que tinha certamente eram as<br />
mesmas pelas quais passara o gigantesco dragão.<br />
Um elo mental havia se estabelecido entre Alex Randall e a criatura.<br />
Voltou à realida<strong>de</strong> vendo-se diante do hipnótico olhar da fera.<br />
Teria mesmo revivido experiências realmente passadas pelo dragão?<br />
Ou talvez, a hipnose fosse uma tática para confundir seus pensamentos<br />
ficando mais vulnerável a um ataque?<br />
Menos <strong>de</strong> um segundo após esta dúvida ter se manifestado, o dragão<br />
projetou para fora a língua gosmenta que enrolou-se na cintura do nosso herói e<br />
rapidamente o puxou para o interior da boca.<br />
Nem mastigado foi.<br />
***<br />
Desceu goela abaixo pensando na completa razão que tinha o cérebro<br />
computadorizado do Viajante das Estrelas quando lhe dava alguns <strong>de</strong> seus<br />
126
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
conselhos.<br />
Sentia-se como se estivesse <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um saco levando pancada por todos<br />
os lados.<br />
Poucos eram os comandos dos instrumentos que pareciam funcionar<br />
normalmente em sua roupa.<br />
Um <strong>de</strong>les, era o que acendia os holofotes instalados nos seus ombros e no<br />
topo do capacete. Acen<strong>de</strong>u-os e não animou-se muito com o que viu em volta.<br />
Depois <strong>de</strong> muito movimento, parou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um outro órgão que também<br />
parecia um saco visto <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, só que este era maior que o anterior por on<strong>de</strong><br />
passara.<br />
Assim que chegou ali, as pare<strong>de</strong>s internas começaram a exalar gran<strong>de</strong>s<br />
quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fumaça, ao mesmo tempo que, um líquido branco com cheiro<br />
simplesmente horrível.<br />
Nosso herói inalou um pouco da fumaça.<br />
Mesmo assim, logo fechou a viseira isolando-se hermeticamente <strong>de</strong><br />
qualquer agressão ao seu olfato.<br />
O sistema <strong>de</strong> exaustão da sua roupa limparia o ar interno e po<strong>de</strong>ria oferecer<br />
condições <strong>de</strong> vida ainda que no interior do dragão.<br />
Mesmo expostos àquela condição extrema, os mecanismos do traje<br />
trabalhavam perfeitamente ao manter a integrida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Porém, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fumaça inalada, apesar <strong>de</strong> pequena, causou-lhe<br />
algum <strong>de</strong>sconforto.<br />
Primeiro começou a piscar incessantemente e, a seguir, vieram as lágrimas<br />
que simplesmente lhe obstruíram completamente a visão tamanha a abundância<br />
com que fruíam.<br />
Quando pô<strong>de</strong> enxergar normalmente, não estava mais no interior do<br />
dragão.<br />
***<br />
Agora, se encontrava num ambiente totalmente enfumaçado on<strong>de</strong> via<br />
alguns poucos palmos adiante do nariz.<br />
Vestia roupas comuns e não o traje que até aquele momento estivera<br />
usando.<br />
Pelo chão, em meio à fumaça branca jaziam em <strong>de</strong>composição cadáveres<br />
<strong>de</strong> criaturas das mais variadas espécies.<br />
Encorajado por aquele ambiente aconchegantemente <strong>de</strong>corado com mortos<br />
e esqueletos, nosso herói conseguiu colocar-se <strong>de</strong> pé já que não estava mais<br />
127
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
sendo moído <strong>de</strong> pancada.<br />
Ainda não entendia muito bem como é que seu traje <strong>de</strong> astronauta<br />
<strong>de</strong>saparecera e enten<strong>de</strong>u menos ainda, quando, diante <strong>de</strong> si, <strong>de</strong>parou-se com<br />
outra criatura viva.<br />
Não eram insetos e outros tipos <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> vida que eventualmente se<br />
banqueteariam com a carniça <strong>de</strong> tantos <strong>de</strong>funtos.<br />
Era um humanói<strong>de</strong> <strong>de</strong> cor negra, semi-nú, <strong>de</strong> uma só perna, gorro vermelho<br />
e que também fumava cachimbo.<br />
A figura <strong>de</strong>u diversas tragadas soltando bastante fumaça pelo nariz, o que<br />
instigou o nosso herói à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fumar.<br />
Só que, o seu cachimbo e fumo não estavam consigo naquele momento, e,<br />
justamente por isso; o que era um leve <strong>de</strong>sejo transformou-se numa fissura<br />
<strong>de</strong>senfreada.<br />
O fumador <strong>de</strong> uma só perna, apercebendo-se disso disse:<br />
-Te arranjo fumo, mas, terás que me fazer um favorzinho...<br />
-Um favorzinho... – Pensou nosso herói. – Não <strong>de</strong>ve ser lá gran<strong>de</strong> coisa.<br />
Talvez, um servicinho simples.<br />
O sujeito virou-se, e logo apareceu trazendo dois ovos <strong>de</strong> quarenta<br />
centímetros <strong>de</strong> altura cada. Um, <strong>de</strong> cor prateada, outro, dourado.<br />
fazer.<br />
-Só quero que você tome conta <strong>de</strong>stas belezinhas para mim...<br />
Dito isto, entregou os ovos para Alex Randall que ficou sem saber o que<br />
E não teve tempo nem <strong>de</strong> perguntar, pois, tudo escureceu <strong>de</strong> tal maneira,<br />
que nada mais se via diante do próprio nariz.<br />
Veio novamente o inexplicável aperto por todo o corpo com gran<strong>de</strong><br />
intensida<strong>de</strong>, mas que foi diminuindo até terminar.<br />
Deu-se conta então que estava sendo expelido pelo ânus do dragão<br />
juntamente com algumas centenas <strong>de</strong> quilos <strong>de</strong> merda.<br />
Para sua surpresa, agora vestia novamente o traje especial <strong>de</strong> astronauta e<br />
a superfície <strong>de</strong>ste se encontrava completamente lavada <strong>de</strong> bosta.<br />
Não havia um único centímetro quadrado da roupa que estivesse limpa.<br />
Curiosamente, notou ainda que, ao seu lado, estavam os dois ovos que lhe<br />
foram entregues pela criatura <strong>de</strong> pele escura e uma perna só.<br />
O prometido fumo porém... Nada!<br />
Caído, Alex Randall viu o dragão sentar e <strong>de</strong>itar-se após a caganeira...<br />
Não parecia bem...<br />
Contorcia-se fazendo expressões faciais <strong>de</strong> dar dó...<br />
128
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A respiração fraquejou e o bicho parou <strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong> se mexer.<br />
E então, o mais extraordinário!<br />
O corpo da gigantesca criatura emitiu um forte brilho e <strong>de</strong>sapareceu<br />
completamente sem <strong>de</strong>ixar vestígios. Apenas nosso herói um tanto perplexo, os<br />
ovos e os resquícios <strong>de</strong> fezes pelo chão e pelas roupas.<br />
Com relação ao traje especial, reparou que este se encontrava sem<br />
nenhum dano.<br />
Estava intacto, apesar <strong>de</strong> ter percorrido todo o sistema digestivo da fera!<br />
Muito provavelmente sua gran<strong>de</strong> resistência <strong>de</strong>veria justamente ter causado<br />
a morte do dragão por indigestão.<br />
E foi então que a cavalaria apareceu<br />
Como sempre, <strong>de</strong>pois que o herói safou a própria pele do perigo.<br />
Chegaram os robôs enviados pelo cérebro computadorizado que fizeram o<br />
mesmo caminho percorrido por Alex Randall, mas, não tiveram tempo <strong>de</strong> ver o<br />
dragão.<br />
Nosso herói ao verificar o relógio surpreen<strong>de</strong>u-se ao dar-se conta <strong>de</strong> que<br />
seu tour pelas tripas do monstro não durara cinco minutos terrestres.<br />
A sensação que teve porém foi a <strong>de</strong> ter apanhado durante horas e horas<br />
seguidas lá <strong>de</strong>ntro.<br />
Ainda constatou que não havia nenhum registro da fera feito pelas câmeras<br />
filmadoras embutidas no seu traje. Mesmo quando fora engolido, as únicas<br />
imagens eram <strong>de</strong> chuviscos.<br />
As provas daquele fato eram os ovos.<br />
Um dos robôs aproximou-se <strong>de</strong>stes, tocou-o e afirmou:<br />
-Os sons que havíamos captado vêm daqui. Mas parece que os cálculos<br />
foram errados, são dois seres vivos ao invés <strong>de</strong> um<br />
Nosso herói nada disse.<br />
As batidas registradas anteriormente não tinham origem só no interior<br />
daqueles dois ovos, mas também no coração do dragão que <strong>de</strong>saparecera após<br />
morrer.<br />
-Quero um estudo nos computadores <strong>de</strong>ssa espaçonave . Quem sabe,<br />
existam registros que esclareçam o que aconteceu aqui e matou todos estes<br />
contrabandistas.<br />
Um dos robôs aproximou-se do que parecia ser um terminal <strong>de</strong> computador<br />
da espaçonave e se conectou a este..<br />
robô.<br />
Meia fração <strong>de</strong> segundo <strong>de</strong>pois, algo curioso ocorreu.<br />
Uma espécie <strong>de</strong> mancha brilhante saiu <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do aparelho tocado pelo<br />
129
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Movendo-se rapidamente jogou-se sobre Alex Randall.<br />
Sua investida porém foi contida por alguma força invisível.<br />
Dentro do capacete <strong>de</strong> Alex Randall um alerta avisava.<br />
-Atenção! Perigo <strong>de</strong> infecção por vírus bio-digital.<br />
***<br />
A estranha criatura que muito mal dava para se ver correu mergulhando <strong>de</strong><br />
volta no terminal <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíra.<br />
As luzes que iluminavam o compartimento tremularam e então, ouviu-se um<br />
gran<strong>de</strong> estrondo.<br />
Eram os motores da nave sendo acionados.<br />
Ela estava sendo posta em movimento..<br />
O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas então diagnosticou os<br />
acontecimentos ocorridos explicando pelos fones <strong>de</strong> ouvido do capacete <strong>de</strong> Alex<br />
Randall a sua situação:<br />
-O vírus bio-digital é um ser vivo criado artificialmente para invadir qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> órgão ou aparelho <strong>de</strong>stinado a processamento ou armazenamento <strong>de</strong><br />
dados, seja biológico ou artificial.<br />
“Ele po<strong>de</strong> atuar não só em meios <strong>de</strong> armazenamentos <strong>de</strong> memórias<br />
artificiais, mas também nos existentes em quaisquer criaturas providas <strong>de</strong><br />
inteligência.”<br />
“Foi criado como arma <strong>de</strong> guerra. O que está aqui certamente foi trazido<br />
como contrabando, afinal, seu valor no mercado negro, segundo os arquivos do<br />
mundo policial, é incalculável.”<br />
A voz feminina digitalizada fez uma pausa e então, <strong>de</strong>u continuida<strong>de</strong> às<br />
suas explicações.<br />
-Ainda foi registrada a ocorrência <strong>de</strong> intensas emissões <strong>de</strong> partículas<br />
altamente energizadas provenientes <strong>de</strong> uma estrela existente nesse setor.<br />
-Provavelmente. – Continuou o Cérebro Computadorizado. - Estas<br />
partículas interferiram no bom funcionamento dos computadores quando essa<br />
espaçonave transitava pelas imediações.”<br />
“Em <strong>de</strong>corrência dos <strong>de</strong>feitos que então se suce<strong>de</strong>ram pela nave, o vírus<br />
bio-digital escapou da cela virtual on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estivera aprisionado. “<br />
“Solto no ambiente, ele simplesmente seguiu seus instintos básicos que,<br />
normalmente, são programados para causar o máximo possível <strong>de</strong> danos.”<br />
“Depois <strong>de</strong> exterminar toda a vida que encontrou pela frente , alojou-se no<br />
sistema <strong>de</strong> computadores da nave, <strong>de</strong>sligou-o e pôs-se em estado <strong>de</strong> hibernação<br />
130
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
já que não havia mais para on<strong>de</strong> seguir.”<br />
Algumas perguntas intranqüilizavam nosso herói, a mais perturbadora <strong>de</strong>las<br />
se referia ao porquê da mamãe dragão não ter sido perseguida e morta pelo vírus<br />
bio-digital.<br />
Mas, essa questão, não colocaria em pauta junto ao Cérebro<br />
Computadorizado do Viajante das Estrelas justamente pelo fato <strong>de</strong>ste não ter<br />
percebido ou registrado a existência da fera que por algum tempo o mantivera em<br />
seu estômago...<br />
mim?<br />
Passou então para a segunda pergunta mais intrigante...<br />
-E por que ele não conseguiu concluir com sucesso o seu ataque contra<br />
-A roupa, todo o seu sistema computadorizado e também os outros ligados<br />
ao Viajante das Estrelas são protegidas por “vacinas” contra estes perigos<br />
-Muito bem. E o que fazer agora?<br />
-Seu resgate está a caminho. Mantenha-se tranqüilo. O teletransporte não<br />
po<strong>de</strong>rá ser usado, mas, não se preocupe: o vírus não o vê como ameaça, sabe<br />
que somente com os equipamentos disponíveis aqui <strong>de</strong>ntro correrá risco <strong>de</strong> ser<br />
<strong>de</strong>struído. Seu objetivo ao reassumir o controle da nave dos contrabandistas é<br />
unicamente o <strong>de</strong> escapar <strong>de</strong> um novo encarceramento...<br />
Sabedor <strong>de</strong>ssa notícia, nosso herói não per<strong>de</strong>u tempo e tomou rumo <strong>de</strong><br />
volta para o ponto on<strong>de</strong> seria resgatado.<br />
***<br />
O Viajante das Estrelas não <strong>de</strong>ixou que a nave on<strong>de</strong> Alex Randall e seus<br />
robôs se encontravam escapasse.<br />
Um veículo auxiliar parecido com os velhos aviões da Terra, <strong>de</strong> asas curtas<br />
e corpo mais robusto saiu <strong>de</strong> uma das comportas da astronave para efetuar o<br />
resgate.<br />
Era bastante manobrável e veloz.<br />
Aproximou-se da entrada por on<strong>de</strong> nosso herói e seus robôs acessaram a<br />
nave e, um tubo a partir da parte inferior do veículo auxiliar projetou-se em direção<br />
a esta.<br />
Não muito tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> conectado aquele cilindro ao acesso, Alex<br />
Randall e seus companheiros cibernéticos correram por <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le em direção à<br />
segurança.<br />
Terminado o resgate, o veículo voltou ao Viajante das Estrelas que, por sua<br />
vez, <strong>de</strong>sacelerou-se afastando daquela fonte <strong>de</strong> problemas.<br />
131
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
***<br />
Já tranqüilo, longe da nave e do vírus bio-digital que a infestava, nosso<br />
herói recostou-se na poltrona da Central <strong>de</strong> Comando, acen<strong>de</strong>u o cachimbo e<br />
começou a analisar os resultados dos exames feitos nos ovos que trouxera para o<br />
interior do Viajante das Estrelas.<br />
Certamente, as criaturinhas que estavam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>les, cresceriam até<br />
alcançarem o tamanho do dragão que o digerira ou mesmo até o superariam.<br />
Isso o levava à triste constatação <strong>de</strong> que o Viajante das Estrelas não era o<br />
ambiente mais a<strong>de</strong>quado para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> criaturas tão gran<strong>de</strong>s e até<br />
voadoras.<br />
Seus ovos seriam colocados numa espécie <strong>de</strong> gela<strong>de</strong>ira que paralisaria<br />
temporariamente o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dos futuros dragõezinhos alí<br />
<strong>de</strong>ntro.<br />
Por algum tempo, o crescimento daqueles bichinhos não lhe constituiria<br />
problema.<br />
Haviam ainda porém, outras questões a serem resolvidas.<br />
Foi interrompido pela voz feminina do cérebro computadorizado da nave<br />
que trazia novida<strong>de</strong>s:<br />
-O vírus bio-digital ainda representa perigo.<br />
-Você ou algum dos robôs sofreu contaminação? Indagou preocupado<br />
nosso herói.<br />
-Não. Trata-se da segurança <strong>de</strong> um mundo habitado e com razoável<br />
<strong>de</strong>senvolvimento on<strong>de</strong> a nave chegou e está prestes a pousar. Alí, certamente o<br />
vírus <strong>de</strong>verá causar o apocalipse já que a vacina para o mesmo é <strong>de</strong>sconhecida.<br />
Mais uma vez Alex Randall via a sua curiosida<strong>de</strong> e xeretice causando<br />
problemas para quem não tinha nada a ver com a história.<br />
-O vírus bio-digital teria se reativado sem a nossa intervenção naquela<br />
nave?<br />
-Provavelmente não! – Veio a resposta fria e seca da voz feminina do<br />
cérebro computadorizado. – Esta vírus, <strong>de</strong>pois que vê sua missão cumprida,<br />
procura hibernar até a ocorrência <strong>de</strong> algo que o faça retornar à ativida<strong>de</strong>. No caso,<br />
a circunstância justamente foi ocasionada pelo robô que foi obter informações no<br />
computador on<strong>de</strong> a criatura <strong>de</strong>scansava. Daí por diante os acontecimentos são<br />
aqueles que temos conhecimento.<br />
Agora nosso herói percebia que até o pedido <strong>de</strong> socorro na verda<strong>de</strong> era<br />
uma arapuca criada pelo próprio vírus dirigida ao primeiro otário que estivesse<br />
132
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
circulando pelas imediações.<br />
Deu-se conta <strong>de</strong> que perdia tempo com reflexões inúteis.<br />
Alguma coisa <strong>de</strong>veria fazer para salvar todo aquele mundo em perigo.<br />
Sem <strong>de</strong>sperdiçar mais nenhum instante, instruiu o cérebro computadorizado<br />
para seguir curso ao referido planeta.<br />
***<br />
Tão logo chegou ao <strong>de</strong>stino traçado, a primeira coisa que reparou foi o<br />
rastro <strong>de</strong> fumaça que indicava que a nave havia penetrado o manto atmosférico<br />
daquele mundo.<br />
Não tardaria muito e logo alcançaria a superfície.<br />
Os sensores do Viajante das Estrelas começaram a receber transmissões<br />
<strong>de</strong> imagens e sons feitas através das mesmas freqüências utilizadas na Terra<br />
pelos antigos aparelhos <strong>de</strong> TV dos meados do século XX.<br />
A programação do que seriam suas televisões também não era muito<br />
diferente.<br />
Tinha bons e maus programas que mostravam os habitantes e sua vida<br />
cotidiana na forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos, novelas e informativos jornalísticos que, naquele<br />
momento, se alvoroçavam cobrindo a nave que rasgava os céus em rota <strong>de</strong><br />
colisão com o seu planeta.<br />
O cérebro computadorizado ainda não conseguia traduzir completamente o<br />
conteúdo <strong>de</strong> todos dos programas, mas, <strong>de</strong> uma coisa não havia dúvidas: o povo<br />
estava em pânico!<br />
Toda a correria <strong>de</strong> Alex Randall pareceu ser vã.<br />
Não foi possível fazer muita coisa.<br />
A nave em chamas espatifou-se na superfície daquele mundo!<br />
O impacto teve força <strong>de</strong>strutiva equivalente ao <strong>de</strong> várias bombas atômicas<br />
e, uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>nsamente povoada por questão <strong>de</strong> apenas dois mil quilômetros<br />
quase foi o alvo do presente do espaço.<br />
Felizmente, on<strong>de</strong> caiu, nenhuma vida foi perdida pois a área do impacto<br />
fazia parte <strong>de</strong> um imenso <strong>de</strong>serto.<br />
Os nativos recuperaram-se do susto e muitos então, movidos pela natural<br />
curiosida<strong>de</strong>, aproximaram-se até on<strong>de</strong> podiam da região do choque.<br />
Jornalistas foram os primeiros a chegar e logo iniciaram suas coberturas<br />
sob os mais variados ângulos.<br />
A tranqüilida<strong>de</strong> do trabalho não durou muito já que o vírus bio-digital<br />
sobrevivera ao impacto, e ainda se movia com gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>.<br />
133
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Não <strong>de</strong>morou muito para localizar e atacar uma das equipes <strong>de</strong> imprensa.<br />
O golpe da criatura assassina foi rápido, certeiro e eficiente.<br />
Não matou os nativos.<br />
Fez pior. Colocou-os sob o seu domínio e, tomando posse <strong>de</strong> suas mentes,<br />
assenhorou-se também dos seus corpos.<br />
Apossou-se dos equipamento <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> reportagens e começou a<br />
fazer uso <strong>de</strong>les enviando um estranho sinal para diversas emissoras <strong>de</strong> TV.<br />
Estas o retransmitiram automaticamente para suas estações e satélites <strong>de</strong><br />
modos que, em poucos instantes o sinal já percorria todo o planeta.<br />
Quem o recebia apenas via um chiado com curioso som agudo.<br />
Nada mais!<br />
Em seguida, perdia totalmente o domínio <strong>de</strong> suas ações, fosse forma <strong>de</strong><br />
vida, ou aparelho eletrônico controlado por computador.<br />
Com tanto po<strong>de</strong>r, o vírus bio-digital foi ampliando cada vez mais o número<br />
<strong>de</strong> nativos que estava sob sua vonta<strong>de</strong> até então, conseguir o controle total!<br />
***<br />
Mais tar<strong>de</strong>, o vírus bio-digital estava <strong>de</strong>struído e seu domínio sobre aquele<br />
mundo acabado.<br />
Antes que os nativos pu<strong>de</strong>ssem sofrer qualquer coisa, a vida voltou à<br />
normalida<strong>de</strong>.<br />
A equipe <strong>de</strong> repórteres que anteriormente fora subjugada pelo vírus<br />
novamente estava em pleno comando <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s, bem como, todo o<br />
planeta on<strong>de</strong> viviam.<br />
A rápida solução do problema se <strong>de</strong>u graças à Alex Randall que, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro<br />
do Viajante das Estrelas, interferiu na emissão do sinal hipnótico trocando-o por<br />
outro que “vacinava” tudo e todos naquele mundo, <strong>de</strong>struindo ainda, a fonte das<br />
ameaças.<br />
Tendo evitado prejuízos e perda <strong>de</strong> vidas causadas pela sua curiosida<strong>de</strong>,<br />
nosso herói finalmente pô<strong>de</strong> fumar e refletir sobre os últimos acontecimentos.<br />
Doravante, seguiria com mais atenção as advertências do cérebro<br />
computadorizado a fim <strong>de</strong> evitar futuras trapalhadas.<br />
***<br />
134
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.14 DE ALEX RANDALL<br />
Um planeta que ofereça condições climáticas e atmosféricas similares às da<br />
Terra sempre é motivo <strong>de</strong> atenção.<br />
Em alguns casos especiais é digno até, do estabelecimento <strong>de</strong> uma base<br />
fixa <strong>de</strong> pesquisa..<br />
Durante suas viagens, Alex Randall encontrou um planeta que, segundo o<br />
critério do primeiro parágrafo logo acima, merecia uma visitinha.<br />
Sem perda <strong>de</strong> tempo, pôs o Viajante das Estrelas em órbita <strong>de</strong>le.<br />
Neste mundo, à primeira vista, não haviam sinais <strong>de</strong> civilização inteligente<br />
ou que, apresentasse indícios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico.<br />
Uma rarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida selvagem que <strong>de</strong>via ser observada <strong>de</strong> perto.<br />
Mais uma vez, contrariando os conselhos dados pelo cérebro<br />
computadorizado que controlava o Viajante das Estrelas, Alex Randall resolveu<br />
sair para uma visita “in loco”.<br />
Embarcou numa das poltronas voadoras e saiu para um vôo panorâmico..<br />
Nos primeiros contatos com a atmosfera, percebeu que o ar ali era mais<br />
limpo que na Terra on<strong>de</strong> as conseqüências <strong>de</strong> anos poluindo o meio ambiente<br />
ainda eram presentes.<br />
Sobrevoando as florestas matou um pouco as sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua terra natal.<br />
Durante seu passeio, pô<strong>de</strong> coletar diversas informações peculiares àquele<br />
lugar e, a mais curiosa <strong>de</strong>las era que a principal forma <strong>de</strong> vida ali reinante e<br />
dominante era a dos macacos.<br />
Eram das mais variadas espécies, todos convivendo harmoniosamente e<br />
sem brigas, o que, por si só já era bastante curioso.<br />
Também reparou na abundância <strong>de</strong> bananas que nascia por qualquer lugar<br />
on<strong>de</strong> estivesse.<br />
E era justamente <strong>de</strong>las que a macacada se alimentava.<br />
Durante muito tempo, nosso herói analisou o comportamento <strong>de</strong> diversos<br />
bandos registrando seus hábitos.<br />
Da mesma forma que os olhava também era visto, afinal, os bichos ficavam<br />
muito curiosos com a poltrona que, sem muito esforço flutuava entre as árvores<br />
carregando uma criatura que soltava mais fumaça que uma chaminé industrial.<br />
A tranqüilida<strong>de</strong> reinante entre as mais diferentes espécies era<br />
impressionante!<br />
Comparados aos seus primos da Terra, essa macacada seria consi<strong>de</strong>rada<br />
tão pacífica quanto os monges budistas.<br />
Não brigavam <strong>de</strong> jeito nenhum. Sequer gritavam entre si.<br />
135
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Em última análise, pareciam mais evoluídos até mesmo que os seres<br />
humanos.<br />
***<br />
Mesmo o estudo consome calorias, o que leva o estômago a roncar e<br />
causar a conhecida sensação <strong>de</strong> fome comum aos primatas.<br />
Nosso herói, como também costuma sentir fome, resolveu que já era hora<br />
<strong>de</strong> comer, e que, faria uma variação no seu cardápio.<br />
Para não ficar só na comida produzida no Viajante das Estrelas, iria colher<br />
do pé algumas bananas e experimenta-las.<br />
***<br />
Pousou a poltrona numa clareira e <strong>de</strong>sceu.<br />
Um bando <strong>de</strong> macacos das mais variadas espécies imediatamente o cercou<br />
<strong>de</strong>monstrando clara curiosida<strong>de</strong>.<br />
Alguns pequenos, chegaram até a subir nos ombros <strong>de</strong> Alex Randall e<br />
começaram procurar sujeira nos seus cabelos louros e a barba. (E acharam<br />
muita.)<br />
Pegou bananas do pé, <strong>de</strong>scascou e comeu uma <strong>de</strong>las.<br />
O sabor era um pouco mais azedo que o das suas irmãs na Terra.<br />
E foi justamente esse pequeno <strong>de</strong>talhe que não conquistou o gosto do<br />
nosso herói já que, o seu paladar, era mais afeito às comidas doces.<br />
Não <strong>de</strong>ixou entretanto, <strong>de</strong> sentir uma espécie <strong>de</strong> embriagues e<br />
relaxamento...<br />
Dentro da sua cabeça, começou até a ouvir vozes.<br />
Estavam se manifestando num linguajar diferente, mesmo assim, conseguia<br />
enten<strong>de</strong>r o sentido do que estava sendo dito.<br />
Ou como no caso, perguntado...<br />
-De on<strong>de</strong> vem?<br />
-Quem é?<br />
-Que <strong>de</strong>seja?<br />
Frente a este questionamento, quase que automaticamente, pensou nas<br />
respostas.<br />
Novas perguntas então lhe bombar<strong>de</strong>aram...<br />
-Por-quê viajar pelo espaço?<br />
136
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Para quê sair do próprio mundo?<br />
-Por quê arriscar a própria vida se aventuras po<strong>de</strong>m ser perigosas?<br />
Alex Randall então percebeu algo extraordinário:<br />
Estava mantendo um contato telepático com aquelas criaturas, muito<br />
provavelmente, graças a alguma substância química da banana que lhe <strong>de</strong>spertou<br />
esse dom no seu cérebro.<br />
Os macacos daquele mundo não eram xeretas nem intrometidos, tão pouco<br />
excessivamente curiosos a ponto <strong>de</strong> fuçar on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>viam.<br />
Tal comportamento também po<strong>de</strong>ria ser influência da banana?<br />
Alguns <strong>de</strong>les chegaram até a sentar nos braços cheios <strong>de</strong> comandos e<br />
controles da poltrona voadora mas ali nada tocaram. Pareciam compreen<strong>de</strong>r que<br />
aquele era um equipamento <strong>de</strong>licado.<br />
Antes <strong>de</strong> se aperceber <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>talhe, nosso herói chegou até a pensar em<br />
travar os controles da poltrona para que esta por acaso não saísse voando<br />
<strong>de</strong>sembestadamente por aí.<br />
Novamente porém, uma voz manifestou-se nos seus pensamentos:<br />
-Não se preocupe com a integrida<strong>de</strong> do seu equipamento. Sua tecnologia<br />
nos é <strong>de</strong> pouco valor. A muito tempo abandonamos esse estágio social evolutivo<br />
<strong>de</strong> busca pelo conforto através da ciência, e mudamos para um modo <strong>de</strong> vida<br />
mais simples e sem sofisticação. Desenvolvemos um nível mental on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos<br />
compartilhar pensamentos e experiências sem o uso da palavra. Em nossa<br />
socieda<strong>de</strong> inexiste a mentira e falsida<strong>de</strong>.<br />
Alex Randall surpreen<strong>de</strong>u-se por po<strong>de</strong>r compreen<strong>de</strong>r tantas coisas através<br />
daquela comida que permitia ao seu cérebro alcançar um nível tão impressionante<br />
do aproveitamento das próprias habilida<strong>de</strong>s.<br />
A todo momento, os macacos ofereciam alguma frutinha para nosso herói<br />
comer.<br />
Este experimentou mais uma ou outra, porém, aquele sabor azedo era<br />
comum em todas elas e este o incomodava tanto que passou a não mais aceitar<br />
as oferendas.<br />
Os macacos porém insistiam...<br />
-Você precisa comer, vai sentir-se vazio <strong>de</strong>pois.<br />
E veio então a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> cagar...<br />
Nosso herói não teve dúvidas, abaixou as calças, acocorou-se próximo a<br />
uma árvore e abriu as válvulas intestinais até efetuar uma completa limpeza<br />
interna.<br />
Num mundo selvagem e sem tecnologia como aquele, não estranhou<br />
quando alguns daqueles símios se aproximaram da bosta recém-cagada e a<br />
137
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
cheiraram...<br />
-Comeu pouco...Logo vai ficar vazio novamente.<br />
Mal ouviu isso <strong>de</strong>ntro da própria cabeça e então, foi-se toda aquela<br />
agradável sensação <strong>de</strong> tranqüilida<strong>de</strong> que confortava o seu cérebro<br />
Também não conseguia mais perceber os pensamentos e vozes daquelas<br />
inteligentes criaturas.<br />
Sentia o vazio a que os macacos se referiam...<br />
Alguns <strong>de</strong>les ainda lhe ofereciam frutinhas.<br />
Nosso herói gentilmente recusou...<br />
-O sabor... – Disse em voz alta apontando para a própria língua como que<br />
tentando se <strong>de</strong>sculpar...<br />
Alex Randall percebeu que era chegado o momento da sua partida pois, no<br />
curto espaço <strong>de</strong> tempo que permanecera sob o efeito das frutas apren<strong>de</strong>ra tudo o<br />
que precisava saber a respeito daquele mundo.<br />
Os macacos que estavam brincando em sua poltrona saíram <strong>de</strong>la como que<br />
se tivessem entendido que aquele era o momento da <strong>de</strong>spedida.<br />
Nosso herói tomou o acento, acionou os controles e lentamente foi<br />
flutuando em direção aos céus enquanto via seus amigos acenando em sinal <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spedida.<br />
Sabia que sua partida até certo ponto era um <strong>de</strong>sapontamento para seus<br />
amigos símios, mas todos alí tinham <strong>de</strong> seguir seus caminhos.<br />
Era ainda, um sinal <strong>de</strong> que a raça humana tinha muito a evoluir até<br />
alcançar o que aquela socieda<strong>de</strong> selvagem consi<strong>de</strong>rava um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vida.<br />
Para preservar tal cultura da ganância <strong>de</strong> outras raças, Alex Randall <strong>de</strong>cidiu<br />
não revelar a localização do planeta dos símios inteligentes nos seus relatórios.<br />
***<br />
138
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.14a DE ALEX RANDALL<br />
(incompletamente registrado)<br />
Uma coisa Alex Randall podia se vangloriar: <strong>de</strong> ser um fumador <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>za extraordinária.<br />
Mesmo os gran<strong>de</strong>s apreciadores do pito jamais conseguiriam alcançar a<br />
quantida<strong>de</strong> astronômica <strong>de</strong> fumo que os pulmões do nosso herói ajudavam a<br />
incinerar diariamente.<br />
Sem ninguém para censura-lo com relação a esse péssimo hábito, fumava<br />
tanto que, nem na hora <strong>de</strong> dormir separava-se do cachimbo.<br />
Mesmo rejuvenescido graças a Água Purificadora que bebera em uma <strong>de</strong><br />
suas aventuras, a constante e incessante rotina <strong>de</strong> combustão <strong>de</strong> tabaco já<br />
contabilizava seus prejuízo naquele “jovem” corpo.<br />
E ao cobrar o seu preço, a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>u um susto no nosso intrépido viajante.<br />
Acordou no meio do sono com uma pontada muito dolorosa na altura do<br />
fígado.<br />
Logo em seguida, veio outra mais forte ainda.<br />
Desta vez, bem no coração. Parecia uma explosão <strong>de</strong>ntro do peito.<br />
Ficou sem ar e tombou inerte na sua cama com a cara atolada no<br />
travesseiro.<br />
O tempo pareceu ter parado.<br />
Não conseguia se mover.<br />
Ficou algum tempo naquela posição sem forças para nada.<br />
***<br />
A situação só se mudou quando uma mão <strong>de</strong> forma humana e cor clara<br />
tocou o seu ombro.<br />
Mesmo daquele jeito, ainda indagou-se <strong>de</strong> quem po<strong>de</strong>ria ser aquela mão já<br />
que era o único humano a bordo do Viajante das Estrelas.<br />
-Venha comigo!<br />
Só <strong>de</strong>pois daquele toque e do som das palavras é que conseguiu se mover.<br />
Parecia mais leve.<br />
Virou-se e viu o dono da mão.<br />
Era um sujeito alto <strong>de</strong> pele e cabelos claros e tinha asas nas costas.<br />
Aparentemente, tratava-se <strong>de</strong> um anjo.<br />
Seus olhos faiscavam como pequenas labaredas.<br />
139
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Nosso herói não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se surpreen<strong>de</strong>r com aquela aparição<br />
inexplicável.<br />
De on<strong>de</strong> teria saído aquele tipo?<br />
-Deve ser fruto da minha mente. Estou alucinando com o excesso <strong>de</strong> fumo!<br />
-Não! Você está morto! – Disse o anjo – Eu vim te buscar.<br />
Mal disse isso, o anjo enfiou a mão por <strong>de</strong>baixo do suvaco do nosso herói e<br />
levantou-o da cama sem aparentemente <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r para isso o menor esforço.<br />
Alex Randall olhou ao redor meio assustado e surpreen<strong>de</strong>u-se com o que<br />
viu: abaixo <strong>de</strong> si: o seu corpo, que permanecia <strong>de</strong>itado na cama com a cara<br />
atolada no travesseiro.<br />
Como fantasmas, nosso finado herói e o seu anjo atravessaram as<br />
centenas <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s da astronave até o seu exterior sem serem afetados pelas<br />
leis da física.<br />
O negrume espacial e estrelado foi lenta e suavemente se <strong>de</strong>svanecendo,<br />
adquirindo então, tons mais azulados e claros.<br />
A transformação ambiental se <strong>de</strong>u por completa e, agora, os dois voavam<br />
entre nuvens brancas iluminadas por um lindo céu <strong>de</strong> verão.<br />
Terminado o passeio por paisagens tão inspiradoras, pousaram os dois no<br />
fim <strong>de</strong> uma fila <strong>de</strong> seres <strong>de</strong> todas as espécies que se dirigia até uma gran<strong>de</strong> porta<br />
encimada por uma placa on<strong>de</strong> se lia “PARAÍSO”.<br />
Apesar da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criaturas aguardando a sua vez, o andamento ali<br />
não era lento, tanto que, logo chegou a vez <strong>de</strong> nosso finado herói ser atendido.<br />
Antes porém, vale a pena mencionar o caso do sujeito que estava bem a<br />
frente <strong>de</strong> Alex Randall<br />
Batia forte no peito com ares <strong>de</strong> orgulho e apontava para a placa dizendo:<br />
-Sim! É aí que mereço ficar. Passei toda a minha vida lutando contra a<br />
injustiça sofrida pelo meu povo. Li<strong>de</strong>rei diversas missões contra opressores e levei<br />
o exemplo <strong>de</strong> coragem aos meus companheiros.<br />
Diante <strong>de</strong> um balcão on<strong>de</strong> estavam dois gran<strong>de</strong>s e fortes anjos mais um<br />
homem <strong>de</strong> barba farta e calva proeminente, chegou a vez do tal gran<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r ser<br />
atendido.<br />
O barbudo em meio aos anjos <strong>de</strong>senrolou um papel que estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
um tubo e disse com voz grave.<br />
-O senhor também é um conhecido terrorista que enganou muitos jovens do<br />
seu povo levando-os à morte prematura, fomentou a guerra, roubo, seqüestro,<br />
tortura, assassinatos e violência <strong>de</strong>snecessária entre os seus além <strong>de</strong> reter<br />
gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> recursos financeiros que teriam ajudado à causa que<br />
tanto afirma <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r.<br />
140
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O homem adiante <strong>de</strong> Alex Randall ficou petrificado ao ouvir aquilo.<br />
Toda a sua pompa <strong>de</strong>sapareceu.<br />
Ainda tentou balbuciar alguma coisa como que tentando se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r mas,<br />
ali o ambiente não era <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira.<br />
O barbudo continuou:<br />
-Por estes fatos, por ter enganado e explorado outras pessoas em nome <strong>de</strong><br />
falsas verda<strong>de</strong>s, estás con<strong>de</strong>nado a passar o resto da eternida<strong>de</strong> penando no<br />
inferno.<br />
O barbudo puxou uma alavanca e um alçapão se abriu abaixo dos pés do<br />
sentenciado fazendo-o ser engolido pelo chão com um sonoro, longo e horrendo<br />
grito <strong>de</strong> terror.<br />
E chegou a vez <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Nosso herói aproximou-se relutante e colocou-se exatamente no mesmo<br />
lugar on<strong>de</strong> instantes atrás estivera o con<strong>de</strong>nado...<br />
De trás do balcão <strong>de</strong> atendimento, sem nem tirar os olhos do papel a sua<br />
frente, o barbudo perguntou:<br />
-Alex Randall você, não?<br />
-S-sim. Gaguejou nosso valente herói.<br />
O barbudo <strong>de</strong>senrolou outro papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um tubo e leu o que ali<br />
estava escrito. Seu ar era sério durante a leitura e seu silencio não durou muito<br />
tempo.<br />
-O senhor já esteve no inferno antes...<br />
