17.04.2013 Views

memoriais de alex randall - WebMax

memoriais de alex randall - WebMax

memoriais de alex randall - WebMax

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Dedicado à meu pai, minha família<br />

e ao saudoso livre espírito <strong>de</strong><br />

Alessandra <strong>de</strong> Fátima Troitiño.<br />

***<br />

Texto não adaptado para às novas regras da Gramática.<br />

Contém porém, antigos e inéditos erros da Língua Portuguesa.<br />

Altamente recomendado para quem quer ensinar o que não se <strong>de</strong>ve fazer ao<br />

escrever<br />

***<br />

O mo<strong>de</strong>sto trabalho literário que se segue foi produzido para o divertimento<br />

do leitor.<br />

***<br />

Todos os personagens das linhas a seguir são fictícios. Qualquer<br />

semelhança com pessoas ou fatos na vida real, é mera coincidência.<br />

1<br />

***


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A queda foi inevitável.<br />

Nenhum motociclista, por melhor que fosse, conseguiria se safar <strong>de</strong>la.<br />

De madrugada, logo após uma curva em forma <strong>de</strong> cotovelo, que não<br />

permitia a qualquer condutor visibilida<strong>de</strong> para o que quer que estivesse além <strong>de</strong>la,<br />

havia bem no meio da pista um fumante apreciando o seu cachimbo enquanto<br />

olhava as estrelas.<br />

Tão compenetrado estava na sua observação que não se dava conta do<br />

perigo pelo qual passava alí naquela estada..<br />

Pior! Sequer se <strong>de</strong>u conta do barulho crescente <strong>de</strong> motor, indicando a veloz<br />

aproximação <strong>de</strong> algum veículo.<br />

Por outro lado, quem conduzia, logo tomou susto quando, <strong>de</strong>pois do<br />

referido “cotovelo cego”, <strong>de</strong>parou-se com o distraído pe<strong>de</strong>stre no meio do seu<br />

caminho.<br />

Tal susto, tomou-lhe um ou dois preciosos segundos que foram suficientes<br />

para que per<strong>de</strong>sse o ponto exato <strong>de</strong> frenagem mais a<strong>de</strong>quado para a velocida<strong>de</strong><br />

que se encontrava naquele local...<br />

Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais tentou improvisar, mas, ainda aí <strong>de</strong>u-se mal, já que, sua moto<br />

escapou do controle da situação e terminou por se espatifar numa pare<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pedra a beira da pista.<br />

Motociclista teve melhor <strong>de</strong>stino já que, apesar <strong>de</strong> arrastar a bunda e as<br />

costas pelo asfalto durante intermináveis metros, safou-se sem qualquer ferimento<br />

graças ao grosso couro do macacão que usava.<br />

O involuntário causador <strong>de</strong> toda aquela situação acordou do seu transe e<br />

correu para verificar a extensão dos danos.<br />

-Me <strong>de</strong>sculpe! - Já chegou falando.- Estava tão distraído que nem percebi<br />

a sua aproximação. Deve ser a ida<strong>de</strong>...<br />

-Certamente! Tem que ser um bocado surdo para não ouvir esse motor.<br />

Motociclista ficou <strong>de</strong> pé e olhou-se da sola do sapato ao último fio <strong>de</strong> cabelo<br />

a procura <strong>de</strong> ferimentos.<br />

Ao constatar que o prejuízo, além <strong>de</strong> financeiro, atingira somente o moral,<br />

caminhou em silêncio até os <strong>de</strong>stroços da sua motocicleta.<br />

Não precisava <strong>de</strong> perícia para constatar a perda total .<br />

Qualquer fanático por motos choraria vendo tamanho estrago.<br />

-Lamento o prejuízo. – Desculpou-se o fumante..- O importante é que você<br />

está bem.<br />

Motociclista tirou o capacete, as luvas e respirou profundamente.<br />

Apesar da sua aparente tranqüilida<strong>de</strong>, um turbilhão <strong>de</strong> emoções o<br />

2


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

atormentava.<br />

Alternava-se ora a sensação <strong>de</strong> alívio por ter miraculosamente escapado<br />

sem ferimento... Ora a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> matar o distraído causador do estrago.<br />

-É... Agora fica a encargo da seguradora. – Lamentou-se pensando no<br />

irrecuperável prejuízo que teve, já que, a moto era um mo<strong>de</strong>lo exclusivo <strong>de</strong><br />

coleção e ainda pela franquia milionária que teria <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembolsar.<br />

Sacou um celular do bolso e teve o <strong>de</strong>sprazer <strong>de</strong> constatar que este não<br />

funcionava.<br />

Desgraçadamente, o aparelho também fora danificado no tombo.<br />

Ainda assim, com esforço e muita vonta<strong>de</strong>, se recompôs controlando<br />

melhor suas emoções.<br />

Reavaliou então o momento, as priorida<strong>de</strong>s, e perguntou:<br />

-Po<strong>de</strong> me emprestar o seu telefone celular?<br />

-Não uso esse negócio não...<br />

Era realmente o fim do mundo mesmo!<br />

Com tantos milhões <strong>de</strong> celulares sendo diariamente vendidos pelo planeta,<br />

na hora que se precisa da ajuda <strong>de</strong> alguém, quem aparece é um dos poucos<br />

completamente <strong>de</strong>sconectados da realida<strong>de</strong>.<br />

Sem contar a pavimentação da estrada e as sinalizações disponíveis: além<br />

<strong>de</strong> telefones públicos, aquele local também não tinha pelas imediações nada que<br />

vagamente lembrasse a civilização.<br />

Apenas o <strong>de</strong>nso e escuro matagal ao redor...<br />

E, <strong>de</strong> acordo com o que se recordava do caminho anteriormente percorrido<br />

com a motocicleta, a situação por aquelas bandas não era diferente da que se<br />

encontrava no momento.<br />

-Olha, eu lamento pelo ocorrido. - Disse o distraído fumante. - Se pu<strong>de</strong>r<br />

ajudar, fico à sua disposição. - Esten<strong>de</strong>u a mão e se apresentou: - Meu nome é<br />

Alex Randall.<br />

Motociclista respirou fundo <strong>de</strong>monstrando serenida<strong>de</strong> e não recusou o<br />

cumprimento que lhe foi dirigido.<br />

-Sou Mel. Olha, eu preciso <strong>de</strong> ajuda para telefonar. - Esperando aqui nessa<br />

estrada tenho certeza que não conseguirei.<br />

-Não conheço a região, mas, <strong>de</strong> qualquer forma <strong>de</strong>vo concordar com você<br />

já que, numa madrugada como essa, os poucos motoristas que passam não<br />

param por <strong>de</strong>sconfiam <strong>de</strong> tudo.<br />

-E qual seria o lugar mais próximo daqui on<strong>de</strong> eu po<strong>de</strong>ria obter ajuda?<br />

Alex Randall fez uma careta e disse:<br />

-Mais próximo? Você está sem sorte. Porque, nas imediações mesmo...<br />

3


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Apontou para uma placa on<strong>de</strong> se lia:<br />

“MANICOMIO”<br />

-Mas só aí mesmo?<br />

-Que eu saiba, só. - Confirmou Alex Randall.<br />

Mel pensou:<br />

-Bom talvez eu não precise nem <strong>de</strong> entrar lá. Se este local tiver uma<br />

portaria, peço um celular emprestado para alguém que esteja por alí mesmo.<br />

-Você sabe chegar lá? - Perguntou em seguida.<br />

-Sei sim!<br />

-Po<strong>de</strong> ir comigo?<br />

Alex Randall mais uma vez fez uma careta e respon<strong>de</strong>u:<br />

-Olha...Com toda sincerida<strong>de</strong>...Eu estou justamente fugindo <strong>de</strong> lá.<br />

Mel engoliu em seco.<br />

Olhou para o caminho que teria <strong>de</strong> seguir. Era simplesmente pavoroso,<br />

ainda mais com a escuridão que estava.<br />

Nem com aquela lua clara dava para ver alguma coisa.<br />

-Fugindo <strong>de</strong> lá??? E preten<strong>de</strong> ir para on<strong>de</strong>??? E como é que eu fico <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>ssa que você me enfiou?<br />

Alex Randall olhou a direção que seguia rumo ao Manicômio, <strong>de</strong>pois para<br />

Mel e ainda os <strong>de</strong>stroços da motocicleta.<br />

Finalmente fez uma careta, suspirou fundo e disse:<br />

-Tudo bem! Eu te <strong>de</strong>vo essa. Vou te conseguir ajuda. Venha comigo. Na<br />

escuridão, siga a chama do meu cachimbo.<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u fortes tragadas inflamando a chama que ardia no fornilho.<br />

-Vamos em frente.<br />

Seguiu adiante e Mel foi logo atrás.<br />

***<br />

No meio daquela treva cegante Mel se indagava se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar por<br />

uma aventura só para usar um telefone ainda teria problemas com a seguradora.<br />

Será que ela tentaria inventar algum meio <strong>de</strong> não pagar o prejuízo que<br />

tivera?<br />

Teria <strong>de</strong> contratar um advogado só para redigir o pedido <strong>de</strong> ressarcimento<br />

<strong>de</strong> danos?<br />

Para quebrar o pessimismo dos problemas que pareciam se prenunciar no<br />

seu horizonte <strong>de</strong> eventos e o tédio da caminhada naquela escuridão, acabou<br />

4


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

<strong>de</strong>ixando escapar a inevitável a questão:<br />

-Desculpe a pergunta; mas: o que fazia lá no Manicômio?<br />

-Estava internado. Todo mundo lá acha que sou louco e gagá.<br />

-E eles estão enganados?<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u algumas vigorosas tragadas no seu cachimbo e<br />

respon<strong>de</strong>u com semblante sério:<br />

-Claro que sim! - Disse sorrindo. - Me <strong>de</strong>ram muitos remédios. Me<br />

pren<strong>de</strong>ram e tentaram me <strong>de</strong>ixar maluco, mas eu não estou louco e tenho até<br />

gran<strong>de</strong> resistência a estas drogas que me <strong>de</strong>ram. Po<strong>de</strong> acreditar!<br />

Mesmo assim, Mel tinha lá suas dúvidas quanto a sanida<strong>de</strong> daquele<br />

senhor <strong>de</strong> aparência ruim. O tipo era barbudo, cabeludo e mal cheiroso.<br />

Para não cansar suas vistas olhando para um senhor tão horroroso, Mel<br />

<strong>de</strong>sviava sua visão para cima.<br />

E eventualmente, no meio daquela escuridão, conseguia vislumbrar uma<br />

quantida<strong>de</strong> impressionante <strong>de</strong> estrelas no firmamento.<br />

Mel <strong>de</strong>ixou escapar o seguinte comentário...<br />

-A noite bonita. Bem estrelada<br />

- Me lembra até das viagens que eu fazia antes <strong>de</strong> vir parar aqui...<br />

-Ah é? E costumava ir para on<strong>de</strong>?<br />

-Não tinha <strong>de</strong>stino fixo. Ia para on<strong>de</strong> me <strong>de</strong>sse na telha.<br />

-E viajava como? De ônibus? Carona? Ou algum outro meio <strong>de</strong> transporte?<br />

-Eu viajava numa nave espacial em forma <strong>de</strong> esfera com cinqüenta e dois<br />

quilômetros <strong>de</strong> diâmetro, capaz <strong>de</strong> superar em milhões <strong>de</strong> vezes a velocida<strong>de</strong> da<br />

luz...<br />

Mel fez silêncio, era melhor não discordar do velhote.<br />

Depois daquela resposta não havia dúvida que o grau <strong>de</strong> sanida<strong>de</strong> do<br />

sujeito não <strong>de</strong>via ser muito bom mesmo.<br />

Certamente ele tava gagá.<br />

Em todo caso, para não contrariar um maluco possivelmente agressivo ou<br />

violento <strong>de</strong>u corda para a historinha...<br />

-Hoje em dia ainda não é muito comum se viajar em naves espaciais. Algo<br />

assim, se existir, só po<strong>de</strong> ser fabricado fora da Terra.... Por acaso, algum<br />

alienígena chegou a te capturar como nessas histórias que a gente escuta por<br />

aí ?<br />

-Tive muitos contatos com seres <strong>de</strong> outros mundos, mas, a nave que eu<br />

usava era baseada em tecnologia humana mesmo, só que não foi construída<br />

nessa época em que estamos agora.<br />

5


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-E em que época ela foi construída então?<br />

-Eu venho do futuro.<br />

Era dureza para Mel assimilar tanta abobrinha <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sua moto<br />

estourada por causa <strong>de</strong> um maluco distraído.<br />

Tentou mudar o assunto. Procurou outro mais próximo à realida<strong>de</strong>.<br />

-Caramba! Mas você fuma bastante, hein!<br />

-Eu sempre fumei. Mas agora fumo mais ainda porque me ajuda a<br />

recuperar a saú<strong>de</strong>. Sabe... Lá <strong>de</strong>ntro, me davam muitos remédios e este é um<br />

meio que sempre usei para limpar a cabeça <strong>de</strong> tanto veneno...<br />

-Mas você sofre <strong>de</strong> algum mal?<br />

-Que nada! Sou normal. Não sou doente nem louco. Po<strong>de</strong> acreditar.<br />

-E porquê te <strong>de</strong>ram remédios?<br />

-Para que eu não mentisse e contasse a localização da minha nave<br />

espacial...<br />

-Deve ser por isso que resolveram interna-lo. - Pensou Mel - Com essa<br />

cabeça, só po<strong>de</strong>ria ter futuro num hospício mesmo...<br />

Ainda assim, fez uma cara séria e perguntou:<br />

-E você informou para eles a localização <strong>de</strong> sua nave espacial?<br />

-Disse, mas não acreditaram. Expliquei que todo o equipamento que me<br />

permitia contato com ela, ficou submerso numa caverna cuja localização<br />

<strong>de</strong>sconheço. Pela localização das estrelas, acho que po<strong>de</strong> estar até mesmo aqui<br />

nas imediações.<br />

Mel procurou enxergar alguma coisa naquela escuridão que lhe <strong>de</strong>sse a<br />

mínima esperança <strong>de</strong> que iria encontrar salvação.<br />

Vã tentativa! A treva era tão <strong>de</strong>nsa que não conseguia distinguir nada além<br />

da chama do cachimbo.<br />

Para não tê-la como único ponto <strong>de</strong> referência na sua orientação pela<br />

escuridão, continuou dando trela para que Alex Randall continuasse falando.<br />

Mesmo que fosse aquela historinha que consi<strong>de</strong>rava uma ficçãozinha <strong>de</strong> vigésima<br />

quinta categoria.<br />

-Como aconteceu?<br />

-O quê?<br />

-De você per<strong>de</strong>r o seu equipamento.<br />

-É história meio longa. Começou com a falta <strong>de</strong> CY7, um componente<br />

essencial para o funcionamento das máquinas do tempo a bordo da minha<br />

astronave.<br />

“O CY7 só po<strong>de</strong> ser extraído e processado em Marte.”<br />

6


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

“Este não é um trabalho rápido <strong>de</strong> ser feito. Pelo contrário: sua obtenção é<br />

lenta e trabalhosa.”<br />

“A estimativa que o Cérebro Computadorizado me <strong>de</strong>u <strong>de</strong> conseguir a<br />

quantida<strong>de</strong> necessária para continuar a viagem pelo tempo foi <strong>de</strong> doze a vinte<br />

anos terrestres.”<br />

“Claro que, eu quis aproveitar o tempo para respirar um ar puro, tomar sol e<br />

fumar meu cachimbo.”<br />

“Nesse ínterim, enquanto os robôs da minha astronave trabalhariam<br />

automaticamente na resolução do problema, resolvi tirar férias aqui na Terra.”<br />

Fez uma pausa em sua narrativa e prosseguiu:<br />

-Achei que o clima tropical da América do Sul era o i<strong>de</strong>al para as minhas<br />

férias e <strong>de</strong>sci numa praia cheia <strong>de</strong> cavernas na suas encostas.<br />

“Numa <strong>de</strong>las, para não chamar a atenção, guar<strong>de</strong>i a poltrona voadora que<br />

juntamente com as roupas e os robôs <strong>de</strong> segurança eram os meios <strong>de</strong><br />

comunicação e transporte que permitiam contato com a minha astronave em<br />

Marte.”<br />

-Sei...<br />

-Casualmente, no mesmo dia dachegada aqui neste planeta, os dois robôs<br />

enguiçaram <strong>de</strong>vido a infiltração <strong>de</strong> areia e umida<strong>de</strong> por uma vedação estragada<br />

que causou problemas nos circuitos.<br />

“Em <strong>de</strong>corrência disso, tive <strong>de</strong> <strong>de</strong>sligá-los até quando fosse fazer uma<br />

limpeza completa nos mesmos.”<br />

“Guar<strong>de</strong>i tudo junto numa caverna e fui surfar. Quando estava em alto mar,<br />

passou uma onda gigante por mim que simplesmente avançou por sobre a praia<br />

on<strong>de</strong> estivera antes, submergindo tudo em seu caminho. Inclusive, as cavernas<br />

on<strong>de</strong> eu havia <strong>de</strong>ixado meus equipamentos.”<br />

“Era um Tsunami!”<br />

“Com as cavernas e os equipamentos <strong>de</strong> contato <strong>de</strong>saparecidos entre as<br />

águas, fiquei impossibilitado <strong>de</strong> estabelecer qualquer comunicação com minha<br />

astronave.”<br />

“O Cérebro Computadorizado <strong>de</strong>sta, por sua vez, enten<strong>de</strong>ndo que eu <strong>de</strong>via<br />

estar <strong>de</strong>sejoso por férias, <strong>de</strong>ixou-me à vonta<strong>de</strong> por aqui enquanto finalizava o<br />

complicado processo <strong>de</strong> fabricação a ser gerenciado em Marte.”<br />

Mesmo mais <strong>de</strong>scrente a cada momento, Mel procurava externar uma<br />

expressão <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong> para que o louco não se sentisse ofendido.<br />

-Não tem jeito nenhum <strong>de</strong> chamá-la <strong>de</strong> volta?<br />

-Só com meu equipamento. Sem ele, o Cérebro Computadorizado da<br />

astronave vai interpretar minha falta <strong>de</strong> chamados, como uma intenção <strong>de</strong><br />

7


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

prolongar o merecido <strong>de</strong>scanso que não tive.<br />

Ainda sem nenhum ponto <strong>de</strong> referência, a não ser a voz e a chama do<br />

cachimbo, Mel continuava estimulando Alex Randall a contar a sua historinha <strong>de</strong><br />

ficção...<br />

-Bom, e <strong>de</strong>pois? O que aconteceu?<br />

-Ah... Aquela situação já me <strong>de</strong>ixou chateado. Mas, pior fiquei mesmo<br />

quando percebi que nem o cachimbo ou o fumo conseguira salvar. Diante da<br />

constatação <strong>de</strong>ssa calamida<strong>de</strong> teve uma hora que acabei até <strong>de</strong>smaiando.<br />

“Mais tar<strong>de</strong>, entretanto, acor<strong>de</strong>i numa praia que, pela posição das estrelas<br />

talvez não seja longe daqui.”<br />

“Mas o meu <strong>de</strong>spertar naquela hora não foi muito feliz. Assim que abri os<br />

olhos, me vi cercado <strong>de</strong> militares perguntando a respeito da ca<strong>de</strong>ira voadora...”<br />

“Naturalmente eu fora avistado com uma das poltronas voadoras que<br />

eventualmente uso para transporte fora da astronave e até, em outras ativida<strong>de</strong>s.”<br />

“Naturalmente eles não foram muito amáveis comigo. Passei por diversos<br />

interrogatórios, alguns até, com o uso <strong>de</strong> injeções do soro da verda<strong>de</strong>.”<br />

“Minha história porém não mudou. Ela é idêntica à esta que te conto.”<br />

“Só que ninguém acreditou em mim.”<br />

“Mas, como o tempo passou, e, o que eu dizia nunca se alterava,<br />

começaram a achar que meu caso era <strong>de</strong> simples loucura, e então me enfiaram<br />

ainda mais nesse manicômio.”<br />

-Então era por isso que você queria fugir...<br />

-Sim, mas naquele momento do nosso <strong>de</strong>safortunado encontro eu estava<br />

mais preocupado em me localizar para chegar à praia on<strong>de</strong> meu equipamento<br />

ficou submerso do que propriamente fugir daqui...<br />

-Ah claro... Compreendo agora! Isso finalmente explica o péssimo lugar,<br />

exatamente no centro da pista, que você escolheu para ficar admirando a noite<br />

estrelada.<br />

De-repente a treva se dissipou e logo adiante, estava o tal manicômio.<br />

Agora, tudo o que Mel queria era apenas telefonar para ter todos os seus<br />

problemas finalmente resolvidos!<br />

O estilo arquitetônico daquele prédio não primava pela estética.<br />

***<br />

Ao contrário! Sua fachada sinistra se assemelhava a um verda<strong>de</strong>iro edifício<br />

dos horrores on<strong>de</strong> almas penadas eram encarceradas aguardando seu cruel<br />

<strong>de</strong>stino para um inferno qualquer.<br />

8


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Não haviam luzes acesas e o silêncio era ensur<strong>de</strong>cedor pois causava um<br />

tal medo que Mel sequer ousava revelar em seus movimentos mais singelos.<br />

Os gran<strong>de</strong>s portões <strong>de</strong> ferro da entrada estavam fechados.<br />

-Daqui nos separamos. - Disse Alex Randall. – Se a segurança colocar as<br />

mãos em mim, vai me enfiar numa cela novamente.<br />

-Ok! Obrigado!<br />

Apertaram-se as mãos. Alex Randall se embrenhou novamente na treva e<br />

Mel foi em direção à portaria.<br />

Diante da entrada abriu um dos portões e obteve como resposta um<br />

guincho indicando que as dobradiças precisavam <strong>de</strong> lubrificação.<br />

Mel observava tudo ao redor, seus sentidos estavam em total estado <strong>de</strong><br />

alerta.<br />

Lá <strong>de</strong>ntro tudo estava em silêncio e a portaria totalmente apagada.<br />

Andando um pouco mais naquele ambiente, sentiu forte cheiro <strong>de</strong> podre e<br />

ainda ouviu zumbido persistente.<br />

Caminhou alguns metros em direção ao balcão e, no tampo superior <strong>de</strong>ste,<br />

não viu nenhum telefone.<br />

Seguiu então para a parte <strong>de</strong> trás <strong>de</strong>le e o que encontrou simplesmente<br />

estarreceu Mel.<br />

No chão estava um cadáver com o ventre completamente estraçalhado,<br />

costelas e órgãos expostos como se tivesse passado pela mesa <strong>de</strong> um açougueiro<br />

iniciante.<br />

Ao seu redor, insetos faziam vôos acrobáticos disputando os restos mortais<br />

do cadáver.<br />

***<br />

O impacto causado por cena tão horrorosa era capaz <strong>de</strong> causar paralisia<br />

instantânea em pessoas mais sensíveis.<br />

Mel por exemplo, viu-se completamente sem ação, sabe se lá por quanto<br />

tempo, se minutos ou segundos.<br />

Pelo menos, quando se recobrou daquele susto, logo enxergou um<br />

telefone e procurou fazer bom uso <strong>de</strong>le.<br />

Não teve problemas com aquele aparelho e logo até, conseguiu contato<br />

com a central da polícia.<br />

Teve a sorte <strong>de</strong> encontrar o en<strong>de</strong>reço e outros dados daquele local por<br />

perto e, assim, transmitiu ao agente que lhe prestava atendimento, as<br />

informações necessárias a respeito da situação.<br />

9


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Recebeu uma mensagem tranqüilizadora e instruções <strong>de</strong> como proce<strong>de</strong>r.<br />

Infelizmente porém, a ajuda mesmo po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>morar pelo menos quarenta<br />

e cinco minutos...<br />

O lugar em que estava era distante e os policiais que lhe aten<strong>de</strong>ram<br />

insistiram para que ainda assim aguardasse a chegada <strong>de</strong>les.<br />

-Tem um cadáver na minha frente. – Disse Mel revelando muito <strong>de</strong>sconforto<br />

na sua voz. – O assassino que matou essa pessoa ainda po<strong>de</strong> estar por aqui.<br />

-Tranque-se num lugar seguro e aguar<strong>de</strong> a viatura. Dois agentes estão<br />

sendo <strong>de</strong>signados para se encaminharem imediatamente para o local on<strong>de</strong> está.<br />

Não havia o que fazer, iria esperar.<br />

Ainda assim, tentaria obter ajuda <strong>de</strong> outro modo.<br />

Imediatamente, ligou para casa. S<br />

Só que, ninguém aten<strong>de</strong>u a chamada. Como sempre nessas horas, a<br />

secretária eletrônica pediu para <strong>de</strong>ixar recado...<br />

Gravou uma mensagem com breve relato da situação, o en<strong>de</strong>reço e<br />

telefone <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se encontrava.<br />

Ligou para mais uns <strong>de</strong>z telefones que lhe vieram à mente naquele<br />

momento, mas, em todos eles, àquela hora só encontrava caixa postal ou<br />

ninguém atendia.<br />

Suas novas chamadas estavam sendo infrutíferas e aquele cadáver tão<br />

próximo estava incomodando a concentração.<br />

Resolveu encerrar as tentativas e afastou-se do balcão.<br />

Ficou imaginando se haveria algum envolvimento <strong>de</strong> Alex Randall naquela<br />

morte que aparentava ter sido bastante violenta.<br />

De uma certeza não havia dúvidas: aquele sujeito era louco e po<strong>de</strong>ria muito<br />

bem estar sujeito a ter um acesso <strong>de</strong> incontrolável fúria assassina.<br />

Sem uma idéia <strong>de</strong>finida do que fazer, seguiu para fora da cena do crime e<br />

respirou um ar mais puro.<br />

Fora da edificação o silencio era completo.<br />

Sua mente estava inquieta.<br />

O turbilhão <strong>de</strong> intermináveis questionamentos bombar<strong>de</strong>ando seu cérebro<br />

<strong>de</strong>ixava seus sentidos em estado <strong>de</strong> alerta total...<br />

Tal tensão permitiu que percebesse até um movimento estranho no meio do<br />

matagal que circundava a edificação do manicômio.<br />

Uma sombra negra, com altura bem maior que a <strong>de</strong> um ser humano, se<br />

movimentava rapidamente a distancia aproximada <strong>de</strong> duzentos metros do ponto<br />

on<strong>de</strong> Mel se encontrava.<br />

Dalí não podia <strong>de</strong>finir bem o que era aquela criatura tão gran<strong>de</strong>..<br />

10


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

De qualquer forma, julgou pru<strong>de</strong>nte não revelar sua posição e escon<strong>de</strong>u-se<br />

num local encoberto por sombra, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> faria suas observações sem se fazer<br />

notar.<br />

Rompendo o silêncio da noite, rugidos e gritos animalescos inquietaram-lhe<br />

mais ainda...<br />

Pareciam vir do local <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vira os estranhos movimentos...<br />

Em seguida, tomou tremendo susto quando uma voz chamou seu nome <strong>de</strong><br />

modo abrupto a pouca distância <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava!<br />

E pior!!!<br />

Uma mão ensangüentada se apoiou em seu ombro.<br />

Não conteve um grito <strong>de</strong> susto!<br />

Afinal, observando atentamente as sombras distantes que se moviam pelo<br />

matagal, esquecera-se do que acontecia bem perto <strong>de</strong> suas costas.<br />

Deparou-se com Alex Randall.<br />

Segurava alguns ca<strong>de</strong>rnos velhos. Suas roupas estavam cheias <strong>de</strong> sangue,<br />

e sua expressão tinha o olhar <strong>de</strong> um louco varrido.<br />

-Esse manicômio virou um cemitério. – Disse com a voz embargada.<br />

Estava visivelmente atordoado e logo <strong>de</strong>ixou claro porquê:<br />

***<br />

-Encontrei mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mortos! Todos irreconhecíveis. Completamente<br />

estraçalhados!<br />

Mel não disse nada.<br />

Além das frases do velho amalucado, ainda ouvia os gritos medonhos que<br />

assombravam a noite escura.<br />

Com a <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> uma eventual participação <strong>de</strong> Alex Randall nas<br />

mortes lhe atormentando, mediu silenciosamente o fumante dos pés à cabeça.<br />

Mal sabia o que falar ou fazer...<br />

Alex Randall continuou seu relato...<br />

-Eu resolvi voltar assim que você entrou.<br />

“Observando <strong>de</strong> longe, percebi que havia algo <strong>de</strong> errado com a segurança.”<br />

“Normalmente, um guarda armado, acompanhado <strong>de</strong> um cão farejador, vai<br />

até o portão principal escoltar a visita ou, <strong>de</strong> vez em quando, prestar informações.”<br />

“No seu caso, não apareceu ninguém. O portão simplesmente estava<br />

<strong>de</strong>strancado e você foi entrando naturalmente...”<br />

“Quando eu havia escapado do manicômio, pouco tempo antes do nosso<br />

11


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

encontro, pensei que tivesse me aproveitado <strong>de</strong> uma falha na segurança para<br />

fugir, mas ao te ver entrando com tamanha facilida<strong>de</strong>, percebi que alguma coisa<br />

alí <strong>de</strong>ntro estava muito estranha...”<br />

fria...”<br />

“Achei melhor te avisar para que não se metesse por minha causa em outra<br />

“Voltei e, assim que cheguei, encontrei um guarda morto sendo <strong>de</strong>vorado<br />

por moscas, vermes, formigas e outros bichos.”<br />

“Quando fui sair daquele ambiente nojento, acabei entrando em outra sala<br />

on<strong>de</strong> a situação era pior ainda.”<br />

“Alí haviam vários cadáveres <strong>de</strong> pessoas que estavam completamente<br />

estraçalhadas.”<br />

“No meio dos mortos, encontrei o único sujeito <strong>de</strong>cente que conheci aqui<br />

<strong>de</strong>ntro.”<br />

“O cara estava completamente <strong>de</strong>sfigurado... Só pu<strong>de</strong> reconhece-lo pois,<br />

mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> morto, ainda segurava os ca<strong>de</strong>rnos on<strong>de</strong> passava o tempo<br />

escrevendo as histórias que eu lhe contava.”<br />

-Outro louco, com certeza. – Pensou Mel, disfarçando o que realmente<br />

pensava. - Certamente era outro idiota. Provavelmente se achasse mais esperto<br />

que a maioria acreditando que po<strong>de</strong>ria faturar algum trocado com aquela<br />

ficçãozinha barata. Mas, quanto a isso, também o pretensioso escritor iria cair na<br />

real cedo ou tar<strong>de</strong>.<br />

Alex Randall esten<strong>de</strong>u os ca<strong>de</strong>rnos oferecendo-os a Mel que, vendo-se<br />

sem alternativa, os pegou com certa <strong>de</strong>sconfiança.<br />

Deu uma olhada superficial no material e não gostou do que viu: a capa,<br />

suja, engordurada, fedorenta e estragada.<br />

Todas as páginas velhas, amassadas, amareladas e o garrancho ali, quase<br />

que totalmente ilegível.<br />

-Olha! - Disse tentando <strong>de</strong>monstrar calma. -Acho melhor procurar um lugar<br />

on<strong>de</strong> possamos esperar a chegada da polícia.<br />

Alex Randall apontou para uma torre que se <strong>de</strong>stacava da edificação do<br />

manicômio.<br />

-Dali po<strong>de</strong>remos observar toda a região em segurança. Já estive lá uma<br />

vez. Se estiver aberta, po<strong>de</strong>rá nos servir <strong>de</strong> refúgio.<br />

***<br />

Para Mel não havia outra alternativa além <strong>de</strong> seguir a orientação proposta<br />

pelo fumante maluco.<br />

12


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Suspeitava <strong>de</strong>le, claro!<br />

E mesmo, que eventualmente estivesse incorrendo em engano, sem o<br />

menor remorso ou peso na consciência, confiava <strong>de</strong>sconfiando.<br />

Foram para a tal torre ouvindo os gritos e urros incessantes que cortavam a<br />

escuridão.<br />

Através <strong>de</strong> uma escada bastante estreita subiram até o topo on<strong>de</strong> havia<br />

uma sala com gran<strong>de</strong>s janelas e grossas portas que logo foram trancadas.<br />

Mel sentou-se numa poltrona e só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> relaxar sentiu dores por todo o<br />

corpo.<br />

Até este momento, os reflexos do tombo da moto ainda não haviam se<br />

manifestado completamente.<br />

Mesmo assim, manteve-se alerta e não externou o que sentia.<br />

Por sua vez, Alex Randall refestelou-se noutra poltrona e quase que<br />

imediatamente começou a dormir roncando alto.<br />

Aquela tranqüilida<strong>de</strong> toda, além da facilida<strong>de</strong> para dormir <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos<br />

sobressaltos causaram em Mel alguma estranheza.<br />

Somente um assassino muito frio po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>scansar daquele jeito tendo<br />

visto tantas mortes e ainda ouvindo o som daqueles gritos horríveis.<br />

Se estivesse mentindo, o fazia com gran<strong>de</strong> maestria.<br />

Porém, se a suspeita <strong>de</strong> Mel com relação a Alex Randall fosse verda<strong>de</strong>ira,<br />

as grossas pare<strong>de</strong>s e portas dali, mesmo que até inspirassem alguma segurança,<br />

não serviriam <strong>de</strong> nenhuma proteção.<br />

Alex Randall não parecia porém ser um tipo violento mesmo aparentemente<br />

biruta, a loucura <strong>de</strong>le era outra. A<strong>de</strong>mais, a força necessária para realização <strong>de</strong><br />

atos tão brutais parecia muito superior às capacida<strong>de</strong>s físicas daquele senhor <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong> avantajada.<br />

I<strong>de</strong>al seria aproveitar aquele momento para <strong>de</strong>scansar um pouco.<br />

Mas, temendo um provável instinto assassino do fumante, achou pru<strong>de</strong>nte<br />

não entregar-se ao sono.<br />

Teria <strong>de</strong> arrumar algo para fazer enquanto aguardava a chegada da polícia.<br />

Olhou melhor os tais ca<strong>de</strong>rnos e resolveu dar outra folheada neles.<br />

Estava cheio <strong>de</strong> rabiscos e rasuras.<br />

Depois <strong>de</strong> algum esforço e gigantesca boa vonta<strong>de</strong>, ao ler com atenção o<br />

texto, viu que ele não chegava a ser tão ruim quanto imaginava.<br />

Compreen<strong>de</strong>ndo um pouco melhor o raciocínio do escritor, Mel encontrou o<br />

começo da narrativa conseguindo com isso , não só algo para se distrair, mas<br />

também, um meio para enganar o sono que tentava dominar-lhe.<br />

Logo, envolveu-se <strong>de</strong> tal maneira com aquelas linhas que não tirava mais<br />

13


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

os olhos das mal conservadas folhas.<br />

O conteúdo do manuscrito se referia a uma história que começava mais ou<br />

menos assim:<br />

********<br />

14


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O FUMANTE E O VIAJANTE DAS ESTRELAS<br />

INTRODUÇÃO<br />

O relato contido nas linhas que se seguem tem início num futuro ainda<br />

distante on<strong>de</strong> será comum ao homem e mulher viverem até os duzentos anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong> com bastante saú<strong>de</strong> aparentando não mais que sessenta.<br />

Nessa era, a socieda<strong>de</strong> será equilibrada justa e harmoniosa dispondo a<br />

todos, os benefícios <strong>de</strong> diversos avanços tecnológicos entre os quais, naves<br />

espaciais capazes <strong>de</strong> cruzar o espaço si<strong>de</strong>ral atingindo lugares tão distantes que<br />

mesmo os melhores telescópios da atualida<strong>de</strong> sequer seriam capazes <strong>de</strong><br />

vislumbra-los da Terra.<br />

O protagonista do texto a essa época está prestes a completar seus<br />

duzentos anos e conforme a regra entre os bicentenários, <strong>de</strong>sfrutando dos<br />

benefícios da medicina que lhe dão a saú<strong>de</strong> e aparência equivalentes ao padrão<br />

comum dos homens <strong>de</strong> sessenta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> no final do século XXI.<br />

Além do bom estado físico, também mantinha-se em excelentes condições<br />

psicológicas, o que resultava num bom temperamento, não muito pessimista e<br />

com disposição para o trabalho.<br />

Não <strong>de</strong>sperdiçava seu tempo com qualquer tipo <strong>de</strong> serviço, mesmo porquê,<br />

felizmente, sua situação financeira seria consi<strong>de</strong>rada, para o padrão do seu<br />

tempo, muito mais do que excelente.<br />

Até pela ida<strong>de</strong> e graças a este gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r aquisitivo, resolveu investir<br />

boa parte do seu capital num empreendimento que seria a coroação <strong>de</strong> todas as<br />

suas realizações...<br />

A construção da maior astronave até o momento i<strong>de</strong>alizada pela<br />

humanida<strong>de</strong>.<br />

Entre suas diversas finalida<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> fazer viagens pelo tempo e por<br />

outras dimensões paralelas, serviria <strong>de</strong> laboratório <strong>de</strong> testes no espaço, sendo<br />

capaz ainda <strong>de</strong> realizar jornadas em uma velocida<strong>de</strong>-cruzeiro milhões <strong>de</strong> vezes<br />

superior à da luz..<br />

Além <strong>de</strong> ser única e fabricada com durabilida<strong>de</strong> quase eterna, era<br />

praticamente auto-sustentável.<br />

Os pouquíssimos componentes a exigirem manutenção podiam funcionar<br />

ininterruptamente por quase mil anos antes <strong>de</strong> precisarem ser substituídos.<br />

Um colosso <strong>de</strong> forma esférica, diâmetro <strong>de</strong> cinqüenta e dois quilômetros<br />

comandada pelo mais po<strong>de</strong>roso cérebro computadorizado até então construído.<br />

Seu nome: O VIAJANTE DAS ESTRELAS.<br />

Levava um único ser humano a bordo.<br />

15


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Este, gerenciaria da melhor maneira possível, os <strong>de</strong>stinos a serem seguidos<br />

por aquela astronave.<br />

Além <strong>de</strong> criador e produtor principal do projeto, o próprio Alex Randall seria<br />

este viajante.<br />

Era uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> já que milhares <strong>de</strong> empresas,<br />

patrocinavam, garantiam e ajudavam naquela fantástica iniciativa.<br />

Para ele porém, aquela oportunida<strong>de</strong> não significava apenas serviços a<br />

serem realizados.<br />

Sozinho, no espaço, esperava encontrar tranqüilida<strong>de</strong> enquanto os robôs<br />

da astronave trabalhavam automaticamente na realização dos inúmeros testes.<br />

Além do merecido <strong>de</strong>scanso após tanto trabalho, garantiria uma boa<br />

aposentadoria com os proventos obtidos dos experimentos.<br />

Tiraria férias da humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> todos os seus problemas enquanto<br />

relaxaria sem ser perturbado, fumando incessantemente o cachimbo, não tendo<br />

que ouvir crítica alheia <strong>de</strong>vido aos maus hábitos que prejudicavam a saú<strong>de</strong>.<br />

Na mente <strong>de</strong> Alex Randall, um empreendimento como aquele não tinha<br />

como dar prejuízo.<br />

Ainda que a astronave sofresse um horrível aci<strong>de</strong>nte, ela estava com<br />

seguro, portanto, o parte principal do investimento, pelo menos não seria perdida.<br />

outro.<br />

A realização <strong>de</strong> tão dispendioso projeto não se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> um momento para<br />

Muitos anos foram gastos na criação, nos <strong>de</strong>senhos e, outro período <strong>de</strong><br />

tempo maior ainda, na efetiva materialização da idéia.<br />

A última fase da montagem da astronave se <strong>de</strong>u num hangar em órbita da<br />

Lua com peças chegando <strong>de</strong> todos os planetas do sistema solar.<br />

Uma obra <strong>de</strong> tal porte não po<strong>de</strong>ria ser inaugurada sem uma festivida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> as maiores autorida<strong>de</strong>s fossem convidadas.<br />

Assim aconteceu, e, até para tão gigantesca celebração, foram gastos<br />

meses <strong>de</strong> produção.<br />

Cumprida a última formalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida, o Viajante das Estrelas partiu.<br />

Simplesmente <strong>de</strong>sapareceu <strong>de</strong> um momento para o outro sem <strong>de</strong>ixar<br />

rastros ou indicar a direção que seguia.<br />

Dentro daquele bólido voador, seu único tripulante humano só queria<br />

relaxar, acompanhar à distancia o trabalho dos robôs, admirar os astros , e fumar<br />

tranqüilamente um cachimbo...<br />

***<br />

16


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.1 DE ALEX RANDALL<br />

Sossegado no conforto <strong>de</strong> sua poltrona, <strong>de</strong>sfrutando os prazeres do fumo,<br />

Alex Randall olhou para as imagens tridimensionais projetadas ao seu redor, que<br />

mostravam um gráfico com os astros que compunham o sistema solar se<br />

afastando <strong>de</strong>pressa até sumirem em meio ao negrume espacial...<br />

Naquele momento <strong>de</strong>spedia-se <strong>de</strong> uma montanha <strong>de</strong> problemas...<br />

Tão cedo não teria sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong>les.<br />

Dalí por diante, levaria uma vida até certo ponto solitária, tranqüila e sem<br />

preocupações.<br />

Seu maior objetivo seria monitorar o funcionamento do Viajante das<br />

Estrelas, supervisionar e garantir o bom andamento dos experimentos que alí se<br />

sucediam, manter o cachimbo sempre aceso e escolher caminhos que não o<br />

levassem para o interior <strong>de</strong> um buraco negro, ou, em rota <strong>de</strong> colisão com qualquer<br />

corpo errante.<br />

Logo <strong>de</strong> cara iria pôr para funcionar , um inédito sistema <strong>de</strong> propulsão<br />

jamais usado em qualquer outra astronave construída pela humanida<strong>de</strong>, mesmo<br />

até, para aquela época, em que já eram muito populares os motores que<br />

permitiam às espaçonaves, <strong>de</strong>sempenhos muito superiores aos da velocida<strong>de</strong> da<br />

luz extrapolando assim, os limites impostos por algumas populares Leis da física.<br />

Aquele novo avanço da tecnologia permitia ao Viajante das Estrelas cobrir<br />

enormes distancias com toda a tranqüilida<strong>de</strong> a velocida<strong>de</strong>s que podiam ser<br />

centenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> vezes mais rápidas que a luz.<br />

E, justamente, para que tão glorioso feito se realizasse, caracterizando por<br />

si só, um marco da conquista humana, faltava apenas acionar a alavanca<br />

dourada <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign antigo e tradicional, instalada na lateral da poltrona que estava<br />

sentado.<br />

Conferiu tudo o que pô<strong>de</strong> mais uma vez e, com um rápido movimento, o<br />

novo sistema propulsor foi posto em ação.<br />

***<br />

A Central <strong>de</strong> Comando do Viajante das Estrelas dava uma projeção<br />

interativa tridimensional do que acontecia fora da nave.<br />

Nosso herói parecia estar sentado no meio do espaço sem nada ao redor,<br />

só ele e sua poltrona.<br />

Tudo o que se po<strong>de</strong>ria visualizar estando na parte externa do casco da<br />

astronave, era tridimensionalmente projetado alí naquele recinto.<br />

Tocando ou apontando na direção <strong>de</strong> uma imagem, por exemplo, logo se<br />

17


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

obtinha uma análise <strong>de</strong>scritiva do objeto ou fenômeno em análise.<br />

Gráficos, imagens <strong>de</strong> outros compartimentos, imagens externas e relatórios<br />

da situação também eram projetados como que por magia no próprio espaço ao<br />

redor <strong>de</strong> Alex Randall dando a qualquer um, a impressão <strong>de</strong> que ele estava num<br />

imenso cenário <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o game.<br />

Tão logo a alavanca dourada foi colocada na posição indicativa <strong>de</strong> que o<br />

novo sistema <strong>de</strong> propulsão estava operacional, tudo na astronave passou a ter um<br />

comportamento distinto.<br />

Mostradores flutuantes, relógios e medidores saltaram para marcas jamais<br />

atingidas anteriormente por qualquer outro invento produzido pelo engenho<br />

humano.<br />

Concentrado em todas as verificações daqueles primeiros momentos <strong>de</strong><br />

viagem, Alex Randall fumava seu cachimbo com uma voracida<strong>de</strong> sem<br />

prece<strong>de</strong>ntes, muito mal ocultando a própria tensão.<br />

Entretanto, a privilegiada visão que tinha dos acontecimentos exerceu nele<br />

um efeito tranquilizador.<br />

Extasiado com a beleza daquela visão, Alex Randall foi mais e mais se<br />

recostando na poltrona enquanto relaxava a tensão inicial da partida, diante<br />

daquele majestoso espetáculo sem igual.<br />

Sentiu o torpor que a erva do cachimbo causava no seu cérebro.<br />

Parecia até que este ia saltar <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da cabeça.<br />

Mais tranquilo com o passar do tempo, mesmo assim não diminuiu a<br />

vigilância nos mostradores e medidores piscando ao seu redor.<br />

Constatando que os resultados obtidos se mantinham <strong>de</strong>ntro dos<br />

parâmetros <strong>de</strong>sejados, Alex Randall sentiu-se bastante satisfeito chegando até a<br />

consi<strong>de</strong>rar aquele experimento como um sucesso.<br />

Daí então, pôs-se até a refletir sobre as conseqüências e <strong>de</strong>sdobramentos<br />

que eventual industrialização e popularização <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> propulsão como<br />

aquele traria à humanida<strong>de</strong>.<br />

Graças à tamanho salto tecnológico, um futuro <strong>de</strong> novas <strong>de</strong>scobertas em<br />

horizontes ainda mais longínquos além dos já <strong>de</strong>sbravados pelos povos do<br />

sistema solar, certamente se abria...<br />

Num futuro não muito distante, qualquer um po<strong>de</strong>riam investir poucos<br />

recursos e fazer viagens como a que ele iniciava...<br />

Muito provavelmente se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aria um crescimento nas empresas <strong>de</strong><br />

turismo fora do sistema solar bem maior do que aquele que já existia.<br />

Pacotes turísticos <strong>de</strong> visitas <strong>de</strong> fins <strong>de</strong> semana em planetas orbitando<br />

estrelas distantes, além e muitas outras atrações divertidas se tornariam<br />

18


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

populares e amplamente comercializados...<br />

Mesmo com a mente divagando em mundos longínquos, nosso herói não<br />

estava totalmente entorpecido.<br />

Ainda que a quantida<strong>de</strong> que ele fumasse fosse absurda, seus sentidos se<br />

mantinham alertas.<br />

Tanto que, seus ouvidos altamente treinados assim como os <strong>de</strong> um<br />

maestro, i<strong>de</strong>ntificaram sem <strong>de</strong>mora ou dúvida, um barulho estranho ali mesmo na<br />

Central <strong>de</strong> Comando...<br />

O temor <strong>de</strong> que aquele som incômodo pu<strong>de</strong>sse representar um mau sinal<br />

fez com que sua tensão voltasse a aumentar.<br />

-Alerta <strong>de</strong> intruso!<br />

***<br />

Um milésimo <strong>de</strong> segundo antes do computador do Viajante das Estrelas<br />

soar o alarme, os olhos atentos <strong>de</strong> Alex Randall já haviam i<strong>de</strong>ntificado a origem do<br />

problema.<br />

A nave havia sido invadida e a estranha forma <strong>de</strong> vida que conseguira<br />

tamanha proeza estava agora diante do seu único tripulante humano.<br />

-Como ocorreu a invasão? – Indagou Alex Randall.<br />

-Desconhecido! – Foi a resposta dada pelo cérebro computadorizado que<br />

utilizava uma voz feminina em suas manifestações.<br />

-Desconhecido como?!? Essa coisa simplesmente se materializou aqui<br />

<strong>de</strong>ntro?!?<br />

-Segundo os registros analisados sim!<br />

A criatura à que Alex Randall se referia era uma bola peluda muito brilhante<br />

com dois gran<strong>de</strong>s olhos vermelhos e um longo “nariz” que ia afinando até a<br />

extremida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> havia um par <strong>de</strong> pequenos orifícios. Ao seu redor brilhava uma<br />

aura colorida e <strong>de</strong> beleza encantadora.<br />

Não parecia agressiva.<br />

Ao contrário. Era até bastante amistosa. Tanto que, aproximou-se com<br />

pequenos saltos até os pés <strong>de</strong> Alex...<br />

-Existem mais formas <strong>de</strong> vida como esta a bordo?<br />

-Não.<br />

Não queria tocar naquele bicho até ter certeza <strong>de</strong> que tão simples gesto<br />

não representaria nenhum tipo <strong>de</strong> ameaça à sua saú<strong>de</strong> ou mesmo à segurança<br />

da nave.<br />

-Vamos verificar se esta coisa representa perigo imediato... - Or<strong>de</strong>nou.<br />

19


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Uma esfera preta flutuante, <strong>de</strong> diâmetro pouco maior que o das tradicionais<br />

bolas <strong>de</strong> futebol <strong>de</strong> campo, se aproximou e projetou na estranha forma <strong>de</strong> vida,<br />

três finos raios <strong>de</strong> cores distintas: vermelho, amarelo brilhante e azul...<br />

Estes, rapidamente correram por toda a superfície da criatura realizando<br />

uma “leitura” que “colhia” seus dados superficiais mais importantes...<br />

Algumas luzes piscaram e logo, a voz feminina <strong>de</strong>u o resultado...<br />

-Aparentemente, não oferece qualquer perigo à espécie humana ou mesmo<br />

à integrida<strong>de</strong> da nave...<br />

Apesar disso, Alex Randall ainda estava intrigado com aquela inesperada<br />

visita...<br />

Sua surpresa virou susto quando o pequeno ser peludo saltou<br />

inesperadamente à altura do seu rosto e com o seu longo nariz lhe <strong>de</strong>u um<br />

carinhoso beijo...<br />

-C-como?<br />

Abaixou-se e observou melhor a curiosa criatura e notou que esta se<br />

locomovia através <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> “mola” existente na parte inferior do seu<br />

corpo peludo...<br />

Além disso tudo, não parava <strong>de</strong> emitir um som...<br />

Parecia até estar falando alguma coisa:<br />

-Uorlops.<br />

Sabedor <strong>de</strong> que naquele momento já seriam completamente inúteis<br />

quaisquer medidas <strong>de</strong> anti-contaminação, precaução ou segurança que<br />

eventualmente tivessem <strong>de</strong> ter sido tomadas em situações semelhantes <strong>de</strong><br />

encontro com raças <strong>de</strong>sconhecidas, Alex Randall esticou o braço e, com certo<br />

receio, acariciou aquela coisa sentindo <strong>de</strong> um instante para outro, através dos<br />

<strong>de</strong>dos e da palma da mão, uma intensa onda <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> invadir o seu corpo...<br />

Aproximando a singular criatura do seu peito, sentiu emoções intensamente<br />

agradáveis e relaxantes...<br />

Fumando o seu caximbo a plenos pulmões, e agora, muito mais tranqüilo<br />

do que já estivera em toda a sua vida, ele carregava aquele estranho ser como se<br />

fosse um mascote canino.<br />

som:<br />

O bicho parecia até gostar, e não parava <strong>de</strong> falar, ou fazer aquele estranho<br />

-Uorlops!<br />

-Acho que me arrumei um acompanhante <strong>de</strong> aventuras. - Disse em voz alta<br />

o solitário aventureiro que já nem pensava mais direito, <strong>de</strong> tão sossegado que se<br />

sentia...<br />

Quanto mais acariciava aquele bichinho, maior era o seu relaxamento...<br />

20


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Vou até tomar uma cerveja... Faz muito tempo que não bebo algo com<br />

álcool... Preciso comemorar um importante evento como o <strong>de</strong> hoje.<br />

Fumando e carregando aquela carinhosa criaturinha, Alex Randall foi até a<br />

gela<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> on<strong>de</strong> tirou e abriu uma lata <strong>de</strong> cerveja.<br />

Num balcão próximo, colocou aquele curioso ser peludo e diante <strong>de</strong>ste<br />

encheu um copo .<br />

O bichinho enfiou no copo o seu longo nariz que muito se assemelhava a<br />

uma mini tromba <strong>de</strong> elefante e sugou o líquido. Em seguida, começou a saltitar<br />

pela sala realizando, diversas piruetas, evoluções, malabarismos aéreos e<br />

acrobacias não parando <strong>de</strong> falar:<br />

-Uorlops!<br />

Alex Randall se <strong>de</strong>leitava com as peripécias daquela criaturinha peluda...<br />

-Esta coisa precisa <strong>de</strong> um nome. Acho que vai ser Uorlops, mesmo...<br />

Deu mais algumas vorazes tragadas no cachimbo, em seguida bebeu um<br />

gole da cerveja e complementou:<br />

-É isso aí! Vai chamar “UORLOPS”.<br />

Alex Randall já ficou tonto com aquele único gole. Não era muito resistente<br />

ao álcool...<br />

Quando passou novamente em frente à gela<strong>de</strong>ira, quis guardar a lata <strong>de</strong><br />

cerveja que não havia tomado inteira.<br />

Qual não foi sua surpresa quando, ao abrir a porta, saltou para fora outro<br />

Uorlops similar ao primeiro, com a diferença apenas na cor do campo brilhante<br />

que emanava das criaturinhas. Cada uma tinha a sua.<br />

As duas então se juntaram e começaram a saltitar alegremente ao redor <strong>de</strong><br />

Alex Randall.<br />

Este por sua vez, inicialmente se assustou com aquela nova e também<br />

inesperada presença, mas <strong>de</strong>vido acima <strong>de</strong> tudo, à tranqüilizadora e relaxante<br />

sensação emanada pelos Uorlops, acabou <strong>de</strong>ixando o problema <strong>de</strong> lado...<br />

Ainda assim, não <strong>de</strong>ixou escapar um questionamento irônico dirigido ao<br />

cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas...<br />

-A astronave precisa <strong>de</strong> uma revisão. Seus sensores não estão<br />

i<strong>de</strong>ntificando o caminho <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong>sta invasão a bordo. Como este problema<br />

po<strong>de</strong> ser explicado?<br />

Se a voz digitalizada <strong>de</strong> um cérebro computadorizado <strong>de</strong> última geração<br />

po<strong>de</strong>ria em algum momento emitir sinais <strong>de</strong> emoção, aquele foi um <strong>de</strong>les, não<br />

através <strong>de</strong> gritos, choros, rizadas ou coisas do tipo, mas sim, pelo silêncio...<br />

Depois <strong>de</strong> um tempo sem se manifestar, veio a resposta:<br />

-Dados insuficientes para concluir qualquer conjectura.<br />

21


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Então faça o possível para <strong>de</strong>scobrir o que está acontecendo... Vou<br />

<strong>de</strong>scansar e tomar um banho, não precisa soar o alarme se aparecer um ou outro<br />

Uorlops por aí, esses bichos parecem ser pacíficos...<br />

Devidamente escoltado pelos seus novos amigos, Alex foi até o banheiro<br />

on<strong>de</strong> iria começar dando uma boa aliviada nos tubos intestinais...<br />

Levantou a tampa do vaso sanitário especial e inteligente para uso com ou<br />

sem gravida<strong>de</strong>, e se surpreen<strong>de</strong>u quando saltou lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro outra bola peluda<br />

brilhante <strong>de</strong> olhos arregalados.<br />

Os três se juntaram e ficaram saltando como macacos doidos pelo<br />

banheiro.<br />

-Que figurinhas estranhas estes Uorlops...<br />

Aliviado finalmente, limpou-se e entrou na banheira on<strong>de</strong> foi seguido pelos<br />

seus amiguinhos brincalhões.<br />

Recostou-se num canto e <strong>de</strong>ixou que a água morna relaxante <strong>de</strong>scansasse<br />

seu corpo.<br />

Segurou um Uorlops em cada mão sentindo novamente intensas vibrações<br />

<strong>de</strong> alegria e prazer emanando dos bichinhos.<br />

Mais tar<strong>de</strong> iria se preocupar com o porquê das criaturinhas simpáticas<br />

estarem se materializando alí <strong>de</strong>ntro sem explicação plausível...<br />

Naquele momento, estava tão tranqüilo na água que acabou fechando os<br />

olhos e dormindo...<br />

***<br />

Quando acordou, resolveu tomar uma ducha gelada para se restabelecer<br />

fisicamente.<br />

Ao abrir a porta do box, quase não acreditou no que viu: esperando por ele,<br />

estavam sete uorlops peludos, alegres, brilhantes, coloridos e saltitantes...<br />

-Tenho <strong>de</strong> verificar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estes bichos estão saindo.<br />

Vestiu-se e, acompanhado dos seus novos e inseparáveis amigos, foi até a<br />

central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas.<br />

Ao sentar-se na própria poltrona, sentiu algo batendo na bunda...<br />

-Catzo! Já sei o que <strong>de</strong>ve ser...<br />

Olhou para o assento e não se espantou quando <strong>de</strong>parou-se com outro<br />

daqueles bichinhos <strong>de</strong> procedência misteriosa.<br />

-Desculpe-me, mas, aqui, sento eu!<br />

Tirou o mais novo bichinho da ca<strong>de</strong>ira sentindo a intensa onda <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong><br />

que este irradiava.<br />

22


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Só <strong>de</strong> pegar na mão aquele Uorlops, veio novamente a sonolenta e<br />

agradável tranqüilida<strong>de</strong> que estes irradiavam.<br />

-De on<strong>de</strong> saem estes tipos esquisitos?...Algum palpite?!?<br />

-Por enquanto, nenhuma conjectura – Manifestou-se o cérebro<br />

computadorizado. - As criaturas continuam a materializar-se sem explicação<br />

lógica. Não existem acessos ou entradas que tenham ficado abertas <strong>de</strong>pois da<br />

partida...<br />

Alex colocou o cachimbo no braço da poltrona e continuou a acariciar o<br />

Uorlops que estava mais próximo.<br />

Alguma coisa estava errada, afinal, dificilmente Alex tirava seu cachimbo ou<br />

mesmo, o <strong>de</strong>ixava apagar.<br />

O torpor da sonolência e a tranqüilida<strong>de</strong> foram tomando novamente conta<br />

do nosso herói, seu raciocínio foi ficando lento...<br />

O problema do misterioso aparecimento dos Uorlops <strong>de</strong>ntro do Viajante das<br />

Estrelas <strong>de</strong>ixava lentamente <strong>de</strong> ser uma priorida<strong>de</strong> para Alex Randall resolver e,<br />

mais uma vez, mesmo contra a própria vonta<strong>de</strong>, o sono acabou tomando-o em<br />

seus braços...<br />

Despertou mais tar<strong>de</strong> e, novamente, surpreen<strong>de</strong>u-se!<br />

Ou melhor, aterrorizou-se!<br />

***<br />

Os Uorlops empesteavam a central <strong>de</strong> comando. Eram centenas, talvez<br />

milhares <strong>de</strong>les.<br />

Os bichinhos estavam alegres, saltitantes e brincalhões. As cores que<br />

irradiavam, além <strong>de</strong> brilhantes, eram lindas.<br />

Procurando não pisar em nenhum <strong>de</strong>les, tentou sair da central <strong>de</strong> comando,<br />

mas esta, parecia ser uma tentativa impossível...<br />

-Existe algum lugar on<strong>de</strong> eu possa ficar sem ser perturbado pelos Uorlops?<br />

-Não! Eles estão em todos os compartimentos.<br />

Alex Randall viu-se apavorado: O Viajante das Estrelas tinha mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />

mil andares, e não havia um só local on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse relaxar e se concentrar.<br />

Logo <strong>de</strong> cara, tudo <strong>de</strong>gringolara <strong>de</strong> tal maneira que a missão parecia<br />

<strong>de</strong>finitivamente comprometida.<br />

Até para dar solução a este grave problema estava impossibilitado já que,<br />

era mantido prisioneiro na própria na central <strong>de</strong> comando.<br />

Não sabia o que fazer ou como a resolver a situação.<br />

Notou que um dos bichinhos, ao realizar seus saltos acrobáticos, acabou<br />

23


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

<strong>de</strong>sligando os propulsores especiais <strong>de</strong> alto <strong>de</strong>sempenho da nave quando<br />

aci<strong>de</strong>ntalmente esbarrou justamente na alavanca dourada que os acionava e<br />

<strong>de</strong>sligava .<br />

O primeiro reflexo <strong>de</strong>ssa nova situação se fez notar logo nas imagens<br />

projetadas tridimensionalmente ao redor da poltrona on<strong>de</strong> Alex Randall sentava:<br />

elas mudaram completamente voltando a exibir a infinita escuridão espacial<br />

pontilhada <strong>de</strong> estrelas, galáxias e mistérios profundos.<br />

Mesmo antes disso porém, nosso herói já havia tomado na testa forte<br />

pancada <strong>de</strong> um dos bichinhos que saltavam <strong>de</strong>sembestadamente pela central <strong>de</strong><br />

comando.<br />

Como conseqüência, foi posto a nocaute com direito a um galo e <strong>de</strong>smaio<br />

gratuito!!!<br />

***<br />

Quando voltou à conciência, viu-se caído no chão.<br />

Olhou em volta logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acordar e não acreditou!<br />

Todos os UORLOPS haviam <strong>de</strong>saparecido.<br />

As coisas voltaram ao normal.<br />

Alex Randall sentou-se e perguntou;<br />

-On<strong>de</strong> estão os nossos visitantes?<br />

Desta vez, a resposta do cérebro computadorizado não tardou:<br />

-Desapareceram logo que os motores foram <strong>de</strong>sligados.<br />

***<br />

Posteriormente, uma análise mais completa confirmou algumas<br />

<strong>de</strong>sconfianças que o cérebro computadorizado já tinha, ao revelar que os Uorlops<br />

só ganhavam existência quando os novíssimos propulsores especiais <strong>de</strong> alto<br />

<strong>de</strong>sempenho eram acionados e a astronave alcançava velocida<strong>de</strong>s fenomenais.<br />

Antes disso, o estado natural daquelas criaturas era totalmente distinto:<br />

originalmente, pareciam-se com sementes brancas <strong>de</strong> dois centímetros cada uma,<br />

que estavam armazenadas em cápsulas transparentes on<strong>de</strong> eram constantemente<br />

monitoradas.<br />

Nesta condição, nem mesmo em escala atômica aparentavam ter vida.<br />

Nos momentos iniciais da ocorrência daquele evento inesperado, o cérebro<br />

computadorizado, ainda que dispondo <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> vigilância altamente<br />

sofisticados, não foi capaz <strong>de</strong> relacionar o <strong>de</strong>saparecimento das sementes do<br />

24


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

interior da capsula com a presença dos Uorlops que, apareciam pipocando<br />

aleatoriamente pela astronave.<br />

Por sorte o sistema <strong>de</strong> propulsão <strong>de</strong>sligado.<br />

Acaso continuasse operando por muito mais tempo, logo a astronave<br />

estaria sem ar até para se respirar.<br />

Assim, o Viajante das Estrelas se manteve a uma velocida<strong>de</strong> inferior<br />

àquela que po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>senvolver, tentando com isso, solucionar mais aquele<br />

problema.<br />

***<br />

E não foi necessário muito tempo para que uma solução fosse encontrada.<br />

As sementes foram isoladas no interior <strong>de</strong> um campo energético on<strong>de</strong> não<br />

seriam mais estimuladas pelos fatores que ocasionavam sua transformação nos<br />

Uorlops.<br />

Assim, Alex Randall superou seu primeiro imprevisto.<br />

Depois, recuperada a auto confiança, per<strong>de</strong>u-se até em reflexões do tipo:<br />

-Essa viagem está apenas começando! Tenho certeza que daqui pra frente,<br />

tudo vai ser diferente e finalmente ficarei livre <strong>de</strong> aborrecimentos e problemas.<br />

***<br />

25


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.2 DE ALEX RANDALL<br />

“Este pequeno conto foi escrito no aniversário <strong>de</strong> 18 anos da minha irmã mais nova e<br />

<strong>de</strong>dicado a ela.”<br />

“Posteriormente, ainda foi revisado várias vezes.”<br />

“Que Deus a tenha agora ao seu lado”.<br />

Fernando ZÈCA<br />

***<br />

Tendo já planejada as ativida<strong>de</strong>s que seriam executadas automaticamente<br />

nas próximas horas, Alex Randall achou por bem tirar um período <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esgotar os seus neurônios conferindo o trabalho realizado pelos robôs<br />

da nave na adaptação que evitaria que os Uorlops pipocassem pela nave<br />

<strong>de</strong>scontroladamente tão logo fossem acionados os novos propulsores ....<br />

Deitou na cama recém arrumada por um dos autômatos <strong>de</strong> limpeza e, seis<br />

minutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fechar os olhos, os alarmes soaram estrondosamente<br />

assustando-o.<br />

-Alerta! Alerta! Perigo <strong>de</strong> colisão!<br />

-Perigo <strong>de</strong> colisão? - Indagava-se o cansado viajante com as pálpebras<br />

ainda cerradas. – Mas... Como? O Viajante das Estrelas está à <strong>de</strong>riva e, as<br />

últimas análises feitas não indicaram nada capaz <strong>de</strong> causar problemas no interior<br />

<strong>de</strong> um raio <strong>de</strong> pelo menos 30 anos luz...<br />

Num gesto automático e quase acrobático, Alex Randall saltou para fora da<br />

cama, acionou o projetor <strong>de</strong> imagens tridimensionais e verificou a causa do<br />

alarme.<br />

Por incrível que pu<strong>de</strong>sse parecer, um planeta viajando pelo espaço a uma<br />

velocida<strong>de</strong> inacreditável estava atraindo o Viajante das Estrelas para o interior da<br />

sua atmosfera...<br />

A colisão com a superfície daquele mundo era eminente...<br />

***<br />

Voltou para a Central <strong>de</strong> Comando imediatamente.<br />

Alí, po<strong>de</strong>ria analisar a situação com mais clareza e, assim tomar as<br />

melhores <strong>de</strong>cisões, graças a um controle mais apurado que alí a astronave lhe<br />

oferecia.<br />

Deste modo, não tardou muito para que percebesse algo realmente<br />

26


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

extraordinário:<br />

Aquele era um planeta totalmente artificial!<br />

E algo ainda mais insólito: o relevo <strong>de</strong> sua superfície parecia lembrar o<br />

rosto humano <strong>de</strong> um homem com barba , cabelos longos e brancos.<br />

Diante daquela situação extraordinária, Alex Randall concordou com o<br />

Cérebro Computadorizado que a astronave <strong>de</strong>veria sair do caminho daquele<br />

mundo errante.<br />

Medidas nesse sentido imediatamente foram tomadas a bordo da<br />

astronave, mas, para surpresa do intrépido viajante, ocorreu uma pane<br />

generalizada.<br />

Se apercebendo disso, ele digitou alguns comandos no teclado luminoso<br />

projetado a partir do painel instalado no braço da sua poltrona, mas, logo<br />

percebeu que não tinha mais controle nenhum sobre a astronave.<br />

Alguma coisa estava interferindo no correto funcionamento das coisas lá<br />

<strong>de</strong>ntro...<br />

Mesmo o Cérebro Computadorizado da astronave ficou inoperante.<br />

Nada respondia seus chamados ou comandos <strong>de</strong> qualquer espécie..<br />

Diante dos fatos, nosso herói constatou que não teria mais que alguns<br />

segundos <strong>de</strong> vida já que a colisão parecia inevitável.<br />

Sem nunca <strong>de</strong>sistir, numa última e <strong>de</strong>sesperada tentativa, berrou alguns palavrões<br />

e <strong>de</strong>u fortes pancadas nos painéis e controles afixados no braço <strong>de</strong> sua poltrona<br />

<strong>de</strong> comando...<br />

E, então...<br />

Ocorreu algo inesperado!<br />

O temido choque não aconteceu.<br />

O movimento aparentemente incontrolável do Viajante das Estrelas foi<br />

parado.<br />

No meio da central <strong>de</strong> comando, materializou-se bem ao lado da poltrona<br />

<strong>de</strong> Alex Randall, um ser humanói<strong>de</strong> vestindo roupas e capacete preto.<br />

Em silencio, o invasor olhou fixamente para o apavorado viajante em<br />

seguida cada recanto da Central <strong>de</strong> Comando.<br />

Fez um sinal <strong>de</strong> reprovação com a cabeça e sacou da cintura, uma espécie<br />

<strong>de</strong> agenda eletrônica on<strong>de</strong> começou a fazer anotações.<br />

-Sou o policial responsável por este que é o setor 6. Estou aqui para uma<br />

vistoria na sua documentação e astronave. Se oferecer resistência, irei <strong>de</strong>struí-lo.<br />

Alex Randall ficou meio abobalhado com o que ouviu, tanto que, o seu<br />

cachimbo quase caiu da boca.<br />

Demorou ainda alguns segundos para se recompor e, finalmente disse:<br />

27


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Não sei que tipo <strong>de</strong> documentação o senhor <strong>de</strong>seja, porém, se quiser,<br />

coloco-me à disposição da justiça para o cumprimento <strong>de</strong> qualquer formalida<strong>de</strong>.<br />

A resposta automática veio imediata e sem espaço para pausa no dialogo:<br />

-Não quero saber se você se põe a disposição da Justiça e da Lei. Seu<br />

problema imediato e com a Polícia que está aqui para uma inspeção. Quero<br />

verificar o Certificado <strong>de</strong> Registro e Licenciamento do Veículo, Seguro obrigatório<br />

para naves categoria Macron-C+, recibo <strong>de</strong> pagamento do impostos <strong>de</strong><br />

autorização <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> vias públicas espaciais e habilitação para pilotagem...<br />

Alex Randall não enten<strong>de</strong>u muito bem, aquele falatório todo mas, sabia <strong>de</strong><br />

uma coisa:<br />

-Vias públicas espaciais??? Seguro obrigatório??? Infelizmente, não<br />

disponho <strong>de</strong>stes documentos. Sou da Terra e estou em missão exploratória pelo<br />

espaço <strong>de</strong>sconhecido. Só vou fotografar e filmar e estou <strong>de</strong> passagem. Esse<br />

Setor 6 ao qual o sr. se refere ainda era uma região <strong>de</strong>sconhecida para o nosso<br />

povo...<br />

Nem bem acabou <strong>de</strong> dar esta justificativa e, em seguida, outro sujeito se<br />

materializou <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando da mesma forma que o primeiro e logo<br />

disse:<br />

-Esta nave está equipada com motores ilegais que permitem trafegar em<br />

velocida<strong>de</strong> superior à da luz.<br />

-Temos <strong>de</strong> tomar providências. Retrucou o primeiro <strong>de</strong> volta<br />

-Que providências? Indagou Alex preocupado...<br />

-De acordo com o artigo 699 parágrafo quarto do regimento <strong>de</strong> tráfego<br />

espacial, nenhuma veículo sem autorização expressa das Forças Armadas<br />

Espaciais po<strong>de</strong>m fazer uso <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> equipamento. Seremos obrigados a<br />

apreen<strong>de</strong>r sua nave.<br />

-Mas vocês não po<strong>de</strong>m fazer isso! É uma medida muito drástica. Este é o<br />

primeiro contato entre nossas culturas, venho <strong>de</strong> muito longe. Eu não conheço<br />

suas Leis...<br />

-Medida drástica neste caso seria a sua prisão. Esta ainda só não ocorreu<br />

porquê o senhor não apresentou nenhum pressuposto que levasse a tal ação.<br />

-Mas senhor! O Viajante das Estrelas está em missão exploradora e foi<br />

construído justamente com o propósito <strong>de</strong> viajar numa velocida<strong>de</strong> cruzeiro que<br />

seja no mínimo igual à velocida<strong>de</strong> da luz. Se não for assim, não dá para fazer<br />

nada...<br />

-Seu equipamento está fora das normas. A Lei é clara...<br />

-Mas eu <strong>de</strong>sconheço completamente esta Lei que o sr. está falando. Venho<br />

<strong>de</strong> um mundo muito distante que não tem conhecimento da Legislação daqui. Veja<br />

28


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

bem: não sou procurado e tão pouco represento qualquer tipo <strong>de</strong> perigo, portanto,<br />

não há porquê me causar este transtorno.<br />

-De acordo com a constituição vigente, artigo 32 parágrafo terceiro,<br />

ninguém po<strong>de</strong> alegar <strong>de</strong>sconhecimento ou ignorância da lei. – O fato <strong>de</strong> não ser<br />

procurado pela nossa justiça não quer dizer nada. O que está pesando agora é<br />

justamente o fato da sua nave preencher todos os requisitos necessários para a<br />

apreensão...<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u mais algumas baforadas no cachimbo e ficou olhando<br />

aqueles dois...<br />

-Vocês não po<strong>de</strong>m fazer isso...<br />

Do jeito que as coisas estavam indo, jamais iria realizar o sonho <strong>de</strong> navegar<br />

tranquilamente pelo espaço si<strong>de</strong>ral sozinho...<br />

Tinha <strong>de</strong> tentar alguma outra coisa...<br />

Mas... O quê? Observou o painel <strong>de</strong> controle instalado no braço da sua<br />

poltrona e notou que, apesar dos pesares, aparentemente, pelo menos, o cérebro<br />

computadorizado já não estava totalmente inoperante.<br />

Agora, ele parecia trabalhar intensamente, quem sabe buscando alguma<br />

solução para aquela situação.<br />

Mas aquela breve luz <strong>de</strong> otimismo apagou-se das suas esperanças quando<br />

olhou a tela panorâmica principal e percebeu que a sua nave estava sendo<br />

puxada em direção a uma miría<strong>de</strong> <strong>de</strong> sondas, tentáculos mecânicos <strong>de</strong> todos os<br />

formatos possíveis e até diversos tipos <strong>de</strong> agulhas.<br />

Tudo isso, começou a ser ligado e conectado ao casco do Viajante das<br />

Estrelas <strong>de</strong>sesperando ainda mais nosso herói...<br />

-Será que vão <strong>de</strong>smontar a minha astronave?<br />

Numa última e <strong>de</strong>sesperada tentativa, Alex tentou argumentar repetindo a<br />

ladainha chorosa...<br />

-Minha missão é pacífica e científica. Venhom nome <strong>de</strong> todos que vivem no<br />

Sistema Solar e principalmente na Terra.<br />

“Por favor: permita que eu continue meu caminho. Toda minha fortuna e o<br />

meu tempo foi gasto na construção <strong>de</strong>ssa astronave...<br />

-Não existe Sistema Solar ou Terra registrado no Catálogo Oficial <strong>de</strong><br />

planetas, estrelas e sistemas planetários reconhecidos pelas forças policiais...<br />

Quanto à grana, isto para nós não tem valor. Sua nave será posta fora <strong>de</strong><br />

circulação até que a documentação esteja regularizada.<br />

Sem esperanças, Alex <strong>de</strong>u mais algumas tragadas no cachimbo, encostou<br />

a mão na testa e ficou pensando em todo o trabalho perdido em função da simples<br />

ausência <strong>de</strong> um maldito documento que seria impossível <strong>de</strong> ser conseguido por<br />

29


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

qualquer humano antes <strong>de</strong>le..<br />

Quisera po<strong>de</strong>r arrancar pedaço por pedaço daqueles estúpidos burocratas<br />

espaciais e <strong>de</strong>spachá-los diretamente para o inferno das máquinas...<br />

Infelizmente, naquele momento, não tinha nem um maldito advogado por<br />

perto para livrá-lo daquela fria...<br />

Sequer, o menor conhecimento da legislação a que estaria submetido.<br />

Uma lágrima furtiva escapou <strong>de</strong> seus olhos já inchados.<br />

Realmente, não havia mais o que pu<strong>de</strong>sse ser feito.<br />

O <strong>de</strong>sespero então bateu mais forte e uma idéia bateu na sua mente...<br />

Tentou a última cartada: saída à brasileira:<br />

-Seu guarda... Mas será que não tem um jeitinho para essa situação?<br />

-Jeitinho?? Como?<br />

-Ah! Um jeitinho... Sabe como é... Um acertozinho por baixo dos panos...<br />

-Você diz corrupção?<br />

-É... Po<strong>de</strong> se dizer que sim...<br />

-O sr. está preso por tentativa <strong>de</strong> suborno a autorida<strong>de</strong> policial. Prepare-se<br />

para ter um julgamento e con<strong>de</strong>nação a<strong>de</strong>quada. De agora em diante, tem o<br />

direito <strong>de</strong> ficar calado ou o que quer que diga será usado contra você...<br />

<strong>de</strong>la.<br />

Aquela fora <strong>de</strong>mais!<br />

Agora é que não tinha mais saída mesmo.<br />

Admirava toda a Central <strong>de</strong> Comando tentando guardar <strong>de</strong>talhe por <strong>de</strong>talhe<br />

Provavelmente nunca mais poria os pés alí novamente...<br />

Quando passou os olhos por uma das telas tridimensionais projetadas ao<br />

redor da sua poltrona, notou algo interessante: cabos que estavam até então<br />

presos ao casco do Viajante das Estrelas amarrando-o àquela imensa estrutura<br />

policial, começaram a se soltar emitindo faíscas...<br />

De-repente, os dois invasores <strong>de</strong>sapareceram. Sumiram do mesmo modo<br />

inesperado que haviam aparecido lá <strong>de</strong>ntro.<br />

Fora do Viajante das Estrelas iniciou-se então, uma anarquia generalizada.<br />

Todas as máquinas do planeta policial que até então trabalhavam com<br />

movimentos sincronizados e harmoniosos começaram a se <strong>de</strong>struir...<br />

Alex Randall verificou alguns dos mostradores que indicavam a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

trabalho do cérebro computadorizado da astronave...<br />

Eles mostravam intensa ativida<strong>de</strong>...<br />

De-repente, tudo se apagou. O Viajante das Estrelas e aquele mundo<br />

ficaram completamente às escuras...<br />

30


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Dentro da astronave <strong>de</strong> Alex Randall nem o suporte básico <strong>de</strong> vida<br />

funcionava direito., o que fez nosso herói sair flutuando com a repentina falta <strong>de</strong><br />

gravida<strong>de</strong> artificial.<br />

Silêncio total.<br />

Impossível saber exatamente o que aquilo significava.<br />

Sua cabeça começou a trabalhar febrilmente em diversas hipóteses.<br />

Tinha que raciocinar e tentar enten<strong>de</strong>r o que estava acontecendo alí, afinal,<br />

entre o Viajante das Estrelas, o curioso planeta totalmente automatizado e nosso<br />

herói, somente este último ainda podia pensar...<br />

Tentou relembrar os <strong>de</strong>talhes que prece<strong>de</strong>ram aquele momento...<br />

Logo então, supôs que a provável causa do apagão po<strong>de</strong>ria ser justamente<br />

a reação do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas àquela invasão.<br />

Afinal, se este seguisse o roteiro preparado na própria programação: o<br />

objetivo inicial a se cumprir seria combater e eliminar o foco da invasão.<br />

Por outro lado, os policiais invasores haviam voltado para o próprio mundo.<br />

Teria sido por vonta<strong>de</strong> própria ou não?<br />

O único modo disponível para se obter alguma idéia a respeito da situação<br />

era observando as amplas janelas que permitiam visão para o espaço si<strong>de</strong>ral.<br />

Aproximou-se <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las e avaliou os acontecimentos.<br />

Tanto o Viajante das Estrelas como todo o planeta pareciam estar sem<br />

energia. .<br />

Nenhum dos dois dava sinal <strong>de</strong> vida.<br />

-Voltariam ambos ao funcionamento normalmente? E se voltassem? Quem<br />

estaria com o controle da situação? A sua astronave ou os policiais?<br />

Nosso heroi tinha <strong>de</strong> fazer alguma coisa.<br />

Mas... O quê?<br />

Insistentemente, ele apertava, reapertava e <strong>de</strong>sapertava vários botões,<br />

mas, nada funcionava.<br />

De-repente, então: um susto!<br />

Por alguns segundos, tudo voltou ao normal. Tanto na astronave como o<br />

planeta.<br />

Alex Randall caiu no chão com um baque <strong>de</strong>vido à repentina volta da<br />

gravida<strong>de</strong>.<br />

Aturdido, ele ainda teve tempo <strong>de</strong> perguntar:<br />

- O que está havendo?<br />

Mas sua indagação não obteve resposta já que a energia acabou<br />

novamente.<br />

31


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

E tudo parou <strong>de</strong> funcionar voltando à escuridão..<br />

Teria sido algum dos botões que tanto apertara e reapertara?<br />

Meio nervoso, Alex Randall tentou repetir os mesmos movimentos e<br />

comandos que fizera diante do painel <strong>de</strong> instrumentos on<strong>de</strong> estivera antes da volta<br />

da energia.<br />

Nada <strong>de</strong>u certo.<br />

A situação não mudou e permaneceria assim durante um bom tempo.<br />

***<br />

Sem expectativas, Alex Randall <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto esperar <strong>de</strong>ntro da<br />

escuridão, já se resignara com a situação.<br />

Olhando pela vigia enquanto empesteava o ambiente com a fumaça do seu<br />

cachimbo, percebeu que, ao contrário <strong>de</strong>le, que praticamente havia se conformado<br />

com o triste fim, o movimento no mundo policial parecia intenso.<br />

Com auxílio <strong>de</strong> um velho telescópio que casualmente trouxera para a<br />

viagem, verificou que os policiais estavam em intensa ativida<strong>de</strong>.<br />

Comportas se abriram para o espaço <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram humanói<strong>de</strong>s com<br />

roupas espaciais negras.<br />

Eram agentes policiais.<br />

Idênticos àqueles primeiros que haviam se teletransportado sem<br />

autorização para o interior da central <strong>de</strong> comando invadido a astronave<br />

Estes vinham em grupos <strong>de</strong> seis, voando em fracos e toscos propulsores<br />

<strong>de</strong> reação química com forma <strong>de</strong> torpedo que eventualmente soltavam chispas <strong>de</strong><br />

fogo para corrigir o curso e a velocida<strong>de</strong>...<br />

Mas, por-quê estariam se utilizando <strong>de</strong>stes botijões <strong>de</strong> gás voadores para<br />

se aproximar do Viajante das Estrelas quando po<strong>de</strong>riam se materializar lá <strong>de</strong>ntro<br />

quando bem enten<strong>de</strong>ssem?<br />

Provavelmente, a resposta estaria no fato <strong>de</strong> nenhum equipamento daquele<br />

imenso mundo mecanizado estar funcionando a contento.<br />

De qualquer forma, assim que eles invadissem novamente o Viajante das<br />

Estrelas, suas chances <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, por mais remotas que já fossem, seriam<br />

ainda menores.<br />

Então... O que fazer já que nada funcionava?<br />

Subitamente o Viajante das Estrelas religou.<br />

***<br />

Voltou a funcionar plenamente e sem ro<strong>de</strong>ios.<br />

32


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Sem enten<strong>de</strong>r muito bem o que acontecia, Alex Randall gritou:<br />

-Temos <strong>de</strong> sair daqui.<br />

Então, lentamente a astronave <strong>de</strong> Alex Randall começou a se mover<br />

afastando-se daquele mundo policial.<br />

Finalmente, em espaço aberto, longe das cores funestas da atmosfera<br />

daquele mundo sinistro, mais uma vez o Viajante das Estrelas teve acionados os<br />

seus propulsores <strong>de</strong> altíssima velocida<strong>de</strong> e se afastou dalí num piscar <strong>de</strong> olhos.<br />

Já com a adrenalina mais baixa, nosso heroi sentia-se como estes jovens<br />

que saem para aprontar nas noites, envolvem-se em confusão e conseguem fugir<br />

da polícia.<br />

-O que aconteceu <strong>de</strong>pois que aqueles policiais do espaço entraram aqui?<br />

***<br />

O cérebro computadorizado respon<strong>de</strong>u com a sua conhecida voz feminina...<br />

-A primeira coisa que tentaram fazer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dar a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> apreensão<br />

foi conectar os próprios computadores ao <strong>de</strong>sta astronave.<br />

-E <strong>de</strong>pois?<br />

-Através do acesso <strong>de</strong>les, inverti o jogo e consegui entrar no computador<br />

central que gerencia o planeta policial.<br />

Alex Randall ficou curioso... A história estava ficando interessante.<br />

“-O mundo policial é um vasto complexo que funciona ao mesmo tempo<br />

como agente repressor espacial, tribunal e ca<strong>de</strong>ia para os infratores.”<br />

“Assim como a aplicação <strong>de</strong> justiça <strong>de</strong>ste planeta, os seus computadores<br />

são muito arcaicos”<br />

“Dentro do sistema <strong>de</strong>les, que é totalmente <strong>de</strong>sprotegido, copiei tudo lá<br />

<strong>de</strong>ntro para o meu banco <strong>de</strong> dados, em seguida, já com o controle da situação,<br />

man<strong>de</strong>i <strong>de</strong> volta os policiais que aqui <strong>de</strong>ntro ainda estavam.”<br />

-Muito bem! Mas, se você estava controlando todo aquele mundo, porquê<br />

<strong>de</strong>sligar tudo? Nem os suportes <strong>de</strong> vida permaneceram funcionando por aqui...<br />

“-Antes <strong>de</strong> partirmos, precisava <strong>de</strong> algumas horas para reorganizar e<br />

acomodar todos os dados obtidos naqueles computadores. Como o volume <strong>de</strong><br />

informações a ser armazenado era muito gran<strong>de</strong>, resolvi ganhar tempo com este<br />

“apagão” que, sem dúvida seria a forma melhor <strong>de</strong> preparar e executar nossa fuga<br />

sem causar mortes <strong>de</strong>snecessárias...”<br />

-E nessas informações? Vieram coisas interessantes?<br />

-Sim! Os dados disponíveis trazem informações sobre as tecnologias que<br />

os policiais se utilizam, mapas e muitos <strong>de</strong>talhes sobre diversas raças e habitantes<br />

<strong>de</strong> outros mundos <strong>de</strong>sconhecidos.<br />

-O supressor que vai impedir o aparecimento dos Uorlops aqui <strong>de</strong>ntro já<br />

33


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

está funcionando bem? - Indagou Alex Randall.<br />

-Sim.<br />

-Então vamos prosseguir viagem.<br />

Dando gostosas baforadas no seu cachimbo, ele relembrou do bíblico<br />

embate entre Davi e Golias:<br />

-Não é sempre que tamanho é documento<br />

O Viajante das Estrelas partiu então, em altíssima velocida<strong>de</strong>, rumo às<br />

misteriosas profun<strong>de</strong>zas do espaço<br />

.<br />

***<br />

34


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.2(a) DE ALEX RANDALL<br />

(não registrado)<br />

Alex Randall não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> se impressionar com as maravilhas que sua<br />

viagem lhe proporcionava.<br />

Estrelas fantásticas, cometas, super-novas, nebulosas, pulsares e outros<br />

fenômenos maravilhosos que encheriam <strong>de</strong> beleza mesmo os olhos dos mais<br />

<strong>de</strong>sinteressados...<br />

Extasiado, compenetrado e impressionado com aquela exuberância sem<br />

fim, ficava ainda boquiaberto...<br />

E nestes momentos, ás vezes <strong>de</strong>ixava o cachimbo cair...<br />

Como agora!<br />

Alex Randall apenas ouviu o barulho <strong>de</strong>le batendo sobre o braço da<br />

poltrona on<strong>de</strong> estava sentado e, logo a seguir, as coisas começaram a acontecer.<br />

Ou melhor, não aconteceram mais pois, tudo se apagou <strong>de</strong>-repente.<br />

Os motores do Viajante das Estrelas silenciaram completamente e todos os<br />

instrumentos pararam <strong>de</strong> funcionar.<br />

Mesmo os sistemas vitais que jamais, em circunstância alguma, <strong>de</strong>veriam<br />

apresentar qualquer tipo <strong>de</strong> pane... Sucumbiram!<br />

E aqui, por uma questão <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> aos fatos, serão reproduzidas as<br />

expressões <strong>de</strong> raiva e angústia emitidas pelo protagonista <strong>de</strong>sta ficção...<br />

-Mas que bosta! –Bradou Alex Randall ligeiramente irritado.<br />

Logo, para completar as <strong>de</strong>sgraças que se prenunciavam, nosso herói<br />

percebeu a típica sensação <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> peso que indicava a ausência <strong>de</strong><br />

funcionamento do sistema <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> artifical a bordo da astronave.<br />

-Mais essa ainda! Justo quando tudo parecia se encaminhar às mil<br />

maravilhas...<br />

Apertou alguns botões no braço da poltrona, mas, não obteve resposta<br />

alguma.<br />

A situação era preocupante. Somente as luzes <strong>de</strong> emergência estavam<br />

acesas.<br />

Em dado momento, mesmo a bateria <strong>de</strong>stas acabariam!<br />

Isso, sem esquecer o ar, que também não estava se renovando...<br />

Afora os problemas que se prenunciavam cada vez piores e mais<br />

catastróficos, nosso herói tentou saber o que teria causado aquela nova situação<br />

<strong>de</strong> apagão no Viajante das Estrelas...<br />

-Seriam os policiais novamente? Ou algum <strong>de</strong>sconhecido tipo <strong>de</strong> raça<br />

35


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

alienígena? Talvez, interferências nos equipamentos da astronave causados por<br />

misteriosos fenômenos <strong>de</strong>sconhecidos... Quem saberia dizer ao certo?<br />

Dúvidas como estas pipocavam na mente <strong>de</strong> Alex Randall como milho na<br />

panela <strong>de</strong> pressão em fogo alto.<br />

A maioria das hipóteses, era imediata e logicamente refutada já que, os<br />

equipamentos <strong>de</strong>tectores e <strong>de</strong>mais sensores do Viajante das Estrelas até o último<br />

momento <strong>de</strong> funcionamento, não indicaram qualquer ameaça ou possível fonte <strong>de</strong><br />

problemas num raio <strong>de</strong> 10 anos luz..<br />

Tentando espantar o mau agouro, nosso herói soltou mais alguns<br />

impropérios...<br />

-Merda! Porra do carálho gordo maldito! Essa porcaria tinha que me<br />

acontecer logo agora?<br />

Depois <strong>de</strong> proferir novos palavrões, a mente <strong>de</strong> Alex Randall se anuviou da<br />

raiva e voltou a trabalhar na solução do problema.<br />

Lembrou-se da chave geral instalada justamente embaixo da sua<br />

poltrona...<br />

Segundo os projetos da Viajante das Estrelas, na ocorrência <strong>de</strong> panes<br />

como essa, o melhor a se fazer era <strong>de</strong>sliga-la e religa-la novamente.<br />

Alex Randall acionou uma alavanca na parte <strong>de</strong> trás do assento das costas<br />

e, abaixo <strong>de</strong>ste abriu-se um painel com a chave geral que naquele momento<br />

estava na posição ligada.<br />

Colocou-a na posição <strong>de</strong>sligada e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns segundos recolocou-a<br />

na posição original.<br />

Nada!<br />

Repetiu algumas vezes o procedimento mas a situação permaneceu<br />

inalterada.<br />

Desanimado com o fracasso daquela tentativa gritou mais alguns palavrões<br />

para espantar a frustração:<br />

-Maldição! Desgraça do Inferno! Satanás miserável! Demônios fedorentos!<br />

Será que não vou conseguir realizar minha jornada sem que algum problema<br />

sanguinolento venha me atormentar?<br />

Fechou o painel <strong>de</strong>baixo da poltrona tendo o cuidado <strong>de</strong> manter ligada a<br />

chave, para o caso da energia voltar subitamente...<br />

O cérebro do nosso herói trabalhava como uma locomotiva a todo vapor...<br />

Remoia insistentemente qual po<strong>de</strong>ria ter sido a causa do transtorno.<br />

Relembrou todos os procedimentos que po<strong>de</strong>ria ter feito errado nas últimas<br />

horas e até toda a lista <strong>de</strong> prováveis situações problemáticas existentes no manual<br />

que ele mesmo ajudara a escrever, mas, <strong>de</strong> momento, não lhe ocorria nada que<br />

36


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

pu<strong>de</strong>sse solucionar o misterioso apagão.<br />

A medida que o tempo passava, nosso herói ia se irritado cada vez mais...<br />

-Pestilências do inferno! Eu não gastei toda a minha grana na construção<br />

<strong>de</strong> uma nave espacial que sequer tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se dar um maldito autodiagnóstico.<br />

Inconformado com os azares que o perseguiam implacavelmente, nosso<br />

herói sentou-se na poltrona reclamando da própria sorte.<br />

-Maldição! Que mais ainda po<strong>de</strong> dar errado?<br />

Subitamente, ocorreu uma explosão <strong>de</strong>ntro do banheiro que, naquele<br />

momento estava com a porta aberta...<br />

“Desgraça pouca é bobagem”... Célebre e sábia frase!<br />

***<br />

A plenos pulmões, o infeliz protagonista <strong>de</strong>sse conto fantasioso berrou:<br />

-Maldita boca!! Para quê fui abrir a minha boca?!?<br />

A falta <strong>de</strong> energia causou dano nos equipamentos <strong>de</strong> banheiro e, por<br />

alguma razão ocorreu a explosão que pulverizou o ar <strong>de</strong> mijo, água suja e <strong>de</strong>ixou<br />

flutuando pela central <strong>de</strong> comando merdas nos formatos mais diversos.<br />

Se já estava difícil fazer alguma coisa sem nada funcionando, com o ar<br />

daquele jeito então, nem pensar...<br />

Mentalmente, Alex Randall revisou todas as opções que lhe restavam,<br />

constatando que as perspectivas não eram nada animadoras.<br />

Aparentemente, não havia o que pu<strong>de</strong>sse fazer.<br />

-Estou ferrado mesmo! Longe <strong>de</strong> casa, sem a quem recorrer... Situação<br />

miserável essa que me encontro...<br />

Nosso herói já não raciocinava mais!<br />

Sua mente se viu subitamente inundada por uma avalanche <strong>de</strong> palavrões<br />

que tentavam <strong>de</strong> alguma forma <strong>de</strong>safogar a angústia daquele momento...<br />

Mesmo não sendo violento nem tendo o perfil <strong>de</strong> pessoa que sai quebrando<br />

tudo em momentos <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>, Alex Randall não evitava os palavrões...<br />

Aliás, já tinha até esgotado completamente a quota <strong>de</strong>les. Sua voz estava<br />

rouca e a garganta arranhada <strong>de</strong> tanto gritar..<br />

Para completar, os pulmões começaram a chiar com o nervosismo e o<br />

coração <strong>de</strong>u uma acelerada...<br />

Estava na hora <strong>de</strong> fumar um pouco para tranquilizar a cabeça...<br />

Alex Randall pegou o cachimbo que estava sobre o braço da poltrona e<br />

notou algumas cinzas que haviam caído fora <strong>de</strong>le...<br />

37


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Teve então um lampejo luminoso!<br />

***<br />

Definitivamente, tudo estava resolvido!<br />

Deu um forte sopro sobre as cinzas limpando o local no braço da poltrona<br />

on<strong>de</strong> elas haviam caído.<br />

E então, como que por milagre, o Viajante das Estrelas voltou a funcionar<br />

quase que instantaneamente.<br />

Mentalmente, e apenas assim, só porquê já não tinha mais voz ou fôlego<br />

sequer para dar uma tossida mais forte, Alex Randall se auto ofendia com insultos<br />

não muito elogiosos dos quais, o mais leve era algo como idiota ou imbecil...<br />

Enquanto estivera medindo, fotografando e filmando os eventos fantásticos<br />

com que ia se <strong>de</strong>parando, nosso herói abriu um painel no braço da sua poltrona.<br />

Ali operavam componentes sensíveis que controlavam tudo na astronave.<br />

Realizou ajustes <strong>de</strong> rotina visando melhorar a performance dos<br />

equipamentos e não mexeu em mais nada.<br />

Ocorre que, por pura distração, esqueceu o dito cujo do painel aberto e,<br />

assim, os componentes sensíveis acabaram expostos.<br />

Maravilhado com tantas belezas no Universo, nosso herói ficou boquiaberto<br />

fazendo com que o cachimbo e as cinzas caíssem on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>viam..<br />

Ainda que temporariamente, foram afetados componentes <strong>de</strong> importância<br />

fundamental para o funcionamento da astronave e, por muito pouco, nosso herói<br />

não per<strong>de</strong> a vida encerrando prematuramente sua jornada.<br />

Mesmo assim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitos berros e palavrões, essa situação serviu a<br />

Alex Randall para relembrar um importante adágio:<br />

-“Se vacilar, o cachimbo cai”<br />

Constrangido e envergonhado consigo mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo o nervosismo<br />

e gritaria <strong>de</strong>snecessária, fechou o painel visando evitar dissabores no futuro e<br />

esquecer as agruras <strong>de</strong>ste episódio.<br />

Sua viagem prosseguiu...<br />

***<br />

38


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.3 DE ALEX RANDALL<br />

Mesmo com toda a fumaceira que o cachimbo fazia não perdia a<br />

concentração em cada informação disponível nos mostradores e projetores<br />

tridimensionais que operavam na central <strong>de</strong> comando.<br />

Voltou sua atenção para o incomum e raro fenômeno astronômico cuja<br />

presença era assinalada pelos instrumentos: uma estrela invisível.<br />

Invisível para os humanos, aquele corpo celeste também diferenciava-se <strong>de</strong><br />

outros do mesmo porte pelas suas temperaturas baixíssimas.<br />

-Vamos chegar mais perto. - Or<strong>de</strong>nou Alex Randall. - O que sabemos a<br />

respeito <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> astro?.<br />

-Nada <strong>de</strong>talhado nem específico. - Respon<strong>de</strong>u o Cérebro Computadorizado<br />

com a sua característica voz feminina. - Muitas fontes dão conta que: passado<br />

algum tempo, elas simplesmente somem. As escolas mais tradicionalistas porém,<br />

sugerem que, esse diferente tipo <strong>de</strong> estrela já está no fim da vida e, muito<br />

certamente implodirá transformando toda a área ao seu redor num imenso buraco<br />

negro.<br />

-Aproveitaremos essa oportunida<strong>de</strong> para registrar tudo o que for possível!<br />

Envie sondas para diferentes regiões da superfície <strong>de</strong>ssa estrela.<br />

Segundos <strong>de</strong>pois, as or<strong>de</strong>ns foram cumpridas.<br />

Alex Randall apenas fumava tranqüilamente o seu cachimbo enquanto<br />

novos dados e imagens iam chegando.<br />

Aquele era um dos seus momentos <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>leite já que, podia relaxar e<br />

visualizar a beleza da natureza <strong>de</strong> modo como pouquíssimos seres humanos no<br />

universo tiveram chance anteriormente...<br />

Já se julgava até o verda<strong>de</strong>iro Cristóvão Colombo do espaço.<br />

Afinal, este tipo <strong>de</strong> estrela só havia sido concebida teoricamente pelos<br />

cientistas e, em virtu<strong>de</strong> disso, não pô<strong>de</strong> ser tão <strong>de</strong>talhadamente registrada ou<br />

analisada anteriormente.<br />

Voltaria para Terra com tanta informações e imagens, que ganharia novas<br />

fortunas.<br />

Também sabia que, chegando em casa, recomeçariam as tão comuns<br />

dores <strong>de</strong> cabeça e problemas característicos da humanida<strong>de</strong> para solucionar no<br />

seu dia a dia.<br />

Longe, no espaço, ao menos, os robôs resolviam tudo para ele, e, assim,<br />

sua vida transcorria sem maiores problemas.<br />

Assim, podia transcorrer tranqüilamente com a sua viagem, relaxando, e,<br />

até sonhando com os lucros altos que aquela jornada no futuro lhe proporcionaria.<br />

39


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Mas, não <strong>de</strong>u mais para seguir filosofando numa linha <strong>de</strong> pensamentos tão<br />

otimistas já que, o Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas apresentou<br />

importantes novida<strong>de</strong>s:<br />

- Detectado cubo gigante se aproximando em baixa velocida<strong>de</strong>.<br />

-Quanto tempo para chegar até aqui?<br />

-Neste ritmo, chegarão aon<strong>de</strong> estamos em 4 meses.<br />

-Dá para visualizar?<br />

Em meio do nada, bem ao lado <strong>de</strong> Alex Randall apareceu como que por<br />

mágica, uma imagem tridimensional do objeto.<br />

O sólido realmente correspondia à <strong>de</strong>scrição feita.<br />

Mas, a surpresa maior logo foi revelada através das lentes superpo<strong>de</strong>rosas<br />

que podiam mostrar coisas muito pequenas em pontos realmente<br />

distantes...<br />

O cubo parecia ter suas superfície granulada...<br />

E tudo indicava que cada grão componente da pare<strong>de</strong> daquele objeto tinha<br />

na verda<strong>de</strong> tamanho maior que o próprio Viajante das Estrelas.<br />

Concluía-se então que as medidas do curioso artefato eram simplesmente<br />

colossais!<br />

A partir <strong>de</strong> então, as priorida<strong>de</strong>s mudaram...<br />

-Vamos <strong>de</strong>ixar o estudo <strong>de</strong>talhado da estrela para <strong>de</strong>pois. Ela não vai sair<br />

do lugar. Quero ver esse negócio mais <strong>de</strong> perto.<br />

A hiper-velocida<strong>de</strong> que a astronave comandada por Alex Randall podia<br />

alcançar era realmente impressionante, tanto que, logo cobriu a distância que a<br />

separava daquele imenso objeto...<br />

Do seu novo ponto <strong>de</strong> vista, nosso herói observou mais <strong>de</strong>talhadamente a<br />

gigantesca estrutura.<br />

-Algum palpite do que quer que seja isso?<br />

-Certamente um artefato construído por raça alienígena inteligente.<br />

Provavelmente até, tripulado.- Foi a resposta com voz feminina dada pelo cérebro<br />

computadorizado.<br />

-Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> alguma forma fazer contato com os prováveis tripulantes<br />

<strong>de</strong>ssa nave sem <strong>de</strong>monstrar hostilida<strong>de</strong>?<br />

-O banco <strong>de</strong> dados extraído do mundo policial dispõe <strong>de</strong> uma meio <strong>de</strong><br />

saudação que funciona e é compreendido por quase seiscentos milhões <strong>de</strong> raças<br />

extra-terrestres e po<strong>de</strong> também ser adaptado para nossas necessida<strong>de</strong>s.<br />

-Adaptar a saudação dos tiras, para as nossas necessida<strong>de</strong>s... Talvez<br />

possa funcionar!<br />

“Muito bem! Vamos apenas fazer uma mudança na forma <strong>de</strong> auto<br />

40


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

apresentação alterando o :-“Parados! É a polícia!”- Passa então a ser: -“Aqui é o<br />

Viajante das Estrelas, em missão <strong>de</strong> paz solicitando contato”.<br />

A mensagem foi enviada, mas, a resposta foi um total silencio <strong>de</strong> vários<br />

minutos...<br />

-Nos antigos filmes, estas saudações inter-raciais sempre funcionaram. -<br />

Comentou Alex Randall em voz alta <strong>de</strong>monstrando evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>silusão com o<br />

insucesso da novida<strong>de</strong>.<br />

O Viajante das Estrelas aguardou pacientemente por longo tempo...<br />

***<br />

A resposta não veio <strong>de</strong> forma alguma.<br />

Mesmo assim, o tempo esperado não foi gasto inutilmente.<br />

Sondas robotizadas fizeram um excelente trabalho coletando informações a<br />

partir das observações realizadas.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> on<strong>de</strong> aquele cubo fora visto inicialmente, muitos<br />

<strong>de</strong>talhes reveladores a seu respeito estavam escondidos.<br />

Já não restava dúvida <strong>de</strong> que era uma nave espacial auto pilotada. Em<br />

diversos pontos <strong>de</strong> superfície haviam janelas transparentes que permitiam<br />

visibilida<strong>de</strong> para o seu interior.<br />

Nos cantos do cubo, haviam curiosos propulsores <strong>de</strong> dimensões<br />

extraordinárias.<br />

O artefato carregava em si marcas <strong>de</strong> choques e ainda fragmentos das<br />

colisões com asterói<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>struíram completamente quase todos os seus<br />

motores.<br />

O resultado disso era que o cubo seguia em rota <strong>de</strong> colisão direta com uma<br />

estrela próxima, pois os seus propulsores não tinham po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> manobrabilida<strong>de</strong><br />

ou frenagem.<br />

Mantendo tal curso, em poucas semanas, não sobraria nem um parafuso<br />

daquele imenso colosso.<br />

Alex Randall estava muito curioso com a história do cubo, mas, este não<br />

parecia facilitar na tarefa <strong>de</strong> revelar os seus segredos.<br />

Pouca coisa do interior era visível pelas janelas, mesmo com as luzes dos<br />

robôs. Lá <strong>de</strong>ntro não havia o menor sinal <strong>de</strong> vida.<br />

Não teletransportaria nada para o interior daquele artefato pois não queria<br />

invadir espaço alheio sem necessida<strong>de</strong> ou autorização.<br />

Microfones super sensíveis foram encostados na estrutura tentando ouvir<br />

algum som <strong>de</strong> seu interior, mas, mesmo estes, não revelaram nada.<br />

Lá <strong>de</strong>ntro tudo parecia morto.<br />

41


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Análises na composição química da superfície daquele cubo revelaram que<br />

esta era extremamente resistente; quase inviolável.<br />

Tal fato porém, em nada alteraria o <strong>de</strong>stino do artefato que, <strong>de</strong>ntro do que<br />

tudo indicava, seria a <strong>de</strong>struição total.<br />

Pela completa ausência <strong>de</strong> sinais vitais do cubo, aquele po<strong>de</strong>ria até ser<br />

uma espécie <strong>de</strong> cemitério voador, ou coisa que o valesse.<br />

ali.<br />

Nosso herói ficou a pensar se valia a pena prosseguir com os estudos por<br />

Já estava difícil <strong>de</strong> obter novida<strong>de</strong>s, talvez, voltar para as proximida<strong>de</strong>s da<br />

estrela invisível ren<strong>de</strong>sse material mais interessante e lucrativo...<br />

Fumando incessantemente o seu cachimbo, Alex Randall finalmente tomou<br />

a <strong>de</strong>cisão.<br />

Or<strong>de</strong>nou o retorno <strong>de</strong> todas as sondas robotizadas.<br />

Resolveu <strong>de</strong>ixar o gigantesco artefato à própria sorte pois, já realizara todas<br />

as pesquisas e registros possíveis no momento.<br />

Assim que as sondas voltaram para os seus respectivos hangares <strong>de</strong><br />

lançamento, Alex Randall começou a calcular o curso que <strong>de</strong>veria seguir para<br />

voltar ao setor do espaço on<strong>de</strong> estava situada a estrela invisível.<br />

No momento que ia dar o comando <strong>de</strong> partida o cubo se acen<strong>de</strong>u.<br />

Ficou mais iluminado que árvore <strong>de</strong> natal.<br />

Compartimentos se abriram próximos aos propulsores danificados pelos<br />

choques com os meteoros errantes <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram ondas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> robôs<br />

das mais variadas formas que logo <strong>de</strong>ram início aos reparos necessários ao cubo.<br />

Robõs do Viajante das Estrelas que haviam ficado nas proximida<strong>de</strong>s para<br />

continuar registrando o que quer que ali acontecesse, chegaram mais perto das<br />

janelas do artefato <strong>de</strong> modos a transmitir para Alex Randall, imagens <strong>de</strong> alguns<br />

dos acontecimentos que alí <strong>de</strong>ntro se <strong>de</strong>senrolavam.<br />

-Aparentemente; nada assim <strong>de</strong> extraordinário. - Enten<strong>de</strong>u nosso herói<br />

num primeiro momento. Apenas esferas azuis que movem-se <strong>de</strong> um lado para<br />

outro.<br />

Pelo movimento <strong>de</strong>las, <strong>de</strong>duzia-se que o ambiente ali <strong>de</strong>ntro era <strong>de</strong>sprovido<br />

<strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> artificial.<br />

Alguns reflexos luminosos ao seu redor revelavam outra curiosida<strong>de</strong>:<br />

O meio que as suspendia não era gasoso, mas líquido...<br />

De transparência similar à água, aquele fluído enchia o artefato em quase<br />

todos seus compartimentos.<br />

Cada uma bolinhas azuis tinha dois pontos escuros que pareciam olhinhos.<br />

Quando elas se tocavam, estes olhinhos brilhavam.<br />

42


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Vamos repetir a saudação pediu Alex Randall.<br />

-Saudação sendo retransmitida.<br />

O brilho <strong>de</strong> uma pequena luz vermelha no painel instalado no braço da<br />

poltrona confirmou o envio da mensagem.<br />

Dentro do cubo as janelas revelaram um movimento diferente das bolinhas<br />

azuis no momento da retransmissão da sudação.<br />

Foi algo assim como que, se por um segundo, elas parassem o seu curioso<br />

movimento, olhassem para a direção on<strong>de</strong> estava o Viajante das Estrelas e então<br />

voltassem à sua rotina.<br />

Pacientemente aguardou novos acontecimentos.<br />

A situação permaneceu inalterada.<br />

Mais duas ou três vezes, enviou a saudação para aquele artefato e, em<br />

todas as tentativas, teve por parte das bolinhas azuis, reação idêntica à primeira<br />

chamada; ou seja, aquela breve parada com a atenção voltada para o Viajante<br />

das estrelas e então, a volta ao que quer que estivessem fazendo.<br />

Quando começava a achar que tanta espera não ia resolver nada, foi<br />

surpreendido por uma mensagem tridimensional escrita diante <strong>de</strong> sua poltrona:<br />

-Viajante das Estrelas. Aguar<strong>de</strong>.<br />

Tão súbita quanto veio, a mensagem terminou.<br />

E nosso herói acabou ficando naquele momento com uma única opção: a<br />

<strong>de</strong> esperar. Até mesmo, para satisfazer sua curiosida<strong>de</strong>.<br />

***<br />

Encheu o cachimbo novamente e fumou tudo pelo menos umas quatro ou<br />

cinco vezes sem parar...<br />

Aquele tipo <strong>de</strong> coisa só acontecia com ele mesmo...<br />

Sentia-se quase idiota por per<strong>de</strong>r tempo esperando por uma resposta.<br />

Já haviam se passado bastante tempo e nada...<br />

Aproveitaria o tempo <strong>de</strong> espera dando uma aliviante cagada...<br />

Sentou-se no vaso, relaxou e, quando a bosta estava na meta<strong>de</strong> do<br />

caminho <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scida, finalmente chegou o comunicado:<br />

-“Chamando Viajante das Estrelas! Chamando Viajante das Estrelas!<br />

Responda! Vamos logo! Vamos logo! Estamos aguardando! “<br />

Naturalmente nosso herói praguejou pela hora imprópria que <strong>de</strong>terminadas<br />

coisas sempre acabam acontecendo.<br />

Limpou-se xingando e foi para a sua poltrona na central <strong>de</strong> comando com<br />

43


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

uma carranca realmente assustadora...<br />

Sentou-se, respirou profundamente e disse:<br />

-Muito bem! O que está acontecendo?<br />

Nas telas e projetores, estava a imagem do interlocutor que representava<br />

tão estranha raça: uma bola azul com expressivos olhos escuros.<br />

Nosso herói mais uma vez viu-se surpreso.<br />

As esferas eram formas <strong>de</strong> vida inteligentes.<br />

Prova disso era a imagem projetada diante <strong>de</strong> sua poltrona e o som que<br />

vinha <strong>de</strong>sta.<br />

-Sou CROPRI!<br />

Aquela criatura não tinha boca, entretanto, sua mensagem era claramente<br />

audível e expressa num idioma <strong>de</strong> fácil compreensão...<br />

-Fui escolhido para estabelecer contato com o Viajante das Estrelas.<br />

-CROPRI! Sou Alex Randall, o gerenciador responsável pelo Viajante das<br />

Estrelas. Venho <strong>de</strong> um mundo chamado Terra e viajo pelo espaço em busca <strong>de</strong><br />

conhecimento. Casualmente encontrei sua nave pelo caminho e me aproximei<br />

para estabelecer contato...”<br />

-Alex Randall, o que você se refere como uma nave, não é uma nave. É<br />

KURPNOTZIS.<br />

-Como?????<br />

-KURPNOTZIS! Ela abriga minha raça enquanto nossos po<strong>de</strong>res<br />

telepáticos a energizam.<br />

Nosso herói estava meio confuso, o tal nome KURPNOTZIS já era<br />

complicado só <strong>de</strong> pensar, quanto mais então <strong>de</strong> engolir cérebro a<strong>de</strong>ntro.<br />

O conceito <strong>de</strong> uma conversa com KURPNOTZIS que, telepaticamente se<br />

“energizava” com um montão <strong>de</strong> bolinhas azuis brilhantes, era engraçado <strong>de</strong><br />

engolir, mas, por uma questão <strong>de</strong> diplomacia, Alex Randall não expressou o<br />

menor sinal <strong>de</strong> ironia.<br />

Também resolveu por fé nas informações que recebia, afinal estava numa<br />

viagem espacial on<strong>de</strong> certamente se <strong>de</strong>pararia com muita novida<strong>de</strong> que a raça<br />

humana ainda não conhecia e, aquela, seria apenas mais uma <strong>de</strong>las...<br />

-Percebi que vocês estão com problemas nos propulsores e gostaria <strong>de</strong><br />

saber se há alguma coisa que eu possa ser lhes útil.<br />

Dado o avanço da maré <strong>de</strong> robôs <strong>de</strong> todos os tipos que naquele momento<br />

consertava o equipamento avariado <strong>de</strong> KURPNOTZIS, a pergunta <strong>de</strong> nosso herói<br />

era uma mera questão <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong> já que, ante as dimensões absurdamente<br />

colossais daquele cubo, mesmo o Viajante das Estrelas nada po<strong>de</strong>ria ajudar<br />

diante <strong>de</strong> tanto serviço.<br />

44


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Peço que aguar<strong>de</strong>. Levarei esta questão ao conselho para <strong>de</strong>bate...<br />

A imagem <strong>de</strong> CROPRI <strong>de</strong>sapareceu no nada quase que igualmente ao jeito<br />

que se <strong>de</strong>sliga um aparelho <strong>de</strong> TV.<br />

Nosso herói, assim como quem não quer nada acen<strong>de</strong>u tranqüilamente seu<br />

cachimbo e aguardou...<br />

Tanto fumou que até per<strong>de</strong>u a noção <strong>de</strong> tempo gasto esperando.<br />

***<br />

Mais tar<strong>de</strong>, CROPRI estabeleceu novo contato.<br />

-Sua ajuda não é necessária, mas gostaríamos <strong>de</strong> estabelecer um<br />

intercâmbio <strong>de</strong> informações com a sua cultura.<br />

Alex Randall não podia acreditar. Era uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro.<br />

-Fico muito feliz com este convite. E como po<strong>de</strong>ríamos estabelecer esta<br />

troca cultural?<br />

-Se aceitar, colocaremos todo o conteúdo dos nossos bancos <strong>de</strong><br />

informações à sua disposição, Alex Randall.<br />

-Claro!<br />

***<br />

Mesmo a razoável distancia que separavam KURPNOTZIS do Viajante das<br />

Estrelas não impediu o tal intercâmbio cultural.<br />

Apesar do tamanho muito menor do Viajante das Estrelas e, por<br />

conseguinte, do cérebro computadorizado que administrava suas tarefas, a<br />

imensa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação disponibilizada por KURPNOTZIS foi facilmente<br />

armazenada pelos bancos <strong>de</strong> dados da astronave cujas capacida<strong>de</strong>s pareciam<br />

não ter fim.<br />

Enquanto se processava a troca <strong>de</strong> informações, nosso herói ia se<br />

divertindo analisando e estudando a cultura daqueles seres que se auto<br />

<strong>de</strong>nominavam BLUS.<br />

Naturalmente que estes por sua vez, também iam fazendo a mesma coisa<br />

com as informações enviadas pelo Viajante das Estrelas.<br />

Do lado <strong>de</strong> Alex Randall, ele analisava um pouco do perfil psicológico<br />

daquela raça que praticamente vivia isolada do universo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> KURPNOTZIS.<br />

Os Blus eram extremamente disciplinados, coor<strong>de</strong>nados, obedientes e<br />

seguidores das normas.<br />

45


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Seres que em hipótese alguma fugiriam das regras para nada.<br />

Toda e qualquer <strong>de</strong>cisão que tomassem era muito bem medida e calculada<br />

por um sábio conselho <strong>de</strong> Blus e nunca era <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cida...<br />

***<br />

Tanta novida<strong>de</strong> porém acabou mexendo com os pensamentos <strong>de</strong> muitos<br />

dos Blus.<br />

Analisando a cultura humana, diversas daquelas criaturinhas azuis<br />

começam a perceber muitas coisas <strong>de</strong> outras maneiras diferentes daquelas que<br />

viviam no seu dia a dia.<br />

força.<br />

Assim, toda a coesão, disciplina e coor<strong>de</strong>nação dos Blus começou a per<strong>de</strong>r<br />

Num tempo extraordinariamente curto, a unida<strong>de</strong> física e mental<br />

energicamente mantida por tanta concentração, começou a enfraquecer e uma<br />

revolução rapidamente se espalhou entre os Blus.<br />

A mudança radical que as informações ocasionaram ficou mais evi<strong>de</strong>nte<br />

quando uma nova li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong>ntro do KURPNOTZIS se apresentou a Alex<br />

Randall como legítimo representante dos Blus.<br />

Nas horas seguintes, mais <strong>de</strong> cinqüenta grupos também estabeleceram<br />

contato com o Viajante das Estrelas alegando serem os novos lí<strong>de</strong>res da<br />

revolução que acontecia <strong>de</strong>ntro do KURPNOTZIS.<br />

Na verda<strong>de</strong>, o Sábio Conselho dos Blus era quem li<strong>de</strong>rava e tomava todas<br />

as <strong>de</strong>cisões cujas conseqüências repercutiam na vida dos tripulantes <strong>de</strong><br />

KURPNOTZIS.<br />

A contestação da li<strong>de</strong>rança era coisa nova <strong>de</strong>ntro daquela comunida<strong>de</strong>, e<br />

por isso, para aquele caso, consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> uma gravida<strong>de</strong> sem igual.<br />

Esta porém, não foi a repercussão mais grave ou violenta da revolução<br />

involuntariamente causada por uma simples troca <strong>de</strong> informações entre duas<br />

culturas diferentes.<br />

Uma sangrenta guerra estourou e logo tomou conta do interior<br />

KURPNOTZIS.<br />

Nosso herói só percebeu toda a gravida<strong>de</strong> da situação quando violentas<br />

explosões aconteceram por todo o imenso cubo.<br />

Instintivamente, nos teclados luminosos tridimensionais projetados a partir<br />

braço da sua poltrona <strong>de</strong> comando, digitou alguns comandos que fizeram com que<br />

o Viajante das Estrelas se distanciasse <strong>de</strong> KURPNOTZIS colocando-se num<br />

perímetro <strong>de</strong> segurança on<strong>de</strong> as explosões que aconteciam não pu<strong>de</strong>ssem lhe<br />

46


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

causar nenhum dano<br />

Estarrecido com aquele trágico evento, Alex Randall viu-se como<br />

involuntário responsável pela morte daquela raça.<br />

***<br />

KURPNOTZIS continuou explodindo e incendiando-se continua e<br />

inexoravelmente em meio ao gélido vácuo espacial por muito tempo.<br />

Toda aquela <strong>de</strong>sgraçaria ocorreu <strong>de</strong> modo tão rápido, brutal e<br />

surpreen<strong>de</strong>nte que nem houve tempo para se cogitar em salvamento <strong>de</strong> alguma<br />

vida a bordo do imenso cubo.<br />

Assistindo àquele fantástico espetáculo pirotécnico <strong>de</strong> beleza sem igual,<br />

que na verda<strong>de</strong> estava mesmo causando muita morte e <strong>de</strong>struição, nosso herói<br />

reorganizava as idéias e fazia uma reflexão dos acontecimentos.<br />

Pensou na boa intenção que terminou em uma guerra suicida.<br />

Sentia-se culpado, claro!<br />

Surpreen<strong>de</strong>u-lhe o po<strong>de</strong>r que uma informação tinha e a sua velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

repercussão naquela cultura.<br />

Indagava-se o que teria causado tamanha revolução numa raça<br />

aparentemente tão or<strong>de</strong>ira e disciplinada como a dos Blus.<br />

Inicialmente enviara um pacote <strong>de</strong> dados extremamente inofensivo.<br />

Não imaginava como é que o conteúdo alí existente pu<strong>de</strong>sse ter causado<br />

todo aquele estrago...<br />

As informações mandadas eram referentes à catálogos <strong>de</strong> turismo nas<br />

diversas localida<strong>de</strong>s da Terra e até em outros planetas do sistema solar.<br />

Através do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas, Alex Randall<br />

fêz um rastreio do material que mais havia interessado aos Blus e, que<br />

provavelmente teria sido causador <strong>de</strong> tamanha calamida<strong>de</strong>.<br />

Acabou <strong>de</strong>scobrindo que o Brasil e o “jeitinho brasileiro” <strong>de</strong> resolver as<br />

coisas (através das gambiarras, malandragens e outros malabarismos que nem<br />

Deus enten<strong>de</strong>) foi o tema que mais chamou a atenção daquela raça.<br />

A idéia <strong>de</strong> um povo que conseguia sobreviver em meio a tantas<br />

trambicagens simplesmente acabou com toda a or<strong>de</strong>m e progresso que até o<br />

momento regulava a vida dos Blus.<br />

Era uma constatação chocante. Mal dava para acreditar.<br />

***<br />

47


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Por longo tempo ainda permaneceu assistindo à sucessão <strong>de</strong> explosões e<br />

incêndios que consumiam KURPNOTZIS.<br />

Quando não restou mais nada, Alex Randall encheu seu cachimbo e fumou<br />

todo o seu conteúdo como forma <strong>de</strong> homenagear os amigos que per<strong>de</strong>ra.<br />

Teve então uma idéia.<br />

Certamente salvaria todas aquelas vidas perdidas.<br />

-Vamos viajar pelo tempo em direção ao passado para salvar<br />

KURPNOTZIS e os BLUS. Nossas máquinas disponíveis a bordo certamente<br />

po<strong>de</strong>riam nos fazer voltar a um momento on<strong>de</strong> o intercambio cultural não tenha<br />

ocorrido e...<br />

-Não vai dar certo. - Disse o Cérebro Computadorizado do Viajante das<br />

Estrelas.<br />

-Não entendi. Mas como não vai dar certo?<br />

-Não vai dar certo porquê o intercâmbio não foi a razão principal que<br />

vitimou KURPNOTZIS e os BLUS.<br />

-Não foi? Mas a guerra civil que se iniciou entre eles foi <strong>de</strong>vido á quebra <strong>de</strong><br />

sua unida<strong>de</strong>...<br />

-Exato. Mas a guerra civil entre os BLUS não foi a causa do fim <strong>de</strong><br />

KURPNOTZIS.<br />

-Mas as explosões ocorreram durante a guerra...<br />

-KURPNOTIZIS estava morrendo e ia explodir daquele jeito <strong>de</strong> qualquer<br />

maneira. Ele tinha colocado os BLUS em estado <strong>de</strong> hibernação para diminuir a dor<br />

do fim.<br />

-E nós <strong>de</strong>spertamos os BLUS do seu sono...<br />

-Provavelmente...<br />

-Agora me sinto mais culpado ainda...<br />

-Talvez não seja o caso. O fim <strong>de</strong>les já estava certo. Agora, pelo menos a<br />

cultura e história <strong>de</strong> KURPNOTZIS e os BLUS estará temporariamente preservada<br />

para o futuro.<br />

-Sei...<br />

-E tem mais... Se não houvesse o intercambio, jamais conheceríamos as<br />

verda<strong>de</strong>iras causas que <strong>de</strong>ram fim a KURPNOTZIS e os BLUS.<br />

-Verda<strong>de</strong>... Então, acho que no fim das contas foi melhor assim.<br />

Parcialmente recobrado daquele <strong>de</strong>sastre, Alex Randall resolveu voltar aos<br />

estudos da Estrela invisível.<br />

Veio então nova surpresa na voz feminina do cérebro computadorizado:<br />

-A estrela invisível não se encontra mais no ponto on<strong>de</strong> anteriormente<br />

estava.<br />

48


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Quêêêêêê!?!?!?!?<br />

-Sumiu sem <strong>de</strong>ixar vestígios.<br />

A fim <strong>de</strong> sufocar o inconformismo diante daquelas situações, que já<br />

estavam passando a ser irritantemente constantes, acen<strong>de</strong>u o seu cachimbo e<br />

fumou tudo o que podia até concluir que não adiantava chorar o leite <strong>de</strong>rramado.<br />

O negócio era seguir em frente.<br />

***<br />

49


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.4 DE ALEX RANDALL<br />

1994 -TERRA<br />

Domingo à noite, voltando para casa, Jorson entrou na estação <strong>de</strong> metrô e<br />

pegou o último trem do dia.<br />

No seu caminho <strong>de</strong> retorno para o lar, percorreria quase toda linha<br />

metroviária parando <strong>de</strong> estação em estação até finalmente chegar no bairro da<br />

periferia on<strong>de</strong> morava.<br />

Jorson embarcou no último vagão da composição que saiu no horário<br />

correto.<br />

Estava sozinho alí <strong>de</strong>ntro.<br />

Mesmo <strong>de</strong>pois que o trem partiu e, posteriormente, parou em outras<br />

estações ninguém entrou naquele ou em outros vagões.<br />

Pelo sistema <strong>de</strong> som, uma voz sinistra anunciava cada uma das paradas.<br />

Chegava a ser tenebroso e assustador em alguns momentos.<br />

Jorson porém, longe <strong>de</strong> achar sinistra aquela situação encarava tudo como<br />

um fato engraçado, talvez até pitoresco.<br />

A certa altura, já não sabia se ria ou chorava <strong>de</strong> medo...<br />

Há que se frizar ainda, que os anúncios informativos das estações eram<br />

feitos <strong>de</strong> modo tão tétrico, que certamente causaria inveja aos melhores locutores,<br />

interpretes e atores profissionais...<br />

Percebendo que ninguém mais entrava na composição on<strong>de</strong> estava, Jorson<br />

resolveu fumar charutos proibidos por serem <strong>de</strong> um país revolucionário comunista<br />

cujo lí<strong>de</strong>r se perpetuava no po<strong>de</strong>r a quase meio século...<br />

Acen<strong>de</strong>u-o sem o menor constrangimento e logo estava soltando algumas<br />

baforadas que acabaram por formar uma espessa névoa <strong>de</strong> fumaça naquele<br />

ambiente.<br />

Relaxado, contemplava através da janela o mundo lá fora que se movia em<br />

alta velocida<strong>de</strong>.<br />

Estava escuro, não era possível para olhos humanos i<strong>de</strong>ntificar se o trem<br />

corria por <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algum túnel ou se a noite é que se a<strong>de</strong>nsava cada vez mais.<br />

Mesmo assim, Jorson se tranqüilizava.<br />

Não seriam as sombras ou a falta <strong>de</strong> luz que iriam assustá-lo na sua volta<br />

para casa.<br />

Pequenos pontos brancos começaram a aparecer lá fora.<br />

Tinham brilho diferente. Pareciam até estrelas e galáxias no espaço.<br />

Jorson <strong>de</strong>u algumas tragadas no seu cigarro e cerrou firmemente os olhos.<br />

De vez em quando, <strong>de</strong>pois que ficava meio atordoado com tanto fumo na<br />

50


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

cabeça, via manchas brilhantes que lhe atrapalhavam a visão.<br />

Voltava a enxergar as coisas normalmente <strong>de</strong>pois que fechava os olhos<br />

com força.<br />

Naquele momento, apesar do esforço, os pontos brilhantes visíveis além<br />

das janelas do vagão insistiam em não querer <strong>de</strong>saparecer, ao contrário, quanto<br />

mais olhava, o número <strong>de</strong>les parecia aumentar...<br />

Começou a <strong>de</strong>sconfiar que aquele fumo <strong>de</strong>via ser bom <strong>de</strong>mais quando, ao<br />

<strong>de</strong>ter com mais atenção os olhos sobre os tais pontos brancos, percebeu que,<br />

estes, eram realmente galáxias com centenas <strong>de</strong> bilhões <strong>de</strong> estrelas...<br />

Percebeu também que, <strong>de</strong> um momento para outro, apareceu a uns<br />

duzentos ou trezentos metros adiante da composição on<strong>de</strong> estava, uma<br />

gigantesca esfera prateada.<br />

Então a voz sinistra manifestou-se novamente...<br />

-Próxima parada; Viajante das Estrelas.<br />

A temperatura baixou <strong>de</strong> um momento para outro, o ar, parecia querer sair<br />

dos seus pulmões...<br />

Na superfície da esfera, abriram-se duas comportas e o trem avançou para<br />

o interior <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las.<br />

Logo <strong>de</strong>pois, parou...<br />

Dentro do vagão, novamente manifestou-se a voz tenebrosa:<br />

-Desembarque autorizado.<br />

***<br />

Alex Randall fumava seu cachimbo enquanto analisava as prováveis<br />

causas do misterioso sumiço da estrela fria que tentara tão <strong>de</strong>talhadamente<br />

estudar.<br />

Um corpo celeste com tais proporções simplesmente não some do<br />

firmamento como se alguém o enfiasse no bolso.<br />

Aquilo, <strong>de</strong> algum modo <strong>de</strong>via ter explicação lógica.<br />

Porém, nosso herói não conseguia encontrá-la.<br />

Mas, outros motivos para intrigá-lo não faltaram...<br />

Subitamente, <strong>de</strong> modo inexplicável, a uns duzentos ou trezentos metros <strong>de</strong><br />

distância do casco do Viajante das Estrelas, materializou-se uma composição <strong>de</strong><br />

metrô que avançava veloz e diretamente para a superfície da astronave.<br />

Não havia tempo para se fazer nada. Sequer até para enten<strong>de</strong>r direito o<br />

que estava acontecendo.<br />

51


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Na parte externa do Viajante das Estrelas, abriram-se duas comportas por<br />

on<strong>de</strong> entrou a composição.<br />

Logo a seguir, o casco da astronave fechou-se ocultando a entrada por<br />

on<strong>de</strong> passara o trem...<br />

-Com mil diabos! O que está acontecendo aqui?<br />

O cérebro computadorizado da astronave logo se manifestou:<br />

-Há um intruso a bordo!<br />

-Isso eu já sei! Agora me diga como é que este trem conseguiu acionar os<br />

controles <strong>de</strong> abertura das comportas externas e entrar...<br />

Alex Randall estava realmente mal-humorado.<br />

A <strong>de</strong>speito das medidas <strong>de</strong> segurança existentes na astronave, uma<br />

invasão não autorizada sempre era o tipo <strong>de</strong> coisa que o irritava.<br />

-Bombas! Eu projetei essa bola voadora! EU <strong>de</strong>veria comandar as coisas<br />

aqui <strong>de</strong>ntro. EU é que <strong>de</strong>veria autorizar as coisas a acontecerem, e não o<br />

contrário!<br />

Em seguida levantou-se da poltrona e saiu da central <strong>de</strong> comando.<br />

-Vou verificar pessoalmente que negócio é este que está acontecendo...<br />

Jorson não entendia nada!<br />

O trem tocou o chão mas não estivera apoiado em trilho algum.<br />

***<br />

Depois <strong>de</strong> abertas, as portas aliviaram daquele vagão a fumaça que o<br />

empesteava.<br />

Olhando para fora, pô<strong>de</strong> ver que estava num local totalmente diferente<br />

daquele para on<strong>de</strong> pretendia ir...<br />

Diferente <strong>de</strong> uma estação <strong>de</strong> trem era sem a menor sombra <strong>de</strong> duvida, já<br />

que, tinha maior similarida<strong>de</strong> com hangares para aviões ou até, naves<br />

espaciais...<br />

As visões <strong>de</strong> cenários futuristas digna dos filmes <strong>de</strong> ficção científica <strong>de</strong>viam<br />

ser causadas pelo excesso <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> fumo.<br />

Normalmente, o que via quando <strong>de</strong>scia no ponto final situado na periferia,<br />

era um cenário cheio <strong>de</strong> favelas, ruas esburacadas, esgoto a céu aberto e não<br />

aquela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> toda.<br />

Pior <strong>de</strong> tudo é que Jorson reparou ser o único a estar fazendo a viagem<br />

naquele trem. Não havia ninguém nos outros vagões ...<br />

Bom, pelo menos, um maquinista <strong>de</strong>veria existir! Não conseguia imaginar<br />

52


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

um trem andando por aí sem condutor humano.<br />

Jorson saltou para o chão e seguiu até o primeiro vagão on<strong>de</strong>, em tese,<br />

<strong>de</strong>veria encontrar um piloto mas, lá não havia ninguém.<br />

A história já era estranha e ficou mais esquisita ainda quando apareceu um<br />

sujeito fumando um cachimbo.<br />

***<br />

-Ei amigo! Você é o condutor do trem?<br />

Alex Randall ficou perplexo frente àquela questão.<br />

Fumando seu cachimbo, respon<strong>de</strong>u:<br />

-Não. E ao que parece, o sr. é que é o único passageiro nele.<br />

-Mas não tem ninguém pilotando esta composição?<br />

Segurando o cachimbo preso a boca, nosso herói respon<strong>de</strong>u<br />

negativamente com a cabeça e ainda complementou:<br />

-Tudo indica que o sr. é a única pessoa a bordo além <strong>de</strong> mim.<br />

Alex Randall não queria transparecer, mas estava simplesmente<br />

abestalhado com o fato <strong>de</strong> encontrar outro ser humano tão longe da Terra que<br />

falasse em idioma conhecido, e numa circunstância como aquela.<br />

O confuso Jorson coçou a nuca e, com ar um tanto incrédulo disse:<br />

-Está tudo muito esquisito mesmo! Será que eu peguei o trem errado?<br />

Observando atentamente o comportamento do pobre homem que<br />

involuntariamente entrara no Viajante das Estrelas, nosso herói reparou que este<br />

também era fumante.<br />

Sacou outro cachimbo automático do bolso ofereceu-o a Jorson que o<br />

aceitou e logo quis fazer uso.<br />

Estabeleceram assim uma atmosfera <strong>de</strong> cordialida<strong>de</strong>, relaxamento e<br />

respeito sendo que, a partir daí o confuso passageiro daquele trem relatou a sua<br />

história com riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes.<br />

Alex Randall estava atento a cada palavra.<br />

Terminada a narrativa, teve uma idéia que explicava com lógica o<br />

acontecimento.<br />

Contou-a para Jorson que, ao se dar conta <strong>de</strong> que estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

astronave flutuando no meio do nada e longe <strong>de</strong> tudo, teve até uma sensação <strong>de</strong><br />

enjôo.<br />

Ao contrário <strong>de</strong> Alex Randall, Jorson era um sujeito muito pé no chão em<br />

sua vida e o simples fato <strong>de</strong> afastar-se da sua cida<strong>de</strong> sem avisar a família para ele<br />

53


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

era algo preocupante, quanto mais então, uma viagem fora do sistema solar, ou<br />

até longe da galáxia<br />

Percebendo a aflição do homem, nosso herói tentava habilidosamente<br />

acalmar-lhe falando sobre as infinitas qualida<strong>de</strong>s da sua astronave:<br />

-O Viajante das Estrelas é insuperável na velocida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong> oferecer todos<br />

os confortos que a vida na Terra tem. A gravida<strong>de</strong> a bordo é idêntica à do nosso<br />

planeta natal, mas, po<strong>de</strong> ser alterada <strong>de</strong> acordo com a vonta<strong>de</strong> do tripulante.<br />

Tenho aqui à minha disposição até um parque aquático com diversos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />

piscinas cheias dos mais diversos tipos <strong>de</strong> águas para relaxamento, práticas<br />

esportivas ou tratamento <strong>de</strong> enfermida<strong>de</strong>s e moléstias...<br />

As explicações po<strong>de</strong>riam durar dias seguidos...<br />

Jorson já sentia-se um pouco mais calmo com elas, mas, ainda assim<br />

queria saber como viera parar alí e, principalmente, como voltaria para casa...<br />

Nosso herói então revelou a hipótese que tinha em mente que po<strong>de</strong>ria<br />

explicar aqueles fatos inusitados:<br />

-Acho que viemos parar numa região do espaço com alguns “buracos <strong>de</strong><br />

minhoca” escondidos.<br />

-Buracos <strong>de</strong> minhoca escondidos? - Indagou Jorson.<br />

-É uma teoria que po<strong>de</strong>ria explicar tanto a sua inexplicável chegada a<br />

minha astronave, bem como o sumiço <strong>de</strong> uma estrela que ando procurando...<br />

-O sr. acha que o meu aparecimento aqui tem algo a ver com o sumiço da<br />

estrela? Caramba! Que história confusa!<br />

-Talvez a causa para os dois fatos possa ser similar. Os tais buracos <strong>de</strong><br />

minhoca a que me referi anteriormente.<br />

Jorson <strong>de</strong>u fortes baforadas no seu cachimbo novo, mesmo complicada,<br />

agora a conversa estava ficando interessante...<br />

Talvez, fosse conseqüência da excelente qualida<strong>de</strong> do fumo oferecido por<br />

Alex Randall. Sem dúvida, um dos melhores que já experimentara durante toda a<br />

vida.<br />

Alex Randall herói foi <strong>de</strong>ixando então suas idéias mais claras para o<br />

confuso passageiro daquele trem fantasma:<br />

-Ponha uma folhal sobre uma mesa e marque dois pontos distantes um do<br />

outro e próximos às extremida<strong>de</strong>s do papel.<br />

“Mantendo o mesmo esticado na mesa; o modo mais direto <strong>de</strong> se sair <strong>de</strong><br />

um dos pontos da folha e chegar ao outro seria através <strong>de</strong> uma linha reta.”<br />

“Mas, se curvássemos a folha <strong>de</strong> papel <strong>de</strong> modo que, um ponto<br />

“encostasse” no outro, criaríamos a simulação do que seria um “buraco <strong>de</strong><br />

minhoca”, ou seja, é uma espécie <strong>de</strong> “atalho” que interliga diferentes regiões no<br />

54


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

espaço e até no tempo...”<br />

“-Acho que estamos num lugar on<strong>de</strong> estes fenômenos surgem <strong>de</strong> modo<br />

espontâneo e inesperado, abrindo uma ou várias passagens para diversos pontos<br />

no universo.”<br />

A explicação ficara mais ou menos clara para Jorson, mesmo assim, não<br />

estava na sua praia a idéia <strong>de</strong> viver trancafiado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma nave espacial por<br />

tempo in<strong>de</strong>terminado...<br />

Alex Randall sabia se estava certo nas suas teorias com respeito àquela<br />

confusa situação, mas, ficou ainda mais atordoado quando Jorson manifestou o<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> partir...<br />

-Partir como, Jorson? Nem sei direito o que está acontecendo. O mais<br />

seguro seria nos afastarmos <strong>de</strong>ste lugar enquanto ainda estamos vivos e com o<br />

controle da situação.<br />

-Sei que para o sr. é muito normal passar todo o tempo aqui <strong>de</strong>ntro tirando<br />

fotos e filmando estrelas, galáxias e o que mais aparecer pela frente, mas, para<br />

mim não.<br />

“Tenho <strong>de</strong> respirar em lugar aberto e sem pare<strong>de</strong>s. Negócio <strong>de</strong> viagem<br />

espacial não é comigo.”<br />

-Compreendo seu ponto <strong>de</strong> vista, Jorson. Se quiser, eu o levo <strong>de</strong> volta para<br />

a Terra, mas, pelo que disse, acredito que a época que o sr voltará é diferente<br />

daquela que <strong>de</strong>ixou...<br />

-Tenho mulher e família. Não dá para voltar em outra época. Quero mesmo<br />

é iro para casa. Como faço para voltar aon<strong>de</strong> pertenço?<br />

A surpreen<strong>de</strong>nte resposta veio com a voz sinistra novamente se<br />

manifestando <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro dos vagões da composição...<br />

-Partida após o fechamento das portas. Senhores passageiros, favor<br />

embarcarem agora.<br />

Jorson não per<strong>de</strong>u tempo e se <strong>de</strong>spediu <strong>de</strong> Alex Randall:<br />

-Vou seguir daqui, amigo. Não posso per<strong>de</strong>r este trem.<br />

-Sr. Jorson. Seu <strong>de</strong>stino é incerto, não po<strong>de</strong> embarcar arriscando sua vida<br />

assim...<br />

-Vou assim mesmo!<br />

Sem perda <strong>de</strong> tempo, Jorson subiu no último vagão novamente e, as portas<br />

fecharam-se atrás <strong>de</strong>le logo após o seu embarque.<br />

Nosso herói conformou-se pois, apesar do seu infrutífero esforço, tentara<br />

convencer o confuso viajante a realizar aquela que julgava ser a mais segura<br />

forma <strong>de</strong> volta para casa.<br />

Alguns minutos <strong>de</strong>pois, sentado <strong>de</strong> volta na central <strong>de</strong> comando, Alex<br />

55


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Randall acompanhava através dos monitores e projetores a partida daquele trem<br />

que se <strong>de</strong>u do mesmo modo misterioso como chegou.<br />

***<br />

Dentro do trem, fumando seu novo cachimbo e, apavorado com o <strong>de</strong>stino<br />

incerto que po<strong>de</strong>ria ter, se algo <strong>de</strong>sse errado, Jorson observava a imensidão do<br />

espaço cujo infinito chegava a lhe causar vertigens.<br />

O trem corria e internamente fazia até o mesmo barulho que quando<br />

estando apoiado nos trilhos...<br />

Lentamente, a visão <strong>de</strong> Jorson foi se turvando até que dormiu<br />

profundamente.<br />

Acordou com um solavanco!<br />

***<br />

Chegara à última estação do trajeto que, já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong>veria ter feito.<br />

As portas se abriram e o mundo lá fora estava exatamente como sempre<br />

<strong>de</strong>veria estar.<br />

Jorson saiu na plataforma e dirigiu-se até a cabina <strong>de</strong> pilotagem no primeiro<br />

vagão on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria haver um maquinista e não surpreen<strong>de</strong>u-se muito quando a<br />

encontrou sem ninguém.<br />

A estação estava completamente vazia.<br />

Não havia lá <strong>de</strong>ntro ninguém que pu<strong>de</strong>sse lhe esclarecer algo a respeito <strong>de</strong><br />

tão estranha viagem.<br />

Saiu para a rua on<strong>de</strong> o movimento das pessoas indicava que a vida seguia,<br />

apesar daquela estranha história que tinha vivido.<br />

Concluiu que tudo talvez não passasse <strong>de</strong> um sonho que tivera dormindo<br />

no trem; assim, achou melhor esquecer os acontecimentos...<br />

Resolveu fumar e encontrou no bolso o cachimbo cheio daquele fumo<br />

excepcional que ganhara <strong>de</strong> Alex Randall...<br />

As dúvidas então voltaram e, assim, acabaram <strong>de</strong>finitivamente ficando sem<br />

solução...<br />

***<br />

56


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.5 DE ALEX RANDALL<br />

O sumiço da estrela invisível e o não menos misterioso aparecimento do<br />

trem sem condutor no hangar do Viajante das Estrelas eram fatos que Alex<br />

Randall se esforçava para assimilar.<br />

Analisou inúmeras vezes as imagens gravadas da estrela, e as do trem<br />

mas não chegou a conclusão alguma.<br />

As do trem eram as mais espetaculares.<br />

Este <strong>de</strong>colava sabe-se lá como <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do hangar; subia em direção às<br />

comportas, e estas se abriam sem que o Cérebro Computadorizado da astronave<br />

sequer tomasse conhecimento ou autorizasse.<br />

A composição ia pro meio do nada espacial e simplesmente <strong>de</strong>saparecia...<br />

Por não ter ainda conseguido elementos que comprovassem uma teoria<br />

que tinha à respeito do assunto, Alex Randall <strong>de</strong>cidiu permanecer mais tempo pela<br />

região.<br />

Entretanto, nenhuma anormalida<strong>de</strong> ocorria...<br />

-Vamos até o local on<strong>de</strong> a estrela fria foi registrada pela última vez.<br />

Rapidamente o Viajante das Estrelas transpôs a astronômica distância até<br />

chegar às proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estar a Estela Invisível...<br />

Entretanto... Por alí não havia nada!<br />

Sequer um meteorito, resíduo <strong>de</strong> matéria, ou qualquer coisa que indicasse<br />

que naquele local do espaço, poucos tempo antes, existia uma estrela <strong>de</strong><br />

proporções colossais.<br />

Mesmo os instrumentos da astronave nada mostrvam <strong>de</strong> estranho ou<br />

suspeito.<br />

Foi então que, <strong>de</strong> um momento para outro, apareceu sem nenhuma<br />

explicação, no meio do espaço um buraco...<br />

Não um buraco comum, mas, um abismo com mais <strong>de</strong> quinhentos mil<br />

quilômetros <strong>de</strong> diâmetro e profundida<strong>de</strong> incalculável.<br />

Seu interior era muito brilhante, chamas eternas e purificadoras pareciam<br />

ar<strong>de</strong>r lá <strong>de</strong>ntro...<br />

Nosso herói não teve muito tempo para conjeturar como aquele fenômeno<br />

havia aparecido alí, ou, se ele era um outro atalho para alguma distante região do<br />

universo.<br />

Do mesmo modo repentino que o buraco havia aparecido do meio do nada,<br />

ele sumiu!<br />

E <strong>de</strong>sta vez, engolindo para o seu interior o Viajante das Estrelas!<br />