Imediatamente, vieram à mente <strong>de</strong> nosso herói as agruras e torturas que<br />
teve <strong>de</strong> suportar ali.<br />
-S-s-sim. Repetiu gaguejante.<br />
-As razões <strong>de</strong> sua presença lá não são claras, mas, aqui não constam<br />
con<strong>de</strong>nações referentes a pecados cometidos. Por-quê esteve lá?<br />
-Transitava com a minha astronave nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma região on<strong>de</strong> existem<br />
muitos “buracos-<strong>de</strong>-minhoca” invisíveis com passagens para todo tipo <strong>de</strong> lugar.<br />
Uma <strong>de</strong>las me levou diretamente para o inferno. Nem mesmo eu sei explicar<br />
direito, como tudo aconteceu. O que lembro, é que, <strong>de</strong> um momento para outro fui<br />
acometido pelas piores <strong>de</strong>sgraças que um sujeito po<strong>de</strong>ria esperar encontrar pela<br />
frente.<br />
herói.<br />
O barbudo segurava o queixo enquanto observava atentamente o nosso<br />
-Seu caso não é grave. - Disse então um pouco mais relaxado e menos<br />
sisudo. – É raro mas dá para resolver <strong>de</strong> modo satisfatório. Como já pa<strong>de</strong>ceu no<br />
inferno em vida sem motivo justificável, as penas serão excluídas <strong>de</strong> sua ficha e<br />
141
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
você po<strong>de</strong>rá passar o resto da eternida<strong>de</strong> no paraíso.<br />
Diante do nosso herói, aquelas imensas porteiras se abriram e ele a<strong>de</strong>ntrou<br />
o espaço reservado aos que trilharam o caminho do bem, da justiça e da or<strong>de</strong>m.<br />
***<br />
Lá <strong>de</strong>ntro, as cores eram mais brilhantes.<br />
Tudo parecia ser especial.<br />
Veio então uma sensação <strong>de</strong> bem estar capaz <strong>de</strong> acalmar qualquer espírito.<br />
Um formigamento acompanhado <strong>de</strong> intenso torpor tomaram conta <strong>de</strong>le ali.<br />
Diante <strong>de</strong> si, uma fonte luminosa irradiava luz ofuscante e relaxante.<br />
Veio então a sensação <strong>de</strong> sono que parecia querer lhe por para dormir.<br />
Não resistiu.<br />
Logo, os pensamentos fugiram <strong>de</strong> sua mente e ficou como que<br />
inconsciente.<br />
Percebeu alí então que, todos os mistérios que sempre atormentaram sua<br />
mente com questões irrespondíveis, estavam solucionados.<br />
Sabia tudo!<br />
O universo agora estava integrado à sua mente.<br />
Compreendia todos os <strong>de</strong>sígnios reservados a cada partícula existente.<br />
As limitações físicas que o corpo humano lhe impunha agora não<br />
atrapalhavam mais na percepção total da realida<strong>de</strong>.<br />
Uma sensação maravilhosa!<br />
Como tudo era simples!<br />
Podia <strong>de</strong>screver com clareza usando uma ou duas palavras todos os<br />
motivos que impulsionavam a vida e a morte no gran<strong>de</strong> esquema das coisas.<br />
Aquele sim era o paraíso que toda criatura, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua<br />
crença, alcançaria após a morte.<br />
Mesmo jamais em toda a sua vida, tendo acreditado em Deus, nosso herói<br />
agora era obrigado a rever seus princípios com a cabeça mais aberta.<br />
Tão aberto estava naquele momento a essa idéia que percebeu perto <strong>de</strong> si<br />
a presença do(a) TODO(A) PODEROSO(A).<br />
Vinha na forma <strong>de</strong> uma mulher <strong>de</strong> beleza extraordinária: morena <strong>de</strong> pele<br />
cor chocolate com cabelos negros longos, corpo robusto com seios<br />
impressionantemente fartos e belos.<br />
Os olhos eram negros e profundos parecendo conter todo o Universo em<br />
<strong>de</strong>talhes além <strong>de</strong> sua história.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Deus na forma <strong>de</strong> mulher impressionava qualquer um, e é claro, até o<br />
nosso herói.<br />
Diante daquela obra divina, Alex Randall só foi capaz <strong>de</strong> balbuciar:<br />
-Minha confusão acabou, agora compreendo tudo!<br />
Mas então, teve uma surpresa <strong>de</strong>sagradável.<br />
Sentiu dor!<br />
Aquilo o surpreen<strong>de</strong>u, afinal estava morto.<br />
A dor cresceu tirando-o daquele estado <strong>de</strong> tranqüilida<strong>de</strong> e paz.<br />
Com ela, veio uma inevitável irritação causada pelo infortúnio.<br />
E como num passe <strong>de</strong> mágica, todo o seu conhecimento a respeito da<br />
realida<strong>de</strong>, do entendimento do universo e da finalida<strong>de</strong> das coisas no esquema da<br />
vida <strong>de</strong>svaneceu-se.<br />
Sons irritantes perturbaram então a música celestial que até poucos<br />
instantes ainda o tranqüilizava.<br />
O barulho agora tinha contornos mais <strong>de</strong>finidos.<br />
Sem dúvida, eram os aparelhos da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento intensivo do<br />
pronto socorro do Viajante das Estrela.<br />
A visão da realida<strong>de</strong> então voltou.<br />
Acordou entubado por diversos tipos <strong>de</strong> aparelhos médicos que<br />
controlavam e mediam os seus sinais vitais.<br />
Um robô enfermeiro entrou no seu campo e visão dizendo com voz fria e<br />
mecanizada:<br />
-Por muito pouco a morte não te carregou...<br />
***<br />
Alex Randall foi ressucitado pela tecnologia do Viajante das Estrelas e<br />
realmente esqueceu tudo a respeito da sua estada naquele paraíso <strong>de</strong> sensações<br />
que, na sua breve morte iluminou o seu espírito.<br />
Sua tradicional <strong>de</strong>scrença com assuntos religiosos voltou a ser norma e<br />
aparentemente, aquela experiência para nosso herói não passou <strong>de</strong> um nebuloso<br />
sonho que tivera durante o estado <strong>de</strong> coma.<br />
A única mudança que po<strong>de</strong>ria se dizer que quase ocorreu em <strong>de</strong>corrência<br />
<strong>de</strong>ssa morte mal sucedida é que, por alguns momentos, o medo fez com que o<br />
cachimbo não ficasse aceso <strong>de</strong>ntro do Viajante das Estrelas.<br />
Bastou porém uma avista<strong>de</strong>la que os olhos do nosso herói <strong>de</strong>ram no<br />
mesmo, para que a paixão pelo velho vício se reacen<strong>de</strong>sse em seu ressuscitado<br />
143
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
coração.<br />
As advertências incessantes e quase irritantes do cérebro computadorizado<br />
dirigidas ao nosso herói não surtiram efeito e logo a fumaça voltou a empestear o<br />
ambiente daquela astronave.<br />
Talvez mesmo não se lembrando da sua viagem pelo além-vida, aquele<br />
fosse um modo inconsciente <strong>de</strong> tentar voltar ao estado paradisíaco que antes se<br />
encontrara.<br />
Ou então, apenas o gosto do nosso herói por tabaco um tanto exagerado e<br />
forte <strong>de</strong>mais.<br />
De qualquer forma, essa é uma prova <strong>de</strong> que tem gente que aconteça o<br />
que acontecer, não apren<strong>de</strong> mesmo.<br />
***<br />
144
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.15 DE ALEX RANDALL<br />
“Os melhores pintores da atualida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>vem se pren<strong>de</strong>r unicamente às<br />
belezas das paisagens terrestres. O negrume espacial (ainda que alguns<br />
estudiosos discor<strong>de</strong>m) também é cheio <strong>de</strong> cores fantasia e inspiração.”<br />
FERNANDO ZÉCA<br />
Devido às experiências e testes a bordo do Viajante das Estrelas, a rota da<br />
astronave seguia uma programação pré-planejada.<br />
Bem... Às vezes...<br />
Ou melhor...<br />
Nem sempre, pois, a todo momento algum problema ou imprevisto insistia<br />
em perturbar a or<strong>de</strong>m ocasionando constantes mudanças <strong>de</strong> planos.<br />
Entretanto, nem toda interrupção ou atraso era ocasionado por problemas<br />
ou imprevistos.<br />
Mesmo a beleza <strong>de</strong> algumas paisagens espaciais, podia constituir bom<br />
motivo para que o Viajante das Estrelas fizesse alguma parada durante seu<br />
trajeto.<br />
E, sabedor <strong>de</strong> tal premissa, <strong>de</strong>sta feita, foi o próprio Cérebro<br />
Computadorizado da astronave que localizou o fenômeno digno <strong>de</strong> nota,<br />
sugerindo assim, uma pausa para observação e coleta <strong>de</strong> imagens.<br />
Vendo a localida<strong>de</strong> apontada, Alex Randall não teve dúvidas.<br />
De imediato, aceitou a sugestão or<strong>de</strong>nando a execução <strong>de</strong> todos os<br />
procedimentos necessários para a produção <strong>de</strong> um registro completo que fosse o<br />
mais fiel possível à verda<strong>de</strong> daquele momento.<br />
Alguns poucos momentos se passaram e a gigantesca astronave<br />
posicionou-se <strong>de</strong> forma a obter o melhor ângulo <strong>de</strong> visualização daquela maravilha<br />
cósmica da natureza em toda a sua plenitu<strong>de</strong>.<br />
Naquela perspectiva, tal fenômeno <strong>de</strong> inigualável grandiosida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong><br />
inspirar respeito fazia do Viajante das Estrelas apenas um pequeno ponto<br />
brilhante quase invisível.<br />
-Um berçário estelar classe 43-C. – Dizia Alex Randall em voz baixa.<br />
O melhor modo <strong>de</strong> explicar tão inusitado visual seria imaginar um conjunto<br />
multicolorido <strong>de</strong> nuvens no espaço.<br />
Como suas irmãs terrestres <strong>de</strong> dimensões muito inferiores, e distinta<br />
composição química, ao menor contato entre si soltavam raios e relâmpagos<br />
ofuscantes.<br />
Outro <strong>de</strong>talhe que diferenciava aquele fenômeno dos <strong>de</strong>mais berçários<br />
estelares anteriormente catalogados, era o fato <strong>de</strong>ste expelir <strong>de</strong> seu interior, assim<br />
145
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
como quem cospe, os núcleos estelares altamente <strong>de</strong>nsos e brilhantes das futuras<br />
estrelas das mais diversas classes e tamanhos.<br />
Aqueles projéteis balísticos <strong>de</strong> proporções inimagináveis consistiam perigo<br />
para o <strong>de</strong>savisado que estivesse distraído no seu caminho, ou mesmo nas<br />
proximida<strong>de</strong>s, já que, a força <strong>de</strong> atração gravitacional que tais bólidos exerciam<br />
sobre tudo que estiva ao seu redor, por on<strong>de</strong> passavam, era irresistível.<br />
Mesmo a permanência no local on<strong>de</strong> o Viajante das Estrelas se encontrava,<br />
era um jogo com a sorte, já que, se um núcleo fosse expelido justamente na<br />
direção on<strong>de</strong> este se encontrava, o tempo <strong>de</strong> reação, reconhecimento do perigo e<br />
fuga seria extremamente curto.<br />
Nestes momentos nosso herói consolava se relembrando que mesmo na<br />
velha e boa Terra, a maioria das boas fotografias e registros <strong>de</strong> filmagem exigiam<br />
gran<strong>de</strong>s riscos para a vida dos que as obtinham.<br />
Tais riscos, alí valiam a pena <strong>de</strong> serem corridos pois, a cada cinco ou <strong>de</strong>z<br />
minutos, um daqueles gigantescos núcleos estelares era expelido ocasionando um<br />
espetáculo <strong>de</strong> beleza inigualável.<br />
Mesmo assim, a permanência no local era uma questão <strong>de</strong> sorte, já que, os<br />
núcleos recém nascidos eram a cada momento atirados numa direção diferente,<br />
mais ou menos como as balas do revolver <strong>de</strong> um atirador cego maluco.<br />
Outras ocorrências que se davam nas proximida<strong>de</strong>s também chamavam a<br />
atenção do Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas:<br />
-Localizada frota com aproximadamente 500 naves. Aparentemente são <strong>de</strong><br />
procedências diferentes já que os mo<strong>de</strong>los são distintos uns dos outros.<br />
As preocupações <strong>de</strong> nosso herói mudaram então <strong>de</strong> foco.<br />
De um momento para outro, sua mente <strong>de</strong>sligou-se da grandiosida<strong>de</strong><br />
daquele visual e concentrou-se nos motivos que fariam tão numerosa frota<br />
colocar-se numa posição perigosa.<br />
Antes que pu<strong>de</strong>sse adivinhar alguma coisa, pôs em ação os procedimentos<br />
para contato com naves <strong>de</strong>sconhecidas.<br />
***<br />
O tempo passou sem que resposta alguma fosse dada aos insistentes<br />
chamados.<br />
Não só <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> contestar todas as tentativas <strong>de</strong> contato como sequer<br />
esboçaram o menor sinal ou movimento.<br />
-Vamos nos aproximar para ter um melhor entendimento da situação.<br />
Alguns poucos segundos foram necessários para que o Viajante das<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Estrelas rapidamente chegasse bem mais perto do silencioso conjunto <strong>de</strong> naves.<br />
Daquele ponto, a beleza do berçário parecia ser ainda mais extraordinária<br />
do que em qualquer outro, porém, além das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> levar “tiros” serem<br />
maiores, havia ainda alí, a sensação <strong>de</strong> que coisas ruins estavam prestes a<br />
acontecer.<br />
Até a atmosfera <strong>de</strong>ntro do Viajante das Estrelas parecia mais pesada.<br />
Alex Randall não era dotado <strong>de</strong> nenhuma espécie <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r paranormal,<br />
mas, tinha a percepção na sua mente <strong>de</strong> que, ali realmente não era um lugar bom<br />
para ficar...<br />
Mesmo com sensações tão perturbadoras, ainda tentava adivinhar que<br />
motivo, afora a extraordinária beleza na observação dos eventos que aquele<br />
ângulo proporcionava, teria levado toda aquela numerosa frota a quedar-se<br />
parada ali como se estivesse semi-morta.<br />
Foi então que suas preocupações novamente mudaram <strong>de</strong> posicionamento.<br />
Dentro do Viajante das Estrelas havia um intruso.<br />
***<br />
Os instrumentos da astronave nada registravam, nem mesmo os monitores<br />
<strong>de</strong> imagens pois, mesmo as câmeras <strong>de</strong> filmagem altamente sensíveis<br />
aparentavam estar cegas.<br />
A realida<strong>de</strong> indicava porém que havia um intruso na astronave e este se<br />
encontrava bem diante do nosso herói.<br />
Tinha forma humanói<strong>de</strong>, aparência assustadora, trajava roupas negras<br />
escondidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma capa preta brilhante, <strong>de</strong> pele amarelada e olhos negros<br />
emoldurados por veias pavorosas.<br />
A aparência não <strong>de</strong>ixava dúvidas.<br />
Tratava-se <strong>de</strong> um vampiro.<br />
A criatura aterrorizante <strong>de</strong>u uma sinistra e pavorosa gargalhada que<br />
arrepiou todos os pelos do corpo do nosso assombrado herói.<br />
Com passos lentos, avançou na direção <strong>de</strong> Alex Randall com uma<br />
expressão hipnótica e maléfica que não <strong>de</strong>notava boas intenções.<br />
Quando suas unhas afiadas como navalhas iam tocar a garganta do infeliz<br />
protagonista <strong>de</strong>ssa história, o vampiro foi <strong>de</strong>rrubado por um bando <strong>de</strong> lobos<br />
ferozes que rapidamente o subjugou e em seguida passou a <strong>de</strong>vorar as carnes <strong>de</strong><br />
seu corpo.<br />
O selvagem banquete durou pouco, afinal, a carne do vampiro não foi<br />
suficiente para satisfazer a fome da matilha.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Confuso, Alex Randall tentava enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> on<strong>de</strong> teriam saído todas aquelas<br />
criaturas.<br />
Os instrumentos do Viajante das Estrelas estavam mudos e nada<br />
indicavam.<br />
A matilha feroz cercou a poltrona on<strong>de</strong> nosso herói estava sentado e agora<br />
analisava a situação para ver por on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sferir o primeiro golpe que<br />
iniciaria o ataque à próxima vítima.<br />
Antes porém, inexplicavelmente, milhares <strong>de</strong> aranhas subiram pelas patas<br />
dos lobos esfomeados e colocaram-nos fora <strong>de</strong> combate mor<strong>de</strong>ndo-os<br />
impiedosamente.<br />
A matilha foi pega <strong>de</strong>sprevenida e, após alguns minutos toda ela já estava<br />
envolta numa teia muito fina, brilhante e branca.<br />
Alex Randall assistia à situação abestalhado com todos acontecimentos<br />
absurdos que nos últimos momentos se via envolvido.<br />
Não conseguiria ter tempo para formular uma hipótese que explicasse o<br />
que se passava e, para piorar, nada <strong>de</strong>ntro do Viajante das Estrelas funcionava<br />
satisfatoriamente.<br />
As aranhas ainda não haviam resolvido subir pelas poltronas a fim <strong>de</strong><br />
embalsamar mais uma apetitosa vítima em meio às suas teias.<br />
Naquela situação, nosso herói sequer cogitava a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproximar<br />
os pés do chão que se mostrava mais forrado <strong>de</strong> aranha do que um carpete <strong>de</strong><br />
pelos.<br />
E para piorar, as bichinhas pareciam bastante irritadas, sem esquecer é<br />
claro, que boa parte <strong>de</strong>las com certeza tinha uma mordida pra lá <strong>de</strong> venenosa.<br />
As perigosas criaturinhas não eram porém os últimos dos horrores que<br />
misteriosamente assolavam a central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas.<br />
Vários <strong>de</strong>mônios entraram ali <strong>de</strong>ntro atravessando suas pare<strong>de</strong>s como se<br />
fossem fantasmas.<br />
Cercaram nosso herói em sua poltrona e <strong>de</strong>ram início a uma impiedosa<br />
sessão <strong>de</strong> torturas.<br />
***<br />
Alguma coisa estava errada e o cérebro computadorizado do Viajante das<br />
Estrelas se apercebeu do fato.<br />
O comportamento <strong>de</strong> Alex Randall estava muito estranho nos últimos<br />
momentos.<br />
Não respondia quando chamado, transpirava muito, sua respiração estava<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
ofegante.<br />
Em voz baixa, com os olhos fixos no vazio murmurava:<br />
-Socorro! Socorro! Socorro...<br />
Parecia preso num mundo próprio, distante da realida<strong>de</strong>.<br />
O cérebro computadorizado avaliou em paralelo a situação das naves<br />
agrupadas que pareciam única e exclusivamente concentradas na tarefa <strong>de</strong><br />
observar o fenômeno da natureza que aos olhos tanto agradava.<br />
Nenhuma <strong>de</strong>las respon<strong>de</strong>u a qualquer chamado feito pelos diversos meios<br />
<strong>de</strong> comunicação disponíveis na astronave.<br />
Robôs foram enviados até a frota silenciosa e com os meios disponíveis<br />
<strong>de</strong>ram uma melhor imagem da situação.<br />
O panorama obtido era simplesmente aterrador!<br />
Todas as tripulações daquela frota se encontravam mortas.<br />
Com uma análise breve, porém <strong>de</strong>talhada da situação, o Cérebro<br />
Computadorizado do Viajante das Estrelas logo <strong>de</strong>scobriu o que acontecia ali.<br />
Em seguida, a gigantesca astronave se afastou <strong>de</strong>finitivamente daquele<br />
local que mais lembrava um cemitério.<br />
***<br />
A primeira coisa que se <strong>de</strong>u conta ao acordar foi a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
instrumentos médicos conectados ao seu corpo.<br />
Não viu o menor sinal dos ferimentos que os <strong>de</strong>mônios haviam lhe<br />
impingido durante suas sessões <strong>de</strong> tortura.<br />
Teclou alguns comandos num painel colocado ao lado do leito em que<br />
estava <strong>de</strong>itado e percebeu que tudo ali funcionava normalmente.<br />
Em voz alta perguntou:<br />
-O que aconteceu comigo?<br />
A familiar voz feminina do cérebro computadorizado do Viajante das<br />
Estrelas <strong>de</strong>u a resposta:<br />
-O berçário estelar, mesmo com tanto esplendor e beleza é fonte emissora<br />
<strong>de</strong> uma forma até o momento <strong>de</strong>sconhecida <strong>de</strong> radiação que afeta direta e<br />
imperceptivelmente o cérebro <strong>de</strong> qualquer criatura viva que a ela esteja exposta.<br />
“Computadores dotados <strong>de</strong> componentes biológicos também po<strong>de</strong>m ser<br />
afetados por essa energia e é o que ocorreu com todos aqueles instalados nas<br />
naves <strong>de</strong>sta frota.”<br />
-E on<strong>de</strong> estamos agora? Perguntou ainda tentando digerir um pouco da<br />
situação.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-A distância segura on<strong>de</strong> a radiação não po<strong>de</strong>rá causar mais nenhum tipo<br />
<strong>de</strong> dano.<br />
-Como concluiu que a radiação <strong>de</strong>sconhecida era a causadora dos<br />
problemas e os outros computadores daquelas naves não?<br />
-Percebi que alguma coisa estava errada quando começou a dizer coisas<br />
sem sentido, não respon<strong>de</strong>u mais os chamados e parecia paralisado <strong>de</strong> terror<br />
sentado na poltrona. Paralelamente, continuei analisando os dados que chegavam<br />
através dos robôs enviados até a frota, e ao verifica-los constatei a morte <strong>de</strong> todas<br />
as tripulações.”<br />
“Os bancos <strong>de</strong> dados da maioria dos computadores já se encontravam<br />
inutilizados, mas, uns poucos que ainda não haviam sido completamente afetados<br />
pela radiação, ainda indicavam a natureza do motivo que levou toda a frota a<br />
colocar-se em tão curiosa posição: eram todos membros <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> turismo<br />
que também estava ali apreciando a beleza do berçário estelar.<br />
“Analisando as falhas que po<strong>de</strong>riam ter acometido os computadores das<br />
naves <strong>de</strong>scobri a vulnerabilida<strong>de</strong> que eles tinham quando expostos à radiação”<br />
“Daí foi fácil verificar que a causa daqueles danos também afetava <strong>de</strong> modo<br />
diferente os cérebros <strong>de</strong> criaturas biológicas, paralisando-as e matando-as <strong>de</strong><br />
pavor.”<br />
Alex Randall relembrou a sensação <strong>de</strong> imobilida<strong>de</strong> e terror por que passara<br />
durante o tempo que se viu assombrado <strong>de</strong>vido as tais radiações.<br />
Imaginou então o tormento que foi, o fim da existência <strong>de</strong> todas as criaturas<br />
que morreram a bordo da tripulação das naves que apenas admirava as belezas<br />
do universo.<br />
-Ninguém conseguiu perceber o risco a que estavam expostos? Nenhum<br />
computador <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser afetado pela radiação?<br />
-Se a maioria das máquinas não foi afetada direta acabou sendo<br />
indiretamente, tanto que, estavam todas incapazes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r aos chamados<br />
que fizemos. Das criaturas biológicas, você que teve melhor sorte pois, seu tempo<br />
<strong>de</strong> exposição à radiação foi mínimo.<br />
Num outro teclado luminoso tridimensional projetado a partir do painel <strong>de</strong><br />
controle instalado ao lado do leito on<strong>de</strong> estava <strong>de</strong>itado, nosso herói digitou alguns<br />
comandos e, os registros indicativos do seu estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> foram projetados<br />
mostrando que estava bem e não sofrera dano algum.<br />
Mesmo relembrando claramente o sofrimento pelo qual imaginara passar<br />
durante os poucos momentos que esteve exposto à radiação, confortava-se com o<br />
pensamento <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> certa forma, tudo não passara <strong>de</strong> um simples pesa<strong>de</strong>lo<br />
povoado por criaturas horripilantes.<br />
Acen<strong>de</strong>u o cachimbo, <strong>de</strong>u algumas fortes tragadas e dormiu sem medo.<br />
150
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.16 DE ALEX RANDALL<br />
-Alex Randall do Viajante das Estrelas! Por favor, responda!<br />
Voando pelo cosmo, estando tão longe <strong>de</strong> casa ou mesmo, <strong>de</strong> qualquer<br />
estação espacial ou espaçonave humana proveniente do Sistema Solar, a última<br />
coisa que nosso herói esperava ouvir, era alguém chamando-o pelo nome.<br />
natal.<br />
Ainda mais, utilizando-se <strong>de</strong> um idioma que só era falado no seu planeta<br />
Qual seria a origem daquele chamado? .<br />
O cérebro computadorizado localizou a origem do chamado.<br />
Não era da Terra, o que, por um lado <strong>de</strong>sapontou Alex Randall.<br />
Por outro, surpreen<strong>de</strong>u-o já que, a mensagem, partia diretamente <strong>de</strong> um ser<br />
vivo que não se valia <strong>de</strong> nenhuma tecnologia para transmiti-la.<br />
Mais incrível ainda era que, tal criatura, flutuava em meio ao vácuo si<strong>de</strong>ral<br />
sem nenhum tipo <strong>de</strong> acessório que lhe <strong>de</strong>sse proteção contra aos rigores do<br />
espaço.<br />
A imagem projetada na Central <strong>de</strong> Comando mostrava uma lula gigante.<br />
Com alguns comandos, o Viajante das Estrelas das Estrelas diminuiu sua<br />
velocida<strong>de</strong> e parou.<br />
-Aqui Alex Randall do Viajante das Estrelas. I<strong>de</strong>ntifique-se por favor.<br />
-Sou SPLERONCIUS! Po<strong>de</strong>mos nos reunir?<br />
Tal pedido surpreen<strong>de</strong>u nosso herói, o que, lhe incutiu certa cautela.<br />
-Qual o propósito do seu pedido?<br />
-Preciso <strong>de</strong> um favor seu...É uma emergência!<br />
-Posso antes perguntar como ficou sabendo a meu respeito e que eu<br />
estaria nas proximida<strong>de</strong>s?<br />
-Deus me colocou no seu caminho.<br />
Só podia ser piada. E feita com um ateu .<br />
-Deus me disse que você não acredita em Sua existência. É verda<strong>de</strong>?<br />
Alex Randall viu-se surpreendido mais uma vez, afinal: -Como uma<br />
<strong>de</strong>sconhecida forma <strong>de</strong> vida encontrada sabe-se lá on<strong>de</strong> nos confins do Universo,<br />
po<strong>de</strong>ria saber que ele era um ateu sendo que, quase ninguém sabia <strong>de</strong>ss sua<br />
condição religiosa.<br />
Sem a menor sombra <strong>de</strong> dúvida, fosse lá quem fosse, SPLERONCIUS<br />
sabia muito a seu respeito.<br />
Resolveu aceitar o convite para a reunião.<br />
-Tudo bem! Vamos nos encontrar. Foi sua resposta.<br />
151
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
SPLERONCIUS novamente surpreen<strong>de</strong>u-o.<br />
Saiu da sua posição estacionaria no pôs-se a correr movimentando os seus<br />
múltiplos tentáculos. Em menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z segundos alcançou a velocida<strong>de</strong> da luz.<br />
Era um feito extraordinário.<br />
Para um ser vivo, a realização <strong>de</strong> tal proeza utilizando-se apenas dos<br />
próprios recursos corporais, era algo que punha para pensar mesmo os mais<br />
reconhecidos físicos e cientistas da época.<br />
Poucos momentos após o primeiro contato, SPLERONCIUS atravessou<br />
uma distancia fenomenal em pouquíssimo tempo chegando a apenas alguns<br />
metros do casco do Viajante das Estrelas...<br />
Em seguida, atravessou e entrou na astronave como se essa fosse apenas<br />
uma imagem projetada no espaço.<br />
Pelas câmeras internas <strong>de</strong> observação, nosso herói tinha uma rápida<br />
visualização da velocida<strong>de</strong> que SPLERONCIUS imprimia em seu irrefreável<br />
avanço até a Central <strong>de</strong> Comando do Viajante das Estrelas.<br />
Logo, como um fantasma, aquela impressionante criatura estava diante do<br />
nosso atônito herói.<br />
Espalhou os tentáculos por toda a sala cercando a poltrona <strong>de</strong> comando.<br />
Abriu a gigantesca e pavorosa boca diante <strong>de</strong> Alex Randall revelando um<br />
mau hálito extremamente fedorento.<br />
No espaço <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> uma fração <strong>de</strong> segundo, projetou a língua à<br />
distância <strong>de</strong> mais ou menos um metro e a recolheu novamente.<br />
Tão rápido que mal se dava para ver...<br />
Alex Randall percebeu o movimento, e também o que ele trouxe <strong>de</strong><br />
interessante.<br />
SPLERONCIUS tirou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da sua boca uma espécie <strong>de</strong> estátua<br />
dourada.<br />
Era a escultura <strong>de</strong> uma linda mulher nua.<br />
Mesmo quem não gosta do sexo feminino tinha <strong>de</strong> se ren<strong>de</strong>r à perfeição da<br />
beleza daquelas formas fantásticas...<br />
Um alo brilhante cercava a obra <strong>de</strong> arte, como se fosse um objeto divino...<br />
E não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser, afinal, a riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes da escultura era<br />
impressionante.<br />
A expressão do rosto parecia dar-lhe uma vida que certamente não tinha.<br />
Alex Randall, apreciador das lindas mulheres e profundo estudioso da<br />
matéria não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> atentar para aqueles <strong>de</strong>talhes.<br />
-Quem é esta? –Perguntou atônito diante <strong>de</strong> tanta beleza...<br />
-Esta é a imagem celestial da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />
152
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Hã???Mãe <strong>de</strong> quem?<br />
-Você está diante <strong>de</strong> uma representação da imagem <strong>de</strong> DEUS!<br />
***<br />
Sem tirar os olhos daquela formosura sem igual, nosso herói soltou uma<br />
sonora gargalhada.<br />
- SPLERONCIUS. Permita-me chamá-lo pelo primeiro nome. – Soltou em<br />
seguida um pigarro forte mal conseguindo conter-se. – Sem dúvida essa estátua<br />
é dona <strong>de</strong> um esplendor sem igual, mas, no meu planeta ela simplesmente<br />
representaria uma mulher pelada. Sem querer ofen<strong>de</strong>-lo. É o que penso a<br />
respeito do assunto.<br />
Os tentáculos se aproximaram mais ainda da poltrona do nosso herói e<br />
também, aquela imensa e fedorenta bocarra sinistra.<br />
A voz <strong>de</strong> SPLERONCIUS era calma e tranqüila:<br />
-Quando tive meu primeiro contato com essa peça, também não acreditei<br />
em seus po<strong>de</strong>res, mas, agora afirmo com toda convicção que ela é a<br />
representação da imagem que Deus mais utiliza para se manifestar. É a forma<br />
mais a<strong>de</strong>quada para os mortais Lhe compreen<strong>de</strong>rem numa pequena fração <strong>de</strong> sua<br />
glória.<br />
Alex Randall respeitosamente manteve silêncio. Estava claro que tinha<br />
diante <strong>de</strong> si alguma forma <strong>de</strong> fanático religioso.<br />
O importante agora era tentar saber para quê tudo aquilo...<br />
-O que quer <strong>de</strong> mim?<br />
-Preciso <strong>de</strong> um favor seu. Po<strong>de</strong> me ajudar?<br />
SPLERONCIUS tinha uma aparência sinistra, mas, sua voz era tranqüila e<br />
respeitosa. Os movimentos que seus tentáculos faziam pela ponte pareciam até<br />
ameaçadores, mas não haviam causado prejuízo algum.<br />
-E o que seria esse favor?<br />
-Estou morrendo e sem forças para me movimentar, mas tenho que fazer<br />
com que essa estátua chegue ao seu <strong>de</strong>stino.<br />
A extremida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um dos tentáculos acionou os comandos <strong>de</strong> um dos<br />
projetores tridimensionais da sala.<br />
Entre nosso herói e SPLERONCIUS apareceu um gigantesco planeta<br />
cercado por dois conjuntos <strong>de</strong> anéis que se cruzavam perpendicularmente.<br />
Uma operação <strong>de</strong> “zoom” (aumento <strong>de</strong> imagem) <strong>de</strong>u mais evidência a um<br />
dos pontos <strong>de</strong> cruzamento dos anéis, on<strong>de</strong>, situava-se imensa cida<strong>de</strong> flutuante<br />
cercada por uma espécie <strong>de</strong> esfera brilhante e transparente.<br />
153
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A conformação <strong>de</strong>ssa metrópole se mostrava um tanto singular e muito<br />
lembrava o estilo <strong>de</strong> arquitetura utilizado nos projetos das antigas estações<br />
espacial terranas dos séculos XXI e XXII, on<strong>de</strong> a ausência <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong><br />
controle artificial <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>terminava orientação <strong>de</strong> on<strong>de</strong> era para cima<br />
ou para baixo.<br />
Um dos tentáculos <strong>de</strong> SPLERONCIUS apontou para a imagem<br />
tridimensional da metrópole...<br />
-Ese é o templo da MÃE DE TODAS AS COISAS. Foi daí que eu roubei a<br />
estátua...<br />
A sincerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> SPLERONCIUS era <strong>de</strong>sconcertante. E assim continuou<br />
quando fez o seu pedido:<br />
-Gostaria que a levasse <strong>de</strong> volta para esse lugar.<br />
-Você está sem condições <strong>de</strong> seguir viagem?<br />
-Dentro <strong>de</strong> alguns segundos já não estarei mais entre os vivos. Fazendo-me<br />
este favor, você salvará a minha alma do inferno pois, ao roubar a estátua, traí a<br />
confiança dos sacerdotes do templo que me ajudaram num momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
dificulda<strong>de</strong> pessoal.<br />
Mal terminou <strong>de</strong> proferir estas palavras SPLERONCIUS subitamente mudou<br />
<strong>de</strong> cor.<br />
Seu corpo e tentáculos murcharam até <strong>de</strong>saparecerem completamente sem<br />
<strong>de</strong>ixar vestígios.<br />
Digitando alguns rápidos comandos em um dos teclados luminosos<br />
projetados sobre o braço da poltrona <strong>de</strong> comando, nosso herói constatou o efetivo<br />
sumiço da misteriosa criatura.<br />
Dentro ou fora da astronave não havia mais nenhum sinal daquela<br />
fantástica lula gigante espacial.<br />
A única coisa, além dos registros visuais e sonoros feitos pelas câmeras do<br />
Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas, que provava a presença<br />
anterior <strong>de</strong> SPLERONCIUS alí <strong>de</strong>ntro era a estátua que ele <strong>de</strong>ixara.<br />
Alex Randall estava impressionado.<br />
Olhou-a e pôs-se a refletir sobre os últimos acontecimentos:<br />
-Iria SPLERONCIUS sofrer tanto se a obra <strong>de</strong> arte não fosse entregue no<br />
local indicado?<br />
Relembrando com alguma preocupação os momentos <strong>de</strong> penúria pelos<br />
quais passou, nosso herói refletia sobre a viabilida<strong>de</strong> da realização <strong>de</strong> tal entrega.<br />
Com base nas imagens e informações disponíveis, solicitou ao Cérebro<br />
Computadorizado que realizasse os cálculos necessários para que fosse traçada a<br />
melhor rota rumo ao tal Templo da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />
154
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A resposta veio rápida, o que até surpreen<strong>de</strong>u Alex Randall , mas, o<br />
espanto maior ocorreu ao tomar conhecimento do seu <strong>de</strong>stino:<br />
-As coor<strong>de</strong>nadas e a rota que SPLERONCIUS <strong>de</strong>ixou apontam bem para o<br />
setor “zero-zero-zero”.<br />
Nosso herói não parava <strong>de</strong> se indagar como aquela lula teria conseguido<br />
fazer uma inserção <strong>de</strong> dados tão complexa no Cérebro Computadorizado sem<br />
utilizar-se <strong>de</strong> nenhum tipo <strong>de</strong> conexão mecânica.<br />
Estranhamente, o cérebro computadorizado também não tinha uma<br />
explicação clara a respeito da origem das informações.<br />
Entre tantos mistérios, um dos mais intrigantes era o <strong>de</strong>stino on<strong>de</strong> a<br />
estátua <strong>de</strong>veria ser entregue: o setor “zero-zero-zero”.<br />
Localida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada entre os astrônomos como a região mais antiga do<br />
universo.<br />
Os teoremas propostos pelos peritos, cientistas e estudiosos, davam conta<br />
<strong>de</strong> que, a gran<strong>de</strong> explosão iniciadora <strong>de</strong> todas as coisas teria começado aí.<br />
Tal localida<strong>de</strong> era cercada <strong>de</strong> mistérios, já que, mesmo nessa época,<br />
nenhum artefato feito por qualquer forma <strong>de</strong> vida inteligente conhecida havia<br />
conseguido informação confiável <strong>de</strong>stas paragens.<br />
Uma eventual jornada em busca <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>stino com toda certeza traria<br />
inúmeras complicações, até porquê, mesmo para o Viajante das Estrelas, a<br />
distancia a ser percorrida não era pequena.<br />
Nosso herói não via com bons olhos a realização <strong>de</strong> uma viagem tão longa<br />
e, provavelmente bastante problemática, tanto que, <strong>de</strong> imediato, mesmo<br />
imaginando os suplícios que SPLERONCIUS sofreria pelos seus pecados,<br />
resolveu adiar temporariamente a realização do favor.<br />
-Enquanto isso... - Disse em voz alta - Quero essa estátua guardada em<br />
local seguro.<br />
Imediatamente, dois robôs trouxeram um container negro <strong>de</strong> plástico com<br />
as bordas aredondadas e, logo em seguida, acomodaram a obra <strong>de</strong> arte dourada<br />
no seu interior.<br />
Fecharam a caixa com todo cuidado e a retiraram da Central <strong>de</strong> Comando.<br />
Daí por diante, nosso herói resolveu concentrar-se na normalida<strong>de</strong> dos<br />
seus afazeres intercalando-os com várias baforadas fumacentas no seu<br />
cachimbo.<br />
BLACKOUT!<br />
***<br />
155
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Não durou mais que vinte segundos!<br />
Certamente causou espanto a Alex Randall já que a ocorrência <strong>de</strong>sse tipo<br />
<strong>de</strong> situação a bordo do Viajante das Estrelas era raríssima, e, tecnicamente<br />
impossível, <strong>de</strong>vido à gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> segurança existentes.<br />
Uma rápida olhada pelos instrumentos revelou que o a astronave não<br />
sofrera nenhum dano, apesar daquela parada total.<br />
Realmente, a situação era bastante incomum.<br />
Nosso herói tentava solucionar o misterioso apagão quando <strong>de</strong>parou-se<br />
com outro enigma ainda mais incomum.<br />
A estátua que SPLERONCIUS lhe entregara estava bem ao lado <strong>de</strong> sua<br />
poltrona.<br />
Espantou-se ao dar <strong>de</strong> cara com ela...<br />
-Eu por acaso já não pedi para guardar essa estátua em local seguro???<br />
-Ela foi guardada. – Respon<strong>de</strong>u o cérebro computadorizado.<br />
Uma imagem foi projetada adiante <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Ela mostrava um <strong>de</strong>pósito com vários recipientes hermeticamente selados<br />
similares àquele on<strong>de</strong> a estátua havia sido guardada anteriormente.<br />
Nosso herói digitou alguns comandos no teclado luminoso projetado<br />
tridimensionalmente ao lado da imagem, e um exame foi feito.<br />
Surpreen<strong>de</strong>ntemente, constatou-se que o recipiente on<strong>de</strong> a estátua fora<br />
colocada, não apresentava sinais <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> violação nem tão pouco<br />
havia saído do local .<br />
Uma falha po<strong>de</strong>ria ter ocorrido, mas, ao analisar as imagens percebeu que<br />
estava diante <strong>de</strong> um autentico mistério.<br />
Olhando a estátua enquanto coçava o queixo e dava vigorosas tragadas em<br />
seu cachimbo.<br />
Notou então, um pormenor curioso: havia algo diferente no rosto daquela<br />
obra. Talvez a expressão, ou qualquer outro <strong>de</strong>talhe...<br />
-O que causou o “apagão” que tivemos a bordo? - Perguntou tentando<br />
voltar sua atenção para problemas cuja solução não fossem fora do comum...<br />
-Nenhum “apagão” ocorreu a bordo...<br />
-Nenhuma parada ? – Indagou Alex Randall mais surpreso ainda.<br />
-Nenhuma. – Foi a resposta feminina do cérebro computadorizado.<br />
-E como explica essa estátua aqui <strong>de</strong> volta à Central <strong>de</strong> Comando se ela já<br />
havia sido guardada num container do <strong>de</strong>pósito?<br />
-Só por teletransporte...<br />
-Vamos fazer uma análise nessa estátua. Tem algo esquisito nela..<br />
156
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Algumas horas <strong>de</strong>pois vieram os resultados dos testes solicitados.<br />
***<br />
Não esclareciam nada já que comprovavam unicamente que nenhum<br />
teletransporte fora usado para muda-la <strong>de</strong> lugar.<br />
As análises visuais tão pouco eram conclusivas já que, curiosamente não<br />
haviam imagens nítidas do rosto <strong>de</strong>la, que confirmassem a suspeita <strong>de</strong> Alex<br />
Randall quanto à sua mudança na expressão<br />
Sem achar resposta para tantos enigmas foi <strong>de</strong>scansar por alguns<br />
momentos.<br />
Deitado <strong>de</strong> costas, com a mãos na barriga, o cachimbo aceso preso aos<br />
<strong>de</strong>ntes, adormeceu...<br />
Abriu os olhos.<br />
Mesmo assim não viu nada.<br />
O frio que sentia era <strong>de</strong> matar.<br />
***<br />
Seu ar acabou e, <strong>de</strong> um momento para outro, não conseguiu respirar mais.<br />
No meio <strong>de</strong> tanta escuridão, uma mão tocou seus lábios.<br />
Não podia ver quem era, mas sabia que pelo menos se tratava <strong>de</strong> alguém<br />
com forma humana.<br />
Saber aquele fato porém não lhe salvaria a vida já que a ausência <strong>de</strong> ar<br />
respirável e ainda, aquele frio intenso logo iriam dar fim à sua existência.<br />
Não entendia também como viera parar em tal situação, mas, isso no<br />
momento pouco importava!<br />
Precisava pelo menos <strong>de</strong> Oxigênio, e logo!<br />
Enquanto suas <strong>de</strong>sesperadas necessida<strong>de</strong>s não eram atendidas ouviu<br />
ainda um som.<br />
Pareciam várias vozes:<br />
AAAAAAAAAUUUUUUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMM.....<br />
Veio então outro som: o <strong>de</strong> um sopro que foi aumentando <strong>de</strong> volume até<br />
ficar ensur<strong>de</strong>cedor.<br />
Nesse momento um ponto <strong>de</strong> luz ofuscante se acen<strong>de</strong>u no meio do nada<br />
Menos <strong>de</strong> um segundo após a aparição do pequeno fenômeno, e, graças<br />
até ao seu intenso brilho conseguiu ver <strong>de</strong> quem era a mão que havia lhe tocado.<br />
E foi aí que veio a surpresa:<br />
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Era da tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />
Nesse curto tempo, o ponto brilhante expandiu seu tamanho <strong>de</strong> modo<br />
rápido e ofuscante.<br />
Antes ainda que pu<strong>de</strong>sse piscar fechando os olhos, a fim até. <strong>de</strong> evitar uma<br />
provável cegueira, a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS agarrou-o e se<br />
afastaram voando daquele local em altíssima velocida<strong>de</strong>..<br />
Aquela explosão parecia não parar nunca<br />
Como num passe <strong>de</strong> mágica viu-se fora daquele, frio e tenebroso local. Foi<br />
só então que conseguiu respirar.<br />
Encontrava-se agora numa situação completamente distinta da anterior.<br />
Podia até enxergar o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> fora salvo que aparecia no interior <strong>de</strong><br />
uma esfera lisa e brilhante.<br />
Outras explosões <strong>de</strong>correntes daquela primeira que ele presenciara <strong>de</strong><br />
perto se sucediam intermináveis no interior daquele espécie <strong>de</strong> bola <strong>de</strong> cristal.<br />
Se tivesse que <strong>de</strong>screver a criação do universo segundo a teoria do big<br />
bang, aquelas imagens que via po<strong>de</strong>riam servir como ilustração <strong>de</strong> tal evento.<br />
E, para completar tão belas e fantásticas visões, constatou que sua<br />
maravilhosa bem dotada salvadora estava nua diante <strong>de</strong> si.<br />
Ela segurava um arame com a extremida<strong>de</strong> em forma <strong>de</strong> argola tendo esta<br />
um diâmetro aproximado <strong>de</strong> três centímetros.<br />
No interior <strong>de</strong>sta argola havia um líquido negro e brilhante.<br />
Ela aproximou a argola dos lábios e soprou no seu interior.<br />
Saíram dalí, bolhas negras que cresciam até ficarem iguais àquela on<strong>de</strong><br />
assistira os fantásticos eventos.<br />
-Sou a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS. Do seu universo e <strong>de</strong><br />
todos os outros.<br />
Em seguida, aproximou-se mais, esten<strong>de</strong>u as mãos e disse:<br />
-O que eu dou, tiro.<br />
Seus olhos eram completamente negros. Olhando para o interior <strong>de</strong>les viase<br />
parecia ser possível enxergar todo o universo e seus milhões <strong>de</strong> galáxias...<br />
Com voz grave ela continuou:<br />
-Não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> honrar sua promessa a SPLERONCIUS para que ele não<br />
pa<strong>de</strong>ça da mesma violência que você foi submetido pelas criaturas do inferno.<br />
Agora, acor<strong>de</strong>. Por alguns momentos, mesmo <strong>de</strong>sperto, acreditará estar<br />
sonhando. Logo então voltará à sua realida<strong>de</strong> e se dará conta <strong>de</strong> que as minhas<br />
palavras são boas <strong>de</strong> ser ouvidas.<br />
Ela tampou seus olhos com as mãos em seguida <strong>de</strong>sapareceu...<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
***<br />
Ao acordar, a primeira coisa que notou é que não estava no seu quarto.<br />
Despertou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um dos tubos <strong>de</strong> hibernação que só eram usados em<br />
casos <strong>de</strong> viagens extraordinariamente prolongadas.<br />
Olhou para o painel <strong>de</strong> instrumentos mais próximo e notou que diversas das<br />
funções do Viajante das Estrelas estavam se reinicializando naquele momento.<br />
De acordo com os relatórios que obtinha, os experimentos e testes que<br />
eram realizados a bordo prosseguiam perfeitamente.<br />
Tudo parecia normal.<br />
Logo porém, notou um <strong>de</strong>talhe: o calendário estava adiantado em mais <strong>de</strong><br />
trinta anos com relação à data em que fora dormir da última vez.<br />
Po<strong>de</strong>ria se tratar <strong>de</strong> algum <strong>de</strong>feito causado pela inexplicável reinicialização.<br />
Tentou falar, mas, sua voz saiu bastante arranhada e sem nenhuma<br />
potência.<br />
Digitou alguns comandos no painel do terminal luminoso que se projetava a<br />
sua frente, o esclarecimento não foi nada animador.<br />
Incrédulo, digitou nova seqüência <strong>de</strong> comandos e, o registro dos<br />
acontecimentos foi lhe então exibido.<br />
Uma imagem tridimensional foi então projetada. Ela mostrava Alex Randall<br />
<strong>de</strong>scansando em seus aposentos.<br />
A data era relativa ao período posterior à última vez que se lembrava <strong>de</strong> ter<br />
ido dormir. Tudo aparentava a normalida<strong>de</strong>.<br />
Nosso herói aparecia <strong>de</strong>itado na cama com seu cachimbo em ação mesmo<br />
durante os momentos <strong>de</strong> inconsciência. Seu ronco era barulhento como sempre...<br />
Algo porém fez com que ele se levantasse e digitasse alguns comandos no<br />
terminal luminoso mais próximo.<br />
Naquele momento, agia inconsciente pois, se encontrava em estado <strong>de</strong><br />
sonambulismo.<br />
Para chegar a tal conclusão, não era necessário ser um perito ou médico.<br />
Os olhos fechados e os movimentos rijos que as imagens mostravam não<br />
<strong>de</strong>ixavam dúvidas: Alex Randall não era dono <strong>de</strong> si mesmo naquele instante.<br />
Ele seguiu para outro setor da nave bem distante <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se encontrava e,<br />
instalou-se no interior <strong>de</strong> um dos tubos <strong>de</strong> hibernação para longas viagens.<br />
Vendo tais imagens, nosso herói se indagava como o cérebro<br />
computadorizado teria aceitado tais comandos sendo que, no momento que eram<br />
dados, Alex Randall não estava em condições <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r as repercussões que<br />
teriam.<br />
159
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O Cérebro computadorizado foi construído com tecnologia, capaz <strong>de</strong><br />
avaliar se or<strong>de</strong>ns que eventualmente recebesse po<strong>de</strong>riam ou não ser cegamente<br />
atendidas.<br />
Seria <strong>de</strong> se esperar que o comando recebido <strong>de</strong> alguém em estado <strong>de</strong><br />
sonambulismo não fosse simplesmente aceito sem questionamento.<br />
O caso é que as coisas não seguiam o curso normal que <strong>de</strong>veriam.<br />
***<br />
Aturdido Alex Randall <strong>de</strong>svencilhou-se dos aparatos que o monitoravam e<br />
mantinham seu corpo em hibernação.<br />
Apertou um botão no terminal que fez com que o cilindro em cujo interior se<br />
encontrava fosse aberto.<br />
Um robô enfermeiro já estava <strong>de</strong> prontidão para oferecer-lhe assistência.<br />
Delicadamente, este ajudou nosso herói a se levantar, já que, o seu corpo<br />
ainda estava bastante endurecido e dolorido.<br />
Ao olhar para um espelho, Alex Randall <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> que seu rosto já<br />
não era mais o <strong>de</strong> um jovem.<br />
O período que passara <strong>de</strong>sacordado havia cobrado o seu preço...<br />
Seria um sonho tudo pelo qual estava passando?<br />
Lembrou-se então que a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS já havia<br />
previsto que, após <strong>de</strong>spertar, iria se perguntar se estava sonhando ou não...<br />
Sua dúvida terminou quando reparou que a estátua estava na mesma sala<br />
on<strong>de</strong> se encontrava. A posição <strong>de</strong>la parecia diferente da que recordava tê-la visto<br />
pela última vez.<br />
Mas, o que fazia alí? Se bem recordava, <strong>de</strong>ixara-a na Central <strong>de</strong> Comando<br />
logo <strong>de</strong>pois do misterioso e inexplicável blackout pelo qual a astronave passara...<br />
-O que a estátua faz aqui? Indagou Alex Randall com a voz semi-rouca...<br />
Curiosamente, o Cérebro Computadorizado não respon<strong>de</strong>u <strong>de</strong> imediato.<br />
Quando o fez, surpreen<strong>de</strong>u afirmando:<br />
-Não sei!<br />
Só podia ser brinca<strong>de</strong>ira mesmo!<br />
***<br />
Nosso herói seguiu para a Central <strong>de</strong> comando e lá acen<strong>de</strong>u o seu<br />
famigerado cachimbo.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Depois <strong>de</strong> algumas fumacentas tragadas, as forças do corpo foram voltando<br />
e as idéias postas numa or<strong>de</strong>m mais esclarecedora.<br />
Verificou que o Viajante das Estrelas se encontrava num setor do universo<br />
que os estudiosos <strong>de</strong> diversas procedências afirmavam ser o mais antigo<br />
existente, portanto então, muito distante <strong>de</strong> on<strong>de</strong> encontrara SPLERONCIUS<br />
inicialmente.<br />
Constatou ainda que o <strong>de</strong>stino on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria realizar a entrega da estátua<br />
que recebera não estava distante.<br />
Frente ao trajeto que já havia percorrido, era insignificante o período <strong>de</strong><br />
tempo que ainda passaria até chegar.<br />
O melhor era prosseguir e torcer para que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> completar sua missão,<br />
obtivesse respostas para todos os mistérios que o atormentavam...<br />
***<br />
Mais tar<strong>de</strong>, imerso nos próprios pensamentos verificou que, mais uma vez,<br />
a Central <strong>de</strong> Comando fora invadida.<br />
E <strong>de</strong>ssa vez não se surpreen<strong>de</strong>u quando verificou quem estava lhe fazendo<br />
uma visitinha inesperada...<br />
A estátua da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, que, na verda<strong>de</strong>,<br />
não parecia mais uma estátua <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.<br />
Ela agora se mexia com a naturalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ser vivo.<br />
-Você sabe quem sou. Estive em seus sonhos uma vez. Tenho uma tarefa<br />
que espero que aceite: preciso <strong>de</strong> um porta-voz.<br />
Qualquer pessoa comum, diante <strong>de</strong> tantas evidências facilmente se<br />
convenceria da verda<strong>de</strong> daquelas palavras...<br />
Não Alex Randall...<br />
Em todo o tipo <strong>de</strong> conversa com religiosos ele sempre era muito tolerante e<br />
respeitador, mas, a <strong>de</strong>terminada altura do papo, sempre dava a mesma saída, e,<br />
neste caso não agiu diferente:<br />
-Não acredito que Deus fosse me escolher para a realização <strong>de</strong> importantes<br />
missões...<br />
E ela interrompeu a história <strong>de</strong> sempre, respon<strong>de</strong>ndo com voz cortante:<br />
-Nem por uma fração <strong>de</strong> segundo uma mente mortal como a tua seria<br />
capaz <strong>de</strong> imaginar o que me preocupa ou que penso... Tenho conhecimento <strong>de</strong><br />
tudo!!! E sei que mesmo assim, po<strong>de</strong>s ser capaz <strong>de</strong> fazer a diferença.<br />
Nosso herói não acreditava na conversa, mas, ouvindo a MÃE CRIADORA<br />
<strong>de</strong> TODAS AS COISAS dizer aquilo e tendo presenciando todos os po<strong>de</strong>res<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
incríveis que esta <strong>de</strong>monstrava ter, ia ficando cada vez mais dificil <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
crêr que Ela era quem realmente dizia ser...<br />
-E no que po<strong>de</strong>ria humil<strong>de</strong>mente ajudá-la?<br />
-Primeiro... Terá <strong>de</strong> fazer em meu tributo, um sacrifício pessoal como prova<br />
<strong>de</strong> fé...<br />
Nosso herói achou suspeita aquela história <strong>de</strong> prestar tributo...<br />
-Deverás parar <strong>de</strong> fumar completamente. Em seguida...<br />
-Em seguida nada! – Protestou irritado. – Já estou <strong>de</strong> saco cheio das<br />
pessoas falando para eu parar <strong>de</strong> fumar. Saí da Terra, entre outras coisas, para<br />
me ver livre <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> gente controladora! Me <strong>de</strong>ixem em paz! Só quero<br />
sossego!<br />
“Um pequeno sacrifício pessoal po<strong>de</strong>ria até ser, mas, parar <strong>de</strong> fumar...<br />
Nunca! Enquanto viver, estarei fumando!”<br />
A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS , que agora já não se mostrava<br />
mais como apenas uma estátua, sorriu e fêz um movimento bastante humano<br />
estalando os <strong>de</strong>dos...<br />
Ela então voltou a transformar-se numa estátua, <strong>de</strong>ssa vez, numa posição<br />
totalmente diferente das outras em que estivera até então. .<br />
Parecia estar fazendo gozação...<br />
Com quem seria?<br />
***<br />
Além <strong>de</strong> alterar a rotina da astronave, aquela história estava começando a<br />
irritar nosso herói..<br />
Naquele momento tudo que Alex Randall queria era realizar a entrega e<br />
tomar o caminho <strong>de</strong> casa...<br />
Quando ia dar início aos procedimentos <strong>de</strong> contato com o tal templo<br />
indicado por SPLERONCIUS, um sinal sonoro tocou nos sistemas <strong>de</strong><br />
recebimentos <strong>de</strong> mensagens da central.<br />
Imediatamente, receptores se abriram à todas as freqüências conhecidas e<br />
disponíveis para comunicação.<br />
Logo, foi projetada adiante do nosso herói, a imagem tridimensional <strong>de</strong> um<br />
homem que se apresentou:<br />
-Sou Moreira. A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS me informou que<br />
você está trazendo <strong>de</strong> volta a imagem levada por SPLERONCIUS.<br />
Alex Randall não se espantou. Logo imaginou que uma mensagem do<br />
gênero estivesse para chegar.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Passou então a analisar o tal Moreira...<br />
A imagem que os projetores mostravam <strong>de</strong>le era a <strong>de</strong> um homem com pele<br />
morena, barba e cabelos brancos trajando roupas semelhantes às usada pelos<br />
monges franciscanos.<br />
Inúmeras questões acumulavam-se na mente <strong>de</strong> Alex Randall, mas,<br />
tamanha era a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>las que já achava que não seriam respondidas...<br />
O navegador automático da Central <strong>de</strong> comando localizou a fonte das<br />
transmissões feitas por Moreira e seguiu a direção <strong>de</strong> on<strong>de</strong> partiam até alcançar à<br />
órbita do planeta com duplo sistema <strong>de</strong> anéis se cruzando ao redor.<br />
Num dos pontos <strong>de</strong> encontro <strong>de</strong>stes dois anéis, avistava-se a cida<strong>de</strong><br />
voadora flutuando imponente como se nada pu<strong>de</strong>sse afetá-la.<br />
-Desculpe a curiosida<strong>de</strong>, sr. Moreira, mas, o sr. vêm da Terra?<br />
-Sim. Foi a resposta.<br />
-Mas, como?!? Até a minha saída <strong>de</strong> lá, ainda não havia sido construída<br />
nave tão preparada e avançada para longas viagens como a minha... A<br />
expectativa <strong>de</strong> construção e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> evoluções <strong>de</strong>sse mesmo mo<strong>de</strong>lo<br />
era <strong>de</strong> pelo menos uns 50 anos terrestres.<br />
Moreira abriu um amplo sorriso.<br />
-Compreendo... Acho que posso dar uma explicação para sua dúvida.<br />
No momento seguinte, <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando surgiu uma bola <strong>de</strong><br />
luz cujo brilho cresceu em tal intensida<strong>de</strong> que acabou até obrigando nosso herói a<br />
fechar os olhos.<br />
Quando os reabriu, viu Moreira ao lado <strong>de</strong> sua poltrona, em carne e osso.<br />
***<br />
Mais uma vez sentiu-se incomodado.<br />
Isso sempre acontecia quando ocorria uma invasão não autorizada e<br />
inesperada a bordo da sua astronave sempre mostrando em todas estas ocasiões<br />
que, mesmo com tanta tecnologia estava vulnerável...<br />
Isso sem mencionar o susto que tais aparições causavam...<br />
-O pensamento po<strong>de</strong> muitas coisas. – Disse Moreira num tom <strong>de</strong> voz muito<br />
tranquilo.<br />
De gestos mo<strong>de</strong>rados e com um sorriso largo, continuou...<br />
-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS conce<strong>de</strong>u-me algumas<br />
dádivas <strong>de</strong>pois que aceitei o chamado para <strong>de</strong>dicar minha vida à divulgação <strong>de</strong><br />
suas palavras. Quem não recusa seu convite faz sacrifícios, mas, também ganha<br />
bastante...<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O tom tranquilizador da voz <strong>de</strong> Moreira <strong>de</strong>ixou Alex Randall mais calmo.<br />
-Ganha po<strong>de</strong>res sobre-humanos quem trabalha para a MÃE CRIADORA<br />
DE TODAS AS COISAS? Indagou Alex Randall.<br />
-Na verda<strong>de</strong> apenas expan<strong>de</strong> um pouco mais os próprios limites quem se<br />
sacrifica... Antes <strong>de</strong> conhecê-la, minha compreensão <strong>de</strong> Deus e o entendimento<br />
do meu papel neste universo era limitado pelas religiões que me cercavam.<br />
“Depois que comecei a compreen<strong>de</strong>r que a Glória <strong>de</strong> Deus era muito<br />
maior do que <strong>de</strong>screviam os falsos sacerdotes, pregadores, suas leis e livros<br />
sagrados, percebi que as dádivas que me foram concedidas <strong>de</strong> vez em quando<br />
me facilitavam um pouco mais a vida”.<br />
-Um pouco mais? Puxa! Pelo que você <strong>de</strong>monstrou, esse pouco mais po<strong>de</strong><br />
ajudar bastante.<br />
Moreira apenas sorria.<br />
Diante <strong>de</strong> tantas situações e fatos incompreensíveis Alex Randall resolveu<br />
encaminhar a história para um fim.<br />
-Como sabe, estou trazendo a estátua. É para você que <strong>de</strong>vo fazer a<br />
entregar?<br />
-Sim.<br />
Tudo que Alex Randall queria era entregar da tal estátua e ficar logo livre<br />
das assombrações que a tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS o<br />
submetia.<br />
Não queria porém correr o risco <strong>de</strong> entregá-la ao <strong>de</strong>stinatário errado para<br />
evitar no futuro o risco <strong>de</strong> passar noites sem dormir.<br />
Quando ia externar essa sua preocupação a Moreira, surpreen<strong>de</strong>u-se pois<br />
este logo se adiantou dizendo:<br />
-Não se intranqüilize. Ao chegar até aqui, você já concluiu sua missão. A<br />
alma <strong>de</strong> SPLERONCIUS está salva graças ao seu esforço. Só preciso <strong>de</strong> sua<br />
autorização para retirar a imagem da astronave.<br />
-Eu lhe dou a autorização, po<strong>de</strong> levá-la.<br />
Dizendo isso, Alex Randall apontou para o local on<strong>de</strong> ela <strong>de</strong>veria estar, ou<br />
pelo menos, até on<strong>de</strong> com toda certeza estivera até a poucos instantes...<br />
Prá variar, já tinha sumido novamente...<br />
***<br />
-Caramba! On<strong>de</strong> diabos foi parar essa ...<br />
Já ia praguejando Alex Randall quando olhou para o sorriso <strong>de</strong> Moreira e<br />
<strong>de</strong>cidiu evitar a emissão <strong>de</strong> novos impropérios ou palavras chulas na frente <strong>de</strong> um<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
homem que se dizia divulgador da palavra <strong>de</strong> Deus.<br />
Nervosamente, digitou alguns comandos no teclado luminoso tridimensional<br />
projetado a partir do painel da sua poltrona <strong>de</strong> comando.<br />
O Cérebro computadorizado realizou uma completa varredura na nave em<br />
busca da estátua, mas, o resultado não foi positivo.<br />
Os palavrões que Alex Randall não falava ele pensava, mesmo assim,<br />
Moreira parecia tomar conhecimento <strong>de</strong>stes, ainda que, o rosto <strong>de</strong> nosso herói<br />
não externasse nenhuma expressão facial que <strong>de</strong>sse idéia do turbilhão <strong>de</strong><br />
sentimentos que lhe atormentava a mente<br />
-Sua mente está poluída. Não <strong>de</strong>ixe que as emoções te perturbem. -<br />
Procure lembrar on<strong>de</strong> foi o último lugar que a <strong>de</strong>ixou...<br />
Provavelmente, Moreira <strong>de</strong>veria ser telepata também, mas, <strong>de</strong>ssa vez ele<br />
parecia não ter acertado no seu palpite...<br />
-Não <strong>de</strong>ixei... Essa estátua não se permite ficar esquecida em lugar<br />
nenhum. Não pára quieta. Recusa-se a manter-se on<strong>de</strong> é colocada.<br />
-Mas é uma simples estátua.<br />
-Simples estátua é que não é. Meus robôs a colocaram <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />
container trancado com as melhores fechaduras que disponho. Ainda assim, ela<br />
não parou <strong>de</strong> andar pela nave me assombrando até quando ia dormir.<br />
-Mas é uma simples estátua...<br />
-Simples estátua ou não... Veja:<br />
Nosso herói digitou novos comandos nos teclados que o cercavam.<br />
A imagem do <strong>de</strong>pósito em que estava o recipiente on<strong>de</strong> fora inicialmente<br />
armazenada a imagem da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS apareceu<br />
num dos monitores da Central <strong>de</strong> comando.<br />
Um robô se aproximou daquela caixa on<strong>de</strong> a estátua fora guardada<br />
primeiramente e a retirou da prateleira em que até o momento estava...<br />
Destrancou as fechaduras e abriu o container...<br />
Nova surpresa...<br />
***<br />
-Com mil milhões <strong>de</strong> Satanázes! Tem alguém querendo me fazer <strong>de</strong> idiota.<br />
-Seria algum maluco escritor com manias <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za?<br />
Alex Randall olhou bem para Moreira com expressão séria e disse:<br />
-Po<strong>de</strong> levar sua imagem quando quiser...<br />
-Obrigado. Gostaria <strong>de</strong> convidá-lo para visitar o Templo. Po<strong>de</strong>rá ter a<br />
165
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver pessoalmente a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS...<br />
-Ver? Pessoalmente?<br />
Alex Randall era meio incrédulo nos assuntos religiosos, mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
passar por tanta perturbação, não <strong>de</strong>ixaria passar a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar algumas<br />
poucas e boas para a tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />
-Vamos lá. Não perco essa chance por nada no Universo!<br />
Moreira esten<strong>de</strong>u a mão tocando no ombro <strong>de</strong> Alex Randall e, no momento<br />
seguinte, já não estavam mais a bordo do Viajante das Estrelas.<br />
***<br />
Olhou ao redor e viu-se flutuando no meio do nada.<br />
Moreira estava ao seu lado.<br />
E também o recipiente aberto com a imagem da MÃE CRIADORA DE<br />
TODAS AS COISAS.<br />
Ao redor <strong>de</strong>les, uma gigantesca estrutura fechada com prédios e<br />
construções dos mais diversos tipos, monges, veículos e até alguns robôs<br />
flutuando também...<br />
A estátua, naquele ambiente, parecia irradiar uma luz <strong>de</strong> cores surreais.<br />
Imediatamente todos que flutuavam alí no interior da monumental<br />
construção se aproximaram ao redor <strong>de</strong> Moreira e Alex Randall cercando-os e<br />
mantendo-se uma distância <strong>de</strong> cinco metros.<br />
-Os fieis querem prestar seus votos junto à imagem. – Disse Moreira. –<br />
Vamos dar espaço para eles.<br />
Falou isso e tocou novamente o ombro do nosso herói.<br />
Novamente se <strong>de</strong>u o estranho fenômeno on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareciam <strong>de</strong> um lugar<br />
quase que imediatamente reparecendo em outro mais distante.<br />
Nesse caso, a referida distância até que não foi muito gran<strong>de</strong>. Apenas o<br />
suficiente para se afastar dos fieis que <strong>de</strong> todos os lados se avolumavam ao redor<br />
da estátua.<br />
Aturdido com tantas mágicas que, <strong>de</strong> meros truques ilusórios não tinham<br />
nada, Alex Randall acabou por indagar a Moreira:<br />
-Seus dons são realmente impressionantes, Moreira. Mas, me diga: sendo<br />
da Terra e humano, como conseguiu adquirí-los?<br />
-Depois <strong>de</strong> passar por uma aventura maluca on<strong>de</strong> cheguei até a assistir o<br />
BIG BANG...<br />
-O BIG BANG?!?!? – A origem do universo??<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Na verda<strong>de</strong>, o Universo não tem começo ou fim. O BIG BANG é apenas<br />
uma fase <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>le. Um momento <strong>de</strong> explosão, que <strong>de</strong>pois se segue a um <strong>de</strong><br />
contração, e <strong>de</strong>pois, uma nova explosão, seguindo assim sucessivamente, sempre<br />
se renovando.<br />
Naquele momento Alex Randall <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> novos questionamentos.<br />
Moreira simplesmente continuou contando suas experiencias e conclusões:<br />
-Após essa viagem ao início dos tempos eu comecei a ter sonhos com a<br />
MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, e, por incrível que possa parecer, foi<br />
seguindo e aten<strong>de</strong>ndo as mensagens que recebia nessas minhas visões que<br />
cheguei aqui.<br />
-E o que foi te pedido algo em troca?<br />
Moreira fêz uma expressão séria, olhou para o nada e disse:<br />
-Eu era militar na época, tinha um espírito marcial muito forte <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
mim. Galguei o mais alto posto que me era permitido <strong>de</strong>ntro da força armada que<br />
eu servia. Também projetei caças espaciais que, por muito tempo mostraram<br />
gran<strong>de</strong> eficiência e alto po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição em todas as operações militares que<br />
participaram...<br />
Uma luz estalou iluminando as lembranças <strong>de</strong> Alex Randalll, ao que, ele<br />
logo indagou:<br />
-Não seria você o briga<strong>de</strong>iro Moreira que a uns tempos atrás já tinham até<br />
dado como perdido, <strong>de</strong>pois reapareceu, mandou escrever uma história fantástica<br />
pela qual tinha passado e então sumiu novamente?<br />
Moreira <strong>de</strong>u um sorrido e fêz um gesto positivo com a cabeça.<br />
Alex Randall continuou<br />
-O caça que você projetou foi base para muitos projetos <strong>de</strong> espaçonaves<br />
militares que posteriormente foram construídas. O sr. realmente virou um mito cuja<br />
biografia ainda nos dias <strong>de</strong> hoje causa assombro e admiração.<br />
-Eu sei! Mas, esses feitos a que você se refere nada significam mais para<br />
mim...<br />
-Também recebi um convite como esse que você mencionou... Mas, não<br />
pu<strong>de</strong> aceitar.<br />
Moreira fez uma cara <strong>de</strong> espanto e perguntou:<br />
-Verda<strong>de</strong>?...Mas...Por-quê?<br />
Alex Randall acen<strong>de</strong>u seu cachimbo...<br />
-Ela queria que eu parasse <strong>de</strong> fumar...<br />
Moreira <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada ao que, o nosso herói acompanhou-o<br />
até as lágrimas escorrerem.<br />
-Os pequenos vícios são os mais difíceis <strong>de</strong> serem vencidos. Ela ia me<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
pedir a mesma coisa, mas, como na época eu já estava largando, ela pediu para<br />
largar a vida militar...<br />
-É um consolo, disse Alex enxugando as lágrimas. Acho que ela faz esse<br />
pedido porque o serviço <strong>de</strong>ve exigir muito esforço físico...<br />
***<br />
Algum tempo <strong>de</strong>pois estavam os dois flutuando diante da entrada <strong>de</strong> um<br />
longo corredor.<br />
Assim que entraram nele, a gravida<strong>de</strong> foi suavemente voltando ao normal e<br />
os trazendo para o chão.<br />
Caminharam por toda a sua extensão até pararem diante <strong>de</strong> outros monges<br />
que também se vestiam como Moreira, estes porém, eram bem mais altos, fortes e<br />
ameaçadores.<br />
Moreira dirigiu-lhes um gesto com a mão direita ao que estes respon<strong>de</strong>ram<br />
com um aceno <strong>de</strong> cabeça.<br />
As gigantescas portas que haviam ao final do corredor se abriram dando<br />
acesso a um enorme salão on<strong>de</strong> no centro, estava um poço muito largo com um<br />
tubo <strong>de</strong> vidro no seu interior.<br />
Dentro <strong>de</strong>sta peça, flutuava completamente imóvel uma mulher com<br />
aproximadamente doze metros <strong>de</strong> altura.<br />
-Uma versão maior da estátua da MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />
COISAS pensou Alex Randall.<br />
-Não é uma estátua. – Corrigiu Moreira, <strong>de</strong>monstrando novamente seus<br />
po<strong>de</strong>res telepáticos. – É a própria MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, ou,<br />
pelo menos a cópia <strong>de</strong>la que controla toda a vida neste Universo.<br />
-Neste universo? Cópia? Ela controla tudo daí? Indagou Alex Randall meio<br />
incrédulo...<br />
-Neste aqui sim. Em cada um dos outros existentes e criados por ela há<br />
uma cópia controlando todos os acontecimentos. Se uma <strong>de</strong>las é <strong>de</strong>struída,<br />
juntamente se per<strong>de</strong> todo o seu Universo.<br />
Alex Randall olhou a figura imóvel da MÃE DE TODAS AS COISAS...<br />
-Ela sabe que estou aqui? Indagou ele para Moreira.<br />
-Ela sabe <strong>de</strong> todas as coisas.<br />
-Se eu disser alguma coisa ela ouvirá?<br />
-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS escuta tudo. Até os<br />
pensamentos daqueles que não estão neste local.<br />
Alex Randall aproximou-se do vidro on<strong>de</strong> estava a belda<strong>de</strong> gigante e disse<br />
a plenos pulmões:<br />
168
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Eu já cumpri com muito custo com a minha parte. Agora quero pelo menos<br />
sossego para po<strong>de</strong>r dormir direito sem pesa<strong>de</strong>los. Também não quero mais<br />
nenhuma assombração pela minha astronave. Vê se agora me dá um pouco <strong>de</strong><br />
sossego, pô.<br />
Até mesmo Moreira foi pego <strong>de</strong> surpresa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa.<br />
Ocorreu então um fato curioso.<br />
A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS mexeu a cabeça inclinando-a<br />
em direção a Alex Randall e lançou-lhe um beijo bem libidinoso, daqueles com<br />
direito a língua prá fora da boca e tudo o mais...<br />
Claro que nosso herói ficou abestalhado como que viu.<br />
Virou-se para Moreira que o olhava ainda espantado com o que ouvira sair<br />
<strong>de</strong> sua boca.<br />
-Você viu?<br />
-O que?<br />
-Esse beijo que ela me lançou.<br />
-Quê?!?!<br />
-Cara! Nem as pervertidas dos puteiros que durante alguns anos frequentei<br />
em Marte conseguiam fazer a boca e a língua se contorcerem do jeito que ela<br />
acabou <strong>de</strong> fazer agora...<br />
-Como? Indagou Moreira meio incrédulo e espantado com as palavras<br />
inapropriadas proferidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um ambiente sagrado.<br />
-Você não viu?<br />
-O quê?!?!?!<br />
Moreira não podia ver o que Alex Randall enxergava já que estava <strong>de</strong><br />
costas para a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />
Aproveitando-se do fato, ela ainda sorriu e piscou com seus olhos que<br />
escondiam universos inteiros cheios <strong>de</strong> vida.<br />
-Você não está vendo?!? Veja lá! – Disse Alex Randall apontando para a<br />
gigantesca mulher.<br />
Moreira lentamente virou-se <strong>de</strong> modo a ver do que é que nosso herói<br />
estava falando.<br />
Só que foi tão lerdo, que, quando finalmente o fêz a MÃE CRIADORA DE<br />
TODAS AS COISAS já havia voltado a manter seu rosto na costumeira expressão<br />
natural <strong>de</strong> relaxamento.<br />
-Você disse que ela mostrou alguma expressão no rosto.<br />
-Expressão?!? Me mandou um beijo daqueles... Se eu fosse censor<br />
mandava pren<strong>de</strong>r.<br />
Moreira virou-se para Alex Randall e disse:<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Se o que diz realmente aconteceu, você acaba <strong>de</strong> ver algo que nem os<br />
monges mais antigos e hierarquicamente superiores <strong>de</strong>ste templo presenciaram.<br />
Ao que se sabe, a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS se mantém aqui<br />
imutável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a aurora dos tempos.<br />
Alex Randall levantou a mão apontando para frente e perguntou:<br />
-Então você não viu?<br />
Moreira fêz cara <strong>de</strong> <strong>de</strong>sentendido.<br />
-Juro que não. – E continuou: - Acho que já é hora <strong>de</strong> saírmos...<br />
-Claro. – Concordou Alex Randall com cara meio amarrada. – Mas eu juro o<br />
que vi...<br />
-Certo...<br />
Moreira tocou novamente no ombro <strong>de</strong> Alex Randall e, no instante seguinte<br />
estavam os dois novamente na Central <strong>de</strong> Comando a bordo do Viajante das<br />
Estrelas.<br />
Antes <strong>de</strong> reaparecer <strong>de</strong> volta a astronave, nosso herói ainda teve a<br />
impressão <strong>de</strong> ver a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS lhe lançando um<br />
último e lindo sorriso...<br />
De volta para o local <strong>de</strong> trabalho, mostrou-se mais uma vez espantado com<br />
os fantásticos po<strong>de</strong>res que Moreira controlava.<br />
-Caramba, Moreira! Estes seus truques <strong>de</strong> mágica são bons mesmo!<br />
-Mas não são truques...<br />
-Não quis dizer que se tratam <strong>de</strong> simples truques baratos. Seus dons são<br />
realmente impressionantes mesmo...<br />
-Isso não é nada, Alex Randall. Veja só!<br />
Com um leve estalar <strong>de</strong> <strong>de</strong>dos <strong>de</strong> Moreira, o Viajante das Estrelas<br />
subitamente <strong>de</strong>sapareceu daquela região do Universo indo reaparecer quase que<br />
imediatamente no mesmo lugar on<strong>de</strong> SPLERONCIUS fora encontrado pela<br />
primeira vez.<br />
Num piscar <strong>de</strong> olhos, foi superada toda a distância que a astronave, mesmo<br />
com sua incrível velocida<strong>de</strong> havia levado trinta anos terrestres para realizar.<br />
Tal mudança <strong>de</strong> lugar era bastante evi<strong>de</strong>nte já que, o setor do espaço<br />
si<strong>de</strong>ral até on<strong>de</strong> então estivera tinha predominância <strong>de</strong> cores vermelhas e<br />
alaranjadas e, alí não.<br />
Aquela jornada instantânea causou forte impressão em Alex Randall e<br />
novamente não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar seu espanto.<br />
-Quase me arrependo <strong>de</strong> não ter aceitado a oferta que tive...<br />
-Você ainda tem tempo...<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u mais algumas forte baforadas no seu cachimbo e disse:<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Não sou o cara certo.<br />
Moreira <strong>de</strong>u um sorriso, ergueu as mãos e disse:<br />
-Preciso voltar para o templo. Desejo-lhe que a MÃE CRIADORA DE<br />
TODAS AS COISAS acompanhe seu caminho trazendo-lhe muitas bençãos.<br />
-Trazer as bençãos eu aceito, agora, acompanhar não precisa, já que,<br />
enquanto esteve aqui me <strong>de</strong>u bastante dor <strong>de</strong> cabeça...<br />
Moreira <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada e disse:<br />
-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS é muito brincalhona mesmo.<br />
Po<strong>de</strong> acreditar.<br />