57


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

***<br />

Dentro da astronave, nosso herói ouviu um barulho estranho por trás <strong>de</strong> um<br />

dos equipamentos <strong>de</strong> controle da central <strong>de</strong> comando.<br />

Foi verificar e surpreen<strong>de</strong>u-se com a origem <strong>de</strong>le: uma barata!<br />

Alex Randall imediatamente pensou:<br />

-On<strong>de</strong> aparece uma barata, existirão outras, e talvez até ratos.<br />

Além <strong>de</strong> ter sua astronave levada sabe se lá para que lugar graças àquele<br />

fenômeno estranho em forma <strong>de</strong> buraco no espaço, nosso herói também tinha<br />

agora a difícil tarefa <strong>de</strong> adivinhar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> teria vindo aquele inseto.<br />

Tinha certeza <strong>de</strong> que o Viajante das Estrelas havia sido completamente<br />

limpo e esterilizado antes da partida.<br />

A presença <strong>de</strong> um intruso a bordo sem conhecimento do cérebro<br />

computadorizado já era muito estranha.<br />

Mesmo um inseto cem vezes menor que aquele teria sido localizado antes<br />

da partida.<br />

E a situação não parou <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r nosso herói...<br />

Assim que foi percebida, a barata apontou as antenas para Alex Randall e<br />

avançou na direção <strong>de</strong>le subindo pelo seu braço que, naquele momento estava<br />

com as mãos apoiadas no chão.<br />

Então, veio aquela dor insuportável.<br />

Por on<strong>de</strong> andava, o inseto soltava um forte ácido que queimava a pele.<br />

Antes que, num movimento involuntário dos braços pu<strong>de</strong>sse livrar-se do<br />

bicho que o atormentava, este, entranhou-se mais ainda por <strong>de</strong>ntro da roupa.<br />

E continuou sua caminhada pelo corpo <strong>de</strong> Alex Randall queimando-o ainda<br />

mais...<br />

Nosso <strong>de</strong>stemido <strong>de</strong>sbravador do espaço tentou esmagar a barata<br />

apoiando a parte do corpo on<strong>de</strong> ela se encontrava em alguma superfície dura,<br />

mas, nem isso <strong>de</strong>u certo.<br />

O bichinho a cada momento aumentava mais o castigo com seu passeio.<br />

Rasgou a roupa preta que usava estragando todos os computadores e<br />

acessórios conectados.<br />

Ainda assim, o inseto não <strong>de</strong>sgrudava e a tortura continuava...<br />

Não teve outro jeito senão arrancar o bicho com as próprias mãos. Claro<br />

que, à custa <strong>de</strong> novos e dolorosos sofrimentos.<br />

Desgraçadamente, quando achou que finalmente teria <strong>de</strong>scanso, percebeu<br />

58


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

que seus momentos <strong>de</strong> tormento ainda não haviam se findado.<br />

Diante <strong>de</strong> Alex Randall estava um ser extremamente assustador com<br />

aparência <strong>de</strong>moníaca.<br />

Era feio, <strong>de</strong> cor vermelha, com chifres, asas, <strong>de</strong>ntes e unhas pontiagudas.<br />

Cheirava muito mal e ainda segurava um tri<strong>de</strong>nte preto e enferrujado.<br />

O primeiro contato com tal criatura logo <strong>de</strong> cara foi pouco amistoso.<br />

Nosso herói sequer teve tempo para se recuperar e dizer: “-Olá, como vai?<br />

- quando foi espetado na altura do peito pela arma afiada do estranho.<br />

-Olá Alex Randall! Como vai? Seja bem vindo ao inferno!<br />

Aquilo só podia ser brinca<strong>de</strong>ira.<br />

***<br />

Justamente com Alex Randall que não acreditava no inferno tão pouco no<br />

paraíso..<br />

Era um sujeito completamente ateu que, já em vida, acreditava estar<br />

pagando seus pecados.<br />

-Po<strong>de</strong> acreditar! - Berrava aquela criatura apavorante. - Mas é verda<strong>de</strong>! Não<br />

é sonho não! O fato <strong>de</strong> ser ateu não o livrará do seu sofrimento que, quando tiver<br />

início, fará você acreditar em todos os <strong>de</strong>uses do Universo implorando a salvação<br />

para cada um <strong>de</strong>les!<br />

Sentiu a mão daquele ser amaldiçoado mexendo o tri<strong>de</strong>nte que, por sua<br />

vez, transmitia diretamente para os seus órgãos a força daqueles movimentos.<br />

Não tardou e, é claro! Alex Randall, que já estava espetado, foi suspenso<br />

no ar pela grotesca criatura que se <strong>de</strong>leitava com os seus gritos <strong>de</strong> dor.<br />

-Sou o Xerife do Inferno! Agora, você não terá um segundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso.<br />

Sua agonia durará muito tempo.<br />

O ser infernal realizava peripécias com apenas um braço usando o tri<strong>de</strong>nte<br />

on<strong>de</strong> nosso herói estava espetado.<br />

E Alex Randall, o pobre infeliz, sofria diretamente no próprio corpo, o que<br />

era ser o pão que o diabo amassou.<br />

E sua infelicida<strong>de</strong> não terminou por aí.<br />

Logo, nosso agonizante herói sentiu que respirava algum tipo <strong>de</strong> gás<br />

asfixiante que, quase forçava os pulmões a serem expelidos pela boca, tal a<br />

potência da tosse que ocasionava.<br />

E veio a risada infernal que parecia não terminar nunca, além <strong>de</strong> também,<br />

causar dor nos ouvidos, na cabeça e no próprio cérebro.<br />

Cansado <strong>de</strong> realizar evoluções acrobáticas com o tri<strong>de</strong>nte on<strong>de</strong> Alex<br />

59


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Randall estava espetado, o Xerife do Inferno arremessou-o à distância fazendo-o<br />

estatelar-se a uma das pare<strong>de</strong>s da central <strong>de</strong> comando.<br />

O corpo do nosso herói foi ao chão semi-morto, arrebentado e por alí ficou<br />

agonizando.<br />

-Vamos com isso, rapaz! Você não é tão fraco assim. Po<strong>de</strong> suportar mais!<br />

Com um estalar <strong>de</strong> <strong>de</strong>dos, cujo som seria capaz <strong>de</strong> ensur<strong>de</strong>cer qualquer<br />

ouvido humano, o Xerife do Inferno fez surgir na central <strong>de</strong> comando cães negros<br />

com correntes presas ao pescoço, <strong>de</strong>ntes prateados e olhos vermelhos como<br />

sangue.<br />

-Peguem rapazes! Ainda sobrou um pouco para vocês...<br />

Os animais saltaram sobre o nosso pobre e in<strong>de</strong>feso herói <strong>de</strong>vorando-lhe<br />

as carnes tomando o cuidado <strong>de</strong> começar a comilança pelos testículos.<br />

Não havia o que fazer.<br />

Alex Randall estava sentindo cada momento daquela intensa agonia,<br />

mesmo quando já <strong>de</strong>veria estar morto.<br />

A dor e a violência eram tão gran<strong>de</strong>s que sequer havia tempo <strong>de</strong> imaginar o<br />

porquê daquela situação...<br />

Os gritos agonizantes do nosso herói não comoviam o Xerife do Inferno.<br />

Tanto que, este começou a falar como se nada <strong>de</strong>mais estivesse acontecendo...<br />

-Meu amigo! Que oportunida<strong>de</strong> rara! Não é sempre que temos no inferno<br />

gente viva nos visitando... Não quer ficar permanentemente?<br />

A resposta foi um grito pavoroso <strong>de</strong> dor.<br />

A agonia era interminável...<br />

Do corpo vivo <strong>de</strong> Alex Randall só restou a sua cabeça que o Xerife do<br />

Inferno pegou pelos cabelos agora já um tanto ensangüentados.<br />

-As coisas aqui ficaram socializadas. Mo<strong>de</strong>rnizamos o sistema. Todo<br />

mundo tem tratamento igual. O sujeito já chega sofrendo e continua assim até o<br />

fim da eternida<strong>de</strong>...<br />

E <strong>de</strong>u outra sonora gargalhada...<br />

-Até o fim da eternida<strong>de</strong>... Enten<strong>de</strong>u a piada?<br />

A criatura <strong>de</strong>moníaca lançou a cabeça <strong>de</strong> Alex Randall, que, mesmo<br />

separada do resto do corpo continuava agonizando, como se fosse uma bola <strong>de</strong><br />

futebol e <strong>de</strong>u nela alguns chutes contra as pare<strong>de</strong>s da central <strong>de</strong> comando.<br />

Depois, ensaiou seus privilegiados dotes <strong>de</strong> jogador <strong>de</strong> futebol praticando<br />

“embaixadinhas”.<br />

E até que não era ruim...<br />

Conseguiu chutar a cabeça com a mesma perna sem <strong>de</strong>ixar cair no chão<br />

por bastante tempo.<br />

60


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Mesmo assim, a cabeça <strong>de</strong> Alex Randall não tinha <strong>de</strong>scanso.<br />

A morte não o abraçava aliviando-o <strong>de</strong> tanta dor.<br />

O Viajante das Estrelas então <strong>de</strong>sapareceu.<br />

A cabeça <strong>de</strong> nosso herói flutuava em direção a um mar <strong>de</strong> chamas que<br />

parecia existir em todas as direções e não ter fim...<br />

Caiu então num amontoado <strong>de</strong> corpos e membros provenientes <strong>de</strong> bilhões<br />

<strong>de</strong> outros pecadores <strong>de</strong> diversas raças inteligentes existentes pelo universo que,<br />

agora eram resi<strong>de</strong>ntes permanentes do inferno.<br />

Aquela pilha monumental não parava <strong>de</strong> crescer. A cada segundo centenas<br />

<strong>de</strong> corpos <strong>de</strong>spencavam do alto alimentando as chamas da fogueira.<br />

Ainda assim, a agonia do nosso herói prosseguia, mesmo que só do<br />

pescoço para cima.<br />

Surgiram várias outras criaturas infernais que também se divertiam bastante<br />

causando sofrimento às almas que involuntariamente alí pa<strong>de</strong>ciam.<br />

Do meio do monte <strong>de</strong> corpos, o Xerife do Inferno retirou a cabeça <strong>de</strong> Alex<br />

Randall e chutou-a em direção ao grupo <strong>de</strong> seres medonhos que dividiram-se em<br />

dois times e começaram a jogar futebol.<br />

Nosso herói, ainda assim não morria. Mesmo a partida tendo durado muito<br />

além dos tempos regulamentares.<br />

Terminado o clássico futebolístico, o Xerife do inferno pegou a cabeça <strong>de</strong><br />

Alex Randall novamente e, mostrou-lhe o cachimbo que tanto usava e apreciava.<br />

-Vê?!? Isso faz mal à saú<strong>de</strong>. Mas, quem sou eu para livrá-lo do seu vício?<br />

Com seus <strong>de</strong>dos sujos e nojentos, a criatura puxou para fora da boca a<br />

língua <strong>de</strong> Alex Randall e, sobre esta, jogou as cinzas ar<strong>de</strong>ntes do fornilho.<br />

Complementando a tortura, quebrou o cachimbo no meio, jogou fora a<br />

piteira e colocou o que sobrou preso aos <strong>de</strong>ntes daquela cabeça...<br />

-Assim, você não reclamará que eu não suavizei o seu sofrimento<br />

permitindo-lhe apreciar o seu prazer <strong>de</strong> fumar.<br />

E o Xerife do inferno gargalhou alucinadamente.<br />

Só parou no momento que um outro personagem apareceu nesta história...<br />

Era um homem alto, bem vestido, <strong>de</strong> boa aparência e com voz tranquila que<br />

se aproximou silenciosamente do Xerife do inferno:<br />

-On<strong>de</strong> está Alex Randall?<br />

O Xerife do inferno pegou a cabeça do nosso herói, ou o que sobrou <strong>de</strong>la e<br />

disse:<br />

-Chegou até nós por meio <strong>de</strong> um dos “buracos <strong>de</strong> minhoca” que ligam o<br />

inferno à dimensão dos vivos. Achei melhor antecipar um pouco do sofrimento que<br />

ele irá merecer.<br />

61


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Dizendo isso, o Xerife do inferno entregou a cabeça para aquele homem<br />

que a tomou em suas mãos e encarou firmemente seus olhos.<br />

-Disse bem! Que virá a merecer... Infelizmente, ainda não teve tempo <strong>de</strong><br />

cometer o pecado que garantirá seu lugar entre os nossos mais ilustres<br />

hóspe<strong>de</strong>s...<br />

E então, vendo os olhos daquele ser, Alex Randall, mesmo no estado em<br />

que se encontrava, percebeu quem ele era. A suprema força do mal, LÚCIFER, o<br />

manda-chuva do inferno, ao vivo e à cores!<br />

-Não vai escapar do seu <strong>de</strong>stino! Mortal! Veja o que o aguarda!<br />

Alex Randall viu uma imagem on<strong>de</strong> ele mesmo, aparecia sentado numa<br />

versão atemorizante da poltrona que usava na central <strong>de</strong> comando do Viajante<br />

das Estrelas. Esta, o prendia e aterrorizava, com diversos instrumentos <strong>de</strong> tortura.<br />

-Consi<strong>de</strong>re-se um privilegiado. Os amantes da dor certamente gostariam <strong>de</strong><br />

passar pelos mesmos suplícios que sentiu e <strong>de</strong>pois ainda voltar a viver. Mas eles<br />

não po<strong>de</strong>m! Por isso, não vão tão longe quanto você, ó gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravador das<br />

fronteiras espaciais! Por agora, só quero que lembre da sua visita aqui. Vai voltar<br />

a viver porque a sua conta no Inferno ainda não é <strong>de</strong>vedora, mas, no futuro...<br />

Quem sabe os caminhos que te aguardam?<br />

Lúcifer estalou os <strong>de</strong>dos e a realida<strong>de</strong> se alterou completamente outra vez.<br />

Alex Randall voltou ao normal <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando do Viajante<br />

das Estrelas.<br />

Suas roupas e seu corpo estavam intactos sem um único arranhão.<br />

Quando ia achando que toda aquela experiência macabra po<strong>de</strong>ria ser<br />

apenas fruto da sua imaginação, ouviu a voz <strong>de</strong> Lúcifer manifestando-se com<br />

bastante eco através do sistema <strong>de</strong> som da astronave:<br />

-Não se esqueça que esteve no inferno, Alex Randall. Seu lugar aqui está<br />

reservado em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>.<br />

Assustado com os acontecimentos, encontrou o cachimbo que o Xerife do<br />

Inferno havia quebrado. Este não fora concertado!<br />

Aquela, era outra prova da medonha viagem em que se metera.<br />

Para esquecer tão horrível experiência, <strong>de</strong>cidiu fazer alguma coisa.<br />

Aquela região do espaço estava povoada <strong>de</strong> fenômenos invisíveis até para<br />

os sensores mais sofisticados.<br />

alí.<br />

Estrelas invisíveis, buracos-<strong>de</strong>-minhoca e sabe se lá mais o que havia por<br />

Os incautos viajantes que transitassem pela região tinham <strong>de</strong> ser avisados<br />

dos perigos que os aguardavam.<br />

Antes <strong>de</strong> se afastar, <strong>de</strong>ixou em várias zonas seguras, que cercavam aquela<br />

62


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

região, <strong>de</strong> modo a po<strong>de</strong>rem ser avistados bem <strong>de</strong> longe, faróis que emitiriam<br />

sinais, inclusive luminosos informando os perigos nas proximida<strong>de</strong>s.<br />

Alex Randall po<strong>de</strong>ria ficar se lamentando durante diversos dias a respeito<br />

daquela terrível experiência e ainda reclamando a respeito das incertezas que o<br />

futuro lhe reservava já que sabia que o próprio Diabo estava nos seus<br />

calcanhares, mas, resolveu reverter toda aquela dor <strong>de</strong> forma a ajudar o próximo,<br />

fosse este <strong>de</strong> que raça este fosse.<br />

Antes <strong>de</strong> seguir caminho, observaria e analisaria o <strong>de</strong>sempenho dos faróis<br />

por algum tempo, só para ter certeza <strong>de</strong> que estes resistiriam às condições<br />

ambientais a que seriam submetidos.<br />

***<br />

63


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.6 DE ALEX RANDALL<br />

Daquele novo ponto <strong>de</strong> vista, os sensores altamente apurados do Viajante<br />

das Estrelas perceberam uma força gravitacional que lhe exercia pequena<br />

influencia e procuraram por sua origem.<br />

Mesmo a uma consi<strong>de</strong>rável distância, as po<strong>de</strong>rosas lentes das câmeras da<br />

astronave i<strong>de</strong>ntificaram um planeta como responsável e, a respeito do mesmo,<br />

fizeram interessantes <strong>de</strong>scobertas.<br />

Alí, o ambiente era viável e favorável a vida humana...<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência confortável para o homem num novo<br />

mundo sempre era motivo mais do que justo para pesquisa, tanto que, no<br />

momento seguinte, Alex Randall autorizou o Cérebro Computadorizado a<br />

conduzir a astronave rumo àquele novo mundo.<br />

Depois <strong>de</strong> cobrir uma distância astronômica em pouquíssimo tempo, O<br />

Viajante das Estrelas circulou o planeta várias vezes analisando <strong>de</strong>talhadamente<br />

toda a sua superfície procurando por cida<strong>de</strong>s ou resquícios <strong>de</strong> vida.<br />

Após intensas buscas, sinais indicando a presença <strong>de</strong> construções e<br />

artefatos tecnológicos foram confirmados.<br />

Tratavam-se <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> naves espaciais das mais diversas origens<br />

estacionadas umas ao lado das outras.<br />

Através dos transmissores do Viajante das Estrelas, foi enviada uma<br />

saudação <strong>de</strong> paz e amiza<strong>de</strong> em todos os idiomas conhecidos pelo cérebro<br />

computadorizado.<br />

Aguardou algum tempo, mas não obteve resposta alguma...<br />

-Vou <strong>de</strong>scer. Tentarei uma abordagem direta.<br />

A resposta do cérebro computadorizado foi imediata.<br />

-Devo aconselhá-lo do contrário, a atmosfera não foi suficientemente<br />

analisada, uma mudança <strong>de</strong> tempo é possível a qualquer momento. Existe até a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontro com formas <strong>de</strong> vida agressivas e perigosas. Os<br />

serviços preliminares po<strong>de</strong>m ser feitos por robôs e sondas exploradoras...<br />

-Não acredito que os construtores <strong>de</strong>ssas naves espaciais possam ser<br />

perigosos ou ignorantes! A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco à minha segurança é mínima.<br />

Mantenho a <strong>de</strong>cisão.<br />

Alex Randall dirigiu-se até o hangar on<strong>de</strong> estavam disponíveis diversos<br />

tipos <strong>de</strong> veículos que permitiam variadas missões fora da nave.<br />

Po<strong>de</strong>ria ser teletransportado diretamente para a superfície do planeta, mas,<br />

64


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

per<strong>de</strong>ria uma das maiores diversões <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> visita: apreciar a vertigem e as<br />

fortes emoções características dos esportes radicais durante a entrada e queda<br />

em alta velocida<strong>de</strong> em direção à superfície daquele mundo..<br />

No hangar também havia uma poltrona ligeiramente diferente daquela que<br />

usava na central <strong>de</strong> comando.<br />

Seria nela que apreciaria aquela “pequena viagem”.<br />

Sentou-se, digitou alguns comandos no painel <strong>de</strong> controles instalado em<br />

seu braço e, ela começou a flutuar.<br />

O cinto <strong>de</strong> segurança pren<strong>de</strong>u automaticamente nosso herói ao encosto e<br />

um capacete vedado com amplo visor foi colocado sua cabeça.<br />

Formou-se então pálida esfera branca, semitransparente e brilhante ao<br />

redor da poltrona.<br />

Era um campo <strong>de</strong> proteção. Tão intransponível, que mesmo no vácuo<br />

espacial não <strong>de</strong>ixaria escapar o ar que eventualmente estivesse em seu interior.<br />

Tudo parecia muito seguro para Alex Randall, mas, o cérebro<br />

computadorizado do Viajante das Estrelas ainda não havia se convencido disso...<br />

Com sua voz feminina digitalizada, tentava ainda uma última vez <strong>de</strong>mover o<br />

nosso herói <strong>de</strong> seu intento.<br />

-Devo insistir na recomendação <strong>de</strong> cautela e no pedido para que<br />

permaneça aqui <strong>de</strong>ntro em segurança até a chegada <strong>de</strong> novas informações.<br />

-Não se preocupe. Pretendo voltar inteiro para a nave...<br />

Seria aquela impetuosida<strong>de</strong> toda fruto dos momentos agonizantes pelos<br />

quais passara nas mãos dos senhores dos infernos?<br />

Difícil saber.<br />

Com um movimento rápido das mãos sobre o painel instalado no braço da<br />

poltrona, esta voou para fora do hangar.<br />

Do espaço, seguiu em direção aos céus daquele planeta.<br />

Escoltando Alex Randall, seguia um robô <strong>de</strong> segurança com forma esférica<br />

e diâmetro aproximado <strong>de</strong> quarenta centímetros.<br />

Penetrou a atmosfera em alta velocida<strong>de</strong> e, logo viu ao redor do campo <strong>de</strong><br />

força que o protegia as chamas ar<strong>de</strong>rem.<br />

Não tardou muito diminuiu a velocida<strong>de</strong> até para po<strong>de</strong>r visualizar melhor<br />

os acontecimentos ao seu redor.<br />

Afora as nuvens do céu e o vento, na superfície daquele mundo nada se<br />

movia em parte alguma.<br />

Bem distante, numa vasta planície <strong>de</strong>serta, os instrumentos <strong>de</strong> localização<br />

da poltrona encontraram um veículo terrestre muito similar a um toda estrada <strong>de</strong><br />

seis rodas.<br />

65


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Dirigiu-se para a localida<strong>de</strong>, pousou ao seu lado, e logo notou que, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>le haviam dois seres <strong>de</strong> formas humanói<strong>de</strong>s <strong>de</strong>bruçados no painel...<br />

Não se moviam...<br />

Alex imaginou que ambos po<strong>de</strong>riam estar mortos, mesmo assim, <strong>de</strong>u um<br />

grito <strong>de</strong> saudação:<br />

-Ei!!<br />

Continuaram sem se mover...<br />

Alex <strong>de</strong>sativou a esfera protetora ao redor da poltrona e <strong>de</strong>sceu <strong>de</strong>sta, se<br />

aproximando do carro.<br />

Empurrou o ombro <strong>de</strong> um dos seres, e este caiu duro no chão!<br />

Era humanói<strong>de</strong>, sem duvida nenhuma. Quase não tinha diferenças com um<br />

terrestre...<br />

O rosto <strong>de</strong>monstrava um sorriso escancarado mesmo <strong>de</strong>pois da morte.<br />

Uma cena realmente tétrica...<br />

Só para confirmar, Alex Randall olhou também o rosto do outro que também<br />

estava no jipe.<br />

Apresentava as mesmas condições...<br />

-Esses dois não po<strong>de</strong>m me ajudar em mais nada. – Pensou - Vou procurar<br />

vida em outro lugar.<br />

Ao lado <strong>de</strong> Alex o seu robô <strong>de</strong> segurança e escolta registrava todos os<br />

<strong>de</strong>talhes da cena <strong>de</strong> morte enviando-os ao cérebro computadorizado do Viajante<br />

das Estrelas.<br />

Alex.<br />

-Algum fator que i<strong>de</strong>ntifique o porquê <strong>de</strong>ssa morte sorri<strong>de</strong>nte? Perguntou<br />

-Não. – Foi a resposta vinda da esfera robotizada. - Afora a estranha<br />

mudança nos músculos do rosto, nada <strong>de</strong> anormal se feita uma comparação com<br />

a anatomia humana terrestre.<br />

-Morte sorri<strong>de</strong>nte... Este termo é muito engraçado mesmo...<br />

Alex acabou <strong>de</strong>ixando até escapar uma gargalhada, mesmo diante uma<br />

situação nada risonha...<br />

Voltou novamente para a poltrona e levantou vôo à procura <strong>de</strong> vida.<br />

Decidiu seguir na direção on<strong>de</strong> estavam as estranhas naves que havia<br />

i<strong>de</strong>ntificado anteriormente.<br />

Depois <strong>de</strong> voar um pouco, encontrou o que procurava.<br />

Pousou ao lado <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las.<br />

Uma com forma <strong>de</strong> torpedo e bastante carcomida pelo tempo.<br />

De pé, começou a procurar por uma porta ou escotilha que <strong>de</strong>sse acesso<br />

66


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

para o foguete.<br />

Não <strong>de</strong>morou e logo encontrou o que queria.<br />

Deu alguns gritos e ninguém se manifestou.<br />

Abriu a porta e, um pouco mais cauteloso, disse para o robô.<br />

-Entre aí e verifique a situação.<br />

O robõ entrou e <strong>de</strong>sapareceu na escuridão ali <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro.<br />

Alguns minutos passaram e então voltou com informações:<br />

-Existem <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> formas humanói<strong>de</strong>s aí <strong>de</strong>ntro. Todas sem vida.<br />

Aparentemente, também foram vítimas do mesmo mal que matou os que<br />

encontramos agora a pouco.<br />

Subitamente, Alex Randall começou a gargalhar novamente...<br />

Se contendo um pouco mais, ele parou para respirar e disse:<br />

-Que droga! Eu venho preparado até com discurso <strong>de</strong>corado para a<br />

eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar formas <strong>de</strong>sconhecidas <strong>de</strong> vida e tudo o que encontro é<br />

um cemitério...<br />

Inexplicavelmente, Alex Randall caiu novamente na gargalhada...<br />

-Puxa vida, isto não é tão engraçado assim. Afinal, aqui todos estão<br />

mortos...<br />

E ria mais um pouco.<br />

O robô que o acompanhava <strong>de</strong>u uma sugestão:<br />

-Recomendo que voltemos ao Viajante das Estrelas para procedimentos<br />

médicos <strong>de</strong> emergência. Suas atitu<strong>de</strong>s indicam uma aparente contaminação pelo<br />

mesmo mal que matou toda esta gente...<br />

Alex ficou <strong>de</strong> pé contendo inutilmente as gargalhadas e ainda tentando<br />

apelar para ficar um pouco mais...<br />

-Não é necessário! Já me sinto melhor... Vamos procurar novas formas <strong>de</strong><br />

vida. Eu sei que vamos encontrar.<br />

E ria mais ainda.<br />

Logo não conseguia mais conter as gargalhadas e se ajoelhou novamente.<br />

As lágrimas rolavam pelo seu rosto, seus músculos estomacais estavam<br />

estirados <strong>de</strong> tanta contração e dor, mas, Alex não parava <strong>de</strong> dar risada.<br />

O rosto começou a <strong>de</strong>sfigurar-se no temido sorriso mortal.<br />

O robô que o acompanhava registrava em <strong>de</strong>talhes seus momentos <strong>de</strong><br />

agonia.<br />

Caiu no chão e contorcia-se com fortes dores no abdômen, mas sem parar<br />

<strong>de</strong> dar risada.<br />

Acabou per<strong>de</strong>ndo todo o controle do seu corpo quando urinou<br />

67


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

<strong>de</strong>scontroladamente nas próprias calças enquanto gargalhava sem parar.<br />

Finalmente, ficou sem ar e tombou inerte com o sinistro sorriso cravado nos<br />

músculos faciais.<br />

***<br />

Logo, <strong>de</strong> maneira inexplicável e surpreen<strong>de</strong>nte um forte vento começou a<br />

soprar no local on<strong>de</strong> estava o corpo <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Nuvens se a<strong>de</strong>nsaram escurecendo tudo.<br />

A velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> circulação do ar aumentou drasticamente...<br />

Dos ventos surgiram furacões e tornados que começaram a levantar<br />

arbustos, galhos e outros objetos do chão...<br />

Uma pedra, no meio da confusão, acertou o robô que prestava segurança a<br />

Alex Randall.<br />

Com a pancada, o refinado aparato tecnológico <strong>de</strong>scontrolou seu vôo<br />

espatifando-se no chão.<br />

A poltrona voadora por sua vez, foi sendo lenta e inexoravelmente coberta<br />

pela areia daquela tempesta<strong>de</strong>.<br />

Mais uma vez, a natureza levava a melhor sobre a ciência do homem...<br />

***<br />

No meio <strong>de</strong> toda barulheira e ventania causada pela tempesta<strong>de</strong>, uma<br />

sombra <strong>de</strong> forma humanói<strong>de</strong> coberta com estranhos roupas, agachou-se junto ao<br />

corpo <strong>de</strong> Alex Randall e o carregou esquivando-se habilidosamente das forças<br />

brutais da natureza.<br />

local.<br />

***<br />

Acordou sentindo uma forte dor no abdômen e nos músculos faciais.<br />

Olhou ao redor e viu-se numa caverna <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s brilhantes e luminosas.<br />

Ao seu lado havia um ser humanói<strong>de</strong>, <strong>de</strong> quase dois metros.<br />

Era um homem muito velho que tinha barba espessa branca e cumprida.<br />

Alex Randall sentou-se bastante cansado.<br />

O corpo parecia ligeiramente endurecido...<br />

-Preciso ir ao banheiro...<br />

Assim que o ouviu, o velho apontou para um túnel que saia dalí daquele<br />

68


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Como <strong>de</strong>ntro da caverna não havia o conforto <strong>de</strong> uma instalação sanitária<br />

a<strong>de</strong>quada, nosso herói enten<strong>de</strong>u a mensagem do velho e enfiou-se no túnel<br />

escuro indicado.<br />

Já <strong>de</strong> cara, assim que a<strong>de</strong>ntrou mais aquela penumbra, ao sentir o cheiro<br />

reinante lá <strong>de</strong>ntro percebeu a finalida<strong>de</strong> do local.<br />

Botou a bunda pra fora e, na escuridão aliviou-se...<br />

Andou alguns metros, pegou areia do chão e usou-a para fazer a melhor<br />

limpeza possível.<br />

Depois, voltou para a luz on<strong>de</strong> estivera antes.<br />

-Caramba! Agora sinto-me melhor...<br />

-É bom sinal. - Ouviu – O veneno saiu do seu corpo...<br />

Sentou-se diante do dono daquela misteriosa voz...<br />

-Você po<strong>de</strong> me enten<strong>de</strong>r. –Constatou nosso herói meio aliviado.<br />

O sujeito acenou positivamente com um gesto <strong>de</strong> cabeça...<br />

-O que aconteceu?<br />

-O sr. foi envenenado pelo ar da atmosfera <strong>de</strong>sse mundo e <strong>de</strong>pois, salvo<br />

pelo po<strong>de</strong>r da Água Purificadora...<br />

Dizendo isso, o sujeito apontou para um lago subterrâneo.<br />

-A Água Purificadora cura qualquer doença em seres <strong>de</strong> todas as espécies.<br />

Observe seu reflexo na superfície e constate a dádiva que lhe foi oferecida...<br />

Afora as dores musculares que ainda sentia, muito parecidas com as <strong>de</strong> um<br />

atleta <strong>de</strong>pois do treino, Alex Randall percebeu uma melhora nos pulmões.<br />

Agora respirava melhor...<br />

Andou até a beira do lago e olhou seu reflexo que era claramente refletido<br />

naquele líquido...<br />

anos!<br />

Ficou chocado com o que viu...<br />

***<br />

Seu rosto aparentemente havia rejuvenescido mais <strong>de</strong> cento e oitenta anos<br />

A pele estava muito mais lisa e saudável... As rugas e manchas nela<br />

<strong>de</strong>sapareceram como que por milagre.<br />

Os <strong>de</strong>ntes voltaram à cor original branca e mesmo as gengivas<br />

anteriormente escurecidas pelo excesso <strong>de</strong> fumo durante décadas estavam mais<br />

vermelhas e tenras...<br />

Até o cabelo e os pelos do corpo voltaram à cor loura dos velhos e bons<br />

69


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

tempos.<br />

Tinha agora não só a aparência, mas a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> um jovem <strong>de</strong> 19 anos.<br />

Esta era a dádiva a que o misterioso humanói<strong>de</strong> naquela caverna se<br />

referia...<br />

Sentia um vigor que há muito não experimentava.<br />

Olhava para as próprias mãos e se indagava:<br />

-Como é possível?<br />

-Um milagre <strong>de</strong> Deus – foi a resposta que ouviu do estranho... – Só ele é<br />

capaz <strong>de</strong> fazer brotar do meio das pedras <strong>de</strong>sse mundo a Água Purificadora...<br />

Alex ficou em silêncio pois não acreditava em Deus.<br />

Ainda assim, enten<strong>de</strong>u ser melhor não dizer a seu salvador que era ateu<br />

para não <strong>de</strong>cepciona-lo já que este parecia bastante religioso.<br />

-Não se preocupe, Alex Randall. Não sou um fanático e compreendo a sua<br />

falta <strong>de</strong> fé. Eu já fui assim um dia...<br />

Nosso herói não podia acreditar. O tal sujeito ainda era telepata!<br />

-Me perdoe. Foi <strong>de</strong>selegante da minha parte. Não me intrometerei mais em<br />

seus pensamentos.<br />

-Tem uma vantagem sobre mim, senhor. Não sei quem é...<br />

-Sou Lemor. – Fez uma mesura. - Ao seu dispor...<br />

-Aon<strong>de</strong> estamos, Lemor?<br />

Estavam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma caverna iluminada com tochas acesas afixadas em<br />

suas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pedra escura e brilhante.<br />

O chão era <strong>de</strong> areia fofa e permitia que nosso atordoado herói<br />

permanecesse em posição confortável almejando até relaxamento e conforto.<br />

Ouvia um som forte, alto, constante e até incomodava um pouco que vinha<br />

cuja origem aparentemente estava bem distante dalí. Eram o <strong>de</strong> fortes ventos que<br />

castigavam aquele mundo..<br />

-Estamos em lugar seguro. – Foi a resposta <strong>de</strong> Lemor. Aqui po<strong>de</strong>remos<br />

esperar o término <strong>de</strong>ssa tempesta<strong>de</strong> e você então po<strong>de</strong>rá partir em paz...<br />

-E todas aquelas naves lá fora? O que aconteceu com seus tripulantes?<br />

-Mortos. Não tiveram tempo <strong>de</strong> beneficiar-se dos po<strong>de</strong>res da Água<br />

Purificadora...<br />

-Você disse que o ar <strong>de</strong>sse planeta está envenenado... Mas os meus<br />

instrumentos indicaram que ele não apresentava perigo...<br />

-Foi o que todos nós achamos antes <strong>de</strong> chegarmos. Esse povo tinha<br />

intenção <strong>de</strong> formar uma colônia e continuar o resto <strong>de</strong> suas vidas aqui. Um<br />

elemento presente no ar, imperceptível aos melhores sensores e purificadores,<br />

70


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

causou a morte que não poupou ninguém: só a mim.<br />

-Tem idéia do que permitiu a sua sobrevivência?<br />

-Minha fé. Des<strong>de</strong> que fui abençoado com a visão <strong>de</strong> Deus, nenhum mal<br />

mais acometeu minha saú<strong>de</strong>. Por outro lado, as provações que suporto tem sido<br />

imensas, já que <strong>de</strong>dico-me agora à pregação da palavra do senhor.<br />

Mesmo com a aparência um tanto mais jovem, as expressões <strong>de</strong> Alex<br />

Randall não <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> revelar uma total <strong>de</strong>scrença no que lhe era dito.<br />

Lemor podia perceber isso mesmo sem seus dons telepáticos.<br />

-Me permite contar como foi o momento mais iluminado <strong>de</strong> minha vida?<br />

Aquele que vi a luz divina <strong>de</strong> Deus? – Ou, como prefiro dizer : A MÃE<br />

CRIADORA DE TODAS AS COISAS<br />

Não havia muito o que fazer naquela situação.<br />

Nosso herói sacou do bolso um cachimbo, acen<strong>de</strong>u-o e abriu um amplo<br />

sorriso:<br />

-Como posso negar um pouco <strong>de</strong> atenção para quem me tirou o peso <strong>de</strong><br />

quase duas centenas <strong>de</strong> anos das costas?<br />

***<br />

A voz <strong>de</strong> Lemor era pausada e tranqüila.<br />

Transportou seu ouvinte, da caverna, para um período muito anterior àquele<br />

on<strong>de</strong> o narrador vivera outro momento, neste caso, como um senhor <strong>de</strong> guerra.<br />

Um período <strong>de</strong> tempo on<strong>de</strong> comandara uma gran<strong>de</strong> frota <strong>de</strong> naves militares<br />

completamente armadas capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegrar uma estrela.<br />

Estava a serviço <strong>de</strong> um império governado com mão <strong>de</strong> ferro por lí<strong>de</strong>res<br />

que não davam o menor valor para a vida alheia.<br />

Lemor era apenas mais um fiel servidor, porém, um <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, que<br />

cumpria suas or<strong>de</strong>ns sem discução.<br />

Porém, ao final <strong>de</strong> outra batalha on<strong>de</strong> encontrara a vitória a custa <strong>de</strong> muitas<br />

mortes inimigas, teve seu momento <strong>de</strong> iluminação.<br />

Do seu posto <strong>de</strong> comando, Lemor contemplava o caos causado por mais<br />

aquela guerra.<br />

Milhares <strong>de</strong> naves espaciais <strong>de</strong>stroçadas incendiando-se no meio da noite<br />

espacial, gritaria geral, disparos <strong>de</strong> armas, explosões, fumaça, cheiro <strong>de</strong><br />

combustível e gases tóxicos no ar...<br />

Tudo aquilo para ele era apenas mais um dia <strong>de</strong> rotina no trabalho.<br />

Até o momento que o negrume espacial ficou completamente iluminado,<br />

como se, um único raio tivesse aceso todo o infinito...<br />

71


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Ao redor <strong>de</strong> Lemor, o tempo pareceu congelar.<br />

Ninguém se movia, mesmo a fumaça no ar parecia parada <strong>de</strong>ntro daquele<br />

instante.<br />

Ainda não conseguia enten<strong>de</strong>r o que acontecia...<br />

Então, uma jovem apareceu ao seu lado.<br />

Era muito bonita e estava completamente nua.<br />

Tinha olhos negros e profundos, como se todo o cosmo estivesse no interior<br />

<strong>de</strong>les...<br />

Com uma doce e sensual voz, ela disse:<br />

-Sou a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS. Deste momento em<br />

diante, você <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> servir ao teu antigo senhor e somente a mim prestará<br />

contas. Deixa <strong>de</strong> briga e prega o amor entre os irmãos <strong>de</strong> todas as raças. Este é o<br />

caminho para mim.<br />

A jovem <strong>de</strong>sapareceu diante <strong>de</strong> seus olhos, mas, suas palavras não.<br />

Elas ainda pareceram ficar escritas em diversas cores ao redor por algum<br />

tempo...<br />

O fenômeno que congelava o tempo ao seu redor permanecia assim como<br />

um encantamento.<br />

Lemor tirou a armadura que vestia, abandonou o posto <strong>de</strong> comando e<br />

seguiu para o hangar on<strong>de</strong> estavam diversas naves..<br />

Embarcou num dos caças disponíveis e lançou-se ao espaço.<br />

Afastou-se da cena <strong>de</strong> guerra e do estilo <strong>de</strong> vida que até aquele momento<br />

levara.<br />

Depois disso, passou algum tempo isolado meditando e preparando-se para<br />

o futuro que levaria dali em diante.<br />

Quando voltou para o seu povo, <strong>de</strong>scobriu que o império para quem servira<br />

e que antes governava a tudo e todos com tirania e mão <strong>de</strong> ferro, tombara.<br />

No seu lugar, fora instaurada uma república.<br />

Naquele momento, Lemor enten<strong>de</strong>u que seu lado marcial agora estava<br />

morto e dali em diante, <strong>de</strong>dicaria a vida pregando as palavras da MÃE CRIADORA<br />

DE TODAS AS COISAS.<br />

***<br />

Utilizando-se do mesmo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> oratória que conduzia voluntários para a<br />

luta, o ex-lí<strong>de</strong>r militar agora arregimentava as massas para o caminho iluminado.<br />

Seu exército <strong>de</strong> fieis agora era muito superior àquele que um dia<br />

72


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

comandara visando somente a morte e <strong>de</strong>struição do inimigo.<br />

Gente <strong>de</strong> todas as classes sociais, saudáveis ou não, agra<strong>de</strong>cidos e<br />

<strong>de</strong>sesperados, os oprimidos, doentes, abandonados, etc..<br />

Todos os sofredores tinham lugar no novo exercito <strong>de</strong> Lemor.<br />

As belas palavras do gran<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r calavam a aflição <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> milhões<br />

<strong>de</strong> corações <strong>de</strong> seres <strong>de</strong> todos os cantos da galaxia.<br />

O crescimento do movimento se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> tal maneira que achou-se por bem<br />

que ele fosse levado e sediado num planeta on<strong>de</strong> os fieis pu<strong>de</strong>ssem viver<br />

tranqüilamente sem incomodar ou ser importunado por aqueles que não<br />

compartilhavam ou não eram atingidos pela palavra iluminada.<br />

E o mundo escolhido fora justamente aquele on<strong>de</strong> Alex Randall quase teve<br />

sua vida ceifada pela morte sorri<strong>de</strong>nte.<br />

Destino idêntico não tiveram os seguidores <strong>de</strong> Lemor que sucumbiram<br />

pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> chegar.<br />

O fim veio inclemente.<br />

Exceto para o ex-lí<strong>de</strong>r militar, que, amargurado com tamanha tragédia, quis<br />

viver seus últimos dias isolado do resto do universo.<br />

-Aquelas mortes me abateram muito mais que a dos meus companheiros<br />

que tombaram em batalha. Falhei diante da MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />

COISAS e dos meus seguidores. Não sou digno <strong>de</strong> prosseguir pregando a sua<br />

palavra ...<br />

***<br />

Não sabia se era o efeito do fumo num corpo ainda jovem, mas, as palavras<br />

<strong>de</strong> Lemor realmente haviam tocado o coração <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Por alguns instantes sentiu-se na pele daquele pregador cuja fé estava<br />

abalada.<br />

Era meio como que ficar órfão da noite para o dia ou talvez per<strong>de</strong>r um<br />

amigo...<br />

Tocou-se também com a historinha que lhe fora contada <strong>de</strong>vido às décadas<br />

que lhe foram subtraídas das costas.<br />

Tudo ali era um pouco místico e irreal...<br />

Tal atmosfera relembrou na mente <strong>de</strong> nosso herói antigas histórias da<br />

Terra:<br />

-Você sabe que não sou muito crente e tão pouco seguidor <strong>de</strong> qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> fé. Mas lembro-me das histórias <strong>de</strong> homens santos do meu mundo que<br />

<strong>de</strong>ram a própria vida em <strong>de</strong>fesa daquilo que acreditavam. Se estavam certos ou<br />

73


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

errados eu ignoro... O fato é que até o fim eles seguiram fortes na sua fé...<br />

Alex fez uma pausa e continuou...<br />

-Tenho certeza que estes também no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> suas caminhadas<br />

cometeram muitos equívocos e acredito até que em alguns casos tenham sido<br />

causadores indiretos <strong>de</strong> muitas mortes ao pregarem o que acreditavam. A guerra<br />

<strong>de</strong>les seria pouca coisa diferente daquela que você viveu nos seus dias <strong>de</strong><br />

soldado. As armas com certeza eram bem distintas, mas, em alguns casos, o<br />

resultado podia ser o mesmo....<br />

“Sua falha, apesar <strong>de</strong> causadora <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tragédia é <strong>de</strong>sculpável, pois,<br />

não foi intencional nem fruto <strong>de</strong> negligência...”<br />

Alex Randall interrompeu suas reflexões filosóficas e disse:<br />

-Quando sairmos daqui, te <strong>de</strong>ixo em algum mundo civilizado on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá<br />

voltar à vida normal...”<br />

Nem Alex Randall acreditou no que disse, já que não era dado a fazer tais<br />

tipos <strong>de</strong> discurso.<br />

Estranhou até a naturalida<strong>de</strong> e fluência com que falara tanta coisa...<br />

Mas o efeito em Lemor foi bastante positivo.<br />

Um brilho surgiu em seus olhos e algumas lágrimas até ensaiaram a saída<br />

para o choro.<br />

Respirou fundo e, nesse momento, cessou todo o barulho <strong>de</strong> ventania que<br />

parecia fustigar o exterior das pare<strong>de</strong>s daquela caverna.<br />

Lemor pegou uma garrafa transparente que estava ao seu lado, encheu-a<br />

com a Água Purificadora que havia naquele tranqüilo lago subterrâneo e entregouo<br />

para Alex Randall.<br />

-Leve-a consigo. No seu futuro você vai precisar <strong>de</strong>la novamente!<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada.<br />

-Pressinto um pouco <strong>de</strong> humor em suas palavras, Lemor. Será que você<br />

reencontrou a sua velha força para pregar e lutar?<br />

Lemor abriu um sorriso em meio a tanta barba espessa respon<strong>de</strong>ndo...<br />

-As palavras <strong>de</strong> um infiel trouxeram-me <strong>de</strong> volta ao caminho <strong>de</strong> Deus. Os<br />

exemplos dos homens santos a quem você se referiu me comoveram. Vejo<br />

claramente agora o meu <strong>de</strong>stino...<br />

-Que é ser santo? - Indagou ironicamente nosso herói...<br />

-Não! Na verda<strong>de</strong> é apenas o <strong>de</strong> pregar. Mas também posso dizer que no<br />

seu futuro, você um dia encontrará a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS ...<br />

Nesse momento um ruído <strong>de</strong> pedra sendo arrastada ecoou pela caverna,<br />

Nosso herói <strong>de</strong>sviou a sua atenção para a fonte daquele som e viu que se abrira<br />

uma saída on<strong>de</strong> era possível vislumbrar o céu azulado...<br />

74


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-E então, Lemor. Vem comigo?<br />

Alex Randall olhou para traz e surpreen<strong>de</strong>u-se...<br />

***<br />

As pare<strong>de</strong>s da caverna não eram mais brilhantes, as tochas estavam<br />

apagadas e o lago on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estar a Água Purificadora completamente seco.<br />

O misterioso eremita tão pouco estava mais lá...<br />

-Lemor..<br />

Alex Randall chamou varias vezes mas não obteve resposta.<br />

Dirigiu-se para a saída da caverna e <strong>de</strong>parou-se com um dia lindo e<br />

maravilhoso.<br />

A tempesta<strong>de</strong> havia limpado os céus.<br />

Vislumbrou a poltrona voadora semi enterrada no meio <strong>de</strong> tanta areia e<br />

também os <strong>de</strong>stroços do robô.<br />

Desenterrou a poltrona e conseguiu colocá-la para funcionar.<br />

O Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas surpreen<strong>de</strong>u-se com<br />

a recém adquirida juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alex Randall, mas, após alguns rápidos testes,<br />

convenceu-se <strong>de</strong> que aquele jovem era realmente quem dizia ser.<br />

Já sentado na poltrona, nosso herói com os recursos <strong>de</strong>la, tentou localizar<br />

Lemor.<br />

A resposta que obteve foi lacônica...<br />

-Não há o menor indício <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> seres humanos vivos num raio <strong>de</strong> cem<br />

quilômetros <strong>de</strong>ssa posição.<br />

lugar.<br />

-Ele certamente está escondido nas cavernas subterrâneas <strong>de</strong>sse mundo...<br />

Mal acabou <strong>de</strong> dizer isso, um forte terremoto começou a abalar aquele<br />

Todo o chão <strong>de</strong>sabou.<br />

A poltrona voadora saiu flutuando e o seu campo protetor esférico foi<br />

imediatamente ativado.<br />

As vibrações foram tão intensas que todo o horizonte, até on<strong>de</strong> a vista<br />

podia alcançar tremia visível e violentamente.<br />

As naves espaciais paradas umas ao lado das outras começaram a tombar<br />

e, no choque com o chão, ou, <strong>de</strong> umas com as outras, causavam explosões <strong>de</strong><br />

violento impacto.<br />

O terremoto era tão forte que, em pouquíssimo tempo soterrou todas não<br />

<strong>de</strong>ixando na superfície do planeta o menor indício da sua anterior existência ali.<br />

75


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Alguns minutos <strong>de</strong>pois, o silêncio total.<br />

Dos céus, flutuando sentado em sua poltrona voadora, Alex Randall não<br />

parava <strong>de</strong> se impressionar com as surpresas que a cada novo instante<br />

aconteciam..<br />

Olhando também para a garrafa da misteriosa Água Purificadora oferecida<br />

por Lemor, resolveu voltar para a astronave.<br />

Quem sabe, alí obtivesse algum relaxamento...<br />

***<br />

Confortavelmente sentado na central <strong>de</strong> comando enquanto saboreava seu<br />

cachimbo, Alex Randall não se conformava em não ter encontrado o menor sinal<br />

<strong>de</strong> Lemor ou mesmo do lago da Água Purificadora que simplesmente sumira<br />

daquele mundo.<br />

Também das espaçonaves soterradas pelo terremoto, não havia mais o<br />

menor sinal.<br />

Mesmo <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> terra, on<strong>de</strong> os sensíveis instrumentos do Viajante das<br />

Estrelas ainda <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>tectá-las, não apareciam nem davam sinais <strong>de</strong><br />

existência em lugar algum.<br />

Com mais indagações do que respostas, Alex Randall resolveu partir rumo<br />

ao profundo e <strong>de</strong>sconhecido espaço.<br />

Quando pensava no que acontecera, seu cérebro simplesmente se negava<br />

a acreditar nessa história, porém, <strong>de</strong>pois que se olhava no espelho, via com<br />

certeza que o seu miraculoso rejuvenescimento era agora um fato.<br />

***<br />

76


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

RELATÓRIO N.7 DE ALEX RANDALL<br />

Abriu os olhos e quando ia levar o cachimbo à boca percebeu que não era<br />

uma mão humana que o segurava, mas, a pata <strong>de</strong> inseto.<br />

Deu-se conta ainda, que os seus pensamentos lhe davam razoável<br />

controle daquele membro.<br />

Olhou o resto do corpo e <strong>de</strong>sconcertou-se com o que viu.<br />

Alex Randall se transformara num inseto.<br />

Num primeiro momento, foi impossível saber classificar <strong>de</strong> que tipo; nem<br />

mesmo, i<strong>de</strong>ntificar as razões que o levaram a tão estranha transformação.<br />

Num segundo momento, passou a agir instintivamente.<br />

Mor<strong>de</strong>u o chão rosado e brilhante on<strong>de</strong> se encontrava e começou a<br />

alimentar-se <strong>de</strong> um fluído vermelho que passava por <strong>de</strong>baixo daquela superfície.<br />

Era sangue!<br />

Só terminou a refeição <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> efetivamente matar a fome que o<br />

atormentava.<br />

Desnecessário dizer que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ingerir todo aquele <strong>de</strong>sjejum, o que<br />

mais <strong>de</strong>sejava era <strong>de</strong>scansar.<br />

Percebeu alguma coisa aproximando-se da sua direção e <strong>de</strong>u um salto<br />

quase cento e cinqüenta vezes superior à altura do seu corpo indo cair novamente<br />

noutra região com superfície rosada semelhante àquela on<strong>de</strong> estivera.<br />

Outra vez, alguma coisa aproximou-se muito rapidamente e o capturou.<br />

Eram dois <strong>de</strong>dos humanos gigantes que o apertavam.<br />

Felizmente, a pressão que estes exerciam sobre si não eram suficiente para<br />

esmagá-lo e, assim que o aperto foi afrouxado, habilmente <strong>de</strong>svencilhou-se<br />

saltando novamente...<br />

Percebeu então que a superfície rosada <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saltava era o corpo <strong>de</strong><br />

uma pessoa e, aquela pessoa era ele mesmo: Alex Randall.<br />

Seu último e <strong>de</strong>sgovernado salto levou-o para <strong>de</strong>ntro do cachimbo que o<br />

seu correspon<strong>de</strong>nte humano fumava naquele instante.<br />

O inseto caiu bem em cima <strong>de</strong> uma brasa acesa e queimou-se em menos<br />

<strong>de</strong> um segundo não restando qualquer resquício <strong>de</strong> seu corpo...<br />

***<br />

Abriu os olhos após uma rápida soneca..<br />

Coçou o pescoço que estava a ar<strong>de</strong>r.<br />

77


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Parecia te sido picado por algum inseto.<br />

Levou a mão ao local da mordida, mas, nada conseguiu pegar.<br />

O inseto, que parecia ser uma pulga, fugiu.<br />

Mas não foi muito longe.<br />

Terminou o salto no seu braço esquerdo.<br />

Com um rápido e preciso movimento, pegou o pequeno chupador <strong>de</strong><br />

sangue.<br />

Instintivamente apertou-o entre os <strong>de</strong>dos e quando foi verificar o resultado<br />

teve o dissabor <strong>de</strong> ver o bichinho escapar vivo com outro salto.<br />

Não <strong>de</strong>u para ver on<strong>de</strong> a pulga foi parar, mas, percebeu alguma coisa<br />

caindo <strong>de</strong>ntro do fornilho do seu cachimbo e, logo em seguida, ar<strong>de</strong>ndo num<br />

estalo acompanhado <strong>de</strong> pequena e rápida labareda <strong>de</strong> fogo.<br />

Lembrou em seguida do “sonho” que a poucos instantes tivera on<strong>de</strong> se via<br />

no corpo <strong>de</strong> uma pulga...<br />

Teria sido apenas um <strong>de</strong>lírio?<br />

Na eventual e muito remota hipótese daquela suposição ser realida<strong>de</strong>:<br />

-Como é que uma pulga po<strong>de</strong>ria circular solta a bordo do Viajante das Estrelas já<br />

que no seu interior, tudo era meticulosamente limpo e controlado.<br />

Micro-organismos, insetos e outros seres vivos, além do nosso herói, <strong>de</strong>ntro<br />

da astronave, não tinham a mesma liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção que este, já que,<br />

mesmo a menor <strong>de</strong>las, estava em ambiente controlado on<strong>de</strong> era constantemente<br />

monitorada.<br />

Mesmo no parque existente a bordo, as condições <strong>de</strong> segurança eram tão<br />

restritivas que qualquer micróbio alí existente não sairia dalí a<strong>de</strong>ntrando outros<br />

compartimentos da astronave.<br />

Teria realmente ocorrido a transferência dos seus pensamentos para o<br />

corpo <strong>de</strong> um inseto e <strong>de</strong>pois para o seu próprio novamente?<br />

Aquilo só po<strong>de</strong>ria ser sonho!<br />

Certamente, fruto das constantes e intermináveis cachimbadas que<br />

passava o tempo todo dando por aí.<br />

Se continuasse fumando direto, logo, certamente estaria vendo elefantinhos<br />

cor <strong>de</strong> rosa voando pelo espaço.<br />

Pelo bem da sua saú<strong>de</strong>, resolveu adotar uma rotina menos prejudicial on<strong>de</strong>,<br />

ampliaria os intervalos que passaria sem pitar, por um período adicional <strong>de</strong> trinta<br />

minutos.<br />

Esperaria assim po<strong>de</strong>r prosseguir com suas pesquisas e aventuras pelo<br />

espaço sem passar muito mal...<br />

Melhor ainda...<br />

78


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

“Para não seguir uma rotina excessivamente espartana, a tal ampliação da<br />

pausa seria <strong>de</strong> apenas vinte e cinco minutos...”<br />

“Mas...”<br />

“Pensando bem, talvez, vinte seria um número mais redondo para ser<br />

usado como referência num esforço pela saú<strong>de</strong>...”<br />

“E que tal quinze?”<br />

“Melhor <strong>de</strong>z.”<br />

“Quer saber mesmo? Cinco minutos a mais sem fumar e já é um tremendo<br />

esforço!”<br />

-Aos diabos! Essa história <strong>de</strong> pulga não passa <strong>de</strong> um sonho que sequer<br />

merece atenção. Tenho coisas mais importantes para pensar – Concluiu<br />

sabiamente nosso herói. – Na central <strong>de</strong> comando, mesmo um bichinho <strong>de</strong>sse,<br />

ainda que pequeno, jamais passaria <strong>de</strong>sapercebido pelos monitores do cérebro<br />

computadorizado.<br />

(Só para contrariar, uma coceirinha acompanhada <strong>de</strong> ligeiro inchaço na<br />

pele, incomodavam exatamente on<strong>de</strong> se teria ocorrido a hipotética mordida.)<br />

-Vou mais é manter o ritmo com o cachimbo aceso o tempo todo...<br />

...(ALUCINAÇÕES!)...<br />

***<br />

79


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.8 DE ALEX RANDALL<br />

E então os telescópios do Viajante das Estrelas captaram imagens <strong>de</strong> um<br />

fato extraordinário.<br />

Formas luminosas extremamente brilhantes similares a pingos esticados.<br />

Pelo seu comportamento, davam toda a impressão <strong>de</strong> serem criaturas vivas<br />

dotadas <strong>de</strong> inteligência...<br />

E não eram poucas.<br />

Formavam um imenso rio <strong>de</strong> aproximadamente 7 anos luz <strong>de</strong> cumprimento<br />

que movimentava-se pelo infinito frio e vazio espacial como um cardume.<br />

Um espetáculo sem igual que compensava os momentos <strong>de</strong> solidão que<br />

Alex Randall regularmente era obrigado a enfrentar na central <strong>de</strong> comando <strong>de</strong> sua<br />

astronave.<br />

Antes mesmo que sequer pensasse em chegar mais perto para registrar<br />

melhor o fato, percebeu a presença <strong>de</strong> outra nave espacial bem próxima às<br />

criaturas luminosas.<br />

Suas intenções eram claras e cristalinas!<br />

Estavam caçando, capturando e aprisionando os tais “peixinhos<br />

luminosos”.<br />

***<br />

Apreciando o que se sucedia, nosso herói estava com a cabeça nos mares<br />

da Terra.<br />

Mentalmente comparava a ativida<strong>de</strong> daqueles caçadores espaciais com as<br />

cenas <strong>de</strong> programas que eventualmente assistia, em que os barcos pescadores<br />

terráqueos saiam atrás <strong>de</strong> seus pescados em meio à condições inóspitas dos<br />

mares, com re<strong>de</strong>s gigantescas on<strong>de</strong>, as vidas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> criaturas marinhas<br />

eram arrastadas para a morte...<br />

Mesmo sabendo do risco <strong>de</strong> extinção que muitas espécies corriam com a<br />

simples presença <strong>de</strong> um simples barco pesqueiro representava nos mares da<br />

Terra; naquele caso, Alex Randall não pretendia interferir na situação que<br />

presenciava.<br />

Entendia que seu papel não era bancar o herói ou <strong>de</strong>fensor dos fracos<br />

oprimidos..<br />

Deixaria a natureza seguir o seu curso e apenas registraria os fatos sem<br />

meter o nariz on<strong>de</strong> não era chamado do mesmo modo que um documentarista ao<br />

80


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

registrar a vida animal na selva.<br />

Mesmo assim, para conseguir maior riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes nas imagens que<br />

pretendia capturar, teria <strong>de</strong> se aproximar daquele cenário.<br />

***<br />

Sem qualquer aviso, o Viajante das Estrelas materializou-se, próximo ao<br />

caminho por on<strong>de</strong> passava aquele imenso rio <strong>de</strong> seres luminosos.<br />

O visual alí era simplesmente fantástico e in<strong>de</strong>scritível.<br />

Relaxado e fumando, Alex Randal <strong>de</strong>leitava-se com tanta beleza.<br />

-Vamos registrar tudo! Em todos os ângulos, espectros <strong>de</strong> luminosida<strong>de</strong> e<br />

lentes possíveis.<br />

Diversas câmeras <strong>de</strong> variados tamanhos começaram a trabalhar<br />

incansavelmente..<br />

Os equipamentos da astronave obtinham dados não só daquelas criaturas e<br />

das características do local on<strong>de</strong> se encontravam, mas também, da nave<br />

“pescadora”.<br />

Rastreando todos os sinais que esta emitia, obtinha informações sobre sua<br />

tripulação, armamentos e até da arquitetura interna..<br />

Pelos resíduos dos propulsores podia <strong>de</strong>duzir o tipo <strong>de</strong> motor.<br />

Naquele caso, os cabos que conduziam os dados internamente não tinham<br />

uma blindagem muito boa e isso, permitia ao equipamento espião do Viajante<br />

das Estrelas, uma leitura <strong>de</strong> todos os acontecimentos que ali se <strong>de</strong>senrolavam.<br />

Foram captadas e obtidas até imagens das câmeras e microfones internos<br />

<strong>de</strong> segurança.<br />

A tripulação usava uma linguagem <strong>de</strong>sconhecida, mas suas atitu<strong>de</strong>s e<br />

expressões corporais tornavam claro o sentimento <strong>de</strong> apreensão que ali se<br />

generalizou assim que apareceu o Viajante das Estrelas.<br />

Tal era a tensão a bordo que, não passou muito tempo, foi <strong>de</strong>cidida a<br />

retirada sem que fosse feita qualquer i<strong>de</strong>ntificação ou contato.<br />

Alex Randall não se perturbou com a partida da outra nave, tanto que,<br />

ainda permaneceu atento aos fantásticos movimentos das criaturas luminosas por<br />

longo tempo até o cérebro computadorizado se manifestar com novida<strong>de</strong>s:<br />

-Foi feita a tradução <strong>de</strong> todas as comunicações naquela nave <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

momento em que a avistamos, até a sua partida .<br />

-O que <strong>de</strong>u para <strong>de</strong>scobrir?<br />

-Que se trata do que o mundo policial <strong>de</strong>finiria como uma típica nave <strong>de</strong><br />

contrabandistas e criminosos. Veja só:<br />

81


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Uma gran<strong>de</strong> imagem retangular formou-se do nada meio metro adiante do<br />

nosso herói..<br />

nave.<br />

O que se via alí era a vista panorâmica <strong>de</strong> toda a sala <strong>de</strong> comando da outra<br />

Seus tripulantes lembravam os galináceos da Terra. Só que, no lugar das<br />

penas das extremida<strong>de</strong>s das asas, tinham longos <strong>de</strong>dos móveis, e seus corpos<br />

eram revestidos com uma textura porosa e brilhante.<br />

-Comandante! – Cacarejou um <strong>de</strong>les. – Temos um intruso no setor.<br />

-Estamos recebendo imagens do interior do artefato intruso...<br />

Nos monitores da nave dos galináceos apareceu não só a imagem do<br />

Viajante das Estrelas, mas também, a <strong>de</strong> Alex Randall sentado em sua poltrona<br />

enquanto fumava na Central <strong>de</strong> Comando.<br />

Nosso herói ficou perplexo ao perceber que também pô<strong>de</strong> ser espionado<br />

pelas criaturas.<br />

Tal fato <strong>de</strong>monstrava que, a <strong>de</strong>speito do alto nível <strong>de</strong> tecnologia envolvido<br />

na segurança do Viajante das Estrelas, ela ainda po<strong>de</strong>ria ser ludibriada...<br />

A invasão dos galináceos no sistema interno <strong>de</strong> vigilância não foi a única<br />

coisa que surpreen<strong>de</strong>u o nosso herói:<br />

-Mas que ser horrendo. – Os galináceos comentavam.<br />

-Pavoroso!<br />

-Nunca vi nada tão feio em toda a minha vida.<br />

Eles estavam espantados com a aparência do nosso herói.<br />

-Nem o circo <strong>de</strong> horrores <strong>de</strong> Traloxom 7 aceitaria criatura tão asquerosa. -<br />

Cacarejou um <strong>de</strong>les para os outros.<br />

Até certo ponto, apesar do exagero daquelas afirmações, os frangos<br />

histéricos não estavam totalmente errados, afinal, Alex Randall já estava a algum<br />

tempo sem passar por um chuveiro e suas feições <strong>de</strong> marujo dos mares espaciais<br />

estavam assustadoras.<br />

-Senhor! O intruso está pesadamente armado! Num confronto, nossas<br />

chances seriam...<br />

-Vamos dar o fora daqui! - Or<strong>de</strong>nou aquele que parecia o comandante<br />

para os seus subordinados. - Numa outra oportunida<strong>de</strong> caçaremos esses bichos...<br />

A tradução das imagens captadas terminou por aí.<br />

Os projetores então mostraram a nave dos galináceos contrabandistas<br />

partindo.<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u mais algumas tragadas no cachimbo e pôs-se a pensar...<br />

-Criminosos e covar<strong>de</strong>s são iguais em qualquer parte do universo! Só<br />

atuam quando estão em superiorida<strong>de</strong>...<br />

82


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

“Mas isso não me interessa, não estou aqui para julgá-los”<br />

Coçou o queixo e ficou olhando os exaustores que, apesar <strong>de</strong> trabalharem<br />

à plena potência, não davam conta do volume <strong>de</strong> fumaça que saia do cachimbo.<br />

Muito longe <strong>de</strong> se preocupar com algumas das saudáveis conseqüências<br />

<strong>de</strong> tanto fumo; Alex Randall voltou a contemplar a infindável quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

criaturas brilhantes.<br />

Um ser <strong>de</strong> cor prateada com dois metros <strong>de</strong> altura muito semelhante a um<br />

marimbondo terrestre separou-se do meio do extenso rio vivo..<br />

Aproximou-se do casco da astronave, e vibrou seu corpo em alta<br />

velocida<strong>de</strong> até ficar quase invisível aos olhos humanos.<br />

Em seguida, penetrou a blindagem do Viajante das Estrelas como se fosse<br />

um fantasma passando pelas pare<strong>de</strong>s.<br />

Pouco tempo <strong>de</strong>pois, materializou-se bem adiante <strong>de</strong> Alex Randall...<br />

***<br />

-Sua presença aqui evitou que milhares <strong>de</strong> vidas fossem exterminadas.<br />

O som daquela voz manifestou-se no interior da cabeça <strong>de</strong> nosso herói.<br />

Certamente, estava recebendo uma mensagem telepática da misteriosa<br />

forma <strong>de</strong> vida.<br />

-Os seres brilhantes que você vê, Alex Randall, são meus filhos. Sua<br />

intervenção evitou a morte <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>les.<br />

-Não quero mentir. – Disse nosso herói em voz alta. - Mas, a evasão<br />

daqueles que atacaram sua família foi mera casualida<strong>de</strong>. Eu não vim para cá com<br />

nenhuma intenção <strong>de</strong> interferir nos fatos e...<br />

-Sua presença nos salvou! Preciso agra<strong>de</strong>cer-lhe!<br />

Dizendo isso, o curioso marimbondo abaixou a sua parte traseira em<br />

direção ao chão e começou a cagar.<br />

-Não faça isso! Reclamou nosso herói.<br />

-Estou lhe agra<strong>de</strong>cendo! Foi a resposta.<br />

O bicho cagava rápido <strong>de</strong>mais. Soltava pelo cú fezes redondas como bolas<br />

<strong>de</strong> tênis <strong>de</strong> coloração cinza chumbo.<br />

Em poucos minutos, sabe-se lá como, aquela criatura <strong>de</strong>fecou<br />

aproximadamente umas vinte mil bolinhas idênticas àquela e terminou com um<br />

sonoro peido que respingou um mal cheiroso caldo ver<strong>de</strong> por todo o lugar.<br />

-O odor logo vai passar, amigo! Então, eles estarão prontos para ser<br />

consumidos.<br />

83


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Consumidos?<br />

-Você po<strong>de</strong>rá usá-las. Mas lembre-se: nunca mais do que uma por vez.<br />

-E por acaso tenho eu cara <strong>de</strong> quem come merda? Perguntou Alex Randall<br />

indignado com o estranho presente.<br />

-Não é uma bosta qualquer. É por causa <strong>de</strong>la que eu e meus filhos somos<br />

perseguidos. Quem a consome abre portas para outras dimensões...<br />

Nosso herói foi surpreendido por aquela inesperada resposta e não soube o<br />

que fazer...<br />

Terminada a caganeira animal, o estranho inseto agra<strong>de</strong>ceu mais uma vez,<br />

<strong>de</strong>spediu-se vibrando intensamente e voltou para junto dos numerosos filhos em<br />

sua jornada pelas estrelas.<br />

Alguns momentos <strong>de</strong>pois, o brilho daquelas criaturas aumentou <strong>de</strong><br />

intensida<strong>de</strong>, chegando mesmo a um nível extraordinário e então, <strong>de</strong> modo súbito e<br />

inexplicável todas <strong>de</strong>sapareceram.<br />

Os sensores do Viajante das Estrelas já não as captavam mais em lugar<br />

algum.<br />

Alex Randall estava sozinho com um monte <strong>de</strong> merda fedorenta para limpar<br />

na central <strong>de</strong> comando.<br />

***<br />

O cheiro logo não perturbou mais nosso herói, mas sim a sua curiosida<strong>de</strong>.<br />

Será que eram verda<strong>de</strong>iras as afirmações daquele inseto?<br />

Haveria mesmo uma real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conhecer outras dimensões<br />

simplesmente consumindo aquelas bolas cinzentas?<br />

De qualquer forma, a limpeza na central <strong>de</strong> comando era fundamental e<br />

exigia rapi<strong>de</strong>z.<br />

Logo, diversos tipos <strong>de</strong> robôs apareceram e <strong>de</strong>ram início a uma faxina lá<br />

<strong>de</strong>ntro.<br />

Os exaustores conseguiram limpar o ar.<br />

-Quero esse material todo guardado para posterior análise. Deve ser<br />

preservado da melhor maneira possível<br />

Os robôs analisaram a consistência daquela bosta e verificaram que as<br />

bolinhas eram suficientemente sólidas para permitir que fossem empilhadas sem<br />

sofrer <strong>de</strong>formações.<br />

Logo centenas <strong>de</strong> embalagens plásticas foram trazidas para permitir um<br />

armazenamento a<strong>de</strong>quado.<br />

Ali mesmo, vendo que o manuseio daquele material ocorria sem problemas,<br />

84


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

nosso herói vestiu uma luva e pegou uma das bolinhas.<br />

Aproximou-a do nariz e analisou o seu cheiro.<br />

Parecia alimento cozido... E não tinha odor ruim... Pelo contrário, parecia<br />

até bom.<br />

Será que aquilo era realmente comestível?<br />

Cheirou mais uma vez, apertou a bolinha com os <strong>de</strong>dos.<br />

Tentado, já que, até estava com um pouco <strong>de</strong> fome e, seu horário <strong>de</strong><br />

refeição estava próximo, tocou rapidamente com a ponta da língua aquele cocô <strong>de</strong><br />

inseto...<br />

Pela rápida sensação, o sabor não parecia ser ruim.<br />

Repetiu o feito novamente, <strong>de</strong>ssa vez tocando a bolinha com uma parte<br />

maior da língua...<br />

-Humm... Não é mau.<br />

Olhou corajosamente para a bolinha e tomou uma <strong>de</strong>cisão.<br />

-O que não mata engorda...<br />

Deu uma mordida e mastigou lenta e cautelosamente aquele negócio.<br />

O sabor era bom, ou melhor, ótimo.<br />

Talvez, a melhor iguaria que já tivera o prazer <strong>de</strong> saborear em sua vida...<br />

Comeu todo o resto da bolinha...<br />

Era uma <strong>de</strong>lícia mesmo, no teste do paladar, já estava aprovada.<br />

Logo porém <strong>de</strong>scobriu que aquela iguaria não tinha como único objetivo<br />

saciar a fome <strong>de</strong> quem a consumisse...<br />

Olhou para o alto e viu algo inacreditável: tudo ao seu redor começou a<br />

<strong>de</strong>rreter <strong>de</strong> cima para baixo num movimento contínuo.<br />

A transformação mudou o espaço a sua volta.<br />

Ainda sentia a estranha comida sendo digerida e seu corpo continuava o<br />

mesmo, mas, todo o resto com exceção <strong>de</strong> suas roupas e, do velho e bom<br />

cachimbo, não!<br />

Agora não estava mais no Viajante das Estrelas.<br />

Disso tinha certeza.<br />

Estava num lugar diferente <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>pendência existente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

sua astronave.<br />

Parecia mais ser uma casa.<br />

Haviam duas janelas, uma porta e um cômodo anexo que <strong>de</strong>veria ser o<br />

banheiro.<br />

Pela mobília existente, tudo indicava que naquele local, <strong>de</strong>veria ser<br />

realizada alguma ativida<strong>de</strong> ligada à <strong>de</strong>senho. As mesas estavam cheias <strong>de</strong> papéis<br />