Não disse mais nada e sumiu num piscar <strong>de</strong> olhos <strong>de</strong>ixando sozinho um<br />
atônito Alex Randall...<br />
Por algum tempo, ficou recolocando as idéias em or<strong>de</strong>m tentando enten<strong>de</strong>r<br />
tudo pelo que passara.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.17 DE ALEX RANDALL<br />
Verificando simultaneamente milhares <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> situações diversas<br />
que se davam no interior do Viajante das Estrelas, Alex Randall percebia quando<br />
alguma <strong>de</strong>las era diferente do normal.<br />
Foi o que aconteceu.<br />
Um pequeno ícone entre os tantos que flutuavam ao redor <strong>de</strong> sua poltrona<br />
na central <strong>de</strong> comando chamou-lhe a atenção.<br />
Até então estivera apagado sem mostrar nada, subitamente porém,<br />
iluminou-se com um brilho azul claro cheio <strong>de</strong> chuviscos.<br />
Era um sinal <strong>de</strong> comunicação cuja fonte <strong>de</strong> transmissão provinha <strong>de</strong> fora do<br />
Viajante das Estrelas.<br />
Novas imagens se suce<strong>de</strong>ram à primeira ,on<strong>de</strong>, até então estivera o<br />
chuvisco.<br />
Eram <strong>de</strong> criaturas inteligentes que faziam seus testes iniciais com um<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> transmissor similar às velhas televisões terráqueas do século XX.<br />
Tomado pela curiosida<strong>de</strong>, Alex Randall teve um súbito <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecer<br />
aquela fonte transmissora e, movido por tal ímpeto, indagou ao Cérebro<br />
computadorizado:<br />
-Quanto tempo para alcançarmos o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> são produzidas essas<br />
imagens?<br />
-Apenas alguns minutos. – Foi a resposta dada pela suave e sedutora voz<br />
feminina artifical.<br />
-Então vamos até lá.<br />
Realmente, não muito tempo após a estimativa, o Viajante das Estrelas<br />
chegava ao setor espacial on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estar o planeta <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provinham as tais<br />
imagens.<br />
Deveria, mas, não havia o menor sinal da sua existência alí.<br />
-Mas aqui não tem nada. O que houve?<br />
O cérebro computadorizado respon<strong>de</strong>u:<br />
-O planeta <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vieram aquelas imagens não existe mais. Foi aniquilado<br />
numa guerra entre os próprios povos. Seus fragmentos se espalharam pela órbita<br />
que realizava ao redor da estrela que os iluminava.<br />
-Como <strong>de</strong>scobriu isso?<br />
-Durante o percurso até aqui chegaram novas transmissões. Algumas<br />
<strong>de</strong>las, com filmagens, feitas por satélites que conseguiram até registrar o fim <strong>de</strong>ste<br />
povo.<br />
172
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A imagem tridimensional <strong>de</strong> um planeta <strong>de</strong> cor cinzenta apareceu.<br />
Relampagos brilhavam por entre as nuvens.<br />
Subitamente pipocaram pontos brancos por aquele globo.<br />
Começavam pequenos e aumentavam <strong>de</strong> tamanho rapidamente.<br />
Logo, todos juntos, por fim consumiram, e explodiram aquele mundo outrora<br />
habitado por vida inteligente.<br />
Alex Randall passou a olhar para os escombros <strong>de</strong> modo diferente.<br />
Não estava contemplando simplesmente alguns pedaços <strong>de</strong> rocha ou<br />
<strong>de</strong>tritos espaciais. Tinha diante <strong>de</strong> si a história <strong>de</strong> um mundo que se <strong>de</strong>struíra.<br />
Estava tudo alí, cada partícula e pedaço <strong>de</strong> terra com registros da sua<br />
história.<br />
Um espírito <strong>de</strong> arqueólogo <strong>de</strong>spertou no nosso herói.<br />
Resolveu analisar aquele cenário.<br />
Os restos do planeta constituíam fonte muito rica <strong>de</strong> materiais, portanto, o<br />
impeto por estudos mostrado por Alex Randall certamente conduziria a um<br />
trabalho que mesmo auxiliado por todos os robôs da astronave <strong>de</strong>moraria e jamais<br />
seria concluído.<br />
Pensando a melhor forma <strong>de</strong> realizar seu intento, nosso herói programou<br />
alguns robôs para uma pesquisa inicial.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, cinco robôs foram lançados ao espaço em direção aos<br />
<strong>de</strong>stroços.<br />
Após realizarem busca superficial, apenas um encontrou artefato digno <strong>de</strong><br />
atenção.<br />
Era elemento não rochoso com aproximadamente dois metros <strong>de</strong><br />
cumprimento.<br />
Ao seu redor brilhava um campo transparente <strong>de</strong> cor esver<strong>de</strong>ada.<br />
Aquele pedaço <strong>de</strong> matéria aparentava ter composição química constituída<br />
<strong>de</strong> elementos <strong>de</strong>sconhecidos nas principais tabelas periódicas.<br />
O robô que o localizou, apesar <strong>de</strong> bem equipado, não conseguia dar<br />
maiores <strong>de</strong>talhes a respeito do objeto.<br />
Aproximou-se mais e pousou em sua superfície.<br />
O campo esver<strong>de</strong>ado brilhante do objeto não causou nenhuma avaria no<br />
equipamento.<br />
Raspando e perfurando pequenas porções, obteve amostras para uma<br />
analise direta.<br />
Infelizmente, mesmo aquele procedimento também não revelou novida<strong>de</strong>s,<br />
apenas confirmou o que já se sabia.<br />
173
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Alex Randall resolveu trazer para o interior do Viajante das Estrelas o<br />
curioso pedregulho, ou fosse lá ele o que fosse, para testes mais apurados<br />
serem feitos.<br />
Da central <strong>de</strong> comando, <strong>de</strong>u algumas or<strong>de</strong>ns e, instantaneamente o robô<br />
que se encontrava a distância, pôs em ação seus foguetes propulsores<br />
movimentando-se e levando consigo a pedra brilhante.<br />
Logo <strong>de</strong>pois, o artefato já estavam no setor <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontaminação da<br />
astronave.<br />
A pedra foi então examinada mais <strong>de</strong>talhadamente.<br />
Os resultados obtidos não esclareceram mais do que já se sabia.<br />
Aparentemente a rocha, não representavam gran<strong>de</strong> perigo.<br />
Tudo indicava que não haveria risco para uma análise feita por um ser<br />
humano.<br />
O material foi levado para uma sala monitorada por robôs que estava no<br />
vácuo.<br />
Antes dos novos testes se iniciarem, foi pressurizada.<br />
Tomou-se tal medida já que Alex Randall queria acompanhar pessoalmente<br />
os estudos realizados naquela coisa, e, com ar no compartimento, não precisaria<br />
usar trajes que limitassem seus movimentos.<br />
A pressurização estava terminando quando Alex Randall se aproximava.<br />
Ia entrar na sala, e a porta não se abriu automaticamente como <strong>de</strong>veria.<br />
-O que houve? Perguntou.<br />
A voz feminina digitalizada do cérebro computadorizado logo respon<strong>de</strong>u:<br />
-O artefato reagiu ao contato com o Oxigênio.<br />
Alex Randall teclou alguns comandos no painel ao lado da porta.<br />
***<br />
Um pequeno monitor mostrou o que ocorria naquele compartimento.<br />
Não haviam se passado <strong>de</strong>z minutos e a superfície da estranha rocha já<br />
não apresentava o mesmo aspecto...<br />
A olhos nus cresciam pequenas bolhas brancas e brilhantes no interior do<br />
campo esver<strong>de</strong>ado.<br />
Depois <strong>de</strong> alcançarem tamanho similar ao <strong>de</strong> um punho fechado, se<br />
rompiam e, <strong>de</strong> seu interior saiam insetos voadores que, logo atingiram tamanho<br />
igual ao <strong>de</strong> caixas <strong>de</strong> sapato.<br />
Alguns <strong>de</strong>stes bichos aproximaram-se da única porta que havia alí e<br />
174
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
começaram a cagar nela.<br />
As fezes, pulverizadas da extremida<strong>de</strong> anterior <strong>de</strong>les, assim que tocavam a<br />
superfície do que quer que fosse, <strong>de</strong>rretiam-na.<br />
Logo, a porta que separava Alex Randall dos perigosos insetos não mais<br />
existia.<br />
As criaturas <strong>de</strong>struidoras avançaram para cima <strong>de</strong>le, mas, foram<br />
interceptadas pelos robôs <strong>de</strong> segurança que, em massa se mobilizaram para lhe<br />
tirar do perigo.<br />
Seres vivos e mecânicos se <strong>de</strong>gladiavam numa luta mortal.<br />
Pequenos robôs com armas <strong>de</strong> raios embutidas cortavam ao meio com<br />
gran<strong>de</strong> facilida<strong>de</strong> os insetos que, para compensar suas perdas se reproduziam<br />
multiplicando-se em quantida<strong>de</strong> assustadora e ainda, jogando a própria merda no<br />
ventilador para <strong>de</strong>rreter tudo ao redor...<br />
Logo, os robôs disponíveis naquele setor já não eram suficientes para os<br />
insetos.<br />
Alex Randall porém já fora retirado da zona <strong>de</strong> perigo.<br />
Seguro, acompanhava os acontecimentos através <strong>de</strong> diversas câmeras que<br />
tudo registravam nos corredores e <strong>de</strong>mais cômodos da nave.<br />
Os insetos estavam em número cada vez maior e logo, tomariam tudo.<br />
Alguma atitu<strong>de</strong> tinha que ser tomada.<br />
Acionou alguns comandos no braço <strong>de</strong> sua poltrona na central <strong>de</strong> comando<br />
e, imediatamente, um estrondo se fez ouvir por toda a astronave.<br />
Todas as sessões ocupadas pelos insetos, incluindo aquela on<strong>de</strong> estava o<br />
artefato misterioso foram ejetadas para fora do conjunto que compunha a<br />
astronave.<br />
Logo <strong>de</strong>pois, flutuando no vazio, já a consi<strong>de</strong>rável distância, aqueles<br />
<strong>de</strong>stroços começaram a emitir um brilho ver<strong>de</strong> similar ao da rocha.<br />
Dalí, mais insetos começaram a sair voando pelo espaço vazio e gelado<br />
sem dificulda<strong>de</strong> ou transtorno.<br />
Por questão <strong>de</strong> segurança, Alex Randall resolveu se afastar daquele<br />
cenário.<br />
Logo <strong>de</strong>pois, já acompanhava os acontecimentos <strong>de</strong> um ponto distante e<br />
tranqüilo.<br />
Conforme aumentavam em número, os insetos se amontoavam numa<br />
imensa bola que foi crescendo cada vez mais rapidamente.<br />
Então, um fogo branco <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou-se no interior daquela esfera viva.<br />
Em seguida explodiu <strong>de</strong> modo violento, espalhando os temíveis insetos por<br />
todos os lados.<br />
175
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A bola <strong>de</strong> fogo originária da explosão foi crescendo cada vez mais,<br />
chegando seu tamanho rapidamente a superar o próprio diâmetro do Viajante das<br />
Estrelas.<br />
E essa expansão porém não parou alí.<br />
Bem mais tar<strong>de</strong>, o crescimento da bola <strong>de</strong> fogo não havia terminado.<br />
Alex Randall estava hipnotizado com o que via. Não tirava os olhos das<br />
imagens projetadas diante <strong>de</strong> si.<br />
A bola <strong>de</strong> fogo, agora um pouco mais esver<strong>de</strong>ada, não parava <strong>de</strong> crescer.<br />
Rapidamente atingira o diâmetro da Terra...<br />
Todos os <strong>de</strong>tritos que compunham o planeta anteriormente <strong>de</strong>struído,<br />
passaram a ser atraídos pelas po<strong>de</strong>rosas forças gravitacionais que o estranho<br />
fenômeno passou a exercer <strong>de</strong>ntro do sistema planetário.<br />
Fumando incessantemente, Alex Randall não <strong>de</strong>sviava a sua atenção dali.<br />
Longo tempo ficou absorto em tais fatos.<br />
Mal comia ou <strong>de</strong>scansava.<br />
Transcorrido período equivalente a uma semana na Terra, um planeta se<br />
formara dos restos daquele que fora <strong>de</strong>struído anteriormente.<br />
Este, seguia órbita idêntica à do outro.<br />
Voltaria a ser o quarto planeta do sistema <strong>de</strong> Antares.<br />
Se a mesma nomenclatura fosse adotada, o nome daquele mundo que<br />
nascia seria ANTARES IV.<br />
Alex Randall passou a utilizar aquele nome ao se referir em seus relatórios<br />
ao mundo que velozmente nascera e se transformara diante dos próprios olhos<br />
cansados.<br />
A gigantesca explosão <strong>de</strong> fogo agora se transformara numa bola ver<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
gases.<br />
Depois, a tonalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta cor foi mudando até ficar azulada.<br />
Com isso, gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> dos gases se liqüefez, iniciando a formação<br />
<strong>de</strong> um oceano.<br />
Passado mais algum tempo, este processo se estabilizou fazendo emergir<br />
dos mares, um gran<strong>de</strong> continente cujo <strong>de</strong>senho muito se assemelhava ao da<br />
cabeça <strong>de</strong> uma caveira humana sem maxilar, com longos e grossos caninos<br />
postados na arcada <strong>de</strong>ntária superior.<br />
Em meio à tantas transformações começaram a surgir formas <strong>de</strong> vida...<br />
***<br />
176
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Tudo aconteceu com extraordinária velocida<strong>de</strong>: a evolução das espécies,<br />
extinção <strong>de</strong> diversas criaturas, mudanças geológicas e climáticas, etc...<br />
Dado momento porém chegou, que esse ritmo diminuiu e a situação alí<br />
passou a se processar numa velocida<strong>de</strong> similar à da Terra na pré-história.<br />
Relemmbrando sua infância, quando ainda gostava <strong>de</strong> brincar com réplicas<br />
<strong>de</strong> borracha das gran<strong>de</strong>s feras do passado, nosso herói foi abatido por uma<br />
sensação <strong>de</strong> nostalgia que o convidava a realizar uma exploração pessoal<br />
naquele novo mundo.<br />
Os temíveis insetos cagalhões já não representavam mais ameaça pois o<br />
seu período <strong>de</strong> existência entre as criaturas vivas já havia se extinguido.<br />
Daí que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito observar, Alex Randall resolveu que, já po<strong>de</strong>ria<br />
aproximar o Viajante das Estrelas do planeta recém-nascido.<br />
Logo a astronave entrou em órbita <strong>de</strong> ANTARES IV.<br />
Ansioso para tomar um “ar fresco”, nosso herói sentou-se em uma das<br />
poltronas voadoras, vestiu o traje espacial e finalizou os últimos preparativos para<br />
a partida.<br />
O campo protetor esférico transparente se iluminou ao redor da poltrona e<br />
esta, lentamente começou a flutuar.<br />
No hangar, abriu-se no teto uma saída para o exterior e Alex Randall rumou<br />
para aquele misterioso mundo.<br />
***<br />
Mais tar<strong>de</strong>, a poltrona voadora estabilizava seu vôo a pouca altura do solo.<br />
Baseado nas ocorrências <strong>de</strong> uma aventura anterior, em que fez contato<br />
com uma civilização <strong>de</strong> macacos inteligentes, Alex Randall acreditava que não<br />
enfrentaria perigos durante sua visita em Antares IV.<br />
As coisas porém não foram assim...<br />
Em pleno ar, um morcego gigante com pelo menos cinqüenta metros <strong>de</strong><br />
envergadura atacou repentinamente a poltrona .<br />
Não obteve sucesso na sua investida, pois, a proteção que o campo<br />
esférico oferecia era mais do que suficiente para garantia <strong>de</strong> segurança.<br />
Outros seres voadores também tentaram diversas formas <strong>de</strong> ataque.<br />
Também estes não obtiveram resultado que lhes pu<strong>de</strong>sse ser positivo.<br />
Alex Randall percebeu então que as florestas não tinham aparência ou<br />
clima tranqüilizador.<br />
Pelo contrário, tudo alí era amedrontador e sombrio.O vento forte fazia com<br />
que as folhagens das árvores se movimentassem violentamente.<br />
177
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Mesmo à altura em que estava, um <strong>de</strong>les esticou-se inteiro, lançando e<br />
chocando-se como um po<strong>de</strong>roso chicote contra a poltrona protegida.<br />
Alguns galhos tentaram até envolver a esfera semi transparente.<br />
Estas tentativas porém, eram repelidas pelo campo <strong>de</strong>fensivo.<br />
Mesmo assim a violência do ataque aumentava.<br />
Algumas plantas se chocavam com tanta força contra a esfera protetora<br />
que esta em alguns momentos chegou a fraquejar quase se apagando...<br />
Finalmente, a poltrona conseguiu <strong>de</strong>svencilhar-se daquele emaranhado<br />
vegetal.<br />
Distanciou-se da superfície.<br />
Porém, mesmo aumentando a altitu<strong>de</strong>, não ficou livre <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> vida<br />
agressivas do planeta.<br />
Um enxame <strong>de</strong> insetos muito similares àqueles que já tivera a infelicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> conhecer anteriormente, aproximou-se velozmente da poltrona.<br />
Nosso herói logo enten<strong>de</strong>u que aquele mundo era violento <strong>de</strong>mais para se<br />
permanecer, mesmo contando com toda a proteção tecnológica que dispunha.<br />
Era chegada a hora <strong>de</strong> voltar.<br />
A poltrona voadora disparou rumo às alturas perseguida tenazmente pelos<br />
perigosos insetos, que só <strong>de</strong>sistiram quando alcançaram as camadas mais<br />
rarefeitas da atmosfera.<br />
Antes mesmo <strong>de</strong> entrar no Viajante das Estrelas, novos contratempos se<br />
suce<strong>de</strong>ram ...<br />
A origem <strong>de</strong>stes, ocorreu durante os ataques que Alex Randall sofreu em<br />
Antares IV.<br />
Mais exatamente, quando os escudos protetores por um milésimo <strong>de</strong><br />
segundo fraquejaram ante a fenomenal força da vegetação viva.<br />
Neste momento, uma pequena semente conseguiu penetrar o ambiente<br />
on<strong>de</strong> estava a poltrona e, em contato com o oxigênio próximo à ela começou se<br />
<strong>de</strong>senvolver.<br />
Sua presença ali só foi <strong>de</strong>tectada quando seu crescimento era irrefreável.<br />
Em pouquíssimos instantes, a vegetação envolveu toda a parte inferior da<br />
poltrona.<br />
Percebendo isso, Alex Randall não vacilou e <strong>de</strong>sligou a esfera protetora<br />
transparente ao redor da mesma, fazendo com que todo o oxigênio no seu interior<br />
se per<strong>de</strong>sse no espaço.<br />
Esta manobra retardou significativamente o crescimento da agressiva<br />
vegetação.<br />
Mesmo parcialmente encoberta, a poltrona se aproximou bastante <strong>de</strong> um<br />
178
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
dos hangares da astronave.<br />
Em <strong>de</strong>terminado ponto do trajeto, Alex Randall afastou-se da poltrona<br />
abandonando-a à própria sorte no espaço.<br />
Com auxílio dos micro foguetes instalados no seu traje espacial, aproximouse<br />
<strong>de</strong> um hangar on<strong>de</strong> além das naves e robôs, só havia o vácuo.<br />
Antes <strong>de</strong> entrar em ambiente com oxigênio, seus trajes foram verificados.<br />
Assim que os tirou, foram <strong>de</strong>struídos.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, Alex Randall teria seu corpo examinado para garantir que<br />
qualquer outro resíduo <strong>de</strong> Antares IV não invadisse a astronave.<br />
Seguro <strong>de</strong> que nada mais ameaçava o Viajante das Estrelas, voltou a<br />
analisar os acontecimentos daquele planeta por um ângulo mais a<strong>de</strong>quado: a<br />
longa distância!<br />
Os satélites e sondas que sobreviviam à agressiva inospitalida<strong>de</strong> daquele<br />
mundo enviavam imagens <strong>de</strong> montanhas e cavernas <strong>de</strong> ouro puro.<br />
Em Antares IV porém, a guerra entre todas as espécies era violenta e<br />
constante.<br />
Um planeta que, mesmo oferecendo condições <strong>de</strong> vida para a raça humana<br />
jamais seria conquistado.<br />
Por essas e outras observações Alex Randall tinha plena convicção <strong>de</strong> que<br />
aquele novo mundo não <strong>de</strong>veria ser perturbado por ninguém.<br />
Num solitário satélite que à distância orbitava o planeta, instalou uma<br />
pequena estação robotizada programada para transmitir uma mensagem à quem<br />
porventura se <strong>de</strong>ixassem seduzir pelos encantos <strong>de</strong> Antares IV.<br />
Era curta, grossa e em diversos idiomas.<br />
-Antares IV é um mundo perigosíssimo que <strong>de</strong>ve a todo custo ser evitado.<br />
Só visite ele se não tiver outra opção.<br />
O alcance das transmissões era curto. Só avisaria quem estivesse entrando<br />
nos limites do sistema planetário.<br />
Uma outra mensagem, mais <strong>de</strong>talhada, partiria em direção à Terra,<br />
seguindo o padrão <strong>de</strong> outras já enviadas.<br />
Daquela extraordinária situação enten<strong>de</strong>u que já não havia mais o que<br />
acompanhar...<br />
Já permanecera alí durante bastante tempo registrando tudo que julgava<br />
ser importante. Era hora <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> ares...<br />
***<br />
179
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.18 DE ALEX RANDALL<br />
Mesmo tão longe no espaço. Alex Randall não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> estar sujeito à<br />
propaganda.<br />
Como <strong>de</strong>dicava-se à monitoração <strong>de</strong> imagens e todo tipo <strong>de</strong> sinais<br />
enquanto transitava velozmente pelas galáxias, sempre captava alguma<br />
novida<strong>de</strong>.<br />
E <strong>de</strong>sta vez não foi diferente. Chegou pelos sistemas <strong>de</strong> comunicação, uma<br />
mensagem <strong>de</strong> ALFALORION.<br />
Não era um mundo qualquer, até no sistema solar, já era conhecida em<br />
lendas que ainda careciam <strong>de</strong> comprovação, como a capital universal dos<br />
prazeres.<br />
Quem quisesse relaxar com classe, ao menos uma vez na vida <strong>de</strong>veria ir<br />
para lá.<br />
Esgotado <strong>de</strong> tanto trabalhar, e influenciado pela propaganda, Alex Randall<br />
resolveu fazer aquela sacrificada peregrinação.<br />
O tempo passou e finalmente chegou a ALFALORIOM.<br />
***<br />
Um dos mundos construídos por diversas culturas alienígenas, pertencente<br />
a um sistema planetário completamente mecanizado.<br />
Até a estrela que alí brilhava, era artificial e controlada.<br />
Assim que o Viajante das Estrelas se aproximou <strong>de</strong> ALFALORIOM, recebeu<br />
através dos sistemas <strong>de</strong> comunicação mais propaganda.<br />
Segundo o que afirmavam os tais “panfletos”, alí era o mundo dos prazeres<br />
para todas as raças e paladares do universo.<br />
Outra surpresa já era aguardada antes da chegada.<br />
Logo, aproximou-se do Viajante das Estrelas, um esquadrão com<br />
aproximadamente 150 naves <strong>de</strong> guerra pertencentes ao corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />
Alfaloriono.<br />
Na central <strong>de</strong> comando, Alex Randall recebeu um comunicado do<br />
comandante daquele agrupamento militar, incluindo sua imagem que foi projetada<br />
diante do nosso herói.<br />
A aparência do soldado não era lá muito amistosa, já que tinha a cabeça<br />
muito feia.<br />
De imediato, o Cérebro Computadorizado traduzia o idioma falado pelo<br />
comandante. Daí, a mensagem chegava bastante clara e objetiva...<br />
180
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Para obter o visto <strong>de</strong> entrada o sr. precisa assinar alguns documentos e<br />
passar por exames ...<br />
-Claro...- Concordou Alex Randall.<br />
-Sua nave <strong>de</strong>verá ficar num estacionamento especial que é protegido por<br />
seguro.<br />
Alex Randall fez um gesto <strong>de</strong> concordância com a cabeça...<br />
-Queira então me seguir...<br />
O agrupamento <strong>de</strong> naves logo se posicionou em formação <strong>de</strong> ponta <strong>de</strong><br />
flexa ao redor do Viajante ds Estrelas.<br />
Tudo que o cérebro computadorizado tinha <strong>de</strong> fazer era seguir a nave lí<strong>de</strong>r,<br />
que estava mais adiante do agrupamento.<br />
Mantiveram baixa velocida<strong>de</strong> por algum tempo...<br />
Foi então que Alex Randall recebeu or<strong>de</strong>ns para permanecer com o<br />
Viajante das Estrelas estacionado exatamente no lugar on<strong>de</strong> se encontrava<br />
naquele momento.<br />
-Precisa <strong>de</strong> transporte? – Indagou o comandante.<br />
-Não.- Respon<strong>de</strong>u nosso herói e, em seguida agra<strong>de</strong>ceu.<br />
O agrupamento <strong>de</strong> naves partiu espaço a<strong>de</strong>ntro.<br />
Outra mensagem chegou:<br />
-Bem vindo a ALFALORION – Capital universal do relaxamento e prazer.<br />
Esse comunicado veio num idioma falado na Terra acompanhado da<br />
projeção tridimensional da imagem <strong>de</strong> uma linda mulher.<br />
-Um dos robôs batedores irá brevemente fazer contato com sua nave para<br />
a adoção dos procedimentos necessários para a sua recepção.<br />
O referido robô apareceu flutuando no espaço aproximando-se lentamente<br />
do Viajante das Estrelas.<br />
Entrou e pousou num dos hangares da astronave.<br />
Lá, Alex Randall foi recebê-lo<br />
O robô não per<strong>de</strong>u muito tempo com conversa mole e foi direto ao assunto:<br />
-Sua espaçonave <strong>de</strong>verá ficar estacionada no setor 6-HSC-25964-YKA<br />
durante o período que o sr. estiver em ALFALORION. O custo do estacionamento<br />
por qualquer período <strong>de</strong> tempo fica em 500, sua estadia mais 30, o que totaliza<br />
530 créditos transgaláticos. O valor inclui um seguro que cobre qualquer dano que<br />
sua nave vier a sofrer...<br />
Quanto a isso, Alex Randall não estava preocupado já que a segurança <strong>de</strong><br />
sua astronave quando não errava, acertava.<br />
Não seria qualquer larápio que entraria alí impunemente.<br />
181
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Vai precisar <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> sua nave para ALFALORION?<br />
-Não! Muito obrigado!<br />
-Então, as autorida<strong>de</strong>s fiscais proce<strong>de</strong>rão uma vistoria na nave que o sr.<br />
utilizar para o seu transporte. Será consi<strong>de</strong>rado contrabando a entrada <strong>de</strong><br />
qualquer produto não registrado na PORTARIA REGULAMENTADORA DE<br />
ENTRADA E SAÍDA DE PRODUTOS NO DISTRITO ALFALORIANO que o sr.<br />
está recebendo agora.<br />
Dizendo isso o robô entregou um livro para Alex Randall.<br />
-A infração <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>stas regulamentações po<strong>de</strong>rá ser até<br />
consi<strong>de</strong>rada crime, portanto não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> se informar a respeito da norma<br />
vigente.<br />
-Certo...<br />
Alex Randall tirou um cartão do bolso, exibiu-o ao robô e introduziu-o na<br />
fenda existente no corpo <strong>de</strong>ste.<br />
Em seguida retirou-o e um recibo foi expedido juntamente com o<br />
passaporte que lhe dava livre acesso ao território alfaloriono.<br />
-Faça bom proveito <strong>de</strong> sua estadia e não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> conhecer o guia oficial <strong>de</strong><br />
atrações turísticas.<br />
-Obrigado.<br />
Momentos <strong>de</strong>pois, o robô saia do Viajante das Estrelas e, nosso herói dava<br />
então início aos preparativos para seu passeio.<br />
***<br />
Horas mais tar<strong>de</strong> Alex Randall <strong>de</strong>ixava o Viajante das Estrelas a bordo <strong>de</strong><br />
uma nave parecida com os antigos aviões <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> passageiros dos idos<br />
do século XXI.<br />
Enquanto acompanhava o trabalho <strong>de</strong> pilotagem automática feita pela re<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> transito local, recebia a programação <strong>de</strong> eventos <strong>de</strong> ALFALORION com muita<br />
propaganda.<br />
O menu <strong>de</strong> opções <strong>de</strong> lazer e diversões local era interminável.<br />
A primeira coisa que nosso herói procurou foram as máquinas <strong>de</strong> sexo<br />
virtual.<br />
Nesse ponto ficou <strong>de</strong>sapontado.<br />
Mesmo as mais avançadas alí disponíveis não eram tão tecnologicamente<br />
sofisticadas como as existentes a bordo do Viajante das Estrelas.<br />
Procurou e encontrou um evento diferente:<br />
182
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
GUITARRISTA DESAFIA O DIABO EM SHOW AO VIVO<br />
Blues Dog, o maior guitarrista <strong>de</strong> todos os tempos<br />
enfrentará o <strong>de</strong>mônio num duelo musical. Se per<strong>de</strong>r, sua<br />
alma vai para o inferno. Vencendo, ganha um apartamento<br />
<strong>de</strong> cobertura no melhor edifício resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong><br />
ALFALORION incluindo ainda o pagamento <strong>de</strong> todas as<br />
suas <strong>de</strong>spesas pelo resto da vida. Não perca este<br />
verda<strong>de</strong>iro duelo <strong>de</strong> morte.<br />
-É esse o programa que vou fazer!<br />
Alex Randall digitou alguns comandos no teclado luminoso do painel e<br />
passou o cartão <strong>de</strong> créditos na fenda para fazer a compra. Em seguida, uma<br />
impressora vomitou o comprovante <strong>de</strong> pagamento que já era o ingresso. E<br />
também, um outro papel.<br />
Verificando o que era ficou surpreso:<br />
-Ora, ora, ora... Veja só...<br />
O conteúdo do impresso dizia:<br />
“Você foi sorteado e ganhou um prêmio. Passe pela bilheteria e informe-se.”<br />
-Que legal!<br />
Logo a nave aproximou-se <strong>de</strong> uma das várias edificações gigantes que<br />
compunham a paisagem daquele mundo e, na lateral <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las, abriu-se uma<br />
entrada retangular por on<strong>de</strong> passou suave e silenciosa até pousar no seu interior.<br />
Na cabine <strong>de</strong> comando, a poltrona on<strong>de</strong> Alex Randall estava sentado<br />
começou a flutuar.<br />
Logo, abriu-se no teto uma saída para fora por on<strong>de</strong> saiu voando.<br />
Três robôs <strong>de</strong> segurança esféricos com diâmetro aproximado <strong>de</strong> trinta<br />
centímetros lhe acompanharam..<br />
Logo flutuavam pelo espaço aéreo daquele mundo cheio <strong>de</strong> torres enormes<br />
e veículos voadores <strong>de</strong> todas as espécies.<br />
Para não atrasar, seguiram direto à casa <strong>de</strong> espetáculos.<br />
Depois <strong>de</strong> chegar, Alex Randall foi até a bilheteria saber do brin<strong>de</strong>.<br />
-Parabéns! O senhor foi sorteado para ser jurado do <strong>de</strong>safio. Ao final,<br />
ganha um vale-refeição para duas pessoas no “Alfalorion´s Bistrout.” Por favor,<br />
me acompanhe...<br />
Alex Randall seguiu o alfaloriono que lhe apontou o camarim on<strong>de</strong> ficaria.<br />
183
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Pousou sua poltrona junto ao espaço reservado aos julgadores.<br />
E, no momento marcado para o início do evento, assim como em toda boa<br />
casa <strong>de</strong> espetáculos, as luzes diminuíram <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> até se apagarem<br />
completamente.<br />
O apresentador entrou no palco e começou o evento dando boas vindas:<br />
-Daqui a pouco presenciaremos um espetáculo único em todo universo.<br />
Temos aqui um mortal que passou longo tempo se preparando para <strong>de</strong>safiar o<br />
príncipe das trevas num duelo on<strong>de</strong> as armas são instrumentos musicais.<br />
“E o primeiro a se apresentar neste palco será o temido, famigerado e<br />
odiado Senhor dos Infernos com sua banda diabólica conhecida como SATANÁS<br />
E SUAS ALMAS.”<br />
Um impresso foi entregue aos jurados naquele momento, informando, como<br />
<strong>de</strong>veria se proce<strong>de</strong>r a escolha: basicamente, ouvindo e apontando quem era<br />
melhor.<br />
O show diabólico começou mostrando que não estava lá para per<strong>de</strong>r<br />
tempo.<br />
Com som pesado, barulhento e cheio <strong>de</strong> ritmo, conquistou as multidões.<br />
Ficava claro que superar aquela apresentação não seria fácil.<br />
Os <strong>de</strong>mônios que tocavam junto ao príncipe das trevas não tinham rosto.<br />
Suas faces pareciam estar em constante transformação.<br />
A música <strong>de</strong>les chegou ao final e a plateia aprovou com aplausos gritos e<br />
elogios.<br />
Dog.<br />
O Satanás, claro, saiu do palco com um sorriso vencedor.<br />
E veio o <strong>de</strong>safiante.<br />
Apresentado como sendo do distante planeta Terra, se chamando Blues<br />
Era músico negro, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, alto, vestindo terno escuro com camisa e<br />
meias brancas. Encimado por chapéu preto, carregava um violão da mesma cor.<br />
Começou a tocar sozinho mostrando que estava lá para ganhar.<br />
Era excepcional.<br />
O resultado <strong>de</strong> tanto treino era visível logo nas primeiras notas.<br />
O som tocado brilhantemente também foi conquistando os ouvintes <strong>de</strong><br />
imediato!<br />
Principalmente, Alex Randall, que já normalmente não gostava do diabo por<br />
tudo o que este representava e era, e ainda, <strong>de</strong>vido aos maus bocados que<br />
passara com ele e sua turma injustamente no inferno.<br />
Não <strong>de</strong>morou muito mais para que o seu voto fosse direto para Blues Dog.<br />
Com categoria <strong>de</strong> mestre, o músico se manteve até o fim da apresentação<br />
184
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
on<strong>de</strong> fez um encerramento em gran<strong>de</strong> estilo.<br />
Tiveram início as avaliações dos números musicais apresentados.<br />
Nada tinha que ser muito explicado ou justificado. Era só dar o voto.<br />
Antes <strong>de</strong> saber o resultado, o diabo já sorria sentindo-se o verda<strong>de</strong>iro<br />
vencedor.<br />
O primeiro voto foi justamente ao seu favor.<br />
O segundo, também.<br />
O terceiro e o quarto, foram favoráveis a Blues Dog.<br />
Alex Randall ficou com a missão <strong>de</strong> dar o veredito final.<br />
Não pensou muito e logo <strong>de</strong>u o seu parecer.<br />
-Eu fico com Blues Dog.<br />
Seu voto repercutiu por centenas <strong>de</strong> alto-falantes instalados naquele teatro<br />
em milhares <strong>de</strong> idiomas e ainda, através <strong>de</strong> sinais luminosos.<br />
Blues Dog respirou fundo como se um gran<strong>de</strong> peso lhe tivesse sido tirado<br />
dos ombros.<br />
Ficou <strong>de</strong> pé diante do banquinho on<strong>de</strong> se sentara para fazer sua<br />
apresentação e levantou os braços acenando para todos.<br />
O aplauso e a saudação em milhares <strong>de</strong> idiomas e modos diferentes <strong>de</strong><br />
cumprimento duraram muito tempo.<br />
Alex Randall mal conseguia conter as lágrimas, não sabia se batia palmas<br />
ou segurava o cachimbo aceso.<br />
O diabo porém não estava com cara <strong>de</strong> muitos amigos.<br />
Dirigiu-se a um dos microfones que havia no teatro e disse:<br />
-Eu não estou satisfeito.<br />
O aplauso cessou subitamente e teve uma gozação generalizada,<br />
aparentemente, ninguém estava levando o Satanás muito a sério.<br />
-Eu não estou feliz, mesmo assim vou cantar uma nova música para<br />
vocês...<br />
O suspense foi generalizado e a música começou.<br />
Era um antigo ritmo <strong>de</strong> roque ultra pesado com vocais <strong>de</strong> voz assustadora.<br />
O próprio diabo cantava e a letra era esta:<br />
185
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
no ar.<br />
(Refrão):<br />
É fria com o diabo fazer contrato<br />
Olha lá, hem...<br />
É fria com o diabo fazer contrato<br />
Eu avisei , hem<br />
É fria com o diabo fazer contrato<br />
É fria com o diabo fazer contrato<br />
É convincente e leva no papo<br />
Já promete, e resolve o babado<br />
Mas o que cobra, sai muito caro<br />
Quem assina, termina escravo<br />
(Refrão)<br />
O diabo assina em baixo<br />
O que dá, não vale um trocado<br />
É a alma, que cai no pecado<br />
E um coitado, que paga o pato<br />
(Refrão)<br />
O Diabo não cumpre contrato<br />
Reclamar, redunda em fracasso<br />
No inferno vai sofrer um bocado<br />
E chorando, acabá <strong>de</strong>sgraçado...<br />
(Refrão)<br />
O som acabou pegando e o refrão marcando na cabeça <strong>de</strong> todo mundo.<br />
Assim que terminou, o Satanás estalou os <strong>de</strong>dos e Blues Dog foi suspenso<br />
Um reflexo translúcido da sua imagem saiu do corpo.<br />
Era a alma <strong>de</strong> Blues Dog.<br />
Em seguida, o corpo do músico <strong>de</strong>spencou inerte no chão enquanto a<br />
imagem translúcida <strong>de</strong>scia em direção aos infernos...<br />
-Esta alma é minha. – Disse o Satanás. – Não cumpro nenhum contrato.<br />
Quem me <strong>de</strong>safiar terá o mesmo <strong>de</strong>stino.<br />
Ninguém falou nada.<br />
Todos olhavam o corpo inerte <strong>de</strong> Blues Dog e entendiam que, se<br />
quisessem se manter vivos, <strong>de</strong>veriam calar-se e <strong>de</strong>ixar o senso <strong>de</strong> justiça para<br />
outro dia.<br />
O diabo não havia porém terminado o seu discurso.<br />
Aproximou-se <strong>de</strong> Alex Randall com um gesto ameaçador...<br />
Os robôs esféricos <strong>de</strong> segurança dispararam raios azulados que, teriam<br />
cortado qualquer ser vivo ao meio.<br />
186
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Naquele caso porém, não surtiu efeito nenhum.<br />
Com cada uma das mãos, o <strong>de</strong>mônio os pegou e <strong>de</strong>struiu.<br />
Fez o mesmo com o terceiro segurança mecanizado dando lhe uma forte<br />
cuspida que o <strong>de</strong>rreteu por inteiro.<br />
Aproximou-se ficando frente a frente com o nosso apavorado herói e<br />
colocou a mão aberta bem próxima ao seu rosto.<br />
Disse em seguida:<br />
-Não vou te fazer mal... Não agora! Assim que morrer, vou reclamar sua<br />
alma. Aí sim pagará por essa insolência. Ninguém tira <strong>de</strong> mim a vitória.<br />
E <strong>de</strong>sapareceram então o Satanás e seus <strong>de</strong>mônios em meio a uma nuvem<br />
amarela <strong>de</strong> fumaça muito mal cheirosa.<br />
Alex Randall ficou petrificado sentado em sua poltrona olhando o cadáver<br />
<strong>de</strong> Blues Dog enquanto pensava no tormento que seria sua vida após a morte.<br />
Então, sabe-se lá como, súbita e inexplicavelmente, iniciou-se um indêndio<br />
no teatro.<br />
Para piorar as coisas, os sistemas <strong>de</strong> combate ao incêndio não<br />
funcionaram.<br />
As saídas <strong>de</strong> emergência se abriram e todos <strong>de</strong>ixaram o local sem que<br />
nenhuma vida além da do músico fosse perdida.<br />
Sentado em sua poltrona voadora e fumando o cachimbo, da rua o nosso<br />
heroi observava o teatro ar<strong>de</strong>r em chamas.<br />
Só bem mais tar<strong>de</strong>, é que o fogo foi <strong>de</strong>belado.<br />
Àquelas alturas, porém, Alex Randall encontrou um lugar on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria<br />
refletir sem ser perturbado. Numa Tabacaria.<br />
***<br />
187
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.19 DE ALEX RANDALL<br />
Não era uma tabacaria muito diferente das existentes na Terra.<br />
Tinha o balcão com ven<strong>de</strong>dor, um projetor <strong>de</strong> imagens tridimensionais cujo<br />
funcionamento pipocava o tempo todo e até uma prateleira com seleção variadas<br />
revistas e livros digitais.<br />
-Meu nome é Harvey. Posso ajudá-lo?<br />
-Conhece meu idioma?<br />
Harvey apontou para o cartão que Alex trazia preso ao bolso da jaqueta.<br />
-Seu crachá indica o código que <strong>de</strong>vo usar no meu tradutor universal para<br />
manter comunicação no seu idioma.<br />
Alex Randall bateu na testa com a palma da mão...<br />
-Como fui burro... Não pensei nisso antes...<br />
Harvey olhou para o cachimbo <strong>de</strong> Alex Randall e disse.<br />
-O sr. parece ser um fumante veterano. Aqui encontrará coisas bem<br />
interessantes.<br />
-Meu amigo, era isso que eu queria ouvir.<br />
Harvey começou uma exposição: primeiramente falou sobre a loja,<br />
contando sua história, <strong>de</strong>pois, tratou a respeito dos fumos catalogados que<br />
dispunha.<br />
Ainda que a fachada da loja fosse mo<strong>de</strong>sto, seu estoque era gigantesco.<br />
Tal fato, não só comprovou a qualida<strong>de</strong> dos produtos bem como a<br />
idoneida<strong>de</strong> do ven<strong>de</strong>dor.<br />
Nosso herói sentiu-se no paraíso não só pelos méritos apontados no<br />
parágrafo anterior mas também, <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>coração do local.<br />
Alí <strong>de</strong>ntro, eram encontrados elementos <strong>de</strong> alta tecnologia que se<br />
harmonizavam com objetos, artefatos e jóias antigas relacionados à arte <strong>de</strong> fumar.<br />
Entre tantas coisas que havia alí <strong>de</strong>ntro, Alex Randall teve sua atenção<br />
chamada pelos ornamentos <strong>de</strong> um magnífico cachimbo esculpido em um mineral<br />
brilhante e acinzentado.<br />
Harvey <strong>de</strong>u algumas breves explicações a respeito do objeto, em seguida,<br />
<strong>de</strong>u uma rápida projetor <strong>de</strong> imagens.tridimensionais. Viu alí alguma coisa e disse:<br />
-Perda <strong>de</strong> tempo.<br />
Alex Randall que segurava uma mercadoria virou-se espantado dizendo:<br />
-C-como? Refere-se a este produto? – Perguntou.<br />
O ven<strong>de</strong>dor olhou para Alex Randall, sorriu e disse.<br />
-Ah! Não! Esse aí é ótimo! Estou falando da eleição do novo sacerdote<br />
188
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
supremo da religião RUIKULKUARQUIANA que segundo dizem, é a que tem<br />
maior número <strong>de</strong> seguidores. Gente que se proclama porta-vozes exclusivos das<br />
palavras do Criador. São enganadores! Isso sim! Ignoram o <strong>de</strong>sejo da MÃE<br />
CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />
Alex Randall já estava ficando um pouco <strong>de</strong> saco cheio <strong>de</strong> tanto encontrar<br />
pelo seu caminho tantas menções à Deus e ao Diabo. Queria ter um pouco <strong>de</strong><br />
sossego nestes assuntos religiosos, mesmo assim, não foi <strong>de</strong>selegante:<br />
-Reparei que o sr. usa o termo MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />
Encontrei por aí alguns sujeitos que também falam assim..<br />
-É uma das formas <strong>de</strong> você se referir a Deus. Alguns filósofos preferem<br />
assim já que enten<strong>de</strong>m que Deus é feminino por ser gerador <strong>de</strong> toda a vida do<br />
universo. O primeiro sopro no cosmo foi dado pela MÃE CRIADORA DE TODAS<br />
AS COISAS, uma entida<strong>de</strong> feminina. Acho que é isso o que dizem.<br />
-E no que o senhor acredita?<br />
-Não acredito em nada disso. Essa conversa <strong>de</strong> religião é só para enganar<br />
trouxa! O universo existe do jeito que é e pronto! O criador ou criadora não vai ter<br />
tempo <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as orações <strong>de</strong> todos os fieis espalhados por bilhões <strong>de</strong> galáxias.<br />
-Já tive uma posição semelhante à sua. Tenho dúvidas quanto à existência<br />
<strong>de</strong> um Deus ou MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, mas, com relação ao<br />
diabo... Da existência <strong>de</strong>ste eu não tenho dúvidas.<br />
-É...<br />
“O que se vê <strong>de</strong> ruinda<strong>de</strong> por aí faz a gente pensar as coisas <strong>de</strong>sse jeito<br />
mesmo. Por outro lado, se não fosse pela força das religiões, muitas socieda<strong>de</strong>s<br />
se auto-<strong>de</strong>struiriam.”<br />
“Mas... Essas coisas estão muito distantes da nossa compreensão...”<br />
-Verda<strong>de</strong>...<br />
-Primeira vez que o vejo aqui... Vem <strong>de</strong> fora?<br />
-Sim. Do sistema solar! Da Terra.<br />
-Ah! A Terra! Tenho fumos aqui que agradam bastante aos raríssimos<br />
humanos que tive o privilégio <strong>de</strong> encontrar por aí...<br />
-É mesmo? Gostaria <strong>de</strong> conhecer estes fumos...<br />
O comerciante fez um sinal convidando-o a segui-lo.<br />
Passaram por corredores estreitos com muitas caixas <strong>de</strong> vários tamanhos<br />
chegando até uma porta que foi aberta..Atrás <strong>de</strong>la, estava um <strong>de</strong>pósito com<br />
muitas caixas.<br />
-Aqui guardo ervas apreciadas pelos humanos. Gostaria <strong>de</strong> experimentar<br />
alguma?<br />
-Claro! - Pensou Alex Randall, afinal ven<strong>de</strong>dores com amostra grátis eram<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
raríssimos, em qualquer parte do Universo<br />
O comerciante pegou uma das caixas que estava encostada na pare<strong>de</strong>.<br />
Abriu-a e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la tirou outra menor.<br />
Esta por sua vez, tinha ao seu redor uma espécie <strong>de</strong> lacre.<br />
Rompeu-o!<br />
Abriu a caixinha e tirou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la um pouco <strong>de</strong> fumo que pôs na mão<br />
<strong>de</strong> nosso herói.<br />
-Experimente. – Disse.<br />
Alex Randall não se fez <strong>de</strong> rogado. Sacou seu cachimbo reserva que<br />
estava vazio e abasteceu-o com o presente.<br />
Acen<strong>de</strong>u-o e calmamente <strong>de</strong>gustou o fumo...<br />
Imediatamente sentiu uma calma e tranqüilida<strong>de</strong> incomum.<br />
O ven<strong>de</strong>dor por sua vez, também sacou um curioso cachimbo que<br />
carregava e abasteceu-o com aquele fumo.<br />
O ar alí <strong>de</strong>ntro logo ficou <strong>de</strong>nsamente enfumaçado.<br />
Ficaram alí conversando, <strong>de</strong>pois voltaram à área <strong>de</strong> convivência pública da<br />
tabacaria.<br />
Sentaram-se numa mesa e ficaram conversando...<br />
Tão relaxados estavam que a única coisa que queriam naquele momento<br />
era falar...<br />
Assim po<strong>de</strong>riam ficar exercitando o verbo por muito tempo...<br />
As formalida<strong>de</strong>s foram caindo, Alex Randall também se apresentou e assim<br />
começaram a trocar histórias...<br />
Harvey era um contador <strong>de</strong> histórias nato:<br />
-Trabalho neste negócio já a bastante tempo, praticamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
comecei a fumar...<br />
-E isso faz muito tempo?<br />
-Des<strong>de</strong> meus tempos <strong>de</strong> menino...<br />
-Como começou ? – Perguntou nosso herói.<br />
-Ah! Isso também foi na infância...Fumava para ficar junto dos mais velhos.<br />
Eram os que tinham fama <strong>de</strong> durões. Eu tinha facilida<strong>de</strong> para arrumar fumo pois<br />
morava perto do espaçoporto. Comecei conhecendo os capitães das naves já que<br />
meu pai fazia negócios com eles nos bares que freqüentavam.<br />
“Os caras sempre traziam produtos diversificados e sempre sobrava algum<br />
cigarro, charuto ou tabaco que meu pai armazenava em casa.”<br />
“Passei a comercializar esse material e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum o tempo, me<br />
estabeleci como comerciante <strong>de</strong> sólidos contatos e capaz <strong>de</strong> arrumar qualquer tipo<br />
190
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
<strong>de</strong> fumo existente no universo.”<br />
-Do universo? - Perguntou Alex Randall impressionado.<br />
-Não apenas <strong>de</strong>sta ou daquela galáxia, mas <strong>de</strong> todo o universo!<br />
Harvey era bem comunicativo e logo quis que nosso herói também<br />
contasse um pouco <strong>de</strong> suas histórias.<br />
Foi o que fez. Nos momentos seguintes passou a relatar suas <strong>de</strong>sventuras<br />
a bordo do Viajante das Estrelas.<br />
O comerciante ouvia atentamente.<br />
Só voltou a falar quando as histórias pareciam terminadas, mas não <strong>de</strong>ixou<br />
<strong>de</strong> formular algumas questões:<br />
-Mas e você? Como iniciou sua carreira <strong>de</strong> fumador?<br />
-Copiei um tio que admirava e fiquei ainda mais fanático pelo cachimbo que<br />
ele. O fumo me ajuda a trabalhar e colocar as idéias em or<strong>de</strong>m.<br />
-Incrível!<br />
A conversa estava cada vez mais relaxada, os dois já se entendiam como<br />
se fossem velhos amigos, por conta disso, em dado momento, Harvey disse:<br />
-Vou te trazer um produto especial! Sem igual em todo o universo.<br />
Saiu da sala e logo voltou com um maço <strong>de</strong> cigarrilhos enrolados.<br />
Imediatamente ofereceu-os a Alex Randall já preparando para este até o isqueiro<br />
aceso.<br />
-Mas o sabor <strong>de</strong>sse fumo não vai ser alterado pelo do que estou<br />
queimando?<br />
-A finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse fumo não é a <strong>de</strong> se sentir o sabor. Po<strong>de</strong> acreditar...<br />
Nosso herói <strong>de</strong>u algumas poucas tragadas e logo percebeu o porquê.<br />
Seu sabor era simplesmente horrível. Mas, acostumou-se.<br />
***<br />
Saindo do meio daquela fumaça Alex Randall viu sua saudosa mãe..<br />
-Meu filho...<br />
Nosso herói naquele momento não podia acreditar...<br />
-Mãe. É a senhora mesmo?<br />
-Sim. Po<strong>de</strong> confiar<br />
Nosso herói, com seus olhos treinados tentava encontrar alguma evidência<br />
que indicasse qualquer tipo <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>, mas, não via nada nesse sentido...<br />
-Sou eu mesma, Alex... Não há o que temer. É o efeito <strong>de</strong>ste fumo que o sr.<br />
Harvey te ofereceu. Através você po<strong>de</strong> falar com quem já não pertence ao seu<br />
191
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
plano <strong>de</strong> vida.<br />
-E o que existe <strong>de</strong>pois da morte, mãe?<br />
-O <strong>de</strong>scanso eterno, filho...<br />
-Um jogo <strong>de</strong> palavras! - Pensou Alex Randall, bastante <strong>de</strong>sconfiado. - Não<br />
respondia nada mas enchia os ouvidos.<br />
-A senhora está bem?<br />
-Sim...Tive uma vida correta. Não caí na tentação do mal, posso <strong>de</strong>scansar<br />
em paz.<br />
-E fantástico po<strong>de</strong>r rever a senhora.<br />
-Fico feliz que pense assim. Agora, eu queria te dizer algumas palavras<br />
antes <strong>de</strong> voltar...<br />
-Claro! Claro!<br />
-Não dê muitos ouvidos a este Cérebro Computadorizado da sua astronave.<br />
-O quê?<br />
-Ele é muito pessimista!<br />
-C-como?<br />
-Para ele, nada nunca vai dar certo! Acredite nas suas idéias. Se você<br />
achar que po<strong>de</strong> voltar no tempo e mudar fatos passados, não exite!<br />
-Ele é muito convincente, mamãe! Seus argumentos me parecem bastante<br />
lógicos...<br />
-Não é a lógica que domina o Universo, filho. Se assim o fosse, tudo seria<br />
perfeito! Nós é que temos correr atrás da perfeição, ainda assim, sem querer<br />
prejudicar os outros ou fazer uso da violência.<br />
-Como seria bom se todos agissem como a senhora fala...<br />
-Para alcançarmos a perfeição <strong>de</strong> que falo, meu filho, temos que ser fortes,<br />
às vezes, resistir a vingança e suportar a dor, por pior que seja, até o fim...<br />
-Não é fácil, mamãe...<br />
Alex olhou para o chão para acomodar-se melhor on<strong>de</strong> estava sentado.<br />
Quando voltou os olhos para on<strong>de</strong> sua mãe <strong>de</strong>veria estar, não havia mais<br />
nada alí.<br />
-Mãe...<br />
Chamou mais duas vezes e não obteve resposta...<br />
Deu novas tragadas naquele cigarro mas o efeito já não era o mesmo...<br />
Harvey apareceu do meio da grossa fumaça e disse:<br />
-O efeito dura apenas alguns momentos. Para acontecer <strong>de</strong> novo o que<br />
você viu, só fumando outro <strong>de</strong>sse daqui a bastante tempo...<br />
-Quanto tempo?<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-O mesmo período que o planeta on<strong>de</strong> estiver levar para dar uma volta<br />
completa ao redor <strong>de</strong> sua estrela.<br />
Nosso herói estava perplexo com o ocorrido.<br />
Sua mente ainda parecia um cal<strong>de</strong>irão borbulhante <strong>de</strong> emoções.<br />
A voz <strong>de</strong> Harvey novamente o <strong>de</strong>spertou para a realida<strong>de</strong>...<br />
-Quem você reviu?<br />
-Minha mãe...<br />
Alex Randall estava meio abobalhado com o ocorrido e não conseguia falar<br />
direito...<br />
-Sabe também vi minha mãe... Antes <strong>de</strong> voltar para o seu <strong>de</strong>scanso, ela<br />
pediu para que eu lhe <strong>de</strong>sse um recado que a sua mãe <strong>de</strong>ixou.<br />
-O que?<br />
-Ela mandou você parar <strong>de</strong> fumar, caso contrário vai se juntar a ela.<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada exibindo os seus <strong>de</strong>ntes<br />
amarelados pelo excesso <strong>de</strong> fumo:<br />
-Vai ser dificil! Mesmo em vida, ela sempre pedia isso.<br />
-Ainda bem! Assim po<strong>de</strong>rei lhe ven<strong>de</strong>r algumas caixas <strong>de</strong> bons fumos. Você<br />
parece ser um perito no assunto.<br />
-Daqui não saio sem levar nada. E não vai ser pouco não...<br />
***<br />
Chegaram ao balcão na entrada da loja e encontraram outro tipo<br />
alienígena.<br />
Meio humano, <strong>de</strong> pele vermelha, era careca e usava roupa azul.<br />
Ao seu lado haviam duas gran<strong>de</strong>s malas e mais algumas bolsas...<br />
-Está saindo <strong>de</strong> viagem, Beni? – Perguntou Harvey.<br />
-Antes disso... Pagando as contas! - Respon<strong>de</strong>u.<br />
-Pagando as contas? – Indagou Harvey. – Isso só po<strong>de</strong> ser brinca<strong>de</strong>ira.<br />
Beni puxou um cartão plastificado do bolso e <strong>de</strong>u-o a Harvey.<br />
-Não é brinca<strong>de</strong>ira não, Harvey. Eu ganhei o primeiro prêmio da Super<br />
Loteria e vim te pagar o que estou <strong>de</strong>vendo pois vou mudar para o Hotel Astúrias<br />
Espaciais.<br />
-Caramba Beni! Isso é que é boa notícia.<br />
Harvey passou o cartão por um leitor ótico, digitou alguns números e<br />
<strong>de</strong>volveu-o<br />
-Perfeito! Você não me <strong>de</strong>ve mais nada. – Disse em seguida.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Harvey, você não precisa se preocupar. Nunca <strong>de</strong>ixarei <strong>de</strong> passar aqui<br />
para rever os amigos.<br />
-E para comprar algum tabaco..<br />
-Mas claro... – Concordou Beni que logo <strong>de</strong>u um caloroso abraço em<br />
Harvey e até em Alex Randall.<br />
-Vai morar no Astúrias Espaciais, hein?<br />
-Vou sim. Agora quero vida nova... Mais espaço, conforto, comida...<br />
-Fumo! – Lembrou Harvey.<br />
-Fumo! – Sem dúvida! – Riu Beni. – E não quero mais saber <strong>de</strong> trabalhar.<br />
Não quero mais patrão falando o que fazer. Chefe... Nunca mais!<br />
-Agora é liberda<strong>de</strong> total, hein. Já avisou seus colegas <strong>de</strong> serviço?<br />
-Claro! E você precisava ver a cara do meu ex-chefe quando saí falando<br />
pelo escritório do prêmio que eu havia ganho. Aquele maldito <strong>de</strong>sgraçado não quis<br />
acreditar que eu consegui me livrar do seu jugo sem ser <strong>de</strong>mitido, dor <strong>de</strong> cabeça<br />
ou encheção <strong>de</strong> saco.<br />
Beni pagou alguns charutos e uma dose <strong>de</strong> conhaque para Alex Randall e<br />
Harvey que não se fizeram <strong>de</strong> rogados e apreciaram <strong>de</strong> imediato os presentes<br />
ganhos.<br />
Conversaram animadamente até a partida <strong>de</strong> Beni que coincidiu com a<br />
chegada <strong>de</strong> um guitarrista na loja que puxava um carrinho carregado com um<br />
aparelho similar aos antigos amplificadores <strong>de</strong> som .<br />
O tal guitarrista tinha uma aparência bastante curiosa. Era humanói<strong>de</strong>,<br />
porém cada uma <strong>de</strong> suas mãos tinha <strong>de</strong>zesseis <strong>de</strong>dos.<br />
Sua guitarra também não era das mais comuns.<br />
Tinha 3 braços.<br />
O sujeito começou a tocar tirando <strong>de</strong> seu instrumento, um som<br />
extraordinário.<br />
Às vezes, parecia uma banda <strong>de</strong> rock e <strong>de</strong>-repente virava algo parecido<br />
com uma orquestra <strong>de</strong> violões.<br />
De trás do balcão, Harvey sacou uma caixa <strong>de</strong> cigarros e a arremessou<br />
para o músico que a agarrou no ar com graça, maestria e sem parar <strong>de</strong> tocar.<br />
Continuou enchendo o ambiente da loja com a sua música por um bom<br />
tempo e também contribuiu com o aumento <strong>de</strong> fumaça alí <strong>de</strong>ntro...<br />
Todos esqueceram seus problemas durante esse período.<br />
Alí, a vida parecia ser feita apenas para fumar e ouvir boa música...<br />
Assim como entrou, o curioso guitarrista saiu...Tocando!<br />
Alex Randall e Harvey voltaram a falar...<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Puxa! Como toca bem esse cara! Ele vêm sempre aqui?<br />
-Todo dia! Ele toca o seu repertório e dou uma caixa para ele se divertir.<br />
Ajuda a mim e aos fregueses relaxarem, para ele diminui os custos com fumo. É o<br />
único que consegue fazer isso...<br />
-O que?<br />
-Não usa dinheiro em ALFALORION. As pessoas pagam as coisas para ele<br />
e obtém sua música. Sua vida é essa. Ele nem quer saber <strong>de</strong> grana. Diz que não<br />
gosta.<br />
-Puxa! Já ouvi falar <strong>de</strong> alguns poucos abnegados pelo universo que<br />
conseguem viver completamente sem dinheiro. Mas aqui em ALFALORION?<br />
On<strong>de</strong> paga-se para tudo? Essa é novida<strong>de</strong>!<br />
-Pois é... Mas po<strong>de</strong> acreditar...<br />
A conversa permaneceu agradável até a entrada na tabacaria <strong>de</strong> uma<br />
fêmea da mesma espécie que Harvey.<br />
-Harvey. Você está atrasado. Já é hora <strong>de</strong> fechar e ir para casa...<br />
-Olá querida! É que estou aten<strong>de</strong>ndo esse cliente que veio da Terra. É um<br />
verda<strong>de</strong>iro conhecedor <strong>de</strong> fumos.<br />
Certamente, aquela era a esposa <strong>de</strong> Harvey.<br />
Com um gesto, chamou o comerciante <strong>de</strong> lado e em voz baixa passou a<br />
dirigir-lhe reprimendas pois ela se sentia sozinha enquanto ele ficava naquela loja<br />
fedorenta fumando o tempo todo...<br />
Não esqueceu <strong>de</strong> dizer também que não sabia qual seria o próprio <strong>de</strong>stino<br />
caso ele acabasse com a própria saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto fumar.<br />
Dizia não querer herdar a loja pois, alí não iria trabalhar...<br />
Alex Randall mantinha-se alheio à discussão e já pensava até em <strong>de</strong>ixar lá<br />
Harvey sozinho resolvendo seus próprios problemas com a esposa, quem sabe,<br />
voltando em outro momento para fazer as compras.<br />
Não precisou, pois, logo a esposa <strong>de</strong> Harvey partiu recomendando para que<br />
ele não <strong>de</strong>morasse muito mais.<br />
***<br />
Momentos <strong>de</strong>pois entrou na loja outro freguês que já foi logo dizendo:<br />
-Vim aqui fumar meu último cigarro.<br />
Harvey pareceu surpreso com aquela história...<br />
-Puxa vida...<br />
-É Harvey. Resolvi vir aqui pois gostaria <strong>de</strong> viver esse momento histórico<br />
195
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
junto a alguns companheiros <strong>de</strong> fumo.<br />
-Claro! Claro! Seja bem vindo!<br />
O sujeito pagou uma caixa <strong>de</strong> charutos, abriu-a, acen<strong>de</strong>u um <strong>de</strong>les e<br />
começou a contar a história <strong>de</strong> como teve o seu início no fumo...<br />
Sua narrativa se <strong>de</strong>senrolou por todo o tempo que durou o charuto.<br />
Ao final, já com a bituca dando seus últimos suspiros, resolveu registrar o<br />
momento fazendo uma foto tridimensional e foi embora <strong>de</strong>spedindo calorosamente<br />
<strong>de</strong> todos.<br />
Depois <strong>de</strong> sua saída, nosso herói dirigiu-se para Harvey observando...<br />
-Agora vem a parte mais dura para o nosso amigo: passar a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fumar e se conter...<br />
-Esse aí? – Indagou Harvey com certa ironia. – Ele vêm aqui todo dia com a<br />
mesma conversa <strong>de</strong> fumar o último e sempre leva mais uma caixa para casa.<br />
Você reparou? Não se preocupe que logo ele volta outra vez com o mesmo<br />
papo...<br />
***<br />
Alex Randall esvaziou os bolsos na tabacaria.<br />
Toda a grana que tinha reservada para conhecer os prazeres <strong>de</strong><br />
ALFALORION <strong>de</strong>ixou com muito gosto na tabacaria e, <strong>de</strong>pois voltou para o<br />
Viajante das Estrelas para on<strong>de</strong> sua carga <strong>de</strong> fumo já havia sido previamente<br />
teletransportada e, naquele momento já <strong>de</strong>veria estar sendo estocada.<br />
À bordo, e, finalmente sentado na sua poltrona da central <strong>de</strong> comando,<br />
verificou que havia chegado o momento <strong>de</strong> partir<br />
Alex Randall pôs em movimento a astronave, logo <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>ixou para trás<br />
o sistema planetário Alfaloriano.<br />
Ainda se afastando, recebeu uma mensagem:<br />
-Você está <strong>de</strong>ixando ALFALORION. Volte sempre que possível para<br />
nova temporada <strong>de</strong> prazeres.<br />
***<br />
196
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N.20 DE ALEX RANDALL<br />
Nem bem o Viajante das Estrelas saiu da área <strong>de</strong> proteção jurisdicional do<br />
espaço ALFALORIANO, e foi surpreendido por .centenas <strong>de</strong> naves que o<br />
cercaram e em seguida dispararam contra este com todo seu arsenal.<br />
Diante <strong>de</strong> tal ataque, a astronave num primeiro momento não sofreu nada,<br />
pois, seu casco era <strong>de</strong> constituição tão robusta que podia suportar os disparos.<br />
Logo porém, os campos <strong>de</strong> proteção foram acionados como medida <strong>de</strong><br />
segurança.<br />
Alex Randall analisou o campo <strong>de</strong> batalha, digitou alguns comandos no<br />
teclado luminoso projetado a partir do painel no braço <strong>de</strong> sua poltrona e aguardou<br />
os resultados.<br />
Logo <strong>de</strong>pois, como que num toque <strong>de</strong> mágica todos os agressores<br />
cessaram o ataque quedando inertes e inoperantes.<br />
Contra eles, foi usado um sistema <strong>de</strong>fensivo capaz <strong>de</strong> inutilizar qualquer<br />
artefato tecnológico.<br />
Era como uma chave geral que <strong>de</strong>sligava e inutilizava todo o armamento do<br />
adversário!<br />
Terminada a breve batalha, quando o Viajante das Estrelas ia seguir seu<br />
caminho , foi surpreendido por um chamado que vinha <strong>de</strong> outra nave que naquele<br />
momento ainda não se encontrava pelas imediações.<br />
-Atenção nave esférica. Agüente mais um pouco que a ajuda está<br />
chegando...<br />
***<br />
Momentos <strong>de</strong>pois, o autor da mensagem chegou ao campo <strong>de</strong> batalha.<br />
Já apareceu disparando e <strong>de</strong>struindo os agressores do Viajante das<br />
Estrelas com gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> e precisão.<br />
Diante do acontecimento, nosso herói gritou pelos sistemas <strong>de</strong><br />
comunicação:<br />
-Pare <strong>de</strong> atirar! O oponente já está dominado!!<br />
Apareceu projetada na central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas a<br />
imagem do tripulante da nave que pretendia prestar salvamento.<br />
Era humano, um homem já na terceira ida<strong>de</strong> com cabelos e cavanhaque<br />
brancos.<br />
-Sou NOSRAC TIK, agente do Comando Espacial <strong>de</strong> Segurança<br />
197
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Alfaloriono. Fazíamos uma patrulha por este setor e, ao vê-lo em perigo,<br />
resolvemos prestar ajuda.<br />
-Sou Alex Randall da Terra. Agra<strong>de</strong>ço a ajuda, mas, creio que consegui<br />
resolver o problema com o equipamento que disponho!<br />
- Temos que elaborar um relatório para nossos chefes pois vamos pren<strong>de</strong>r<br />
toda essa gangue. Antes <strong>de</strong> partir, po<strong>de</strong>ria nos ajudar com algumas perguntas?<br />
Durante a conversa, o cérebro computadorizado confirmou através dos<br />
sistemas <strong>de</strong> comunicação e ainda com o Quartel General do Comando Espacial<br />
<strong>de</strong> Segurança Alfaloriono, as informações passadas pelo tal NOSRAC TIK. Ele e<br />
seus companheiros eram realmente quem diziam ser.<br />
-Claro! Vou liberar um dos hangares, para estacionarem sua espaçonave.<br />
Uma outra imagem foi projetada adiante <strong>de</strong> Alex Randall, era <strong>de</strong> outro<br />
tripulante da espaçonave do agente.<br />
-TIK, temos <strong>de</strong> pegar um dos comandantes <strong>de</strong>sse ataque e tentar obter a<br />
posição <strong>de</strong> sua base. É a gran<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> que temos, já que os larápios ainda<br />
estão vivos.<br />
-Tem razão! – Olhou em seguida para Alex Randall e continuou.- Antes <strong>de</strong><br />
embarcar vamos aprisionar alguns <strong>de</strong>stes diabos para uma conversinha...<br />
***<br />
Mais tar<strong>de</strong>, após pren<strong>de</strong>r vários comandantes do ataque contra o Viajante<br />
das Estrelas, a nave <strong>de</strong> NOSRAC TIK pousou no hangar.<br />
A tripulação da nave <strong>de</strong>sembarcou. Eram quatro homens com aparência<br />
bastante semelhante aos humanos da Terra.<br />
NOLSRAC TIK cumprimentou Alex Randall:<br />
-Po<strong>de</strong> me chamar <strong>de</strong> TIK. Estes são meus amigos.<br />
TIK fêz as apresentações começando pelo mais alto e forte:<br />
-Esse é o meu parceiro Relliw Xet. Po<strong>de</strong> chamá-lo <strong>de</strong> Xet.<br />
Seguiu para outro <strong>de</strong> aparência mais jovem e continuou...<br />
-O filho <strong>de</strong>le, assim como eu, tem Tik no mome. É um bom rapaz.<br />
Especialista em informática. Diz que consegue invadir qualquer sistema.<br />
-Não os do Viajante das Estrelas! - Disse Alex Randall. - O Cérebro<br />
Computadorizado <strong>de</strong>sta Astronave po<strong>de</strong> resistir a todo tipo <strong>de</strong> ataque. Os<br />
melhores “Crackers” do Sistema Solar já tentaram todos os tudo que lhes foi<br />
possível, na sua fase <strong>de</strong> testes e construção. Não obtiveram sucesso! Nesse<br />
ponto, os sistemas <strong>de</strong> segurança daqui são muito bons. Já em outros casos...<br />
O velho Tik apresentou então o último acompanhante.<br />
198
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Um sujeito <strong>de</strong> pele mais queimada, cabelos negros e longos.<br />
-Este é o agente Tigrus Jack. Também, <strong>de</strong> extremada confiança.<br />
-É um prazer recebê-los a bordo. - Cumprimentou Alex Randall. –<br />
Gostariam <strong>de</strong> <strong>de</strong>scansar?<br />
Xet respon<strong>de</strong>u:<br />
-Descansar não vai dar. Temos <strong>de</strong> interrogar esses caras. Não é todo dia<br />
que conseguimos pren<strong>de</strong>r toda uma quadrilha sem <strong>de</strong>rramamento <strong>de</strong> sangue.<br />
Esses tipos são covar<strong>de</strong>s e perigosos. Saqueiam os turistas que saem do espaço<br />
jurisdicional alfaloriono.<br />
-Essa quadrilha é extremamemte perigosa. – Continuou Tik com voz<br />
grave. – Não se <strong>de</strong>ixam capturar. São numerosos e muito bem armados.<br />
-Vivem na periferia do perímetro <strong>de</strong> vigilância do sistema planetário<br />
Alfaloriono. Se dizem excluídos do sistema. Pregam a igualda<strong>de</strong> social, mas tem<br />
muitos chefes que mandam o máximo que po<strong>de</strong>m. Com base nessa conversa<br />
mole política, justificam atos como sequestro, roubo, tráfico e assassinatos. Não<br />
são nem um pouco confiáveis. Até entre si procuram levar vantagem.<br />
-Bando <strong>de</strong> vigaristas! - Disse Tigrus Jack.<br />
-Façam como achar melhor. – Disse Alex Randall. – Eu apenas espero<br />
ajudar a Justiça.<br />
Xet.<br />
-Gostaria <strong>de</strong> ver a cara <strong>de</strong> alguns dos pilantras que te atacou? – Perguntou<br />
-Claro! – Por-quê não?<br />
-Vamos entrar então...<br />
Alex Randall acompanhou os quatro agentes para o interior da nave<br />
espacial dos agentes alfalorionos e, com estes, seguiu até as instalações<br />
carcerárias <strong>de</strong>sta.<br />
Ainda que no interior não faltassem armas, computadores, sistemas <strong>de</strong><br />
comunicação e instalações <strong>de</strong> conforto e alta tecnologia, suas celas eram tão<br />
porcas e sujas como a <strong>de</strong> qualquer ca<strong>de</strong>ia comum.<br />
O ambiente na carceragem era escuro, mal cheiroso e a cara dos tipos<br />
presos ali, as mais assustadoras possíveis...<br />
Realmente, não tinham cara <strong>de</strong> bonzinhos...<br />
-Esses tipos vêm <strong>de</strong> todas as partes <strong>de</strong> universo. São vermes asquerosos<br />
que canibalizam qualquer <strong>de</strong>sprevenido.<br />
Xet <strong>de</strong>sativou a barreira energética que impedia a saída dos presos <strong>de</strong> uma<br />
das celas, e, com a maior tranqüilida<strong>de</strong> entrou lá <strong>de</strong>ntro.<br />
Chegou logo dizendo:<br />
-Estou aqui para conversar...<br />
199
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Um dos <strong>de</strong>tidos dirigiu olhar feroz a Xet e partiu para cima <strong>de</strong>ste intentando<br />
causar-lhe dano físico ou mesmo tomar uma <strong>de</strong> suas armas.<br />
Seu ataque foi rápido, feroz e certeiro.<br />
Mas não eficaz.<br />
Xet se esquivou do avanço e partiu para o contra ataque.<br />
Começou golpeando duramente com os punhos fechados a infeliz criatura<br />
que teve a idéia idiota <strong>de</strong> agredir-lhe.<br />
Batia sem dó nem pieda<strong>de</strong>, o que, arrancou um comentário preocupado por<br />
parte do nosso herói...<br />
-Não vai matar o coitado? Me parece que está sendo um pouco violento<br />
<strong>de</strong>mais.<br />
Com ar amenizador, Tik acen<strong>de</strong>u um cigarro, <strong>de</strong>u algumas tragadas e<br />
disse tranquilamente:<br />
-Não se preocupe. Esses bandidos têm o couro bem duro. Para a obtenção<br />
<strong>de</strong> informação confiável tem que bater com vonta<strong>de</strong>!<br />
Xet trabalhava incessantemente com as mãos e os pés. Era uma máquina<br />
<strong>de</strong> bater...<br />
-Vai falando. On<strong>de</strong> é a base da quadrilha?<br />
O bandido tentava se reerguer, mas prontamente era <strong>de</strong>rrubado pela<br />
avalancha <strong>de</strong> pancadas que recebia.<br />
Xet, incansável e impiedoso, arrastou o infeliz para uma ca<strong>de</strong>ira on<strong>de</strong> o<br />
sentou.<br />
Pegou um pedaço <strong>de</strong> fio ligado à re<strong>de</strong> elétrica da nave e colocou sua ponta<br />
<strong>de</strong>scascada na língua do pirata.<br />
Com a energia elétrica aplicando-lhe choques, o bandido teve imediata<br />
diarreia e só então pediu para que a tortura parasse.<br />
Percebendo o sobressalto <strong>de</strong> Alex Randall diante daquela cena violenta, Tik<br />
disse:<br />
-Não fique com muita pena <strong>de</strong>sse pobre diabo. É um dos lí<strong>de</strong>res do bando e<br />
pediu pelo que está recebendo. Já fez mal para muita gente e têm centenas <strong>de</strong><br />
mortes nas suas costas.<br />
Nesse ínterim, Xet obteve o que queria: a localização do covil dos piratas.<br />
Ficava no cinturão <strong>de</strong> asterói<strong>de</strong>s que orbitava um planeta <strong>de</strong>sabitado fora,<br />
mas não muito distante do espaço jurisdicional alfaloriano.<br />
-Temos agora que enviar toda essa turma para um presídio <strong>de</strong> segurança<br />
máxima em seguida, partir para efetuar a prisão do resto do bando.<br />
Tik tirou o comunicador do seu bolso e disse:<br />
-Computador: enviar sinal criptografado para o QG do comando espacial<br />
200
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
solicitando reforços.<br />
Em seguida. Guardou o comunicador <strong>de</strong> volta e disse:<br />
-Agora teremos <strong>de</strong> esperar até os reforços chegarem. Dá tempo <strong>de</strong> comer<br />
alguma coisa...<br />
-Caramba, velho! – Bradou Xet. – Só pensa em comer?<br />
-Não! Também quero tomar alguns litros <strong>de</strong> cerveja e <strong>de</strong>pois fumar um ou<br />
dois cigarrinhos.<br />
-Tem um restaurante na minha astronave com diversas opções no seu<br />
cardápio. – comentou Alex Randall. – Gostaria <strong>de</strong> convidá-los para uma refeição e<br />
um bate papo.<br />
Todos se olharam sorri<strong>de</strong>ntes.<br />
Nem era necessário dizer que aceitaram o convite...<br />
-Será que vou po<strong>de</strong>r comer uma montanha <strong>de</strong> batatas fritas?<br />
-E o que mais quiser... – Disse Alex Randall<br />
Seguiam então para o restaurante a bordo do Viajante das Estrelas...<br />
Não tiveram porém tempo para apreciar a tão esperada refeição.<br />
***<br />
Após o chamado, os reforços pedidos ao COMANDO ESPACIAL chegaram.<br />
Eram mais ou menos cem naves <strong>de</strong> conformação idêntica à dos agentes<br />
alfalorionos.<br />
Uma <strong>de</strong>las, a capitânia, a<strong>de</strong>ntrou no hangar on<strong>de</strong> foi recebida por nosso<br />
herói e seus convidados.<br />
Dela saíram vários outros agentes alfalorionos e ainda, um homem <strong>de</strong><br />
longas barbas brancas e terno preto.<br />
-O Marshall veio pessoalmente acompanhar a operação. – Disse Xet.<br />
-Quem é o Marshall? – Perguntou Alex Randall.<br />
-Briga<strong>de</strong>iro Marshall é o nosso chefe. – Disse Tik. – Se ele veio aqui<br />
pessoalmente e <strong>de</strong> modo tão rápido, é porquê a coisa está quente...<br />
Briga<strong>de</strong>iro Marshall foi apresentado a Alex Randall e, o primeiro, não<br />
per<strong>de</strong>u tempo com conversa mole, indo direto ao assunto:<br />
-Vim aqui para pedir-lhe um favor...<br />
-Pois não! - Prontificou-se nosso herói.<br />
-O senhor dispõe <strong>de</strong> tecnologia capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarmar os piratas sem muita<br />
violência ou gasto <strong>de</strong> energia. Dada a urgência com que precisamos pren<strong>de</strong>r estes<br />
<strong>de</strong>linqüentes, queria pedir para que acompanhasse nossos agentes até a base<br />
201
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
dos marginais a fim <strong>de</strong> facilitar nosso serviço.<br />
-Claro. Des<strong>de</strong> que os direitos dos bandidos não sejam violados! Não quero<br />
participar <strong>de</strong> nenhuma carnificina.<br />
-Compreendo suas preocupações. Sei que o acompanhou um interrogatório<br />
on<strong>de</strong> o prisioneiro foi tratado com alguma dureza, mas veja: esta foi uma<br />
oportunida<strong>de</strong> única que nos <strong>de</strong>u <strong>de</strong> capturar boa parte do bando viva... Como<br />
precisávamos obter urgentemente informações dos maus elementos, tivemos <strong>de</strong><br />
optar por medidas drásticas.<br />
-E quando partimos? – Perguntou Tik.<br />
-Imediatamente. – Or<strong>de</strong>nou Marshall. – Quero botar na ca<strong>de</strong>ia essa<br />
quadrilha o mais rapidamente possível.<br />
Imediatamente porém foi modo <strong>de</strong> dizer pois, no final das contas ainda foi<br />
gasto algum tempo com estudos <strong>de</strong> táticas e estratégias que <strong>de</strong>ssem à operação<br />
o máximo <strong>de</strong> eficiência possível.<br />
Só <strong>de</strong>pois disso tudo é que finalmente todos partiram.<br />
Cada um para o seu <strong>de</strong>stino pré-<strong>de</strong>finido.<br />
O Viajante das Estrelas com Alex Randall e os quatro agentes para o covil<br />
dos bandidos e o restante da frota assistiria os momentos iniciais dos combates à<br />
distância.<br />
Num momento posterior, ela atacaria o inimigo nos pontos on<strong>de</strong> este ainda<br />
estivesse oferecendo resistência.<br />
Não foram necessários mais que alguns momentos <strong>de</strong> viagem até a<br />
chegada ao alvo.<br />
Assim que a distância foi suficiente, os armamentos do Viajante das<br />
Estrelas mostrou sua eficiência.<br />
A expectativa positiva que se havia sobre o sucesso do ataque foi até<br />
superada.<br />
Instaladas em vários asterói<strong>de</strong>s, diversas bases dos piratas subitamente<br />
ficaram sem iluminação ou energia elétrica, seus armamentos também.<br />
O que se seguiu não foi a típica batalha espacial com raios brilhantes<br />
cortando o negrume com explosões assombrosas e barulhentas, assim como se<br />
vê nos tradicionais filmes <strong>de</strong> ficção científica.<br />
Pelo contrário: valendo-se da súbita escuridão, uma nova fase do ataque<br />
teve início: robôs foram lançados a partir do Viajante das Estrelas contra os<br />
sistemas <strong>de</strong> ventilação e <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> vida das diversas bases nos asterói<strong>de</strong>s.<br />
Silenciosamente, as engenhocas lançaram na atmosfera respirada pelos<br />
bandidos, gases soníferos extremamente potentes colocando para dormir a<br />
gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>les.<br />
202
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
As instalações on<strong>de</strong> se encontravam os lí<strong>de</strong>res dos piratas foi tomada e<br />
seus ocupantes aprisionados sem uso da violência.<br />