85


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

rabiscados com diversos tipos <strong>de</strong> lápis e canetas espalhadas em suas superfícies,<br />

além <strong>de</strong> réguas e borrachas.<br />

Estantes <strong>de</strong> livros com as prateleiras forradas por diversos títulos <strong>de</strong> arte e<br />

fantasia, além <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> revistas em quadrinhos reforçavam o caráter do tipo<br />

<strong>de</strong> trabalho que eventualmente era feito alí.<br />

Não parecia ser um ambiente <strong>de</strong> alta tecnologia como aquele em que vivia<br />

na sua astronave.<br />

Pelo contrário, alí <strong>de</strong>ntro haviam velharias do século XX tais como: um<br />

velho rádio transistorizado à pilha e até computador da mesma época.<br />

Nosso herói sentia-se num museu holográfico artificial on<strong>de</strong> podia interagir<br />

com elementos e situações gerados graças aos po<strong>de</strong>rosos recursos da informática<br />

Analisou cada <strong>de</strong>talhe do local tentando sentir toda textura e aroma<br />

perceptível como que, se <strong>de</strong>sejasse encontrar alguma falha que <strong>de</strong>nunciasse a<br />

inexatidão do que estava vivendo.<br />

Nada disso lhe saltou aos olhos.<br />

Nas pare<strong>de</strong>s, estavam afixados cartazes com algumas das formações<br />

campeãs do Corinthians Futebol Clube.<br />

Com toda certeza, quem quer que alí <strong>de</strong>ntro vivesse ou trabalhasse<br />

aparentava ser um torcedor fanático pois, ca<strong>de</strong>rnos, bonés, camisetas e outros<br />

itens com o logotipo <strong>de</strong>ste time podiam ser encontrados espalhados em toda<br />

parte...<br />

Por mera curiosida<strong>de</strong>, abriu um <strong>de</strong>sses ca<strong>de</strong>rnos e espantou-se com o que<br />

encontrou escrito alí <strong>de</strong>ntro.<br />

Entre diversos garranchos, rabiscos e linhas mal feitas, encontrou redigidos<br />

à mão<br />

“MEMORIAIS DE ALEX RANDALL”.<br />

Era simplesmente impressionante!<br />

***<br />

As narrativas <strong>de</strong>scritas naquelas linhas batiam em todos os <strong>de</strong>talhes com<br />

os acontecimentos que suce<strong>de</strong>ram-se <strong>de</strong>pois que saíra em viagem a bordo do<br />

Viajante das Estrelas.<br />

Absorto na leitura daquelas mal escritas linhas, tomou um belo susto<br />

quando alguém berrou no seu ouvido:<br />

-Quem é o senhor e o que está fazendo aqui?<br />

Seus tímpanos quase foram furados com aquele grito...<br />

Olhou para o sujeito que lhe fizera a pergunta <strong>de</strong> modo tão educado.<br />

86


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Era atarracado, baixinho, barrigudo e com pouco cabelo na parte superior<br />

da cabeça. Estava com os olhos vermelhos e tinha um mau hálito terrível...<br />

Diante <strong>de</strong> uma criatura tão medonha, nosso herói foi logo respon<strong>de</strong>ndo:<br />

-Sou Alex Randall, o sujeito sobre quem tratam estas folhas.<br />

Lentamente acen<strong>de</strong>u o seu cachimbo e fumou soltando volumosas colunas<br />

<strong>de</strong> fumaça...<br />

-...Fumo cachimbo! Sou eu mesmo! Não há outro igual!<br />

Tomou um soco no queixo que o colocou para dormir.<br />

Antes <strong>de</strong> apagar completamente teve tempo <strong>de</strong> ouvir:<br />

-Pateta! Não <strong>de</strong>i or<strong>de</strong>m para fumar aqui <strong>de</strong>ntro!<br />

-Nome!<br />

-Fernando.<br />

-Profissão!<br />

***<br />

-Desenhista, fotógrafo e escritor <strong>de</strong> horas vagas.<br />

-Relate os fatos!<br />

-Eu estava escrevendo uma história <strong>de</strong> ficção científica quando fui ao<br />

banheiro. Fiz lá o que tinha <strong>de</strong> fazer e, quando voltei encontrei esse cara fuçando<br />

nas minhas coisas. Pedi para se i<strong>de</strong>ntificar e ele disse que era um dos<br />

personagens que inventei nos meus romances.<br />

-Como é?<br />

-O sujeito <strong>de</strong>ve ter lido meus manuscritos e veio com essa história idiota. Aí<br />

ele acen<strong>de</strong>u o cachimbo e começou a fumar sem nem pedir autorização...<br />

-Foi então que o senhor o agrediu!<br />

-Exatamente! Ele estava empesteando o ambiente com toda aquela<br />

fumaceira. Não <strong>de</strong>u para agüentar! Meti a mão mesmo!<br />

-Meteu a mão e o sujeito está alí prostrado agora!<br />

Nem bem terminou <strong>de</strong> falar isso e Alex Randall, que estava <strong>de</strong>itado logo<br />

acordou.<br />

Ainda aparentava estar atordoado com o murro que levara.<br />

-E o senhor quem é?<br />

Um pouco abestalhado, olhou para o sujeito que o interrogava. Tinha pinta<br />

<strong>de</strong> ser um daqueles <strong>de</strong>legados ou investigadores dos velhos filmes policiais do<br />

século XX ou XXI...<br />

-Não ouviu o que eu perguntei?<br />

87


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Coçando o queixo, respon<strong>de</strong>u:<br />

-Meu nome é Alex Randall. Sou viajante e estava <strong>de</strong> passagem. Fui parar<br />

no lugar errado. Só isso! Peço que me <strong>de</strong>sculpem se causei algum incômodo.<br />

-Olha’í! Não tô falando? Ele está se i<strong>de</strong>ntificando como o personagem que<br />

criei no meu livro <strong>de</strong> ficção científica.<br />

Percebendo o sujeito que tinha pinta <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> que, talvez aquele caso<br />

não fosse coisa grave, perguntou ao senhor Fernando:<br />

-O indivíduo roubou alguma coisa do seu estúdio?<br />

-Não!<br />

-Ele o atacou ou mesmo, lhe ofen<strong>de</strong>u?<br />

-Também não!<br />

-Então nada posso fazer... E se ele for mesmo quem diz ser?<br />

O escritor ficou perplexo diante da pergunta.<br />

Naquele momento seu cérebro chegou até a consi<strong>de</strong>rar viável tal<br />

possibilida<strong>de</strong> mesmo porquê, para um autor <strong>de</strong> ficção científica nada é impossível.<br />

-O senhor vai querer fazer um boletim <strong>de</strong> ocorrência? Este fato não dá nem<br />

falsida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica.<br />

-Nem isso?<br />

Naquela pergunta havia um certo <strong>de</strong>sapontamento.<br />

Fez um gesto com as mãos como se quisesse afastar o caso.<br />

-Então <strong>de</strong>ixa para lá.<br />

Despediu-se em seguida e partiu.<br />

Alguns instantes <strong>de</strong> silêncio <strong>de</strong>pois, Alex Randall rompeu o mutismo e<br />

perguntou:<br />

-Posso sair?<br />

-O senhor é mesmo quem diz ser? Um personagem <strong>de</strong> ficção científica?<br />

-Não me julgo um personagem, sr. Sou uma pessoa como outra qualquer.<br />

Apenas costumo viajar por lugares diferentes do comum... E po<strong>de</strong> ficar tranqüilo<br />

que não menti com relação à minha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>...<br />

A autorida<strong>de</strong> olhou com ar <strong>de</strong> pouco caso para o nosso herói, apontou com<br />

o <strong>de</strong>dão a porta <strong>de</strong> saída para a rua e disse:<br />

-Cai fora! E vê se não me aparece mais aqui! Tenho bandidos para pren<strong>de</strong>r<br />

e não fanáticos por novelas <strong>de</strong> fantasia para aguentar.<br />

Nosso herói saiu rapidamente da sala.<br />

***<br />

88


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Na calçada da rua, os olhos <strong>de</strong> Alex Randall não suportaram a luz do dia,<br />

afinal, já fazia nem sabia quanto tempo, que não ficava exposto ao ar livre da<br />

atmosfera <strong>de</strong> algum planeta habitável.<br />

Alguns minutos <strong>de</strong>pois, parecia estar melhor adaptado à clarida<strong>de</strong> diurna.<br />

Foi então que apareceu o escritor novamente...<br />

-Ei cara! Me <strong>de</strong>sculpe pelo nocaute. Acho que na hora fiquei meio nervoso!<br />

Alex Randall esticou a mão para o escritor e cumprimentou-o dizendo:<br />

-Tudo bem! Não me quebrou nenhum <strong>de</strong>nte!<br />

***<br />

À convite do senhor Fernando, os dois foram para um <strong>de</strong>sses tradicionais<br />

botecos <strong>de</strong> esquina on<strong>de</strong> ficaram bebendo cachaça com açúcar e limão: a<br />

tradicional caipirinha brasileira.<br />

A conversa e a pinga rolaram alegres e tranqüilas durante várias horas com<br />

o escritor já aceitando sem problemas o homem que estava à sua frente como<br />

verda<strong>de</strong>ira encarnação do seu personagem <strong>de</strong> ficção.<br />

-Fico imaginando quantos autores teriam oportunida<strong>de</strong> idêntica à essa...<br />

Poucos! Só os biógrafos <strong>de</strong> sorte, já que, tem caso <strong>de</strong> biografado que, além <strong>de</strong><br />

não ajudar no trabalho, atrapalha na hora da publicação.<br />

-Entendo o que diz e sou obrigado a concordar, mas, ainda assim não me<br />

julgo personagem <strong>de</strong> romance. Minha vida segue como a <strong>de</strong> qualquer pessoa.<br />

O escritor consentiu com a cabeça, suspirou e tomou alguns goles da sua<br />

bebida...<br />

-Ainda assim, sou um privilegiado entre os escritores. Mas agora me diga:<br />

como você entrou no meu estúdio? Eu sempre <strong>de</strong>ixo as janelas e portas fechadas.<br />

Naquele momento é assim que elas estavam.<br />

Alex Randall sorriu e contou todos os acontecimentos que se <strong>de</strong>senrolaram<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que involuntariamente salvara as criaturas luminosas até a sua misteriosa<br />

chegada ao estúdio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho.<br />

-Puxa! Manifestou-se o escritor após ouvir tão maluca narrativa. Ainda não<br />

escrevi história assim. Você me <strong>de</strong>u algumas idéias.<br />

Nosso herói agra<strong>de</strong>ceu, sorriu, bebericou um pouco <strong>de</strong> seu copo <strong>de</strong><br />

caipirinha e acen<strong>de</strong>u o tradicional cachimbo...<br />

-Não vai me bater agora por fumar, vai?<br />

-Claro que não! É que a minha mãe havia limpado o estúdio pouco tempo<br />

antes da sua chegada e, se ela percebesse cheiro <strong>de</strong> fumo lá <strong>de</strong>ntro, quem iria<br />

levar porrada seria eu.<br />

89


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada.<br />

Sua risada porém não durou muito tempo, pois logo, entraram sem aviso<br />

no boteco, dois garotos <strong>de</strong> armas em punho gritando:<br />

-Mão na cabeça todo mundo que é assalto!<br />

Com uma rapi<strong>de</strong>z assombrosa, os dois foram revistando todos alí <strong>de</strong>ntro e<br />

tomando seus valores.<br />

Na vez <strong>de</strong> Alex Randall nada encontraram que pu<strong>de</strong>sse ser levado...<br />

-Num têm nada vai morrê!<br />

Dizendo isso, um <strong>de</strong>les efetuou três disparos praticamente à queima roupa<br />

contra nosso herói que instintivamente se encolheu fechando os olhos <strong>de</strong> pavor...<br />

***<br />

Quando os abriu novamente, encontrou-se <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando<br />

do Viajante das Estrelas são e salvo.<br />

Lá <strong>de</strong>ntro, aparentemente nada tinha se alterado!<br />

Com um breve relance <strong>de</strong> olhos verificou a situação percebendo que a<br />

astronave permanecia inerte no mesmo ponto do espaço em que estivera <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que o misterioso marimbondo prateado a havia invadido.<br />

Passou a mão pelo corpo e percebeu que não havia sido atingido pelos<br />

tiros que foram efetuados contra si.<br />

Ainda estava bem vivo!<br />

Deu algumas furiosas tragadas no inseparável cachimbo, acalmou-se um<br />

pouco e pôs-se a refletir...<br />

Teria viajado realmente para outra dimensão ou aquele seria um efeito<br />

alucinógeno causado por aquela coisa no organismo?<br />

Indagou então em voz alta:<br />

– Eu cheguei a sumir do interior <strong>de</strong>sta nave por alguns instantes?<br />

-Negativo! - Foi a resposta do Cérebro Computadorizado.<br />

Alex Randall reviu a filmagem feita pelas câmeras internas que o<br />

mostravam imóvel, com os olhos fixos em algum lugar distante logo após comer<br />

aquela coisa estranha.<br />

Apesar da comprovação <strong>de</strong> sua alucinação, ainda tinha a sensação <strong>de</strong> que<br />

a experiência vivida fora um tanto real para ser assim <strong>de</strong>scartada.<br />

Uma dúvida estava lhe martelando o cérebro:<br />

-Sou apenas um personagem <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong> ficção científica? Não. Acho<br />

que não. Esse fato só ocorreu mesmo na minha cabeça. Viagens inter-<br />

90


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

dimensionais são possíveis. O Viajante das Estrelas po<strong>de</strong> realizá-las graças aos<br />

meios tecnológicos <strong>de</strong> que dispõe. Todavia, por mais que os po<strong>de</strong>res da mente<br />

humana tenham evoluído nos últimos séculos, a realização <strong>de</strong> tal tipo <strong>de</strong> jornada<br />

com base unicamente neste tipo <strong>de</strong> recurso ainda seria praticamente impossível.<br />

Intrigado <strong>de</strong>vido aos acontecimentos pelos quais tinha passado, nosso herói<br />

pôs-se a pensar em problemas diferentes:<br />

-Vou é ajudar no monitoramento do termino da limpeza da central <strong>de</strong><br />

comando. Em outra oportunida<strong>de</strong> consumirei mais uma bolinha <strong>de</strong>ssas para tirar<br />

a dúvida...<br />

***<br />

ALGUMAS LINHAS ESCRITAS POR UM AUTOR DESTA DIMENSÃO<br />

Conheci um sujeito chamado Alex Randall.<br />

Ele se dizia uma criação minha!<br />

Como num <strong>de</strong>sses casos raros em que se vê nos filmes e contos <strong>de</strong><br />

fantasia on<strong>de</strong> criador e criatura se encontram.<br />

Não é bem um relacionamento entre um pai e filho, mas, <strong>de</strong> certa forma,<br />

também não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser.<br />

No início, não acreditei que fosse verda<strong>de</strong>, mas, o cara estava alí. Real<br />

exatamente como o <strong>de</strong>screvi.<br />

Claro que o meu bom senso me disse que o sujeito <strong>de</strong>veria ser apenas um<br />

<strong>de</strong>sconhecido que, <strong>de</strong> algum modo ficou sabendo e leu meu romance para <strong>de</strong>pois,<br />

por uma birutice qualquer, querer personificar o protagonista <strong>de</strong>le.<br />

Mas como isso po<strong>de</strong>ria ter acontecido?<br />

Tratava-se <strong>de</strong> um trabalho ainda inédito, em revisão e que apenas duas ou<br />

três pessoas leram as versões <strong>de</strong> revisão.<br />

A todo momento me indagava:<br />

-De on<strong>de</strong> teria saído esse sujeito?<br />

Por isso e pelo fato <strong>de</strong>le estar empesteando o meu estúdio com aquele<br />

fumo fedorento é que acertei a muca no queixo <strong>de</strong>le.<br />

[Também quis <strong>de</strong>scontar a namorada (ex-leitora dos meus trabalhos<br />

literários) que perdi anteriormente por conta do fato <strong>de</strong>le, personagem, ser melhor<br />

que eu, medíocre escritor.]<br />

O problema foi quando o <strong>de</strong>legado levantou a lebre:<br />

-E se o sujeito realmente fosse quem dizia ser?<br />

91


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Ora, um <strong>de</strong>legado aventando a possibilida<strong>de</strong> do irreal se tornar realida<strong>de</strong><br />

era coisa rara e tal fato eu não po<strong>de</strong>ria ignorar.<br />

Comecei a acreditar que o personagem se tornara real e, quando o<br />

reencontrei, convi<strong>de</strong>i-o até para tomar algumas caninhas por minha conta.<br />

A hora que eu estava começando a gostar do cidadão apareceram aqueles<br />

bandidos malditos querendo <strong>de</strong>penar todo mundo.<br />

Um <strong>de</strong>les atirou no figura...<br />

Então, as coisas ficaram engraçadas...<br />

Não sei direito pois, assim como os outros freqüentadores do bar, todos<br />

estávamos muito bêbados, portanto, mais para lá do que para cá.<br />

Alex Randall <strong>de</strong>sapareceu no ar! Evaporou! Escafe<strong>de</strong>u-se!<br />

Os bandidos ficaram assustados e saíram correndo sem nem levar nada<br />

dos pretendidos produtos do roubo.<br />

Restou um bando <strong>de</strong> bêbados olhando dois buracos <strong>de</strong> bala na ca<strong>de</strong>ira e<br />

um na pare<strong>de</strong>.<br />

Ninguém compreen<strong>de</strong>u nada!<br />

Fiquei com um ligeiro entendimento <strong>de</strong> tudo o que havia ou po<strong>de</strong>ria ter<br />

acontecido, mas, eu estava bêbado <strong>de</strong>mais para concordar com uma teoria tão<br />

fantasiosa saída do meu próprio cérebro.<br />

Ignorava se tudo que havia passado era verda<strong>de</strong> ou não, mas, tinha certeza<br />

<strong>de</strong> que aqueles disparos não foram dados para o ar, afinal, os bandidos haviam<br />

atirado justamente porquê o meu personagem não carregava nada <strong>de</strong> valor.<br />

De qualquer forma, apesar <strong>de</strong> não ter sido assaltado pelos criminosos,<br />

acabei tendo <strong>de</strong> pagar duas garrafas <strong>de</strong> pinga na hora <strong>de</strong> fechar a conta, uma eu<br />

bebi, a outra quem teria bebido seria Alex Randall. Mas... Será que ele estivera<br />

mesmo alí?<br />

Por fim, novamente me perguntava:<br />

-De on<strong>de</strong> teria saído tão estranho sujeito? Das páginas do romance?<br />

***<br />

92


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.9 DE ALEX RANDALL<br />

Sentado na confortável e anatômica poltrona, Alex Randall fumava<br />

tranqüilamente seu cachimbo soltando espessa cortina <strong>de</strong> fumaça que, além <strong>de</strong><br />

empestear todo o ambiente forçava os exaustores a trabalharem no máximo <strong>de</strong><br />

sua capacida<strong>de</strong> já que nosso herói poluía mais que as antigas chaminés<br />

industriais do século XIX.<br />

Sob os efeitos da erva que queimava, relaxava ouvindo uma música e<br />

observando as diversas imagens tridimensionais projetadas diante <strong>de</strong> si que lhe<br />

traziam todo tipo <strong>de</strong> informação a respeito do que acontecia <strong>de</strong>ntro e fora da<br />

astronave.<br />

As câmeras e os potentes telescópios controlados pelo cérebro<br />

computadorizado do Viajante das Estrelas, focavam suas po<strong>de</strong>rosas lentes em<br />

sóis, estrelas e galáxias distantes.<br />

Com um olhar afiado pouco comum à maioria das pessoas, percebeu<br />

interessantes movimentos e oscilações num setor do espaço on<strong>de</strong> tudo parecia<br />

calmo e sossegado. E ali colocou sua atenção.<br />

Aproximou a imagem e aumentando os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>la percebeu que nela<br />

aparecia um cometa prateado e seu vôo era um tanto irregular no <strong>de</strong>senho do<br />

trajeto.<br />

De-repente, como se tivesse percebido que estava sendo observado, o<br />

curioso objeto espacial mudou novamente <strong>de</strong> rota e, a uma velocida<strong>de</strong><br />

assombrosa, veio em direção da astronave.<br />

Se aquela rota fosse mantida, uma colisão certamente ocorreria.<br />

Antes mesmo que qualquer reação pu<strong>de</strong>sse ser esboçada, estacionou a<br />

menos <strong>de</strong> um metro da superfície externa do Viajante das Estrelas<br />

Era um humanói<strong>de</strong> careca, seminu, que estava <strong>de</strong> pé numa prancha <strong>de</strong><br />

surf. Ambos tinham superfície espelhada e muito brilhante.<br />

O cara não usava roupa que o ajudasse a sobreviver aos rigores do frio do<br />

espaço, ou mesmo, qualquer outro tipo <strong>de</strong> aparelho que lhe facilitasse a tarefa<br />

nesse sentido...<br />

Apenas ele e a prancha flutuando no meio do nada.<br />

Por alguns segundos, ou talvez, nem isso, nosso herói ainda se indagou se<br />

os seus miolos estariam lhe pregando algumas peças <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantas viagens<br />

solitárias.<br />

-Quem é esse cara? Perguntou Alex Randall...<br />

A voz feminina do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas<br />

respon<strong>de</strong>u:<br />

93


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Informação ainda indisponível.<br />

Dando po<strong>de</strong>rosas tragadas no cachimbo, nosso herói observou<br />

atentamente o sujeito misterioso através das câmeras externas.<br />

Tão estranho personagem olhava o Viajante das Estrelas com um certo ar<br />

<strong>de</strong> arrogância, como que, se dizendo que toda aquela tecnologia não lhe<br />

impressionava.<br />

Assim tão rapidamente como apareceu, aquela figura partiu, sem nada<br />

dizer ou fazer...<br />

Num movimento instintivo, Alex Randall acionou alguns comandos no painel<br />

do braço da sua confortável poltrona pondo a astronave em ação.<br />

-Vamos atrás <strong>de</strong>sse sujeito! Gostaria <strong>de</strong> conhecê-lo melhor.<br />

De uma momento para outro o Viajante das Estrelas saiu <strong>de</strong> sua posição<br />

estática no espaço passando para altíssima velocida<strong>de</strong> tentando se aproximar<br />

daquela criatura.<br />

Coçando o queixo enquanto observava os anéis <strong>de</strong> fumaça exalados pelo<br />

seu cachimbo, nosso herói se indagava...<br />

-On<strong>de</strong> já terei visto tão singular personagem? É como que se o seu nome<br />

me saltasse à língua à qualquer instante.<br />

Em pouco tempo, o Viajante das Estrelas alcançou o sujeito...<br />

Mais uma vez, ele tentou se afastar da astronave, mas, apesar do esforço,<br />

não conseguia superá-la em velocida<strong>de</strong>.<br />

Na sala <strong>de</strong> comando, exalando agora através <strong>de</strong> seu cachimbo, anéis <strong>de</strong><br />

fumaça que tornavam o ar cada vez mais espesso, nosso herói se indagava como<br />

po<strong>de</strong>ria fazer contato com aquela criatura da maneira mais cordial possível...<br />

No que perdia tempo com estas divagações mentais, viu-se surpreendido<br />

por um aviso da voz feminina do cérebro computadorizado:<br />

-Violentas perturbações <strong>de</strong>tectadas nos campos gravitacionais da região<br />

para on<strong>de</strong> está seguindo a criatura.<br />

O cérebro computadorizado fez uma pausa e logo prosseguiu com um tom<br />

<strong>de</strong> voz que <strong>de</strong>monstrava maior preocupação:<br />

-Buraco negro localizado! Se mantivermos esta trajetória, em menos <strong>de</strong> três<br />

minutos estaremos entrando em área <strong>de</strong> perigo muito próxima à ele...<br />

-Parada total!<br />

De um momento para outro a astronave não se movia mais.<br />

O cérebro computadorizado manisfestou-se novamente:<br />

-A criatura avançou direto rumo ao buraco negro, e, pelo último sinal obtido<br />

<strong>de</strong>la, não retroce<strong>de</strong>u no seu caminho.<br />

Alex Randall ainda olhava para o alto tentando enten<strong>de</strong>r como tão estranho<br />

94


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

sujeito po<strong>de</strong>ria sobreviver daquela maneira no espaço inclemente.<br />

Mal terminou <strong>de</strong> passar este pensamento pela sua cabeça e algo<br />

inacreditável aconteceu.<br />

As câmeras externas da astronave mostraram um raio <strong>de</strong> luz prateada sair<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da região on<strong>de</strong> estava indicada a presença do buraco negro.<br />

Pelo estilo e configuração do fenômeno luminoso, só podia ser o sujeito<br />

novamente.<br />

-Mas não é possível! – Exclamou Alex Randall – Ele entra e sai <strong>de</strong> um<br />

buraco negro como quem vai ao banheiro!<br />

Fisicamente explicável ou não, aquele era um fato.<br />

A criatura parecia não ser afetada pelas imensas forças gravitacionais<br />

capazes <strong>de</strong> esmigalhar gigantescas estrelas milhares <strong>de</strong> vezes maiores que o sol<br />

da Terra.<br />

Talvez por isso, o cara fizesse tanta pose <strong>de</strong> maioral sobre sua prancha.<br />

Voltou para as proximida<strong>de</strong>s e tocou o casco da astronave com as palmas<br />

das mãos e sua voz então foi ouvida lá <strong>de</strong>ntro...<br />

-Não assino autógrafos sem o consentimento dos meus empresários ou<br />

advogados. Não adianta insistir...<br />

Do mesmo modo que veio, aquele estranho personagem partiu.<br />

Seguiu novamente para a região on<strong>de</strong> estava o buraco negro, e alí sumiu<br />

<strong>de</strong>finitivamente.<br />

A voz feminina digitalizada do cérebro computadorizado manifestou-se:<br />

-Estão disponíveis alguns dados a respeito da provável i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />

sujeito...<br />

-Esqueça! Está mais do que claro que trata-se <strong>de</strong> algum artista famoso.<br />

Assim como eu, ele quer paz e sossego. Sigamos adiante. Não iremos perturbá-lo.<br />

***<br />

95


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

RELATÓRIO N.10 DE ALEX RANDALL<br />

A central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas, fora mais uma vez<br />

inexplicavelmente invadida.<br />

-Nós somos os SOIGRÉS.<br />

Incrível! Os invasores falavam até o mesmo idioma que ele...<br />

-M-m-m-mas... C-c-como?<br />

O susto causado fez com que o veterano fumante <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> milhares<br />

<strong>de</strong> cachimbadas acabasse até engasgando com a própria fumaça...<br />

Claro que o resultado disso foi uma sessão <strong>de</strong> fortíssimas tosses que quase<br />

fizeram os <strong>de</strong>ntes do nosso herói saltarem para fora da boca.<br />

Depois que acalmaram-se os pulmões, Alex Randall, com os olhos<br />

vermelhos tentou se recompor e enten<strong>de</strong>r o que acontecia naquele momento.<br />

-Se bem me recordo, você <strong>de</strong>ve ser humano...- Disse um dos invasores. -<br />

Limitado pelo seu corpo físico como os outros <strong>de</strong> sua raça...<br />

-Ainda <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> tecnologia para viajar pelo cosmo. – Argüiu outro.<br />

-Não parece ser muito inteligente.- Comentou um terceiro.- Fuma <strong>de</strong>mais!<br />

Parece até que preten<strong>de</strong> por fim à própria existência...<br />

-Se eu ainda tivesse um corpo físico como ele, me preocuparia em cuidar<br />

da saú<strong>de</strong> fazendo exercícios em vez <strong>de</strong> permanecer sentado numa poltrona<br />

fumando todo o tempo...<br />

-Pobre infeliz, ainda precisa evoluir muito.<br />

Dentro da central <strong>de</strong> comando, nosso herói estava cercado por criaturas <strong>de</strong><br />

forma muito estranha.<br />

Aparentemente, não eram sólidas...<br />

Lembravam muito a forma que a água tomava em ambiente <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong><br />

zero: uma espécie <strong>de</strong> bola líquida totalmente <strong>de</strong>suniforme no meio do ar.<br />

Uma série <strong>de</strong> dúvidas a respeito da estranha forma, consistência daqueles<br />

seres e o fato <strong>de</strong> tão surpreen<strong>de</strong>ntemente terem invadido a sua astronave, imergia<br />

nosso herói num mar <strong>de</strong> dúvidas ...<br />

-Será que enten<strong>de</strong> que estamos tentando nos comunicar com ele? –<br />

Indagou um dos invasores.<br />

-Os humanos não são assim tão primitivos... Alguma coisa ele <strong>de</strong>ve<br />

enten<strong>de</strong>r, afinal, estamos usando o seu idioma natal.<br />

-Vamos adotar uma forma que lhe seja mais compreensível.<br />

Nosso herói estava tão abestalhado com o aspecto totalmente inconstante<br />

dos invasores que mal conseguia raciocinar ou falar alguma coisa.<br />

96


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Milésimos <strong>de</strong> segundo <strong>de</strong>pois, os estranhos seres disformes<br />

transformaram-se em gente!<br />

Quatro homens e mulheres brotaram, como num piscar <strong>de</strong> olhos, daquelas<br />

“bolas líquidas flutuantes”.<br />

Recomposto, Alex Randall percebeu que estava diante <strong>de</strong> criaturas<br />

incomuns, aparentemente mais informadas dos fatos do universo do que outros<br />

seres que já encontrara nas suas jornadas.<br />

-E tem razão em pensar assim, somos as formas <strong>de</strong> vida mais evoluídas <strong>de</strong><br />

todos os tempos, universos e dimensões paralelas. Nenhum po<strong>de</strong>r se compara ao<br />

nosso.<br />

-Concordo plenamente, somos os maiorais.<br />

-Estamos fora da escala <strong>de</strong> medição <strong>de</strong> forças <strong>de</strong> seres super-po<strong>de</strong>rosos<br />

utilizada pela sua raça.<br />

-Po<strong>de</strong>ríamos dizer também que somos o melhores em tudo o que fazemos,<br />

que não erramos nunca e nossa perfeição é tão gran<strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>ria ser<br />

expressa nas poucas palavras <strong>de</strong>ste idioma.<br />

-Realmente, seu vocabulário é muito pobre para <strong>de</strong>finir nossa gran<strong>de</strong>za em<br />

toda a sua imensidão.<br />

-Este corpo humanói<strong>de</strong> realmente é imprestável mesmo! Limita quase todas<br />

a minhas percepções...<br />

-Acho que vi umas <strong>de</strong>z estrelas nascerem e morrerem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a última vez<br />

que adquiri uma forma <strong>de</strong> vida mortal. Já tinha até esquecido como era...<br />

-Digo o mesmo!<br />

-O jeito como o ser humano se relaciona com o meio on<strong>de</strong> vive até não é<br />

tão ruim. Basta manter um pouco <strong>de</strong> limpeza e boa higiene que dá para se<br />

aguentar.<br />

-Acho que este sujeito não pensa bem assim, afinal, está cheirando muito<br />

mal. Já não cuida do asseio pessoal a um bom tempo.<br />

-Que fedô! Isso tudo aqui está uma imundície danada.<br />

Dirigindo-se ao nosso herói que estava mudo ouvindo a conversa tão<br />

inteligente, um dos SOIGRÉS perguntou:<br />

-O senhor não toma banho? Quando foi a última vez que escovou os<br />

<strong>de</strong>ntes?<br />

-É! Precisa lavar a boca... O mau hálito está <strong>de</strong> lascar...<br />

-Muito fumo na cabeça, precisa mudar os hábitos.<br />

-Este lugar precisa <strong>de</strong> ser limpo <strong>de</strong> vez em quando. Por-quê não libera os<br />

robôs <strong>de</strong> limpeza para fazerem uma faxina geral aqui?<br />

-Bem, eu...<br />

97


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A situação surpreendia cada vez mais nosso herói. Ele quase não<br />

conseguia acompanhar tudo o que falavam, ainda assim, tentou colocar um pouco<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no cérebro e respon<strong>de</strong>r a algumas perguntas...<br />

-Aqui <strong>de</strong>ntro tomo banho quando bem entendo. Até agora não tive <strong>de</strong> dar<br />

satisfações a ninguém e não pretendo ,mudar.<br />

-Resposta pouco educada da parte <strong>de</strong>le...<br />

-Compreensível, a raça humana, apesar dos poucos momentos <strong>de</strong><br />

genialida<strong>de</strong>, na maioria das vezes consegue ser muito violenta e ignorante...<br />

-Pobres infelizes! Ainda precisam evoluir muito!<br />

Aquela conversa toda começava a irritar.<br />

Nada porém, que não pu<strong>de</strong>sse ser controlado com um pouco <strong>de</strong> paciência.<br />

-Ah! Estes humanos são tão divertidos! Veja só! Constroem naves que além<br />

<strong>de</strong> reproduzir todas as condições i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> conforto no ambiente que vivem,<br />

po<strong>de</strong>m ainda, atravessar galáxias em muito pouco tempo...<br />

-Tão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da própria tecnologia...<br />

-Claro! Não conseguem como nós usar apenas a força do pensamento e<br />

se transportar para qualquer lugar <strong>de</strong>ste ou <strong>de</strong> outros universos no momento que<br />

<strong>de</strong>sejarem.<br />

-Eles não têm nada. Se tivessem, não usariam naves primitivas como esta.<br />

-Vamos lhe dar uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> nossos po<strong>de</strong>res...<br />

-Claro! Ele merece...<br />

De um segundo para outro tudo mudou.<br />

O Viajante das Estrelas, com a velocida<strong>de</strong> do pensamento, foi <strong>de</strong>slocado<br />

para uma distância que, mesmo no seu melhor <strong>de</strong>sempenho, <strong>de</strong>moraria um<br />

bilhão <strong>de</strong> anos terrestres para percorrer!<br />

***<br />

O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas se esforçava para<br />

compreen<strong>de</strong>r e recalcular a nova localização, mas, a tarefa se mostrava quase<br />

impossível, visto que, on<strong>de</strong> se encontrava naquele momento, não haviam estrelas<br />

ou pontos luminosos <strong>de</strong> referência no firmamento que pu<strong>de</strong>ssem ser usados como<br />

orientação..<br />

Para melhorar tão interessante situação a voz feminina digitalizada da<br />

astronave <strong>de</strong>u um aviso:<br />

-Todo o casco da nave está sofrendo pressão externa muito gran<strong>de</strong>. Se<br />

permanecermos aqui mais cinco minutos haverá um irreversível esmagamento e,<br />

por conseguinte, fim <strong>de</strong> tudo a bordo.<br />

98


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Os escudos energéticos protetores estão funcionando? – Perguntou Alex<br />

Randall preocupado<br />

-Plenamente! Mas, não <strong>de</strong>vem resistir mais que cinco minutos.<br />

-On<strong>de</strong> estamos? Perguntou Alex Randall visivelmente preocupado.<br />

-Desconhecido. Foi a resposta do cérebro computadorizado.<br />

Com impassível tranquilida<strong>de</strong>, um dos Soigrés respon<strong>de</strong>u:<br />

-Muito além <strong>de</strong> tudo, amigo. Aqui, nem os corpos mais distantes do seu<br />

universo são visíveis.<br />

-É a região das trevas! – Complementou outro.<br />

-Ao seu tempo, tudo virá parar aqui e então será o fim do universo como<br />

você conhece, Alex Randall.<br />

Com o cérebro refeito pelo susto e o raciocínio mais rápido, nosso herói<br />

finalmente compreen<strong>de</strong>u que os po<strong>de</strong>res daqueles seres ia muito além do que a<br />

ciência e tecnologia humana ainda podia explicar.<br />

Observando os monitores e projetores da central <strong>de</strong> comando, não<br />

encontrava o menor ponto <strong>de</strong> referência on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse localizar-se...<br />

-Não vejo nada! Aqui não é possível <strong>de</strong>tectar qualquer tipo <strong>de</strong> energia<br />

luminosa.<br />

-Não vê porquê a luz ainda não chegou aqui.<br />

-Estamos muito além do seu universo!<br />

-E minha nave? O que está acontecendo com ela? De on<strong>de</strong> vem esta<br />

pressão que quer nos esmagar?<br />

-É a energia própria das trevas que é a que domina por aqui.<br />

-É incompreensível para uma raça tão ignorante como a humana. Mesmo<br />

tanta tecnologia é incapaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver o po<strong>de</strong>r das trevas.<br />

-E por-quê me trouxeram aqui? O que os motiva a buscar a minha<br />

<strong>de</strong>struição? – Perguntava Alex Randall apavorado e vendo que o tempo se<br />

escoava rapidamente.<br />

-Não queremos sua <strong>de</strong>struição!<br />

-Apenas incrementar seus conhecimentos.<br />

-O mortal teme pela própria segurança e a da nave...<br />

-Sim, é compreensível... Seu corpo é finito igual ao seu veículo <strong>de</strong><br />

transporte pelo espaço...<br />

-Aqui ele não perceberá <strong>de</strong>vidamente toda a nossa grandiosida<strong>de</strong> em sua<br />

plenitu<strong>de</strong>.<br />

-Pior! Ainda correrá inútil risco <strong>de</strong> vida. Po<strong>de</strong>mos levá-lo a outro sítio menos<br />

distante <strong>de</strong> on<strong>de</strong> o encontramos.<br />

99


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Um dos Soigrés estalou os <strong>de</strong>dos e, novamente o Viajante das Estrelas,<br />

numa fração <strong>de</strong> segundo, percorreu incalculável distância indo se situar em outro<br />

lugar extraordinário.<br />

Muita luz!<br />

***<br />

Toda a central <strong>de</strong> comando foi inundada por uma ofuscante e forte luz<br />

branca.<br />

Ainda assim, nosso herói pô<strong>de</strong> verificar os instrumentos no braço <strong>de</strong> sua<br />

poltrona e percebeu que, <strong>de</strong>sta vez, naquele lugar, o Viajante das Estrelas não<br />

corria perigo.<br />

-Filtros óticos! - Or<strong>de</strong>nou.<br />

A intensa luminosida<strong>de</strong> diminuiu até tornar visível uma imensa bola branca<br />

muito brilhante adiante do Viajante das Estrelas.<br />

Parecia uma estrela gigante, mas, logo, nosso herói percebeu que não era.<br />

Um fenômeno muito brilhante, e gigantesco mas, que ainda assim<br />

encontrava-se bem distante.<br />

Pelos cálculos do cérebro computadorizado, a astronave, a plena<br />

velocida<strong>de</strong>, ainda levaria uns <strong>de</strong>z mil anos terrestres <strong>de</strong> viagem para alcançar a<br />

periferia daquele astro extremamente luminoso.<br />

Essa informação intrigou nosso herói, a tal ponto que resolveu analisar<br />

melhor o fenômeno.<br />

Não precisou muito para então perceber o que era.<br />

Centenas <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> galáxias se fundiam numa imensa e tão brilhante<br />

esfera que, <strong>de</strong> longe tudo parecia ser uma coisa só.<br />

Lendo seus pensamentos, um dos Soigrés procurou acalmá-lo.<br />

-Não se preocupe, este tipo <strong>de</strong> aglomerado galático é mais comum do que<br />

você po<strong>de</strong> imaginar.<br />

-Se a tecnologia do seu mundo ainda não conhecia com tanta riqueza <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>talhes tal fenômeno é porquê a distância da localização <strong>de</strong>ste ainda é muito<br />

maior do que o alcance dos seus melhores telescópios.<br />

Alex Randall trabalhava febrilmente.<br />

Digitava num teclado luminoso tridimensional, projetado a partir do braço <strong>de</strong><br />

sua poltrona, comandos especificando como registrar aqueles acontecimentos.<br />

mim?<br />

Deu algumas tragadas no cachimbo e indagou aos Soigrés:<br />

-Agra<strong>de</strong>ço pela oportunida<strong>de</strong> que me dão, mas... Por-quê escolheram a<br />

100


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Tédio! – Foi a resposta.<br />

-Temos tudo o que <strong>de</strong>sejamos.<br />

-Nada nos falta.<br />

-Resolvemos acompanhar <strong>de</strong> perto as aventuras <strong>de</strong> um explorador primitivo<br />

cercado por tecnologia arcaica tentando enfrentar as intempéries do espaço.<br />

-Tecnologia arcáica? - Indagou nosso herói ofendido. – Aqui foi gasto um<br />

dinheirão e você me fala que tudo isso não vale nada. Parece papo <strong>de</strong> comprador<br />

<strong>de</strong> carro usado...<br />

-Para nós, sua astronave nada mais representa que uma bola <strong>de</strong> sucata<br />

voadora.<br />

Alex Randall ficou boquiaberto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir aquela.<br />

-É! E, como diziamos...- Disse outro dos Soigrés.- Para matar o tédio,<br />

resolvemos acompanhar suas viagens.<br />

-Puxa vida! Que bom! Com seres po<strong>de</strong>rosos como vocês me escoltando,<br />

posso ficar <strong>de</strong>spreocupado... Com certeza po<strong>de</strong>rei enfrentar audaciosamente os<br />

maiores perigos sem pestanejar, já que certamente me darão proteção...<br />

-Na verda<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> sermos as criaturas mais po<strong>de</strong>rosas do universo,<br />

não interferimos nos assuntos <strong>de</strong> outras raças...<br />

Nosso herói, que achava, que mesmo com aqueles chatos criticando e<br />

perturbando, talvez fosse ter ajuda num monte <strong>de</strong> problemas retrucou:<br />

-Mas vocês já interferiram no momento que me levaram a lugares que<br />

provavelmente eu nem viesse a encontrar durante uma viagem normal.<br />

Os Soigrés confabularam entre si rapidamente e continuaram...<br />

-Você não está pronto para apren<strong>de</strong>r todos os nossos ensinamentos.<br />

-E nem iremos interferir no seu caminho, seja para beneficiá-lo ou não.<br />

-Não nos intrometemos em assuntos <strong>de</strong> seres primitivos.<br />

-Muito menos naqueles concernentes a humanos.<br />

-Pobres infelizes! Ainda têm muito que evoluir.<br />

-É verda<strong>de</strong>! Tudo esta raça aproveita muito mal, incluindo os próprios<br />

recursos e tempo.<br />

-Baseado nisso, tenho certeza que não será bem sucedida a viagem a que<br />

se propôs este humano.<br />

fato.<br />

-Se eu me preocupasse com acúmulo <strong>de</strong> bens materiais apostaria nesse<br />

A irritação crescia na mente do nosso herói.<br />

-Acho que sei porquê esses caras estão na minha nave... - Pensou. – Para<br />

me encher o saco.<br />

101


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Num estalar <strong>de</strong> <strong>de</strong>dos <strong>de</strong> um dos Soigrés, o Viajante das Estrelas<br />

novamente retornou ao mesmo local on<strong>de</strong> se encontraram pela primeira vez...<br />

Mesmo irritado com a constante auto-exaltação dos próprios dons a que os<br />

Soigrés o estavam submetendo, tentava manter a calma.<br />

-Que achou <strong>de</strong>sta pequena e breve jornada, Alex Randall?<br />

-Somos po<strong>de</strong>rosos, não?<br />

-O infeliz ainda sequer se recuperou. Não force muito os neurônios <strong>de</strong>le. A<br />

pobre criatura ainda tem muito que evoluir...<br />

A irritação <strong>de</strong> Alex Randall cada vez aumentava mais.<br />

-Humanos são muito ignorantes.<br />

-Ainda nem apren<strong>de</strong>ram a se utilizar <strong>de</strong> todas as capacida<strong>de</strong>s do próprio<br />

cérebro.<br />

-Perfeitos atrasados!<br />

-Violentos <strong>de</strong>mais! Deixam-se dominar facilmente pelas emoções e <strong>de</strong>sejos.<br />

-Verda<strong>de</strong>iramente primitivos.<br />

-Os dois sexos existentes nesta raça não conseguem se fundir<br />

mentalmente! Muito mal e porcamente o fazem fisicamente.<br />

-Pobrezinhos! Ainda têm muito o que evoluir...<br />

Em meio a todos aqueles comentários <strong>de</strong>sabonadores feitos pelos Soigrés,<br />

o infeliz protagonista <strong>de</strong>stas linhas se impacientava cada vez mais.<br />

Deu mais algumas fortes baforadas no cachimbo.<br />

Teria <strong>de</strong> achar um jeito <strong>de</strong> botar aqueles tipos para fora.<br />

Caso contrário, iria acabar virando uma espécie <strong>de</strong> atração televisiva, um<br />

rato <strong>de</strong> laboratório monitorado constantemente num ambiente à la “big-brother”<br />

pelos palpiteiros <strong>de</strong> plantão<br />

Restava agora adivinhar o que fazer...<br />

Para encontrar esta resposta, fazia todo tipo <strong>de</strong> careta enquanto refletia<br />

sobre o problema.<br />

-Pobrezinho... Veja que cara <strong>de</strong> bobo faz quando fuma este cachimbo...<br />

Pior <strong>de</strong> tudo era buscar a solução agüentando tantas críticas e<br />

pentelhações.<br />

Tarefa penosa para qualquer um!<br />

Tal momento <strong>de</strong> divagação levou os Soigrés num primeiro momento a<br />

erroneamente pensarem que o nosso herói estivesse interessado nas suas<br />

habilida<strong>de</strong>s, conhecimentos, ensinamentos e verda<strong>de</strong>s que tanto pregavam.<br />

Logo porém perceberam que o <strong>de</strong>sinteresse <strong>de</strong> Alex Randall era patente!<br />

-Não presta atenção em nossos po<strong>de</strong>res!<br />

102


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Esse fumo o <strong>de</strong>ixa muito abestalhado mesmo.<br />

-Parece nada ouvir do que falamos.<br />

-Se soubesse o estado em que se encontra sua saú<strong>de</strong>, não continuaria<br />

levando esta vida <strong>de</strong> cachimbeiro.<br />

-Precisa acordar. Está muito disperso.<br />

Dizendo isso, um dos Soigrés aproximou-se <strong>de</strong> Alex Randall, esten<strong>de</strong>u a<br />

mão na direção da testa e penetrou com ela na cabeça <strong>de</strong> nosso herói como se<br />

duas distintas imagens estivessem se fundindo uma a outra graças a algum efeito<br />

especial <strong>de</strong> computação gráfica.<br />

***<br />

A realida<strong>de</strong> se transformou novamente.<br />

Estava sentado numa espécie <strong>de</strong> trono que claramente tentava simular <strong>de</strong><br />

um modo tanto precário, a poltrona que usava na central <strong>de</strong> comando do Viajante<br />

das Estrelas.<br />

Não era a original, claro! Muito menos, tinha a pretensão <strong>de</strong> ser.<br />

Dançavam ao seu redor, lindíssimas mulheres semi-nuas que rebolavam<br />

exibindo farta gostosura.<br />

Era uma barulheira só.<br />

Porém, que acabava por se transformar numa contagiante música que<br />

comandava toda a bagunça e festivida<strong>de</strong>.<br />

Deu tragadas no cachimbo e, logo, uma coluna <strong>de</strong> fumaça erguia-se das<br />

chamas do fumo em direção aos céus estrelados daquela noite.<br />

Olhou para frente e viu músicos, bailarinos e festeiros <strong>de</strong> várias raças se<br />

confraternizando alegremente embalados ela música contagiante.<br />

Mais adiante ainda. On<strong>de</strong> se iniciava o alegre cortejo, vinha escrito o com<br />

letras <strong>de</strong> aproximadamente quatro metros <strong>de</strong> altura: “Memoriais <strong>de</strong> Alex Randall.”<br />

Seguindo-o, <strong>de</strong>sfilavam crianças brincando com bolas peludas pintadas<br />

com tinta brilhante e estranhos acessórios costurados que, lembravam os<br />

Uorlops.<br />

Vindo logo atrás do bloco infantil, caracterizados como os policiais espaciais<br />

que quase encarceraram nosso herói no planeta prisão, chegavam os tocadores<br />

<strong>de</strong> bumbo fazendo diversas evoluções.<br />

Na seqüência, alegremente cantando e dançando, seguiam senhoras<br />

usando largos vestidos claros, lenços que, à moda das cozinheiras baianas lhe<br />

cobriam os cabelos, além <strong>de</strong> adornos como colares e pulseiras.<br />

Carregavam gran<strong>de</strong>s cestas <strong>de</strong> cujo interior tiravam e jogavam para o<br />

103


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

público bolinhas azuis com pequenos apetrechos que, muito lembravam os BLUS.<br />

Só, usando terno e chapéu brancos, sambando bastante, aparecia o sujeito<br />

que entrara com metrô e tudo no Viajante das Estrelas.<br />

Logo atrás, um bloco que causou calafrios em nosso herói: o dos <strong>de</strong>mônios<br />

que vinham atormentando alegremente as almas penadas que propositadamente<br />

estavam alí para, durante a celebração <strong>de</strong>sempenharem o papel <strong>de</strong> sofredores.<br />

Num outro carro, tão alto e imponente quanto aquele em que se encontrava<br />

nosso herói, estava uma loira muito linda.<br />

Seu monumental corpo estava coberto apenas por uma microscópica tanga<br />

dourada e bastante purpurina prateada.<br />

Era uma beleza a forma vigorosa como aquela mulher sambava. Tão<br />

perfeitamente quanto as verda<strong>de</strong>iras mulatas.<br />

Ainda havia outra mulher completamente nua flutuando sobre a escola <strong>de</strong><br />

samba. Esta tinha olhos profundamente negros que pareciam conter todo o<br />

cosmos.<br />

Segurava um arame com argola em uma <strong>de</strong> suas extremida<strong>de</strong>s e, soprava<br />

por um líquido negro que aí havia, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saiam diversas bolhas negras e<br />

brilhantes contendo universos inteiros.<br />

Sua pele era morena e seu corpo, <strong>de</strong> uma beleza fantástica.<br />

Bem adiante do carro alegórico on<strong>de</strong> estava Alex Randall <strong>de</strong>sfilava um<br />

sujeito baixote e meio careca fazendo evoluções para uma bonita porta-ban<strong>de</strong>ira<br />

que ostentava o símbolo do Corinthians Futebol Clube.<br />

Olhando mais atentamente, nosso herói percebeu que aquele cara era o tal<br />

do escritor da outra dimensão que se dizia ser o criador <strong>de</strong> suas aventuras. Ou<br />

melhor, <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>sventuras.<br />

Virou-se para trás, mas, pouco conseguia vislumbrar.<br />

Aparentemente, fumaça branca, muito similar àquela utilizada como efeito<br />

especial nos shows, encobria sua visão.<br />

Percebia algum movimento, mas, muito mal vislumbrava dois enormes<br />

animais que aparentavam ser dragões...<br />

Nada mais enxergava além disso.<br />

Adiante e cercando o carro alegórico on<strong>de</strong> estava, só havia música e<br />

empolgação.<br />

Um rapaz <strong>de</strong> cor negra aproximou-se e sussurrou no seu ouvido:<br />

-Não se esqueça! Você é apenas um ser humano!<br />

O rapaz afastou-se com semblante sério e, <strong>de</strong> um segundo para outro,<br />

voltou a sambar e cantar alegremente.<br />

Alex Randall parou para pensar e, em seguida <strong>de</strong>ixou-se levar pela<br />

104


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

empolgação daquele carnaval.<br />

Descontraiu-se, <strong>de</strong>u fortes tragadas no cachimbo e, segurando-o com uma<br />

das mãos, pôs-se <strong>de</strong> pé tentando ensaiar algumas evoluções sambísticas.<br />

Seus shows e passos acrobáticos pouco ou nada duraram, afinal, sempre<br />

fora um verda<strong>de</strong>iro perna <strong>de</strong> pau.<br />

Despencou do carro alegórico <strong>de</strong>vido a embriagues que tomou conta <strong>de</strong>le<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto fumar e se <strong>de</strong>ixar entorpecer pelo espírito festivo.<br />

Sequer teve tempo <strong>de</strong> estatelar-se no chão...<br />

Voltou à realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho do Viajante das Estrelas.<br />

***<br />

Os Soigrés ainda estavam lá, inclusive aquele que lhe tocara <strong>de</strong> modo tão<br />

estranho.<br />

A mão <strong>de</strong>le já não estava mais <strong>de</strong>ntro da sua cabeça!<br />

-Compreen<strong>de</strong> agora a vastidão dos nossos po<strong>de</strong>res? – Perguntou um dos<br />

Soigrés.<br />

-Sim! Plenamente! Respon<strong>de</strong>u nosso herói <strong>de</strong>monstrando claramente sua<br />

irritação. – E pediria aos senhores para não me jogarem <strong>de</strong> um lado para o outro<br />

só para provarem o quanto são bem dotados e superiores. Essa ladainha<br />

repetitiva já me cansou.<br />

Os Soigrés se mostraram perplexos...<br />

-Procuramos <strong>de</strong>monstrar sua insignificância para que quando lhe dirigirmos<br />

críticas relativas às suas ações você possa compreen<strong>de</strong>r que nossas sugestões<br />

<strong>de</strong>vem ser urgentemente aceitas e realizadas como a mais pura e absoluta<br />

verda<strong>de</strong>.<br />

-Deveria agra<strong>de</strong>cer pelos nossos comentários.<br />

-Somos muito po<strong>de</strong>rosos e sábios.<br />

-Concordo! - Disse Alex Randall. – Mas, vocês estão interferindo... Se o<br />

vosso objetivo não é esse, peço que não se manifestem mais.<br />

-Mas nossas críticas são construtivas...<br />

-Não preten<strong>de</strong>mos ofendê-lo quando lhe lembramos <strong>de</strong> como seu modo <strong>de</strong><br />

vida é primitivo.<br />

-Você <strong>de</strong>ve ser mais tolerante com o próprio fracasso e apren<strong>de</strong>r com<br />

nossos interesses.<br />

Um dos Soigrés aproximou-se <strong>de</strong> Alex Randall e disse:<br />

-Alex Randall tem razão.<br />

105


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Sua aparência humana era a <strong>de</strong> um velho barbudo com chapéu, roupas<br />

largas, surradas e óculos escuro:<br />

-Já interferimos <strong>de</strong>mais na vida <strong>de</strong>le. Não é este o nosso propósito. Vamos<br />

<strong>de</strong>ixar que prossiga sua jornada solitária.<br />

Outro então se manifestou:<br />

-Vamos então conce<strong>de</strong>r-lhe um favor! Seres inferiores apreciam muito<br />

quando lhe aten<strong>de</strong>mos a realização <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo como forma <strong>de</strong> os<br />

compensarmos por nossos raríssimos enganos.<br />

-Boa idéia! Assim não ficamos com a imagem <strong>de</strong> “po<strong>de</strong>rosos mas muito<br />

chatos”.<br />

-O problema é tentar <strong>de</strong>scobrir o que po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sejar uma forma <strong>de</strong> vida tão<br />

primitiva?<br />

Irritado com a constante exaltação à própria superiorida<strong>de</strong> quase infinita,<br />

sem contar as enervantes críticas nosso herói não po<strong>de</strong> evitar:<br />

-Parem <strong>de</strong> me encher as paciências e digam logo algo que eu não saiba.<br />

Chega <strong>de</strong> ficar repetindo o quanto são melhores que eu...<br />

-Na verda<strong>de</strong>, Alex Randall, você pediu três coisas, mas, não nos faremos<br />

<strong>de</strong> rogados e lhe aten<strong>de</strong>remos em cada uma <strong>de</strong>stas solicitações.<br />

Um dos Soigrés se aproximou e disse:<br />

-Alex Randall, não adianta fugir que os problemas vão sempre te achar....<br />

-Q-q-quê?<br />

Agora, quem estava perplexo era o nosso herói.<br />

Por aquela não esperava...<br />

-Dissemos a você algo que não sabia. Agora, estamos partindo.<br />

Nada <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedidas ou baboseiras melosas. Tão inesperadamente quanto<br />

surgiram, os Soigrés se foram...<br />

Alex Randall sentiu-se aliviado com o sumiço daqueles críticos chatos super<br />

po<strong>de</strong>rosos.<br />

Agora, precisava inventar alguma coisa que impedisse novas invasões não<br />

autorizadas no Viajante das Estrelas.<br />

***<br />

Em algum lugar do Universo, inalcançável para um mero mortal humano, os<br />

Soigrés confabulavam entre si...<br />

-Tão insignificante criatura e menosprezou nossas críticas...<br />

-Não <strong>de</strong>ve melhorar <strong>de</strong> vida nunca...<br />

106


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Provavelmente vai bater cabeça pelo resto da existência até adquirir uma<br />

consi<strong>de</strong>rável experiência.<br />

-É um mal muito comum da raça humana! Detestam ser criticados quando<br />

estão errados.<br />

-Pobres infelizes! Ainda têm muito que evoluir.<br />

107


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.11 DE ALEX RANDALL<br />

Observando a paisagem espacial, sentado em sua poltrona na central <strong>de</strong><br />

comando, nosso herói, a olho nu, casualmente notou lá longe nas profun<strong>de</strong>zas<br />

cósmicas um curioso e fugaz brilho amarelo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>.<br />

Talvez pelo fato <strong>de</strong> ter sido notada, a curiosa cintilação logo <strong>de</strong>sapareceu<br />

não tendo, sua aparição, durado mais que cinco segundos.<br />

E não <strong>de</strong>ixou rastros...<br />

É impreciso afirmar corretamente o porquê, mas, tal fenômeno, por mais<br />

insignificante que fosse na escala cósmica universal, ainda <strong>de</strong>spertava a atenção<br />

<strong>de</strong> um <strong>de</strong>socupado mortal que viajava pelo espaço numa astronave dotada da<br />

melhor tecnologia já alcançada pela humanida<strong>de</strong>, sendo capaz <strong>de</strong> percorrer<br />

distâncias inimagináveis num tempo insignificante.<br />

Quando ia or<strong>de</strong>nar um estudo mais <strong>de</strong>talhado da situação, aconteceu algo<br />

inesperado.<br />

De modo súbito e misterioso, alguns quilômetros adiante do Viajante das<br />

Estrelas materializou-se uma imensa massa com aspecto <strong>de</strong> vômito e, num tom<br />

<strong>de</strong> cor amarelada, que muito lembrava o do brilho que a pouco chamara a atenção<br />

<strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Não só o aspecto daquela coisa era impressionante, mas também, as suas<br />

dimensões por si só muito superiores às do Viajante das Estrelas.<br />

Se tivesse uma forma perfeitamente esférica, o diâmetro daquele “objeto”,<br />

se é que nestes termos po<strong>de</strong>ria ser colocado, chegaria a uns mil quilômetros.<br />

Fosse lá o que fosse aquilo, avançou na direção do Viajante das Estrelas<br />

envolvendo-lhe rapidamente.<br />

A astronave por fim, acabou <strong>de</strong>saparecendo no meio daquela massa<br />

assustadora e repugnante.<br />

Dentro do Viajante das Estrelas reinava o pesa<strong>de</strong>lo total.<br />

***<br />

Estava sendo imerso contra a vonta<strong>de</strong> numa substância amarelenta que,<br />

brotava do chão sem explicação física convincente.<br />

Tal fato estava tornando, a situação crítica.<br />

O cheiro era insuportável. Muito azedo! Capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar os mais<br />

valentes.<br />

Nos painéis <strong>de</strong> instrumentos nada funcionava.<br />

108


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Nosso herói tinha <strong>de</strong> nadar no meio daquela coisa amarela para sair,<br />

porém, tudo indicava que, on<strong>de</strong> quer que fosse, encontraria as coisas do mesmo<br />

jeito.<br />

Nada mais era possível, fazer, não restava nem espaço para se respirar.<br />

O nariz, a boca e até o estômago foram tomados por aquela substância<br />

que praticamente o afogou no meio daquela <strong>de</strong>sgraça toda.<br />

***<br />

Mesmo assim ainda escapou da morte!<br />

Porém, naquele instante, logo percebeu que estava vivendo uma realida<strong>de</strong><br />

totalmente diversa da sua. Talvez, um sonho...<br />

Inexplicavelmente, encontrava-se num ambiente aberto, e distante do<br />

Viajante das Estrelas.<br />

O cheiro que sentia não era <strong>de</strong>sagradável, pelo contrário; lembrava estes<br />

sabonetes naturais com fragrâncias primaveris.<br />

Até on<strong>de</strong> podia enxergar, toda a paisagem era coberta por uma <strong>de</strong>licada<br />

espécie <strong>de</strong> teia branca.<br />

Tocou-a movido pela curiosida<strong>de</strong> e percebeu que sua consistência, textura<br />

e flexibilida<strong>de</strong> muito se assemelhavam à dos antigos tecidos terrestres.<br />

Também se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> outro <strong>de</strong>talhe importante...<br />

Estava diante <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> vida diferente!<br />

Apercebeu-se do fato observando como a teia envolvia a sua mão.<br />

***<br />

Tocando a criatura, imediatamente formaram-se nos seus pensamentos,<br />

imagens e sentimentos diversos dos que normalmente vivia no seu dia a dia.<br />

Era uma forma <strong>de</strong> vida imensa, simplesmente <strong>de</strong>veria cobrir todo aquele<br />

mundo.<br />

Conforme o lugar on<strong>de</strong> a tocava, passava por uma nova emoção, como se<br />

estivesse imerso num um imenso instrumento musical...<br />

Po<strong>de</strong>ria permanecer se divertindo com aquela experiência fantástica<br />

in<strong>de</strong>finidamente.<br />

Foi porém interrompido quando notou nos céus daquele mundo o súbito<br />

aparecimento <strong>de</strong> uma frota <strong>de</strong> naves espaciais que, pela quantida<strong>de</strong>, mais se<br />

assemelhava a uma imensa nuvem <strong>de</strong> gafanhotos.<br />

109


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

E então a <strong>de</strong>sgraça!<br />

As naves começaram a jogar bombas incendiárias e jatos <strong>de</strong> fogo sobre a<br />

criatura que foram queimando e matando-a.<br />

Agora, apercebia-se da situação <strong>de</strong> um modo diferente.<br />

Alheio às limitações físicas, seu corpo começou a flutuar ao redor daquele<br />

mundo e, <strong>de</strong> fora da sua atmosfera enxergou o tamanho do estrago que as<br />

chamas faziam na estranha forma <strong>de</strong> vida.<br />

Seus pensamentos foram invadidos por sentimentos <strong>de</strong> pavor e imagens da<br />

morte.<br />

Era uma avalancha <strong>de</strong> agonia que lhe invadia.<br />

A criatura não tinha mais salvação, estava fadada a morrer.<br />

Ainda assim, <strong>de</strong> um ponto daquela forma <strong>de</strong> vida que ainda não havia sido<br />

atingido pelo fogo, brotou uma bola amarelada com o aspecto <strong>de</strong> vômito idêntico<br />

ao da massa que havia tomado o Viajante das Estrelas.<br />

A massa foi crescendo.<br />

Pouco a pouco, foram se externando também os sentimentos <strong>de</strong> ódio e<br />

<strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> vingança que, existiam e davam vida àquela coisa horrível.<br />

Ela se inflou até alcançar um diâmetro aproximado <strong>de</strong> mil quilômetros, e<br />

então soltou-se da teia branca.<br />

Momentos <strong>de</strong>pois a imensa criatura que anteriormente cobrira todo aquele<br />

mundo não mais existia.<br />

Agora, ela fora substituída por uma horrenda massa amarelenta.<br />

A essas alturas, a frota <strong>de</strong> naves responsáveis pelo seu fim já havia partido<br />

e <strong>de</strong>saparecido no meio do infinito espaço si<strong>de</strong>ral.<br />

rumo.<br />

A bola <strong>de</strong> vômito, movida por ódio e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança seguiu o mesmo<br />

Alex Randall continuava a olhar a terrível transformação que aquele mundo<br />

sofrera e o resultado <strong>de</strong> todo o incêndio.<br />

Concluiu que talvez aquela história não terminasse por alí.<br />

***<br />

Acordou novamente na central <strong>de</strong> comando.<br />

Tudo parecia normal.<br />

Nem sequer o mínimo odor que indicasse que a astronave havia sido<br />

totalmente inundada por aquela criatura com aparência <strong>de</strong> vômito.<br />

Duvidando <strong>de</strong> sua própria sanida<strong>de</strong>, nosso herói consultou os registros<br />

110


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

feitos pelas câmeras internas e constatou que a invasão realmente se verificara e<br />

que ele próprio em nenhum momento havia saído para lugar algum.<br />

As imagens não mentiam.<br />

O Viajante das Estrelas fora realmente inundado por completo pela<br />

criatura, mas, esta, <strong>de</strong> um momento para outro, simplesmente <strong>de</strong>sapareceu<br />

<strong>de</strong>ixando apenas aquelas imagens como prova <strong>de</strong> sua visita. Nada mais.<br />

De resto, tudo se mantinha inalterado na astronave.<br />

Todos os controles agora respondiam exatamente como antes da curiosa<br />

invasão.<br />

Então, os instrumentos <strong>de</strong>tectaram a presença <strong>de</strong> uma frota <strong>de</strong> naves<br />

espaciais.<br />

Olhando mais atentamente a configuração <strong>de</strong>las, notou que eram<br />

exatamente aquelas que haviam assassinado a forma <strong>de</strong> vida do mundo on<strong>de</strong><br />

mentalmente imaginara ter visitado<br />

Também <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> outro fato.<br />

Vislumbrou novamente o mesmo brilho que enxergara pouco antes <strong>de</strong> estar<br />

diante do gigantesco vômito amarelado pela primeira vez.<br />

***<br />

As potentes câmeras telescópicas do Viajante das Estrelas registraram a<br />

súbita aparição da criatura amarela bem adiante do caminho que seguia a frota<br />

avistada por Alex Radall.<br />

E também o que aconteceu a seguir.<br />

A maior e mais espetacular <strong>de</strong>struição que um combate no espaço po<strong>de</strong>ria<br />

propiciar.<br />

Ali,só um dos lados na luta <strong>de</strong>sigual sofria revezes.<br />

A criatura se dividiu em milhares <strong>de</strong> partes que atingiram cada uma das<br />

naves <strong>de</strong>struindo-as num silencioso e mortífero espetáculo visual.<br />

Após o breve tempo que durou a matança, a bola amarelada aumentou<br />

mais ainda seu diâmetro habitual e absorveu todos os <strong>de</strong>stroços que resultaram<br />

daquela rápida batalha.<br />

Nada mais havia que indicasse tamanho extermínio.<br />

A imensa bola <strong>de</strong> vômito também <strong>de</strong>sapareceu.<br />

***<br />

111


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Voltou porém a dar as caras.<br />

Novamente, <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando.<br />

Estava menor agora.<br />

Tinha a altura e a forma muito semelhante à humana.<br />

Alex Randall não percebia mais nela o quase infindável <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança<br />

ou o menor resquício <strong>de</strong> ódio.<br />

Estava diferente agora.<br />

A criatura apontou para um dos diversos projetores <strong>de</strong> imagens<br />

tridimensionais e, flutuando no meio do nada apareceu a seguinte mensagem:<br />

“Cumpri minha missão”<br />

“E sem satisfação”<br />

“A vingança consumada”<br />

“Minha alma arrasada”<br />

“Sem lugar para voltar”<br />

“Sem amparo e sem lar”<br />

“Tudo chega ao fim.”<br />

“O futuro vem a mim”<br />

“Queimando no inferno”<br />

“Tormento será eterno...”<br />

O misterioso ser mais uma vez <strong>de</strong>sapareceu.<br />

Nosso herói leu aquelas palavras brilhando no ar.<br />

Acen<strong>de</strong>u seu cachimbo e <strong>de</strong>u fortes baforadas enquanto refletia a respeito<br />

do texto.<br />

Concluiu que, mesmo tendo alcançado a vingança, a criatura<br />

aparentemente não achou a felicida<strong>de</strong>.<br />

Diversas questões também invadiram a mente <strong>de</strong> nosso herói.<br />

Sem a pretensão <strong>de</strong> encontrar respostas para todas, afinal sabia que<br />

muitas ficariam sem solução, apenas <strong>de</strong>sejou po<strong>de</strong>r terminar sua vida sem jamais<br />

ser escravo do ódio e da vingança.<br />

112


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.12 DE ALEX RANDALL<br />

Quanta coisa engraçada acontece por acaso...<br />

Sem querer, a mão <strong>de</strong> Alex Randall esbarrou no botão <strong>de</strong> parada total.<br />

Apertando-o, a qualquer velocida<strong>de</strong> que estivesse o Viajante das Estrelas,<br />

este seria imediatamente parado.<br />

Estando então imóvel, o cérebro computadorizado faria um auto diagnóstico<br />

completo em toda a astronave e, na eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não encontrar <strong>de</strong>feito<br />

algum, já <strong>de</strong> imediato, realizaria uma varredura externa a procura <strong>de</strong> eventuais<br />

elementos potencialmente perigosos ao prosseguimento da viagem.<br />

Todo esse procedimento, numa nave esférica <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 50 quilômetros <strong>de</strong><br />

diâmetro, levava menos <strong>de</strong> cinco segundos.<br />

E por acaso, não no momento da busca por eventuais problemas internos<br />

mas, sim no seguinte, aquele em que se tenta i<strong>de</strong>ntificar alguma ameaça externa,<br />

uma curiosida<strong>de</strong> foi vista flutuando sem rumo no espaço.<br />

-Uma porta com batente e tudo. Só não tem pare<strong>de</strong> para apóia-la.<br />

-Quê?!?!?!? Indagou bastante perplexo nosso herói frente ao relato do<br />

cérebro computadorizado.<br />

As câmeras <strong>de</strong>ram uma imagem clara da tal porta.<br />

Ela se encontrava a menos <strong>de</strong> cem metros <strong>de</strong> on<strong>de</strong> o Viajante das Estrelas<br />

havia feito sua involuntária parada.<br />

Era comum.<br />

Com no máximo dois metros e meio <strong>de</strong> altura, trincos dourados, bem<br />

conservada e, num dos lados do batente havia um pequeno painel <strong>de</strong> botões cujas<br />

superfícies continham diversos <strong>de</strong>senhos que pareciam ser parte <strong>de</strong> algum<br />

alfabeto <strong>de</strong>sconhecido.<br />

O que estava fazendo ali?<br />

De on<strong>de</strong> viria?<br />

Não havia mais nada naquele setor do espaço num raio <strong>de</strong> pelo menos dois<br />

anos luz, portanto, aparentemente não po<strong>de</strong>ria se tratar <strong>de</strong> <strong>de</strong>stroço <strong>de</strong> alguma<br />

nave espacial aci<strong>de</strong>ntada ou coisa do gênero.<br />

Curioso com a procedência da porta, nosso herói <strong>de</strong>cidiu enviar robôs para<br />

investiga-la.<br />

Alguns minutos <strong>de</strong>pois, três já estavam ao lado <strong>de</strong>la colhendo informações.<br />

Afora o painel com teclado contendo estranhos caracteres, era uma porta<br />

completamente normal, igualzinha a essas usadas na Terra.<br />

Os próprios robôs apertaram os botões daquele teclado usando as mais<br />

113


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

diversas combinações, mas, não obtiveram nenhum tipo <strong>de</strong> resposta.<br />

-Tragam-no para <strong>de</strong>ntro! Veio a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Compartimentos embutidos nos bojos dos robôs se abriram e, <strong>de</strong>stes<br />

saíram garras que <strong>de</strong>licadamente seguraram no batente da porta.<br />

Foram puxar a porta em direção à astronave e...<br />

Surpresa!<br />

Os braços que seguravam as garras se romperam.<br />

Revendo aquela cena no Replay, a impressão que se tinha era a <strong>de</strong> que a<br />

porta simplesmente não saia do lugar.<br />

Mesmo com as garras impossibilitadas <strong>de</strong> segura-la, os robôs não<br />

<strong>de</strong>sistiram e tentaram empurra-la em direção ao Viajante das Estrelas.<br />

Ainda assim, o resultado foi o mesmo.<br />

Tentou-se teletransportar a porta para o interior da astronave.<br />

Os resultados <strong>de</strong>sta tentativa também foram infrutíferos.<br />

Aquela porta não parecia mover-se um milésimo <strong>de</strong> milímetro do lugar.<br />

Pela cabeça <strong>de</strong> Alex Randall ocorreu até a idéia <strong>de</strong> tentar fazer com que o<br />

Viajante das Estrelas se aproximasse da porta envolvendo-a num dos seus<br />

hangares para alguns estudos mais precisos.<br />

Imaginou porém se a astronave correria algum risco caso tentasse moverse<br />

com a porta no seu interior...<br />

Melhor seria não arriscar...<br />

Como dizia ao célebre ditado...<br />

“Se Maomé não vai à montanha, a montanha iria até Maomé.”<br />

Alex Randall resolveu vestir um dos trajes espaciais e, ele mesmo fazer um<br />

passeio fora do Viajante das Estrelas.<br />

Aproximou-se da porta.<br />

***<br />

Naquele momento usava um dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> roupa mais resistentes para<br />

saídas no espaço.<br />

O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas logo manifestou-se<br />

através dos alto-falantes embutidos no capacete:<br />

-Esse objeto incorpora uma tecnologia que ainda nos é <strong>de</strong>sconhecida. A<br />

prudência recomenda uma análise mais <strong>de</strong>talhada antes <strong>de</strong>...<br />