Foram encontrados mapas com a localização <strong>de</strong> outros escon<strong>de</strong>rijos dos<br />
malfeitores naquele agrupamento <strong>de</strong> asterói<strong>de</strong>s que também acabaram sendo<br />
dominados posteriormente.<br />
Graças à tecnologia disponível no Viajante das Estrelas, a prisão <strong>de</strong> toda a<br />
quadrilha se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> uma só vez e sem maiores problemas, mesmo assim, o fato<br />
acabou chamando a atenção.<br />
Gradualmente, aquela localida<strong>de</strong>, normalmente inóspita e pouco habitada,<br />
foi ganhando mais movimento com a chegada <strong>de</strong> diversos representantes <strong>de</strong><br />
forças <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> mundos e fe<strong>de</strong>rações planetárias cujos viajantes já<br />
haviam sido vítima dos piratas naquelas ou em outras paragens.<br />
E não tardou muito mais para que a imprensa também <strong>de</strong>sse as caras.<br />
Apesar da infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> naves espaciais das mais variadas formas, cores,<br />
classes e procedências, era o Viajante das Estrelas que naquela situação mais se<br />
<strong>de</strong>stacava, dado o seu tamanho que superava o das <strong>de</strong>mais.<br />
Os olhos alí começaram a se impressionar com a nave do nosso herói.<br />
Alex Randall por sua vez, não pretendia ter as atenções muito voltadas para<br />
si, visto que, sempre viajaria sozinho pelo espaço, e, num momento diferente,<br />
quem estivesse interessado em vingança, po<strong>de</strong>ria atacá-lo com superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
armamento e condições <strong>de</strong> combate.<br />
Pensando nisso, resolveu pedir autorização ao briga<strong>de</strong>iro Marshall para<br />
<strong>de</strong>ixar o local.<br />
Explicando os seus motivos, esta lhe foi imediatamente concedida.<br />
Antes <strong>de</strong> partir porém, resolveu oferecer uma festa aos amigos agentes do<br />
comando espacial alfaloriono:<br />
-Briga<strong>de</strong>iro, eu garanto a cerveja aos bal<strong>de</strong>s. montanhas <strong>de</strong> filés com<br />
batatas fritas e até acesso aos meus simuladores virtuais <strong>de</strong> sexo.<br />
-Infelizmente teremos <strong>de</strong> recusar! Agra<strong>de</strong>ço! Sei que os agentes Tik e Xet<br />
ficarão chateados comigo, especialmente Tik que é um velho pervertido, mas, eles<br />
já foram escalados para uma missão urgente em um planeta distante.<br />
Briga<strong>de</strong>iro Marshall agra<strong>de</strong>ceu a Alex Randll e <strong>de</strong>spediu-se <strong>de</strong>ste<br />
prometendo para o futuro, um encontro com mais tranqüilida<strong>de</strong>.<br />
Nosso herói entrou em contato com os agentes através dos comunicadores<br />
do Viajante das Estrelas já que, àquelas alturas estava sozinho na central <strong>de</strong><br />
comando <strong>de</strong> sua astronave.<br />
-Esse Marshall é um chefe dos diabos mesmo. – Praguejou Kit, que na<br />
imagem que se projetava adiante <strong>de</strong> Alex Randall virou a cabeça para o lado<br />
203
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
dizendo:<br />
-Viu só, Xet? Ainda não <strong>de</strong>ixou que nós saboreássemos as <strong>de</strong>lícias do<br />
cardápio.<br />
-Do cardápio você só iria querer saber <strong>de</strong>pois que passasse pelos<br />
simuladores <strong>de</strong> sexo, seu velho carcomido! - Disse Xet.<br />
-Certamente. - Complementou Tigrus Jack. - Mas antes ele iria precisar da<br />
pílula mágica que fiz para ele.<br />
-A tal que você <strong>de</strong>u para ele namorar aquela gorda gigante? - Indagou o Tik<br />
jovem.<br />
Tik.<br />
-Exato.<br />
-Ei! Vocês estão acabando com a minha moral por aqui! - Praguejou o velho<br />
-Tudo bem, camelo velho! Mas isso é culpa do Marshall. Tanto que,<br />
merece até um pedido <strong>de</strong> aumento ao encerramento da nossa missão. – Disse<br />
Xet.<br />
-De qualquer forma, no futuro nos encontraremos e vou lembrar <strong>de</strong>sse<br />
convite... - Emendou Tik.<br />
-E disso você po<strong>de</strong> ter certeza. - Disse Xet. - Esse velho é tão chato que vai<br />
até acabar com as paciências das suas garotas virtuais.<br />
-Santa blasfêmia! Você sabe muito bem que são as mulheres que mudam<br />
do vinho para a água <strong>de</strong>pois que um simples namoro começa. Nisso tenho razão<br />
porquê levo muito mais experiência que todos vocês juntos....<br />
Alex Randall não continha as gargalhadas ao ouvir toda aquela besteirada,<br />
mas, teria que se <strong>de</strong>spedir dos companheiros e seguir seu rumo.<br />
Logo em seguida, sem muito mais conversa mole, o Viajante das Estrelas e<br />
a nave dos agentes se separaram, cada uma seguindo o próprio caminho.<br />
***<br />
204
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N. 21 DE ALEX RANDALL<br />
Alex Randall percebeu que combater o crime é mais ou menos como<br />
enxugar gelo num ambiente com frio abaixo <strong>de</strong> zero.<br />
O trabalho nunca termina.<br />
Assim que <strong>de</strong>ixou o cinturão <strong>de</strong> asterói<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> o comando espacial<br />
surpreen<strong>de</strong>ra os piratas, encontrou no caminho, uma nave parcialmente <strong>de</strong>struída,<br />
sendo canibalizada por outra, com a típica configuração daquelas usadas pelos<br />
bandidos espaciais.<br />
Assim que o Viajante das Estrelas foi <strong>de</strong>tectado, a tripulação dos<br />
malfeitores <strong>de</strong>u início à retirada e, logo que nosso herói chegou ao local, os vilões<br />
já haviam se evadido.<br />
Observando o estrago da nave atacada já dava para perceber o que havia<br />
acontecido.<br />
Os piratas a surpreen<strong>de</strong>ram atingindo seus motores, fazendo com que<br />
fosse obrigada a parar, em seguida, abordaram-na, mataram toda sua tripulação e<br />
saquearam tudo o que foi possível, não poupando peças do motor ou da<br />
carcaça...<br />
Por conseguinte, a nave canibalizada ficou em péssimas condições.<br />
Nada mais havia restado <strong>de</strong>la em algumas <strong>de</strong> suas partes, só o esqueleto.<br />
Por questão <strong>de</strong> consciência, pois, quem sabe àquelas alturas ainda po<strong>de</strong>ria<br />
salvar vidas, e, até para registro, enviou vários robôs aos <strong>de</strong>stroços.<br />
A <strong>de</strong>solação era total. Aparentemente, não havia nada alí que pu<strong>de</strong>sse ser<br />
salvo.<br />
Os sistemas <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> vida do que restou da nave estavam<br />
inoperantes.<br />
Os robôs permaneceram um tempão registrando tudo, até o momento que<br />
Alex Randall <strong>de</strong>cidiu seguir viagem.<br />
No último momento, antes da partida, foi <strong>de</strong>scoberto um cilindro com três<br />
metros <strong>de</strong> cumprimento flutuando num dos compartimentos da nave.<br />
Tratava-se <strong>de</strong> uma célula <strong>de</strong> salvamento e sobrevivência muito comum em<br />
naves <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> passageiros.<br />
Foi percebida graças às luzes que piscavam alternadamente em seu bojo.<br />
Alí <strong>de</strong>ntro po<strong>de</strong>ria haver algum ser vivo.<br />
A célula foi levada para o Viajante das Estrelas.<br />
***<br />
205
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A célula <strong>de</strong> sobrevivência não tinha janelas; era totalmente blindada e<br />
dispunha apenas <strong>de</strong> alavancas e registros que permitiam sua abertura.<br />
No painel externo afixado ao exterior da célula, haviam indicadores do tipo<br />
<strong>de</strong> atmosfera e pressão existente no seu interior.<br />
Porém, estes se encontravam quebrados e, sem essa informação, não dava<br />
para sequer tentar uma boa adivinhação <strong>de</strong> que tipo <strong>de</strong> criatura sairia dalí.<br />
Alex Randall acompanhou todos os procedimentos a que a célula foi<br />
submetida até a chegada do momento da sua abertura.<br />
A segurança foi reforçada e ela, levada para um ambiente controlado.<br />
Dentro <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> total isolado, braços robotizados acionaram os<br />
mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stravamento e então a aparência do ocupante do artefato foi<br />
revelada.<br />
Alex Randall esperava tudo, menos aquilo com que se <strong>de</strong>parou.<br />
***<br />
Era a mulher mais linda que nosso herói já vira em toda a sua vida.<br />
Foi retirada <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da célula e colocada numa maca <strong>de</strong> alta tecnologia<br />
on<strong>de</strong> imediatamente já monitorada.<br />
Com isso, vieram as novida<strong>de</strong>s.<br />
Mesmo tendo aparência humana, a fêmea tinha distinções que a<br />
diferenciavam ligeiramente no seu complexo biológico da mulher terráquea.<br />
O bom senso recomendava que fosse levada para a central médica do<br />
Viajante das Estrelas on<strong>de</strong> ficaria em observação.<br />
Assim foi feito.<br />
A biblioteca do Viajante das Estrelas dispunha <strong>de</strong> pouca informação a<br />
respeito da raça a que pertencia aquela mulher portanto, a pouca que conseguiu,<br />
foi através do computador que havia na própria célula.<br />
<strong>de</strong>la.<br />
Primeiramente dava uma localização muito aproximada do mundo natal<br />
Depois, informava que ela era uma princesa <strong>de</strong> um império cuja extensão<br />
eqüivalia aos limites do seu sistema planetário.<br />
Informava ainda que ela fugia <strong>de</strong> uma violenta revolução que se abatera no<br />
seu mundo e que ainda mortalmente vitimara e tirara seus pais do po<strong>de</strong>r.<br />
Sua nave dirigia-se para Alfalorion.<br />
Além da belda<strong>de</strong>, também carregava muitos tesouros que garantiriam a ela<br />
durante longo tempo, uma tranquila estadia no capital universal dos prazeres.<br />
206
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Infelizmente, a nave foi interceptada pelos piratas que, só não levaram a<br />
célula on<strong>de</strong> estava <strong>de</strong>vido à chegada do Viajante das Estrelas.<br />
Nosso herói naquele momento estava preocupado com outros <strong>de</strong>talhes.<br />
Fascinado com beleza tão estupenda, esperou o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong>la.<br />
Contemplando-a perdia a noção do tempo.<br />
A formosura do corpo e do rosto era extraordinária, porém, o que mais<br />
chamava a atenção além da altura (algo em torno <strong>de</strong> um metro e noventa) era o<br />
tamanho dos seios.<br />
Não eram gran<strong>de</strong>s. Eram gigantes! Colossais!<br />
Dos que <strong>de</strong>ixam os <strong>de</strong>savisados hipnotizados sem piscar...<br />
Os bicos <strong>de</strong>les... Pareciam chupetas prontas para o uso...<br />
Nosso abestalhado herói lembrou que suas obrigações não se resumiam ao<br />
salvamento <strong>de</strong> uma única vida.<br />
Os <strong>de</strong>stroços da nave atacada po<strong>de</strong>riam ter mais alguém aguardando por<br />
socorro.<br />
Já que a belda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>spertou, Alex Randall retornou à central <strong>de</strong><br />
comando <strong>de</strong>ixando sua paciente nas hábeis mãos dos médicos e enfermeiros<br />
robotizados, enquanto acompanharia os trabalhos <strong>de</strong> busca...<br />
***<br />
Os resultados das novas buscas foram negativos.<br />
Dentro dos <strong>de</strong>stroços da nave, em diversos compartimentos <strong>de</strong>sta, os robôs<br />
localizaram apenas os cadáveres.<br />
Nem nos escombros ou mesmo nas imediações, haviam sobreviventes...<br />
As atenções então voltavam-se agora para a maravilha <strong>de</strong> cabelos claros<br />
que ainda repousava tranqüila na central médica.<br />
Os melhores recursos que a tecnologia médica punha à disposição da raça<br />
humana não eram capazes <strong>de</strong> trazer à conciência aquela mulher...<br />
Mesmo com sua visitante ainda <strong>de</strong>sacordada, Alex Randall adiantou<br />
procedimentos que facilitariam a comunicação logo que acordasse.<br />
Inseriu na corrente sanguínea <strong>de</strong>la, nano-robôs construídos a partir <strong>de</strong><br />
elementos orgânicos que, a<strong>de</strong>riram à algumas regiões do seu cérebro.<br />
Enquanto ela estivesse inconsciente, eles lhe ensinariam o idioma <strong>de</strong> Alex<br />
Randall.<br />
Alguns ajustes eventualmente po<strong>de</strong>riam ser feitos com o tempo caso se<br />
fizessem necessários.<br />
207
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Mas, para que estes fossem i<strong>de</strong>ntificados, ainda restava faze-la acordar...<br />
O tempo passava e nosso herói começava a se preocupar.<br />
Até on<strong>de</strong> os registros do Viajante das Estrelas tinham conhecimento, tanto<br />
sono não era comum às mulheres daquela raça...<br />
Nosso herói já tentara <strong>de</strong> tudo para fazê-la <strong>de</strong>spertar, até já lhe tascara a<br />
tradicional beijoca da bela adormecida nos lábios, mas, nada funcionou.<br />
Tristemente <strong>de</strong>siludido, a realida<strong>de</strong> mostrou-lha a duras penas que não<br />
tinha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>spertador dos príncipes encantados das fábulas.<br />
Frequentemente passava algum tempo sentado ao lado do leito da<br />
dorminhoca analisando os relatórios médicos, mas, apesar <strong>de</strong> seus esforços, nada<br />
encontrava que pu<strong>de</strong>sse ajudar a solucionar aquela questão.<br />
Numa <strong>de</strong>ssas ocasiões, nem bem se <strong>de</strong>itando direito, acabou caindo no<br />
sono <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto ler...<br />
***<br />
Abriu os olhos e notou que o ambiente na central médica estava diferente,<br />
parecia mais escuro.<br />
Reparou também que sobre a cabeça <strong>de</strong> sua visitante havia um brilho<br />
incomum que se <strong>de</strong>stacava naquela atmosfera turva.<br />
Tentou levantar-se mas o seu corpo parecia pesado <strong>de</strong>mais.<br />
Era como se a ação <strong>de</strong> várias gravida<strong>de</strong>s impedisse seus movimentos.<br />
O brilho que até então iluminava a cabeça da mulher moveu-se penetrando<br />
no corpo <strong>de</strong>la pela sua testa.<br />
O ambiente ficou mais escuro, ao que, nosso herói tentou questionar o<br />
Cérebro Computadorizado da astronave, a fim <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o fenômeno que se<br />
<strong>de</strong>senvolvia, mas, sua voz se recusava a sair.<br />
O pânico começou a tomar conta do nosso herói pois, a situação que<br />
passava, evi<strong>de</strong>nciava seu inesperado estado <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> total.<br />
O temor porém, durou pouco, já que, outro fato chamou-lhe a atenção: sua<br />
visitante abriu os olhos e sentou-se no leito.<br />
A forma como a via também era digna <strong>de</strong> nota já que, sua imagem era<br />
translúcida e, ao mesmo tempo que a via sentada, também a via <strong>de</strong>itada e<br />
inconsciente.<br />
Ouviu então uma voz feminina e suave dizer-lhe:<br />
-Não sou a mulher que você está vendo.<br />
Nosso herói já estava bastante confuso com a situação e ficou ainda mais<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir aquilo.<br />
208
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A voz parecia vir <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua cabeça e ainda, da boca das imagens<br />
das mulheres.<br />
-Não tema! Minhas intenções são pacíficas...<br />
Ainda assim nosso herói sentia-se perturbado...<br />
-Tranqüilize-se...<br />
A voz era calma e acabou por sossegar Alex Randall.<br />
Sua visão porém foi ficando meio <strong>de</strong>sfocada, como se estivesse <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
uma piscina...<br />
-Não estou conseguindo enxergar direito. Tudo parece estar escurecendo.<br />
-Você não está me enxergando realmente! O que você via não condiz com<br />
a realida<strong>de</strong>.<br />
Alex Randall surpreen<strong>de</strong>u-se com a resposta.<br />
-O que está acontecendo?<br />
-Eu entrei no seu inconsciente para lhe visitar antes <strong>de</strong> seguir meu<br />
caminho.<br />
-Visita? No meu inconsciente?<br />
-Minha existência não se dá no plano material como a sua. Minha vida só<br />
se dá no pensamento...<br />
Alex Randall estava confuso.<br />
Tentava imaginar o que seria uma criatura viva feita apenas <strong>de</strong><br />
pensamentos...<br />
- Até o momento <strong>de</strong>sse encontro eu era uma forma vazia vagando pelo<br />
universo. Um pensamento oco. Tudo via e ouvia, mas, nada assimilava ou<br />
compreendia.<br />
“A partir do salvamento que você realizou, passei a dar mais atenção ao<br />
fluxo do pensamento no seu cérebro, no <strong>de</strong> sua visitante e até no do Cérebro<br />
Computadorizado da sua astronave.”<br />
“Aprendi com nosso encontro, e agora, penso <strong>de</strong> modo diferente <strong>de</strong> antes<br />
<strong>de</strong> observa-los.”<br />
“Manifestei-me aqui para mostrar um pouco da minha gratidão...”<br />
-Mas agra<strong>de</strong>cimento pelo que?!? Não fiz nada. – Disse Alex Randall.<br />
-O breve tempo que os observei foi suficiente para apren<strong>de</strong>r o que sei.<br />
-Me parece que você fez tudo por conta própria. Não vejo mérito da minha<br />
parte no caso, e acho, que nem sou digno <strong>de</strong> tanto agra<strong>de</strong>cimento.<br />
-Não é só agra<strong>de</strong>cimento. Sua visitante <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>spertada e tenho<br />
capacida<strong>de</strong> para fazer isso com segurança. Estimularei algumas regiões do<br />
cérebro <strong>de</strong>la que a farão acordar. Fica então a expressão da minha gratidão.<br />
209
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O quadro que nosso herói visualizava naquele momento foi ficando cada<br />
vez mais escuro até se enegrecer totalmente.<br />
Nesse momento, Alex Randall voltava a dormir o sono dos justos sem ser<br />
consciente ou inconscientemente interrompido.<br />
***<br />
Abriu os olhos e notou que o ambiente da central médica havia voltado ao<br />
normal.<br />
As luzes, com seu costumeiro brilho, os paineis <strong>de</strong> controle dos<br />
instrumentos piscando e a sua visitante dormindo!<br />
Lentamente, nosso herói foi colocando as idéias em or<strong>de</strong>m.<br />
Relembrou o sonho estranho que tivera.<br />
Teria alguma base na realida<strong>de</strong>?<br />
Existiria alguma criatura constituída apenas <strong>de</strong> pensamentos?<br />
Alex Randall refletia longamente.<br />
Sabia que através dos meios que a tecnologia dispunha à sua época, não<br />
conseguiria comprovar a existência <strong>de</strong> tal ser...<br />
Resolveu <strong>de</strong>bater com o Cérebro Computadorizado aquela questão:<br />
-Sonhei com uma criatura que se dizia feita só <strong>de</strong> pensamento e que tinha<br />
aprendido o que sabia nos absorvendo...<br />
-Isso talvez explique o fato <strong>de</strong> que foi registrada a presença <strong>de</strong> um campo<br />
elétrico invisível <strong>de</strong> baixa intensida<strong>de</strong> nesse setor do espaço que permaneceu em<br />
ativida<strong>de</strong> até bem pouco tempo antes do seu <strong>de</strong>spertar. Também foi notada uma<br />
interferência <strong>de</strong>sse campo no funcionamento da central <strong>de</strong> armazenamento <strong>de</strong><br />
dados.<br />
Alex Randall ficou arrepíado!<br />
-Que espécie <strong>de</strong> interferência?<br />
-Não foi danosa! Durou pouco.<br />
-Acessou alguma coisa?<br />
-Provavelmente nada, foi uma tentativa muito rápida, que, se realmente<br />
houve, <strong>de</strong> qualquer modo teria sido ineficaz.<br />
Alex Randall ainda não se dava por convencido.<br />
Surpreen<strong>de</strong>u porém, com o súbito suspiro que aquela fantástica belda<strong>de</strong><br />
logo <strong>de</strong>u .<br />
Que <strong>de</strong>licioso gemido!<br />
Alex Randall <strong>de</strong>u um salto digno dos melhores ginastas e, numa fração <strong>de</strong><br />
210
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
segundo seu rosto se encontrava colado ao <strong>de</strong>la.<br />
Então <strong>de</strong>spertou. Abriu os olhos, <strong>de</strong>u um radiante dizendo:<br />
-Você é Alex Randall? – Ela perguntou.<br />
-Sim.<br />
-Então <strong>de</strong>vo lhe agra<strong>de</strong>cer! Sonhei com alguém me dizendo que você me<br />
salvou da morte certa além <strong>de</strong> ser um sujeito legal..<br />
Alex Randall foi surpreendido com um <strong>de</strong>licioso beijo <strong>de</strong>la.<br />
***<br />
211
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N. 22 DE ALEX RANDALL<br />
Não restava dúvida que os implantes <strong>de</strong> idioma na visitante foram bem<br />
sucedidos.<br />
-Mas o seu bafo está <strong>de</strong> matar mesmo, hem... - Ela reclamou logo <strong>de</strong> cara.<br />
Alex Randall até se afastou constrangido.<br />
Ela tinha razão.<br />
Há um bom tempo não escovava os <strong>de</strong>ntes ou tomava banho e até mijo<br />
estava fe<strong>de</strong>ndo.<br />
Tão preocupado vivia com seus afazeres que os cuidados com a aparência<br />
já não eram os mesmos <strong>de</strong> outros tempos.<br />
Mais parecia um velho lobo do espaço, com pele branca, olheiras<br />
profundas, <strong>de</strong>ntes manchados e cabelos sebosos amarelentos..<br />
Resolveu dar um jeito nisso...<br />
-Queira me perdoar por esta <strong>de</strong>satenção. – Disse Alex Randall.- Volto daqui<br />
a pouco. Deixo-a temporariamente acompanhada <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> meus robôs que<br />
irão atendê-la em todas as suas necessida<strong>de</strong>s.<br />
O daqui a pouco não foi assim tão rápido quanto esperado já que ele quis<br />
fazer uma funilaria completa.<br />
Teve que tomar banho com ácidos especiais para se livrar da crosta e a<br />
sujeira mais dura.<br />
Deu um trato na barba, no cabelo e até nas unhas que a tempos i<strong>memoriais</strong><br />
se encontravam horríveis e tenebrosas.<br />
Nunca antes fora tão vaidoso ou cuidadoso com o visual como naquele<br />
momento.<br />
Usaria terno e sapatos pretos, camisa e meias brancas.<br />
Limpo, perfumado, bem vestido e arrumado, Alex Randall até levava pinta<br />
<strong>de</strong> galã.<br />
Mesmo com toda a fachada bacana, aquela situação o levava a um certo<br />
nervosismo, já que, as únicas companhias femininas não virtuais cuja companhia<br />
tivera o prazer <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar ocorreu a bastante tempo, certamente, pouco antes da<br />
sua partida do sistema solar.<br />
Reencontrou sua visitante que àquelas alturas estava trajada (Os exames<br />
médicos realizados antes da sua liberação, exigiam que ela ficasse nua.) com<br />
roupas negras, brilhantes e justas, que a <strong>de</strong>ixaram ainda mais encantadora...<br />
Finalmente se apresentaram...<br />
-Sou Alex Randall da Terra.<br />
212
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Eu sou Walkíria, mas, po<strong>de</strong> me chamar <strong>de</strong> Wal.<br />
E que voz sensual...<br />
Relaxada e tranqüila soava como música para os ouvidos masculinos.<br />
Ouvindo-a, nosso herói ficou abobado por alguns momentos.<br />
Logo então, colocou as i<strong>de</strong>ias em or<strong>de</strong>m voltando à realida<strong>de</strong> do<br />
momento.<br />
-Bem vinda a bordo do Viajante das Estrelas. Quero que se sinta em casa.<br />
A mulher abriu um sorriso e nosso herói ficou até ofuscado ao contemplá-lo.<br />
Novamente se recompôs e ofereceu-lhe um vaso com uma varieda<strong>de</strong> floral<br />
que estava cultivando nas plantações do Viajante das Estrelas.<br />
-No meu mundo é hábito o homem presentear uma mulher por quem<br />
simpatiza com flores. Essas aqui são para você.<br />
-Ah! Obrigado! Nem sei como agra<strong>de</strong>cer.<br />
-Não precisa! Basta me acompanhar num passeio. Gostaria <strong>de</strong> conhece-la!<br />
-Claro! Por-quê não?<br />
Alex Randall e Walkíria perambularam pelo Viajante das Estrelas por um<br />
bom tempo até finalmente resolverem passear pelo parque artificial no interior da<br />
astronave.<br />
Na verda<strong>de</strong>, não tão artificial assim, já que, suas plantas eram naturais e<br />
muitos outros elementos alí presentes também.<br />
Mas, o quê <strong>de</strong> tecnologia que valeria ser lembrado alí presente, eram as<br />
câmeras, sensores e robôs posicionados <strong>de</strong> modo a permitir o melhor estudo<br />
possível da vida daqueles vegetais em ambiente artificial.<br />
Para facilitar a movimentação, havia um pequeno monotrilho <strong>de</strong> dois<br />
vagões que cortava o gigantesco ambiente pelo alto.<br />
O trem parou em meio às árvores e da sua lateral uma rampa projetou-se<br />
em direção ao chão justamente da parte inferior <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ficava a porta. Esta, se<br />
abriu com um chiado permitindo ao casal <strong>de</strong>sembarcar próximo à vegetação.<br />
A conversa era animada, e num momento on<strong>de</strong> o casal só parecia<br />
encontrar afinida<strong>de</strong>s em comum.<br />
Alex Randall sentia-se a cada momento mais apaixonado por ela .<br />
E não só isso, <strong>de</strong> tanto olhar, quase não conseguia conter sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
transar com ela.<br />
Fissurado como estava ficando, tentava não dar muito na cara explicando<br />
sobre a música ambiente que era tocada:<br />
-Determinados tipos <strong>de</strong> sons influenciam mais ou menos no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento das plantas.... Aqui, variamos as seleções musicais para obter<br />
diferentes resultados nos seus crescimentos.<br />
213
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
As tais influencias não se restringiam apenas aos vegetais.<br />
De alguma forma, Walkíria parecia meio que hipnotizada por Alex e toda<br />
aquela verborragia técnica que ele <strong>de</strong>spejava na orelha <strong>de</strong>la.<br />
***<br />
E então, sem mais nem menos, espontaneamente, sabe se lá por iniciativa<br />
<strong>de</strong> quem, os dois se beijaram...<br />
Tão gran<strong>de</strong> e intenso foi aquele fogo, que logo se alastrou como incêndio,<br />
que daí se converteu em abraços, agarrões e coisas que tais.<br />
Persistiram as calorosas <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> afeto e carinho que <strong>de</strong>scambou<br />
para a conjunção carnal <strong>de</strong> fato!<br />
Alí mesmo, transaram em todas as posições possíveis durante horas<br />
seguidas.<br />
Depois <strong>de</strong> tanta ativida<strong>de</strong> física para um pinto que só se exercitava com as<br />
bucetas geradas virtualmente, nosso herói apagou.<br />
***<br />
Enquanto dormiu, teve sonhos fantásticos, num <strong>de</strong>les, sentava na garupa<br />
<strong>de</strong> um cavalo branco conduzido por Walkíria...<br />
Abraçou-a passando a mão pela cinturinha <strong>de</strong>la, e, finalmente, segurando<br />
os gran<strong>de</strong>s peitões...<br />
Cavalgando num céu zaul entre as nuvens junto àquela belda<strong>de</strong>, tirou um<br />
cachimbo do bolso, acen<strong>de</strong>u-o (apesar do vento) e, fortemente agarrado ao corpo<br />
<strong>de</strong>la, pensou enquanto dava algumas baforadas...<br />
-O que mais um homem po<strong>de</strong>ria querer na vida?<br />
Acordou. Deitado no chão, junto à sua amada, Alex Randall estava<br />
exatamente na mesma posição dos sonhos.<br />
Assim que abriu os olhos, a loura sensual atacou-o com beijos e abraços<br />
tentando aplacar o acesso <strong>de</strong> fome <strong>de</strong> sexo que a acudia naquele momento.<br />
Nosso herói mais uma vez não resistiu.<br />
Transaram novamente...<br />
***<br />
E finalmente os estomagos começaram a roncar...<br />
-Traga-nos quatro “xis-tudo” gigantes com batatas fritas... – Or<strong>de</strong>nou nosso<br />
214
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
herói do espaço.<br />
Não <strong>de</strong>morou muito e um robô apareceu com as refeições.<br />
Alex Randall pegou uma das caixas <strong>de</strong> isopor que o robô trazia, abriu-a e<br />
<strong>de</strong>u para Walkíria.<br />
-Po<strong>de</strong> comer. No meu mundo esse aqui é um dos mais solicitados.<br />
Era um sanduíche realmente gran<strong>de</strong>, quase do tamanho <strong>de</strong> uma mini-pizza.<br />
Mal terminara <strong>de</strong> abrir a embalagem do seu, e Walkíria já havia terminado<br />
<strong>de</strong> comer o <strong>de</strong>la inteirinho.<br />
Nem mais três minutos se passaram, e ela <strong>de</strong>vorou também os outros dois,<br />
que não haviam sequer sido tocados.<br />
-Puxa...Você come bastante, hem... Quer mais?<br />
-É você que <strong>de</strong>sperta o meu apetite...Po<strong>de</strong> pedir mais um seis <strong>de</strong>sse aí que<br />
eu como sem problemas.<br />
Alex fêz o pedido e Walkíria logo complementou:<br />
-Ai...Eu adoro o jeito como você fala... Deixa eu te dar um beijo...<br />
Wal foi rápida e nosso herói não teve como escapar.<br />
Com algum esforço, ele conseguiu se <strong>de</strong>svencilhar <strong>de</strong>la dizendo:<br />
-Gata selvagem...Você não dá <strong>de</strong>scanso mesmo...Preciso comer e<br />
<strong>de</strong>scansar se não, vou passar mal...<br />
-Esta bem! Eu também preciso <strong>de</strong>scansar um pouco... Mas... Depois...<br />
Juntos comeram e <strong>de</strong>pois seguiram para a sala <strong>de</strong> observação do Viajante<br />
das Estrelas on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansaram.<br />
Por alguns décimos <strong>de</strong> segundo, um pensamento percorreu a mente do<br />
nosso herói...<br />
-Puxa! Com o fogo que esta mulher tem, logo estarei acabado!<br />
***<br />
Acordou sentindo um toque nos lábios.<br />
Era Wal que, naquele momento o <strong>de</strong>spertava dando um beijo.<br />
-Hmmm... Amorzinho...<br />
Ela já parecia bem quente. Pelo jeito que abraçava, beijava e chupava Alex,<br />
era mais que óbvio o seu objetivo.<br />
-Ei menina! Você precisa me dar <strong>de</strong>scanso. Desse jeito, não vai sobrar<br />
nada <strong>de</strong> mim.<br />
-Você <strong>de</strong>scansou bastante, gatinho. Agora vem cá!<br />
Sem chances <strong>de</strong> resistir, Alex viu-se obrigado a aten<strong>de</strong>r os <strong>de</strong>sejos daquela<br />
215
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
belda<strong>de</strong>.<br />
Algum tempo <strong>de</strong>pois já havia gozado três ou quatro vezes...<br />
Voltaram para o alojamento on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ram uma rápida folga.<br />
***<br />
Quando Alex ia para o banheiro percebeu que Walkíria não queria ficar<br />
longe <strong>de</strong>le por muito tempo...<br />
-On<strong>de</strong> vai gatinho?<br />
-Existem coisas que ninguém po<strong>de</strong> fazer por mim. Ir ao banheiro é uma<br />
<strong>de</strong>las.<br />
-Ok! Volte logo que eu já estou esperando e com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer mais...<br />
No banheiro, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma bela mijada é que Alex Randall percebeu como<br />
estava esgotado daquelas excessivas ativida<strong>de</strong>s sexuais<br />
Além do mais, parecia que ficava alguns quilos mais magro após cada<br />
trepada...<br />
Wal.<br />
-Essa mulher ainda vai acabar comigo, pensou ele dando um sorriso.<br />
Tomou banho, vestiu o seu tradicional uniforme preto e voltou para perto <strong>de</strong><br />
Deitou-se ao seu lado e ficou contemplando toda aquela beleza.<br />
Logo ela virou <strong>de</strong> frente para ele, agarrou-o, arrancou toda a sofisticada<br />
roupa que este acabara <strong>de</strong> vestir e colocou-o para transar novamente.<br />
Mais algumas horas o casal permaneceu naquela ativida<strong>de</strong> frenética até<br />
que nosso herói quedou inconsciente <strong>de</strong>vido ao cansaço.<br />
***<br />
Quando Alex Randall recobrou as forças e acordou, seu primeiro instinto foi<br />
o <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r o cachimbo ainda <strong>de</strong>itado.<br />
-Bem! Eu não queria que você fumasse na cama. Vai <strong>de</strong>ixar um cheiro ruim<br />
aqui e diminuirá o seu apetite quando transamos. e<br />
Ela fez uma pausa e continuou:<br />
-Você sabe que eu gosto <strong>de</strong> bastante sexo.<br />
Bastante sexo para Walkíria queria dizer horas ou mesmo dias seguidos <strong>de</strong><br />
tesão ininterrupto.<br />
Mesmo no caso <strong>de</strong> uma beleza estonteante e quase sobrenatural como a<br />
<strong>de</strong>la, por mais boa vonta<strong>de</strong> que um ser humano normal tivesse seria quase<br />
216
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
impossível ultrapassar <strong>de</strong>terminado limite <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> física...<br />
Mesmo transando!<br />
Para uma mulher como ela que parecia estar vivendo seus dias <strong>de</strong> cio e<br />
total fertilida<strong>de</strong> estando sempre pronta para o acasalamento, todo o incrível<br />
esforço <strong>de</strong> Alex Randall parecia minúsculo.<br />
-Você está fumando <strong>de</strong>mais! Precisa melhorar a performance! Vai ver só!<br />
Quando eu tiver um tempinho livre, acabarei com toda aquela sua imensa<br />
plantação <strong>de</strong> fumo que só ocupa espaço <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta nave.<br />
Assustado com a eventual realização da ameaça, sentiu uma quase<br />
incontrolável vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fumar. Deu uma disfarçada, saiu da cama, pegou os<br />
utensílios necessários, (diga-se aqui, o cachimbo, fumo e fogo) e entrou no<br />
banheiro.<br />
Escondido, daria suas tragadas, assim, quem sabe surgisse algumas idéia<br />
que eventualmente conseguisse aplacar a súbita fúria antitabagista <strong>de</strong>la.<br />
Logo com as suas primeiras baforadas, a fumaça alí <strong>de</strong>ntro ficou<br />
extremamente <strong>de</strong>nsa e quase irrespirável.<br />
Nesse momento então, a porta foi aberta.<br />
Era Walquíria invadindo o banheiro.<br />
-Alex, meu amor! Não po<strong>de</strong> fumar aqui <strong>de</strong>ntro.<br />
Mal disse isso e <strong>de</strong>smaiou com a fumaceira.<br />
Não suportou a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo aquele fumo!<br />
Mesmo com po<strong>de</strong>rosos exaustores funcionando, não foi possível para o<br />
cérebro computadorizado fazer algo por Walkíria a não ser provi<strong>de</strong>nciar o envio <strong>de</strong><br />
uma equipe médica robotizada para o quarto.<br />
Vendo-a inconsciente, Alex Randall quase não pô<strong>de</strong> conter uma enxurrada<br />
<strong>de</strong> palavrões.<br />
Não sabia se, <strong>de</strong> raiva pela impaciência <strong>de</strong>la, ou <strong>de</strong> arrependimento, por ter<br />
se trancado para fumar.<br />
Sabe-se lá quais as conseqüências que a pobre Walkíria sofreria em virtu<strong>de</strong><br />
disso.<br />
Foi levada com rapi<strong>de</strong>z para a enfermaria e lá passou a receber os<br />
melhores cuidados.<br />
Só restava a Alex Randall aguardar pelo seu <strong>de</strong>spertar já preparando um<br />
arsenal <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas...<br />
***<br />
O tempo passava e Walkíria não acordava.<br />
217
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
A cada momento que Alex Randall enfrentava a inconsciência da amada, o<br />
remorso e o arrependimento corroíam sua alma.<br />
Entretanto, o peso dos ombros ele diminuía tentando tudo o que podia para<br />
acorda-la sem causar-lhe mal.<br />
Contudo, haviam limitações que estavam evitando aquela questão <strong>de</strong> obter<br />
solução.<br />
A principal <strong>de</strong>las, era o fato ds bibliotecas médicas do Viajante das Estrelas<br />
terem poucas informações que pu<strong>de</strong>ssem ajudar no caso <strong>de</strong> Walquíria. Esse<br />
<strong>de</strong>talhe influenciava na hora na escolher da medicação a ser aplicada já que os<br />
efeitos nela eram completamente <strong>de</strong>sconhecidos..<br />
Só o que se podia fazer era monitorar os acontecimentos e aguardar<br />
pacientemente o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong>la.<br />
.<br />
***<br />
O tempo passou e, a certa altura ficava claro que não conseguiria acordar<br />
Walkíria somente com os recursos disponíveis no Viajante das Estrelas..<br />
Através dos sensores e instrumentos da astronave tentou localizar campos<br />
elétricos perdidos no espaço similares àquele que o cérebro computadorizado<br />
i<strong>de</strong>ntificou como sendo o estranho ser que <strong>de</strong>spertara Walkíria, mas, também aí<br />
não obteve sucesso.<br />
Diante da falta <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s cujos resultados favorecessem o <strong>de</strong>spertar<br />
<strong>de</strong> sua amada,.Alex Randall resolveu arriscar uma última cartada buscando ajuda<br />
no planeta natal <strong>de</strong> Walkíria.<br />
Cruzando informações do banco <strong>de</strong> dados do Cérebro Computadorizado<br />
com outras obtidas nos restos da nave on<strong>de</strong> a célula <strong>de</strong> sobrevivência fora<br />
resgatara, foram encontradas as coor<strong>de</strong>nadas para a realização <strong>de</strong> seu intento.<br />
Or<strong>de</strong>nou em seguida, a imediata partida do Viajante das Estrelas rumo ao<br />
mundo natal <strong>de</strong> Walkíria...<br />
Como sempre, o cérebro computadorizado interpôs suas objeções:<br />
-Esta viagem não é recomendável. Walkíria saiu <strong>de</strong> um sistema planetário<br />
on<strong>de</strong> ocorria uma revolução política. Ela é uma princesa do sistema <strong>de</strong>posto...<br />
-Estamos indo pedir ajuda para uma pessoa doente. Não é possível que<br />
essa mulherada não tenha este senso <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> para ajudar o próximo.<br />
***<br />
Não passou muito tempo para que a presença do Viajante das Estrelas<br />
218
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
naquela localida<strong>de</strong> fosse percebida.<br />
Prova disso foram os curiosos artefatos com quarenta metros <strong>de</strong><br />
cumprimento cada, similares a pontas <strong>de</strong> agulha, que apareceram ao redor da<br />
astronave.<br />
Inicialmente eram apenas duas ou três, <strong>de</strong>pois, foram chegando mais.<br />
Na central <strong>de</strong> comando, pelos comunicadores, chegou uma mensagem no<br />
idioma TRANSGALATIQUÊS 265: (reconhecido e por povos <strong>de</strong> outras duzentas e<br />
sessenta e cinco galáxias.)<br />
-Sua nave invadiu área reservada. Favor <strong>de</strong>sligar os motores, i<strong>de</strong>ntificar-se<br />
e informar o seu objetivo. Caso se negue a aten<strong>de</strong>r a uma ou todas as or<strong>de</strong>ns,<br />
será abatido. Compreen<strong>de</strong>?<br />
A situação não era para brinca<strong>de</strong>ira!<br />
Aquela turma não facilitava com a segurança.<br />
O Viajante das Estrelas po<strong>de</strong>ria escapar dalí rapidamente, mas, Alex<br />
Randall tinha <strong>de</strong> pensar na melhora <strong>de</strong> sua amada e portanto sujeitar-se às<br />
or<strong>de</strong>ns que recebia até mesmo para obter um socorro mais rapido.<br />
-Sou Alex Randall da Terra e estou trazendo uma conterrânea <strong>de</strong> vocês que<br />
necessita <strong>de</strong> urgente tratamento médico e ajuda.<br />
Feito o pedido a imagem <strong>de</strong> outra sanozamense muito parecida e até tão<br />
linda quanto Walkíria foi projetada adiante do nosso herói.<br />
-Sua invasão aos nossos domínios territoriais tem por objetivo a busca por<br />
socorro?<br />
-Exato! – Alex Randall repirou fundo e continuou. – Meus conhecimentos a<br />
respeito da biologia e medicina <strong>de</strong> vocês é limitado. Achei que se procurasse<br />
ajuda no mundo natal da paciente po<strong>de</strong>ria ter maiores chances <strong>de</strong> ajudá-la a<br />
encontrar o seu pronto reestabelecimento.<br />
-Que dados dispôe da paciente?<br />
Sem muito pensar, Alex Randall digitou algumas or<strong>de</strong>ns no teclado<br />
luminoso e todos os dados médicos obtidos junto aos exames feitos em Walkíria<br />
foram passados para os computadores da nave sanozamense.<br />
Por alguns instantes, a imagem projetada na central <strong>de</strong> comando mostrava<br />
aquela mulher analisando os dados que recebia.<br />
-Uma <strong>de</strong> nossas agentes será teletransportada para sua nave, ela irá<br />
verificar o estado da paciente.<br />
Nem um minuto passou e outra mulher <strong>de</strong> beleza sem igual, <strong>de</strong>sta vez, uma<br />
morena <strong>de</strong> cabelos negros, materializou-se bem ao lado <strong>de</strong> Walkíria.<br />
Ela aproximou-se da paciente e a observou atentamente.<br />
Ergueu o antebraço mais ou menos à altura do queixo e disse:<br />
219
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-É ela mesmo. Não resta dúvida.<br />
-Executá-la agora.<br />
A mulher sacou uma arma do coldre preso à própria cintura, rapidamente<br />
apontou e disparou na cabeça <strong>de</strong> Walkíria <strong>de</strong>sintegrando-a imediatamente.<br />
-Por Or<strong>de</strong>m do Tribunal Revolucionário, a última Her<strong>de</strong>ira do Trono<br />
sobrevivente foi executada pondo fim assim a qualquer tentativa <strong>de</strong> retorno ao<br />
sistema monarquista.<br />
-Não. - Gritou Alex Randall.<br />
Ele porém nada pô<strong>de</strong> fazer pois, imediatamente, a mulher se<br />
teletransportou para fora do Viajante das Estrelas.<br />
***<br />
Imediatamente Alex Randall pensou nos milhões <strong>de</strong> armas que tinha a<br />
bordo do Viajante das Estrelas e po<strong>de</strong>ria usar como retaliação.<br />
O Cérebro Computadorizado da astronave porém, acabou por convencê-lo<br />
a tomar as <strong>de</strong>cisões que aparentavam ser mais razoáveis.<br />
Primeiramente, inutilizou qualquer armamento inimigo que estivesse sendo<br />
usado contra o Viajante das Estrelas.<br />
Várias naves ficaram flutuando sem rumo pelo espaço já que nada nelas<br />
funcionava.<br />
-Não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retaliação! - Disse o Cérebro Computadorizado do<br />
Viajante das Estrelas. - Com as máquinas do tempo disponíveis à bordo,<br />
po<strong>de</strong>remos voltar ao passado num ponto que esse erro possa ser reparado.<br />
***<br />
Alex Randall respirou fundo e disse:<br />
-Então vamos sair daqui agora antes que eu me enfeze...<br />
O Viajante das Estrelas então sumiu daquele sistema planetário...<br />
Longe dalí, Alex Randall já queria voltar no tempo para dar um jeito <strong>de</strong><br />
acordar Walkíria.<br />
-Temos que esperar. - Disse o Viajante das Estrelas.<br />
-Mas esperar o quê?<br />
-Temos que <strong>de</strong>scobrir um meio <strong>de</strong> controlar o estado <strong>de</strong> inconsciência <strong>de</strong>la.<br />
Sem isso, a primeira oportunida<strong>de</strong> que ela dormir, não saberemos se voltará...<br />
-É verda<strong>de</strong>... - Concordou Alex Randall respirando fundo.<br />
220
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Dando fortes baforadas no seu cachimbo ele <strong>de</strong>cidiu.<br />
-Vamos seguir em frente. No momento que eu souber como ajudar a curar<br />
essa dormência inexplicável, iremos salvá-la. Por hora, ficar nas sauda<strong>de</strong>s...<br />
***<br />
221
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N. 23 DE ALEX RANDALL<br />
Des<strong>de</strong> o fim <strong>de</strong> sua involuntária viagem ao Templo da MÃE CRIADORA DE<br />
TODAS AS COISAS que Alex Randall já <strong>de</strong>sejava voltar à Terra.<br />
A ocorrência dos últimos fatos acabou por reforçar a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa<br />
vonta<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>cisão foi tomada.<br />
Estava na hora do Viajante das Estrelas retornar para casa.<br />
Já sem dormir a um tempo consi<strong>de</strong>rável, ficava observando os símbolos e<br />
letras exibidos pelos projetores tridimensionais que indicavam o posicionamento<br />
da astronave em meio às referências espaciais.<br />
Estava muito longe da Terra.<br />
A Via Lactea ainda não era visível em meio a todas aquelas galáxias<br />
mostradas ao redor <strong>de</strong> Alex Randall. Estava muito distante ainda para ser notada,<br />
mesmo como um singelo ponto <strong>de</strong> luz.<br />
Mas, o tempo passou e, finalmente um pequeno brilho fugaz indicou sua<br />
posição.<br />
Com o contínuo transcorrer da viagem <strong>de</strong> volta, o ponto foi crescendo cada<br />
vez mais nas telas e projetores do Viajante das Estrelas.<br />
Mesmo <strong>de</strong>spreocupado com o controle da nave e, refletindo mais sobre<br />
seus problemas pessoais, Alex Randall percebeu que a muito, já <strong>de</strong>veria ter<br />
registrado sinais <strong>de</strong> orientação <strong>de</strong> pilotagem em direção ao sistema solar.<br />
E não só estes.<br />
Outros sinais <strong>de</strong> comunicação também já <strong>de</strong>veriam estar disponíveis<br />
naquela região.<br />
Curiosamente, a um bom tempo, o Viajante das Estrelas já não conseguia<br />
estabelecer contato com o controle <strong>de</strong> acompanhamento da missão na Terra.<br />
A velocida<strong>de</strong> ultra rápida com que a jornada era feita se afastando do<br />
sistema solar podia bem justificar tal falta <strong>de</strong> comunicação.<br />
O problema era que, essa falha ainda persistia, mesmo com a aproximação<br />
<strong>de</strong> casa...<br />
O próprio Cérebro Computadorizado, <strong>de</strong>-repente parecia envolvido em<br />
algum cálculo muito gran<strong>de</strong>.<br />
As luzes que indicavam ativida<strong>de</strong> máxima <strong>de</strong> trabalho em seus<br />
processadores estava acesa e continuou assim até as proximida<strong>de</strong>s dos limites do<br />
sistema solar.<br />
Transpostas as fronteiras invisíveis <strong>de</strong>ste, outro <strong>de</strong>talhe importante não<br />
escapou à aguçada observação <strong>de</strong> Alex Randall: as espaçovias, antes com<br />
movimento intenso <strong>de</strong> naves, estavam completamente vazias!<br />
222
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O caminho final para casa estava livre e não havia o menor sinal <strong>de</strong> transito<br />
ou tráfego.<br />
Tudo completamente vazio!<br />
Ninguém, nenhum cargueiro robotizado, ônibus espacial, robô ou<br />
sinalizador.<br />
Aparentemente, nem mesmo os famigerados <strong>de</strong>tetores <strong>de</strong> excesso <strong>de</strong><br />
velocida<strong>de</strong> pareciam estar multando ou trabalhando.<br />
Logo então, vieram os tão esperados esclarecimentos.<br />
Os processadores do Cérebro Computadorizado pararam <strong>de</strong> trabalhar feito<br />
loucos e começaram a explicar aqueles fatos estranhos.<br />
Satélites inoperantes...<br />
Robôs que não funcionavam...<br />
***<br />
Comunicação com o sistema solar inexistente...<br />
O Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas recebeu informações<br />
do ocorrido assim que a<strong>de</strong>ntrou os limites da Via Láctea.<br />
De vários mundos, diversos dados chegaram.<br />
Graças a relatos apurados <strong>de</strong> quem passou pelo fato e também a partir <strong>de</strong><br />
observadores que direta ou indiretamente estiveram presentes nos tais eventos, o<br />
Cérebro Computadorizado chegou à uma conclusão explicando:<br />
-A paz que reinou durante mais <strong>de</strong> mil anos terrestres nos domínios do<br />
sistema solar foi quebrada!<br />
-Guerra? – Indagou Alex Randall atônito...<br />
-Guerra, massacres, genocídio, terrorismo, exércitos <strong>de</strong> robôs assassinos...<br />
-Depois <strong>de</strong> tanto tempo <strong>de</strong> avanços os <strong>de</strong>sentendimentos voltaram a<br />
perturbar a paz mundial?<br />
-Sim. – Respon<strong>de</strong>u o cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas.<br />
-Mas o que ocasionou isso?<br />
-O relatório enviado com os dados referentes à Antares IV.<br />
-As montanhas e ricas minas <strong>de</strong> ouro daquele mundo...<br />
-A informação foi mantida em segredo por algum tempo. No começo,<br />
somente as forças armadas tiveram acesso àquele planeta.<br />
“Os militares utilizaram Antares IV como campo <strong>de</strong> testes para os seus<br />
equipamentos militares.”<br />
“Mas <strong>de</strong>pois, foram para lá os empresários, e então começaram as<br />
disputas.”<br />
223
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
“Gigantescos grupos econômicos se confrontaram <strong>de</strong>tonando hostilida<strong>de</strong>s<br />
armadas e o retorno das guerras...”<br />
“Daí, reapareceram os terroristas, genocidas, e até alguns senhores da<br />
guerra que puseram em ação exércitos <strong>de</strong> robôs imaginando que resolveriam<br />
todos os problemas da humanida<strong>de</strong>... “<br />
“Ledo engano;”<br />
“Estas máquinas assassinas foram programadas para o máximo <strong>de</strong><br />
extermínio <strong>de</strong> vida possível.”<br />
“Velhas bombas armadas com ogivas nucleares estouraram em todos os<br />
pontos do sistema solar, acabando com os últimos resquícios do domínio do<br />
homem sobre estas paragens.”<br />
“Nunca antes a frase:<br />
“Velhas armas também fazem boas guerras.”<br />
...foi tão correta!”<br />
“Restaram então, alguns poucos exércitos <strong>de</strong> robôs que prosseguiriam sua<br />
missão <strong>de</strong> extermínio até o fim da energia em suas baterias...”<br />
Alex Randall fechou os olhos, suspirou com tristeza e concluiu que<br />
involuntariamente, mais uma vez, ele <strong>de</strong>ra início à uma gigantesca onda <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sgraças.<br />
***<br />
Sua alma estava até anestesiada com tanto horror e <strong>de</strong>sgraça ao redor.<br />
Mesmo diante <strong>de</strong> todas as evidências <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição e do fim da<br />
humanida<strong>de</strong> na Terra, Alex Randall resolveu investigar a possibilida<strong>de</strong> da<br />
existência <strong>de</strong> sobreviventes enviando milhares <strong>de</strong> robôs a todos os possíveis<br />
locais pu<strong>de</strong>ssem haver vida pelo sistema solar.<br />
O Viajante das Estrelas permaneceu em órbita da Terra aguardando os<br />
resultados durante quase um mês.<br />
Nesse ínterim, nenhum dos robôs retornou qualquer novida<strong>de</strong> que<br />
trouxesse esperança.<br />
As imagens das cida<strong>de</strong>s da Terra eram assustadoras.<br />
Das po<strong>de</strong>rosas torres que impressionavam a todos só restavam esqueletos<br />
<strong>de</strong> aço, concreto e outros materiais carcomidos pelas intempéries da natureza<br />
agora hostil à vida.<br />
Bases espaciais jaziam silenciosas flutuando sem vida com os corpos <strong>de</strong><br />
seus ocupantes ainda em seu interior.<br />
Naves semi-<strong>de</strong>struidas eram arremessadas como lixo espacial pelas forças<br />
224
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
gravitacionais dos planetas e luas do sistema solar.<br />
Os robôs que efetivamente levaram novida<strong>de</strong>s ao Viajante das Estrelas<br />
foram aqueles programados para garantir o extermínio final da raça humana.<br />
Aqueles que ainda funcionavam, e que se reuniram para <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um<br />
longo tempo organizarem um combate contra o Viajante das Estrelas.<br />
***<br />
O primeiro ataque contava com poucos robôs que foram logo <strong>de</strong>sligados e<br />
inutilizados pelo sistema <strong>de</strong>fensivo do Viajante das Estrelas.<br />
A partir <strong>de</strong>stes acontecimentos, a prudência recomendou que Alex Randall<br />
chamasse do volta para a nave o seu próprio batalhão <strong>de</strong> robôs que ainda<br />
procurava por eventuais sobreviventes humanos.<br />
O tempo passou e nem bem estes terminaram <strong>de</strong> chegar, novos ataques<br />
se suce<strong>de</strong>ram...<br />
Dessa vez, um batalhão robotizado hostil com mais ou menos duas mil<br />
peças muito bem armadas se dividiu e sincronizou diversas manobras <strong>de</strong> alto<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>strutivo contra o Viajante das Estrelas.<br />
O sistema <strong>de</strong>fensivo tradicionalmente utilizado <strong>de</strong>sta vez não foi tão<br />
eficiente e apenas alguns poucos atacantes sucumbiram inertes.<br />
Outros, já preparados contra o golpe do armamento capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senergizálos,<br />
lograram melhor sorte ao intentar seu avanço.<br />
A astronave esférica por sua vez, não era nenhuma mocinha in<strong>de</strong>fesa<br />
perambulando <strong>de</strong>samparada.<br />
Entre seus diversos experimentos dispunha <strong>de</strong> todo tipo <strong>de</strong> armamento<br />
utilizado para as mais variadas ocasiões.<br />
Raios invisíveis foram então disparados a partir do Viajante das Estrelas.<br />
Em poucos minutos o segundo ataque também foi rechaçado.<br />
Dessa vez, porém, alguns danos foram acusados e era imperativo que os<br />
reparos fossem realizados.<br />
Na posição em que se encontrava, a astronave <strong>de</strong> Alex Randall estava<br />
sujeita a novos ataques.<br />
A saída dalí era imperativa.<br />
Foi o que aconteceu<br />
***<br />
225
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Além dos limites do sistema solar, a astronave tinha tempo para realizar os<br />
concertos e ainda reavaliar a situação.<br />
Sentado na poltrona da central <strong>de</strong> comando, fumando incessantemente seu<br />
cachimbo, via-se Alex Randall cansado que parecia envelhecer mais e mais...<br />
Não havia para on<strong>de</strong> ir ou o que fazer.<br />
Alex Randall viu-se pela primeira vez completamente sem rumo.<br />
Ainda que voltasse para suas viagens, elas não teriam mais utilida<strong>de</strong> já<br />
que ninguém se aproveitaria do seu resultado.<br />
Com a cabeça envolta na fétida fumaça que saia do seu cachimbo, e, com<br />
os olhos fechados refletia.<br />
Tinha que consertar uma série <strong>de</strong> coisas, para tanto, só realizando uma<br />
viagem pelo tempo.<br />
Cansado da lógica do Cérebro Computadorizado, resolveu ouvir as<br />
palavras <strong>de</strong> sua mãe e seguir os caminhos do seu próprio coração.<br />
Finalmente assim, resolveria todos os problemas se valendo um velho e<br />
manjado recurso muito utilizado para salvar os roteiros das obras <strong>de</strong> ficção<br />
científica e até <strong>de</strong> bruxaria.<br />
***<br />
226
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N. 24 DE ALEX RANDALL<br />
Não havia muito o que pensar.<br />
Diante da nova perspectiva, podia salvar não só a sua amada Walkíria mas<br />
também, muitas outras vidas.<br />
Sem perda <strong>de</strong> tempo, pôs para funcionar a avançada aparelhagem que<br />
permitiria as viagens pelo tempo.<br />
Foi solicitado a Alex Randall que abrisse um painel no braço <strong>de</strong> sua<br />
poltrona e ali fizesse alguns ajustes.<br />
Realizados os acertos requeridos, logo, apareceu diante <strong>de</strong>le uma<br />
mensagem com letras brilhantes tridimensionais dizendo:<br />
MÁQUINA DO TEMPO OPERACIONAL<br />
Em seguida, também surgiu flutuando outro texto:<br />
SELECIONE DIA E HORA PARA ONDE DESEJA IR<br />
Bastava seguir as instruções que eram claras e cristalinas!<br />
Nada podia dar errado, afinal, bastavam apertar alguns botões e tudo<br />
estaria praticamente resolvido.<br />
Qualquer criança po<strong>de</strong>ria operar aquele engenho.<br />
Digitou a data e hora que achava que ainda po<strong>de</strong>ria reparar seus erros do<br />
passado e apertou a conhecidíssima tecla ENTER.<br />
Tanta era a emoção <strong>de</strong> Alex Randall só <strong>de</strong> vislumbrar a hipótese <strong>de</strong> ter<br />
todos os erros daquela viagem corrigidos, que, foi inevitável que naquele<br />
momento, se <strong>de</strong>senhasse um sorriso no seu rosto.<br />
Tal expressão facial fez o cachimbo se inclinar na boca.<br />
Em conseqüência disso, algumas poucas cinzas caíram, atingindo um dos<br />
painéis no braço da poltrona que naquele momento fora esquecido aberto.<br />
A nave inteira apagou.<br />
A última coisa que nosso herói viu, foi o <strong>de</strong>saparecimento dos números da<br />
data <strong>de</strong>sejada, antes projetados à sua frente<br />
***<br />
O fato <strong>de</strong> não estar nervoso fez com que naquele momento <strong>de</strong> pane, Alex<br />
Randall evitasse o uso <strong>de</strong> impropérios, palavras xulas ou termos <strong>de</strong> baixo calão.<br />
Até porquê, alguns décimos <strong>de</strong> segundo antes da falha geral, os olhos<br />
altamente treinados <strong>de</strong>le já haviam percebido que algumas cinzas iriam cair sobre<br />
o painel que estava aberto e certamente iriam dar algum probleminha.<br />
227
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Calmo, assoprou as cinzas <strong>de</strong> modo que elas saíssem <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se<br />
encontravam <strong>de</strong>positadas, e assim, toda a astronave voltasse a funcionar<br />
normalmente.<br />
Incluindo aí, a máquina do tempo que imediatamente após o seu<br />
religamento, <strong>de</strong>u início à viagem...<br />
Porém, novamente, a visão privilegiada <strong>de</strong> Alex Randall localizou outra<br />
irregularida<strong>de</strong>: <strong>de</strong>sta feita, os relógios que <strong>de</strong>veriam estar mostrando o dia e a<br />
hora <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino do Viajante das Estrelas no tempo, nada indicavam!<br />
***<br />
O que aconteceu no instante seguinte, se é que este se suce<strong>de</strong>u, mesmo<br />
um viajante experimentado como Alex Randall não po<strong>de</strong>ria facilmente <strong>de</strong>screver.<br />
Primeiro, a projeção <strong>de</strong> imagens e sons do exterior da nave <strong>de</strong>ntro da<br />
central <strong>de</strong> comando <strong>de</strong>sapareceu completamente!!<br />
No interior do Viajante das Estrelas tudo parecia inalterado, exceto para seu<br />
único tripulante humano que foi tomado <strong>de</strong> súbita sensação <strong>de</strong> vertigem, como se<br />
estivesse caindo do maior nos precipícios.<br />
E aquele incômodo só aumentava.<br />
Alex Randall tentou <strong>de</strong>sligar tudo, porém, antes que o fizesse, acabou<br />
caindo inconsciente...<br />
***<br />
Acordou com um gosto horrível na boca.<br />
Parecia até que estava <strong>de</strong> ressaca!<br />
Na central <strong>de</strong> comando, aparentemente, os projetores <strong>de</strong> imagens externas<br />
já haviam voltado a funcionar, entretanto, fora da astronave, reinava um absoluto e<br />
assustador negrume.<br />
Mais <strong>de</strong>nso, escuro e impenetrável que qualquer outro ambiente que já<br />
tivesse visto antes.<br />
Mesmo baqueado e com a sensação <strong>de</strong>sagradável <strong>de</strong> gosto na boca,<br />
digitou alguns comandos nos teclados luminosos projetados a partir do painel do<br />
braço <strong>de</strong> sua poltrona, pondo em funcionamento, um sistema <strong>de</strong> holofotes e<br />
sensores que varriam todo o ambiente ao redor da astronave.<br />
Logo constatou que lá fora não havia nada.<br />
Parecia até que o Viajante das Estrelas estava imerso numa massa negra<br />
sem vida <strong>de</strong> algo que, nem mesmo matéria podia ser consi<strong>de</strong>rada.<br />
228
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
E, ainda por cima, parecia ser praticamente intransponível, já que, mesmo<br />
os fachos projetados pelos mais potentes holofotes não conseguiam iluminar mais<br />
que alguns centímetros naquela escuridão toda!<br />
Foi então que Alex Randlll teve a sensação <strong>de</strong> que não estava só.<br />
Nem precisou olhar ao redor.<br />
Bastou virar o pescoço para o lado e perceber que, junto à poltrona on<strong>de</strong><br />
estava sentado, havia uma mulher com pele pálida, <strong>de</strong>licada, cabelos negros e<br />
expressão severa.<br />
-Você chegou ao final dos tempos! Tudo agora está morto e inativo! Sua<br />
presença está perturbando a situação. Se quer permanecer aqui, você tem <strong>de</strong><br />
morrer!<br />
Só <strong>de</strong> olhar o rosto daquela mulher, Alex Randall tinha a sensação <strong>de</strong> estar<br />
vendo a própria morte encarnada.<br />
Ela não tinha aparência ameaçadora ou feia.<br />
Parecia apenas uma garota mo<strong>de</strong>rninha <strong>de</strong> pele pálida, roupas e cabelos<br />
negros.<br />
Mas, fitando aqueles olhos adornados com suaves linhas, um pavor<br />
incontrolável foi <strong>de</strong>spertado em Alex Randall.<br />
Seu estômago pareceu encolher e o corpo esfriar.<br />
Mesmo com o pânico aumentando, ainda teve o bom senso <strong>de</strong> verificar os<br />
instrumentos dos painéis <strong>de</strong> controle, até para se <strong>de</strong>sviar, por alguns instantes que<br />
fosse, daquele olhar amedrontador.<br />
Com gestos trêmulos, acionou os controles do painel luminoso que<br />
controlava a máquina do tempo e sem olhar direito movimentou uma das chaves.<br />
Deu um tapa nela fazendo com que esta se <strong>de</strong>slocasse sem controle algum<br />
até a outra extremida<strong>de</strong> da barra indicadora <strong>de</strong> tempo.<br />
A menina-morte avançou silenciosa em sua direção com o braço direito<br />
esticado.<br />
Desesperado e louco para sair daquele universo fúnebre, Alex Randall<br />
acionou novamente a máquina do tempo sem nem bem olhar a nova data <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stino.<br />
Veio então a conhecida sensação <strong>de</strong> enjôo.<br />
A garota pareceu não se importar com o funcionamento daquele engenho.<br />
Parecia imune até mesmo aos efeitos fisiológicos que o corpo humano<br />
ficava suscetível durante a ação da máquina do tempo.<br />
Aproximou o rosto quase encostando o seu nariz com nariz o <strong>de</strong> Alex<br />
Randall e disse:<br />
-Tentar escapar <strong>de</strong> mim usando sua ridícula máquina do tempo não vai<br />
229
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
adiantar... Mesmo assim, vou permitir que a vida siga seu <strong>de</strong>stino, mas, essa<br />
ousadia em vir até aqui vai lhe <strong>de</strong>ixar marcas.<br />
Dizendo isso, ela colocou a palma da sua mão direita sobre o ombro<br />
esquerdo <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Uma chama saiu dalí contato e, ele <strong>de</strong>smaiou tamanha a dor que sentiu.<br />
***<br />
Despertou com um robô enfermeiro aplicando enxertos em seu ombro.<br />
Havia alí uma queimadura que já estava sendo <strong>de</strong>vidamente medicada.<br />
Ainda ardia um pouco, mas, não era quase nada perto da dor que sentira<br />
no momento do toque daquelas mãos.<br />
O pior já havia passado, restava agora dar o <strong>de</strong>vido tratamento e esperar<br />
pelas melhoras...<br />
Estava na central <strong>de</strong> comando e a situação era idêntica àquela em que<br />
presenciara na época em que acreditava ser o fim dos tempos.<br />
Um pequeno <strong>de</strong>talhe porém mudara.<br />
Agora, era a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS quem estava a<br />
bordo naquele instante.<br />
Prá variar, nua, linda, com seus incríveis olhos in<strong>de</strong>cifráveis e soprando<br />
bolhas negras num pequeno arame com uma ro<strong>de</strong>la na extremida<strong>de</strong> molhada com<br />
líquido negro e brilhante.<br />
As tais bolhas se espalhavam pela central <strong>de</strong> comando da astronave.<br />
-A morte não permite que <strong>de</strong>sorganizem o que ela já <strong>de</strong>ixou arrumado. –<br />
Disse. – Nesse ponto é até um pouco chata já que não gosta que se perturbe o<br />
que está ajeitado.<br />
A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS fez uma pausa e continuou:<br />
-Você não tem pinta <strong>de</strong> ser muito esperto. Em todos os universos que criei,<br />
é o único sujeito que, mesmo diante <strong>de</strong> tantas evidências, ainda foi burro<br />
suficiente para me confundir com os falsos apóstolos que passam a vida<br />
infernizando os cidadãos <strong>de</strong> bem.<br />
“Mas, por incrível que pareça, pelo menos conseguiu chegar on<strong>de</strong> ninguém<br />
jamais esteve.”<br />
“Agora que tem a oportunida<strong>de</strong>, veja lá se consegue fazer as coisas direito<br />
e concertar o que fez <strong>de</strong> errado.”<br />
O significado daquelas palavras parecia meio complicado para Alex<br />
Randall.<br />
Este ficava imaginando se havia alí alguma pegadinha ou coisa <strong>de</strong> gênio.<br />
230
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
ser...<br />
Olhava aquelas bolhas flutuando e tentava enten<strong>de</strong>r o que elas po<strong>de</strong>riam<br />
Elas se expandiam e contraíam como se respirassem.<br />
No seu interior, por alguns momentos se iluminavam e, <strong>de</strong>pois esta luz se<br />
fragmentava em inúmeros pontos luminosos que se movimentavam do centro da<br />
esfera para sua extremida<strong>de</strong>. Logo a seguir, então, o ciclo recomeçava...<br />
-Perdoe minha ignorância, mas o que são todas essas bolhas?<br />
-Devia saber porquê já foi explicado.<br />
Ela <strong>de</strong>u uma soprada na no seu arame e uma nova bolha saiu flutuando<br />
pelo ar...<br />
-Este aqui é o universo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> você veio. Em instantes, ele vai nascer.<br />
Alex Randall <strong>de</strong>-repente diminuiu <strong>de</strong> tamanho e foi atraído para o interior<br />
daquela esfera negra.<br />
Lá <strong>de</strong>ntro, tudo estava escuro.<br />
Nada se via.<br />
Alex Randall não sentia seu corpo, mas sabia que estava vivo.<br />
Pensava, logo existia.<br />
***<br />
Dentro <strong>de</strong> sua cabeça, ouviu a voz da MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />
COISAS...<br />
-Seu universo está a alguns momentos <strong>de</strong> nascer. Já te mostrei este evento<br />
antes...<br />
Materializou-se então, naquele ambiente escuro, silencioso e tenebroso,<br />
um anel prateado.<br />
Era outra nave espacial.<br />
Mais um viajante do tempo chegara ao momento do início do Universo.<br />
A nave <strong>de</strong>stes não era tão gran<strong>de</strong> quanto o Viajante das Estrelas.<br />
Do seu interior emanava uma pergunta que parecia ser compreendida em<br />
qualquer idioma:<br />
-O CRIADOR EXISTE OU É TUDO OBRA DO ACASO?<br />
Tal questionamento certamente era feito por alguém com po<strong>de</strong>rosos dons<br />
<strong>de</strong> projeção <strong>de</strong> pensamentos já que Alex Randall mesmo não sendo telepata,<br />
pô<strong>de</strong> percebê-lo.<br />
Na mente <strong>de</strong>ste, nova manifestação, era MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />
COISAS:<br />
231
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-São viajantes do tempo como você, um <strong>de</strong>les, inclusive é da Terra e até já<br />
te encontrou anteriormente; é o Moreira!<br />
-Um dos seus seguidores...<br />
-É, mas, para ele esta conversa que você teve com ele ainda não<br />
aconteceu.<br />
Veio então um estranho som:<br />
-AUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...<br />
Parecia sair do interior <strong>de</strong> cavernas.<br />
Era a voz da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, diferente. Estava<br />
ensur<strong>de</strong>cedora e fazia tremer até mesmo aquele negrume ainda sem vida.<br />
-VOCÊS NÃO PERTENCEM A ESSE LUGAR.<br />
O tal ser que projetava seus pensamentos a partir daquela nave silenciouse.<br />
A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS entretanto, continuou se<br />
manifestando.<br />
-NENNHUM INDIVÍDUO OU RAÇA É OU SERÁ CAPAZ DE<br />
COMPREENDER-ME NA TOTALIDADE.<br />
FUTURAMENTE ME MANIFESTAREI ATRAVÉS DE MUITOS<br />
INDIVÍDUOS EM DIVERSAS ÉPOCAS E LUGARES.<br />
AGORA VÃO! VOCÊS NÃO PERTENCEM A ESTE MOMENTO!<br />
ESSA ÉPOCA FICARÁ INCACESSÍVEL PARA VOCÊS E OUTROS QUE<br />
AQUI DECIDIREM VOLTAR.<br />
A nave em forma <strong>de</strong> anel sumiu <strong>de</strong> volta para o futuro e, instantes <strong>de</strong>pois o<br />
pequeno ponto <strong>de</strong> luz que mesmo não tendo mais tamanho que uma ponta <strong>de</strong><br />
polegar, emanava luminosida<strong>de</strong> fora do comum.<br />
Então explodiu.<br />
E o vazio começou a se encher.<br />
Alex Randall <strong>de</strong>spertou e, a primeira coisa que viu foi o pequeno ponto<br />
luminoso.<br />
***<br />
Estava na central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas, e este, por sua vez,<br />
se encontrava a poucos instantes da ocorrência do BIG BANG.<br />
Não podia permanecer por mais tempo alí.<br />
Logo, forças in<strong>de</strong>scritíveis seriam liberadas e, se a astronave ainda<br />
permanecesse nas proximida<strong>de</strong>s, certamente seria <strong>de</strong>struída.<br />
Sem bem olhar direito ajustou o <strong>de</strong>stino da máquina do tempo para<br />
232
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
qualquer lugar no futuro que o afastasse daquele perigo iminente.<br />
Apertou a tecla ENTER do teclado luminoso projetado a partir da poltrona<br />
on<strong>de</strong> estava sentado e, logo em seguida, a viagem começou.<br />
Sua jornada avançou vários bilhões <strong>de</strong> anos até alcançar o <strong>de</strong>stino<br />
programado.<br />
O funcionamento da máquina do tempo colocou nosso herói inconsciente, o<br />
que obrigou o Cérebro Computadorizado a aguardar o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> Alex Randall<br />
para nova tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões.<br />
***<br />
233
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL N. 25 DE ALEX RANDALL<br />
Acordou e viu-se sentado na poltrona da central <strong>de</strong> comando.<br />
Diante <strong>de</strong> si estava a projeção tridimensional da imagem com a Terra em<br />
primeiro plano, a Lua ao fundo e, lá longe distante, um pequeno ponto brilhante e<br />
<strong>de</strong> brilho ofuscante: o sol.<br />
Não era a imagem <strong>de</strong> um planeta carcomido pelas guerras e <strong>de</strong>vastado por<br />
<strong>de</strong>sequilíbrios da matureza.<br />
O azul dos mares era brilhante e <strong>de</strong>finido não havendo nuvens <strong>de</strong> poluição<br />
<strong>de</strong> espécie alguma.<br />
Até a camada <strong>de</strong> ozônio ainda estava intacta.<br />
No fim das contas, Alex Randall voltou no tempo.<br />
Um dos objetivos foi conseguido: , alcançar uma época on<strong>de</strong> a humanida<strong>de</strong><br />
não tivesse sido <strong>de</strong>struída.<br />
A análise da posição dos astros indicou que a data estimada on<strong>de</strong> se<br />
encontrava era próxima a 1600 d.C.<br />
-Precisamos avançar muito ainda...- Reclamou.<br />
Para esta insatisfação <strong>de</strong> Alex Randall, a resposta do cérebro<br />
computadorizado foi:<br />
-No momento se fará necessária uma parada para revisão geral. As longas<br />
viagens pelo tempo que realizamos fizeram alguns equipamentos se <strong>de</strong>sgastarem.<br />
Reparos terão <strong>de</strong> ser feitos.<br />
-Tudo bem! Proceda com os consertos. Eu aguardarei!<br />
Não se importaria em per<strong>de</strong>r alguns instantes se tinha uma máquina do<br />
tempo à disposição.<br />
Porém, a ansieda<strong>de</strong> em logo resolver os problemas e corrigir seus erros,<br />
atormentava Alex Randall.<br />
Ansioso por contato com humanos e com a Terra, resolveu matar as<br />
sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> casa mesmo estando em época completamente distinta daquela em<br />
que pertencia.<br />
Numa das poltronas voadoras, seguiu para a Terra <strong>de</strong>ixando a astronave<br />
em órbita.<br />
A esfera transparente em cujo interior Alex Randall ia confortavelmente<br />
sentado logo avançou para o interior das camadas mais externas da atmosfera e<br />
<strong>de</strong>sceu até a superfície do planeta.<br />
Nesta época, procurou o continente europeu como <strong>de</strong>stino, para um breve<br />
passeio turístico.<br />
234
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Como chegou no verão, uma boa dica era se refrescar e tirar o mofo era<br />
visitar as praias espanholas.<br />
Sobrevoando as maravilhosas paisagens da península Ibérica,<br />
surpreen<strong>de</strong>u-se com um moinho <strong>de</strong> vento cujas pás pareciam emitir uma estranha<br />
fluorescência ver<strong>de</strong>.<br />
A curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alex Randall aumentou com essa construção que<br />
incrivelmente se situava à beira <strong>de</strong> um abismo, e ainda porquê, a luminosida<strong>de</strong><br />
que ela irradiava não era característica dos aparatos tecnológicos disponíveis<br />
nessa época.<br />
Assim que se aproximou, um acontecimento extraordinário se suce<strong>de</strong>u.<br />
O referido moinho transformou-se num monstro gigantesco muito parecida<br />
com as agressivas árvore que se movimentavam <strong>de</strong> Antares IV.<br />
Um dos grossos galhos acertou com um rápido movimento a poltrona<br />
protegida pela esfera transparente.<br />
O brilho que indicava o funcionamento do escudo invisível se apagou e a<br />
poltrona caiu no chão espatifando-se inteira.<br />
Alex Randall não sofreu ferimento algum já que, o sistema <strong>de</strong> almofadas<br />
infláveis amorteceu a queda e evitou estragos não só nele como no equipamento.<br />
Nem bem recobrou-se da queda e o infeliz aci<strong>de</strong>ntado já teve <strong>de</strong> lidar com<br />
outro problema: o tal monstro-árvore novamente se metamorfoseou ficando então<br />
com a aparência <strong>de</strong> um homem.<br />
Não era um sujeito comum.<br />
Bastante alto e forte, com uma só mão e, num único movimento, arrancou o<br />
cinto <strong>de</strong> segurança que prendia Alex Randall à sua poltrona e com a outra que<br />
estava livre o suspen<strong>de</strong>u no ar.<br />
-Bem vindo <strong>de</strong> volta à Terra, Alex Randall.<br />
Dizendo isso, o tal sujeito jogou no chão o assustado protagonista <strong>de</strong>stas<br />
linhas como se este fosse um simples saco <strong>de</strong> batatas.<br />
Em seguida <strong>de</strong>u-lhe chutes e socos, mesmo estando totalmente aturdido e<br />
in<strong>de</strong>feso.<br />
-Antes <strong>de</strong> morrer é bom que saiba quem vai te matar. Eu sou NIMAX<br />
Alex Randall nunca havia ouvido aquele nome antes. Sequer imaginava<br />
porquê o sujeito queria acabar com ele.<br />
-Não fique confuso. Domino po<strong>de</strong>rosas forças <strong>de</strong> feitiçaria e magia negra<br />
que sua tecnologia ainda é incapaz <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r. Inclusive a telepatia. Você já<br />
encontrou outros da minha espécie. Os Soigrés...<br />
NIMAX continuava batendo e falando sem per<strong>de</strong>r o fôlego.<br />
-Somos muito po<strong>de</strong>rosos, mas eu, sou o maioral entre eles. Por isso, e pela<br />
235
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
inveja que tanto po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>spertou neles, fui banido da irmanda<strong>de</strong> dos Soigrés e<br />
<strong>de</strong>ixado sem po<strong>de</strong>res aqui na Terra.<br />
“Mesmo humano, recuperei parte <strong>de</strong> meus po<strong>de</strong>res estudando a magia<br />
negra. Agora, estou a caminho <strong>de</strong> voltar a ser como era antes e, talvez conseguir<br />
muito mais...”<br />
Para sorte <strong>de</strong> Alex Randall, seu agressor era daqueles que quando tem a<br />
vítima sob controle, gostam <strong>de</strong> proferir longos discursos explanando<br />
<strong>de</strong>talhadamente os motivos que o levaram a cometer tamanha vilania.<br />
-Tenho ambições maiores que a <strong>de</strong> ser apenas um po<strong>de</strong>roso feiticeiro...<br />
E continuava batendo...<br />
-Desta época, com minha bola <strong>de</strong> cristal que tudo vê, acompanhei não só<br />
suas viagens pelo espaço bem como também os acontecimentos <strong>de</strong>ste e <strong>de</strong><br />
outros universos.<br />
NIMAX não perdia energia e continuava sentando porrada...<br />
-E aqui até abro um parenteses para dizer que suas aventuras são muito<br />
toscas, paradas, incapazes <strong>de</strong> arrancar sequer algumas risadas...<br />
NIMAX ergueu-o Alex Randall no ar e jogou-o <strong>de</strong> volta para o chão com<br />
bastante violência, piorando ainda mais, o sofrimento do pobre coitado.<br />
-Vou acabar com você e tomar para mim o Viajante das Estrelas. Com ele<br />
irei até o início dos tempos e enfrentarei a MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />
COISAS. Depois <strong>de</strong> vencê-la, vou possuí-la e serei dono <strong>de</strong>ste e <strong>de</strong> outros<br />
universos.<br />
Com seus discursos grandiloqüentes, o feiticeiro aproveitava a<br />
oportunida<strong>de</strong> e ia torturando ainda mais o infeliz Alex Randall...<br />
-Então <strong>de</strong>ixarei <strong>de</strong> ser mortal e me tornarei Deus! Deus! Ninguém me<br />
superará nunca! Vou ser o dono <strong>de</strong> tudo.<br />
-Herege! Biltre! Poltrão!<br />