Mal teve tempo <strong>de</strong> completar o que ia dizendo quando Alex Randall<br />

interrompeu com um largo sorriso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdém ao perigo...<br />

114


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Ora! Que é isso!?!?!? Só po<strong>de</strong> estar brincando!!! Análise <strong>de</strong>talhada eu<br />

mesmo vou fazer...<br />

Colocou-se <strong>de</strong> frente para a porta e tentou abri-la normalmente usando a<br />

maçaneta.<br />

Esta, não se mexeu um milímetro..<br />

Olhou o teclado com os botões e apertou uma seqüência aleatória <strong>de</strong>les e<br />

casualmente a tranca da porta se <strong>de</strong>stravou na primeira tentativa.<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u um largo sorriso e tirou um sarrinho daquele momento:<br />

-Veja como são as coisas: um cérebro computadorizado capaz <strong>de</strong> ler,<br />

interpretar, analisar e processar zilhões <strong>de</strong> textos maiores que a Bíblia em menos<br />

<strong>de</strong> um décimo <strong>de</strong> segundo, ficou o maior tempão usando um robô para <strong>de</strong>scobrir a<br />

senha disso aqui, e, venho eu, um simples mortal humano que, na sorte,<br />

consegue acertar <strong>de</strong> primeira...<br />

-Ainda assim, o melhor procedimento a partir <strong>de</strong>sse passo seria uma<br />

análise <strong>de</strong>talhada a respeito do que vem a ser essa porta e...<br />

-Que análise <strong>de</strong>talha, que nada! Eu tive sorte e vou manter o ritmo. Quero<br />

logo abri-la para <strong>de</strong>scobrir que segredo tão interessante ela guarda.<br />

Alex Randall abriu a tal porta e, num primeiro momento tudo o que viu foi o<br />

outro lado com o mesmo espaço cheio <strong>de</strong> estrelas. Justamente, aquilo que seria<br />

<strong>de</strong> se esperar...<br />

Mas, essa imagem começou a tremer e, então, um forte sopro vindo do que<br />

seria o “outro lado da porta” arremessou nosso herói contra o casco do Viajante<br />

das Estrelas.<br />

O tal sopro continuou e manchas brancas rápidas e in<strong>de</strong>finidas passaram a<br />

transpor os umbrais daquela porta a todo instante...<br />

Quando o fôlego do tal sopro terminou, apareceram centenas <strong>de</strong> naves<br />

espaciais dos mais variados mo<strong>de</strong>los.<br />

Torpedos, discos, esferas e ainda tantos outros tipos das mais estranhas<br />

formas .<br />

Todas porém tinham algo em comum.<br />

Eram transparentes como que se fossem feitas <strong>de</strong> plástico ou <strong>de</strong> vidro.<br />

Nosso herói nada sofreu com o choque. Apenas o susto pelo impacto<br />

inesperado.<br />

Choque mesmo, foi quando uma figura horrorosa foi projetada diretamente<br />

nos seus olhos no interior do capacete que usava. Pelo texto explicativo que a<br />

acompanhava, vinha <strong>de</strong> uma daquelas naves estranhas...<br />

-Sou o almirante TALMODENAS, comandante da frota que o cerca!<br />

Tipo muito feio que, assim como as naves da frota sob seu comando,<br />

115


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

também era transparente.<br />

Era algo fantasmagórico.<br />

Apavorante <strong>de</strong> se ver.<br />

***<br />

Alex Randall recuperou-se do susto do impacto da feiúra daquele sujeito e<br />

se apresentou:<br />

-Sou Alex Randall...<br />

-Você é o nosso salvador. Libertou-nos do purgatório que sofríamos<br />

Nosso herói sentiu um orgulho crescendo cada vez mais <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, pois<br />

fizera um gran<strong>de</strong> gesto humanitário.<br />

-Puxa vida, que bom! Fico feliz com isso. Principalmente porquê vocês são<br />

em muitos mesmo...<br />

-Realmente! O que temos em comum é que somos todos súditos do Império<br />

do Pai Gordo, mas, proce<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> planetas diferentes. Estamos seguindo para a<br />

se<strong>de</strong> imperial on<strong>de</strong> completaremos nossa missão.<br />

No campo inferior do projetor interno do capacete cujas imagens eram<br />

vistas diretamente pelos olhos <strong>de</strong> Alex Randall, uma luz vermelha começou a<br />

piscar.<br />

fato.<br />

Sua alegria com a boa ação realizada era tanta que mal <strong>de</strong>u-se conta do<br />

TALMODENAS perguntou:<br />

-Há alguma coisa que possamos fazer pelo sr.?<br />

Por uma questão <strong>de</strong> educação, nosso herói apenas respon<strong>de</strong>u.<br />

-Não! Agra<strong>de</strong>ço pela intenção <strong>de</strong> retribuir o pequeno favor, mas estou bem<br />

e posso me virar sozinho sem problemas.<br />

-Então temos que seguir. Devemos encerrar a nossa missão o mais<br />

brevemente possível.<br />

Meio minuto <strong>de</strong>pois, aquela frota <strong>de</strong> naves que também contava com<br />

gran<strong>de</strong>s asterói<strong>de</strong>s modificados e adaptados para receber todo tipo <strong>de</strong> artefato,<br />

como motores, armas, escon<strong>de</strong>rijos para naves menores, etc..., <strong>de</strong>sapareceu<br />

seguindo o seu <strong>de</strong>stino.<br />

Só então Alex Randall <strong>de</strong>u atenção para a tal luzinha que estava<br />

insistentemente piscando e já chamando atenção para si até com um insistente<br />

sinal sonoro..<br />

116


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

***<br />

-A missão <strong>de</strong> TALMODENAS é <strong>de</strong> vingança! Ele vai levar a morte a um<br />

povo que participou <strong>de</strong> uma guerra a muito tempo terminada. Sua frota vai acabar<br />

com a capital <strong>de</strong> um império que hoje não existe mais.<br />

Alex Randall então <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> que libertara uma força <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

incalculável pronta para causar muita <strong>de</strong>struição...<br />

Certamente, a porta <strong>de</strong> algum modo conteve toda aquela frota prisioneira<br />

evitando que a sua missão fosse cumprida.<br />

Agora, graças a ele, vidas po<strong>de</strong>riam correr risco...<br />

-Essa informação é correta? Não tem erro?<br />

A resposta contida na voz feminina do cérebro computadorizado veio fria e<br />

certeira.<br />

-As histórias da frota comandada por TALMODENAS e do seu <strong>de</strong>stino é<br />

conhecida em lendas e versos por mais da meta<strong>de</strong> da galáxia. Até mesmo os<br />

computadores do mundo policial dispõem <strong>de</strong> informações a respeito <strong>de</strong>sses fatos.<br />

-É mesmo?!? Pois eu a <strong>de</strong>sconheço. – Disse Alex Randall enquanto voltava<br />

para o interior do Viajante das Estrelas. – Esclareça-me esse ponto.<br />

-O império do Pai Gordo viveu dias <strong>de</strong> rebelião por todas as suas colônias.<br />

Com muita morte e violência, conseguiu por fim aos conflitos nos mundos sob o<br />

seu jugo. Porém, os movimentos <strong>de</strong> resistência não cessaram suas ativida<strong>de</strong>s.<br />

“Queriam alcançar seus objetivos, mas, com os meios convencionais <strong>de</strong><br />

que dispunham, jamais conseguiriam.”<br />

“Foi então arquitetado um plano cujo objetivo seria dar um golpe mortal na<br />

capital do império para esfacelar esse governo.”<br />

“Para tanto, precisariam <strong>de</strong> uma po<strong>de</strong>rosa frota <strong>de</strong> naves capazes <strong>de</strong><br />

enfrentar máquinas e soldados muito bem treinados.”<br />

“Espaçonaves <strong>de</strong> diversos mundos colonizados pelo império se juntaram ao<br />

movimento e, aos poucos foi sendo formada a frota <strong>de</strong> TALMODENAS”<br />

“O quê <strong>de</strong> in<strong>de</strong>strutibilida<strong>de</strong> que faltaria para a realização da missão foi<br />

conseguido através <strong>de</strong> antigos encantos <strong>de</strong> bruxaria.”<br />

“Não sem, é claro, o tradicional sacrifício que sempre é feito em ocasiões<br />

assim.”<br />

“Aquela frota seria in<strong>de</strong>strutível, mas, para isso, as almas <strong>de</strong> todos que nela<br />

estivessem ,seriam dadas como forma <strong>de</strong> pagamento ao <strong>de</strong>mônio que lhes<br />

conce<strong>de</strong>u o pedido.”<br />

-Isso explica a transparência <strong>de</strong> suas formas. – Pensou Alex Randall. - São<br />

fantasmas!<br />

117


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O cérebro computadorizado prosseguiu o relato:<br />

-O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança pelas perdas que o Império do Pai Gordo havia lhes<br />

impingido era tão gran<strong>de</strong> que sacrificariam as próprias vidas para realizar seu<br />

intento.<br />

“Mesmo assim, as intenções <strong>de</strong> TALMODENAS não passaram<br />

<strong>de</strong>spercebidas.”<br />

“O serviço <strong>de</strong> espionagem leal ao império conseguiu aprisionar o bruxo que<br />

intermediara a barganha entre o <strong>de</strong>mônio e a frota.”<br />

“Logo ficaram os leais servos do Império sabendo do perigo que ameaçava<br />

a capital e puseram em ação um plano para afastá-lo.”<br />

“O próprio bruxo que ajudara na criação da frota fantasma acabou tendo <strong>de</strong><br />

involuntariamente encontrar uma solução para o problema.”<br />

“Com novo encanto que transcen<strong>de</strong>u tempo e espaço , pôs no caminho <strong>de</strong><br />

TALMODENAS e da frota, uma armadilha que os aprisionou no purgatório.”<br />

“Tudo indica que era essa porta que mantinha a frota fantasma<br />

prisioneira...”<br />

Alex Randall ouviu atentamente toda a explicação...<br />

Deu algumas tragadas no seu cachimbo, refletiu brevemente e perguntou...<br />

-On<strong>de</strong> fica a capital <strong>de</strong>sse Império do Pai Gordo?<br />

-O império não existe mais. O planeta que o sediava hoje é capital <strong>de</strong> uma<br />

república cuja constituição preza a vida e as diferenças entre os governados.”<br />

“Esse estado, encontrou uma rara e bem sucedida forma <strong>de</strong> governar... “<br />

“É um mundo que mais nada tem do seu passado imperial e opressor.”<br />

Só então, Alex Randall pô<strong>de</strong> dimensionar melhor os fatos:<br />

-Temos <strong>de</strong> ir atrás <strong>de</strong> TALMODENAS e tentar <strong>de</strong>move-lo do seu intento.<br />

Logo em seguida, o Viajante das Estrelas partiu.<br />

***<br />

Não tardou muito para chegar ao seu objetivo.<br />

Destroços <strong>de</strong> naves, fragmentos <strong>de</strong> satélites, pedaços <strong>de</strong> estações<br />

espaciais e até corpos <strong>de</strong>spedaçados vagando pelo espaço eram os sinais da<br />

presença da frota fantasma por todo aquele sistema planetário.<br />

Resistência era oferecida por alguns poucos que não foram surpreendidos.<br />

Inútil!<br />

Nada podia parar a frota fantasma.<br />

O planeta capital era o mais castigado. Ali se concentrou um ataque tão<br />

118


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

intenso que praticamente aniquilou todas as formas <strong>de</strong> vida existentes.<br />

Céus ardiam e praticamente todos os centros urbanos foram consumidos<br />

por um interminável mar <strong>de</strong> fogo.<br />

Apesar das mortes e da violência, as chamas causadoras <strong>de</strong> tanta tragédia<br />

eram bonitas <strong>de</strong> se admirar.<br />

Do espaço, as explosões que consumiam cida<strong>de</strong>s inteiras pareciam apenas<br />

pontinhos brilhantes que se acendiam e apagavam...<br />

Aquela beleza assassina por alguns momentos seduziu nosso herói.<br />

Foram momentos em que ficou imerso, fascinado com o brilho e os fogos<br />

da guerra.<br />

Logo porém voltou a si e chamou por TALMODENAS através das mesmas<br />

freqüências <strong>de</strong> comunicação que havia usado anteriormente.<br />

A resposta veio imediata.<br />

-O que <strong>de</strong>seja amigo? O que posso fazer por você?<br />

-Tem que cessar o ataque imediatamente! O povo que você está matando<br />

não é o mesmo dos tempos do império. A sua guerra acabou! A vingança que por<br />

tanto tempo esperou agora está atingindo inocentes!<br />

Nem bem terminou seu discurso eloqüente, a imagem <strong>de</strong> TALMODENAS<br />

que os projetores mostravam na central <strong>de</strong> comando tremeu...<br />

As câmeras e <strong>de</strong>mais sensores do Viajante das Estrelas captaram <strong>de</strong> todos<br />

os planetas habitados do sistema planetário, explosões tão potentes que,<br />

certamente, em cada um <strong>de</strong>les, a vida foi <strong>de</strong>finitivamente extinta.<br />

A imagem do almirante voltou ao normal e ele enviou sua última<br />

mensagem...<br />

-Lamento que tenha sido assim. Agora esse sistema planetário virou um<br />

imenso cemitério. Se pelo menos tivesse nos avisado logo após termos saído do<br />

purgatório, ou mesmo, alguns poucos momentos atrás, certamente seu pedido<br />

teria sido consi<strong>de</strong>rado. A nós que cumprimos a vingança, resta pagar os pecados<br />

no inferno, já que , realizada a missão, os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> in<strong>de</strong>strutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong><br />

dar a proteção que tínhamos! Agora vejo como caímos nas armadilhas do<br />

<strong>de</strong>stino...<br />

A imagem <strong>de</strong> TALMODENAS <strong>de</strong>sapareceu e o que havia restado da frota<br />

fantasma também.<br />

Ficou o rastro <strong>de</strong> morte e <strong>de</strong>struição <strong>de</strong>ixado por esta, que não poupou<br />

ninguém do sistema planetário que um dia fora a capital do império do pai gordo.<br />

Não havia o que salvar.<br />

Tudo fora completamente arrasado.<br />

Permanecer nas imediações, só se fosse para chorar a chacina on<strong>de</strong><br />

119


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

somente o <strong>de</strong>mônio saíra com saldo positivo.<br />

Mas Alex Randall ainda sugeriu uma última cartada...<br />

-Temos máquinas do tempo a bordo que po<strong>de</strong>m nos levar <strong>de</strong> volta ao<br />

passado num momento on<strong>de</strong> seja possível salvar todas estas vidas perdidas...<br />

-Sim. - Concordou o Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas. -<br />

Só que não vale a pena...<br />

Alex Randall ficou surpreso com aquela resposta.<br />

-Mas por-quê? - Indagou.<br />

-Ainda que conseguíssemos voltar ao passado e manter a frota <strong>de</strong><br />

TALMODENAS encarcerada, outro qualquer que estivesse passando por alí<br />

<strong>de</strong>scobriria o segredo daquela fechadura e abriria a porta novamente. Mesmo no<br />

espaço, ela estava localizada num lugar acessível que faz parte <strong>de</strong> uma rota por<br />

on<strong>de</strong> transitam muitas naves. A libertação daqueles fantasmas era apenas<br />

questão <strong>de</strong> tempo. Neste caso, o <strong>de</strong>stino já estava <strong>de</strong>cidido...<br />

-Quem diria: um Cérebro Computadorizado <strong>de</strong> última geração sugerindo a<br />

tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões com base na crença da imutabilida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>stino.<br />

-Não! Apenas na pura lógica mesmo! Com essa porta a solta pelo espaço,<br />

cedo ou tar<strong>de</strong> alguém iria revelar seus segredos. É mais ou menos como largar<br />

um objeto <strong>de</strong> valor numa via por on<strong>de</strong> passam várias pessoas. Em algum<br />

momento, uma <strong>de</strong>las vai percebê-lo e querer verificar do que se trata. O que está<br />

feito está feito. O resultado será o mesmo.<br />

-Muito bem então. - Concordou Alex Randal...<br />

Com um enorme peso na consciência reduzido graças à explanação do<br />

ponto <strong>de</strong> vista do Cérebro Computadorizado, nosso herói or<strong>de</strong>nou a partida para o<br />

espaço profundo.<br />

Quanta <strong>de</strong>sgraça não acontece <strong>de</strong>vido ao acaso...<br />

***<br />

120


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.13 DE ALEX RANDALL<br />

“Quando <strong>de</strong>spertó, el dinossaurio todavia estaba alli.”<br />

Augusto Monterroso<br />

-Pedido <strong>de</strong> socorro captado!<br />

-De on<strong>de</strong> vem?<br />

-Das proximida<strong>de</strong>s. Em poucos segundos po<strong>de</strong>remos alcançar a fonte<br />

emissora.<br />

Imediatamente, logo adiante da poltrona on<strong>de</strong> estava sentado nosso herói,<br />

apareceu a imagem <strong>de</strong> uma nave espacial que, na sua configuração era similar<br />

aos velhos torpedos da Terra.<br />

-Já encontramos esta espaçonave antes. Só que, no momento, ainda não<br />

dá para <strong>de</strong>terminar a causa <strong>de</strong> seus problemas. – Disse a voz feminina do cérebro<br />

computadorizado.<br />

Alex Randall não podia discordar.<br />

Era a mesma espaçonave que em outra ocasião, encontrara caçando os<br />

filhotes dourados do inseto gigante que tivera a diarréia na central <strong>de</strong> comando.<br />

-Faça contato.<br />

Algum tempo passou mas, não houve resposta aos chamados realizados.<br />

-Não aten<strong>de</strong>m.<br />

-Po<strong>de</strong>m estar em situação difícil. Rapi<strong>de</strong>z agora é essencial. - Pensou Alex<br />

Randall enquanto mordiscava a piteira do seu cachimbo.<br />

-Vamos até lá. - Or<strong>de</strong>nou.<br />

Imediatamente, a astronave seguiu o seu novo <strong>de</strong>stino.<br />

***<br />

Pouco tempo após a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> prestar socorro ser tomada, o Viajante das<br />

Estrelas estacionava suavemente a menos <strong>de</strong> cem metros da nave em perigo..<br />

Alex Randall estranhou o silencio da nave. Chegara o mais rápido possível<br />

e, a distância que percorrera <strong>de</strong>pois que recebera o pedido <strong>de</strong> socorro não era tão<br />

longa assim.<br />

Algum sinal <strong>de</strong> vida ou movimentação ainda <strong>de</strong>veria haver, entretanto,<br />

reinava uma total quietu<strong>de</strong> que chegava até a ser sinistra.<br />

Nem as luzes externas <strong>de</strong> sinalização da nave estavam mais acesas.<br />

Estranhando a curiosa situação, nosso herói achou por bem agir rápido.<br />

-Ponha uma equipe robotizada em ação! Temos <strong>de</strong> saber o que está<br />

121


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

acontecendo. Não vou teletransportar nada lá para <strong>de</strong>ntro sem dar antes uma<br />

verificada.<br />

Logo, comportas se abriram na parte externa do Viajante das Estrelas por<br />

on<strong>de</strong> passaram vários enxames <strong>de</strong> robôs das mais diversas formas.<br />

Tão estranho conjunto <strong>de</strong> artefatos se dividiu em diversos grupos. Alguns,<br />

registrando imagens. Outros, pousando no casco do torpedo tentando contato<br />

com o interior daquela espaçonave.<br />

Da central <strong>de</strong> comando, Alex Randall acompanhava cada movimento.<br />

Apesar da expressão do seu rosto aparentar <strong>de</strong>sinteresse, nenhum <strong>de</strong>talhe<br />

escapava à sua aguçada visão.<br />

Os robôs assentados no casco da espaçonave não conseguiam obter<br />

resposta alguma apesar dos insistentes e diversos chamados que realizavam.<br />

Mesmo assim captaram sons que po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong> batimentos cardíacos e<br />

outros tipos <strong>de</strong> vibrações muito distantes que davam conta <strong>de</strong> que ali <strong>de</strong>ntro<br />

certamente havia pelo menos uma vida que po<strong>de</strong>ria ser salva.<br />

Não gostava <strong>de</strong> tomar tal tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, mas em virtu<strong>de</strong> do tempo estar<br />

correndo e com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém estar prestes a morrer, or<strong>de</strong>nou a<br />

injeção <strong>de</strong> micro-robôs naquela espaçonave...<br />

Três “pernilongos arrombadores” robotizados pousaram em diferentes<br />

pontos da parte externa e, conforme o praxe, inseriram nesta superfície, suas<br />

trombas pontiagudas metálicas e brilhantes.<br />

Tais engenhocas, capazes <strong>de</strong> perfurar pare<strong>de</strong>s grossas e resistentes<br />

injetariam no interior da nave, milhares <strong>de</strong> micro-robôs exploradores que,<br />

percorriam tudo lá <strong>de</strong>ntro colhendo informações.<br />

Pouca coisa se alterava enquanto a invasão acontecia, já que, os<br />

“pernilongos” faziam os furos na superfície <strong>de</strong> modo a não permitir a<br />

<strong>de</strong>scompressão interna.<br />

Em conseqüência <strong>de</strong>sse processo, as novida<strong>de</strong>s logo começaram a chegar<br />

à central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas na forma <strong>de</strong> imagens e gráficos<br />

tridimensionais que foram projetados ao redor da poltrona <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

A informação mais importante que chegou, dava conta <strong>de</strong> que: apesar dos<br />

cuidados tomados para a invasão, boa parte dos compartimentos da espaçonave<br />

já estava com os controles <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> vida completamente inoperantes.<br />

Pior ainda: Toda a tripulação lá <strong>de</strong>ntro já estava morta.<br />

E eram mesmo os tais contrabandistas que nosso herói encontrara em<br />

outra <strong>de</strong> suas viagens.<br />

Mas também havia outro importante <strong>de</strong>talhe.<br />

No centro da espaçonave, havia um gran<strong>de</strong> compartimento blindado por<br />

122


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

on<strong>de</strong> os robôs ainda não haviam conseguido transitar e nem mesmo penetrar.<br />

Lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, vinham os sons que o cérebro computadorizado interpretou<br />

como sendo <strong>de</strong> batimentos cardíacos.<br />

Robôs especializados em arrombamento foram enviados para o local.<br />

Encontraram o acesso que era protegido por uma fechadura que só era<br />

<strong>de</strong>strancada mediante senha numérica a ser digitada em teclado ali disposto.<br />

Os robôs, com sua rapi<strong>de</strong>z característica, tentaram diversas combinações,<br />

mas, novamente, o tempo corria e os seus esforços não eram recompensados.<br />

Outros, por sua vez, batiam na pare<strong>de</strong> daquele recinto blindado tentando<br />

fazer, com os sons das batidas, algum tipo <strong>de</strong> contato, com o que quer que<br />

eventualmente estivesse ali <strong>de</strong>ntro.<br />

Não obtiveram resposta, mas uma perceptível alteração no ritmo dos<br />

supostos batimentos cardíacos que os sensores altamente sensíveis captavam<br />

ocorreu.<br />

Enquanto isso, a senha da porta <strong>de</strong> acesso não se mostrava fácil <strong>de</strong><br />

revelar.<br />

Seu mecanismo blindado, estava se mostrando um páreo duro <strong>de</strong> vencer.<br />

Tanta <strong>de</strong>mora impacientava Alex Randall que naquele momento já<br />

começava a ter algumas <strong>de</strong> suas novas idéias mirabolantes.<br />

Baseado na sua bem sucedida experiência anterior com a abertura <strong>de</strong><br />

portas, mais uma vez resolveu tentar uma intervenção pessoal.<br />

E novamente, o cérebro computadorizado teve que manifestar sua<br />

discordância com a tomada daquela súbita <strong>de</strong>cisão.<br />

-Sua vida po<strong>de</strong> correr perigo. O que quer que esteja naquele<br />

compartimento blindado do interior daquela nave é <strong>de</strong>sconhecido e po<strong>de</strong> até<br />

representar perigo.<br />

-Uma vida po<strong>de</strong> estar em perigo e, se tenho um talento para abrir portas<br />

<strong>de</strong>vo exercita-lo nesse momento, já que, os robôs não conseguem resolver o<br />

problema.<br />

-Mas que talento é esse? A <strong>de</strong>scoberta da senha que libertou a Frota<br />

Fantasma foi questão <strong>de</strong> sorte, qualquer outro po<strong>de</strong>ria fazer o mesmo. Não há o<br />

que discutir a respeito <strong>de</strong>sse assunto.<br />

Alex Randall ouviu em silêncio.<br />

Mesmo assim, já estava tomando as providências para fazer mais um <strong>de</strong><br />

seus passeios fora do Viajante das Estrelas...<br />

***<br />

123


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O cérebro computadorizado cansou as orelhas do nosso herói <strong>de</strong> tanto<br />

avisar-lhe dos perigos que passaria entrando na nave <strong>de</strong>sconhecida.<br />

Algum tempo <strong>de</strong>pois, vestindo um avançadíssimo traje para astronautas, e<br />

contrariando todas as advertências, Alex Randall já estava lá.<br />

Percorrendo os corredores, flutuando em gravida<strong>de</strong> zero, vendo ao vivo<br />

mais <strong>de</strong> quarenta cadáveres daqueles curiosos galináceos, indagava-se o que<br />

teria causado tantas mortes...<br />

Olhando aquela nave por <strong>de</strong>ntro, percebia que, entre outras funções, ela<br />

também funcionava como instalação industrial on<strong>de</strong> as criaturas douradas que<br />

salvara numa outra ocasião eram mortas, fatiadas, “limpas”, embaladas e<br />

encaixotadas em gran<strong>de</strong>s gela<strong>de</strong>iras.<br />

Na outra ocasião que encontrara este finado bando <strong>de</strong> contrabandistas,<br />

inconscientemente fizera uma associação daquela situação que presenciava, com<br />

as pescarias industrializadas da Terra que, em muitos casos, exterminavam<br />

espécies inteiras além <strong>de</strong> tirar a vida <strong>de</strong> muitas criaturas que não eram<br />

aproveitadas para nada.<br />

Era uma associação correta. Aquela nave talvez tivesse um papel bem<br />

parecido, só que em outro plano...<br />

Em meio a estas reflexões, finalmente viu-se diante da porta.<br />

Com a sua chegada, o robô que, realizava as tentativas infrutíferas na<br />

fechadura relatou...<br />

-Tentei 65.738 combinações e não obtive resultado positivo.<br />

-Deixe me tentar pelo menos uma vez...<br />

Numa das teclas havia um <strong>de</strong>senho que parecia uma bola, nosso herói<br />

pressionou-a várias vezes e apertou outro botão ver<strong>de</strong> logo ao lado...<br />

Disse então como que por brinca<strong>de</strong>ira:<br />

-Abracadabra!<br />

E a porta se abriu como que por encanto.<br />

Alex Randall não pô<strong>de</strong> evitar:<br />

-Agora o meu potencial para intuir com cem por cento <strong>de</strong> certeza as senhas<br />

problemáticas terá <strong>de</strong> ser reconhecido...<br />

***<br />

A porta <strong>de</strong>strancada revelou pequeno cubículo com uma escotilha fechada<br />

na pare<strong>de</strong> oposta.<br />

Audacioso, nosso herói logo avançou para <strong>de</strong>ntro, antes mesmo dos seus<br />

robôs.<br />

124


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Sabia que o cérebro computadorizado certamente e, com toda razão, iria<br />

lhe passar sermão pelo fato <strong>de</strong> não resguardar sua segurança <strong>de</strong> modo correto.<br />

E realmente ouviu...<br />

-Devia <strong>de</strong>ixar o serviço arriscado para os robôs.<br />

Antes que pu<strong>de</strong>sse dar uma resposta irônica àquela advertência, ou mesmo<br />

que os robôs a<strong>de</strong>ntrassem o cubículo, a porta se fechou novamente isolando Alex<br />

Randall .<br />

A única iluminação existente era a do seu traje.<br />

De - repente ocorreu um estrondo e então, um chiado que parecia indicar<br />

que alguma espécie <strong>de</strong> gás estava sendo inserido naquele ambiente.<br />

Sobre a escotilha, uma luz avermelhada acen<strong>de</strong>u e, <strong>de</strong>pois, outra ver<strong>de</strong>.<br />

Alex Randall girou o volante que ficava nela esta se abriu mostrando um<br />

corredor cujas luzes acen<strong>de</strong>ram automaticamente.<br />

Uma pequena lâmpada azul iluminou o interior do capacete.<br />

Indicava que o ambiente no interior do setor blindado daquela nave tinha ar<br />

respirável para humanos.<br />

Abriu a viseira e <strong>de</strong>u uma respirada.<br />

Tudo ok!<br />

Avançou pelo corredor e reparou que, nas laterais <strong>de</strong>le, haviam celas.<br />

Eram comuns, porcas e fechadas com barras cilíndricas <strong>de</strong> um material<br />

muito parecido com o ferro.<br />

Todas vazias.<br />

No fim do corredor, outra porta.<br />

Nosso audacioso herói dirigiu-se até ela e a abriu.<br />

Acionou a iluminação ambiente antes <strong>de</strong> entrar.<br />

Era um <strong>de</strong>pósito cheio <strong>de</strong> caixas feitas com material metálico.<br />

Uma <strong>de</strong>las, enorme!<br />

Devia medir uns sessenta metros <strong>de</strong> cumprimento por trinta <strong>de</strong> altura e<br />

largura.<br />

Uma <strong>de</strong> suas pare<strong>de</strong>s laterais estava completamente <strong>de</strong>stroçada; alguma<br />

força abriu imenso buraco nela a partir do seu lado interno.<br />

Alex Randall aproximou-se para observar as proporções do estrago.<br />

Tão entretido ficou com suas observações que não percebeu a figura<br />

gigantesca que movia-se ao seu redor.<br />

Quando <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> que algo acontecia, <strong>de</strong>parou-se com um dragão<br />

cuja cabeça estava próxima <strong>de</strong> si .<br />

Seu olhar era perturbador e hipnótico.<br />

125


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Alex Randall ficou imóvel preso aos olhos daquela criatura.<br />

Não era mais dono <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> ou seus pensamentos.<br />

A realida<strong>de</strong> ao seu redor se alterou colocando-o em um lugar<br />

completamente diferente.<br />

Via-se num mundo primitivo com <strong>de</strong>nsa floresta.<br />

Naquele cenário, apareceu um dragão fugindo.<br />

Parecia justamente aquele da nave em que se encontrava.<br />

Era perseguido pelos galináceos contrabandistas armados <strong>de</strong> bastões<br />

emissores <strong>de</strong> raios que lhe impingiam dor severa.<br />

A situação alterou-se novamente.<br />

Não se enxergava mais nada.<br />

No meio das trevas, um sentimento <strong>de</strong> aperto, tanto físico como mental.<br />

Os movimentos estavam completamente tolhidos.<br />

Como conseqüência disso, o pânico também foi tomando seu lugar naquele<br />

cenário <strong>de</strong> escuridão.<br />

Quando a agonia do aperto parecia ser insuportável, a explosão da própria<br />

força física abriu espaço ao lado do corpo e uma luz <strong>de</strong> esperança iluminou a<br />

saída...<br />

Seguiu-a e <strong>de</strong>parou-se com o <strong>de</strong>pósito da nave espacial dos<br />

contrabandistas.<br />

Havia escapado da caixa gigantesca que encontrara arrombada.<br />

Percebera então que, as sensações que tinha certamente eram as<br />

mesmas pelas quais passara o gigantesco dragão.<br />

Um elo mental havia se estabelecido entre Alex Randall e a criatura.<br />

Voltou à realida<strong>de</strong> vendo-se diante do hipnótico olhar da fera.<br />

Teria mesmo revivido experiências realmente passadas pelo dragão?<br />

Ou talvez, a hipnose fosse uma tática para confundir seus pensamentos<br />

ficando mais vulnerável a um ataque?<br />

Menos <strong>de</strong> um segundo após esta dúvida ter se manifestado, o dragão<br />

projetou para fora a língua gosmenta que enrolou-se na cintura do nosso herói e<br />

rapidamente o puxou para o interior da boca.<br />

Nem mastigado foi.<br />

***<br />

Desceu goela abaixo pensando na completa razão que tinha o cérebro<br />

computadorizado do Viajante das Estrelas quando lhe dava alguns <strong>de</strong> seus<br />

126


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

conselhos.<br />

Sentia-se como se estivesse <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um saco levando pancada por todos<br />

os lados.<br />

Poucos eram os comandos dos instrumentos que pareciam funcionar<br />

normalmente em sua roupa.<br />

Um <strong>de</strong>les, era o que acendia os holofotes instalados nos seus ombros e no<br />

topo do capacete. Acen<strong>de</strong>u-os e não animou-se muito com o que viu em volta.<br />

Depois <strong>de</strong> muito movimento, parou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um outro órgão que também<br />

parecia um saco visto <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, só que este era maior que o anterior por on<strong>de</strong><br />

passara.<br />

Assim que chegou ali, as pare<strong>de</strong>s internas começaram a exalar gran<strong>de</strong>s<br />

quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fumaça, ao mesmo tempo que, um líquido branco com cheiro<br />

simplesmente horrível.<br />

Nosso herói inalou um pouco da fumaça.<br />

Mesmo assim, logo fechou a viseira isolando-se hermeticamente <strong>de</strong><br />

qualquer agressão ao seu olfato.<br />

O sistema <strong>de</strong> exaustão da sua roupa limparia o ar interno e po<strong>de</strong>ria oferecer<br />

condições <strong>de</strong> vida ainda que no interior do dragão.<br />

Mesmo expostos àquela condição extrema, os mecanismos do traje<br />

trabalhavam perfeitamente ao manter a integrida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Porém, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fumaça inalada, apesar <strong>de</strong> pequena, causou-lhe<br />

algum <strong>de</strong>sconforto.<br />

Primeiro começou a piscar incessantemente e, a seguir, vieram as lágrimas<br />

que simplesmente lhe obstruíram completamente a visão tamanha a abundância<br />

com que fruíam.<br />

Quando pô<strong>de</strong> enxergar normalmente, não estava mais no interior do<br />

dragão.<br />

***<br />

Agora, se encontrava num ambiente totalmente enfumaçado on<strong>de</strong> via<br />

alguns poucos palmos adiante do nariz.<br />

Vestia roupas comuns e não o traje que até aquele momento estivera<br />

usando.<br />

Pelo chão, em meio à fumaça branca jaziam em <strong>de</strong>composição cadáveres<br />

<strong>de</strong> criaturas das mais variadas espécies.<br />

Encorajado por aquele ambiente aconchegantemente <strong>de</strong>corado com mortos<br />

e esqueletos, nosso herói conseguiu colocar-se <strong>de</strong> pé já que não estava mais<br />

127


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

sendo moído <strong>de</strong> pancada.<br />

Ainda não entendia muito bem como é que seu traje <strong>de</strong> astronauta<br />

<strong>de</strong>saparecera e enten<strong>de</strong>u menos ainda, quando, diante <strong>de</strong> si, <strong>de</strong>parou-se com<br />

outra criatura viva.<br />

Não eram insetos e outros tipos <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> vida que eventualmente se<br />

banqueteariam com a carniça <strong>de</strong> tantos <strong>de</strong>funtos.<br />

Era um humanói<strong>de</strong> <strong>de</strong> cor negra, semi-nú, <strong>de</strong> uma só perna, gorro vermelho<br />

e que também fumava cachimbo.<br />

A figura <strong>de</strong>u diversas tragadas soltando bastante fumaça pelo nariz, o que<br />

instigou o nosso herói à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fumar.<br />

Só que, o seu cachimbo e fumo não estavam consigo naquele momento, e,<br />

justamente por isso; o que era um leve <strong>de</strong>sejo transformou-se numa fissura<br />

<strong>de</strong>senfreada.<br />

O fumador <strong>de</strong> uma só perna, apercebendo-se disso disse:<br />

-Te arranjo fumo, mas, terás que me fazer um favorzinho...<br />

-Um favorzinho... – Pensou nosso herói. – Não <strong>de</strong>ve ser lá gran<strong>de</strong> coisa.<br />

Talvez, um servicinho simples.<br />

O sujeito virou-se, e logo apareceu trazendo dois ovos <strong>de</strong> quarenta<br />

centímetros <strong>de</strong> altura cada. Um, <strong>de</strong> cor prateada, outro, dourado.<br />

fazer.<br />

-Só quero que você tome conta <strong>de</strong>stas belezinhas para mim...<br />

Dito isto, entregou os ovos para Alex Randall que ficou sem saber o que<br />

E não teve tempo nem <strong>de</strong> perguntar, pois, tudo escureceu <strong>de</strong> tal maneira,<br />

que nada mais se via diante do próprio nariz.<br />

Veio novamente o inexplicável aperto por todo o corpo com gran<strong>de</strong><br />

intensida<strong>de</strong>, mas que foi diminuindo até terminar.<br />

Deu-se conta então que estava sendo expelido pelo ânus do dragão<br />

juntamente com algumas centenas <strong>de</strong> quilos <strong>de</strong> merda.<br />

Para sua surpresa, agora vestia novamente o traje especial <strong>de</strong> astronauta e<br />

a superfície <strong>de</strong>ste se encontrava completamente lavada <strong>de</strong> bosta.<br />

Não havia um único centímetro quadrado da roupa que estivesse limpa.<br />

Curiosamente, notou ainda que, ao seu lado, estavam os dois ovos que lhe<br />

foram entregues pela criatura <strong>de</strong> pele escura e uma perna só.<br />

O prometido fumo porém... Nada!<br />

Caído, Alex Randall viu o dragão sentar e <strong>de</strong>itar-se após a caganeira...<br />

Não parecia bem...<br />

Contorcia-se fazendo expressões faciais <strong>de</strong> dar dó...<br />

128


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A respiração fraquejou e o bicho parou <strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong> se mexer.<br />

E então, o mais extraordinário!<br />

O corpo da gigantesca criatura emitiu um forte brilho e <strong>de</strong>sapareceu<br />

completamente sem <strong>de</strong>ixar vestígios. Apenas nosso herói um tanto perplexo, os<br />

ovos e os resquícios <strong>de</strong> fezes pelo chão e pelas roupas.<br />

Com relação ao traje especial, reparou que este se encontrava sem<br />

nenhum dano.<br />

Estava intacto, apesar <strong>de</strong> ter percorrido todo o sistema digestivo da fera!<br />

Muito provavelmente sua gran<strong>de</strong> resistência <strong>de</strong>veria justamente ter causado<br />

a morte do dragão por indigestão.<br />

E foi então que a cavalaria apareceu<br />

Como sempre, <strong>de</strong>pois que o herói safou a própria pele do perigo.<br />

Chegaram os robôs enviados pelo cérebro computadorizado que fizeram o<br />

mesmo caminho percorrido por Alex Randall, mas, não tiveram tempo <strong>de</strong> ver o<br />

dragão.<br />

Nosso herói ao verificar o relógio surpreen<strong>de</strong>u-se ao dar-se conta <strong>de</strong> que<br />

seu tour pelas tripas do monstro não durara cinco minutos terrestres.<br />

A sensação que teve porém foi a <strong>de</strong> ter apanhado durante horas e horas<br />

seguidas lá <strong>de</strong>ntro.<br />

Ainda constatou que não havia nenhum registro da fera feito pelas câmeras<br />

filmadoras embutidas no seu traje. Mesmo quando fora engolido, as únicas<br />

imagens eram <strong>de</strong> chuviscos.<br />

As provas daquele fato eram os ovos.<br />

Um dos robôs aproximou-se <strong>de</strong>stes, tocou-o e afirmou:<br />

-Os sons que havíamos captado vêm daqui. Mas parece que os cálculos<br />

foram errados, são dois seres vivos ao invés <strong>de</strong> um<br />

Nosso herói nada disse.<br />

As batidas registradas anteriormente não tinham origem só no interior<br />

daqueles dois ovos, mas também no coração do dragão que <strong>de</strong>saparecera após<br />

morrer.<br />

-Quero um estudo nos computadores <strong>de</strong>ssa espaçonave . Quem sabe,<br />

existam registros que esclareçam o que aconteceu aqui e matou todos estes<br />

contrabandistas.<br />

Um dos robôs aproximou-se do que parecia ser um terminal <strong>de</strong> computador<br />

da espaçonave e se conectou a este..<br />

robô.<br />

Meia fração <strong>de</strong> segundo <strong>de</strong>pois, algo curioso ocorreu.<br />

Uma espécie <strong>de</strong> mancha brilhante saiu <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do aparelho tocado pelo<br />

129


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Movendo-se rapidamente jogou-se sobre Alex Randall.<br />

Sua investida porém foi contida por alguma força invisível.<br />

Dentro do capacete <strong>de</strong> Alex Randall um alerta avisava.<br />

-Atenção! Perigo <strong>de</strong> infecção por vírus bio-digital.<br />

***<br />

A estranha criatura que muito mal dava para se ver correu mergulhando <strong>de</strong><br />

volta no terminal <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíra.<br />

As luzes que iluminavam o compartimento tremularam e então, ouviu-se um<br />

gran<strong>de</strong> estrondo.<br />

Eram os motores da nave sendo acionados.<br />

Ela estava sendo posta em movimento..<br />

O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas então diagnosticou os<br />

acontecimentos ocorridos explicando pelos fones <strong>de</strong> ouvido do capacete <strong>de</strong> Alex<br />

Randall a sua situação:<br />

-O vírus bio-digital é um ser vivo criado artificialmente para invadir qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> órgão ou aparelho <strong>de</strong>stinado a processamento ou armazenamento <strong>de</strong><br />

dados, seja biológico ou artificial.<br />

“Ele po<strong>de</strong> atuar não só em meios <strong>de</strong> armazenamentos <strong>de</strong> memórias<br />

artificiais, mas também nos existentes em quaisquer criaturas providas <strong>de</strong><br />

inteligência.”<br />

“Foi criado como arma <strong>de</strong> guerra. O que está aqui certamente foi trazido<br />

como contrabando, afinal, seu valor no mercado negro, segundo os arquivos do<br />

mundo policial, é incalculável.”<br />

A voz feminina digitalizada fez uma pausa e então, <strong>de</strong>u continuida<strong>de</strong> às<br />

suas explicações.<br />

-Ainda foi registrada a ocorrência <strong>de</strong> intensas emissões <strong>de</strong> partículas<br />

altamente energizadas provenientes <strong>de</strong> uma estrela existente nesse setor.<br />

-Provavelmente. – Continuou o Cérebro Computadorizado. - Estas<br />

partículas interferiram no bom funcionamento dos computadores quando essa<br />

espaçonave transitava pelas imediações.”<br />

“Em <strong>de</strong>corrência dos <strong>de</strong>feitos que então se suce<strong>de</strong>ram pela nave, o vírus<br />

bio-digital escapou da cela virtual on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estivera aprisionado. “<br />

“Solto no ambiente, ele simplesmente seguiu seus instintos básicos que,<br />

normalmente, são programados para causar o máximo possível <strong>de</strong> danos.”<br />

“Depois <strong>de</strong> exterminar toda a vida que encontrou pela frente , alojou-se no<br />

sistema <strong>de</strong> computadores da nave, <strong>de</strong>sligou-o e pôs-se em estado <strong>de</strong> hibernação<br />

130


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

já que não havia mais para on<strong>de</strong> seguir.”<br />

Algumas perguntas intranqüilizavam nosso herói, a mais perturbadora <strong>de</strong>las<br />

se referia ao porquê da mamãe dragão não ter sido perseguida e morta pelo vírus<br />

bio-digital.<br />

Mas, essa questão, não colocaria em pauta junto ao Cérebro<br />

Computadorizado do Viajante das Estrelas justamente pelo fato <strong>de</strong>ste não ter<br />

percebido ou registrado a existência da fera que por algum tempo o mantivera em<br />

seu estômago...<br />

mim?<br />

Passou então para a segunda pergunta mais intrigante...<br />

-E por que ele não conseguiu concluir com sucesso o seu ataque contra<br />

-A roupa, todo o seu sistema computadorizado e também os outros ligados<br />

ao Viajante das Estrelas são protegidas por “vacinas” contra estes perigos<br />

-Muito bem. E o que fazer agora?<br />

-Seu resgate está a caminho. Mantenha-se tranqüilo. O teletransporte não<br />

po<strong>de</strong>rá ser usado, mas, não se preocupe: o vírus não o vê como ameaça, sabe<br />

que somente com os equipamentos disponíveis aqui <strong>de</strong>ntro correrá risco <strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>struído. Seu objetivo ao reassumir o controle da nave dos contrabandistas é<br />

unicamente o <strong>de</strong> escapar <strong>de</strong> um novo encarceramento...<br />

Sabedor <strong>de</strong>ssa notícia, nosso herói não per<strong>de</strong>u tempo e tomou rumo <strong>de</strong><br />

volta para o ponto on<strong>de</strong> seria resgatado.<br />

***<br />

O Viajante das Estrelas não <strong>de</strong>ixou que a nave on<strong>de</strong> Alex Randall e seus<br />

robôs se encontravam escapasse.<br />

Um veículo auxiliar parecido com os velhos aviões da Terra, <strong>de</strong> asas curtas<br />

e corpo mais robusto saiu <strong>de</strong> uma das comportas da astronave para efetuar o<br />

resgate.<br />

Era bastante manobrável e veloz.<br />

Aproximou-se da entrada por on<strong>de</strong> nosso herói e seus robôs acessaram a<br />

nave e, um tubo a partir da parte inferior do veículo auxiliar projetou-se em direção<br />

a esta.<br />

Não muito tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> conectado aquele cilindro ao acesso, Alex<br />

Randall e seus companheiros cibernéticos correram por <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le em direção à<br />

segurança.<br />

Terminado o resgate, o veículo voltou ao Viajante das Estrelas que, por sua<br />

vez, <strong>de</strong>sacelerou-se afastando daquela fonte <strong>de</strong> problemas.<br />

131


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

***<br />

Já tranqüilo, longe da nave e do vírus bio-digital que a infestava, nosso<br />

herói recostou-se na poltrona da Central <strong>de</strong> Comando, acen<strong>de</strong>u o cachimbo e<br />

começou a analisar os resultados dos exames feitos nos ovos que trouxera para o<br />

interior do Viajante das Estrelas.<br />

Certamente, as criaturinhas que estavam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>les, cresceriam até<br />

alcançarem o tamanho do dragão que o digerira ou mesmo até o superariam.<br />

Isso o levava à triste constatação <strong>de</strong> que o Viajante das Estrelas não era o<br />

ambiente mais a<strong>de</strong>quado para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> criaturas tão gran<strong>de</strong>s e até<br />

voadoras.<br />

Seus ovos seriam colocados numa espécie <strong>de</strong> gela<strong>de</strong>ira que paralisaria<br />

temporariamente o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dos futuros dragõezinhos alí<br />

<strong>de</strong>ntro.<br />

Por algum tempo, o crescimento daqueles bichinhos não lhe constituiria<br />

problema.<br />

Haviam ainda porém, outras questões a serem resolvidas.<br />

Foi interrompido pela voz feminina do cérebro computadorizado da nave<br />

que trazia novida<strong>de</strong>s:<br />

-O vírus bio-digital ainda representa perigo.<br />

-Você ou algum dos robôs sofreu contaminação? Indagou preocupado<br />

nosso herói.<br />

-Não. Trata-se da segurança <strong>de</strong> um mundo habitado e com razoável<br />

<strong>de</strong>senvolvimento on<strong>de</strong> a nave chegou e está prestes a pousar. Alí, certamente o<br />

vírus <strong>de</strong>verá causar o apocalipse já que a vacina para o mesmo é <strong>de</strong>sconhecida.<br />

Mais uma vez Alex Randall via a sua curiosida<strong>de</strong> e xeretice causando<br />

problemas para quem não tinha nada a ver com a história.<br />

-O vírus bio-digital teria se reativado sem a nossa intervenção naquela<br />

nave?<br />

-Provavelmente não! – Veio a resposta fria e seca da voz feminina do<br />

cérebro computadorizado. – Esta vírus, <strong>de</strong>pois que vê sua missão cumprida,<br />

procura hibernar até a ocorrência <strong>de</strong> algo que o faça retornar à ativida<strong>de</strong>. No caso,<br />

a circunstância justamente foi ocasionada pelo robô que foi obter informações no<br />

computador on<strong>de</strong> a criatura <strong>de</strong>scansava. Daí por diante os acontecimentos são<br />

aqueles que temos conhecimento.<br />

Agora nosso herói percebia que até o pedido <strong>de</strong> socorro na verda<strong>de</strong> era<br />

uma arapuca criada pelo próprio vírus dirigida ao primeiro otário que estivesse<br />

132


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

circulando pelas imediações.<br />

Deu-se conta <strong>de</strong> que perdia tempo com reflexões inúteis.<br />

Alguma coisa <strong>de</strong>veria fazer para salvar todo aquele mundo em perigo.<br />

Sem <strong>de</strong>sperdiçar mais nenhum instante, instruiu o cérebro computadorizado<br />

para seguir curso ao referido planeta.<br />

***<br />

Tão logo chegou ao <strong>de</strong>stino traçado, a primeira coisa que reparou foi o<br />

rastro <strong>de</strong> fumaça que indicava que a nave havia penetrado o manto atmosférico<br />

daquele mundo.<br />

Não tardaria muito e logo alcançaria a superfície.<br />

Os sensores do Viajante das Estrelas começaram a receber transmissões<br />

<strong>de</strong> imagens e sons feitas através das mesmas freqüências utilizadas na Terra<br />

pelos antigos aparelhos <strong>de</strong> TV dos meados do século XX.<br />

A programação do que seriam suas televisões também não era muito<br />

diferente.<br />

Tinha bons e maus programas que mostravam os habitantes e sua vida<br />

cotidiana na forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos, novelas e informativos jornalísticos que, naquele<br />

momento, se alvoroçavam cobrindo a nave que rasgava os céus em rota <strong>de</strong><br />

colisão com o seu planeta.<br />

O cérebro computadorizado ainda não conseguia traduzir completamente o<br />

conteúdo <strong>de</strong> todos dos programas, mas, <strong>de</strong> uma coisa não havia dúvidas: o povo<br />

estava em pânico!<br />

Toda a correria <strong>de</strong> Alex Randall pareceu ser vã.<br />

Não foi possível fazer muita coisa.<br />

A nave em chamas espatifou-se na superfície daquele mundo!<br />

O impacto teve força <strong>de</strong>strutiva equivalente ao <strong>de</strong> várias bombas atômicas<br />

e, uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>nsamente povoada por questão <strong>de</strong> apenas dois mil quilômetros<br />

quase foi o alvo do presente do espaço.<br />

Felizmente, on<strong>de</strong> caiu, nenhuma vida foi perdida pois a área do impacto<br />

fazia parte <strong>de</strong> um imenso <strong>de</strong>serto.<br />

Os nativos recuperaram-se do susto e muitos então, movidos pela natural<br />

curiosida<strong>de</strong>, aproximaram-se até on<strong>de</strong> podiam da região do choque.<br />

Jornalistas foram os primeiros a chegar e logo iniciaram suas coberturas<br />

sob os mais variados ângulos.<br />

A tranqüilida<strong>de</strong> do trabalho não durou muito já que o vírus bio-digital<br />

sobrevivera ao impacto, e ainda se movia com gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>.<br />

133


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Não <strong>de</strong>morou muito para localizar e atacar uma das equipes <strong>de</strong> imprensa.<br />

O golpe da criatura assassina foi rápido, certeiro e eficiente.<br />

Não matou os nativos.<br />

Fez pior. Colocou-os sob o seu domínio e, tomando posse <strong>de</strong> suas mentes,<br />

assenhorou-se também dos seus corpos.<br />

Apossou-se dos equipamento <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> reportagens e começou a<br />

fazer uso <strong>de</strong>les enviando um estranho sinal para diversas emissoras <strong>de</strong> TV.<br />

Estas o retransmitiram automaticamente para suas estações e satélites <strong>de</strong><br />

modos que, em poucos instantes o sinal já percorria todo o planeta.<br />

Quem o recebia apenas via um chiado com curioso som agudo.<br />

Nada mais!<br />

Em seguida, perdia totalmente o domínio <strong>de</strong> suas ações, fosse forma <strong>de</strong><br />

vida, ou aparelho eletrônico controlado por computador.<br />

Com tanto po<strong>de</strong>r, o vírus bio-digital foi ampliando cada vez mais o número<br />

<strong>de</strong> nativos que estava sob sua vonta<strong>de</strong> até então, conseguir o controle total!<br />

***<br />

Mais tar<strong>de</strong>, o vírus bio-digital estava <strong>de</strong>struído e seu domínio sobre aquele<br />

mundo acabado.<br />

Antes que os nativos pu<strong>de</strong>ssem sofrer qualquer coisa, a vida voltou à<br />

normalida<strong>de</strong>.<br />

A equipe <strong>de</strong> repórteres que anteriormente fora subjugada pelo vírus<br />

novamente estava em pleno comando <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s, bem como, todo o<br />

planeta on<strong>de</strong> viviam.<br />

A rápida solução do problema se <strong>de</strong>u graças à Alex Randall que, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro<br />

do Viajante das Estrelas, interferiu na emissão do sinal hipnótico trocando-o por<br />

outro que “vacinava” tudo e todos naquele mundo, <strong>de</strong>struindo ainda, a fonte das<br />

ameaças.<br />

Tendo evitado prejuízos e perda <strong>de</strong> vidas causadas pela sua curiosida<strong>de</strong>,<br />

nosso herói finalmente pô<strong>de</strong> fumar e refletir sobre os últimos acontecimentos.<br />

Doravante, seguiria com mais atenção as advertências do cérebro<br />

computadorizado a fim <strong>de</strong> evitar futuras trapalhadas.<br />

***<br />

134


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.14 DE ALEX RANDALL<br />

Um planeta que ofereça condições climáticas e atmosféricas similares às da<br />

Terra sempre é motivo <strong>de</strong> atenção.<br />

Em alguns casos especiais é digno até, do estabelecimento <strong>de</strong> uma base<br />

fixa <strong>de</strong> pesquisa..<br />

Durante suas viagens, Alex Randall encontrou um planeta que, segundo o<br />

critério do primeiro parágrafo logo acima, merecia uma visitinha.<br />

Sem perda <strong>de</strong> tempo, pôs o Viajante das Estrelas em órbita <strong>de</strong>le.<br />

Neste mundo, à primeira vista, não haviam sinais <strong>de</strong> civilização inteligente<br />

ou que, apresentasse indícios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico.<br />

Uma rarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida selvagem que <strong>de</strong>via ser observada <strong>de</strong> perto.<br />

Mais uma vez, contrariando os conselhos dados pelo cérebro<br />

computadorizado que controlava o Viajante das Estrelas, Alex Randall resolveu<br />

sair para uma visita “in loco”.<br />

Embarcou numa das poltronas voadoras e saiu para um vôo panorâmico..<br />

Nos primeiros contatos com a atmosfera, percebeu que o ar ali era mais<br />

limpo que na Terra on<strong>de</strong> as conseqüências <strong>de</strong> anos poluindo o meio ambiente<br />

ainda eram presentes.<br />

Sobrevoando as florestas matou um pouco as sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua terra natal.<br />

Durante seu passeio, pô<strong>de</strong> coletar diversas informações peculiares àquele<br />

lugar e, a mais curiosa <strong>de</strong>las era que a principal forma <strong>de</strong> vida ali reinante e<br />

dominante era a dos macacos.<br />

Eram das mais variadas espécies, todos convivendo harmoniosamente e<br />

sem brigas, o que, por si só já era bastante curioso.<br />

Também reparou na abundância <strong>de</strong> bananas que nascia por qualquer lugar<br />

on<strong>de</strong> estivesse.<br />

E era justamente <strong>de</strong>las que a macacada se alimentava.<br />

Durante muito tempo, nosso herói analisou o comportamento <strong>de</strong> diversos<br />

bandos registrando seus hábitos.<br />

Da mesma forma que os olhava também era visto, afinal, os bichos ficavam<br />

muito curiosos com a poltrona que, sem muito esforço flutuava entre as árvores<br />

carregando uma criatura que soltava mais fumaça que uma chaminé industrial.<br />

A tranqüilida<strong>de</strong> reinante entre as mais diferentes espécies era<br />

impressionante!<br />

Comparados aos seus primos da Terra, essa macacada seria consi<strong>de</strong>rada<br />

tão pacífica quanto os monges budistas.<br />

Não brigavam <strong>de</strong> jeito nenhum. Sequer gritavam entre si.<br />

135


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Em última análise, pareciam mais evoluídos até mesmo que os seres<br />

humanos.<br />

***<br />

Mesmo o estudo consome calorias, o que leva o estômago a roncar e<br />

causar a conhecida sensação <strong>de</strong> fome comum aos primatas.<br />

Nosso herói, como também costuma sentir fome, resolveu que já era hora<br />

<strong>de</strong> comer, e que, faria uma variação no seu cardápio.<br />

Para não ficar só na comida produzida no Viajante das Estrelas, iria colher<br />

do pé algumas bananas e experimenta-las.<br />

***<br />

Pousou a poltrona numa clareira e <strong>de</strong>sceu.<br />

Um bando <strong>de</strong> macacos das mais variadas espécies imediatamente o cercou<br />

<strong>de</strong>monstrando clara curiosida<strong>de</strong>.<br />

Alguns pequenos, chegaram até a subir nos ombros <strong>de</strong> Alex Randall e<br />

começaram procurar sujeira nos seus cabelos louros e a barba. (E acharam<br />

muita.)<br />

Pegou bananas do pé, <strong>de</strong>scascou e comeu uma <strong>de</strong>las.<br />

O sabor era um pouco mais azedo que o das suas irmãs na Terra.<br />

E foi justamente esse pequeno <strong>de</strong>talhe que não conquistou o gosto do<br />

nosso herói já que, o seu paladar, era mais afeito às comidas doces.<br />

Não <strong>de</strong>ixou entretanto, <strong>de</strong> sentir uma espécie <strong>de</strong> embriagues e<br />

relaxamento...<br />

Dentro da sua cabeça, começou até a ouvir vozes.<br />

Estavam se manifestando num linguajar diferente, mesmo assim, conseguia<br />

enten<strong>de</strong>r o sentido do que estava sendo dito.<br />

Ou como no caso, perguntado...<br />

-De on<strong>de</strong> vem?<br />

-Quem é?<br />

-Que <strong>de</strong>seja?<br />

Frente a este questionamento, quase que automaticamente, pensou nas<br />

respostas.<br />

Novas perguntas então lhe bombar<strong>de</strong>aram...<br />

-Por-quê viajar pelo espaço?<br />

136


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Para quê sair do próprio mundo?<br />

-Por quê arriscar a própria vida se aventuras po<strong>de</strong>m ser perigosas?<br />

Alex Randall então percebeu algo extraordinário:<br />

Estava mantendo um contato telepático com aquelas criaturas, muito<br />

provavelmente, graças a alguma substância química da banana que lhe <strong>de</strong>spertou<br />

esse dom no seu cérebro.<br />

Os macacos daquele mundo não eram xeretas nem intrometidos, tão pouco<br />

excessivamente curiosos a ponto <strong>de</strong> fuçar on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>viam.<br />

Tal comportamento também po<strong>de</strong>ria ser influência da banana?<br />

Alguns <strong>de</strong>les chegaram até a sentar nos braços cheios <strong>de</strong> comandos e<br />

controles da poltrona voadora mas ali nada tocaram. Pareciam compreen<strong>de</strong>r que<br />

aquele era um equipamento <strong>de</strong>licado.<br />

Antes <strong>de</strong> se aperceber <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>talhe, nosso herói chegou até a pensar em<br />

travar os controles da poltrona para que esta por acaso não saísse voando<br />

<strong>de</strong>sembestadamente por aí.<br />

Novamente porém, uma voz manifestou-se nos seus pensamentos:<br />

-Não se preocupe com a integrida<strong>de</strong> do seu equipamento. Sua tecnologia<br />

nos é <strong>de</strong> pouco valor. A muito tempo abandonamos esse estágio social evolutivo<br />

<strong>de</strong> busca pelo conforto através da ciência, e mudamos para um modo <strong>de</strong> vida<br />

mais simples e sem sofisticação. Desenvolvemos um nível mental on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos<br />

compartilhar pensamentos e experiências sem o uso da palavra. Em nossa<br />

socieda<strong>de</strong> inexiste a mentira e falsida<strong>de</strong>.<br />

Alex Randall surpreen<strong>de</strong>u-se por po<strong>de</strong>r compreen<strong>de</strong>r tantas coisas através<br />

daquela comida que permitia ao seu cérebro alcançar um nível tão impressionante<br />

do aproveitamento das próprias habilida<strong>de</strong>s.<br />

A todo momento, os macacos ofereciam alguma frutinha para nosso herói<br />

comer.<br />

Este experimentou mais uma ou outra, porém, aquele sabor azedo era<br />

comum em todas elas e este o incomodava tanto que passou a não mais aceitar<br />

as oferendas.<br />

Os macacos porém insistiam...<br />

-Você precisa comer, vai sentir-se vazio <strong>de</strong>pois.<br />

E veio então a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> cagar...<br />

Nosso herói não teve dúvidas, abaixou as calças, acocorou-se próximo a<br />

uma árvore e abriu as válvulas intestinais até efetuar uma completa limpeza<br />

interna.<br />

Num mundo selvagem e sem tecnologia como aquele, não estranhou<br />

quando alguns daqueles símios se aproximaram da bosta recém-cagada e a<br />

137


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

cheiraram...<br />

-Comeu pouco...Logo vai ficar vazio novamente.<br />

Mal ouviu isso <strong>de</strong>ntro da própria cabeça e então, foi-se toda aquela<br />

agradável sensação <strong>de</strong> tranqüilida<strong>de</strong> que confortava o seu cérebro<br />

Também não conseguia mais perceber os pensamentos e vozes daquelas<br />

inteligentes criaturas.<br />

Sentia o vazio a que os macacos se referiam...<br />

Alguns <strong>de</strong>les ainda lhe ofereciam frutinhas.<br />

Nosso herói gentilmente recusou...<br />

-O sabor... – Disse em voz alta apontando para a própria língua como que<br />

tentando se <strong>de</strong>sculpar...<br />

Alex Randall percebeu que era chegado o momento da sua partida pois, no<br />

curto espaço <strong>de</strong> tempo que permanecera sob o efeito das frutas apren<strong>de</strong>ra tudo o<br />

que precisava saber a respeito daquele mundo.<br />

Os macacos que estavam brincando em sua poltrona saíram <strong>de</strong>la como que<br />

se tivessem entendido que aquele era o momento da <strong>de</strong>spedida.<br />

Nosso herói tomou o acento, acionou os controles e lentamente foi<br />

flutuando em direção aos céus enquanto via seus amigos acenando em sinal <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spedida.<br />

Sabia que sua partida até certo ponto era um <strong>de</strong>sapontamento para seus<br />

amigos símios, mas todos alí tinham <strong>de</strong> seguir seus caminhos.<br />

Era ainda, um sinal <strong>de</strong> que a raça humana tinha muito a evoluir até<br />

alcançar o que aquela socieda<strong>de</strong> selvagem consi<strong>de</strong>rava um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vida.<br />

Para preservar tal cultura da ganância <strong>de</strong> outras raças, Alex Randall <strong>de</strong>cidiu<br />

não revelar a localização do planeta dos símios inteligentes nos seus relatórios.<br />

***<br />

138


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.14a DE ALEX RANDALL<br />

(incompletamente registrado)<br />

Uma coisa Alex Randall podia se vangloriar: <strong>de</strong> ser um fumador <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>za extraordinária.<br />

Mesmo os gran<strong>de</strong>s apreciadores do pito jamais conseguiriam alcançar a<br />

quantida<strong>de</strong> astronômica <strong>de</strong> fumo que os pulmões do nosso herói ajudavam a<br />

incinerar diariamente.<br />

Sem ninguém para censura-lo com relação a esse péssimo hábito, fumava<br />

tanto que, nem na hora <strong>de</strong> dormir separava-se do cachimbo.<br />

Mesmo rejuvenescido graças a Água Purificadora que bebera em uma <strong>de</strong><br />

suas aventuras, a constante e incessante rotina <strong>de</strong> combustão <strong>de</strong> tabaco já<br />

contabilizava seus prejuízo naquele “jovem” corpo.<br />

E ao cobrar o seu preço, a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>u um susto no nosso intrépido viajante.<br />

Acordou no meio do sono com uma pontada muito dolorosa na altura do<br />

fígado.<br />

Logo em seguida, veio outra mais forte ainda.<br />

Desta vez, bem no coração. Parecia uma explosão <strong>de</strong>ntro do peito.<br />

Ficou sem ar e tombou inerte na sua cama com a cara atolada no<br />

travesseiro.<br />

O tempo pareceu ter parado.<br />

Não conseguia se mover.<br />

Ficou algum tempo naquela posição sem forças para nada.<br />

***<br />

A situação só se mudou quando uma mão <strong>de</strong> forma humana e cor clara<br />

tocou o seu ombro.<br />

Mesmo daquele jeito, ainda indagou-se <strong>de</strong> quem po<strong>de</strong>ria ser aquela mão já<br />

que era o único humano a bordo do Viajante das Estrelas.<br />

-Venha comigo!<br />

Só <strong>de</strong>pois daquele toque e do som das palavras é que conseguiu se mover.<br />

Parecia mais leve.<br />

Virou-se e viu o dono da mão.<br />

Era um sujeito alto <strong>de</strong> pele e cabelos claros e tinha asas nas costas.<br />

Aparentemente, tratava-se <strong>de</strong> um anjo.<br />

Seus olhos faiscavam como pequenas labaredas.<br />

139


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Nosso herói não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se surpreen<strong>de</strong>r com aquela aparição<br />

inexplicável.<br />

De on<strong>de</strong> teria saído aquele tipo?<br />

-Deve ser fruto da minha mente. Estou alucinando com o excesso <strong>de</strong> fumo!<br />

-Não! Você está morto! – Disse o anjo – Eu vim te buscar.<br />

Mal disse isso, o anjo enfiou a mão por <strong>de</strong>baixo do suvaco do nosso herói e<br />

levantou-o da cama sem aparentemente <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r para isso o menor esforço.<br />

Alex Randall olhou ao redor meio assustado e surpreen<strong>de</strong>u-se com o que<br />

viu: abaixo <strong>de</strong> si: o seu corpo, que permanecia <strong>de</strong>itado na cama com a cara<br />

atolada no travesseiro.<br />

Como fantasmas, nosso finado herói e o seu anjo atravessaram as<br />

centenas <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s da astronave até o seu exterior sem serem afetados pelas<br />

leis da física.<br />

O negrume espacial e estrelado foi lenta e suavemente se <strong>de</strong>svanecendo,<br />

adquirindo então, tons mais azulados e claros.<br />

A transformação ambiental se <strong>de</strong>u por completa e, agora, os dois voavam<br />

entre nuvens brancas iluminadas por um lindo céu <strong>de</strong> verão.<br />

Terminado o passeio por paisagens tão inspiradoras, pousaram os dois no<br />

fim <strong>de</strong> uma fila <strong>de</strong> seres <strong>de</strong> todas as espécies que se dirigia até uma gran<strong>de</strong> porta<br />

encimada por uma placa on<strong>de</strong> se lia “PARAÍSO”.<br />

Apesar da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criaturas aguardando a sua vez, o andamento ali<br />

não era lento, tanto que, logo chegou a vez <strong>de</strong> nosso finado herói ser atendido.<br />

Antes porém, vale a pena mencionar o caso do sujeito que estava bem a<br />

frente <strong>de</strong> Alex Randall<br />

Batia forte no peito com ares <strong>de</strong> orgulho e apontava para a placa dizendo:<br />

-Sim! É aí que mereço ficar. Passei toda a minha vida lutando contra a<br />

injustiça sofrida pelo meu povo. Li<strong>de</strong>rei diversas missões contra opressores e levei<br />

o exemplo <strong>de</strong> coragem aos meus companheiros.<br />

Diante <strong>de</strong> um balcão on<strong>de</strong> estavam dois gran<strong>de</strong>s e fortes anjos mais um<br />

homem <strong>de</strong> barba farta e calva proeminente, chegou a vez do tal gran<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r ser<br />

atendido.<br />

O barbudo em meio aos anjos <strong>de</strong>senrolou um papel que estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

um tubo e disse com voz grave.<br />

-O senhor também é um conhecido terrorista que enganou muitos jovens do<br />

seu povo levando-os à morte prematura, fomentou a guerra, roubo, seqüestro,<br />

tortura, assassinatos e violência <strong>de</strong>snecessária entre os seus além <strong>de</strong> reter<br />

gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> recursos financeiros que teriam ajudado à causa que<br />

tanto afirma <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r.<br />

140


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O homem adiante <strong>de</strong> Alex Randall ficou petrificado ao ouvir aquilo.<br />

Toda a sua pompa <strong>de</strong>sapareceu.<br />

Ainda tentou balbuciar alguma coisa como que tentando se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r mas,<br />

ali o ambiente não era <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira.<br />

O barbudo continuou:<br />

-Por estes fatos, por ter enganado e explorado outras pessoas em nome <strong>de</strong><br />

falsas verda<strong>de</strong>s, estás con<strong>de</strong>nado a passar o resto da eternida<strong>de</strong> penando no<br />

inferno.<br />

O barbudo puxou uma alavanca e um alçapão se abriu abaixo dos pés do<br />

sentenciado fazendo-o ser engolido pelo chão com um sonoro, longo e horrendo<br />

grito <strong>de</strong> terror.<br />

E chegou a vez <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Nosso herói aproximou-se relutante e colocou-se exatamente no mesmo<br />

lugar on<strong>de</strong> instantes atrás estivera o con<strong>de</strong>nado...<br />

De trás do balcão <strong>de</strong> atendimento, sem nem tirar os olhos do papel a sua<br />

frente, o barbudo perguntou:<br />

-Alex Randall você, não?<br />

-S-sim. Gaguejou nosso valente herói.<br />

O barbudo <strong>de</strong>senrolou outro papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um tubo e leu o que ali<br />

estava escrito. Seu ar era sério durante a leitura e seu silencio não durou muito<br />

tempo.<br />

-O senhor já esteve no inferno antes...<br />

Imediatamente, vieram à mente <strong>de</strong> nosso herói as agruras e torturas que<br />

teve <strong>de</strong> suportar ali.<br />

-S-s-sim. Repetiu gaguejante.<br />

-As razões <strong>de</strong> sua presença lá não são claras, mas, aqui não constam<br />

con<strong>de</strong>nações referentes a pecados cometidos. Por-quê esteve lá?<br />

-Transitava com a minha astronave nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma região on<strong>de</strong> existem<br />

muitos “buracos-<strong>de</strong>-minhoca” invisíveis com passagens para todo tipo <strong>de</strong> lugar.<br />

Uma <strong>de</strong>las me levou diretamente para o inferno. Nem mesmo eu sei explicar<br />

direito, como tudo aconteceu. O que lembro, é que, <strong>de</strong> um momento para outro fui<br />

acometido pelas piores <strong>de</strong>sgraças que um sujeito po<strong>de</strong>ria esperar encontrar pela<br />

frente.<br />

herói.<br />

O barbudo segurava o queixo enquanto observava atentamente o nosso<br />

-Seu caso não é grave. - Disse então um pouco mais relaxado e menos<br />

sisudo. – É raro mas dá para resolver <strong>de</strong> modo satisfatório. Como já pa<strong>de</strong>ceu no<br />

inferno em vida sem motivo justificável, as penas serão excluídas <strong>de</strong> sua ficha e<br />

141


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

você po<strong>de</strong>rá passar o resto da eternida<strong>de</strong> no paraíso.<br />

Diante do nosso herói, aquelas imensas porteiras se abriram e ele a<strong>de</strong>ntrou<br />

o espaço reservado aos que trilharam o caminho do bem, da justiça e da or<strong>de</strong>m.<br />

***<br />

Lá <strong>de</strong>ntro, as cores eram mais brilhantes.<br />

Tudo parecia ser especial.<br />

Veio então uma sensação <strong>de</strong> bem estar capaz <strong>de</strong> acalmar qualquer espírito.<br />

Um formigamento acompanhado <strong>de</strong> intenso torpor tomaram conta <strong>de</strong>le ali.<br />

Diante <strong>de</strong> si, uma fonte luminosa irradiava luz ofuscante e relaxante.<br />

Veio então a sensação <strong>de</strong> sono que parecia querer lhe por para dormir.<br />

Não resistiu.<br />

Logo, os pensamentos fugiram <strong>de</strong> sua mente e ficou como que<br />

inconsciente.<br />

Percebeu alí então que, todos os mistérios que sempre atormentaram sua<br />

mente com questões irrespondíveis, estavam solucionados.<br />

Sabia tudo!<br />

O universo agora estava integrado à sua mente.<br />

Compreendia todos os <strong>de</strong>sígnios reservados a cada partícula existente.<br />

As limitações físicas que o corpo humano lhe impunha agora não<br />

atrapalhavam mais na percepção total da realida<strong>de</strong>.<br />

Uma sensação maravilhosa!<br />

Como tudo era simples!<br />

Podia <strong>de</strong>screver com clareza usando uma ou duas palavras todos os<br />

motivos que impulsionavam a vida e a morte no gran<strong>de</strong> esquema das coisas.<br />

Aquele sim era o paraíso que toda criatura, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua<br />

crença, alcançaria após a morte.<br />

Mesmo jamais em toda a sua vida, tendo acreditado em Deus, nosso herói<br />

agora era obrigado a rever seus princípios com a cabeça mais aberta.<br />

Tão aberto estava naquele momento a essa idéia que percebeu perto <strong>de</strong> si<br />

a presença do(a) TODO(A) PODEROSO(A).<br />

Vinha na forma <strong>de</strong> uma mulher <strong>de</strong> beleza extraordinária: morena <strong>de</strong> pele<br />

cor chocolate com cabelos negros longos, corpo robusto com seios<br />

impressionantemente fartos e belos.<br />

Os olhos eram negros e profundos parecendo conter todo o Universo em<br />

<strong>de</strong>talhes além <strong>de</strong> sua história.<br />

142


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Deus na forma <strong>de</strong> mulher impressionava qualquer um, e é claro, até o<br />

nosso herói.<br />

Diante daquela obra divina, Alex Randall só foi capaz <strong>de</strong> balbuciar:<br />

-Minha confusão acabou, agora compreendo tudo!<br />

Mas então, teve uma surpresa <strong>de</strong>sagradável.<br />

Sentiu dor!<br />

Aquilo o surpreen<strong>de</strong>u, afinal estava morto.<br />

A dor cresceu tirando-o daquele estado <strong>de</strong> tranqüilida<strong>de</strong> e paz.<br />

Com ela, veio uma inevitável irritação causada pelo infortúnio.<br />

E como num passe <strong>de</strong> mágica, todo o seu conhecimento a respeito da<br />

realida<strong>de</strong>, do entendimento do universo e da finalida<strong>de</strong> das coisas no esquema da<br />

vida <strong>de</strong>svaneceu-se.<br />

Sons irritantes perturbaram então a música celestial que até poucos<br />

instantes ainda o tranqüilizava.<br />

O barulho agora tinha contornos mais <strong>de</strong>finidos.<br />

Sem dúvida, eram os aparelhos da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento intensivo do<br />

pronto socorro do Viajante das Estrela.<br />

A visão da realida<strong>de</strong> então voltou.<br />

Acordou entubado por diversos tipos <strong>de</strong> aparelhos médicos que<br />

controlavam e mediam os seus sinais vitais.<br />

Um robô enfermeiro entrou no seu campo e visão dizendo com voz fria e<br />

mecanizada:<br />

-Por muito pouco a morte não te carregou...<br />

***<br />

Alex Randall foi ressucitado pela tecnologia do Viajante das Estrelas e<br />

realmente esqueceu tudo a respeito da sua estada naquele paraíso <strong>de</strong> sensações<br />

que, na sua breve morte iluminou o seu espírito.<br />

Sua tradicional <strong>de</strong>scrença com assuntos religiosos voltou a ser norma e<br />

aparentemente, aquela experiência para nosso herói não passou <strong>de</strong> um nebuloso<br />

sonho que tivera durante o estado <strong>de</strong> coma.<br />

A única mudança que po<strong>de</strong>ria se dizer que quase ocorreu em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>de</strong>ssa morte mal sucedida é que, por alguns momentos, o medo fez com que o<br />

cachimbo não ficasse aceso <strong>de</strong>ntro do Viajante das Estrelas.<br />

Bastou porém uma avista<strong>de</strong>la que os olhos do nosso herói <strong>de</strong>ram no<br />

mesmo, para que a paixão pelo velho vício se reacen<strong>de</strong>sse em seu ressuscitado<br />

143


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

coração.<br />

As advertências incessantes e quase irritantes do cérebro computadorizado<br />

dirigidas ao nosso herói não surtiram efeito e logo a fumaça voltou a empestear o<br />

ambiente daquela astronave.<br />

Talvez mesmo não se lembrando da sua viagem pelo além-vida, aquele<br />

fosse um modo inconsciente <strong>de</strong> tentar voltar ao estado paradisíaco que antes se<br />

encontrara.<br />

Ou então, apenas o gosto do nosso herói por tabaco um tanto exagerado e<br />

forte <strong>de</strong>mais.<br />

De qualquer forma, essa é uma prova <strong>de</strong> que tem gente que aconteça o<br />

que acontecer, não apren<strong>de</strong> mesmo.<br />

***<br />

144


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.15 DE ALEX RANDALL<br />

“Os melhores pintores da atualida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>vem se pren<strong>de</strong>r unicamente às<br />

belezas das paisagens terrestres. O negrume espacial (ainda que alguns<br />

estudiosos discor<strong>de</strong>m) também é cheio <strong>de</strong> cores fantasia e inspiração.”<br />

FERNANDO ZÉCA<br />

Devido às experiências e testes a bordo do Viajante das Estrelas, a rota da<br />

astronave seguia uma programação pré-planejada.<br />

Bem... Às vezes...<br />

Ou melhor...<br />

Nem sempre, pois, a todo momento algum problema ou imprevisto insistia<br />

em perturbar a or<strong>de</strong>m ocasionando constantes mudanças <strong>de</strong> planos.<br />

Entretanto, nem toda interrupção ou atraso era ocasionado por problemas<br />

ou imprevistos.<br />

Mesmo a beleza <strong>de</strong> algumas paisagens espaciais, podia constituir bom<br />

motivo para que o Viajante das Estrelas fizesse alguma parada durante seu<br />

trajeto.<br />

E, sabedor <strong>de</strong> tal premissa, <strong>de</strong>sta feita, foi o próprio Cérebro<br />

Computadorizado da astronave que localizou o fenômeno digno <strong>de</strong> nota,<br />

sugerindo assim, uma pausa para observação e coleta <strong>de</strong> imagens.<br />

Vendo a localida<strong>de</strong> apontada, Alex Randall não teve dúvidas.<br />

De imediato, aceitou a sugestão or<strong>de</strong>nando a execução <strong>de</strong> todos os<br />

procedimentos necessários para a produção <strong>de</strong> um registro completo que fosse o<br />

mais fiel possível à verda<strong>de</strong> daquele momento.<br />

Alguns poucos momentos se passaram e a gigantesca astronave<br />

posicionou-se <strong>de</strong> forma a obter o melhor ângulo <strong>de</strong> visualização daquela maravilha<br />

cósmica da natureza em toda a sua plenitu<strong>de</strong>.<br />

Naquela perspectiva, tal fenômeno <strong>de</strong> inigualável grandiosida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong><br />

inspirar respeito fazia do Viajante das Estrelas apenas um pequeno ponto<br />

brilhante quase invisível.<br />

-Um berçário estelar classe 43-C. – Dizia Alex Randall em voz baixa.<br />

O melhor modo <strong>de</strong> explicar tão inusitado visual seria imaginar um conjunto<br />

multicolorido <strong>de</strong> nuvens no espaço.<br />

Como suas irmãs terrestres <strong>de</strong> dimensões muito inferiores, e distinta<br />

composição química, ao menor contato entre si soltavam raios e relâmpagos<br />

ofuscantes.<br />

Outro <strong>de</strong>talhe que diferenciava aquele fenômeno dos <strong>de</strong>mais berçários<br />

estelares anteriormente catalogados, era o fato <strong>de</strong>ste expelir <strong>de</strong> seu interior, assim<br />

145


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

como quem cospe, os núcleos estelares altamente <strong>de</strong>nsos e brilhantes das futuras<br />

estrelas das mais diversas classes e tamanhos.<br />

Aqueles projéteis balísticos <strong>de</strong> proporções inimagináveis consistiam perigo<br />

para o <strong>de</strong>savisado que estivesse distraído no seu caminho, ou mesmo nas<br />

proximida<strong>de</strong>s, já que, a força <strong>de</strong> atração gravitacional que tais bólidos exerciam<br />

sobre tudo que estiva ao seu redor, por on<strong>de</strong> passavam, era irresistível.<br />

Mesmo a permanência no local on<strong>de</strong> o Viajante das Estrelas se encontrava,<br />

era um jogo com a sorte, já que, se um núcleo fosse expelido justamente na<br />

direção on<strong>de</strong> este se encontrava, o tempo <strong>de</strong> reação, reconhecimento do perigo e<br />

fuga seria extremamente curto.<br />

Nestes momentos nosso herói consolava se relembrando que mesmo na<br />

velha e boa Terra, a maioria das boas fotografias e registros <strong>de</strong> filmagem exigiam<br />

gran<strong>de</strong>s riscos para a vida dos que as obtinham.<br />

Tais riscos, alí valiam a pena <strong>de</strong> serem corridos pois, a cada cinco ou <strong>de</strong>z<br />

minutos, um daqueles gigantescos núcleos estelares era expelido ocasionando um<br />

espetáculo <strong>de</strong> beleza inigualável.<br />

Mesmo assim, a permanência no local era uma questão <strong>de</strong> sorte, já que, os<br />

núcleos recém nascidos eram a cada momento atirados numa direção diferente,<br />

mais ou menos como as balas do revolver <strong>de</strong> um atirador cego maluco.<br />

Outras ocorrências que se davam nas proximida<strong>de</strong>s também chamavam a<br />

atenção do Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas:<br />

-Localizada frota com aproximadamente 500 naves. Aparentemente são <strong>de</strong><br />

procedências diferentes já que os mo<strong>de</strong>los são distintos uns dos outros.<br />

As preocupações <strong>de</strong> nosso herói mudaram então <strong>de</strong> foco.<br />

De um momento para outro, sua mente <strong>de</strong>sligou-se da grandiosida<strong>de</strong><br />

daquele visual e concentrou-se nos motivos que fariam tão numerosa frota<br />

colocar-se numa posição perigosa.<br />

Antes que pu<strong>de</strong>sse adivinhar alguma coisa, pôs em ação os procedimentos<br />

para contato com naves <strong>de</strong>sconhecidas.<br />

***<br />

O tempo passou sem que resposta alguma fosse dada aos insistentes<br />

chamados.<br />

Não só <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> contestar todas as tentativas <strong>de</strong> contato como sequer<br />

esboçaram o menor sinal ou movimento.<br />

-Vamos nos aproximar para ter um melhor entendimento da situação.<br />

Alguns poucos segundos foram necessários para que o Viajante das<br />

146


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Estrelas rapidamente chegasse bem mais perto do silencioso conjunto <strong>de</strong> naves.<br />

Daquele ponto, a beleza do berçário parecia ser ainda mais extraordinária<br />

do que em qualquer outro, porém, além das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> levar “tiros” serem<br />

maiores, havia ainda alí, a sensação <strong>de</strong> que coisas ruins estavam prestes a<br />

acontecer.<br />

Até a atmosfera <strong>de</strong>ntro do Viajante das Estrelas parecia mais pesada.<br />

Alex Randall não era dotado <strong>de</strong> nenhuma espécie <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r paranormal,<br />

mas, tinha a percepção na sua mente <strong>de</strong> que, ali realmente não era um lugar bom<br />

para ficar...<br />

Mesmo com sensações tão perturbadoras, ainda tentava adivinhar que<br />

motivo, afora a extraordinária beleza na observação dos eventos que aquele<br />

ângulo proporcionava, teria levado toda aquela numerosa frota a quedar-se<br />

parada ali como se estivesse semi-morta.<br />

Foi então que suas preocupações novamente mudaram <strong>de</strong> posicionamento.<br />

Dentro do Viajante das Estrelas havia um intruso.<br />

***<br />

Os instrumentos da astronave nada registravam, nem mesmo os monitores<br />

<strong>de</strong> imagens pois, mesmo as câmeras <strong>de</strong> filmagem altamente sensíveis<br />

aparentavam estar cegas.<br />

A realida<strong>de</strong> indicava porém que havia um intruso na astronave e este se<br />

encontrava bem diante do nosso herói.<br />

Tinha forma humanói<strong>de</strong>, aparência assustadora, trajava roupas negras<br />

escondidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma capa preta brilhante, <strong>de</strong> pele amarelada e olhos negros<br />

emoldurados por veias pavorosas.<br />

A aparência não <strong>de</strong>ixava dúvidas.<br />

Tratava-se <strong>de</strong> um vampiro.<br />

A criatura aterrorizante <strong>de</strong>u uma sinistra e pavorosa gargalhada que<br />

arrepiou todos os pelos do corpo do nosso assombrado herói.<br />

Com passos lentos, avançou na direção <strong>de</strong> Alex Randall com uma<br />

expressão hipnótica e maléfica que não <strong>de</strong>notava boas intenções.<br />

Quando suas unhas afiadas como navalhas iam tocar a garganta do infeliz<br />

protagonista <strong>de</strong>ssa história, o vampiro foi <strong>de</strong>rrubado por um bando <strong>de</strong> lobos<br />

ferozes que rapidamente o subjugou e em seguida passou a <strong>de</strong>vorar as carnes <strong>de</strong><br />

seu corpo.<br />

O selvagem banquete durou pouco, afinal, a carne do vampiro não foi<br />

suficiente para satisfazer a fome da matilha.<br />

147


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Confuso, Alex Randall tentava enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> on<strong>de</strong> teriam saído todas aquelas<br />

criaturas.<br />

Os instrumentos do Viajante das Estrelas estavam mudos e nada<br />

indicavam.<br />

A matilha feroz cercou a poltrona on<strong>de</strong> nosso herói estava sentado e agora<br />

analisava a situação para ver por on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sferir o primeiro golpe que<br />

iniciaria o ataque à próxima vítima.<br />

Antes porém, inexplicavelmente, milhares <strong>de</strong> aranhas subiram pelas patas<br />

dos lobos esfomeados e colocaram-nos fora <strong>de</strong> combate mor<strong>de</strong>ndo-os<br />

impiedosamente.<br />

A matilha foi pega <strong>de</strong>sprevenida e, após alguns minutos toda ela já estava<br />

envolta numa teia muito fina, brilhante e branca.<br />

Alex Randall assistia à situação abestalhado com todos acontecimentos<br />

absurdos que nos últimos momentos se via envolvido.<br />

Não conseguiria ter tempo para formular uma hipótese que explicasse o<br />

que se passava e, para piorar, nada <strong>de</strong>ntro do Viajante das Estrelas funcionava<br />

satisfatoriamente.<br />

As aranhas ainda não haviam resolvido subir pelas poltronas a fim <strong>de</strong><br />

embalsamar mais uma apetitosa vítima em meio às suas teias.<br />

Naquela situação, nosso herói sequer cogitava a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproximar<br />

os pés do chão que se mostrava mais forrado <strong>de</strong> aranha do que um carpete <strong>de</strong><br />

pelos.<br />

E para piorar, as bichinhas pareciam bastante irritadas, sem esquecer é<br />

claro, que boa parte <strong>de</strong>las com certeza tinha uma mordida pra lá <strong>de</strong> venenosa.<br />

As perigosas criaturinhas não eram porém os últimos dos horrores que<br />

misteriosamente assolavam a central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas.<br />

Vários <strong>de</strong>mônios entraram ali <strong>de</strong>ntro atravessando suas pare<strong>de</strong>s como se<br />

fossem fantasmas.<br />

Cercaram nosso herói em sua poltrona e <strong>de</strong>ram início a uma impiedosa<br />

sessão <strong>de</strong> torturas.<br />

***<br />

Alguma coisa estava errada e o cérebro computadorizado do Viajante das<br />

Estrelas se apercebeu do fato.<br />

O comportamento <strong>de</strong> Alex Randall estava muito estranho nos últimos<br />

momentos.<br />

Não respondia quando chamado, transpirava muito, sua respiração estava<br />

148


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

ofegante.<br />

Em voz baixa, com os olhos fixos no vazio murmurava:<br />

-Socorro! Socorro! Socorro...<br />

Parecia preso num mundo próprio, distante da realida<strong>de</strong>.<br />

O cérebro computadorizado avaliou em paralelo a situação das naves<br />

agrupadas que pareciam única e exclusivamente concentradas na tarefa <strong>de</strong><br />

observar o fenômeno da natureza que aos olhos tanto agradava.<br />

Nenhuma <strong>de</strong>las respon<strong>de</strong>u a qualquer chamado feito pelos diversos meios<br />

<strong>de</strong> comunicação disponíveis na astronave.<br />

Robôs foram enviados até a frota silenciosa e com os meios disponíveis<br />

<strong>de</strong>ram uma melhor imagem da situação.<br />

O panorama obtido era simplesmente aterrador!<br />

Todas as tripulações daquela frota se encontravam mortas.<br />

Com uma análise breve, porém <strong>de</strong>talhada da situação, o Cérebro<br />

Computadorizado do Viajante das Estrelas logo <strong>de</strong>scobriu o que acontecia ali.<br />

Em seguida, a gigantesca astronave se afastou <strong>de</strong>finitivamente daquele<br />

local que mais lembrava um cemitério.<br />

***<br />

A primeira coisa que se <strong>de</strong>u conta ao acordar foi a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

instrumentos médicos conectados ao seu corpo.<br />

Não viu o menor sinal dos ferimentos que os <strong>de</strong>mônios haviam lhe<br />

impingido durante suas sessões <strong>de</strong> tortura.<br />

Teclou alguns comandos num painel colocado ao lado do leito em que<br />

estava <strong>de</strong>itado e percebeu que tudo ali funcionava normalmente.<br />

Em voz alta perguntou:<br />

-O que aconteceu comigo?<br />

A familiar voz feminina do cérebro computadorizado do Viajante das<br />

Estrelas <strong>de</strong>u a resposta:<br />

-O berçário estelar, mesmo com tanto esplendor e beleza é fonte emissora<br />

<strong>de</strong> uma forma até o momento <strong>de</strong>sconhecida <strong>de</strong> radiação que afeta direta e<br />

imperceptivelmente o cérebro <strong>de</strong> qualquer criatura viva que a ela esteja exposta.<br />

“Computadores dotados <strong>de</strong> componentes biológicos também po<strong>de</strong>m ser<br />

afetados por essa energia e é o que ocorreu com todos aqueles instalados nas<br />

naves <strong>de</strong>sta frota.”<br />

-E on<strong>de</strong> estamos agora? Perguntou ainda tentando digerir um pouco da<br />

situação.<br />

149


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-A distância segura on<strong>de</strong> a radiação não po<strong>de</strong>rá causar mais nenhum tipo<br />

<strong>de</strong> dano.<br />

-Como concluiu que a radiação <strong>de</strong>sconhecida era a causadora dos<br />

problemas e os outros computadores daquelas naves não?<br />

-Percebi que alguma coisa estava errada quando começou a dizer coisas<br />

sem sentido, não respon<strong>de</strong>u mais os chamados e parecia paralisado <strong>de</strong> terror<br />

sentado na poltrona. Paralelamente, continuei analisando os dados que chegavam<br />

através dos robôs enviados até a frota, e ao verifica-los constatei a morte <strong>de</strong> todas<br />

as tripulações.”<br />

“Os bancos <strong>de</strong> dados da maioria dos computadores já se encontravam<br />

inutilizados, mas, uns poucos que ainda não haviam sido completamente afetados<br />

pela radiação, ainda indicavam a natureza do motivo que levou toda a frota a<br />

colocar-se em tão curiosa posição: eram todos membros <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> turismo<br />

que também estava ali apreciando a beleza do berçário estelar.<br />

“Analisando as falhas que po<strong>de</strong>riam ter acometido os computadores das<br />

naves <strong>de</strong>scobri a vulnerabilida<strong>de</strong> que eles tinham quando expostos à radiação”<br />

“Daí foi fácil verificar que a causa daqueles danos também afetava <strong>de</strong> modo<br />

diferente os cérebros <strong>de</strong> criaturas biológicas, paralisando-as e matando-as <strong>de</strong><br />

pavor.”<br />

Alex Randall relembrou a sensação <strong>de</strong> imobilida<strong>de</strong> e terror por que passara<br />

durante o tempo que se viu assombrado <strong>de</strong>vido as tais radiações.<br />

Imaginou então o tormento que foi, o fim da existência <strong>de</strong> todas as criaturas<br />

que morreram a bordo da tripulação das naves que apenas admirava as belezas<br />

do universo.<br />

-Ninguém conseguiu perceber o risco a que estavam expostos? Nenhum<br />

computador <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser afetado pela radiação?<br />

-Se a maioria das máquinas não foi afetada direta acabou sendo<br />

indiretamente, tanto que, estavam todas incapazes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r aos chamados<br />

que fizemos. Das criaturas biológicas, você que teve melhor sorte pois, seu tempo<br />

<strong>de</strong> exposição à radiação foi mínimo.<br />

Num outro teclado luminoso tridimensional projetado a partir do painel <strong>de</strong><br />

controle instalado ao lado do leito on<strong>de</strong> estava <strong>de</strong>itado, nosso herói digitou alguns<br />

comandos e, os registros indicativos do seu estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> foram projetados<br />

mostrando que estava bem e não sofrera dano algum.<br />

Mesmo relembrando claramente o sofrimento pelo qual imaginara passar<br />

durante os poucos momentos que esteve exposto à radiação, confortava-se com o<br />

pensamento <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> certa forma, tudo não passara <strong>de</strong> um simples pesa<strong>de</strong>lo<br />

povoado por criaturas horripilantes.<br />

Acen<strong>de</strong>u o cachimbo, <strong>de</strong>u algumas fortes tragadas e dormiu sem medo.<br />

150


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.16 DE ALEX RANDALL<br />

-Alex Randall do Viajante das Estrelas! Por favor, responda!<br />

Voando pelo cosmo, estando tão longe <strong>de</strong> casa ou mesmo, <strong>de</strong> qualquer<br />

estação espacial ou espaçonave humana proveniente do Sistema Solar, a última<br />

coisa que nosso herói esperava ouvir, era alguém chamando-o pelo nome.<br />

natal.<br />

Ainda mais, utilizando-se <strong>de</strong> um idioma que só era falado no seu planeta<br />

Qual seria a origem daquele chamado? .<br />

O cérebro computadorizado localizou a origem do chamado.<br />

Não era da Terra, o que, por um lado <strong>de</strong>sapontou Alex Randall.<br />

Por outro, surpreen<strong>de</strong>u-o já que, a mensagem, partia diretamente <strong>de</strong> um ser<br />

vivo que não se valia <strong>de</strong> nenhuma tecnologia para transmiti-la.<br />

Mais incrível ainda era que, tal criatura, flutuava em meio ao vácuo si<strong>de</strong>ral<br />

sem nenhum tipo <strong>de</strong> acessório que lhe <strong>de</strong>sse proteção contra aos rigores do<br />

espaço.<br />

A imagem projetada na Central <strong>de</strong> Comando mostrava uma lula gigante.<br />

Com alguns comandos, o Viajante das Estrelas das Estrelas diminuiu sua<br />

velocida<strong>de</strong> e parou.<br />

-Aqui Alex Randall do Viajante das Estrelas. I<strong>de</strong>ntifique-se por favor.<br />

-Sou SPLERONCIUS! Po<strong>de</strong>mos nos reunir?<br />

Tal pedido surpreen<strong>de</strong>u nosso herói, o que, lhe incutiu certa cautela.<br />

-Qual o propósito do seu pedido?<br />

-Preciso <strong>de</strong> um favor seu...É uma emergência!<br />

-Posso antes perguntar como ficou sabendo a meu respeito e que eu<br />

estaria nas proximida<strong>de</strong>s?<br />

-Deus me colocou no seu caminho.<br />

Só podia ser piada. E feita com um ateu .<br />

-Deus me disse que você não acredita em Sua existência. É verda<strong>de</strong>?<br />

Alex Randall viu-se surpreendido mais uma vez, afinal: -Como uma<br />

<strong>de</strong>sconhecida forma <strong>de</strong> vida encontrada sabe-se lá on<strong>de</strong> nos confins do Universo,<br />

po<strong>de</strong>ria saber que ele era um ateu sendo que, quase ninguém sabia <strong>de</strong>ss sua<br />

condição religiosa.<br />

Sem a menor sombra <strong>de</strong> dúvida, fosse lá quem fosse, SPLERONCIUS<br />

sabia muito a seu respeito.<br />

Resolveu aceitar o convite para a reunião.<br />

-Tudo bem! Vamos nos encontrar. Foi sua resposta.<br />

151


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

SPLERONCIUS novamente surpreen<strong>de</strong>u-o.<br />

Saiu da sua posição estacionaria no pôs-se a correr movimentando os seus<br />

múltiplos tentáculos. Em menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z segundos alcançou a velocida<strong>de</strong> da luz.<br />

Era um feito extraordinário.<br />

Para um ser vivo, a realização <strong>de</strong> tal proeza utilizando-se apenas dos<br />

próprios recursos corporais, era algo que punha para pensar mesmo os mais<br />

reconhecidos físicos e cientistas da época.<br />

Poucos momentos após o primeiro contato, SPLERONCIUS atravessou<br />

uma distancia fenomenal em pouquíssimo tempo chegando a apenas alguns<br />

metros do casco do Viajante das Estrelas...<br />

Em seguida, atravessou e entrou na astronave como se essa fosse apenas<br />

uma imagem projetada no espaço.<br />

Pelas câmeras internas <strong>de</strong> observação, nosso herói tinha uma rápida<br />

visualização da velocida<strong>de</strong> que SPLERONCIUS imprimia em seu irrefreável<br />

avanço até a Central <strong>de</strong> Comando do Viajante das Estrelas.<br />

Logo, como um fantasma, aquela impressionante criatura estava diante do<br />

nosso atônito herói.<br />

Espalhou os tentáculos por toda a sala cercando a poltrona <strong>de</strong> comando.<br />

Abriu a gigantesca e pavorosa boca diante <strong>de</strong> Alex Randall revelando um<br />

mau hálito extremamente fedorento.<br />

No espaço <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> uma fração <strong>de</strong> segundo, projetou a língua à<br />

distância <strong>de</strong> mais ou menos um metro e a recolheu novamente.<br />

Tão rápido que mal se dava para ver...<br />

Alex Randall percebeu o movimento, e também o que ele trouxe <strong>de</strong><br />

interessante.<br />

SPLERONCIUS tirou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da sua boca uma espécie <strong>de</strong> estátua<br />

dourada.<br />

Era a escultura <strong>de</strong> uma linda mulher nua.<br />

Mesmo quem não gosta do sexo feminino tinha <strong>de</strong> se ren<strong>de</strong>r à perfeição da<br />

beleza daquelas formas fantásticas...<br />

Um alo brilhante cercava a obra <strong>de</strong> arte, como se fosse um objeto divino...<br />

E não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser, afinal, a riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes da escultura era<br />

impressionante.<br />

A expressão do rosto parecia dar-lhe uma vida que certamente não tinha.<br />

Alex Randall, apreciador das lindas mulheres e profundo estudioso da<br />

matéria não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> atentar para aqueles <strong>de</strong>talhes.<br />

-Quem é esta? –Perguntou atônito diante <strong>de</strong> tanta beleza...<br />

-Esta é a imagem celestial da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />

152


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Hã???Mãe <strong>de</strong> quem?<br />

-Você está diante <strong>de</strong> uma representação da imagem <strong>de</strong> DEUS!<br />

***<br />

Sem tirar os olhos daquela formosura sem igual, nosso herói soltou uma<br />

sonora gargalhada.<br />

- SPLERONCIUS. Permita-me chamá-lo pelo primeiro nome. – Soltou em<br />

seguida um pigarro forte mal conseguindo conter-se. – Sem dúvida essa estátua<br />

é dona <strong>de</strong> um esplendor sem igual, mas, no meu planeta ela simplesmente<br />

representaria uma mulher pelada. Sem querer ofen<strong>de</strong>-lo. É o que penso a<br />

respeito do assunto.<br />

Os tentáculos se aproximaram mais ainda da poltrona do nosso herói e<br />

também, aquela imensa e fedorenta bocarra sinistra.<br />

A voz <strong>de</strong> SPLERONCIUS era calma e tranqüila:<br />

-Quando tive meu primeiro contato com essa peça, também não acreditei<br />

em seus po<strong>de</strong>res, mas, agora afirmo com toda convicção que ela é a<br />

representação da imagem que Deus mais utiliza para se manifestar. É a forma<br />

mais a<strong>de</strong>quada para os mortais Lhe compreen<strong>de</strong>rem numa pequena fração <strong>de</strong> sua<br />

glória.<br />

Alex Randall respeitosamente manteve silêncio. Estava claro que tinha<br />

diante <strong>de</strong> si alguma forma <strong>de</strong> fanático religioso.<br />

O importante agora era tentar saber para quê tudo aquilo...<br />

-O que quer <strong>de</strong> mim?<br />

-Preciso <strong>de</strong> um favor seu. Po<strong>de</strong> me ajudar?<br />

SPLERONCIUS tinha uma aparência sinistra, mas, sua voz era tranqüila e<br />

respeitosa. Os movimentos que seus tentáculos faziam pela ponte pareciam até<br />

ameaçadores, mas não haviam causado prejuízo algum.<br />

-E o que seria esse favor?<br />

-Estou morrendo e sem forças para me movimentar, mas tenho que fazer<br />

com que essa estátua chegue ao seu <strong>de</strong>stino.<br />

A extremida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um dos tentáculos acionou os comandos <strong>de</strong> um dos<br />

projetores tridimensionais da sala.<br />

Entre nosso herói e SPLERONCIUS apareceu um gigantesco planeta<br />

cercado por dois conjuntos <strong>de</strong> anéis que se cruzavam perpendicularmente.<br />

Uma operação <strong>de</strong> “zoom” (aumento <strong>de</strong> imagem) <strong>de</strong>u mais evidência a um<br />

dos pontos <strong>de</strong> cruzamento dos anéis, on<strong>de</strong>, situava-se imensa cida<strong>de</strong> flutuante<br />

cercada por uma espécie <strong>de</strong> esfera brilhante e transparente.<br />

153


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A conformação <strong>de</strong>ssa metrópole se mostrava um tanto singular e muito<br />

lembrava o estilo <strong>de</strong> arquitetura utilizado nos projetos das antigas estações<br />

espacial terranas dos séculos XXI e XXII, on<strong>de</strong> a ausência <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong><br />

controle artificial <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>terminava orientação <strong>de</strong> on<strong>de</strong> era para cima<br />

ou para baixo.<br />

Um dos tentáculos <strong>de</strong> SPLERONCIUS apontou para a imagem<br />

tridimensional da metrópole...<br />

-Ese é o templo da MÃE DE TODAS AS COISAS. Foi daí que eu roubei a<br />

estátua...<br />

A sincerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> SPLERONCIUS era <strong>de</strong>sconcertante. E assim continuou<br />

quando fez o seu pedido:<br />

-Gostaria que a levasse <strong>de</strong> volta para esse lugar.<br />

-Você está sem condições <strong>de</strong> seguir viagem?<br />

-Dentro <strong>de</strong> alguns segundos já não estarei mais entre os vivos. Fazendo-me<br />

este favor, você salvará a minha alma do inferno pois, ao roubar a estátua, traí a<br />

confiança dos sacerdotes do templo que me ajudaram num momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong> pessoal.<br />

Mal terminou <strong>de</strong> proferir estas palavras SPLERONCIUS subitamente mudou<br />

<strong>de</strong> cor.<br />

Seu corpo e tentáculos murcharam até <strong>de</strong>saparecerem completamente sem<br />

<strong>de</strong>ixar vestígios.<br />

Digitando alguns rápidos comandos em um dos teclados luminosos<br />

projetados sobre o braço da poltrona <strong>de</strong> comando, nosso herói constatou o efetivo<br />

sumiço da misteriosa criatura.<br />

Dentro ou fora da astronave não havia mais nenhum sinal daquela<br />

fantástica lula gigante espacial.<br />

A única coisa, além dos registros visuais e sonoros feitos pelas câmeras do<br />

Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas, que provava a presença<br />

anterior <strong>de</strong> SPLERONCIUS alí <strong>de</strong>ntro era a estátua que ele <strong>de</strong>ixara.<br />

Alex Randall estava impressionado.<br />

Olhou-a e pôs-se a refletir sobre os últimos acontecimentos:<br />

-Iria SPLERONCIUS sofrer tanto se a obra <strong>de</strong> arte não fosse entregue no<br />

local indicado?<br />

Relembrando com alguma preocupação os momentos <strong>de</strong> penúria pelos<br />

quais passou, nosso herói refletia sobre a viabilida<strong>de</strong> da realização <strong>de</strong> tal entrega.<br />

Com base nas imagens e informações disponíveis, solicitou ao Cérebro<br />

Computadorizado que realizasse os cálculos necessários para que fosse traçada a<br />

melhor rota rumo ao tal Templo da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />

154


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A resposta veio rápida, o que até surpreen<strong>de</strong>u Alex Randall , mas, o<br />

espanto maior ocorreu ao tomar conhecimento do seu <strong>de</strong>stino:<br />

-As coor<strong>de</strong>nadas e a rota que SPLERONCIUS <strong>de</strong>ixou apontam bem para o<br />

setor “zero-zero-zero”.<br />

Nosso herói não parava <strong>de</strong> se indagar como aquela lula teria conseguido<br />

fazer uma inserção <strong>de</strong> dados tão complexa no Cérebro Computadorizado sem<br />

utilizar-se <strong>de</strong> nenhum tipo <strong>de</strong> conexão mecânica.<br />

Estranhamente, o cérebro computadorizado também não tinha uma<br />

explicação clara a respeito da origem das informações.<br />

Entre tantos mistérios, um dos mais intrigantes era o <strong>de</strong>stino on<strong>de</strong> a<br />

estátua <strong>de</strong>veria ser entregue: o setor “zero-zero-zero”.<br />

Localida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada entre os astrônomos como a região mais antiga do<br />

universo.<br />

Os teoremas propostos pelos peritos, cientistas e estudiosos, davam conta<br />

<strong>de</strong> que, a gran<strong>de</strong> explosão iniciadora <strong>de</strong> todas as coisas teria começado aí.<br />

Tal localida<strong>de</strong> era cercada <strong>de</strong> mistérios, já que, mesmo nessa época,<br />

nenhum artefato feito por qualquer forma <strong>de</strong> vida inteligente conhecida havia<br />

conseguido informação confiável <strong>de</strong>stas paragens.<br />

Uma eventual jornada em busca <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>stino com toda certeza traria<br />

inúmeras complicações, até porquê, mesmo para o Viajante das Estrelas, a<br />

distancia a ser percorrida não era pequena.<br />

Nosso herói não via com bons olhos a realização <strong>de</strong> uma viagem tão longa<br />

e, provavelmente bastante problemática, tanto que, <strong>de</strong> imediato, mesmo<br />

imaginando os suplícios que SPLERONCIUS sofreria pelos seus pecados,<br />

resolveu adiar temporariamente a realização do favor.<br />

-Enquanto isso... - Disse em voz alta - Quero essa estátua guardada em<br />

local seguro.<br />

Imediatamente, dois robôs trouxeram um container negro <strong>de</strong> plástico com<br />

as bordas aredondadas e, logo em seguida, acomodaram a obra <strong>de</strong> arte dourada<br />

no seu interior.<br />

Fecharam a caixa com todo cuidado e a retiraram da Central <strong>de</strong> Comando.<br />

Daí por diante, nosso herói resolveu concentrar-se na normalida<strong>de</strong> dos<br />

seus afazeres intercalando-os com várias baforadas fumacentas no seu<br />

cachimbo.<br />

BLACKOUT!<br />

***<br />

155


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Não durou mais que vinte segundos!<br />

Certamente causou espanto a Alex Randall já que a ocorrência <strong>de</strong>sse tipo<br />

<strong>de</strong> situação a bordo do Viajante das Estrelas era raríssima, e, tecnicamente<br />

impossível, <strong>de</strong>vido à gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> segurança existentes.<br />

Uma rápida olhada pelos instrumentos revelou que o a astronave não<br />

sofrera nenhum dano, apesar daquela parada total.<br />

Realmente, a situação era bastante incomum.<br />

Nosso herói tentava solucionar o misterioso apagão quando <strong>de</strong>parou-se<br />

com outro enigma ainda mais incomum.<br />

A estátua que SPLERONCIUS lhe entregara estava bem ao lado <strong>de</strong> sua<br />

poltrona.<br />

Espantou-se ao dar <strong>de</strong> cara com ela...<br />

-Eu por acaso já não pedi para guardar essa estátua em local seguro???<br />

-Ela foi guardada. – Respon<strong>de</strong>u o cérebro computadorizado.<br />

Uma imagem foi projetada adiante <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Ela mostrava um <strong>de</strong>pósito com vários recipientes hermeticamente selados<br />

similares àquele on<strong>de</strong> a estátua havia sido guardada anteriormente.<br />

Nosso herói digitou alguns comandos no teclado luminoso projetado<br />

tridimensionalmente ao lado da imagem, e um exame foi feito.<br />

Surpreen<strong>de</strong>ntemente, constatou-se que o recipiente on<strong>de</strong> a estátua fora<br />

colocada, não apresentava sinais <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> violação nem tão pouco<br />

havia saído do local .<br />

Uma falha po<strong>de</strong>ria ter ocorrido, mas, ao analisar as imagens percebeu que<br />

estava diante <strong>de</strong> um autentico mistério.<br />

Olhando a estátua enquanto coçava o queixo e dava vigorosas tragadas em<br />

seu cachimbo.<br />

Notou então, um pormenor curioso: havia algo diferente no rosto daquela<br />

obra. Talvez a expressão, ou qualquer outro <strong>de</strong>talhe...<br />

-O que causou o “apagão” que tivemos a bordo? - Perguntou tentando<br />

voltar sua atenção para problemas cuja solução não fossem fora do comum...<br />

-Nenhum “apagão” ocorreu a bordo...<br />

-Nenhuma parada ? – Indagou Alex Randall mais surpreso ainda.<br />

-Nenhuma. – Foi a resposta feminina do cérebro computadorizado.<br />

-E como explica essa estátua aqui <strong>de</strong> volta à Central <strong>de</strong> Comando se ela já<br />

havia sido guardada num container do <strong>de</strong>pósito?<br />

-Só por teletransporte...<br />

-Vamos fazer uma análise nessa estátua. Tem algo esquisito nela..<br />

156


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Algumas horas <strong>de</strong>pois vieram os resultados dos testes solicitados.<br />

***<br />

Não esclareciam nada já que comprovavam unicamente que nenhum<br />

teletransporte fora usado para muda-la <strong>de</strong> lugar.<br />

As análises visuais tão pouco eram conclusivas já que, curiosamente não<br />

haviam imagens nítidas do rosto <strong>de</strong>la, que confirmassem a suspeita <strong>de</strong> Alex<br />

Randall quanto à sua mudança na expressão<br />

Sem achar resposta para tantos enigmas foi <strong>de</strong>scansar por alguns<br />

momentos.<br />

Deitado <strong>de</strong> costas, com a mãos na barriga, o cachimbo aceso preso aos<br />

<strong>de</strong>ntes, adormeceu...<br />

Abriu os olhos.<br />

Mesmo assim não viu nada.<br />

O frio que sentia era <strong>de</strong> matar.<br />

***<br />

Seu ar acabou e, <strong>de</strong> um momento para outro, não conseguiu respirar mais.<br />

No meio <strong>de</strong> tanta escuridão, uma mão tocou seus lábios.<br />

Não podia ver quem era, mas sabia que pelo menos se tratava <strong>de</strong> alguém<br />

com forma humana.<br />

Saber aquele fato porém não lhe salvaria a vida já que a ausência <strong>de</strong> ar<br />

respirável e ainda, aquele frio intenso logo iriam dar fim à sua existência.<br />

Não entendia também como viera parar em tal situação, mas, isso no<br />

momento pouco importava!<br />

Precisava pelo menos <strong>de</strong> Oxigênio, e logo!<br />

Enquanto suas <strong>de</strong>sesperadas necessida<strong>de</strong>s não eram atendidas ouviu<br />

ainda um som.<br />

Pareciam várias vozes:<br />

AAAAAAAAAUUUUUUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMM.....<br />

Veio então outro som: o <strong>de</strong> um sopro que foi aumentando <strong>de</strong> volume até<br />

ficar ensur<strong>de</strong>cedor.<br />

Nesse momento um ponto <strong>de</strong> luz ofuscante se acen<strong>de</strong>u no meio do nada<br />

Menos <strong>de</strong> um segundo após a aparição do pequeno fenômeno, e, graças<br />

até ao seu intenso brilho conseguiu ver <strong>de</strong> quem era a mão que havia lhe tocado.<br />

E foi aí que veio a surpresa:<br />

157


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Era da tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />

Nesse curto tempo, o ponto brilhante expandiu seu tamanho <strong>de</strong> modo<br />

rápido e ofuscante.<br />

Antes ainda que pu<strong>de</strong>sse piscar fechando os olhos, a fim até. <strong>de</strong> evitar uma<br />

provável cegueira, a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS agarrou-o e se<br />

afastaram voando daquele local em altíssima velocida<strong>de</strong>..<br />

Aquela explosão parecia não parar nunca<br />

Como num passe <strong>de</strong> mágica viu-se fora daquele, frio e tenebroso local. Foi<br />

só então que conseguiu respirar.<br />

Encontrava-se agora numa situação completamente distinta da anterior.<br />

Podia até enxergar o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> fora salvo que aparecia no interior <strong>de</strong><br />

uma esfera lisa e brilhante.<br />

Outras explosões <strong>de</strong>correntes daquela primeira que ele presenciara <strong>de</strong><br />

perto se sucediam intermináveis no interior daquele espécie <strong>de</strong> bola <strong>de</strong> cristal.<br />

Se tivesse que <strong>de</strong>screver a criação do universo segundo a teoria do big<br />

bang, aquelas imagens que via po<strong>de</strong>riam servir como ilustração <strong>de</strong> tal evento.<br />

E, para completar tão belas e fantásticas visões, constatou que sua<br />

maravilhosa bem dotada salvadora estava nua diante <strong>de</strong> si.<br />

Ela segurava um arame com a extremida<strong>de</strong> em forma <strong>de</strong> argola tendo esta<br />

um diâmetro aproximado <strong>de</strong> três centímetros.<br />

No interior <strong>de</strong>sta argola havia um líquido negro e brilhante.<br />

Ela aproximou a argola dos lábios e soprou no seu interior.<br />

Saíram dalí, bolhas negras que cresciam até ficarem iguais àquela on<strong>de</strong><br />

assistira os fantásticos eventos.<br />

-Sou a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS. Do seu universo e <strong>de</strong><br />

todos os outros.<br />

Em seguida, aproximou-se mais, esten<strong>de</strong>u as mãos e disse:<br />

-O que eu dou, tiro.<br />

Seus olhos eram completamente negros. Olhando para o interior <strong>de</strong>les viase<br />

parecia ser possível enxergar todo o universo e seus milhões <strong>de</strong> galáxias...<br />

Com voz grave ela continuou:<br />

-Não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> honrar sua promessa a SPLERONCIUS para que ele não<br />

pa<strong>de</strong>ça da mesma violência que você foi submetido pelas criaturas do inferno.<br />

Agora, acor<strong>de</strong>. Por alguns momentos, mesmo <strong>de</strong>sperto, acreditará estar<br />

sonhando. Logo então voltará à sua realida<strong>de</strong> e se dará conta <strong>de</strong> que as minhas<br />

palavras são boas <strong>de</strong> ser ouvidas.<br />

Ela tampou seus olhos com as mãos em seguida <strong>de</strong>sapareceu...<br />

158


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

***<br />

Ao acordar, a primeira coisa que notou é que não estava no seu quarto.<br />

Despertou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um dos tubos <strong>de</strong> hibernação que só eram usados em<br />

casos <strong>de</strong> viagens extraordinariamente prolongadas.<br />

Olhou para o painel <strong>de</strong> instrumentos mais próximo e notou que diversas das<br />

funções do Viajante das Estrelas estavam se reinicializando naquele momento.<br />

De acordo com os relatórios que obtinha, os experimentos e testes que<br />

eram realizados a bordo prosseguiam perfeitamente.<br />

Tudo parecia normal.<br />

Logo porém, notou um <strong>de</strong>talhe: o calendário estava adiantado em mais <strong>de</strong><br />

trinta anos com relação à data em que fora dormir da última vez.<br />

Po<strong>de</strong>ria se tratar <strong>de</strong> algum <strong>de</strong>feito causado pela inexplicável reinicialização.<br />

Tentou falar, mas, sua voz saiu bastante arranhada e sem nenhuma<br />

potência.<br />

Digitou alguns comandos no painel do terminal luminoso que se projetava a<br />

sua frente, o esclarecimento não foi nada animador.<br />

Incrédulo, digitou nova seqüência <strong>de</strong> comandos e, o registro dos<br />

acontecimentos foi lhe então exibido.<br />

Uma imagem tridimensional foi então projetada. Ela mostrava Alex Randall<br />

<strong>de</strong>scansando em seus aposentos.<br />

A data era relativa ao período posterior à última vez que se lembrava <strong>de</strong> ter<br />

ido dormir. Tudo aparentava a normalida<strong>de</strong>.<br />

Nosso herói aparecia <strong>de</strong>itado na cama com seu cachimbo em ação mesmo<br />

durante os momentos <strong>de</strong> inconsciência. Seu ronco era barulhento como sempre...<br />

Algo porém fez com que ele se levantasse e digitasse alguns comandos no<br />

terminal luminoso mais próximo.<br />

Naquele momento, agia inconsciente pois, se encontrava em estado <strong>de</strong><br />

sonambulismo.<br />

Para chegar a tal conclusão, não era necessário ser um perito ou médico.<br />

Os olhos fechados e os movimentos rijos que as imagens mostravam não<br />

<strong>de</strong>ixavam dúvidas: Alex Randall não era dono <strong>de</strong> si mesmo naquele instante.<br />

Ele seguiu para outro setor da nave bem distante <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se encontrava e,<br />

instalou-se no interior <strong>de</strong> um dos tubos <strong>de</strong> hibernação para longas viagens.<br />

Vendo tais imagens, nosso herói se indagava como o cérebro<br />

computadorizado teria aceitado tais comandos sendo que, no momento que eram<br />

dados, Alex Randall não estava em condições <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r as repercussões que<br />

teriam.<br />

159


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O Cérebro computadorizado foi construído com tecnologia, capaz <strong>de</strong><br />

avaliar se or<strong>de</strong>ns que eventualmente recebesse po<strong>de</strong>riam ou não ser cegamente<br />

atendidas.<br />

Seria <strong>de</strong> se esperar que o comando recebido <strong>de</strong> alguém em estado <strong>de</strong><br />

sonambulismo não fosse simplesmente aceito sem questionamento.<br />

O caso é que as coisas não seguiam o curso normal que <strong>de</strong>veriam.<br />

***<br />

Aturdido Alex Randall <strong>de</strong>svencilhou-se dos aparatos que o monitoravam e<br />

mantinham seu corpo em hibernação.<br />

Apertou um botão no terminal que fez com que o cilindro em cujo interior se<br />

encontrava fosse aberto.<br />

Um robô enfermeiro já estava <strong>de</strong> prontidão para oferecer-lhe assistência.<br />

Delicadamente, este ajudou nosso herói a se levantar, já que, o seu corpo<br />

ainda estava bastante endurecido e dolorido.<br />

Ao olhar para um espelho, Alex Randall <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> que seu rosto já<br />

não era mais o <strong>de</strong> um jovem.<br />

O período que passara <strong>de</strong>sacordado havia cobrado o seu preço...<br />

Seria um sonho tudo pelo qual estava passando?<br />

Lembrou-se então que a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS já havia<br />

previsto que, após <strong>de</strong>spertar, iria se perguntar se estava sonhando ou não...<br />

Sua dúvida terminou quando reparou que a estátua estava na mesma sala<br />

on<strong>de</strong> se encontrava. A posição <strong>de</strong>la parecia diferente da que recordava tê-la visto<br />

pela última vez.<br />

Mas, o que fazia alí? Se bem recordava, <strong>de</strong>ixara-a na Central <strong>de</strong> Comando<br />

logo <strong>de</strong>pois do misterioso e inexplicável blackout pelo qual a astronave passara...<br />

-O que a estátua faz aqui? Indagou Alex Randall com a voz semi-rouca...<br />

Curiosamente, o Cérebro Computadorizado não respon<strong>de</strong>u <strong>de</strong> imediato.<br />

Quando o fez, surpreen<strong>de</strong>u afirmando:<br />

-Não sei!<br />

Só podia ser brinca<strong>de</strong>ira mesmo!<br />

***<br />

Nosso herói seguiu para a Central <strong>de</strong> comando e lá acen<strong>de</strong>u o seu<br />

famigerado cachimbo.<br />

160


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Depois <strong>de</strong> algumas fumacentas tragadas, as forças do corpo foram voltando<br />

e as idéias postas numa or<strong>de</strong>m mais esclarecedora.<br />

Verificou que o Viajante das Estrelas se encontrava num setor do universo<br />

que os estudiosos <strong>de</strong> diversas procedências afirmavam ser o mais antigo<br />

existente, portanto então, muito distante <strong>de</strong> on<strong>de</strong> encontrara SPLERONCIUS<br />

inicialmente.<br />

Constatou ainda que o <strong>de</strong>stino on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria realizar a entrega da estátua<br />

que recebera não estava distante.<br />

Frente ao trajeto que já havia percorrido, era insignificante o período <strong>de</strong><br />

tempo que ainda passaria até chegar.<br />

O melhor era prosseguir e torcer para que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> completar sua missão,<br />

obtivesse respostas para todos os mistérios que o atormentavam...<br />

***<br />

Mais tar<strong>de</strong>, imerso nos próprios pensamentos verificou que, mais uma vez,<br />

a Central <strong>de</strong> Comando fora invadida.<br />

E <strong>de</strong>ssa vez não se surpreen<strong>de</strong>u quando verificou quem estava lhe fazendo<br />

uma visitinha inesperada...<br />

A estátua da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, que, na verda<strong>de</strong>,<br />

não parecia mais uma estátua <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.<br />

Ela agora se mexia com a naturalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ser vivo.<br />

-Você sabe quem sou. Estive em seus sonhos uma vez. Tenho uma tarefa<br />

que espero que aceite: preciso <strong>de</strong> um porta-voz.<br />

Qualquer pessoa comum, diante <strong>de</strong> tantas evidências facilmente se<br />

convenceria da verda<strong>de</strong> daquelas palavras...<br />

Não Alex Randall...<br />

Em todo o tipo <strong>de</strong> conversa com religiosos ele sempre era muito tolerante e<br />

respeitador, mas, a <strong>de</strong>terminada altura do papo, sempre dava a mesma saída, e,<br />

neste caso não agiu diferente:<br />

-Não acredito que Deus fosse me escolher para a realização <strong>de</strong> importantes<br />

missões...<br />

E ela interrompeu a história <strong>de</strong> sempre, respon<strong>de</strong>ndo com voz cortante:<br />

-Nem por uma fração <strong>de</strong> segundo uma mente mortal como a tua seria<br />

capaz <strong>de</strong> imaginar o que me preocupa ou que penso... Tenho conhecimento <strong>de</strong><br />

tudo!!! E sei que mesmo assim, po<strong>de</strong>s ser capaz <strong>de</strong> fazer a diferença.<br />

Nosso herói não acreditava na conversa, mas, ouvindo a MÃE CRIADORA<br />

<strong>de</strong> TODAS AS COISAS dizer aquilo e tendo presenciando todos os po<strong>de</strong>res<br />

161


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

incríveis que esta <strong>de</strong>monstrava ter, ia ficando cada vez mais dificil <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

crêr que Ela era quem realmente dizia ser...<br />

-E no que po<strong>de</strong>ria humil<strong>de</strong>mente ajudá-la?<br />

-Primeiro... Terá <strong>de</strong> fazer em meu tributo, um sacrifício pessoal como prova<br />

<strong>de</strong> fé...<br />

Nosso herói achou suspeita aquela história <strong>de</strong> prestar tributo...<br />

-Deverás parar <strong>de</strong> fumar completamente. Em seguida...<br />

-Em seguida nada! – Protestou irritado. – Já estou <strong>de</strong> saco cheio das<br />

pessoas falando para eu parar <strong>de</strong> fumar. Saí da Terra, entre outras coisas, para<br />

me ver livre <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> gente controladora! Me <strong>de</strong>ixem em paz! Só quero<br />

sossego!<br />

“Um pequeno sacrifício pessoal po<strong>de</strong>ria até ser, mas, parar <strong>de</strong> fumar...<br />

Nunca! Enquanto viver, estarei fumando!”<br />

A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS , que agora já não se mostrava<br />

mais como apenas uma estátua, sorriu e fêz um movimento bastante humano<br />

estalando os <strong>de</strong>dos...<br />

Ela então voltou a transformar-se numa estátua, <strong>de</strong>ssa vez, numa posição<br />

totalmente diferente das outras em que estivera até então. .<br />

Parecia estar fazendo gozação...<br />

Com quem seria?<br />

***<br />

Além <strong>de</strong> alterar a rotina da astronave, aquela história estava começando a<br />

irritar nosso herói..<br />

Naquele momento tudo que Alex Randall queria era realizar a entrega e<br />

tomar o caminho <strong>de</strong> casa...<br />

Quando ia dar início aos procedimentos <strong>de</strong> contato com o tal templo<br />

indicado por SPLERONCIUS, um sinal sonoro tocou nos sistemas <strong>de</strong><br />

recebimentos <strong>de</strong> mensagens da central.<br />

Imediatamente, receptores se abriram à todas as freqüências conhecidas e<br />

disponíveis para comunicação.<br />

Logo, foi projetada adiante do nosso herói, a imagem tridimensional <strong>de</strong> um<br />

homem que se apresentou:<br />

-Sou Moreira. A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS me informou que<br />

você está trazendo <strong>de</strong> volta a imagem levada por SPLERONCIUS.<br />

Alex Randall não se espantou. Logo imaginou que uma mensagem do<br />

gênero estivesse para chegar.<br />

162


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Passou então a analisar o tal Moreira...<br />

A imagem que os projetores mostravam <strong>de</strong>le era a <strong>de</strong> um homem com pele<br />

morena, barba e cabelos brancos trajando roupas semelhantes às usada pelos<br />

monges franciscanos.<br />

Inúmeras questões acumulavam-se na mente <strong>de</strong> Alex Randall, mas,<br />

tamanha era a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>las que já achava que não seriam respondidas...<br />

O navegador automático da Central <strong>de</strong> comando localizou a fonte das<br />

transmissões feitas por Moreira e seguiu a direção <strong>de</strong> on<strong>de</strong> partiam até alcançar à<br />

órbita do planeta com duplo sistema <strong>de</strong> anéis se cruzando ao redor.<br />

Num dos pontos <strong>de</strong> encontro <strong>de</strong>stes dois anéis, avistava-se a cida<strong>de</strong><br />

voadora flutuando imponente como se nada pu<strong>de</strong>sse afetá-la.<br />

-Desculpe a curiosida<strong>de</strong>, sr. Moreira, mas, o sr. vêm da Terra?<br />

-Sim. Foi a resposta.<br />

-Mas, como?!? Até a minha saída <strong>de</strong> lá, ainda não havia sido construída<br />

nave tão preparada e avançada para longas viagens como a minha... A<br />

expectativa <strong>de</strong> construção e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> evoluções <strong>de</strong>sse mesmo mo<strong>de</strong>lo<br />

era <strong>de</strong> pelo menos uns 50 anos terrestres.<br />

Moreira abriu um amplo sorriso.<br />

-Compreendo... Acho que posso dar uma explicação para sua dúvida.<br />

No momento seguinte, <strong>de</strong>ntro da central <strong>de</strong> comando surgiu uma bola <strong>de</strong><br />

luz cujo brilho cresceu em tal intensida<strong>de</strong> que acabou até obrigando nosso herói a<br />

fechar os olhos.<br />

Quando os reabriu, viu Moreira ao lado <strong>de</strong> sua poltrona, em carne e osso.<br />

***<br />

Mais uma vez sentiu-se incomodado.<br />

Isso sempre acontecia quando ocorria uma invasão não autorizada e<br />

inesperada a bordo da sua astronave sempre mostrando em todas estas ocasiões<br />

que, mesmo com tanta tecnologia estava vulnerável...<br />

Isso sem mencionar o susto que tais aparições causavam...<br />

-O pensamento po<strong>de</strong> muitas coisas. – Disse Moreira num tom <strong>de</strong> voz muito<br />

tranquilo.<br />

De gestos mo<strong>de</strong>rados e com um sorriso largo, continuou...<br />

-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS conce<strong>de</strong>u-me algumas<br />

dádivas <strong>de</strong>pois que aceitei o chamado para <strong>de</strong>dicar minha vida à divulgação <strong>de</strong><br />

suas palavras. Quem não recusa seu convite faz sacrifícios, mas, também ganha<br />

bastante...<br />

163


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O tom tranquilizador da voz <strong>de</strong> Moreira <strong>de</strong>ixou Alex Randall mais calmo.<br />

-Ganha po<strong>de</strong>res sobre-humanos quem trabalha para a MÃE CRIADORA<br />

DE TODAS AS COISAS? Indagou Alex Randall.<br />

-Na verda<strong>de</strong> apenas expan<strong>de</strong> um pouco mais os próprios limites quem se<br />

sacrifica... Antes <strong>de</strong> conhecê-la, minha compreensão <strong>de</strong> Deus e o entendimento<br />

do meu papel neste universo era limitado pelas religiões que me cercavam.<br />

“Depois que comecei a compreen<strong>de</strong>r que a Glória <strong>de</strong> Deus era muito<br />

maior do que <strong>de</strong>screviam os falsos sacerdotes, pregadores, suas leis e livros<br />

sagrados, percebi que as dádivas que me foram concedidas <strong>de</strong> vez em quando<br />

me facilitavam um pouco mais a vida”.<br />

-Um pouco mais? Puxa! Pelo que você <strong>de</strong>monstrou, esse pouco mais po<strong>de</strong><br />

ajudar bastante.<br />

Moreira apenas sorria.<br />

Diante <strong>de</strong> tantas situações e fatos incompreensíveis Alex Randall resolveu<br />

encaminhar a história para um fim.<br />

-Como sabe, estou trazendo a estátua. É para você que <strong>de</strong>vo fazer a<br />

entregar?<br />

-Sim.<br />

Tudo que Alex Randall queria era entregar da tal estátua e ficar logo livre<br />

das assombrações que a tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS o<br />

submetia.<br />

Não queria porém correr o risco <strong>de</strong> entregá-la ao <strong>de</strong>stinatário errado para<br />

evitar no futuro o risco <strong>de</strong> passar noites sem dormir.<br />

Quando ia externar essa sua preocupação a Moreira, surpreen<strong>de</strong>u-se pois<br />

este logo se adiantou dizendo:<br />

-Não se intranqüilize. Ao chegar até aqui, você já concluiu sua missão. A<br />

alma <strong>de</strong> SPLERONCIUS está salva graças ao seu esforço. Só preciso <strong>de</strong> sua<br />

autorização para retirar a imagem da astronave.<br />

-Eu lhe dou a autorização, po<strong>de</strong> levá-la.<br />

Dizendo isso, Alex Randall apontou para o local on<strong>de</strong> ela <strong>de</strong>veria estar, ou<br />

pelo menos, até on<strong>de</strong> com toda certeza estivera até a poucos instantes...<br />

Prá variar, já tinha sumido novamente...<br />

***<br />

-Caramba! On<strong>de</strong> diabos foi parar essa ...<br />

Já ia praguejando Alex Randall quando olhou para o sorriso <strong>de</strong> Moreira e<br />

<strong>de</strong>cidiu evitar a emissão <strong>de</strong> novos impropérios ou palavras chulas na frente <strong>de</strong> um<br />

164


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

homem que se dizia divulgador da palavra <strong>de</strong> Deus.<br />

Nervosamente, digitou alguns comandos no teclado luminoso tridimensional<br />

projetado a partir do painel da sua poltrona <strong>de</strong> comando.<br />

O Cérebro computadorizado realizou uma completa varredura na nave em<br />

busca da estátua, mas, o resultado não foi positivo.<br />

Os palavrões que Alex Randall não falava ele pensava, mesmo assim,<br />

Moreira parecia tomar conhecimento <strong>de</strong>stes, ainda que, o rosto <strong>de</strong> nosso herói<br />

não externasse nenhuma expressão facial que <strong>de</strong>sse idéia do turbilhão <strong>de</strong><br />

sentimentos que lhe atormentava a mente<br />

-Sua mente está poluída. Não <strong>de</strong>ixe que as emoções te perturbem. -<br />

Procure lembrar on<strong>de</strong> foi o último lugar que a <strong>de</strong>ixou...<br />

Provavelmente, Moreira <strong>de</strong>veria ser telepata também, mas, <strong>de</strong>ssa vez ele<br />

parecia não ter acertado no seu palpite...<br />

-Não <strong>de</strong>ixei... Essa estátua não se permite ficar esquecida em lugar<br />

nenhum. Não pára quieta. Recusa-se a manter-se on<strong>de</strong> é colocada.<br />

-Mas é uma simples estátua.<br />

-Simples estátua é que não é. Meus robôs a colocaram <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

container trancado com as melhores fechaduras que disponho. Ainda assim, ela<br />

não parou <strong>de</strong> andar pela nave me assombrando até quando ia dormir.<br />

-Mas é uma simples estátua...<br />

-Simples estátua ou não... Veja:<br />

Nosso herói digitou novos comandos nos teclados que o cercavam.<br />

A imagem do <strong>de</strong>pósito em que estava o recipiente on<strong>de</strong> fora inicialmente<br />

armazenada a imagem da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS apareceu<br />

num dos monitores da Central <strong>de</strong> comando.<br />

Um robô se aproximou daquela caixa on<strong>de</strong> a estátua fora guardada<br />

primeiramente e a retirou da prateleira em que até o momento estava...<br />

Destrancou as fechaduras e abriu o container...<br />

Nova surpresa...<br />

***<br />

-Com mil milhões <strong>de</strong> Satanázes! Tem alguém querendo me fazer <strong>de</strong> idiota.<br />

-Seria algum maluco escritor com manias <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za?<br />

Alex Randall olhou bem para Moreira com expressão séria e disse:<br />

-Po<strong>de</strong> levar sua imagem quando quiser...<br />

-Obrigado. Gostaria <strong>de</strong> convidá-lo para visitar o Templo. Po<strong>de</strong>rá ter a<br />

165


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver pessoalmente a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS...<br />

-Ver? Pessoalmente?<br />

Alex Randall era meio incrédulo nos assuntos religiosos, mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

passar por tanta perturbação, não <strong>de</strong>ixaria passar a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar algumas<br />

poucas e boas para a tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />

-Vamos lá. Não perco essa chance por nada no Universo!<br />

Moreira esten<strong>de</strong>u a mão tocando no ombro <strong>de</strong> Alex Randall e, no momento<br />

seguinte, já não estavam mais a bordo do Viajante das Estrelas.<br />

***<br />

Olhou ao redor e viu-se flutuando no meio do nada.<br />

Moreira estava ao seu lado.<br />

E também o recipiente aberto com a imagem da MÃE CRIADORA DE<br />

TODAS AS COISAS.<br />

Ao redor <strong>de</strong>les, uma gigantesca estrutura fechada com prédios e<br />

construções dos mais diversos tipos, monges, veículos e até alguns robôs<br />

flutuando também...<br />

A estátua, naquele ambiente, parecia irradiar uma luz <strong>de</strong> cores surreais.<br />

Imediatamente todos que flutuavam alí no interior da monumental<br />

construção se aproximaram ao redor <strong>de</strong> Moreira e Alex Randall cercando-os e<br />

mantendo-se uma distância <strong>de</strong> cinco metros.<br />

-Os fieis querem prestar seus votos junto à imagem. – Disse Moreira. –<br />

Vamos dar espaço para eles.<br />

Falou isso e tocou novamente o ombro do nosso herói.<br />

Novamente se <strong>de</strong>u o estranho fenômeno on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareciam <strong>de</strong> um lugar<br />

quase que imediatamente reparecendo em outro mais distante.<br />

Nesse caso, a referida distância até que não foi muito gran<strong>de</strong>. Apenas o<br />

suficiente para se afastar dos fieis que <strong>de</strong> todos os lados se avolumavam ao redor<br />

da estátua.<br />

Aturdido com tantas mágicas que, <strong>de</strong> meros truques ilusórios não tinham<br />

nada, Alex Randall acabou por indagar a Moreira:<br />

-Seus dons são realmente impressionantes, Moreira. Mas, me diga: sendo<br />

da Terra e humano, como conseguiu adquirí-los?<br />

-Depois <strong>de</strong> passar por uma aventura maluca on<strong>de</strong> cheguei até a assistir o<br />

BIG BANG...<br />

-O BIG BANG?!?!? – A origem do universo??<br />

166


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Na verda<strong>de</strong>, o Universo não tem começo ou fim. O BIG BANG é apenas<br />

uma fase <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>le. Um momento <strong>de</strong> explosão, que <strong>de</strong>pois se segue a um <strong>de</strong><br />

contração, e <strong>de</strong>pois, uma nova explosão, seguindo assim sucessivamente, sempre<br />

se renovando.<br />

Naquele momento Alex Randall <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> novos questionamentos.<br />

Moreira simplesmente continuou contando suas experiencias e conclusões:<br />

-Após essa viagem ao início dos tempos eu comecei a ter sonhos com a<br />

MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, e, por incrível que possa parecer, foi<br />

seguindo e aten<strong>de</strong>ndo as mensagens que recebia nessas minhas visões que<br />

cheguei aqui.<br />

-E o que foi te pedido algo em troca?<br />

Moreira fêz uma expressão séria, olhou para o nada e disse:<br />

-Eu era militar na época, tinha um espírito marcial muito forte <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

mim. Galguei o mais alto posto que me era permitido <strong>de</strong>ntro da força armada que<br />

eu servia. Também projetei caças espaciais que, por muito tempo mostraram<br />

gran<strong>de</strong> eficiência e alto po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição em todas as operações militares que<br />

participaram...<br />

Uma luz estalou iluminando as lembranças <strong>de</strong> Alex Randalll, ao que, ele<br />

logo indagou:<br />

-Não seria você o briga<strong>de</strong>iro Moreira que a uns tempos atrás já tinham até<br />

dado como perdido, <strong>de</strong>pois reapareceu, mandou escrever uma história fantástica<br />

pela qual tinha passado e então sumiu novamente?<br />

Moreira <strong>de</strong>u um sorrido e fêz um gesto positivo com a cabeça.<br />

Alex Randall continuou<br />

-O caça que você projetou foi base para muitos projetos <strong>de</strong> espaçonaves<br />

militares que posteriormente foram construídas. O sr. realmente virou um mito cuja<br />

biografia ainda nos dias <strong>de</strong> hoje causa assombro e admiração.<br />

-Eu sei! Mas, esses feitos a que você se refere nada significam mais para<br />

mim...<br />

-Também recebi um convite como esse que você mencionou... Mas, não<br />

pu<strong>de</strong> aceitar.<br />

Moreira fez uma cara <strong>de</strong> espanto e perguntou:<br />

-Verda<strong>de</strong>?...Mas...Por-quê?<br />

Alex Randall acen<strong>de</strong>u seu cachimbo...<br />

-Ela queria que eu parasse <strong>de</strong> fumar...<br />

Moreira <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada ao que, o nosso herói acompanhou-o<br />

até as lágrimas escorrerem.<br />

-Os pequenos vícios são os mais difíceis <strong>de</strong> serem vencidos. Ela ia me<br />

167


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

pedir a mesma coisa, mas, como na época eu já estava largando, ela pediu para<br />

largar a vida militar...<br />

-É um consolo, disse Alex enxugando as lágrimas. Acho que ela faz esse<br />

pedido porque o serviço <strong>de</strong>ve exigir muito esforço físico...<br />

***<br />

Algum tempo <strong>de</strong>pois estavam os dois flutuando diante da entrada <strong>de</strong> um<br />

longo corredor.<br />

Assim que entraram nele, a gravida<strong>de</strong> foi suavemente voltando ao normal e<br />

os trazendo para o chão.<br />

Caminharam por toda a sua extensão até pararem diante <strong>de</strong> outros monges<br />

que também se vestiam como Moreira, estes porém, eram bem mais altos, fortes e<br />

ameaçadores.<br />

Moreira dirigiu-lhes um gesto com a mão direita ao que estes respon<strong>de</strong>ram<br />

com um aceno <strong>de</strong> cabeça.<br />

As gigantescas portas que haviam ao final do corredor se abriram dando<br />

acesso a um enorme salão on<strong>de</strong> no centro, estava um poço muito largo com um<br />

tubo <strong>de</strong> vidro no seu interior.<br />

Dentro <strong>de</strong>sta peça, flutuava completamente imóvel uma mulher com<br />

aproximadamente doze metros <strong>de</strong> altura.<br />

-Uma versão maior da estátua da MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />

COISAS pensou Alex Randall.<br />

-Não é uma estátua. – Corrigiu Moreira, <strong>de</strong>monstrando novamente seus<br />

po<strong>de</strong>res telepáticos. – É a própria MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, ou,<br />

pelo menos a cópia <strong>de</strong>la que controla toda a vida neste Universo.<br />

-Neste universo? Cópia? Ela controla tudo daí? Indagou Alex Randall meio<br />

incrédulo...<br />

-Neste aqui sim. Em cada um dos outros existentes e criados por ela há<br />

uma cópia controlando todos os acontecimentos. Se uma <strong>de</strong>las é <strong>de</strong>struída,<br />

juntamente se per<strong>de</strong> todo o seu Universo.<br />

Alex Randall olhou a figura imóvel da MÃE DE TODAS AS COISAS...<br />

-Ela sabe que estou aqui? Indagou ele para Moreira.<br />

-Ela sabe <strong>de</strong> todas as coisas.<br />

-Se eu disser alguma coisa ela ouvirá?<br />

-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS escuta tudo. Até os<br />

pensamentos daqueles que não estão neste local.<br />

Alex Randall aproximou-se do vidro on<strong>de</strong> estava a belda<strong>de</strong> gigante e disse<br />

a plenos pulmões:<br />

168


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Eu já cumpri com muito custo com a minha parte. Agora quero pelo menos<br />

sossego para po<strong>de</strong>r dormir direito sem pesa<strong>de</strong>los. Também não quero mais<br />

nenhuma assombração pela minha astronave. Vê se agora me dá um pouco <strong>de</strong><br />

sossego, pô.<br />

Até mesmo Moreira foi pego <strong>de</strong> surpresa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa.<br />

Ocorreu então um fato curioso.<br />

A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS mexeu a cabeça inclinando-a<br />

em direção a Alex Randall e lançou-lhe um beijo bem libidinoso, daqueles com<br />

direito a língua prá fora da boca e tudo o mais...<br />

Claro que nosso herói ficou abestalhado como que viu.<br />

Virou-se para Moreira que o olhava ainda espantado com o que ouvira sair<br />

<strong>de</strong> sua boca.<br />

-Você viu?<br />

-O que?<br />

-Esse beijo que ela me lançou.<br />

-Quê?!?!<br />

-Cara! Nem as pervertidas dos puteiros que durante alguns anos frequentei<br />

em Marte conseguiam fazer a boca e a língua se contorcerem do jeito que ela<br />

acabou <strong>de</strong> fazer agora...<br />

-Como? Indagou Moreira meio incrédulo e espantado com as palavras<br />

inapropriadas proferidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um ambiente sagrado.<br />

-Você não viu?<br />

-O quê?!?!?!<br />

Moreira não podia ver o que Alex Randall enxergava já que estava <strong>de</strong><br />

costas para a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />

Aproveitando-se do fato, ela ainda sorriu e piscou com seus olhos que<br />

escondiam universos inteiros cheios <strong>de</strong> vida.<br />

-Você não está vendo?!? Veja lá! – Disse Alex Randall apontando para a<br />

gigantesca mulher.<br />

Moreira lentamente virou-se <strong>de</strong> modo a ver do que é que nosso herói<br />

estava falando.<br />

Só que foi tão lerdo, que, quando finalmente o fêz a MÃE CRIADORA DE<br />

TODAS AS COISAS já havia voltado a manter seu rosto na costumeira expressão<br />

natural <strong>de</strong> relaxamento.<br />

-Você disse que ela mostrou alguma expressão no rosto.<br />

-Expressão?!? Me mandou um beijo daqueles... Se eu fosse censor<br />

mandava pren<strong>de</strong>r.<br />

Moreira virou-se para Alex Randall e disse:<br />

169


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Se o que diz realmente aconteceu, você acaba <strong>de</strong> ver algo que nem os<br />

monges mais antigos e hierarquicamente superiores <strong>de</strong>ste templo presenciaram.<br />