Aquele súbito palavrório surpreen<strong>de</strong>u NIMAX que não parava até o<br />
momento <strong>de</strong> se regozijar com seus futuros projetos...<br />
-O maldito cavaleiro.- Praguejou o feiticeiro com pura raiva. – Também este<br />
não consigo iludir com meus disfarces <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>iros ou moinhos.<br />
O dito cavaleiro avançou a todo galope na direção <strong>de</strong> NIMAX e este já se<br />
preparava para conjurar algum perigoso encanto quando o esquálido cavalo<br />
tropeçou levando sua montaria para o chão.<br />
O feiticeiro que diante <strong>de</strong> tal situação nem <strong>de</strong>fesa precisaria fazer, acabou<br />
dando um passo em falso para trás, quando foi se distanciar do seu <strong>de</strong>sastrado<br />
atacante, e, sem querer, acabou caindo num penhasco que havia atrás <strong>de</strong> si.<br />
Não teve sequer tempo <strong>de</strong> invocar qualquer encanto que o livrasse <strong>de</strong> tal<br />
236
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
apuro já que, durante a queda, a primeira batida lhe quebrou o pescoço tirando-lhe<br />
instantaneamente a vida, privando-o assim da concretização <strong>de</strong> seus grandiosos<br />
projetos.<br />
O tal cavaleiro erguia-se meio acabrunhado do chão e ajudou seu cavalo<br />
também a se restabelecer.<br />
Era um homem magro, esquelético, já com ida<strong>de</strong> avançada para a prática<br />
<strong>de</strong> combates. Ainda mais, contra um sujeito po<strong>de</strong>roso como NIMAX que, quando<br />
vivo, era muito maior e mais forte que ele.<br />
-Sempre falei que esse sujeito era perigoso. – Disse. – Mas acham que sou<br />
louco.<br />
Alex Randall ergueu-se com o corpo todo dolorido, cheio <strong>de</strong> cortes,<br />
manchas e arranhões.<br />
Cuspiu alguns <strong>de</strong>ntes ensangüentados e agra<strong>de</strong>ceu o seu salvador<br />
esten<strong>de</strong>ndo-lhe a mão.<br />
Cumprimentaram-se.<br />
-Bem ou mal, o senhor acaba <strong>de</strong> salvar não só a minha vida, mas, talvez<br />
tenha livrado o universo <strong>de</strong> um tipo realmente perigoso.<br />
-Salvar e servir o mundo, é obrigação daqueles como eu, que seguem e<br />
louvam o Código <strong>de</strong> Condutas da Cavalaria.<br />
“Luto pelos fracos, pela justiça e proclamo o meu amor pela musa que me<br />
inspira às andanças e aventuras pelo mundo.”<br />
Por isso, minhas <strong>de</strong>savenças com este bruxo eram antiga e pouco<br />
conhecidas.”.<br />
“Agora foi finalmente feito o ajuste <strong>de</strong> contas.”<br />
Aproximou-se então da dupla um terceiro homem.<br />
Este, montado num asno <strong>de</strong> aparência cansada e esfomeada.<br />
O homem, meio gordo e baixote, aproximou-se do cavaleiro com o aparente<br />
intuito <strong>de</strong> prestar-lhe alguma ajuda:<br />
-O senhor está bem?<br />
-Não preciso <strong>de</strong> ajuda. Já, este pobre infeliz, necessita curativo. Veja lá no<br />
que po<strong>de</strong> ajudá-lo.<br />
O homem, na maior das boas intenções, sacou um cantil que carregava e<br />
molhou um pano velho que carregava no bolso <strong>de</strong> trás da calça, indo a seguir,<br />
passar nos ferimentos <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Diante da imundície do pano, nosso herói gentilmente se recusou..<br />
Preferia aguardar a chegada <strong>de</strong> alguns robôs enfermeiros a passar nos<br />
seus machucados qualquer coisa <strong>de</strong> procedência <strong>de</strong>sconhecida.<br />
-Muito obrigado, não é necessário. - Agra<strong>de</strong>ceu Alex Randall, ao que, em<br />
237
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
seguida, inventou uma <strong>de</strong>sculpa. - Minha fé em Deus irá me curar.<br />
O cavalheiro e o homem estranharam a recusa no atendimento, afinal, alí<br />
pelas imediações não havia mais ninguém apto a ajudar.<br />
-Mas o senhor precisa...<br />
-Não se preocupem. Este senhor, - disse Alex Randall apontando para o<br />
magro cavalheiro que a essas alturas já montava novamente seu raquítico cavalo,<br />
- já fez muito pelo universo ao livrá-lo <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> problema.<br />
“Quanto a mim, o simples fato <strong>de</strong>le ter me salvo a vida já é uma gran<strong>de</strong><br />
honra.”<br />
Sem enten<strong>de</strong>r o porquê <strong>de</strong> todos aqueles elogios, o baixote aproximou-se<br />
da orelha <strong>de</strong> seu asno e murmurou:<br />
-Já não basta um acreditando que é herói, e agora, me aparece outro<br />
confirmando as maluquices do primeiro. O negócio é <strong>de</strong>ixar estes loucos com suas<br />
manias e ver no que vai dar..<br />
O cavalheiro se aproximou do homem dizendo:<br />
-Chega <strong>de</strong> cochichar besteiras na orelha <strong>de</strong>ste pobre animal. Vamos seguir<br />
caminho, e realizar mais boas ações, pois, o mundo está cheio <strong>de</strong> apuros a serem<br />
solucionados.<br />
O homenzinho montou seu animal e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se <strong>de</strong>spedir <strong>de</strong> Alex Randall<br />
seguiu o cavalheiro pela estradinha torta e esburacada que havia alí perto.<br />
-Quando estiver pela região da Mancha, - Gritou o cavalheiro lá <strong>de</strong> longe. -<br />
Procure-nos para que possamos recordar essa memorável luta.<br />
-Sem dúvida. - Concordou o nosso herói.<br />
Assim que os dois ficaram <strong>de</strong> costas, Alex Randall correu para a poltrona<br />
que durante todo o tempo estivera atrás <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> pedra longe das vistas do<br />
cavaleiro e do seu acompanhante.<br />
Religou-a, e, esta, apesar <strong>de</strong> ter se espatifado na queda, foi parcialmente<br />
remontada e voltou a funcionar satisfatoriamente.<br />
Sentou-se, <strong>de</strong>u um suspiro <strong>de</strong> alívio, acen<strong>de</strong>u o seu cachimbo, acionou<br />
alguns comandos e subiu rumo aos céus rapidamente e em silêncio.<br />
Lá longe, na estrada o homem que acompanhava o cavalheiro ouviu o<br />
suspiro <strong>de</strong> Alex Randall e lentamente virou-se para traz a fim <strong>de</strong> ver alguma coisa.<br />
Não enxergando nada ou ninguém, surpreen<strong>de</strong>u-se...<br />
-Mas...Ele sumiu!<br />
O cavalheiro <strong>de</strong> triste aparência e fraca compleição virou-se e disse:<br />
-Não se preocupe. Esse já foi salvo! Vamos seguir adiante pois ainda<br />
realizaremos proezas que no futuro inspirarão gran<strong>de</strong>s escritores e muitos tantos<br />
leitores.<br />
238
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-Ai ai... É cada uma que eu tenho que ouvir. - Cochichou o baixote na<br />
orelha do seu asno.<br />
***<br />
239
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
MEMORIAL FINAL DE ALEX RANDALL<br />
Seguiu para a central médica da astronave on<strong>de</strong> foi tratado e medicado.<br />
Lá mesmo, queria saber quando po<strong>de</strong>ria prosseguir a viagem pelo tempo.<br />
-Imediatamente! – Foi a resposta que obteve. – Mas temos um problema...<br />
-Problema?<br />
-O composto CY7, que é imprescindível para o funcionamento das<br />
máquinas do tempo está acabando. Ele é um dos poucos itens disponíveis que<br />
não po<strong>de</strong>m ser processados a bordo e, cuja durabilida<strong>de</strong> é limitada. Com o<br />
disponível em nossos estoques, só po<strong>de</strong>remos avançar uns 400 anos em direção<br />
ao futuro...<br />
-Caramba! Mas lembro que tínhamos um estoque respeitável...<br />
-Que foi quase todo consumido só em duas viagens. Na primeira, até o fim<br />
dos tempos e, em outra para o momento anterior ao nascimento do universo.<br />
Alex Randall acen<strong>de</strong>u o cachimbo, e sentiu os efeitos da erva queimada<br />
anestesiando a boca.<br />
-Vamos avançar em direção ao futuro no que for possível, <strong>de</strong>pois pensarei<br />
o que fazer. Não percamos tempo...<br />
Momentos <strong>de</strong>pois, o Viajante das Estrelas <strong>de</strong>sapareceu rumo ao futuro...<br />
***<br />
A sensação <strong>de</strong> ressaca típica dos “saltos temporais” não foi tão gran<strong>de</strong>.<br />
Voltou a si até mais disposto, <strong>de</strong>sta vez.<br />
A primeira coisa que ouviu do Cérebro Computadorizado foi:<br />
-Estamos no século XXI. O CY7 acabou<br />
Aquela data não resolvia nada para o objetivo que Alex queria alcançar.<br />
Agora, tinha que resolver o problema do combustível da máquina do tempo.<br />
-Quanto tempo vamos gastar por aqui?<br />
-De doze a vinte anos terrestres. O CY7 <strong>de</strong>verá ser extraído e processado<br />
em Marte. Há muito pela frente a ser feito.<br />
Alex Randall sabia da complexida<strong>de</strong> do trabalho a ser realizado..<br />
A parada era realmente inevitável.<br />
De qualquer forma, po<strong>de</strong>ria aproveitar a oportunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>scansar<br />
tomando sol em alguma praia, respirando ar puro e ainda sentindo uma briza no<br />
rosto ao fumar o tradicional cachimbo.<br />
Decidiu tirar férias na Terra enquanto aguardava o trabalho ser terminado.<br />
Preparou as bagagens que levaria em sua nova viagem e partiu.<br />
********<br />
240
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Mel já conhecia o final da história, o próprio Alex Randall havia lhe<br />
contado antes <strong>de</strong> se <strong>de</strong>pararem com o espetáculo sangrento no interior do<br />
manicômio.<br />
Para lê-la, restavam algumas poucas paginas.<br />
Deu uma passada naquelas linhas e verificou que seu conteúdo apenas<br />
<strong>de</strong>talhava as agruras sofridas pelo protagonista <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter perdido contato com<br />
a astronave que estava em Marte.<br />
Esfregou os olhos cansados <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> toda a leitura e verificou que as<br />
vistas já estavam embaçadas com o esforço realizado...<br />
Era uma história chata, mal escrita, enrolada e cheia <strong>de</strong> furos.<br />
Só um louco para ter tanta imaginação e escrever aquela porcaria.<br />
Talvez, o excesso <strong>de</strong> droga, que, segundo Alex Randall, ali era<br />
abundantemente aplicadas nos pacientes também ajudasse neste processo<br />
criativo.<br />
De qualquer forma relaxara um pouco...<br />
Na ca<strong>de</strong>ira, restaurou as forças do corpo e esqueceu momentaneamente a<br />
gritaria lá fora, que não terminava nunca.<br />
Os berros, urros além <strong>de</strong> outros sons bestiais estavam cada vez mais<br />
animalescos e apavorantes.<br />
Mel notou que os primeiros raios do sol já brindavam o novo dia que nascia.<br />
Porém, aqueles sons, não davam mostras <strong>de</strong> diminuir seu ímpeto.<br />
Diante <strong>de</strong> tanta barulheira, e até <strong>de</strong>vido um pouco, à leitura daquela ficçãocientífica,<br />
Mel finalmente acreditava que Alex Randall não estivesse envolvido<br />
naqueles crimes.<br />
Claro que, daí, a crer na remota possibilida<strong>de</strong>, daquelas besteiradas<br />
literárias, terem algum fundo <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, era pedir <strong>de</strong>mais.<br />
Para completar tão agradável e alegre sinfonia matinal, o dorminhoco <strong>de</strong><br />
plantão improvisava com os seus sons, peidos e roncos que, variavam <strong>de</strong> tom ao<br />
alternarem suas saídas ora pela boca, pelo nariz, ou ainda do interior do<br />
estômago mesmo.<br />
Era muito para Mel agüentar naquela manhã que prometia ser ensolarada.<br />
Levantou-se da poltrona e com um rápido movimento arrancou o cachimbo<br />
que, mesmo apagado, ainda estava preso aos <strong>de</strong>ntes da boca <strong>de</strong> Alex Randall e<br />
também complementava a barulheira emitindo assovios...<br />
O que aconteceu a seguir foi surpreen<strong>de</strong>nte...<br />
Alex Randall, mesmo com ida<strong>de</strong> avançada, acordou com um salto, e, num<br />
rápido e inesperado gesto, até então inimaginável para ser realizado por alguém<br />
241
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
como ele, tomou o cachimbo das mãos <strong>de</strong> Mel.<br />
-HEY! Esse aqui é meu!<br />
Ao que Mel apontou para o alto e disse sorrindo:<br />
-Que bom que acordou!! Sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem estes berros???<br />
-Não! Nunca os ouvi antes. – Respon<strong>de</strong>u Alex Randall esfregando a cara<br />
amassada pelo sono e pela ida<strong>de</strong>.<br />
Subitamente os gritos e berros aumentaram drasticamente <strong>de</strong> volume.<br />
O que quer que fosse a fonte da barulheira, estava logo além das portas.<br />
Então, alguma coisa as atingiu com força.<br />
Eram pancadas que, aumentaram <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> e potencia até que o<br />
arrombamento foi inevitável.<br />
Dois monstruosos gorilas, um negro e outro branco com quase três metros<br />
<strong>de</strong> altura cada um, a<strong>de</strong>ntraram o recinto e avançaram com gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> na<br />
direção dos únicos seres humanos presentes alí <strong>de</strong>ntro.<br />
um.<br />
***<br />
Eram assombrosas as garras e <strong>de</strong>ntes dos bichos.<br />
Super <strong>de</strong>senvolvidas e prateadas, po<strong>de</strong>riam fatiar <strong>de</strong> uma só vez, qualquer<br />
Mel, em meio àquela apavorante situação, sacou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas roupas<br />
<strong>de</strong> motociclista duas pistolas e encheu as cabeças daqueles gorilas <strong>de</strong> chumbo<br />
quente, ao que, estes imediatamente quedaram inertes com um sonoro estrondo.<br />
Observando tudo, Alex Randall se indagava onte teria guardado Mel<br />
aqueles dois pistolões tendo um corpinho tão miúdo.<br />
Não pô<strong>de</strong> centrar suas reflexões aí por mais tempo pois, Mel foi logo<br />
avisando:<br />
-Temos que sair daqui. Esse local não é mais seguro.<br />
E com certeza suas palavras eram cheias <strong>de</strong> razão.<br />
A gritaria ainda continuava.<br />
Pelas imediações haviam outras criaturas como aquela.<br />
-Siga-me! – Berrou Mel.<br />
Alex Randall não vacilou.<br />
Pegou os ca<strong>de</strong>rnos acen<strong>de</strong>u o cachimbo e obe<strong>de</strong>ceu.<br />
Saíram correndo da construção e <strong>de</strong>ram <strong>de</strong> cara com uma viatura da polícia<br />
que acabara <strong>de</strong> chegar.<br />
Era toda preta e parecia até um carro <strong>de</strong> corridas com sirenes.<br />
242
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
De seu interior, saíram dois tipos.<br />
Um <strong>de</strong>les, alto, <strong>de</strong> cabelo preto penteado e amarrado como um rabo <strong>de</strong><br />
cavalo. Vestia ainda um capote escuro além <strong>de</strong> carregar um fuzil das forças<br />
armadas.<br />
O segundo, mais baixo, com cabelo castanho claro, curto, ao estilo militar,<br />
vestia um capote bege e carregava uma espingarda calibre 12 <strong>de</strong> dois canos.<br />
outro:<br />
Logo os agentes também ouviram os berros monstruosos e um disse para o<br />
-Esses gritos <strong>de</strong>vem ser das tais feras que o comando avisou pelo rádio.<br />
Mel já chegou falando quase sem fôlego:<br />
-Gorilas com uns três metros <strong>de</strong> altura! Já matei dois, mas, acho que tem<br />
mais por aqui.<br />
O policial baixote logo confirmou para o outro:<br />
-Os autores da chamada estão aqui mesmo. Informam que dois gorilas já<br />
estão mortos.<br />
-Mas o comando falou sobre seis que escaparam da rinha das bestas...<br />
-O que está acontecendo? - Perguntou Mel.<br />
-Esses monstros são geneticamente modificados e criados com a finalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> lutar em combates cujas apostas alcançam valores altíssimos.<br />
O outro policial complementou a história:<br />
-Numa batida que realizamos, autuamos diversos figurões e flagramos<br />
várias lutas em andamento. Na confusão, alguns treinadores soltaram seis dos<br />
animais presentes no evento. Dois <strong>de</strong>les você já matou.<br />
Nem bem essas palavras foram ditas e, do meio das árvores saltaram três<br />
daquelas feras que avançaram furiosamente na direção do grupo.<br />
Só Alex Randall não fez nada, justamente, por não estar armado.<br />
Mel e os dois policiais sacaram suas armas e mandaram fogo naquelas<br />
bestas.<br />
Todas tombaram<br />
-Não acho seguro continuarmos aqui Max – Disse o policial baixinho.<br />
-Certo, Dredd! Vamos cair fora! Vocês! – Disse apontando par Mel e Alex<br />
Randall. – Entrem no carro<br />
Mal acabaram <strong>de</strong> entrar na viatura e ouviram:<br />
-Ei! Esperem por mim! Não me <strong>de</strong>ixem aqui!<br />
-Eo Zéca! – Disse Alex Randall – Não acredito que está vivo.<br />
-Vamos logo! Prá <strong>de</strong>ntro! - Berrou Max a plenos pulmões.<br />
-Não acredito! – Dizia Alex Randall para Zéca já no interior do veículo. –<br />
243
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Encontrei seus ca<strong>de</strong>rnos nas mãos <strong>de</strong> um cadáver e pensei que fosse você...<br />
-Era um crítico que resolveu dar uma lida nos meus textos. Disse que ia<br />
tocar fogo em tudo. Sem dúvida, mereceu o <strong>de</strong>stino que teve.<br />
A viatura arrancou com o motor urrando e levantou um poeirão atrás <strong>de</strong> si.<br />
Velozmente avançou pela estradinha que a apenas algumas poucas horas<br />
Mel e Alex Randall percorreram até chegar ao manicômio.<br />
Alcançaram então à rodovia on<strong>de</strong> Dredd estacionou logo ao lado dos<br />
<strong>de</strong>stroços da moto <strong>de</strong> Mel.<br />
-Será que aqueles bichos atacaram o dono <strong>de</strong>sta moto? – Indagou Dredd...<br />
-Não! - Respon<strong>de</strong>u Mel. – Essa moto é minha. Sofri um aci<strong>de</strong>nte e fui<br />
buscar ajuda. Por isso, acabei indo parar no manicômio.<br />
-Acho que daqui po<strong>de</strong>mos solicitar reforços para pren<strong>de</strong>r a última fera. O<br />
rádio pega bem.<br />
-Muito bom. – Concordou Dredd. – Ótima i<strong>de</strong>ia.<br />
-Será que eu podia <strong>de</strong>scer para dar uma mijada? – Indagou Alex Randall. –<br />
Acor<strong>de</strong>i agora a pouco e ainda não fui ao banheiro.<br />
Todo mundo <strong>de</strong>sceu do carro.<br />
Alex Randall afastou-se do grupo e foi procurar, a alguma distancia dalí,<br />
um lugar tranquilo para se aliviar.<br />
E sem querer achou uma praia...<br />
Começou a urinar e percebeu que já estivera ali antes.<br />
Olhou mais atentamente e notou gran<strong>de</strong>s semelhanças com o local on<strong>de</strong><br />
teria muitos anos antes <strong>de</strong>ixado seu equipamento e a poltrona voadora.<br />
As cavernas não estavam mais submersas inclusive eram idênticas...<br />
***<br />
-Estamos precisando <strong>de</strong> reforços para caçar a última das feras que<br />
sobreviveu à fuga da rinha. Creio que dois helicópteros são suficientes.<br />
Enquanto Max aguardava a resposta do comando pelo radio, Dredd falava<br />
para Mel e Zéca:<br />
-Logo teremos aqui um batalhão <strong>de</strong> reforços e essa besta vai ser caçada<br />
até a morte.<br />
-Atenção!<br />
Era a resposta do comando via rádio...<br />
-Os reforços solicitados não irão até aí. Repito: os reforços solicitados não<br />
irão até aí.<br />
244
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
-O que está acontecendo? – Indagou Max preocupado...<br />
-Todas as unida<strong>de</strong>s estão ocupadas agora. Saiam já <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estão, pois,<br />
uma onda gigante vem vindo do oceano e vai invadir a costa em poucos minutos.<br />
Vocês estão numa área que está prestes a ser atingida por um TSUNAMI.<br />
***<br />
Aquela era a caverna. Alex Randall tinha certeza.<br />
Não tardou muito e encontrou no fundo <strong>de</strong>la, em local quase inacessível,<br />
seus equipamentos perdidos a décadas.<br />
Tudo foi arrastado para o fundo <strong>de</strong>la graças a força das águas que<br />
invadiram a caverna na ocasião.<br />
Sua poltrona estava semi-enterrada.<br />
Escavou bastante e com muito custo conseguiu <strong>de</strong>scobrir o braço <strong>de</strong>la on<strong>de</strong><br />
ficavam os instrumentos <strong>de</strong> controle principais.<br />
Deu uma limpada no painel e conseguiu por o equipamento para funcionar.<br />
Algumas luzes se acen<strong>de</strong>ram e Alex Randall disse:<br />
-Viajante das Estrelas. Responda! Aqui é Alex Randall! Po<strong>de</strong> me ouvir?<br />
-Viajante das Estrelas respon<strong>de</strong>ndo! Sua mensagem está chegando<br />
claramente. Resolveu encerrar o período <strong>de</strong> férias na Terra?<br />
-On<strong>de</strong> aquele velho maluco do espaço foi parar? – Berrou Mel.<br />
-Alex!<br />
-Alex!<br />
***<br />
-Alex Randall! Responda! Temos <strong>de</strong> ir embora!<br />
Todos chamavam por Alex Randall insistentemente.<br />
***<br />
Sentiu uma mordida aguda na perna logo acima da meia on<strong>de</strong> a pele<br />
estava <strong>de</strong>scoberta.<br />
Uma pequena cobra negra havia saído do monte <strong>de</strong> <strong>de</strong>tritos que Alex<br />
Randall tirara <strong>de</strong> cima da poltrona<br />
A dor era terrível.<br />
O painel com a caixa <strong>de</strong> primeiros socorros certamente <strong>de</strong>veria ter algum<br />
245
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
soro que combatesse os efeitos <strong>de</strong> eventuais venenos presentes na saliva<br />
daquela mordida, mas, ele estava coberto por mais <strong>de</strong>tritos e pedras.<br />
Sozinho, seria impossível retirar o equipamento salvador que precisava.<br />
Não dava para conseguir socorro alí, naquelas condições, jamais<br />
conseguiria tirar a poltrona ou o que quer que fosse dalí.<br />
Tinha <strong>de</strong> dar um jeito <strong>de</strong> se salvar até a chegada do Viajante das Estrelas.<br />
Apareceu então Alex Randall meio trôpego e nada bem.<br />
***<br />
Todos logo perceberam que algo <strong>de</strong> muito errado havia acontecido com ele<br />
e correram para ajudar.<br />
vez...<br />
-Mordida <strong>de</strong> cobra. – Ele balbuciava. – Mordida <strong>de</strong> cobra...<br />
Iam colocá-lo no interior da viatura quando <strong>de</strong>-repente o céu escureceu <strong>de</strong><br />
Todos olharam para o alto e viram o que, à primeira vista parecia uma<br />
imensa pare<strong>de</strong> metálica meio “embarrigada” para baixo cobrindo os céus.<br />
Em sua superfície se viam diversos pontos brilhantes e imensas janelas<br />
feitas <strong>de</strong> um material tão transparente quanto o vidro que mostravam as estruturas<br />
e edificações existentes no seu interior.<br />
Uma comporta se abriu no meio <strong>de</strong> uma parte da superfície metálica da<br />
astronave e, <strong>de</strong>sta, saíram diversas esferas metálicas e brilhantes que<br />
rapidamente se aproximaram do grupo na estrada.<br />
Eram robôs .<br />
Um campo brilhante esférico envolveu a todos alí.<br />
Até mesmo o carro policial e as peças da moto <strong>de</strong>struída.<br />
Tudo <strong>de</strong>sapareceu em seguida.<br />
Até mesmo, o imenso objeto voador não i<strong>de</strong>ntificado.<br />
Momentos <strong>de</strong>pois, uma onda gigante encheu <strong>de</strong> água todo aquele lugar...<br />
***<br />
Enquanto subiam rumo àquela coisa misteriosa, mesmo muito mal, Alex<br />
Randall tratou <strong>de</strong> tranqüilizar a todos.<br />
-Não se preocupem! É a minha astronave. Todos estão seguros agora!<br />
Falou e caiu inconsciente.<br />
Foram todos levados para um hangar da nave on<strong>de</strong> Alex foi já colocado em<br />
246
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
uma maca e medicado, e seguiu dalí para a central médica.<br />
Todos os <strong>de</strong>mais foram levados para um restaurante.<br />
Dredd tentou contato com o comando através do celular, mas um dos robôs<br />
lhe disse.<br />
-Seu telefone por enquanto não vai funcionar. Estamos fora do alcance dos<br />
celulares na planeta Terra.<br />
-Vocês estão seqüestrando a gente?<br />
-Não! Em absoluto. Se quiserem po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>ixados em qualquer ponto<br />
da superfície da Terra on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejarem.<br />
-Acho que não custa esperar e ver como Alex Randall vai ficar. Depois<br />
po<strong>de</strong>mos voltar. – Pon<strong>de</strong>rou Max.<br />
-Sem problemas!<br />
-Então vamos tomar o café da manhã. – Disse Zéca.- Estou com fome!<br />
Foi o que fizeram.<br />
***<br />
Algum tempo mais tar<strong>de</strong>, já satisfeitos com a refeição matinal, conheceram<br />
ainda o centro <strong>de</strong> visitações da astronave on<strong>de</strong> assistiram a uma apresentação<br />
tridimensional que mostrava em <strong>de</strong>talhes todos os compartimentos e<br />
equipamentos existentes a bordo do Viajante das Estrelas.<br />
Terminada a apresentação, foram até o parque do Viajante das Estrelas<br />
conhecerem as plantações alí cultivadas.<br />
Quando os visitantes já começavam a se indagar a respeito do para<strong>de</strong>iro <strong>de</strong><br />
Alex Randall, um robô <strong>de</strong> metal com formas humanói<strong>de</strong>s e gran<strong>de</strong>s olhos<br />
redondos vermelhos apareceu pilotando uma motocicleta idêntica à <strong>de</strong> Mel com<br />
um garoto <strong>de</strong> não mais que doze anos na garupa.<br />
Curiosamente, o menino fumava um cachimbo igual ao <strong>de</strong> Alex Randall.<br />
Tendo estacionado ao lado <strong>de</strong> Mel a motocicleta, o robô colocou-a no<br />
pézinho e virou-se para o garoto:<br />
-Algo mais que eu possa fazer, sr?<br />
-Não. Obrigado 2D2R. Por hora é só.<br />
O estranho e feio robô fez uma mesura e se retirou dalí.<br />
O menino fumante tirou a chaves do painel da motocicleta e as entregou<br />
para Mel.<br />
-Reconstruímos ela inteira, pusemos alguns acessórios e ainda lhe <strong>de</strong>mos<br />
alguns “toques” que a <strong>de</strong>ixaram melhor que o mo<strong>de</strong>lo original. Faça bom proveito.<br />
247
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Este mo<strong>de</strong>lo é um clássico.<br />
Em seguida, ele <strong>de</strong>sceu da moto.<br />
Todo mundo ficou besta! O garoto era muito parecido com Alex Randall.<br />
-Você é filho <strong>de</strong> Alex Randall? – Perguntou Mel ao menino.<br />
-Não! Eu sou Alex Randall.<br />
Ninguém enten<strong>de</strong>u nada, mas, logo veio a explicação.<br />
***<br />
-O veneno da cobra que me mor<strong>de</strong>u é muito po<strong>de</strong>roso. Mesmo ao antídotos<br />
disponíveis na central médica <strong>de</strong>sta astronave não foram capazes <strong>de</strong> me salvar.<br />
“Tomei então alguns goles <strong>de</strong> uma Água Purificadora que possui<br />
capacida<strong>de</strong>s curativas sobrenaturais. Além <strong>de</strong> limpar o meu organismo, ela me<br />
rejuvenesceu em décadas!”<br />
Aquela transformação era simplesmente inacreditável.<br />
O garoto fez um gesto e, alí mesmo naquele ambiente, foi projetada uma<br />
cena tridimensional on<strong>de</strong> aparecia o Alex Randall velho <strong>de</strong>itado na maca.<br />
Diversos robôs esféricos circulavam ao seu redor.<br />
Vários tubos estavam ligados no seu corpo.<br />
Um monte <strong>de</strong> aparelhos <strong>de</strong> todo tipo monitorava tudo o que lhe acontecia.<br />
O local da mordida foi mostrado em <strong>de</strong>talhes.<br />
Estava horripilantemente inchado.<br />
Os buracos da mordida feitos pelos <strong>de</strong>ntes da cobra soltavam gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pus.<br />
A pele e os tecidos musculares estavam pretos e pôdres.<br />
Tudo mostrava que aquele era um caso <strong>de</strong> amputação.<br />
Na cena, Alex Randall balbuciou alguma coisa:<br />
-A água purificadora...<br />
Um frasco transparente contendo água foi mostrado sendo levado até a<br />
enfermaria on<strong>de</strong> ocorria aquela cena.<br />
Ele foi aberto e seu conteúdo <strong>de</strong>spejado diretamente na ferida.<br />
Nas imagens que alí eram exibidas, Alex Randall ainda tomou alguns goles<br />
diretamente do frasco.<br />
Imediatamente ocorreram então incríveis transformações.<br />
Um brilho intenso envolveu o corpo <strong>de</strong> Alex Randll e este diminuiu <strong>de</strong><br />
tamanho ao mesmo tempo que ia rejuvenescendo.<br />
O local da ferida, aos poucos foi <strong>de</strong>saparecendo.<br />
248
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
No final daquele incrível processo, Alex Randall havia em poucos instantes<br />
se transformado <strong>de</strong> um velho numa criança e mais uma vez escapado das garras<br />
da morte.<br />
Em seguida, a primeira coisa que o garoto fez, foi pegar o seu cachimbo e<br />
começar a fumar.<br />
Em seguida, pegou o frasco transparente on<strong>de</strong> a água miraculosa estava e<br />
percebeu que o nível <strong>de</strong>la não havia se movido. Como que se nenhuma gota dalí<br />
tivesse sido usada.<br />
A cena tridimensional então se apagou e todos ficaram impressionados.<br />
-Uma imagem vale mais do que mil palavras, pessoal. Mesmo na época <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> venho, esse ditado ainda é muito válido. Imaginem o valor <strong>de</strong>ssa cena. -<br />
Comentou o jovem Alex Randall.<br />
Dredd, um dos policiais, então disse:<br />
-Olha! Acho melhor você nos <strong>de</strong>ixar em casa. Minha cabeça já não tá mais<br />
conseguindo enten<strong>de</strong>r tanta coisa fantástica. Isso, sem mencionar o fato <strong>de</strong> que<br />
vamos ter muito trabalho para explicar tudo o que aconteceu com a gente.<br />
-Isso, se acreditarem. - Emendou seu parceiro Max. - O melhor mesmo é<br />
ficar <strong>de</strong> boca fechada para não per<strong>de</strong>r o emprego.<br />
Os visitantes <strong>de</strong>cidiram então retornar à normalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas vidas<br />
naquele momento, até mesmo, para avisar as famílias <strong>de</strong> que não haviam sido<br />
vitimas dos estragos causados pela onda gigante.<br />
-Que vai fazer daqui por diante? – Perguntou Zéca ao se <strong>de</strong>spedir do seu<br />
biografado.<br />
-Quero voltar para o futuro e consertar tudo o que fiz <strong>de</strong> errado. Com a<br />
máquina do tempo pronta, não terei problemas em alcançar a época correta <strong>de</strong>sta<br />
vez...<br />
As <strong>de</strong>spedidas não se prolongaram muito. Foram até rápidas.<br />
Todos os visitantes foram teletransportados para um lugar seguro em terra.<br />
Ao olharem para o céu estrelado, ainda viram um ponto brilhar<br />
intensamente por alguns segundos, e então, <strong>de</strong>saparecer em seguida.<br />
Era o Viajante das Estrelas zarpando rumo ao infinito.<br />
Mel perguntou então para Zéca:<br />
-Preten<strong>de</strong> publicar seus textos? Acha que vai conseguir emplacar uma<br />
ficção científica em tempos <strong>de</strong> crise?<br />
-Ficção científica? Está <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira comigo? Se eu não for preso por<br />
mostrar a verda<strong>de</strong> para o povo, certamente ganharei um prêmio por revelar fatos<br />
que o governo insiste em escon<strong>de</strong>r.<br />
Mel achou melhor não discordar.<br />
249
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
O tal Zéca até que tinha razão. Talvez nem fosse totalmente louco.<br />
Depois que saiu dalí pilotando sua motocicleta, Mel evitaria comentar o<br />
assunto com outras pessoas, assim, não correria o risco <strong>de</strong> passar o resto da vida<br />
na prisão ou num manicômio.<br />
************<br />
***<br />
250
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
”MAKING OFF” <strong>de</strong> ”MEMORIAIS DE ALEX RANDALL”<br />
Antes <strong>de</strong> mais nada convém parabenizar à qualquer pessoa que bravamente<br />
tenha transposto as páginas <strong>de</strong>sta obra até chegar a suas <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras linhas.<br />
Esse é um feito heróico conseguido por poucos já que, certamente, muitos terão<br />
<strong>de</strong>sistido <strong>de</strong> tão penosa leitura para <strong>de</strong>dicar-se a mais úteis afazeres.<br />
Para os finalistas, <strong>de</strong>ixo aqui uma saudação, o sincero agra<strong>de</strong>cimento em<br />
reconhecimento a tanto esforço e as últimas linhas com um pequeno relatório a<br />
respeito do trabalho.<br />
Os primeiros esboços não traçados <strong>de</strong>sta obra nasceram do um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> criar<br />
um herói aventureiro do espaço.<br />
Cresci lendo muita literatura fantástica e, para mim, nada mais natural do que ser<br />
um escritor <strong>de</strong> ficção científica ou <strong>de</strong>senhista <strong>de</strong> histórias em quadrinhos.<br />
Com tais objetivos em mente, morando num país que mal sabe ler ou investe na<br />
cultura, e menos ainda, num gênero consumido por poucos, só pu<strong>de</strong> acabar<br />
dando com os burros n’água no que se trata <strong>de</strong> ficar podre <strong>de</strong> rico.<br />
Mesmo <strong>de</strong>siludido com o fim do sonho, na medida do possível, continuei<br />
escrevendo e <strong>de</strong>senhando.<br />
As histórias <strong>de</strong> Alex Randall começam quando eu tinha 23 anos.<br />
Sua primeira aparição se <strong>de</strong>u como personagem secundário numa outra história.<br />
Depois <strong>de</strong> algum tempo, acabei engavetando tudo.<br />
O tempo foi passando, idéias iam e vinham, mas as exigências do dia a dia<br />
acabavam impedindo a retomada <strong>de</strong> projetos que não ren<strong>de</strong>ssem algum dinheiro.<br />
Ainda assim, continuava lá escrevendo uma e outra histórinha fantástica ou<br />
<strong>de</strong>senhando quadrinhos até para aliviar um pouco do stress.<br />
Certo momento, percebi que, quase tudo que escrevi antes, teria <strong>de</strong> ser<br />
reformulado.<br />
.<br />
Para tanto, passei por algumas modificações no que se refere à forma <strong>de</strong><br />
251
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />
Fernando ZÉCA Troitiño<br />
escrever.<br />
A paciência e as constantes revisões ajudam um pouco. A informática também.<br />
Para mim, é uma criação marcante não só pelo tamanho mas também porquê no<br />
<strong>de</strong>correr do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>la, ocorreu a morte <strong>de</strong> uma das suas musas<br />
inspiradoras: a minha irmã Alessandra.<br />
Antes <strong>de</strong>sse triste fato, em 1988, ano em que ela completou <strong>de</strong>zoito anos, fiz o<br />
segundo conto da primeira versão dos relatórios <strong>de</strong> Alex Randall <strong>de</strong>dicado para<br />
ela.<br />
Em 2004, no final do mês <strong>de</strong> março, ela foi tragicamente assassinada <strong>de</strong>ntro da<br />
própria casa on<strong>de</strong> morava, e infelizmente, não esta viva para ver o fim da obra<br />
que <strong>de</strong> maneira indireta <strong>de</strong>ixou sua marca.<br />
Finalizo concluindo que a ficção científica talvez no nosso querido Brasil ainda não<br />
seja um caminho fácil e seguro para se ganhar dinheiro, mas com certeza, em<br />
qualquer parte do universo serve como meio <strong>de</strong> alívio das tensões e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sligamento dos problemas do dia a dia.<br />
quinta-feira, 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005<br />
2:07hs<br />
P.S – Vale aqui lembrar que a primeira história <strong>de</strong> Alex Randall foi muito<br />
provavelmente escrita num domingo, pois, à época da criação <strong>de</strong>ste personagem,<br />
eram aos fins <strong>de</strong> semana que eu tinha tempo para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>senvolver projetos<br />
malucos.<br />
Também não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lembrar que a primeira digitação final <strong>de</strong>sta obra se<br />
encerrou num domingo à noite pouco após o meu po<strong>de</strong>roso TIMÃO vencer um<br />
clássico do campeonato brasileiro contra os nossos maiores arqui-rivais paulistas<br />
no futebol. É um bom sinal e um fechamento com chave <strong>de</strong> ouro!<br />
Domingo 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005<br />
20:00hs.<br />
P.S(2)- O texto que se segue complementa o anterior.<br />
***<br />
Foi realizado após a revisão <strong>de</strong>ste trabalho que se findou na data abaixo.<br />
Ela foi feita com o intuito <strong>de</strong> eliminar alguns buracos e baboseiras do<br />
original dando maior agilida<strong>de</strong> à sua leitura.<br />
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Fernando ZÉCA Troitiño<br />
Aparentemente, se mostrou bem sucedida já que eliminou mais <strong>de</strong> 10% do<br />
texto anterior sem alterar o conteúdo do trabalho.<br />
Tamanho preciosismo visou oferecer melhor qualida<strong>de</strong> à uma obra que<br />
preten<strong>de</strong> aliviar o leitor dos problemas cotidianos.<br />
Entre os <strong>de</strong>ste autor, além das <strong>de</strong>cepções com a administração pública que<br />
o governo dá ao país, tem ainda que suportar o seu timão do coração passando<br />
por maus momentos no futebol, incluindo quase um ano sem vitórias em clássicos<br />
e uma <strong>de</strong>rrota para o seu maior rival que ocorreu no começo <strong>de</strong>ste mês.<br />
São as reviravoltas que o mundo futebolístico dá constantemente. Para o<br />
bem ou para o mal.<br />
Quero finalmente <strong>de</strong>dicar todos os Relatórios <strong>de</strong> Alex Randall ao meu pai,<br />
D. PEPE que, também é um apreciador <strong>de</strong> Ficção Científica.<br />
Certamente, sem ele, estas linhas não teriam sido escritas.<br />
Quinta Feira, 15 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 2007<br />
22:34hs<br />
***<br />
P.S.(3)-Aqui com estas linhas finalizo os MEMORIAIS DE ALEX RANDALL<br />
<strong>de</strong>finitivamente.<br />
Esta foi a última revisão pelo qual o texto passou, tendo em vistas,<br />
justamente melhorar alguns pontos que não foram acertados na outra anterior e<br />
também, colocar <strong>de</strong> forma mais lógica fatos cronológicos da história do herói.<br />
Comparativamente aos Relatórios <strong>de</strong> Alex Randall o texto sofreu muitas<br />
mudanças, incluindo o próprio nome, que, anteriormente se chamavam<br />
RELATÓRIOS DE ALEX RANDALL, mas que, com a nova mudança, se a<strong>de</strong>qua<br />
melhor aos objetivos pretendidos pelo humil<strong>de</strong> autor <strong>de</strong>stas linhas.<br />
Do coração, espero ter melhorado o trabalho.<br />
Terça Feira, 27 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2009<br />
17:11hs<br />
253