Ao que se sabe, a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS se mantém aqui<br />

imutável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a aurora dos tempos.<br />

Alex Randall levantou a mão apontando para frente e perguntou:<br />

-Então você não viu?<br />

Moreira fêz cara <strong>de</strong> <strong>de</strong>sentendido.<br />

-Juro que não. – E continuou: - Acho que já é hora <strong>de</strong> saírmos...<br />

-Claro. – Concordou Alex Randall com cara meio amarrada. – Mas eu juro o<br />

que vi...<br />

-Certo...<br />

Moreira tocou novamente no ombro <strong>de</strong> Alex Randall e, no instante seguinte<br />

estavam os dois novamente na Central <strong>de</strong> Comando a bordo do Viajante das<br />

Estrelas.<br />

Antes <strong>de</strong> reaparecer <strong>de</strong> volta a astronave, nosso herói ainda teve a<br />

impressão <strong>de</strong> ver a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS lhe lançando um<br />

último e lindo sorriso...<br />

De volta para o local <strong>de</strong> trabalho, mostrou-se mais uma vez espantado com<br />

os fantásticos po<strong>de</strong>res que Moreira controlava.<br />

-Caramba, Moreira! Estes seus truques <strong>de</strong> mágica são bons mesmo!<br />

-Mas não são truques...<br />

-Não quis dizer que se tratam <strong>de</strong> simples truques baratos. Seus dons são<br />

realmente impressionantes mesmo...<br />

-Isso não é nada, Alex Randall. Veja só!<br />

Com um leve estalar <strong>de</strong> <strong>de</strong>dos <strong>de</strong> Moreira, o Viajante das Estrelas<br />

subitamente <strong>de</strong>sapareceu daquela região do Universo indo reaparecer quase que<br />

imediatamente no mesmo lugar on<strong>de</strong> SPLERONCIUS fora encontrado pela<br />

primeira vez.<br />

Num piscar <strong>de</strong> olhos, foi superada toda a distância que a astronave, mesmo<br />

com sua incrível velocida<strong>de</strong> havia levado trinta anos terrestres para realizar.<br />

Tal mudança <strong>de</strong> lugar era bastante evi<strong>de</strong>nte já que, o setor do espaço<br />

si<strong>de</strong>ral até on<strong>de</strong> então estivera tinha predominância <strong>de</strong> cores vermelhas e<br />

alaranjadas e, alí não.<br />

Aquela jornada instantânea causou forte impressão em Alex Randall e<br />

novamente não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar seu espanto.<br />

-Quase me arrependo <strong>de</strong> não ter aceitado a oferta que tive...<br />

-Você ainda tem tempo...<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u mais algumas forte baforadas no seu cachimbo e disse:<br />

170


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Não sou o cara certo.<br />

Moreira <strong>de</strong>u um sorriso, ergueu as mãos e disse:<br />

-Preciso voltar para o templo. Desejo-lhe que a MÃE CRIADORA DE<br />

TODAS AS COISAS acompanhe seu caminho trazendo-lhe muitas bençãos.<br />

-Trazer as bençãos eu aceito, agora, acompanhar não precisa, já que,<br />

enquanto esteve aqui me <strong>de</strong>u bastante dor <strong>de</strong> cabeça...<br />

Moreira <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada e disse:<br />

-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS é muito brincalhona mesmo.<br />

Po<strong>de</strong> acreditar.<br />

Não disse mais nada e sumiu num piscar <strong>de</strong> olhos <strong>de</strong>ixando sozinho um<br />

atônito Alex Randall...<br />

Por algum tempo, ficou recolocando as idéias em or<strong>de</strong>m tentando enten<strong>de</strong>r<br />

tudo pelo que passara.<br />

171


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.17 DE ALEX RANDALL<br />

Verificando simultaneamente milhares <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> situações diversas<br />

que se davam no interior do Viajante das Estrelas, Alex Randall percebia quando<br />

alguma <strong>de</strong>las era diferente do normal.<br />

Foi o que aconteceu.<br />

Um pequeno ícone entre os tantos que flutuavam ao redor <strong>de</strong> sua poltrona<br />

na central <strong>de</strong> comando chamou-lhe a atenção.<br />

Até então estivera apagado sem mostrar nada, subitamente porém,<br />

iluminou-se com um brilho azul claro cheio <strong>de</strong> chuviscos.<br />

Era um sinal <strong>de</strong> comunicação cuja fonte <strong>de</strong> transmissão provinha <strong>de</strong> fora do<br />

Viajante das Estrelas.<br />

Novas imagens se suce<strong>de</strong>ram à primeira ,on<strong>de</strong>, até então estivera o<br />

chuvisco.<br />

Eram <strong>de</strong> criaturas inteligentes que faziam seus testes iniciais com um<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> transmissor similar às velhas televisões terráqueas do século XX.<br />

Tomado pela curiosida<strong>de</strong>, Alex Randall teve um súbito <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecer<br />

aquela fonte transmissora e, movido por tal ímpeto, indagou ao Cérebro<br />

computadorizado:<br />

-Quanto tempo para alcançarmos o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> são produzidas essas<br />

imagens?<br />

-Apenas alguns minutos. – Foi a resposta dada pela suave e sedutora voz<br />

feminina artifical.<br />

-Então vamos até lá.<br />

Realmente, não muito tempo após a estimativa, o Viajante das Estrelas<br />

chegava ao setor espacial on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estar o planeta <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provinham as tais<br />

imagens.<br />

Deveria, mas, não havia o menor sinal da sua existência alí.<br />

-Mas aqui não tem nada. O que houve?<br />

O cérebro computadorizado respon<strong>de</strong>u:<br />

-O planeta <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vieram aquelas imagens não existe mais. Foi aniquilado<br />

numa guerra entre os próprios povos. Seus fragmentos se espalharam pela órbita<br />

que realizava ao redor da estrela que os iluminava.<br />

-Como <strong>de</strong>scobriu isso?<br />

-Durante o percurso até aqui chegaram novas transmissões. Algumas<br />

<strong>de</strong>las, com filmagens, feitas por satélites que conseguiram até registrar o fim <strong>de</strong>ste<br />

povo.<br />

172


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A imagem tridimensional <strong>de</strong> um planeta <strong>de</strong> cor cinzenta apareceu.<br />

Relampagos brilhavam por entre as nuvens.<br />

Subitamente pipocaram pontos brancos por aquele globo.<br />

Começavam pequenos e aumentavam <strong>de</strong> tamanho rapidamente.<br />

Logo, todos juntos, por fim consumiram, e explodiram aquele mundo outrora<br />

habitado por vida inteligente.<br />

Alex Randall passou a olhar para os escombros <strong>de</strong> modo diferente.<br />

Não estava contemplando simplesmente alguns pedaços <strong>de</strong> rocha ou<br />

<strong>de</strong>tritos espaciais. Tinha diante <strong>de</strong> si a história <strong>de</strong> um mundo que se <strong>de</strong>struíra.<br />

Estava tudo alí, cada partícula e pedaço <strong>de</strong> terra com registros da sua<br />

história.<br />

Um espírito <strong>de</strong> arqueólogo <strong>de</strong>spertou no nosso herói.<br />

Resolveu analisar aquele cenário.<br />

Os restos do planeta constituíam fonte muito rica <strong>de</strong> materiais, portanto, o<br />

impeto por estudos mostrado por Alex Randall certamente conduziria a um<br />

trabalho que mesmo auxiliado por todos os robôs da astronave <strong>de</strong>moraria e jamais<br />

seria concluído.<br />

Pensando a melhor forma <strong>de</strong> realizar seu intento, nosso herói programou<br />

alguns robôs para uma pesquisa inicial.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, cinco robôs foram lançados ao espaço em direção aos<br />

<strong>de</strong>stroços.<br />

Após realizarem busca superficial, apenas um encontrou artefato digno <strong>de</strong><br />

atenção.<br />

Era elemento não rochoso com aproximadamente dois metros <strong>de</strong><br />

cumprimento.<br />

Ao seu redor brilhava um campo transparente <strong>de</strong> cor esver<strong>de</strong>ada.<br />

Aquele pedaço <strong>de</strong> matéria aparentava ter composição química constituída<br />

<strong>de</strong> elementos <strong>de</strong>sconhecidos nas principais tabelas periódicas.<br />

O robô que o localizou, apesar <strong>de</strong> bem equipado, não conseguia dar<br />

maiores <strong>de</strong>talhes a respeito do objeto.<br />

Aproximou-se mais e pousou em sua superfície.<br />

O campo esver<strong>de</strong>ado brilhante do objeto não causou nenhuma avaria no<br />

equipamento.<br />

Raspando e perfurando pequenas porções, obteve amostras para uma<br />

analise direta.<br />

Infelizmente, mesmo aquele procedimento também não revelou novida<strong>de</strong>s,<br />

apenas confirmou o que já se sabia.<br />

173


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Alex Randall resolveu trazer para o interior do Viajante das Estrelas o<br />

curioso pedregulho, ou fosse lá ele o que fosse, para testes mais apurados<br />

serem feitos.<br />

Da central <strong>de</strong> comando, <strong>de</strong>u algumas or<strong>de</strong>ns e, instantaneamente o robô<br />

que se encontrava a distância, pôs em ação seus foguetes propulsores<br />

movimentando-se e levando consigo a pedra brilhante.<br />

Logo <strong>de</strong>pois, o artefato já estavam no setor <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontaminação da<br />

astronave.<br />

A pedra foi então examinada mais <strong>de</strong>talhadamente.<br />

Os resultados obtidos não esclareceram mais do que já se sabia.<br />

Aparentemente a rocha, não representavam gran<strong>de</strong> perigo.<br />

Tudo indicava que não haveria risco para uma análise feita por um ser<br />

humano.<br />

O material foi levado para uma sala monitorada por robôs que estava no<br />

vácuo.<br />

Antes dos novos testes se iniciarem, foi pressurizada.<br />

Tomou-se tal medida já que Alex Randall queria acompanhar pessoalmente<br />

os estudos realizados naquela coisa, e, com ar no compartimento, não precisaria<br />

usar trajes que limitassem seus movimentos.<br />

A pressurização estava terminando quando Alex Randall se aproximava.<br />

Ia entrar na sala, e a porta não se abriu automaticamente como <strong>de</strong>veria.<br />

-O que houve? Perguntou.<br />

A voz feminina digitalizada do cérebro computadorizado logo respon<strong>de</strong>u:<br />

-O artefato reagiu ao contato com o Oxigênio.<br />

Alex Randall teclou alguns comandos no painel ao lado da porta.<br />

***<br />

Um pequeno monitor mostrou o que ocorria naquele compartimento.<br />

Não haviam se passado <strong>de</strong>z minutos e a superfície da estranha rocha já<br />

não apresentava o mesmo aspecto...<br />

A olhos nus cresciam pequenas bolhas brancas e brilhantes no interior do<br />

campo esver<strong>de</strong>ado.<br />

Depois <strong>de</strong> alcançarem tamanho similar ao <strong>de</strong> um punho fechado, se<br />

rompiam e, <strong>de</strong> seu interior saiam insetos voadores que, logo atingiram tamanho<br />

igual ao <strong>de</strong> caixas <strong>de</strong> sapato.<br />

Alguns <strong>de</strong>stes bichos aproximaram-se da única porta que havia alí e<br />

174


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

começaram a cagar nela.<br />

As fezes, pulverizadas da extremida<strong>de</strong> anterior <strong>de</strong>les, assim que tocavam a<br />

superfície do que quer que fosse, <strong>de</strong>rretiam-na.<br />

Logo, a porta que separava Alex Randall dos perigosos insetos não mais<br />

existia.<br />

As criaturas <strong>de</strong>struidoras avançaram para cima <strong>de</strong>le, mas, foram<br />

interceptadas pelos robôs <strong>de</strong> segurança que, em massa se mobilizaram para lhe<br />

tirar do perigo.<br />

Seres vivos e mecânicos se <strong>de</strong>gladiavam numa luta mortal.<br />

Pequenos robôs com armas <strong>de</strong> raios embutidas cortavam ao meio com<br />

gran<strong>de</strong> facilida<strong>de</strong> os insetos que, para compensar suas perdas se reproduziam<br />

multiplicando-se em quantida<strong>de</strong> assustadora e ainda, jogando a própria merda no<br />

ventilador para <strong>de</strong>rreter tudo ao redor...<br />

Logo, os robôs disponíveis naquele setor já não eram suficientes para os<br />

insetos.<br />

Alex Randall porém já fora retirado da zona <strong>de</strong> perigo.<br />

Seguro, acompanhava os acontecimentos através <strong>de</strong> diversas câmeras que<br />

tudo registravam nos corredores e <strong>de</strong>mais cômodos da nave.<br />

Os insetos estavam em número cada vez maior e logo, tomariam tudo.<br />

Alguma atitu<strong>de</strong> tinha que ser tomada.<br />

Acionou alguns comandos no braço <strong>de</strong> sua poltrona na central <strong>de</strong> comando<br />

e, imediatamente, um estrondo se fez ouvir por toda a astronave.<br />

Todas as sessões ocupadas pelos insetos, incluindo aquela on<strong>de</strong> estava o<br />

artefato misterioso foram ejetadas para fora do conjunto que compunha a<br />

astronave.<br />

Logo <strong>de</strong>pois, flutuando no vazio, já a consi<strong>de</strong>rável distância, aqueles<br />

<strong>de</strong>stroços começaram a emitir um brilho ver<strong>de</strong> similar ao da rocha.<br />

Dalí, mais insetos começaram a sair voando pelo espaço vazio e gelado<br />

sem dificulda<strong>de</strong> ou transtorno.<br />

Por questão <strong>de</strong> segurança, Alex Randall resolveu se afastar daquele<br />

cenário.<br />

Logo <strong>de</strong>pois, já acompanhava os acontecimentos <strong>de</strong> um ponto distante e<br />

tranqüilo.<br />

Conforme aumentavam em número, os insetos se amontoavam numa<br />

imensa bola que foi crescendo cada vez mais rapidamente.<br />

Então, um fogo branco <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou-se no interior daquela esfera viva.<br />

Em seguida explodiu <strong>de</strong> modo violento, espalhando os temíveis insetos por<br />

todos os lados.<br />

175


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A bola <strong>de</strong> fogo originária da explosão foi crescendo cada vez mais,<br />

chegando seu tamanho rapidamente a superar o próprio diâmetro do Viajante das<br />

Estrelas.<br />

E essa expansão porém não parou alí.<br />

Bem mais tar<strong>de</strong>, o crescimento da bola <strong>de</strong> fogo não havia terminado.<br />

Alex Randall estava hipnotizado com o que via. Não tirava os olhos das<br />

imagens projetadas diante <strong>de</strong> si.<br />

A bola <strong>de</strong> fogo, agora um pouco mais esver<strong>de</strong>ada, não parava <strong>de</strong> crescer.<br />

Rapidamente atingira o diâmetro da Terra...<br />

Todos os <strong>de</strong>tritos que compunham o planeta anteriormente <strong>de</strong>struído,<br />

passaram a ser atraídos pelas po<strong>de</strong>rosas forças gravitacionais que o estranho<br />

fenômeno passou a exercer <strong>de</strong>ntro do sistema planetário.<br />

Fumando incessantemente, Alex Randall não <strong>de</strong>sviava a sua atenção dali.<br />

Longo tempo ficou absorto em tais fatos.<br />

Mal comia ou <strong>de</strong>scansava.<br />

Transcorrido período equivalente a uma semana na Terra, um planeta se<br />

formara dos restos daquele que fora <strong>de</strong>struído anteriormente.<br />

Este, seguia órbita idêntica à do outro.<br />

Voltaria a ser o quarto planeta do sistema <strong>de</strong> Antares.<br />

Se a mesma nomenclatura fosse adotada, o nome daquele mundo que<br />

nascia seria ANTARES IV.<br />

Alex Randall passou a utilizar aquele nome ao se referir em seus relatórios<br />

ao mundo que velozmente nascera e se transformara diante dos próprios olhos<br />

cansados.<br />

A gigantesca explosão <strong>de</strong> fogo agora se transformara numa bola ver<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gases.<br />

Depois, a tonalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta cor foi mudando até ficar azulada.<br />

Com isso, gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> dos gases se liqüefez, iniciando a formação<br />

<strong>de</strong> um oceano.<br />

Passado mais algum tempo, este processo se estabilizou fazendo emergir<br />

dos mares, um gran<strong>de</strong> continente cujo <strong>de</strong>senho muito se assemelhava ao da<br />

cabeça <strong>de</strong> uma caveira humana sem maxilar, com longos e grossos caninos<br />

postados na arcada <strong>de</strong>ntária superior.<br />

Em meio à tantas transformações começaram a surgir formas <strong>de</strong> vida...<br />

***<br />

176


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Tudo aconteceu com extraordinária velocida<strong>de</strong>: a evolução das espécies,<br />

extinção <strong>de</strong> diversas criaturas, mudanças geológicas e climáticas, etc...<br />

Dado momento porém chegou, que esse ritmo diminuiu e a situação alí<br />

passou a se processar numa velocida<strong>de</strong> similar à da Terra na pré-história.<br />

Relemmbrando sua infância, quando ainda gostava <strong>de</strong> brincar com réplicas<br />

<strong>de</strong> borracha das gran<strong>de</strong>s feras do passado, nosso herói foi abatido por uma<br />

sensação <strong>de</strong> nostalgia que o convidava a realizar uma exploração pessoal<br />

naquele novo mundo.<br />

Os temíveis insetos cagalhões já não representavam mais ameaça pois o<br />

seu período <strong>de</strong> existência entre as criaturas vivas já havia se extinguido.<br />

Daí que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito observar, Alex Randall resolveu que, já po<strong>de</strong>ria<br />

aproximar o Viajante das Estrelas do planeta recém-nascido.<br />

Logo a astronave entrou em órbita <strong>de</strong> ANTARES IV.<br />

Ansioso para tomar um “ar fresco”, nosso herói sentou-se em uma das<br />

poltronas voadoras, vestiu o traje espacial e finalizou os últimos preparativos para<br />

a partida.<br />

O campo protetor esférico transparente se iluminou ao redor da poltrona e<br />

esta, lentamente começou a flutuar.<br />

No hangar, abriu-se no teto uma saída para o exterior e Alex Randall rumou<br />

para aquele misterioso mundo.<br />

***<br />

Mais tar<strong>de</strong>, a poltrona voadora estabilizava seu vôo a pouca altura do solo.<br />

Baseado nas ocorrências <strong>de</strong> uma aventura anterior, em que fez contato<br />

com uma civilização <strong>de</strong> macacos inteligentes, Alex Randall acreditava que não<br />

enfrentaria perigos durante sua visita em Antares IV.<br />

As coisas porém não foram assim...<br />

Em pleno ar, um morcego gigante com pelo menos cinqüenta metros <strong>de</strong><br />

envergadura atacou repentinamente a poltrona .<br />

Não obteve sucesso na sua investida, pois, a proteção que o campo<br />

esférico oferecia era mais do que suficiente para garantia <strong>de</strong> segurança.<br />

Outros seres voadores também tentaram diversas formas <strong>de</strong> ataque.<br />

Também estes não obtiveram resultado que lhes pu<strong>de</strong>sse ser positivo.<br />

Alex Randall percebeu então que as florestas não tinham aparência ou<br />

clima tranqüilizador.<br />

Pelo contrário, tudo alí era amedrontador e sombrio.O vento forte fazia com<br />

que as folhagens das árvores se movimentassem violentamente.<br />

177


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Mesmo à altura em que estava, um <strong>de</strong>les esticou-se inteiro, lançando e<br />

chocando-se como um po<strong>de</strong>roso chicote contra a poltrona protegida.<br />

Alguns galhos tentaram até envolver a esfera semi transparente.<br />

Estas tentativas porém, eram repelidas pelo campo <strong>de</strong>fensivo.<br />

Mesmo assim a violência do ataque aumentava.<br />

Algumas plantas se chocavam com tanta força contra a esfera protetora<br />

que esta em alguns momentos chegou a fraquejar quase se apagando...<br />

Finalmente, a poltrona conseguiu <strong>de</strong>svencilhar-se daquele emaranhado<br />

vegetal.<br />

Distanciou-se da superfície.<br />

Porém, mesmo aumentando a altitu<strong>de</strong>, não ficou livre <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> vida<br />

agressivas do planeta.<br />

Um enxame <strong>de</strong> insetos muito similares àqueles que já tivera a infelicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> conhecer anteriormente, aproximou-se velozmente da poltrona.<br />

Nosso herói logo enten<strong>de</strong>u que aquele mundo era violento <strong>de</strong>mais para se<br />

permanecer, mesmo contando com toda a proteção tecnológica que dispunha.<br />

Era chegada a hora <strong>de</strong> voltar.<br />

A poltrona voadora disparou rumo às alturas perseguida tenazmente pelos<br />

perigosos insetos, que só <strong>de</strong>sistiram quando alcançaram as camadas mais<br />

rarefeitas da atmosfera.<br />

Antes mesmo <strong>de</strong> entrar no Viajante das Estrelas, novos contratempos se<br />

suce<strong>de</strong>ram ...<br />

A origem <strong>de</strong>stes, ocorreu durante os ataques que Alex Randall sofreu em<br />

Antares IV.<br />

Mais exatamente, quando os escudos protetores por um milésimo <strong>de</strong><br />

segundo fraquejaram ante a fenomenal força da vegetação viva.<br />

Neste momento, uma pequena semente conseguiu penetrar o ambiente<br />

on<strong>de</strong> estava a poltrona e, em contato com o oxigênio próximo à ela começou se<br />

<strong>de</strong>senvolver.<br />

Sua presença ali só foi <strong>de</strong>tectada quando seu crescimento era irrefreável.<br />

Em pouquíssimos instantes, a vegetação envolveu toda a parte inferior da<br />

poltrona.<br />

Percebendo isso, Alex Randall não vacilou e <strong>de</strong>sligou a esfera protetora<br />

transparente ao redor da mesma, fazendo com que todo o oxigênio no seu interior<br />

se per<strong>de</strong>sse no espaço.<br />

Esta manobra retardou significativamente o crescimento da agressiva<br />

vegetação.<br />

Mesmo parcialmente encoberta, a poltrona se aproximou bastante <strong>de</strong> um<br />

178


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

dos hangares da astronave.<br />

Em <strong>de</strong>terminado ponto do trajeto, Alex Randall afastou-se da poltrona<br />

abandonando-a à própria sorte no espaço.<br />

Com auxílio dos micro foguetes instalados no seu traje espacial, aproximouse<br />

<strong>de</strong> um hangar on<strong>de</strong> além das naves e robôs, só havia o vácuo.<br />

Antes <strong>de</strong> entrar em ambiente com oxigênio, seus trajes foram verificados.<br />

Assim que os tirou, foram <strong>de</strong>struídos.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, Alex Randall teria seu corpo examinado para garantir que<br />

qualquer outro resíduo <strong>de</strong> Antares IV não invadisse a astronave.<br />

Seguro <strong>de</strong> que nada mais ameaçava o Viajante das Estrelas, voltou a<br />

analisar os acontecimentos daquele planeta por um ângulo mais a<strong>de</strong>quado: a<br />

longa distância!<br />

Os satélites e sondas que sobreviviam à agressiva inospitalida<strong>de</strong> daquele<br />

mundo enviavam imagens <strong>de</strong> montanhas e cavernas <strong>de</strong> ouro puro.<br />

Em Antares IV porém, a guerra entre todas as espécies era violenta e<br />

constante.<br />

Um planeta que, mesmo oferecendo condições <strong>de</strong> vida para a raça humana<br />

jamais seria conquistado.<br />

Por essas e outras observações Alex Randall tinha plena convicção <strong>de</strong> que<br />

aquele novo mundo não <strong>de</strong>veria ser perturbado por ninguém.<br />

Num solitário satélite que à distância orbitava o planeta, instalou uma<br />

pequena estação robotizada programada para transmitir uma mensagem à quem<br />

porventura se <strong>de</strong>ixassem seduzir pelos encantos <strong>de</strong> Antares IV.<br />

Era curta, grossa e em diversos idiomas.<br />

-Antares IV é um mundo perigosíssimo que <strong>de</strong>ve a todo custo ser evitado.<br />

Só visite ele se não tiver outra opção.<br />

O alcance das transmissões era curto. Só avisaria quem estivesse entrando<br />

nos limites do sistema planetário.<br />

Uma outra mensagem, mais <strong>de</strong>talhada, partiria em direção à Terra,<br />

seguindo o padrão <strong>de</strong> outras já enviadas.<br />

Daquela extraordinária situação enten<strong>de</strong>u que já não havia mais o que<br />

acompanhar...<br />

Já permanecera alí durante bastante tempo registrando tudo que julgava<br />

ser importante. Era hora <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> ares...<br />

***<br />

179


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.18 DE ALEX RANDALL<br />

Mesmo tão longe no espaço. Alex Randall não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> estar sujeito à<br />

propaganda.<br />

Como <strong>de</strong>dicava-se à monitoração <strong>de</strong> imagens e todo tipo <strong>de</strong> sinais<br />

enquanto transitava velozmente pelas galáxias, sempre captava alguma<br />

novida<strong>de</strong>.<br />

E <strong>de</strong>sta vez não foi diferente. Chegou pelos sistemas <strong>de</strong> comunicação, uma<br />

mensagem <strong>de</strong> ALFALORION.<br />

Não era um mundo qualquer, até no sistema solar, já era conhecida em<br />

lendas que ainda careciam <strong>de</strong> comprovação, como a capital universal dos<br />

prazeres.<br />

Quem quisesse relaxar com classe, ao menos uma vez na vida <strong>de</strong>veria ir<br />

para lá.<br />

Esgotado <strong>de</strong> tanto trabalhar, e influenciado pela propaganda, Alex Randall<br />

resolveu fazer aquela sacrificada peregrinação.<br />

O tempo passou e finalmente chegou a ALFALORIOM.<br />

***<br />

Um dos mundos construídos por diversas culturas alienígenas, pertencente<br />

a um sistema planetário completamente mecanizado.<br />

Até a estrela que alí brilhava, era artificial e controlada.<br />

Assim que o Viajante das Estrelas se aproximou <strong>de</strong> ALFALORIOM, recebeu<br />

através dos sistemas <strong>de</strong> comunicação mais propaganda.<br />

Segundo o que afirmavam os tais “panfletos”, alí era o mundo dos prazeres<br />

para todas as raças e paladares do universo.<br />

Outra surpresa já era aguardada antes da chegada.<br />

Logo, aproximou-se do Viajante das Estrelas, um esquadrão com<br />

aproximadamente 150 naves <strong>de</strong> guerra pertencentes ao corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

Alfaloriono.<br />

Na central <strong>de</strong> comando, Alex Randall recebeu um comunicado do<br />

comandante daquele agrupamento militar, incluindo sua imagem que foi projetada<br />

diante do nosso herói.<br />

A aparência do soldado não era lá muito amistosa, já que tinha a cabeça<br />

muito feia.<br />

De imediato, o Cérebro Computadorizado traduzia o idioma falado pelo<br />

comandante. Daí, a mensagem chegava bastante clara e objetiva...<br />

180


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Para obter o visto <strong>de</strong> entrada o sr. precisa assinar alguns documentos e<br />

passar por exames ...<br />

-Claro...- Concordou Alex Randall.<br />

-Sua nave <strong>de</strong>verá ficar num estacionamento especial que é protegido por<br />

seguro.<br />

Alex Randall fez um gesto <strong>de</strong> concordância com a cabeça...<br />

-Queira então me seguir...<br />

O agrupamento <strong>de</strong> naves logo se posicionou em formação <strong>de</strong> ponta <strong>de</strong><br />

flexa ao redor do Viajante ds Estrelas.<br />

Tudo que o cérebro computadorizado tinha <strong>de</strong> fazer era seguir a nave lí<strong>de</strong>r,<br />

que estava mais adiante do agrupamento.<br />

Mantiveram baixa velocida<strong>de</strong> por algum tempo...<br />

Foi então que Alex Randall recebeu or<strong>de</strong>ns para permanecer com o<br />

Viajante das Estrelas estacionado exatamente no lugar on<strong>de</strong> se encontrava<br />

naquele momento.<br />

-Precisa <strong>de</strong> transporte? – Indagou o comandante.<br />

-Não.- Respon<strong>de</strong>u nosso herói e, em seguida agra<strong>de</strong>ceu.<br />

O agrupamento <strong>de</strong> naves partiu espaço a<strong>de</strong>ntro.<br />

Outra mensagem chegou:<br />

-Bem vindo a ALFALORION – Capital universal do relaxamento e prazer.<br />

Esse comunicado veio num idioma falado na Terra acompanhado da<br />

projeção tridimensional da imagem <strong>de</strong> uma linda mulher.<br />

-Um dos robôs batedores irá brevemente fazer contato com sua nave para<br />

a adoção dos procedimentos necessários para a sua recepção.<br />

O referido robô apareceu flutuando no espaço aproximando-se lentamente<br />

do Viajante das Estrelas.<br />

Entrou e pousou num dos hangares da astronave.<br />

Lá, Alex Randall foi recebê-lo<br />

O robô não per<strong>de</strong>u muito tempo com conversa mole e foi direto ao assunto:<br />

-Sua espaçonave <strong>de</strong>verá ficar estacionada no setor 6-HSC-25964-YKA<br />

durante o período que o sr. estiver em ALFALORION. O custo do estacionamento<br />

por qualquer período <strong>de</strong> tempo fica em 500, sua estadia mais 30, o que totaliza<br />

530 créditos transgaláticos. O valor inclui um seguro que cobre qualquer dano que<br />

sua nave vier a sofrer...<br />

Quanto a isso, Alex Randall não estava preocupado já que a segurança <strong>de</strong><br />

sua astronave quando não errava, acertava.<br />

Não seria qualquer larápio que entraria alí impunemente.<br />

181


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Vai precisar <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> sua nave para ALFALORION?<br />

-Não! Muito obrigado!<br />

-Então, as autorida<strong>de</strong>s fiscais proce<strong>de</strong>rão uma vistoria na nave que o sr.<br />

utilizar para o seu transporte. Será consi<strong>de</strong>rado contrabando a entrada <strong>de</strong><br />

qualquer produto não registrado na PORTARIA REGULAMENTADORA DE<br />

ENTRADA E SAÍDA DE PRODUTOS NO DISTRITO ALFALORIANO que o sr.<br />

está recebendo agora.<br />

Dizendo isso o robô entregou um livro para Alex Randall.<br />

-A infração <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>stas regulamentações po<strong>de</strong>rá ser até<br />

consi<strong>de</strong>rada crime, portanto não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> se informar a respeito da norma<br />

vigente.<br />

-Certo...<br />

Alex Randall tirou um cartão do bolso, exibiu-o ao robô e introduziu-o na<br />

fenda existente no corpo <strong>de</strong>ste.<br />

Em seguida retirou-o e um recibo foi expedido juntamente com o<br />

passaporte que lhe dava livre acesso ao território alfaloriono.<br />

-Faça bom proveito <strong>de</strong> sua estadia e não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> conhecer o guia oficial <strong>de</strong><br />

atrações turísticas.<br />

-Obrigado.<br />

Momentos <strong>de</strong>pois, o robô saia do Viajante das Estrelas e, nosso herói dava<br />

então início aos preparativos para seu passeio.<br />

***<br />

Horas mais tar<strong>de</strong> Alex Randall <strong>de</strong>ixava o Viajante das Estrelas a bordo <strong>de</strong><br />

uma nave parecida com os antigos aviões <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> passageiros dos idos<br />

do século XXI.<br />

Enquanto acompanhava o trabalho <strong>de</strong> pilotagem automática feita pela re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> transito local, recebia a programação <strong>de</strong> eventos <strong>de</strong> ALFALORION com muita<br />

propaganda.<br />

O menu <strong>de</strong> opções <strong>de</strong> lazer e diversões local era interminável.<br />

A primeira coisa que nosso herói procurou foram as máquinas <strong>de</strong> sexo<br />

virtual.<br />

Nesse ponto ficou <strong>de</strong>sapontado.<br />

Mesmo as mais avançadas alí disponíveis não eram tão tecnologicamente<br />

sofisticadas como as existentes a bordo do Viajante das Estrelas.<br />

Procurou e encontrou um evento diferente:<br />

182


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

GUITARRISTA DESAFIA O DIABO EM SHOW AO VIVO<br />

Blues Dog, o maior guitarrista <strong>de</strong> todos os tempos<br />

enfrentará o <strong>de</strong>mônio num duelo musical. Se per<strong>de</strong>r, sua<br />

alma vai para o inferno. Vencendo, ganha um apartamento<br />

<strong>de</strong> cobertura no melhor edifício resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong><br />

ALFALORION incluindo ainda o pagamento <strong>de</strong> todas as<br />

suas <strong>de</strong>spesas pelo resto da vida. Não perca este<br />

verda<strong>de</strong>iro duelo <strong>de</strong> morte.<br />

-É esse o programa que vou fazer!<br />

Alex Randall digitou alguns comandos no teclado luminoso do painel e<br />

passou o cartão <strong>de</strong> créditos na fenda para fazer a compra. Em seguida, uma<br />

impressora vomitou o comprovante <strong>de</strong> pagamento que já era o ingresso. E<br />

também, um outro papel.<br />

Verificando o que era ficou surpreso:<br />

-Ora, ora, ora... Veja só...<br />

O conteúdo do impresso dizia:<br />

“Você foi sorteado e ganhou um prêmio. Passe pela bilheteria e informe-se.”<br />

-Que legal!<br />

Logo a nave aproximou-se <strong>de</strong> uma das várias edificações gigantes que<br />

compunham a paisagem daquele mundo e, na lateral <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las, abriu-se uma<br />

entrada retangular por on<strong>de</strong> passou suave e silenciosa até pousar no seu interior.<br />

Na cabine <strong>de</strong> comando, a poltrona on<strong>de</strong> Alex Randall estava sentado<br />

começou a flutuar.<br />

Logo, abriu-se no teto uma saída para fora por on<strong>de</strong> saiu voando.<br />

Três robôs <strong>de</strong> segurança esféricos com diâmetro aproximado <strong>de</strong> trinta<br />

centímetros lhe acompanharam..<br />

Logo flutuavam pelo espaço aéreo daquele mundo cheio <strong>de</strong> torres enormes<br />

e veículos voadores <strong>de</strong> todas as espécies.<br />

Para não atrasar, seguiram direto à casa <strong>de</strong> espetáculos.<br />

Depois <strong>de</strong> chegar, Alex Randall foi até a bilheteria saber do brin<strong>de</strong>.<br />

-Parabéns! O senhor foi sorteado para ser jurado do <strong>de</strong>safio. Ao final,<br />

ganha um vale-refeição para duas pessoas no “Alfalorion´s Bistrout.” Por favor,<br />

me acompanhe...<br />

Alex Randall seguiu o alfaloriono que lhe apontou o camarim on<strong>de</strong> ficaria.<br />

183


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Pousou sua poltrona junto ao espaço reservado aos julgadores.<br />

E, no momento marcado para o início do evento, assim como em toda boa<br />

casa <strong>de</strong> espetáculos, as luzes diminuíram <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> até se apagarem<br />

completamente.<br />

O apresentador entrou no palco e começou o evento dando boas vindas:<br />

-Daqui a pouco presenciaremos um espetáculo único em todo universo.<br />

Temos aqui um mortal que passou longo tempo se preparando para <strong>de</strong>safiar o<br />

príncipe das trevas num duelo on<strong>de</strong> as armas são instrumentos musicais.<br />

“E o primeiro a se apresentar neste palco será o temido, famigerado e<br />

odiado Senhor dos Infernos com sua banda diabólica conhecida como SATANÁS<br />

E SUAS ALMAS.”<br />

Um impresso foi entregue aos jurados naquele momento, informando, como<br />

<strong>de</strong>veria se proce<strong>de</strong>r a escolha: basicamente, ouvindo e apontando quem era<br />

melhor.<br />

O show diabólico começou mostrando que não estava lá para per<strong>de</strong>r<br />

tempo.<br />

Com som pesado, barulhento e cheio <strong>de</strong> ritmo, conquistou as multidões.<br />

Ficava claro que superar aquela apresentação não seria fácil.<br />

Os <strong>de</strong>mônios que tocavam junto ao príncipe das trevas não tinham rosto.<br />

Suas faces pareciam estar em constante transformação.<br />

A música <strong>de</strong>les chegou ao final e a plateia aprovou com aplausos gritos e<br />

elogios.<br />

Dog.<br />

O Satanás, claro, saiu do palco com um sorriso vencedor.<br />

E veio o <strong>de</strong>safiante.<br />

Apresentado como sendo do distante planeta Terra, se chamando Blues<br />

Era músico negro, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, alto, vestindo terno escuro com camisa e<br />

meias brancas. Encimado por chapéu preto, carregava um violão da mesma cor.<br />

Começou a tocar sozinho mostrando que estava lá para ganhar.<br />

Era excepcional.<br />

O resultado <strong>de</strong> tanto treino era visível logo nas primeiras notas.<br />

O som tocado brilhantemente também foi conquistando os ouvintes <strong>de</strong><br />

imediato!<br />

Principalmente, Alex Randall, que já normalmente não gostava do diabo por<br />

tudo o que este representava e era, e ainda, <strong>de</strong>vido aos maus bocados que<br />

passara com ele e sua turma injustamente no inferno.<br />

Não <strong>de</strong>morou muito mais para que o seu voto fosse direto para Blues Dog.<br />

Com categoria <strong>de</strong> mestre, o músico se manteve até o fim da apresentação<br />

184


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

on<strong>de</strong> fez um encerramento em gran<strong>de</strong> estilo.<br />

Tiveram início as avaliações dos números musicais apresentados.<br />

Nada tinha que ser muito explicado ou justificado. Era só dar o voto.<br />

Antes <strong>de</strong> saber o resultado, o diabo já sorria sentindo-se o verda<strong>de</strong>iro<br />

vencedor.<br />

O primeiro voto foi justamente ao seu favor.<br />

O segundo, também.<br />

O terceiro e o quarto, foram favoráveis a Blues Dog.<br />

Alex Randall ficou com a missão <strong>de</strong> dar o veredito final.<br />

Não pensou muito e logo <strong>de</strong>u o seu parecer.<br />

-Eu fico com Blues Dog.<br />

Seu voto repercutiu por centenas <strong>de</strong> alto-falantes instalados naquele teatro<br />

em milhares <strong>de</strong> idiomas e ainda, através <strong>de</strong> sinais luminosos.<br />

Blues Dog respirou fundo como se um gran<strong>de</strong> peso lhe tivesse sido tirado<br />

dos ombros.<br />

Ficou <strong>de</strong> pé diante do banquinho on<strong>de</strong> se sentara para fazer sua<br />

apresentação e levantou os braços acenando para todos.<br />

O aplauso e a saudação em milhares <strong>de</strong> idiomas e modos diferentes <strong>de</strong><br />

cumprimento duraram muito tempo.<br />

Alex Randall mal conseguia conter as lágrimas, não sabia se batia palmas<br />

ou segurava o cachimbo aceso.<br />

O diabo porém não estava com cara <strong>de</strong> muitos amigos.<br />

Dirigiu-se a um dos microfones que havia no teatro e disse:<br />

-Eu não estou satisfeito.<br />

O aplauso cessou subitamente e teve uma gozação generalizada,<br />

aparentemente, ninguém estava levando o Satanás muito a sério.<br />

-Eu não estou feliz, mesmo assim vou cantar uma nova música para<br />

vocês...<br />

O suspense foi generalizado e a música começou.<br />

Era um antigo ritmo <strong>de</strong> roque ultra pesado com vocais <strong>de</strong> voz assustadora.<br />

O próprio diabo cantava e a letra era esta:<br />

185


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

no ar.<br />

(Refrão):<br />

É fria com o diabo fazer contrato<br />

Olha lá, hem...<br />

É fria com o diabo fazer contrato<br />

Eu avisei , hem<br />

É fria com o diabo fazer contrato<br />

É fria com o diabo fazer contrato<br />

É convincente e leva no papo<br />

Já promete, e resolve o babado<br />

Mas o que cobra, sai muito caro<br />

Quem assina, termina escravo<br />

(Refrão)<br />

O diabo assina em baixo<br />

O que dá, não vale um trocado<br />

É a alma, que cai no pecado<br />

E um coitado, que paga o pato<br />

(Refrão)<br />

O Diabo não cumpre contrato<br />

Reclamar, redunda em fracasso<br />

No inferno vai sofrer um bocado<br />

E chorando, acabá <strong>de</strong>sgraçado...<br />

(Refrão)<br />

O som acabou pegando e o refrão marcando na cabeça <strong>de</strong> todo mundo.<br />

Assim que terminou, o Satanás estalou os <strong>de</strong>dos e Blues Dog foi suspenso<br />

Um reflexo translúcido da sua imagem saiu do corpo.<br />

Era a alma <strong>de</strong> Blues Dog.<br />

Em seguida, o corpo do músico <strong>de</strong>spencou inerte no chão enquanto a<br />

imagem translúcida <strong>de</strong>scia em direção aos infernos...<br />

-Esta alma é minha. – Disse o Satanás. – Não cumpro nenhum contrato.<br />

Quem me <strong>de</strong>safiar terá o mesmo <strong>de</strong>stino.<br />

Ninguém falou nada.<br />

Todos olhavam o corpo inerte <strong>de</strong> Blues Dog e entendiam que, se<br />

quisessem se manter vivos, <strong>de</strong>veriam calar-se e <strong>de</strong>ixar o senso <strong>de</strong> justiça para<br />

outro dia.<br />

O diabo não havia porém terminado o seu discurso.<br />

Aproximou-se <strong>de</strong> Alex Randall com um gesto ameaçador...<br />

Os robôs esféricos <strong>de</strong> segurança dispararam raios azulados que, teriam<br />

cortado qualquer ser vivo ao meio.<br />

186


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Naquele caso porém, não surtiu efeito nenhum.<br />

Com cada uma das mãos, o <strong>de</strong>mônio os pegou e <strong>de</strong>struiu.<br />

Fez o mesmo com o terceiro segurança mecanizado dando lhe uma forte<br />

cuspida que o <strong>de</strong>rreteu por inteiro.<br />

Aproximou-se ficando frente a frente com o nosso apavorado herói e<br />

colocou a mão aberta bem próxima ao seu rosto.<br />

Disse em seguida:<br />

-Não vou te fazer mal... Não agora! Assim que morrer, vou reclamar sua<br />

alma. Aí sim pagará por essa insolência. Ninguém tira <strong>de</strong> mim a vitória.<br />

E <strong>de</strong>sapareceram então o Satanás e seus <strong>de</strong>mônios em meio a uma nuvem<br />

amarela <strong>de</strong> fumaça muito mal cheirosa.<br />

Alex Randall ficou petrificado sentado em sua poltrona olhando o cadáver<br />

<strong>de</strong> Blues Dog enquanto pensava no tormento que seria sua vida após a morte.<br />

Então, sabe-se lá como, súbita e inexplicavelmente, iniciou-se um indêndio<br />

no teatro.<br />

Para piorar as coisas, os sistemas <strong>de</strong> combate ao incêndio não<br />

funcionaram.<br />

As saídas <strong>de</strong> emergência se abriram e todos <strong>de</strong>ixaram o local sem que<br />

nenhuma vida além da do músico fosse perdida.<br />

Sentado em sua poltrona voadora e fumando o cachimbo, da rua o nosso<br />

heroi observava o teatro ar<strong>de</strong>r em chamas.<br />

Só bem mais tar<strong>de</strong>, é que o fogo foi <strong>de</strong>belado.<br />

Àquelas alturas, porém, Alex Randall encontrou um lugar on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria<br />

refletir sem ser perturbado. Numa Tabacaria.<br />

***<br />

187


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.19 DE ALEX RANDALL<br />

Não era uma tabacaria muito diferente das existentes na Terra.<br />

Tinha o balcão com ven<strong>de</strong>dor, um projetor <strong>de</strong> imagens tridimensionais cujo<br />

funcionamento pipocava o tempo todo e até uma prateleira com seleção variadas<br />

revistas e livros digitais.<br />

-Meu nome é Harvey. Posso ajudá-lo?<br />

-Conhece meu idioma?<br />

Harvey apontou para o cartão que Alex trazia preso ao bolso da jaqueta.<br />

-Seu crachá indica o código que <strong>de</strong>vo usar no meu tradutor universal para<br />

manter comunicação no seu idioma.<br />

Alex Randall bateu na testa com a palma da mão...<br />

-Como fui burro... Não pensei nisso antes...<br />

Harvey olhou para o cachimbo <strong>de</strong> Alex Randall e disse.<br />

-O sr. parece ser um fumante veterano. Aqui encontrará coisas bem<br />

interessantes.<br />

-Meu amigo, era isso que eu queria ouvir.<br />

Harvey começou uma exposição: primeiramente falou sobre a loja,<br />

contando sua história, <strong>de</strong>pois, tratou a respeito dos fumos catalogados que<br />

dispunha.<br />

Ainda que a fachada da loja fosse mo<strong>de</strong>sto, seu estoque era gigantesco.<br />

Tal fato, não só comprovou a qualida<strong>de</strong> dos produtos bem como a<br />

idoneida<strong>de</strong> do ven<strong>de</strong>dor.<br />

Nosso herói sentiu-se no paraíso não só pelos méritos apontados no<br />

parágrafo anterior mas também, <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>coração do local.<br />

Alí <strong>de</strong>ntro, eram encontrados elementos <strong>de</strong> alta tecnologia que se<br />

harmonizavam com objetos, artefatos e jóias antigas relacionados à arte <strong>de</strong> fumar.<br />

Entre tantas coisas que havia alí <strong>de</strong>ntro, Alex Randall teve sua atenção<br />

chamada pelos ornamentos <strong>de</strong> um magnífico cachimbo esculpido em um mineral<br />

brilhante e acinzentado.<br />

Harvey <strong>de</strong>u algumas breves explicações a respeito do objeto, em seguida,<br />

<strong>de</strong>u uma rápida projetor <strong>de</strong> imagens.tridimensionais. Viu alí alguma coisa e disse:<br />

-Perda <strong>de</strong> tempo.<br />

Alex Randall que segurava uma mercadoria virou-se espantado dizendo:<br />

-C-como? Refere-se a este produto? – Perguntou.<br />

O ven<strong>de</strong>dor olhou para Alex Randall, sorriu e disse.<br />

-Ah! Não! Esse aí é ótimo! Estou falando da eleição do novo sacerdote<br />

188


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

supremo da religião RUIKULKUARQUIANA que segundo dizem, é a que tem<br />

maior número <strong>de</strong> seguidores. Gente que se proclama porta-vozes exclusivos das<br />

palavras do Criador. São enganadores! Isso sim! Ignoram o <strong>de</strong>sejo da MÃE<br />

CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />

Alex Randall já estava ficando um pouco <strong>de</strong> saco cheio <strong>de</strong> tanto encontrar<br />

pelo seu caminho tantas menções à Deus e ao Diabo. Queria ter um pouco <strong>de</strong><br />

sossego nestes assuntos religiosos, mesmo assim, não foi <strong>de</strong>selegante:<br />

-Reparei que o sr. usa o termo MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.<br />

Encontrei por aí alguns sujeitos que também falam assim..<br />

-É uma das formas <strong>de</strong> você se referir a Deus. Alguns filósofos preferem<br />

assim já que enten<strong>de</strong>m que Deus é feminino por ser gerador <strong>de</strong> toda a vida do<br />

universo. O primeiro sopro no cosmo foi dado pela MÃE CRIADORA DE TODAS<br />

AS COISAS, uma entida<strong>de</strong> feminina. Acho que é isso o que dizem.<br />

-E no que o senhor acredita?<br />

-Não acredito em nada disso. Essa conversa <strong>de</strong> religião é só para enganar<br />

trouxa! O universo existe do jeito que é e pronto! O criador ou criadora não vai ter<br />

tempo <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as orações <strong>de</strong> todos os fieis espalhados por bilhões <strong>de</strong> galáxias.<br />

-Já tive uma posição semelhante à sua. Tenho dúvidas quanto à existência<br />

<strong>de</strong> um Deus ou MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, mas, com relação ao<br />

diabo... Da existência <strong>de</strong>ste eu não tenho dúvidas.<br />

-É...<br />

“O que se vê <strong>de</strong> ruinda<strong>de</strong> por aí faz a gente pensar as coisas <strong>de</strong>sse jeito<br />

mesmo. Por outro lado, se não fosse pela força das religiões, muitas socieda<strong>de</strong>s<br />

se auto-<strong>de</strong>struiriam.”<br />

“Mas... Essas coisas estão muito distantes da nossa compreensão...”<br />

-Verda<strong>de</strong>...<br />

-Primeira vez que o vejo aqui... Vem <strong>de</strong> fora?<br />

-Sim. Do sistema solar! Da Terra.<br />

-Ah! A Terra! Tenho fumos aqui que agradam bastante aos raríssimos<br />

humanos que tive o privilégio <strong>de</strong> encontrar por aí...<br />

-É mesmo? Gostaria <strong>de</strong> conhecer estes fumos...<br />

O comerciante fez um sinal convidando-o a segui-lo.<br />

Passaram por corredores estreitos com muitas caixas <strong>de</strong> vários tamanhos<br />

chegando até uma porta que foi aberta..Atrás <strong>de</strong>la, estava um <strong>de</strong>pósito com<br />

muitas caixas.<br />

-Aqui guardo ervas apreciadas pelos humanos. Gostaria <strong>de</strong> experimentar<br />

alguma?<br />

-Claro! - Pensou Alex Randall, afinal ven<strong>de</strong>dores com amostra grátis eram<br />

189


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

raríssimos, em qualquer parte do Universo<br />

O comerciante pegou uma das caixas que estava encostada na pare<strong>de</strong>.<br />

Abriu-a e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la tirou outra menor.<br />

Esta por sua vez, tinha ao seu redor uma espécie <strong>de</strong> lacre.<br />

Rompeu-o!<br />

Abriu a caixinha e tirou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la um pouco <strong>de</strong> fumo que pôs na mão<br />

<strong>de</strong> nosso herói.<br />

-Experimente. – Disse.<br />

Alex Randall não se fez <strong>de</strong> rogado. Sacou seu cachimbo reserva que<br />

estava vazio e abasteceu-o com o presente.<br />

Acen<strong>de</strong>u-o e calmamente <strong>de</strong>gustou o fumo...<br />

Imediatamente sentiu uma calma e tranqüilida<strong>de</strong> incomum.<br />

O ven<strong>de</strong>dor por sua vez, também sacou um curioso cachimbo que<br />

carregava e abasteceu-o com aquele fumo.<br />

O ar alí <strong>de</strong>ntro logo ficou <strong>de</strong>nsamente enfumaçado.<br />

Ficaram alí conversando, <strong>de</strong>pois voltaram à área <strong>de</strong> convivência pública da<br />

tabacaria.<br />

Sentaram-se numa mesa e ficaram conversando...<br />

Tão relaxados estavam que a única coisa que queriam naquele momento<br />

era falar...<br />

Assim po<strong>de</strong>riam ficar exercitando o verbo por muito tempo...<br />

As formalida<strong>de</strong>s foram caindo, Alex Randall também se apresentou e assim<br />

começaram a trocar histórias...<br />

Harvey era um contador <strong>de</strong> histórias nato:<br />

-Trabalho neste negócio já a bastante tempo, praticamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

comecei a fumar...<br />

-E isso faz muito tempo?<br />

-Des<strong>de</strong> meus tempos <strong>de</strong> menino...<br />

-Como começou ? – Perguntou nosso herói.<br />

-Ah! Isso também foi na infância...Fumava para ficar junto dos mais velhos.<br />

Eram os que tinham fama <strong>de</strong> durões. Eu tinha facilida<strong>de</strong> para arrumar fumo pois<br />

morava perto do espaçoporto. Comecei conhecendo os capitães das naves já que<br />

meu pai fazia negócios com eles nos bares que freqüentavam.<br />

“Os caras sempre traziam produtos diversificados e sempre sobrava algum<br />

cigarro, charuto ou tabaco que meu pai armazenava em casa.”<br />

“Passei a comercializar esse material e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum o tempo, me<br />

estabeleci como comerciante <strong>de</strong> sólidos contatos e capaz <strong>de</strong> arrumar qualquer tipo<br />

190


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

<strong>de</strong> fumo existente no universo.”<br />

-Do universo? - Perguntou Alex Randall impressionado.<br />

-Não apenas <strong>de</strong>sta ou daquela galáxia, mas <strong>de</strong> todo o universo!<br />

Harvey era bem comunicativo e logo quis que nosso herói também<br />

contasse um pouco <strong>de</strong> suas histórias.<br />

Foi o que fez. Nos momentos seguintes passou a relatar suas <strong>de</strong>sventuras<br />

a bordo do Viajante das Estrelas.<br />

O comerciante ouvia atentamente.<br />

Só voltou a falar quando as histórias pareciam terminadas, mas não <strong>de</strong>ixou<br />

<strong>de</strong> formular algumas questões:<br />

-Mas e você? Como iniciou sua carreira <strong>de</strong> fumador?<br />

-Copiei um tio que admirava e fiquei ainda mais fanático pelo cachimbo que<br />

ele. O fumo me ajuda a trabalhar e colocar as idéias em or<strong>de</strong>m.<br />

-Incrível!<br />

A conversa estava cada vez mais relaxada, os dois já se entendiam como<br />

se fossem velhos amigos, por conta disso, em dado momento, Harvey disse:<br />

-Vou te trazer um produto especial! Sem igual em todo o universo.<br />

Saiu da sala e logo voltou com um maço <strong>de</strong> cigarrilhos enrolados.<br />

Imediatamente ofereceu-os a Alex Randall já preparando para este até o isqueiro<br />

aceso.<br />

-Mas o sabor <strong>de</strong>sse fumo não vai ser alterado pelo do que estou<br />

queimando?<br />

-A finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse fumo não é a <strong>de</strong> se sentir o sabor. Po<strong>de</strong> acreditar...<br />

Nosso herói <strong>de</strong>u algumas poucas tragadas e logo percebeu o porquê.<br />

Seu sabor era simplesmente horrível. Mas, acostumou-se.<br />

***<br />

Saindo do meio daquela fumaça Alex Randall viu sua saudosa mãe..<br />

-Meu filho...<br />

Nosso herói naquele momento não podia acreditar...<br />

-Mãe. É a senhora mesmo?<br />

-Sim. Po<strong>de</strong> confiar<br />

Nosso herói, com seus olhos treinados tentava encontrar alguma evidência<br />

que indicasse qualquer tipo <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>, mas, não via nada nesse sentido...<br />

-Sou eu mesma, Alex... Não há o que temer. É o efeito <strong>de</strong>ste fumo que o sr.<br />

Harvey te ofereceu. Através você po<strong>de</strong> falar com quem já não pertence ao seu<br />

191


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

plano <strong>de</strong> vida.<br />

-E o que existe <strong>de</strong>pois da morte, mãe?<br />

-O <strong>de</strong>scanso eterno, filho...<br />

-Um jogo <strong>de</strong> palavras! - Pensou Alex Randall, bastante <strong>de</strong>sconfiado. - Não<br />

respondia nada mas enchia os ouvidos.<br />

-A senhora está bem?<br />

-Sim...Tive uma vida correta. Não caí na tentação do mal, posso <strong>de</strong>scansar<br />

em paz.<br />

-E fantástico po<strong>de</strong>r rever a senhora.<br />

-Fico feliz que pense assim. Agora, eu queria te dizer algumas palavras<br />

antes <strong>de</strong> voltar...<br />

-Claro! Claro!<br />

-Não dê muitos ouvidos a este Cérebro Computadorizado da sua astronave.<br />

-O quê?<br />

-Ele é muito pessimista!<br />

-C-como?<br />

-Para ele, nada nunca vai dar certo! Acredite nas suas idéias. Se você<br />

achar que po<strong>de</strong> voltar no tempo e mudar fatos passados, não exite!<br />

-Ele é muito convincente, mamãe! Seus argumentos me parecem bastante<br />

lógicos...<br />

-Não é a lógica que domina o Universo, filho. Se assim o fosse, tudo seria<br />

perfeito! Nós é que temos correr atrás da perfeição, ainda assim, sem querer<br />

prejudicar os outros ou fazer uso da violência.<br />

-Como seria bom se todos agissem como a senhora fala...<br />

-Para alcançarmos a perfeição <strong>de</strong> que falo, meu filho, temos que ser fortes,<br />

às vezes, resistir a vingança e suportar a dor, por pior que seja, até o fim...<br />

-Não é fácil, mamãe...<br />

Alex olhou para o chão para acomodar-se melhor on<strong>de</strong> estava sentado.<br />

Quando voltou os olhos para on<strong>de</strong> sua mãe <strong>de</strong>veria estar, não havia mais<br />

nada alí.<br />

-Mãe...<br />

Chamou mais duas vezes e não obteve resposta...<br />

Deu novas tragadas naquele cigarro mas o efeito já não era o mesmo...<br />

Harvey apareceu do meio da grossa fumaça e disse:<br />

-O efeito dura apenas alguns momentos. Para acontecer <strong>de</strong> novo o que<br />

você viu, só fumando outro <strong>de</strong>sse daqui a bastante tempo...<br />

-Quanto tempo?<br />

192


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-O mesmo período que o planeta on<strong>de</strong> estiver levar para dar uma volta<br />

completa ao redor <strong>de</strong> sua estrela.<br />

Nosso herói estava perplexo com o ocorrido.<br />

Sua mente ainda parecia um cal<strong>de</strong>irão borbulhante <strong>de</strong> emoções.<br />

A voz <strong>de</strong> Harvey novamente o <strong>de</strong>spertou para a realida<strong>de</strong>...<br />

-Quem você reviu?<br />

-Minha mãe...<br />

Alex Randall estava meio abobalhado com o ocorrido e não conseguia falar<br />

direito...<br />

-Sabe também vi minha mãe... Antes <strong>de</strong> voltar para o seu <strong>de</strong>scanso, ela<br />

pediu para que eu lhe <strong>de</strong>sse um recado que a sua mãe <strong>de</strong>ixou.<br />

-O que?<br />

-Ela mandou você parar <strong>de</strong> fumar, caso contrário vai se juntar a ela.<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u uma sonora gargalhada exibindo os seus <strong>de</strong>ntes<br />

amarelados pelo excesso <strong>de</strong> fumo:<br />

-Vai ser dificil! Mesmo em vida, ela sempre pedia isso.<br />

-Ainda bem! Assim po<strong>de</strong>rei lhe ven<strong>de</strong>r algumas caixas <strong>de</strong> bons fumos. Você<br />

parece ser um perito no assunto.<br />

-Daqui não saio sem levar nada. E não vai ser pouco não...<br />

***<br />

Chegaram ao balcão na entrada da loja e encontraram outro tipo<br />

alienígena.<br />

Meio humano, <strong>de</strong> pele vermelha, era careca e usava roupa azul.<br />

Ao seu lado haviam duas gran<strong>de</strong>s malas e mais algumas bolsas...<br />

-Está saindo <strong>de</strong> viagem, Beni? – Perguntou Harvey.<br />

-Antes disso... Pagando as contas! - Respon<strong>de</strong>u.<br />

-Pagando as contas? – Indagou Harvey. – Isso só po<strong>de</strong> ser brinca<strong>de</strong>ira.<br />

Beni puxou um cartão plastificado do bolso e <strong>de</strong>u-o a Harvey.<br />

-Não é brinca<strong>de</strong>ira não, Harvey. Eu ganhei o primeiro prêmio da Super<br />

Loteria e vim te pagar o que estou <strong>de</strong>vendo pois vou mudar para o Hotel Astúrias<br />

Espaciais.<br />

-Caramba Beni! Isso é que é boa notícia.<br />

Harvey passou o cartão por um leitor ótico, digitou alguns números e<br />

<strong>de</strong>volveu-o<br />

-Perfeito! Você não me <strong>de</strong>ve mais nada. – Disse em seguida.<br />

193


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Harvey, você não precisa se preocupar. Nunca <strong>de</strong>ixarei <strong>de</strong> passar aqui<br />

para rever os amigos.<br />

-E para comprar algum tabaco..<br />

-Mas claro... – Concordou Beni que logo <strong>de</strong>u um caloroso abraço em<br />

Harvey e até em Alex Randall.<br />

-Vai morar no Astúrias Espaciais, hein?<br />

-Vou sim. Agora quero vida nova... Mais espaço, conforto, comida...<br />

-Fumo! – Lembrou Harvey.<br />

-Fumo! – Sem dúvida! – Riu Beni. – E não quero mais saber <strong>de</strong> trabalhar.<br />

Não quero mais patrão falando o que fazer. Chefe... Nunca mais!<br />

-Agora é liberda<strong>de</strong> total, hein. Já avisou seus colegas <strong>de</strong> serviço?<br />

-Claro! E você precisava ver a cara do meu ex-chefe quando saí falando<br />

pelo escritório do prêmio que eu havia ganho. Aquele maldito <strong>de</strong>sgraçado não quis<br />

acreditar que eu consegui me livrar do seu jugo sem ser <strong>de</strong>mitido, dor <strong>de</strong> cabeça<br />

ou encheção <strong>de</strong> saco.<br />

Beni pagou alguns charutos e uma dose <strong>de</strong> conhaque para Alex Randall e<br />

Harvey que não se fizeram <strong>de</strong> rogados e apreciaram <strong>de</strong> imediato os presentes<br />

ganhos.<br />

Conversaram animadamente até a partida <strong>de</strong> Beni que coincidiu com a<br />

chegada <strong>de</strong> um guitarrista na loja que puxava um carrinho carregado com um<br />

aparelho similar aos antigos amplificadores <strong>de</strong> som .<br />

O tal guitarrista tinha uma aparência bastante curiosa. Era humanói<strong>de</strong>,<br />

porém cada uma <strong>de</strong> suas mãos tinha <strong>de</strong>zesseis <strong>de</strong>dos.<br />

Sua guitarra também não era das mais comuns.<br />

Tinha 3 braços.<br />

O sujeito começou a tocar tirando <strong>de</strong> seu instrumento, um som<br />

extraordinário.<br />

Às vezes, parecia uma banda <strong>de</strong> rock e <strong>de</strong>-repente virava algo parecido<br />

com uma orquestra <strong>de</strong> violões.<br />

De trás do balcão, Harvey sacou uma caixa <strong>de</strong> cigarros e a arremessou<br />

para o músico que a agarrou no ar com graça, maestria e sem parar <strong>de</strong> tocar.<br />

Continuou enchendo o ambiente da loja com a sua música por um bom<br />

tempo e também contribuiu com o aumento <strong>de</strong> fumaça alí <strong>de</strong>ntro...<br />

Todos esqueceram seus problemas durante esse período.<br />

Alí, a vida parecia ser feita apenas para fumar e ouvir boa música...<br />

Assim como entrou, o curioso guitarrista saiu...Tocando!<br />

Alex Randall e Harvey voltaram a falar...<br />

194


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Puxa! Como toca bem esse cara! Ele vêm sempre aqui?<br />

-Todo dia! Ele toca o seu repertório e dou uma caixa para ele se divertir.<br />

Ajuda a mim e aos fregueses relaxarem, para ele diminui os custos com fumo. É o<br />

único que consegue fazer isso...<br />

-O que?<br />

-Não usa dinheiro em ALFALORION. As pessoas pagam as coisas para ele<br />

e obtém sua música. Sua vida é essa. Ele nem quer saber <strong>de</strong> grana. Diz que não<br />

gosta.<br />

-Puxa! Já ouvi falar <strong>de</strong> alguns poucos abnegados pelo universo que<br />

conseguem viver completamente sem dinheiro. Mas aqui em ALFALORION?<br />

On<strong>de</strong> paga-se para tudo? Essa é novida<strong>de</strong>!<br />

-Pois é... Mas po<strong>de</strong> acreditar...<br />

A conversa permaneceu agradável até a entrada na tabacaria <strong>de</strong> uma<br />

fêmea da mesma espécie que Harvey.<br />

-Harvey. Você está atrasado. Já é hora <strong>de</strong> fechar e ir para casa...<br />

-Olá querida! É que estou aten<strong>de</strong>ndo esse cliente que veio da Terra. É um<br />

verda<strong>de</strong>iro conhecedor <strong>de</strong> fumos.<br />

Certamente, aquela era a esposa <strong>de</strong> Harvey.<br />

Com um gesto, chamou o comerciante <strong>de</strong> lado e em voz baixa passou a<br />

dirigir-lhe reprimendas pois ela se sentia sozinha enquanto ele ficava naquela loja<br />

fedorenta fumando o tempo todo...<br />

Não esqueceu <strong>de</strong> dizer também que não sabia qual seria o próprio <strong>de</strong>stino<br />

caso ele acabasse com a própria saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto fumar.<br />

Dizia não querer herdar a loja pois, alí não iria trabalhar...<br />

Alex Randall mantinha-se alheio à discussão e já pensava até em <strong>de</strong>ixar lá<br />

Harvey sozinho resolvendo seus próprios problemas com a esposa, quem sabe,<br />

voltando em outro momento para fazer as compras.<br />

Não precisou, pois, logo a esposa <strong>de</strong> Harvey partiu recomendando para que<br />

ele não <strong>de</strong>morasse muito mais.<br />

***<br />

Momentos <strong>de</strong>pois entrou na loja outro freguês que já foi logo dizendo:<br />

-Vim aqui fumar meu último cigarro.<br />

Harvey pareceu surpreso com aquela história...<br />

-Puxa vida...<br />

-É Harvey. Resolvi vir aqui pois gostaria <strong>de</strong> viver esse momento histórico<br />

195


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

junto a alguns companheiros <strong>de</strong> fumo.<br />

-Claro! Claro! Seja bem vindo!<br />

O sujeito pagou uma caixa <strong>de</strong> charutos, abriu-a, acen<strong>de</strong>u um <strong>de</strong>les e<br />

começou a contar a história <strong>de</strong> como teve o seu início no fumo...<br />

Sua narrativa se <strong>de</strong>senrolou por todo o tempo que durou o charuto.<br />

Ao final, já com a bituca dando seus últimos suspiros, resolveu registrar o<br />

momento fazendo uma foto tridimensional e foi embora <strong>de</strong>spedindo calorosamente<br />

<strong>de</strong> todos.<br />

Depois <strong>de</strong> sua saída, nosso herói dirigiu-se para Harvey observando...<br />

-Agora vem a parte mais dura para o nosso amigo: passar a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fumar e se conter...<br />

-Esse aí? – Indagou Harvey com certa ironia. – Ele vêm aqui todo dia com a<br />

mesma conversa <strong>de</strong> fumar o último e sempre leva mais uma caixa para casa.<br />

Você reparou? Não se preocupe que logo ele volta outra vez com o mesmo<br />

papo...<br />

***<br />

Alex Randall esvaziou os bolsos na tabacaria.<br />

Toda a grana que tinha reservada para conhecer os prazeres <strong>de</strong><br />

ALFALORION <strong>de</strong>ixou com muito gosto na tabacaria e, <strong>de</strong>pois voltou para o<br />

Viajante das Estrelas para on<strong>de</strong> sua carga <strong>de</strong> fumo já havia sido previamente<br />

teletransportada e, naquele momento já <strong>de</strong>veria estar sendo estocada.<br />

À bordo, e, finalmente sentado na sua poltrona da central <strong>de</strong> comando,<br />

verificou que havia chegado o momento <strong>de</strong> partir<br />

Alex Randall pôs em movimento a astronave, logo <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>ixou para trás<br />

o sistema planetário Alfaloriano.<br />

Ainda se afastando, recebeu uma mensagem:<br />

-Você está <strong>de</strong>ixando ALFALORION. Volte sempre que possível para<br />

nova temporada <strong>de</strong> prazeres.<br />

***<br />

196


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N.20 DE ALEX RANDALL<br />

Nem bem o Viajante das Estrelas saiu da área <strong>de</strong> proteção jurisdicional do<br />

espaço ALFALORIANO, e foi surpreendido por .centenas <strong>de</strong> naves que o<br />

cercaram e em seguida dispararam contra este com todo seu arsenal.<br />

Diante <strong>de</strong> tal ataque, a astronave num primeiro momento não sofreu nada,<br />

pois, seu casco era <strong>de</strong> constituição tão robusta que podia suportar os disparos.<br />

Logo porém, os campos <strong>de</strong> proteção foram acionados como medida <strong>de</strong><br />

segurança.<br />

Alex Randall analisou o campo <strong>de</strong> batalha, digitou alguns comandos no<br />

teclado luminoso projetado a partir do painel no braço <strong>de</strong> sua poltrona e aguardou<br />

os resultados.<br />

Logo <strong>de</strong>pois, como que num toque <strong>de</strong> mágica todos os agressores<br />

cessaram o ataque quedando inertes e inoperantes.<br />

Contra eles, foi usado um sistema <strong>de</strong>fensivo capaz <strong>de</strong> inutilizar qualquer<br />

artefato tecnológico.<br />

Era como uma chave geral que <strong>de</strong>sligava e inutilizava todo o armamento do<br />

adversário!<br />

Terminada a breve batalha, quando o Viajante das Estrelas ia seguir seu<br />

caminho , foi surpreendido por um chamado que vinha <strong>de</strong> outra nave que naquele<br />

momento ainda não se encontrava pelas imediações.<br />

-Atenção nave esférica. Agüente mais um pouco que a ajuda está<br />

chegando...<br />

***<br />

Momentos <strong>de</strong>pois, o autor da mensagem chegou ao campo <strong>de</strong> batalha.<br />

Já apareceu disparando e <strong>de</strong>struindo os agressores do Viajante das<br />

Estrelas com gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> e precisão.<br />

Diante do acontecimento, nosso herói gritou pelos sistemas <strong>de</strong><br />

comunicação:<br />

-Pare <strong>de</strong> atirar! O oponente já está dominado!!<br />

Apareceu projetada na central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas a<br />

imagem do tripulante da nave que pretendia prestar salvamento.<br />

Era humano, um homem já na terceira ida<strong>de</strong> com cabelos e cavanhaque<br />

brancos.<br />

-Sou NOSRAC TIK, agente do Comando Espacial <strong>de</strong> Segurança<br />

197


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Alfaloriono. Fazíamos uma patrulha por este setor e, ao vê-lo em perigo,<br />

resolvemos prestar ajuda.<br />

-Sou Alex Randall da Terra. Agra<strong>de</strong>ço a ajuda, mas, creio que consegui<br />

resolver o problema com o equipamento que disponho!<br />

- Temos que elaborar um relatório para nossos chefes pois vamos pren<strong>de</strong>r<br />

toda essa gangue. Antes <strong>de</strong> partir, po<strong>de</strong>ria nos ajudar com algumas perguntas?<br />

Durante a conversa, o cérebro computadorizado confirmou através dos<br />

sistemas <strong>de</strong> comunicação e ainda com o Quartel General do Comando Espacial<br />

<strong>de</strong> Segurança Alfaloriono, as informações passadas pelo tal NOSRAC TIK. Ele e<br />

seus companheiros eram realmente quem diziam ser.<br />

-Claro! Vou liberar um dos hangares, para estacionarem sua espaçonave.<br />

Uma outra imagem foi projetada adiante <strong>de</strong> Alex Randall, era <strong>de</strong> outro<br />

tripulante da espaçonave do agente.<br />

-TIK, temos <strong>de</strong> pegar um dos comandantes <strong>de</strong>sse ataque e tentar obter a<br />

posição <strong>de</strong> sua base. É a gran<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> que temos, já que os larápios ainda<br />

estão vivos.<br />

-Tem razão! – Olhou em seguida para Alex Randall e continuou.- Antes <strong>de</strong><br />

embarcar vamos aprisionar alguns <strong>de</strong>stes diabos para uma conversinha...<br />

***<br />

Mais tar<strong>de</strong>, após pren<strong>de</strong>r vários comandantes do ataque contra o Viajante<br />

das Estrelas, a nave <strong>de</strong> NOSRAC TIK pousou no hangar.<br />

A tripulação da nave <strong>de</strong>sembarcou. Eram quatro homens com aparência<br />

bastante semelhante aos humanos da Terra.<br />

NOLSRAC TIK cumprimentou Alex Randall:<br />

-Po<strong>de</strong> me chamar <strong>de</strong> TIK. Estes são meus amigos.<br />

TIK fêz as apresentações começando pelo mais alto e forte:<br />

-Esse é o meu parceiro Relliw Xet. Po<strong>de</strong> chamá-lo <strong>de</strong> Xet.<br />

Seguiu para outro <strong>de</strong> aparência mais jovem e continuou...<br />

-O filho <strong>de</strong>le, assim como eu, tem Tik no mome. É um bom rapaz.<br />

Especialista em informática. Diz que consegue invadir qualquer sistema.<br />

-Não os do Viajante das Estrelas! - Disse Alex Randall. - O Cérebro<br />

Computadorizado <strong>de</strong>sta Astronave po<strong>de</strong> resistir a todo tipo <strong>de</strong> ataque. Os<br />

melhores “Crackers” do Sistema Solar já tentaram todos os tudo que lhes foi<br />

possível, na sua fase <strong>de</strong> testes e construção. Não obtiveram sucesso! Nesse<br />

ponto, os sistemas <strong>de</strong> segurança daqui são muito bons. Já em outros casos...<br />

O velho Tik apresentou então o último acompanhante.<br />

198


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Um sujeito <strong>de</strong> pele mais queimada, cabelos negros e longos.<br />

-Este é o agente Tigrus Jack. Também, <strong>de</strong> extremada confiança.<br />

-É um prazer recebê-los a bordo. - Cumprimentou Alex Randall. –<br />

Gostariam <strong>de</strong> <strong>de</strong>scansar?<br />

Xet respon<strong>de</strong>u:<br />

-Descansar não vai dar. Temos <strong>de</strong> interrogar esses caras. Não é todo dia<br />

que conseguimos pren<strong>de</strong>r toda uma quadrilha sem <strong>de</strong>rramamento <strong>de</strong> sangue.<br />

Esses tipos são covar<strong>de</strong>s e perigosos. Saqueiam os turistas que saem do espaço<br />

jurisdicional alfaloriono.<br />

-Essa quadrilha é extremamemte perigosa. – Continuou Tik com voz<br />

grave. – Não se <strong>de</strong>ixam capturar. São numerosos e muito bem armados.<br />

-Vivem na periferia do perímetro <strong>de</strong> vigilância do sistema planetário<br />

Alfaloriono. Se dizem excluídos do sistema. Pregam a igualda<strong>de</strong> social, mas tem<br />

muitos chefes que mandam o máximo que po<strong>de</strong>m. Com base nessa conversa<br />

mole política, justificam atos como sequestro, roubo, tráfico e assassinatos. Não<br />

são nem um pouco confiáveis. Até entre si procuram levar vantagem.<br />

-Bando <strong>de</strong> vigaristas! - Disse Tigrus Jack.<br />

-Façam como achar melhor. – Disse Alex Randall. – Eu apenas espero<br />

ajudar a Justiça.<br />

Xet.<br />

-Gostaria <strong>de</strong> ver a cara <strong>de</strong> alguns dos pilantras que te atacou? – Perguntou<br />

-Claro! – Por-quê não?<br />

-Vamos entrar então...<br />

Alex Randall acompanhou os quatro agentes para o interior da nave<br />

espacial dos agentes alfalorionos e, com estes, seguiu até as instalações<br />

carcerárias <strong>de</strong>sta.<br />

Ainda que no interior não faltassem armas, computadores, sistemas <strong>de</strong><br />

comunicação e instalações <strong>de</strong> conforto e alta tecnologia, suas celas eram tão<br />

porcas e sujas como a <strong>de</strong> qualquer ca<strong>de</strong>ia comum.<br />

O ambiente na carceragem era escuro, mal cheiroso e a cara dos tipos<br />

presos ali, as mais assustadoras possíveis...<br />

Realmente, não tinham cara <strong>de</strong> bonzinhos...<br />

-Esses tipos vêm <strong>de</strong> todas as partes <strong>de</strong> universo. São vermes asquerosos<br />

que canibalizam qualquer <strong>de</strong>sprevenido.<br />

Xet <strong>de</strong>sativou a barreira energética que impedia a saída dos presos <strong>de</strong> uma<br />

das celas, e, com a maior tranqüilida<strong>de</strong> entrou lá <strong>de</strong>ntro.<br />

Chegou logo dizendo:<br />

-Estou aqui para conversar...<br />

199


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Um dos <strong>de</strong>tidos dirigiu olhar feroz a Xet e partiu para cima <strong>de</strong>ste intentando<br />

causar-lhe dano físico ou mesmo tomar uma <strong>de</strong> suas armas.<br />

Seu ataque foi rápido, feroz e certeiro.<br />

Mas não eficaz.<br />

Xet se esquivou do avanço e partiu para o contra ataque.<br />

Começou golpeando duramente com os punhos fechados a infeliz criatura<br />

que teve a idéia idiota <strong>de</strong> agredir-lhe.<br />

Batia sem dó nem pieda<strong>de</strong>, o que, arrancou um comentário preocupado por<br />

parte do nosso herói...<br />

-Não vai matar o coitado? Me parece que está sendo um pouco violento<br />

<strong>de</strong>mais.<br />

Com ar amenizador, Tik acen<strong>de</strong>u um cigarro, <strong>de</strong>u algumas tragadas e<br />

disse tranquilamente:<br />

-Não se preocupe. Esses bandidos têm o couro bem duro. Para a obtenção<br />

<strong>de</strong> informação confiável tem que bater com vonta<strong>de</strong>!<br />

Xet trabalhava incessantemente com as mãos e os pés. Era uma máquina<br />

<strong>de</strong> bater...<br />

-Vai falando. On<strong>de</strong> é a base da quadrilha?<br />

O bandido tentava se reerguer, mas prontamente era <strong>de</strong>rrubado pela<br />

avalancha <strong>de</strong> pancadas que recebia.<br />

Xet, incansável e impiedoso, arrastou o infeliz para uma ca<strong>de</strong>ira on<strong>de</strong> o<br />

sentou.<br />

Pegou um pedaço <strong>de</strong> fio ligado à re<strong>de</strong> elétrica da nave e colocou sua ponta<br />

<strong>de</strong>scascada na língua do pirata.<br />

Com a energia elétrica aplicando-lhe choques, o bandido teve imediata<br />

diarreia e só então pediu para que a tortura parasse.<br />

Percebendo o sobressalto <strong>de</strong> Alex Randall diante daquela cena violenta, Tik<br />

disse:<br />

-Não fique com muita pena <strong>de</strong>sse pobre diabo. É um dos lí<strong>de</strong>res do bando e<br />

pediu pelo que está recebendo. Já fez mal para muita gente e têm centenas <strong>de</strong><br />

mortes nas suas costas.<br />

Nesse ínterim, Xet obteve o que queria: a localização do covil dos piratas.<br />

Ficava no cinturão <strong>de</strong> asterói<strong>de</strong>s que orbitava um planeta <strong>de</strong>sabitado fora,<br />

mas não muito distante do espaço jurisdicional alfaloriano.<br />

-Temos agora que enviar toda essa turma para um presídio <strong>de</strong> segurança<br />

máxima em seguida, partir para efetuar a prisão do resto do bando.<br />

Tik tirou o comunicador do seu bolso e disse:<br />

-Computador: enviar sinal criptografado para o QG do comando espacial<br />

200


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

solicitando reforços.<br />

Em seguida. Guardou o comunicador <strong>de</strong> volta e disse:<br />

-Agora teremos <strong>de</strong> esperar até os reforços chegarem. Dá tempo <strong>de</strong> comer<br />

alguma coisa...<br />

-Caramba, velho! – Bradou Xet. – Só pensa em comer?<br />

-Não! Também quero tomar alguns litros <strong>de</strong> cerveja e <strong>de</strong>pois fumar um ou<br />

dois cigarrinhos.<br />

-Tem um restaurante na minha astronave com diversas opções no seu<br />

cardápio. – comentou Alex Randall. – Gostaria <strong>de</strong> convidá-los para uma refeição e<br />

um bate papo.<br />

Todos se olharam sorri<strong>de</strong>ntes.<br />

Nem era necessário dizer que aceitaram o convite...<br />

-Será que vou po<strong>de</strong>r comer uma montanha <strong>de</strong> batatas fritas?<br />

-E o que mais quiser... – Disse Alex Randall<br />

Seguiam então para o restaurante a bordo do Viajante das Estrelas...<br />

Não tiveram porém tempo para apreciar a tão esperada refeição.<br />

***<br />

Após o chamado, os reforços pedidos ao COMANDO ESPACIAL chegaram.<br />

Eram mais ou menos cem naves <strong>de</strong> conformação idêntica à dos agentes<br />

alfalorionos.<br />

Uma <strong>de</strong>las, a capitânia, a<strong>de</strong>ntrou no hangar on<strong>de</strong> foi recebida por nosso<br />

herói e seus convidados.<br />

Dela saíram vários outros agentes alfalorionos e ainda, um homem <strong>de</strong><br />

longas barbas brancas e terno preto.<br />

-O Marshall veio pessoalmente acompanhar a operação. – Disse Xet.<br />

-Quem é o Marshall? – Perguntou Alex Randall.<br />

-Briga<strong>de</strong>iro Marshall é o nosso chefe. – Disse Tik. – Se ele veio aqui<br />

pessoalmente e <strong>de</strong> modo tão rápido, é porquê a coisa está quente...<br />

Briga<strong>de</strong>iro Marshall foi apresentado a Alex Randall e, o primeiro, não<br />

per<strong>de</strong>u tempo com conversa mole, indo direto ao assunto:<br />

-Vim aqui para pedir-lhe um favor...<br />

-Pois não! - Prontificou-se nosso herói.<br />

-O senhor dispõe <strong>de</strong> tecnologia capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarmar os piratas sem muita<br />

violência ou gasto <strong>de</strong> energia. Dada a urgência com que precisamos pren<strong>de</strong>r estes<br />

<strong>de</strong>linqüentes, queria pedir para que acompanhasse nossos agentes até a base<br />

201


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

dos marginais a fim <strong>de</strong> facilitar nosso serviço.<br />

-Claro. Des<strong>de</strong> que os direitos dos bandidos não sejam violados! Não quero<br />

participar <strong>de</strong> nenhuma carnificina.<br />

-Compreendo suas preocupações. Sei que o acompanhou um interrogatório<br />

on<strong>de</strong> o prisioneiro foi tratado com alguma dureza, mas veja: esta foi uma<br />

oportunida<strong>de</strong> única que nos <strong>de</strong>u <strong>de</strong> capturar boa parte do bando viva... Como<br />

precisávamos obter urgentemente informações dos maus elementos, tivemos <strong>de</strong><br />

optar por medidas drásticas.<br />

-E quando partimos? – Perguntou Tik.<br />

-Imediatamente. – Or<strong>de</strong>nou Marshall. – Quero botar na ca<strong>de</strong>ia essa<br />

quadrilha o mais rapidamente possível.<br />

Imediatamente porém foi modo <strong>de</strong> dizer pois, no final das contas ainda foi<br />

gasto algum tempo com estudos <strong>de</strong> táticas e estratégias que <strong>de</strong>ssem à operação<br />

o máximo <strong>de</strong> eficiência possível.<br />

Só <strong>de</strong>pois disso tudo é que finalmente todos partiram.<br />

Cada um para o seu <strong>de</strong>stino pré-<strong>de</strong>finido.<br />

O Viajante das Estrelas com Alex Randall e os quatro agentes para o covil<br />

dos bandidos e o restante da frota assistiria os momentos iniciais dos combates à<br />

distância.<br />

Num momento posterior, ela atacaria o inimigo nos pontos on<strong>de</strong> este ainda<br />

estivesse oferecendo resistência.<br />

Não foram necessários mais que alguns momentos <strong>de</strong> viagem até a<br />

chegada ao alvo.<br />

Assim que a distância foi suficiente, os armamentos do Viajante das<br />

Estrelas mostrou sua eficiência.<br />

A expectativa positiva que se havia sobre o sucesso do ataque foi até<br />

superada.<br />

Instaladas em vários asterói<strong>de</strong>s, diversas bases dos piratas subitamente<br />

ficaram sem iluminação ou energia elétrica, seus armamentos também.<br />

O que se seguiu não foi a típica batalha espacial com raios brilhantes<br />

cortando o negrume com explosões assombrosas e barulhentas, assim como se<br />

vê nos tradicionais filmes <strong>de</strong> ficção científica.<br />

Pelo contrário: valendo-se da súbita escuridão, uma nova fase do ataque<br />

teve início: robôs foram lançados a partir do Viajante das Estrelas contra os<br />

sistemas <strong>de</strong> ventilação e <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> vida das diversas bases nos asterói<strong>de</strong>s.<br />

Silenciosamente, as engenhocas lançaram na atmosfera respirada pelos<br />

bandidos, gases soníferos extremamente potentes colocando para dormir a<br />

gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>les.<br />

202


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

As instalações on<strong>de</strong> se encontravam os lí<strong>de</strong>res dos piratas foi tomada e<br />

seus ocupantes aprisionados sem uso da violência.<br />

Foram encontrados mapas com a localização <strong>de</strong> outros escon<strong>de</strong>rijos dos<br />

malfeitores naquele agrupamento <strong>de</strong> asterói<strong>de</strong>s que também acabaram sendo<br />

dominados posteriormente.<br />

Graças à tecnologia disponível no Viajante das Estrelas, a prisão <strong>de</strong> toda a<br />

quadrilha se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> uma só vez e sem maiores problemas, mesmo assim, o fato<br />

acabou chamando a atenção.<br />

Gradualmente, aquela localida<strong>de</strong>, normalmente inóspita e pouco habitada,<br />

foi ganhando mais movimento com a chegada <strong>de</strong> diversos representantes <strong>de</strong><br />

forças <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> mundos e fe<strong>de</strong>rações planetárias cujos viajantes já<br />

haviam sido vítima dos piratas naquelas ou em outras paragens.<br />

E não tardou muito mais para que a imprensa também <strong>de</strong>sse as caras.<br />

Apesar da infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> naves espaciais das mais variadas formas, cores,<br />

classes e procedências, era o Viajante das Estrelas que naquela situação mais se<br />

<strong>de</strong>stacava, dado o seu tamanho que superava o das <strong>de</strong>mais.<br />

Os olhos alí começaram a se impressionar com a nave do nosso herói.<br />

Alex Randall por sua vez, não pretendia ter as atenções muito voltadas para<br />

si, visto que, sempre viajaria sozinho pelo espaço, e, num momento diferente,<br />

quem estivesse interessado em vingança, po<strong>de</strong>ria atacá-lo com superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

armamento e condições <strong>de</strong> combate.<br />

Pensando nisso, resolveu pedir autorização ao briga<strong>de</strong>iro Marshall para<br />

<strong>de</strong>ixar o local.<br />

Explicando os seus motivos, esta lhe foi imediatamente concedida.<br />

Antes <strong>de</strong> partir porém, resolveu oferecer uma festa aos amigos agentes do<br />

comando espacial alfaloriono:<br />

-Briga<strong>de</strong>iro, eu garanto a cerveja aos bal<strong>de</strong>s. montanhas <strong>de</strong> filés com<br />

batatas fritas e até acesso aos meus simuladores virtuais <strong>de</strong> sexo.<br />

-Infelizmente teremos <strong>de</strong> recusar! Agra<strong>de</strong>ço! Sei que os agentes Tik e Xet<br />

ficarão chateados comigo, especialmente Tik que é um velho pervertido, mas, eles<br />

já foram escalados para uma missão urgente em um planeta distante.<br />

Briga<strong>de</strong>iro Marshall agra<strong>de</strong>ceu a Alex Randll e <strong>de</strong>spediu-se <strong>de</strong>ste<br />

prometendo para o futuro, um encontro com mais tranqüilida<strong>de</strong>.<br />

Nosso herói entrou em contato com os agentes através dos comunicadores<br />

do Viajante das Estrelas já que, àquelas alturas estava sozinho na central <strong>de</strong><br />

comando <strong>de</strong> sua astronave.<br />

-Esse Marshall é um chefe dos diabos mesmo. – Praguejou Kit, que na<br />

imagem que se projetava adiante <strong>de</strong> Alex Randall virou a cabeça para o lado<br />

203


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

dizendo:<br />

-Viu só, Xet? Ainda não <strong>de</strong>ixou que nós saboreássemos as <strong>de</strong>lícias do<br />

cardápio.<br />

-Do cardápio você só iria querer saber <strong>de</strong>pois que passasse pelos<br />

simuladores <strong>de</strong> sexo, seu velho carcomido! - Disse Xet.<br />

-Certamente. - Complementou Tigrus Jack. - Mas antes ele iria precisar da<br />

pílula mágica que fiz para ele.<br />

-A tal que você <strong>de</strong>u para ele namorar aquela gorda gigante? - Indagou o Tik<br />

jovem.<br />

Tik.<br />

-Exato.<br />

-Ei! Vocês estão acabando com a minha moral por aqui! - Praguejou o velho<br />

-Tudo bem, camelo velho! Mas isso é culpa do Marshall. Tanto que,<br />

merece até um pedido <strong>de</strong> aumento ao encerramento da nossa missão. – Disse<br />

Xet.<br />

-De qualquer forma, no futuro nos encontraremos e vou lembrar <strong>de</strong>sse<br />

convite... - Emendou Tik.<br />

-E disso você po<strong>de</strong> ter certeza. - Disse Xet. - Esse velho é tão chato que vai<br />

até acabar com as paciências das suas garotas virtuais.<br />

-Santa blasfêmia! Você sabe muito bem que são as mulheres que mudam<br />

do vinho para a água <strong>de</strong>pois que um simples namoro começa. Nisso tenho razão<br />

porquê levo muito mais experiência que todos vocês juntos....<br />

Alex Randall não continha as gargalhadas ao ouvir toda aquela besteirada,<br />

mas, teria que se <strong>de</strong>spedir dos companheiros e seguir seu rumo.<br />

Logo em seguida, sem muito mais conversa mole, o Viajante das Estrelas e<br />

a nave dos agentes se separaram, cada uma seguindo o próprio caminho.<br />

***<br />

204


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N. 21 DE ALEX RANDALL<br />

Alex Randall percebeu que combater o crime é mais ou menos como<br />

enxugar gelo num ambiente com frio abaixo <strong>de</strong> zero.<br />

O trabalho nunca termina.<br />

Assim que <strong>de</strong>ixou o cinturão <strong>de</strong> asterói<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> o comando espacial<br />

surpreen<strong>de</strong>ra os piratas, encontrou no caminho, uma nave parcialmente <strong>de</strong>struída,<br />

sendo canibalizada por outra, com a típica configuração daquelas usadas pelos<br />

bandidos espaciais.<br />

Assim que o Viajante das Estrelas foi <strong>de</strong>tectado, a tripulação dos<br />

malfeitores <strong>de</strong>u início à retirada e, logo que nosso herói chegou ao local, os vilões<br />

já haviam se evadido.<br />

Observando o estrago da nave atacada já dava para perceber o que havia<br />

acontecido.<br />

Os piratas a surpreen<strong>de</strong>ram atingindo seus motores, fazendo com que<br />

fosse obrigada a parar, em seguida, abordaram-na, mataram toda sua tripulação e<br />

saquearam tudo o que foi possível, não poupando peças do motor ou da<br />

carcaça...<br />

Por conseguinte, a nave canibalizada ficou em péssimas condições.<br />

Nada mais havia restado <strong>de</strong>la em algumas <strong>de</strong> suas partes, só o esqueleto.<br />

Por questão <strong>de</strong> consciência, pois, quem sabe àquelas alturas ainda po<strong>de</strong>ria<br />

salvar vidas, e, até para registro, enviou vários robôs aos <strong>de</strong>stroços.<br />

A <strong>de</strong>solação era total. Aparentemente, não havia nada alí que pu<strong>de</strong>sse ser<br />

salvo.<br />

Os sistemas <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> vida do que restou da nave estavam<br />

inoperantes.<br />

Os robôs permaneceram um tempão registrando tudo, até o momento que<br />

Alex Randall <strong>de</strong>cidiu seguir viagem.<br />

No último momento, antes da partida, foi <strong>de</strong>scoberto um cilindro com três<br />

metros <strong>de</strong> cumprimento flutuando num dos compartimentos da nave.<br />

Tratava-se <strong>de</strong> uma célula <strong>de</strong> salvamento e sobrevivência muito comum em<br />

naves <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> passageiros.<br />

Foi percebida graças às luzes que piscavam alternadamente em seu bojo.<br />

Alí <strong>de</strong>ntro po<strong>de</strong>ria haver algum ser vivo.<br />

A célula foi levada para o Viajante das Estrelas.<br />

***<br />

205


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A célula <strong>de</strong> sobrevivência não tinha janelas; era totalmente blindada e<br />

dispunha apenas <strong>de</strong> alavancas e registros que permitiam sua abertura.<br />

No painel externo afixado ao exterior da célula, haviam indicadores do tipo<br />

<strong>de</strong> atmosfera e pressão existente no seu interior.<br />

Porém, estes se encontravam quebrados e, sem essa informação, não dava<br />

para sequer tentar uma boa adivinhação <strong>de</strong> que tipo <strong>de</strong> criatura sairia dalí.<br />

Alex Randall acompanhou todos os procedimentos a que a célula foi<br />

submetida até a chegada do momento da sua abertura.<br />

A segurança foi reforçada e ela, levada para um ambiente controlado.<br />

Dentro <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> total isolado, braços robotizados acionaram os<br />

mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stravamento e então a aparência do ocupante do artefato foi<br />

revelada.<br />

Alex Randall esperava tudo, menos aquilo com que se <strong>de</strong>parou.<br />

***<br />

Era a mulher mais linda que nosso herói já vira em toda a sua vida.<br />

Foi retirada <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da célula e colocada numa maca <strong>de</strong> alta tecnologia<br />

on<strong>de</strong> imediatamente já monitorada.<br />

Com isso, vieram as novida<strong>de</strong>s.<br />

Mesmo tendo aparência humana, a fêmea tinha distinções que a<br />

diferenciavam ligeiramente no seu complexo biológico da mulher terráquea.<br />

O bom senso recomendava que fosse levada para a central médica do<br />

Viajante das Estrelas on<strong>de</strong> ficaria em observação.<br />

Assim foi feito.<br />

A biblioteca do Viajante das Estrelas dispunha <strong>de</strong> pouca informação a<br />

respeito da raça a que pertencia aquela mulher portanto, a pouca que conseguiu,<br />

foi através do computador que havia na própria célula.<br />

<strong>de</strong>la.<br />

Primeiramente dava uma localização muito aproximada do mundo natal<br />

Depois, informava que ela era uma princesa <strong>de</strong> um império cuja extensão<br />

eqüivalia aos limites do seu sistema planetário.<br />

Informava ainda que ela fugia <strong>de</strong> uma violenta revolução que se abatera no<br />

seu mundo e que ainda mortalmente vitimara e tirara seus pais do po<strong>de</strong>r.<br />

Sua nave dirigia-se para Alfalorion.<br />

Além da belda<strong>de</strong>, também carregava muitos tesouros que garantiriam a ela<br />

durante longo tempo, uma tranquila estadia no capital universal dos prazeres.<br />

206


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Infelizmente, a nave foi interceptada pelos piratas que, só não levaram a<br />

célula on<strong>de</strong> estava <strong>de</strong>vido à chegada do Viajante das Estrelas.<br />

Nosso herói naquele momento estava preocupado com outros <strong>de</strong>talhes.<br />

Fascinado com beleza tão estupenda, esperou o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong>la.<br />

Contemplando-a perdia a noção do tempo.<br />

A formosura do corpo e do rosto era extraordinária, porém, o que mais<br />

chamava a atenção além da altura (algo em torno <strong>de</strong> um metro e noventa) era o<br />

tamanho dos seios.<br />

Não eram gran<strong>de</strong>s. Eram gigantes! Colossais!<br />

Dos que <strong>de</strong>ixam os <strong>de</strong>savisados hipnotizados sem piscar...<br />

Os bicos <strong>de</strong>les... Pareciam chupetas prontas para o uso...<br />

Nosso abestalhado herói lembrou que suas obrigações não se resumiam ao<br />

salvamento <strong>de</strong> uma única vida.<br />

Os <strong>de</strong>stroços da nave atacada po<strong>de</strong>riam ter mais alguém aguardando por<br />

socorro.<br />

Já que a belda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>spertou, Alex Randall retornou à central <strong>de</strong><br />

comando <strong>de</strong>ixando sua paciente nas hábeis mãos dos médicos e enfermeiros<br />

robotizados, enquanto acompanharia os trabalhos <strong>de</strong> busca...<br />

***<br />

Os resultados das novas buscas foram negativos.<br />

Dentro dos <strong>de</strong>stroços da nave, em diversos compartimentos <strong>de</strong>sta, os robôs<br />

localizaram apenas os cadáveres.<br />

Nem nos escombros ou mesmo nas imediações, haviam sobreviventes...<br />

As atenções então voltavam-se agora para a maravilha <strong>de</strong> cabelos claros<br />

que ainda repousava tranqüila na central médica.<br />

Os melhores recursos que a tecnologia médica punha à disposição da raça<br />

humana não eram capazes <strong>de</strong> trazer à conciência aquela mulher...<br />

Mesmo com sua visitante ainda <strong>de</strong>sacordada, Alex Randall adiantou<br />

procedimentos que facilitariam a comunicação logo que acordasse.<br />

Inseriu na corrente sanguínea <strong>de</strong>la, nano-robôs construídos a partir <strong>de</strong><br />

elementos orgânicos que, a<strong>de</strong>riram à algumas regiões do seu cérebro.<br />

Enquanto ela estivesse inconsciente, eles lhe ensinariam o idioma <strong>de</strong> Alex<br />

Randall.<br />

Alguns ajustes eventualmente po<strong>de</strong>riam ser feitos com o tempo caso se<br />

fizessem necessários.<br />

207


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Mas, para que estes fossem i<strong>de</strong>ntificados, ainda restava faze-la acordar...<br />

O tempo passava e nosso herói começava a se preocupar.<br />

Até on<strong>de</strong> os registros do Viajante das Estrelas tinham conhecimento, tanto<br />

sono não era comum às mulheres daquela raça...<br />

Nosso herói já tentara <strong>de</strong> tudo para fazê-la <strong>de</strong>spertar, até já lhe tascara a<br />

tradicional beijoca da bela adormecida nos lábios, mas, nada funcionou.<br />

Tristemente <strong>de</strong>siludido, a realida<strong>de</strong> mostrou-lha a duras penas que não<br />

tinha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>spertador dos príncipes encantados das fábulas.<br />

Frequentemente passava algum tempo sentado ao lado do leito da<br />

dorminhoca analisando os relatórios médicos, mas, apesar <strong>de</strong> seus esforços, nada<br />

encontrava que pu<strong>de</strong>sse ajudar a solucionar aquela questão.<br />

Numa <strong>de</strong>ssas ocasiões, nem bem se <strong>de</strong>itando direito, acabou caindo no<br />

sono <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto ler...<br />

***<br />

Abriu os olhos e notou que o ambiente na central médica estava diferente,<br />

parecia mais escuro.<br />

Reparou também que sobre a cabeça <strong>de</strong> sua visitante havia um brilho<br />

incomum que se <strong>de</strong>stacava naquela atmosfera turva.<br />

Tentou levantar-se mas o seu corpo parecia pesado <strong>de</strong>mais.<br />

Era como se a ação <strong>de</strong> várias gravida<strong>de</strong>s impedisse seus movimentos.<br />

O brilho que até então iluminava a cabeça da mulher moveu-se penetrando<br />

no corpo <strong>de</strong>la pela sua testa.<br />

O ambiente ficou mais escuro, ao que, nosso herói tentou questionar o<br />

Cérebro Computadorizado da astronave, a fim <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o fenômeno que se<br />

<strong>de</strong>senvolvia, mas, sua voz se recusava a sair.<br />

O pânico começou a tomar conta do nosso herói pois, a situação que<br />

passava, evi<strong>de</strong>nciava seu inesperado estado <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> total.<br />

O temor porém, durou pouco, já que, outro fato chamou-lhe a atenção: sua<br />

visitante abriu os olhos e sentou-se no leito.<br />

A forma como a via também era digna <strong>de</strong> nota já que, sua imagem era<br />

translúcida e, ao mesmo tempo que a via sentada, também a via <strong>de</strong>itada e<br />

inconsciente.<br />

Ouviu então uma voz feminina e suave dizer-lhe:<br />

-Não sou a mulher que você está vendo.<br />

Nosso herói já estava bastante confuso com a situação e ficou ainda mais<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir aquilo.<br />

208


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A voz parecia vir <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua cabeça e ainda, da boca das imagens<br />

das mulheres.<br />

-Não tema! Minhas intenções são pacíficas...<br />

Ainda assim nosso herói sentia-se perturbado...<br />

-Tranqüilize-se...<br />

A voz era calma e acabou por sossegar Alex Randall.<br />

Sua visão porém foi ficando meio <strong>de</strong>sfocada, como se estivesse <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma piscina...<br />

-Não estou conseguindo enxergar direito. Tudo parece estar escurecendo.<br />

-Você não está me enxergando realmente! O que você via não condiz com<br />

a realida<strong>de</strong>.<br />

Alex Randall surpreen<strong>de</strong>u-se com a resposta.<br />

-O que está acontecendo?<br />

-Eu entrei no seu inconsciente para lhe visitar antes <strong>de</strong> seguir meu<br />

caminho.<br />

-Visita? No meu inconsciente?<br />

-Minha existência não se dá no plano material como a sua. Minha vida só<br />

se dá no pensamento...<br />

Alex Randall estava confuso.<br />

Tentava imaginar o que seria uma criatura viva feita apenas <strong>de</strong><br />

pensamentos...<br />

- Até o momento <strong>de</strong>sse encontro eu era uma forma vazia vagando pelo<br />

universo. Um pensamento oco. Tudo via e ouvia, mas, nada assimilava ou<br />

compreendia.<br />

“A partir do salvamento que você realizou, passei a dar mais atenção ao<br />

fluxo do pensamento no seu cérebro, no <strong>de</strong> sua visitante e até no do Cérebro<br />

Computadorizado da sua astronave.”<br />

“Aprendi com nosso encontro, e agora, penso <strong>de</strong> modo diferente <strong>de</strong> antes<br />

<strong>de</strong> observa-los.”<br />

“Manifestei-me aqui para mostrar um pouco da minha gratidão...”<br />

-Mas agra<strong>de</strong>cimento pelo que?!? Não fiz nada. – Disse Alex Randall.<br />

-O breve tempo que os observei foi suficiente para apren<strong>de</strong>r o que sei.<br />

-Me parece que você fez tudo por conta própria. Não vejo mérito da minha<br />

parte no caso, e acho, que nem sou digno <strong>de</strong> tanto agra<strong>de</strong>cimento.<br />

-Não é só agra<strong>de</strong>cimento. Sua visitante <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>spertada e tenho<br />

capacida<strong>de</strong> para fazer isso com segurança. Estimularei algumas regiões do<br />

cérebro <strong>de</strong>la que a farão acordar. Fica então a expressão da minha gratidão.<br />

209


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O quadro que nosso herói visualizava naquele momento foi ficando cada<br />

vez mais escuro até se enegrecer totalmente.<br />

Nesse momento, Alex Randall voltava a dormir o sono dos justos sem ser<br />

consciente ou inconscientemente interrompido.<br />

***<br />

Abriu os olhos e notou que o ambiente da central médica havia voltado ao<br />

normal.<br />

As luzes, com seu costumeiro brilho, os paineis <strong>de</strong> controle dos<br />

instrumentos piscando e a sua visitante dormindo!<br />

Lentamente, nosso herói foi colocando as idéias em or<strong>de</strong>m.<br />

Relembrou o sonho estranho que tivera.<br />

Teria alguma base na realida<strong>de</strong>?<br />

Existiria alguma criatura constituída apenas <strong>de</strong> pensamentos?<br />

Alex Randall refletia longamente.<br />

Sabia que através dos meios que a tecnologia dispunha à sua época, não<br />

conseguiria comprovar a existência <strong>de</strong> tal ser...<br />

Resolveu <strong>de</strong>bater com o Cérebro Computadorizado aquela questão:<br />

-Sonhei com uma criatura que se dizia feita só <strong>de</strong> pensamento e que tinha<br />

aprendido o que sabia nos absorvendo...<br />

-Isso talvez explique o fato <strong>de</strong> que foi registrada a presença <strong>de</strong> um campo<br />

elétrico invisível <strong>de</strong> baixa intensida<strong>de</strong> nesse setor do espaço que permaneceu em<br />

ativida<strong>de</strong> até bem pouco tempo antes do seu <strong>de</strong>spertar. Também foi notada uma<br />

interferência <strong>de</strong>sse campo no funcionamento da central <strong>de</strong> armazenamento <strong>de</strong><br />

dados.<br />

Alex Randall ficou arrepíado!<br />

-Que espécie <strong>de</strong> interferência?<br />

-Não foi danosa! Durou pouco.<br />

-Acessou alguma coisa?<br />

-Provavelmente nada, foi uma tentativa muito rápida, que, se realmente<br />

houve, <strong>de</strong> qualquer modo teria sido ineficaz.<br />

Alex Randall ainda não se dava por convencido.<br />

Surpreen<strong>de</strong>u porém, com o súbito suspiro que aquela fantástica belda<strong>de</strong><br />

logo <strong>de</strong>u .<br />

Que <strong>de</strong>licioso gemido!<br />

Alex Randall <strong>de</strong>u um salto digno dos melhores ginastas e, numa fração <strong>de</strong><br />

210


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

segundo seu rosto se encontrava colado ao <strong>de</strong>la.<br />

Então <strong>de</strong>spertou. Abriu os olhos, <strong>de</strong>u um radiante dizendo:<br />

-Você é Alex Randall? – Ela perguntou.<br />

-Sim.<br />

-Então <strong>de</strong>vo lhe agra<strong>de</strong>cer! Sonhei com alguém me dizendo que você me<br />

salvou da morte certa além <strong>de</strong> ser um sujeito legal..<br />

Alex Randall foi surpreendido com um <strong>de</strong>licioso beijo <strong>de</strong>la.<br />

***<br />

211


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N. 22 DE ALEX RANDALL<br />

Não restava dúvida que os implantes <strong>de</strong> idioma na visitante foram bem<br />

sucedidos.<br />

-Mas o seu bafo está <strong>de</strong> matar mesmo, hem... - Ela reclamou logo <strong>de</strong> cara.<br />

Alex Randall até se afastou constrangido.<br />

Ela tinha razão.<br />

Há um bom tempo não escovava os <strong>de</strong>ntes ou tomava banho e até mijo<br />

estava fe<strong>de</strong>ndo.<br />

Tão preocupado vivia com seus afazeres que os cuidados com a aparência<br />

já não eram os mesmos <strong>de</strong> outros tempos.<br />

Mais parecia um velho lobo do espaço, com pele branca, olheiras<br />

profundas, <strong>de</strong>ntes manchados e cabelos sebosos amarelentos..<br />

Resolveu dar um jeito nisso...<br />

-Queira me perdoar por esta <strong>de</strong>satenção. – Disse Alex Randall.- Volto daqui<br />

a pouco. Deixo-a temporariamente acompanhada <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> meus robôs que<br />

irão atendê-la em todas as suas necessida<strong>de</strong>s.<br />

O daqui a pouco não foi assim tão rápido quanto esperado já que ele quis<br />

fazer uma funilaria completa.<br />

Teve que tomar banho com ácidos especiais para se livrar da crosta e a<br />

sujeira mais dura.<br />

Deu um trato na barba, no cabelo e até nas unhas que a tempos i<strong>memoriais</strong><br />

se encontravam horríveis e tenebrosas.<br />

Nunca antes fora tão vaidoso ou cuidadoso com o visual como naquele<br />

momento.<br />

Usaria terno e sapatos pretos, camisa e meias brancas.<br />

Limpo, perfumado, bem vestido e arrumado, Alex Randall até levava pinta<br />

<strong>de</strong> galã.<br />

Mesmo com toda a fachada bacana, aquela situação o levava a um certo<br />

nervosismo, já que, as únicas companhias femininas não virtuais cuja companhia<br />

tivera o prazer <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar ocorreu a bastante tempo, certamente, pouco antes da<br />

sua partida do sistema solar.<br />

Reencontrou sua visitante que àquelas alturas estava trajada (Os exames<br />

médicos realizados antes da sua liberação, exigiam que ela ficasse nua.) com<br />

roupas negras, brilhantes e justas, que a <strong>de</strong>ixaram ainda mais encantadora...<br />

Finalmente se apresentaram...<br />

-Sou Alex Randall da Terra.<br />

212


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Eu sou Walkíria, mas, po<strong>de</strong> me chamar <strong>de</strong> Wal.<br />

E que voz sensual...<br />

Relaxada e tranqüila soava como música para os ouvidos masculinos.<br />

Ouvindo-a, nosso herói ficou abobado por alguns momentos.<br />

Logo então, colocou as i<strong>de</strong>ias em or<strong>de</strong>m voltando à realida<strong>de</strong> do<br />

momento.<br />

-Bem vinda a bordo do Viajante das Estrelas. Quero que se sinta em casa.<br />

A mulher abriu um sorriso e nosso herói ficou até ofuscado ao contemplá-lo.<br />

Novamente se recompôs e ofereceu-lhe um vaso com uma varieda<strong>de</strong> floral<br />

que estava cultivando nas plantações do Viajante das Estrelas.<br />

-No meu mundo é hábito o homem presentear uma mulher por quem<br />

simpatiza com flores. Essas aqui são para você.<br />

-Ah! Obrigado! Nem sei como agra<strong>de</strong>cer.<br />

-Não precisa! Basta me acompanhar num passeio. Gostaria <strong>de</strong> conhece-la!<br />

-Claro! Por-quê não?<br />

Alex Randall e Walkíria perambularam pelo Viajante das Estrelas por um<br />

bom tempo até finalmente resolverem passear pelo parque artificial no interior da<br />

astronave.<br />

Na verda<strong>de</strong>, não tão artificial assim, já que, suas plantas eram naturais e<br />

muitos outros elementos alí presentes também.<br />

Mas, o quê <strong>de</strong> tecnologia que valeria ser lembrado alí presente, eram as<br />

câmeras, sensores e robôs posicionados <strong>de</strong> modo a permitir o melhor estudo<br />

possível da vida daqueles vegetais em ambiente artificial.<br />

Para facilitar a movimentação, havia um pequeno monotrilho <strong>de</strong> dois<br />

vagões que cortava o gigantesco ambiente pelo alto.<br />

O trem parou em meio às árvores e da sua lateral uma rampa projetou-se<br />

em direção ao chão justamente da parte inferior <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ficava a porta. Esta, se<br />

abriu com um chiado permitindo ao casal <strong>de</strong>sembarcar próximo à vegetação.<br />

A conversa era animada, e num momento on<strong>de</strong> o casal só parecia<br />

encontrar afinida<strong>de</strong>s em comum.<br />

Alex Randall sentia-se a cada momento mais apaixonado por ela .<br />

E não só isso, <strong>de</strong> tanto olhar, quase não conseguia conter sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

transar com ela.<br />

Fissurado como estava ficando, tentava não dar muito na cara explicando<br />

sobre a música ambiente que era tocada:<br />

-Determinados tipos <strong>de</strong> sons influenciam mais ou menos no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das plantas.... Aqui, variamos as seleções musicais para obter<br />

diferentes resultados nos seus crescimentos.<br />

213


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

As tais influencias não se restringiam apenas aos vegetais.<br />

De alguma forma, Walkíria parecia meio que hipnotizada por Alex e toda<br />

aquela verborragia técnica que ele <strong>de</strong>spejava na orelha <strong>de</strong>la.<br />

***<br />

E então, sem mais nem menos, espontaneamente, sabe se lá por iniciativa<br />

<strong>de</strong> quem, os dois se beijaram...<br />

Tão gran<strong>de</strong> e intenso foi aquele fogo, que logo se alastrou como incêndio,<br />

que daí se converteu em abraços, agarrões e coisas que tais.<br />

Persistiram as calorosas <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> afeto e carinho que <strong>de</strong>scambou<br />

para a conjunção carnal <strong>de</strong> fato!<br />

Alí mesmo, transaram em todas as posições possíveis durante horas<br />

seguidas.<br />

Depois <strong>de</strong> tanta ativida<strong>de</strong> física para um pinto que só se exercitava com as<br />

bucetas geradas virtualmente, nosso herói apagou.<br />

***<br />

Enquanto dormiu, teve sonhos fantásticos, num <strong>de</strong>les, sentava na garupa<br />

<strong>de</strong> um cavalo branco conduzido por Walkíria...<br />

Abraçou-a passando a mão pela cinturinha <strong>de</strong>la, e, finalmente, segurando<br />

os gran<strong>de</strong>s peitões...<br />

Cavalgando num céu zaul entre as nuvens junto àquela belda<strong>de</strong>, tirou um<br />

cachimbo do bolso, acen<strong>de</strong>u-o (apesar do vento) e, fortemente agarrado ao corpo<br />

<strong>de</strong>la, pensou enquanto dava algumas baforadas...<br />

-O que mais um homem po<strong>de</strong>ria querer na vida?<br />

Acordou. Deitado no chão, junto à sua amada, Alex Randall estava<br />

exatamente na mesma posição dos sonhos.<br />

Assim que abriu os olhos, a loura sensual atacou-o com beijos e abraços<br />

tentando aplacar o acesso <strong>de</strong> fome <strong>de</strong> sexo que a acudia naquele momento.<br />

Nosso herói mais uma vez não resistiu.<br />

Transaram novamente...<br />

***<br />

E finalmente os estomagos começaram a roncar...<br />

-Traga-nos quatro “xis-tudo” gigantes com batatas fritas... – Or<strong>de</strong>nou nosso<br />

214


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

herói do espaço.<br />

Não <strong>de</strong>morou muito e um robô apareceu com as refeições.<br />

Alex Randall pegou uma das caixas <strong>de</strong> isopor que o robô trazia, abriu-a e<br />

<strong>de</strong>u para Walkíria.<br />

-Po<strong>de</strong> comer. No meu mundo esse aqui é um dos mais solicitados.<br />

Era um sanduíche realmente gran<strong>de</strong>, quase do tamanho <strong>de</strong> uma mini-pizza.<br />

Mal terminara <strong>de</strong> abrir a embalagem do seu, e Walkíria já havia terminado<br />

<strong>de</strong> comer o <strong>de</strong>la inteirinho.<br />

Nem mais três minutos se passaram, e ela <strong>de</strong>vorou também os outros dois,<br />

que não haviam sequer sido tocados.<br />

-Puxa...Você come bastante, hem... Quer mais?<br />

-É você que <strong>de</strong>sperta o meu apetite...Po<strong>de</strong> pedir mais um seis <strong>de</strong>sse aí que<br />

eu como sem problemas.<br />

Alex fêz o pedido e Walkíria logo complementou:<br />

-Ai...Eu adoro o jeito como você fala... Deixa eu te dar um beijo...<br />

Wal foi rápida e nosso herói não teve como escapar.<br />

Com algum esforço, ele conseguiu se <strong>de</strong>svencilhar <strong>de</strong>la dizendo:<br />

-Gata selvagem...Você não dá <strong>de</strong>scanso mesmo...Preciso comer e<br />

<strong>de</strong>scansar se não, vou passar mal...<br />

-Esta bem! Eu também preciso <strong>de</strong>scansar um pouco... Mas... Depois...<br />

Juntos comeram e <strong>de</strong>pois seguiram para a sala <strong>de</strong> observação do Viajante<br />

das Estrelas on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansaram.<br />

Por alguns décimos <strong>de</strong> segundo, um pensamento percorreu a mente do<br />

nosso herói...<br />

-Puxa! Com o fogo que esta mulher tem, logo estarei acabado!<br />

***<br />

Acordou sentindo um toque nos lábios.<br />

Era Wal que, naquele momento o <strong>de</strong>spertava dando um beijo.<br />

-Hmmm... Amorzinho...<br />

Ela já parecia bem quente. Pelo jeito que abraçava, beijava e chupava Alex,<br />

era mais que óbvio o seu objetivo.<br />

-Ei menina! Você precisa me dar <strong>de</strong>scanso. Desse jeito, não vai sobrar<br />

nada <strong>de</strong> mim.<br />

-Você <strong>de</strong>scansou bastante, gatinho. Agora vem cá!<br />

Sem chances <strong>de</strong> resistir, Alex viu-se obrigado a aten<strong>de</strong>r os <strong>de</strong>sejos daquela<br />

215


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

belda<strong>de</strong>.<br />

Algum tempo <strong>de</strong>pois já havia gozado três ou quatro vezes...<br />

Voltaram para o alojamento on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ram uma rápida folga.<br />

***<br />

Quando Alex ia para o banheiro percebeu que Walkíria não queria ficar<br />

longe <strong>de</strong>le por muito tempo...<br />

-On<strong>de</strong> vai gatinho?<br />

-Existem coisas que ninguém po<strong>de</strong> fazer por mim. Ir ao banheiro é uma<br />

<strong>de</strong>las.<br />

-Ok! Volte logo que eu já estou esperando e com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer mais...<br />

No banheiro, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma bela mijada é que Alex Randall percebeu como<br />

estava esgotado daquelas excessivas ativida<strong>de</strong>s sexuais<br />

Além do mais, parecia que ficava alguns quilos mais magro após cada<br />

trepada...<br />

Wal.<br />

-Essa mulher ainda vai acabar comigo, pensou ele dando um sorriso.<br />

Tomou banho, vestiu o seu tradicional uniforme preto e voltou para perto <strong>de</strong><br />

Deitou-se ao seu lado e ficou contemplando toda aquela beleza.<br />

Logo ela virou <strong>de</strong> frente para ele, agarrou-o, arrancou toda a sofisticada<br />

roupa que este acabara <strong>de</strong> vestir e colocou-o para transar novamente.<br />

Mais algumas horas o casal permaneceu naquela ativida<strong>de</strong> frenética até<br />

que nosso herói quedou inconsciente <strong>de</strong>vido ao cansaço.<br />

***<br />

Quando Alex Randall recobrou as forças e acordou, seu primeiro instinto foi<br />

o <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r o cachimbo ainda <strong>de</strong>itado.<br />

-Bem! Eu não queria que você fumasse na cama. Vai <strong>de</strong>ixar um cheiro ruim<br />

aqui e diminuirá o seu apetite quando transamos. e<br />

Ela fez uma pausa e continuou:<br />

-Você sabe que eu gosto <strong>de</strong> bastante sexo.<br />

Bastante sexo para Walkíria queria dizer horas ou mesmo dias seguidos <strong>de</strong><br />

tesão ininterrupto.<br />

Mesmo no caso <strong>de</strong> uma beleza estonteante e quase sobrenatural como a<br />

<strong>de</strong>la, por mais boa vonta<strong>de</strong> que um ser humano normal tivesse seria quase<br />

216


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

impossível ultrapassar <strong>de</strong>terminado limite <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> física...<br />

Mesmo transando!<br />

Para uma mulher como ela que parecia estar vivendo seus dias <strong>de</strong> cio e<br />

total fertilida<strong>de</strong> estando sempre pronta para o acasalamento, todo o incrível<br />

esforço <strong>de</strong> Alex Randall parecia minúsculo.<br />

-Você está fumando <strong>de</strong>mais! Precisa melhorar a performance! Vai ver só!<br />

Quando eu tiver um tempinho livre, acabarei com toda aquela sua imensa<br />

plantação <strong>de</strong> fumo que só ocupa espaço <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta nave.<br />

Assustado com a eventual realização da ameaça, sentiu uma quase<br />

incontrolável vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fumar. Deu uma disfarçada, saiu da cama, pegou os<br />

utensílios necessários, (diga-se aqui, o cachimbo, fumo e fogo) e entrou no<br />

banheiro.<br />

Escondido, daria suas tragadas, assim, quem sabe surgisse algumas idéia<br />

que eventualmente conseguisse aplacar a súbita fúria antitabagista <strong>de</strong>la.<br />

Logo com as suas primeiras baforadas, a fumaça alí <strong>de</strong>ntro ficou<br />

extremamente <strong>de</strong>nsa e quase irrespirável.<br />

Nesse momento então, a porta foi aberta.<br />

Era Walquíria invadindo o banheiro.<br />

-Alex, meu amor! Não po<strong>de</strong> fumar aqui <strong>de</strong>ntro.<br />

Mal disse isso e <strong>de</strong>smaiou com a fumaceira.<br />

Não suportou a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo aquele fumo!<br />

Mesmo com po<strong>de</strong>rosos exaustores funcionando, não foi possível para o<br />

cérebro computadorizado fazer algo por Walkíria a não ser provi<strong>de</strong>nciar o envio <strong>de</strong><br />

uma equipe médica robotizada para o quarto.<br />

Vendo-a inconsciente, Alex Randall quase não pô<strong>de</strong> conter uma enxurrada<br />

<strong>de</strong> palavrões.<br />

Não sabia se, <strong>de</strong> raiva pela impaciência <strong>de</strong>la, ou <strong>de</strong> arrependimento, por ter<br />

se trancado para fumar.<br />

Sabe-se lá quais as conseqüências que a pobre Walkíria sofreria em virtu<strong>de</strong><br />

disso.<br />

Foi levada com rapi<strong>de</strong>z para a enfermaria e lá passou a receber os<br />

melhores cuidados.<br />

Só restava a Alex Randall aguardar pelo seu <strong>de</strong>spertar já preparando um<br />

arsenal <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas...<br />

***<br />

O tempo passava e Walkíria não acordava.<br />

217


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

A cada momento que Alex Randall enfrentava a inconsciência da amada, o<br />

remorso e o arrependimento corroíam sua alma.<br />

Entretanto, o peso dos ombros ele diminuía tentando tudo o que podia para<br />

acorda-la sem causar-lhe mal.<br />

Contudo, haviam limitações que estavam evitando aquela questão <strong>de</strong> obter<br />

solução.<br />

A principal <strong>de</strong>las, era o fato ds bibliotecas médicas do Viajante das Estrelas<br />

terem poucas informações que pu<strong>de</strong>ssem ajudar no caso <strong>de</strong> Walquíria. Esse<br />

<strong>de</strong>talhe influenciava na hora na escolher da medicação a ser aplicada já que os<br />

efeitos nela eram completamente <strong>de</strong>sconhecidos..<br />

Só o que se podia fazer era monitorar os acontecimentos e aguardar<br />

pacientemente o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong>la.<br />

.<br />

***<br />

O tempo passou e, a certa altura ficava claro que não conseguiria acordar<br />

Walkíria somente com os recursos disponíveis no Viajante das Estrelas..<br />

Através dos sensores e instrumentos da astronave tentou localizar campos<br />

elétricos perdidos no espaço similares àquele que o cérebro computadorizado<br />

i<strong>de</strong>ntificou como sendo o estranho ser que <strong>de</strong>spertara Walkíria, mas, também aí<br />

não obteve sucesso.<br />

Diante da falta <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s cujos resultados favorecessem o <strong>de</strong>spertar<br />

<strong>de</strong> sua amada,.Alex Randall resolveu arriscar uma última cartada buscando ajuda<br />

no planeta natal <strong>de</strong> Walkíria.<br />

Cruzando informações do banco <strong>de</strong> dados do Cérebro Computadorizado<br />

com outras obtidas nos restos da nave on<strong>de</strong> a célula <strong>de</strong> sobrevivência fora<br />

resgatara, foram encontradas as coor<strong>de</strong>nadas para a realização <strong>de</strong> seu intento.<br />

Or<strong>de</strong>nou em seguida, a imediata partida do Viajante das Estrelas rumo ao<br />

mundo natal <strong>de</strong> Walkíria...<br />

Como sempre, o cérebro computadorizado interpôs suas objeções:<br />

-Esta viagem não é recomendável. Walkíria saiu <strong>de</strong> um sistema planetário<br />

on<strong>de</strong> ocorria uma revolução política. Ela é uma princesa do sistema <strong>de</strong>posto...<br />

-Estamos indo pedir ajuda para uma pessoa doente. Não é possível que<br />

essa mulherada não tenha este senso <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> para ajudar o próximo.<br />

***<br />

Não passou muito tempo para que a presença do Viajante das Estrelas<br />

218


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

naquela localida<strong>de</strong> fosse percebida.<br />

Prova disso foram os curiosos artefatos com quarenta metros <strong>de</strong><br />

cumprimento cada, similares a pontas <strong>de</strong> agulha, que apareceram ao redor da<br />

astronave.<br />

Inicialmente eram apenas duas ou três, <strong>de</strong>pois, foram chegando mais.<br />

Na central <strong>de</strong> comando, pelos comunicadores, chegou uma mensagem no<br />

idioma TRANSGALATIQUÊS 265: (reconhecido e por povos <strong>de</strong> outras duzentas e<br />

sessenta e cinco galáxias.)<br />

-Sua nave invadiu área reservada. Favor <strong>de</strong>sligar os motores, i<strong>de</strong>ntificar-se<br />

e informar o seu objetivo. Caso se negue a aten<strong>de</strong>r a uma ou todas as or<strong>de</strong>ns,<br />

será abatido. Compreen<strong>de</strong>?<br />

A situação não era para brinca<strong>de</strong>ira!<br />

Aquela turma não facilitava com a segurança.<br />

O Viajante das Estrelas po<strong>de</strong>ria escapar dalí rapidamente, mas, Alex<br />

Randall tinha <strong>de</strong> pensar na melhora <strong>de</strong> sua amada e portanto sujeitar-se às<br />

or<strong>de</strong>ns que recebia até mesmo para obter um socorro mais rapido.<br />

-Sou Alex Randall da Terra e estou trazendo uma conterrânea <strong>de</strong> vocês que<br />

necessita <strong>de</strong> urgente tratamento médico e ajuda.<br />

Feito o pedido a imagem <strong>de</strong> outra sanozamense muito parecida e até tão<br />

linda quanto Walkíria foi projetada adiante do nosso herói.<br />

-Sua invasão aos nossos domínios territoriais tem por objetivo a busca por<br />

socorro?<br />

-Exato! – Alex Randall repirou fundo e continuou. – Meus conhecimentos a<br />

respeito da biologia e medicina <strong>de</strong> vocês é limitado. Achei que se procurasse<br />

ajuda no mundo natal da paciente po<strong>de</strong>ria ter maiores chances <strong>de</strong> ajudá-la a<br />

encontrar o seu pronto reestabelecimento.<br />

-Que dados dispôe da paciente?<br />

Sem muito pensar, Alex Randall digitou algumas or<strong>de</strong>ns no teclado<br />

luminoso e todos os dados médicos obtidos junto aos exames feitos em Walkíria<br />

foram passados para os computadores da nave sanozamense.<br />

Por alguns instantes, a imagem projetada na central <strong>de</strong> comando mostrava<br />

aquela mulher analisando os dados que recebia.<br />

-Uma <strong>de</strong> nossas agentes será teletransportada para sua nave, ela irá<br />

verificar o estado da paciente.<br />

Nem um minuto passou e outra mulher <strong>de</strong> beleza sem igual, <strong>de</strong>sta vez, uma<br />

morena <strong>de</strong> cabelos negros, materializou-se bem ao lado <strong>de</strong> Walkíria.<br />

Ela aproximou-se da paciente e a observou atentamente.<br />

Ergueu o antebraço mais ou menos à altura do queixo e disse:<br />

219


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-É ela mesmo. Não resta dúvida.<br />

-Executá-la agora.<br />

A mulher sacou uma arma do coldre preso à própria cintura, rapidamente<br />

apontou e disparou na cabeça <strong>de</strong> Walkíria <strong>de</strong>sintegrando-a imediatamente.<br />

-Por Or<strong>de</strong>m do Tribunal Revolucionário, a última Her<strong>de</strong>ira do Trono<br />

sobrevivente foi executada pondo fim assim a qualquer tentativa <strong>de</strong> retorno ao<br />

sistema monarquista.<br />

-Não. - Gritou Alex Randall.<br />

Ele porém nada pô<strong>de</strong> fazer pois, imediatamente, a mulher se<br />

teletransportou para fora do Viajante das Estrelas.<br />

***<br />

Imediatamente Alex Randall pensou nos milhões <strong>de</strong> armas que tinha a<br />

bordo do Viajante das Estrelas e po<strong>de</strong>ria usar como retaliação.<br />

O Cérebro Computadorizado da astronave porém, acabou por convencê-lo<br />

a tomar as <strong>de</strong>cisões que aparentavam ser mais razoáveis.<br />

Primeiramente, inutilizou qualquer armamento inimigo que estivesse sendo<br />

usado contra o Viajante das Estrelas.<br />

Várias naves ficaram flutuando sem rumo pelo espaço já que nada nelas<br />

funcionava.<br />

-Não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retaliação! - Disse o Cérebro Computadorizado do<br />

Viajante das Estrelas. - Com as máquinas do tempo disponíveis à bordo,<br />

po<strong>de</strong>remos voltar ao passado num ponto que esse erro possa ser reparado.<br />

***<br />

Alex Randall respirou fundo e disse:<br />

-Então vamos sair daqui agora antes que eu me enfeze...<br />

O Viajante das Estrelas então sumiu daquele sistema planetário...<br />

Longe dalí, Alex Randall já queria voltar no tempo para dar um jeito <strong>de</strong><br />

acordar Walkíria.<br />

-Temos que esperar. - Disse o Viajante das Estrelas.<br />

-Mas esperar o quê?<br />

-Temos que <strong>de</strong>scobrir um meio <strong>de</strong> controlar o estado <strong>de</strong> inconsciência <strong>de</strong>la.<br />

Sem isso, a primeira oportunida<strong>de</strong> que ela dormir, não saberemos se voltará...<br />

-É verda<strong>de</strong>... - Concordou Alex Randall respirando fundo.<br />

220


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Dando fortes baforadas no seu cachimbo ele <strong>de</strong>cidiu.<br />

-Vamos seguir em frente. No momento que eu souber como ajudar a curar<br />

essa dormência inexplicável, iremos salvá-la. Por hora, ficar nas sauda<strong>de</strong>s...<br />

***<br />

221


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N. 23 DE ALEX RANDALL<br />

Des<strong>de</strong> o fim <strong>de</strong> sua involuntária viagem ao Templo da MÃE CRIADORA DE<br />

TODAS AS COISAS que Alex Randall já <strong>de</strong>sejava voltar à Terra.<br />

A ocorrência dos últimos fatos acabou por reforçar a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa<br />

vonta<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>cisão foi tomada.<br />

Estava na hora do Viajante das Estrelas retornar para casa.<br />

Já sem dormir a um tempo consi<strong>de</strong>rável, ficava observando os símbolos e<br />

letras exibidos pelos projetores tridimensionais que indicavam o posicionamento<br />

da astronave em meio às referências espaciais.<br />

Estava muito longe da Terra.<br />

A Via Lactea ainda não era visível em meio a todas aquelas galáxias<br />

mostradas ao redor <strong>de</strong> Alex Randall. Estava muito distante ainda para ser notada,<br />

mesmo como um singelo ponto <strong>de</strong> luz.<br />

Mas, o tempo passou e, finalmente um pequeno brilho fugaz indicou sua<br />

posição.<br />

Com o contínuo transcorrer da viagem <strong>de</strong> volta, o ponto foi crescendo cada<br />

vez mais nas telas e projetores do Viajante das Estrelas.<br />

Mesmo <strong>de</strong>spreocupado com o controle da nave e, refletindo mais sobre<br />

seus problemas pessoais, Alex Randall percebeu que a muito, já <strong>de</strong>veria ter<br />

registrado sinais <strong>de</strong> orientação <strong>de</strong> pilotagem em direção ao sistema solar.<br />

E não só estes.<br />

Outros sinais <strong>de</strong> comunicação também já <strong>de</strong>veriam estar disponíveis<br />

naquela região.<br />

Curiosamente, a um bom tempo, o Viajante das Estrelas já não conseguia<br />

estabelecer contato com o controle <strong>de</strong> acompanhamento da missão na Terra.<br />

A velocida<strong>de</strong> ultra rápida com que a jornada era feita se afastando do<br />

sistema solar podia bem justificar tal falta <strong>de</strong> comunicação.<br />

O problema era que, essa falha ainda persistia, mesmo com a aproximação<br />

<strong>de</strong> casa...<br />

O próprio Cérebro Computadorizado, <strong>de</strong>-repente parecia envolvido em<br />

algum cálculo muito gran<strong>de</strong>.<br />

As luzes que indicavam ativida<strong>de</strong> máxima <strong>de</strong> trabalho em seus<br />

processadores estava acesa e continuou assim até as proximida<strong>de</strong>s dos limites do<br />

sistema solar.<br />

Transpostas as fronteiras invisíveis <strong>de</strong>ste, outro <strong>de</strong>talhe importante não<br />

escapou à aguçada observação <strong>de</strong> Alex Randall: as espaçovias, antes com<br />

movimento intenso <strong>de</strong> naves, estavam completamente vazias!<br />

222


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O caminho final para casa estava livre e não havia o menor sinal <strong>de</strong> transito<br />

ou tráfego.<br />

Tudo completamente vazio!<br />

Ninguém, nenhum cargueiro robotizado, ônibus espacial, robô ou<br />

sinalizador.<br />

Aparentemente, nem mesmo os famigerados <strong>de</strong>tetores <strong>de</strong> excesso <strong>de</strong><br />

velocida<strong>de</strong> pareciam estar multando ou trabalhando.<br />

Logo então, vieram os tão esperados esclarecimentos.<br />

Os processadores do Cérebro Computadorizado pararam <strong>de</strong> trabalhar feito<br />

loucos e começaram a explicar aqueles fatos estranhos.<br />

Satélites inoperantes...<br />

Robôs que não funcionavam...<br />

***<br />

Comunicação com o sistema solar inexistente...<br />

O Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas recebeu informações<br />

do ocorrido assim que a<strong>de</strong>ntrou os limites da Via Láctea.<br />

De vários mundos, diversos dados chegaram.<br />

Graças a relatos apurados <strong>de</strong> quem passou pelo fato e também a partir <strong>de</strong><br />

observadores que direta ou indiretamente estiveram presentes nos tais eventos, o<br />

Cérebro Computadorizado chegou à uma conclusão explicando:<br />

-A paz que reinou durante mais <strong>de</strong> mil anos terrestres nos domínios do<br />

sistema solar foi quebrada!<br />

-Guerra? – Indagou Alex Randall atônito...<br />

-Guerra, massacres, genocídio, terrorismo, exércitos <strong>de</strong> robôs assassinos...<br />

-Depois <strong>de</strong> tanto tempo <strong>de</strong> avanços os <strong>de</strong>sentendimentos voltaram a<br />

perturbar a paz mundial?<br />

-Sim. – Respon<strong>de</strong>u o cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas.<br />

-Mas o que ocasionou isso?<br />

-O relatório enviado com os dados referentes à Antares IV.<br />

-As montanhas e ricas minas <strong>de</strong> ouro daquele mundo...<br />

-A informação foi mantida em segredo por algum tempo. No começo,<br />

somente as forças armadas tiveram acesso àquele planeta.<br />

“Os militares utilizaram Antares IV como campo <strong>de</strong> testes para os seus<br />

equipamentos militares.”<br />

“Mas <strong>de</strong>pois, foram para lá os empresários, e então começaram as<br />

disputas.”<br />

223


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

“Gigantescos grupos econômicos se confrontaram <strong>de</strong>tonando hostilida<strong>de</strong>s<br />

armadas e o retorno das guerras...”<br />

“Daí, reapareceram os terroristas, genocidas, e até alguns senhores da<br />

guerra que puseram em ação exércitos <strong>de</strong> robôs imaginando que resolveriam<br />

todos os problemas da humanida<strong>de</strong>... “<br />

“Ledo engano;”<br />

“Estas máquinas assassinas foram programadas para o máximo <strong>de</strong><br />

extermínio <strong>de</strong> vida possível.”<br />

“Velhas bombas armadas com ogivas nucleares estouraram em todos os<br />

pontos do sistema solar, acabando com os últimos resquícios do domínio do<br />

homem sobre estas paragens.”<br />

“Nunca antes a frase:<br />

“Velhas armas também fazem boas guerras.”<br />

...foi tão correta!”<br />

“Restaram então, alguns poucos exércitos <strong>de</strong> robôs que prosseguiriam sua<br />

missão <strong>de</strong> extermínio até o fim da energia em suas baterias...”<br />

Alex Randall fechou os olhos, suspirou com tristeza e concluiu que<br />

involuntariamente, mais uma vez, ele <strong>de</strong>ra início à uma gigantesca onda <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sgraças.<br />

***<br />

Sua alma estava até anestesiada com tanto horror e <strong>de</strong>sgraça ao redor.<br />

Mesmo diante <strong>de</strong> todas as evidências <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição e do fim da<br />

humanida<strong>de</strong> na Terra, Alex Randall resolveu investigar a possibilida<strong>de</strong> da<br />

existência <strong>de</strong> sobreviventes enviando milhares <strong>de</strong> robôs a todos os possíveis<br />

locais pu<strong>de</strong>ssem haver vida pelo sistema solar.<br />

O Viajante das Estrelas permaneceu em órbita da Terra aguardando os<br />

resultados durante quase um mês.<br />

Nesse ínterim, nenhum dos robôs retornou qualquer novida<strong>de</strong> que<br />

trouxesse esperança.<br />

As imagens das cida<strong>de</strong>s da Terra eram assustadoras.<br />

Das po<strong>de</strong>rosas torres que impressionavam a todos só restavam esqueletos<br />

<strong>de</strong> aço, concreto e outros materiais carcomidos pelas intempéries da natureza<br />

agora hostil à vida.<br />

Bases espaciais jaziam silenciosas flutuando sem vida com os corpos <strong>de</strong><br />

seus ocupantes ainda em seu interior.<br />

Naves semi-<strong>de</strong>struidas eram arremessadas como lixo espacial pelas forças<br />

224


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

gravitacionais dos planetas e luas do sistema solar.<br />

Os robôs que efetivamente levaram novida<strong>de</strong>s ao Viajante das Estrelas<br />

foram aqueles programados para garantir o extermínio final da raça humana.<br />

Aqueles que ainda funcionavam, e que se reuniram para <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um<br />

longo tempo organizarem um combate contra o Viajante das Estrelas.<br />

***<br />

O primeiro ataque contava com poucos robôs que foram logo <strong>de</strong>sligados e<br />

inutilizados pelo sistema <strong>de</strong>fensivo do Viajante das Estrelas.<br />

A partir <strong>de</strong>stes acontecimentos, a prudência recomendou que Alex Randall<br />

chamasse do volta para a nave o seu próprio batalhão <strong>de</strong> robôs que ainda<br />

procurava por eventuais sobreviventes humanos.<br />

O tempo passou e nem bem estes terminaram <strong>de</strong> chegar, novos ataques<br />

se suce<strong>de</strong>ram...<br />

Dessa vez, um batalhão robotizado hostil com mais ou menos duas mil<br />

peças muito bem armadas se dividiu e sincronizou diversas manobras <strong>de</strong> alto<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>strutivo contra o Viajante das Estrelas.<br />

O sistema <strong>de</strong>fensivo tradicionalmente utilizado <strong>de</strong>sta vez não foi tão<br />

eficiente e apenas alguns poucos atacantes sucumbiram inertes.<br />

Outros, já preparados contra o golpe do armamento capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senergizálos,<br />

lograram melhor sorte ao intentar seu avanço.<br />

A astronave esférica por sua vez, não era nenhuma mocinha in<strong>de</strong>fesa<br />

perambulando <strong>de</strong>samparada.<br />

Entre seus diversos experimentos dispunha <strong>de</strong> todo tipo <strong>de</strong> armamento<br />

utilizado para as mais variadas ocasiões.<br />

Raios invisíveis foram então disparados a partir do Viajante das Estrelas.<br />

Em poucos minutos o segundo ataque também foi rechaçado.<br />

Dessa vez, porém, alguns danos foram acusados e era imperativo que os<br />

reparos fossem realizados.<br />

Na posição em que se encontrava, a astronave <strong>de</strong> Alex Randall estava<br />

sujeita a novos ataques.<br />

A saída dalí era imperativa.<br />

Foi o que aconteceu<br />

***<br />

225


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Além dos limites do sistema solar, a astronave tinha tempo para realizar os<br />

concertos e ainda reavaliar a situação.<br />

Sentado na poltrona da central <strong>de</strong> comando, fumando incessantemente seu<br />

cachimbo, via-se Alex Randall cansado que parecia envelhecer mais e mais...<br />

Não havia para on<strong>de</strong> ir ou o que fazer.<br />

Alex Randall viu-se pela primeira vez completamente sem rumo.<br />

Ainda que voltasse para suas viagens, elas não teriam mais utilida<strong>de</strong> já<br />

que ninguém se aproveitaria do seu resultado.<br />

Com a cabeça envolta na fétida fumaça que saia do seu cachimbo, e, com<br />

os olhos fechados refletia.<br />

Tinha que consertar uma série <strong>de</strong> coisas, para tanto, só realizando uma<br />

viagem pelo tempo.<br />

Cansado da lógica do Cérebro Computadorizado, resolveu ouvir as<br />

palavras <strong>de</strong> sua mãe e seguir os caminhos do seu próprio coração.<br />

Finalmente assim, resolveria todos os problemas se valendo um velho e<br />

manjado recurso muito utilizado para salvar os roteiros das obras <strong>de</strong> ficção<br />

científica e até <strong>de</strong> bruxaria.<br />

***<br />

226


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N. 24 DE ALEX RANDALL<br />

Não havia muito o que pensar.<br />

Diante da nova perspectiva, podia salvar não só a sua amada Walkíria mas<br />

também, muitas outras vidas.<br />

Sem perda <strong>de</strong> tempo, pôs para funcionar a avançada aparelhagem que<br />

permitiria as viagens pelo tempo.<br />

Foi solicitado a Alex Randall que abrisse um painel no braço <strong>de</strong> sua<br />

poltrona e ali fizesse alguns ajustes.<br />

Realizados os acertos requeridos, logo, apareceu diante <strong>de</strong>le uma<br />

mensagem com letras brilhantes tridimensionais dizendo:<br />

MÁQUINA DO TEMPO OPERACIONAL<br />

Em seguida, também surgiu flutuando outro texto:<br />

SELECIONE DIA E HORA PARA ONDE DESEJA IR<br />

Bastava seguir as instruções que eram claras e cristalinas!<br />

Nada podia dar errado, afinal, bastavam apertar alguns botões e tudo<br />

estaria praticamente resolvido.<br />

Qualquer criança po<strong>de</strong>ria operar aquele engenho.<br />

Digitou a data e hora que achava que ainda po<strong>de</strong>ria reparar seus erros do<br />

passado e apertou a conhecidíssima tecla ENTER.<br />

Tanta era a emoção <strong>de</strong> Alex Randall só <strong>de</strong> vislumbrar a hipótese <strong>de</strong> ter<br />

todos os erros daquela viagem corrigidos, que, foi inevitável que naquele<br />

momento, se <strong>de</strong>senhasse um sorriso no seu rosto.<br />

Tal expressão facial fez o cachimbo se inclinar na boca.<br />

Em conseqüência disso, algumas poucas cinzas caíram, atingindo um dos<br />

painéis no braço da poltrona que naquele momento fora esquecido aberto.<br />

A nave inteira apagou.<br />

A última coisa que nosso herói viu, foi o <strong>de</strong>saparecimento dos números da<br />

data <strong>de</strong>sejada, antes projetados à sua frente<br />

***<br />

O fato <strong>de</strong> não estar nervoso fez com que naquele momento <strong>de</strong> pane, Alex<br />

Randall evitasse o uso <strong>de</strong> impropérios, palavras xulas ou termos <strong>de</strong> baixo calão.<br />

Até porquê, alguns décimos <strong>de</strong> segundo antes da falha geral, os olhos<br />

altamente treinados <strong>de</strong>le já haviam percebido que algumas cinzas iriam cair sobre<br />

o painel que estava aberto e certamente iriam dar algum probleminha.<br />

227


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Calmo, assoprou as cinzas <strong>de</strong> modo que elas saíssem <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se<br />

encontravam <strong>de</strong>positadas, e assim, toda a astronave voltasse a funcionar<br />

normalmente.<br />

Incluindo aí, a máquina do tempo que imediatamente após o seu<br />

religamento, <strong>de</strong>u início à viagem...<br />

Porém, novamente, a visão privilegiada <strong>de</strong> Alex Randall localizou outra<br />

irregularida<strong>de</strong>: <strong>de</strong>sta feita, os relógios que <strong>de</strong>veriam estar mostrando o dia e a<br />

hora <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino do Viajante das Estrelas no tempo, nada indicavam!<br />

***<br />

O que aconteceu no instante seguinte, se é que este se suce<strong>de</strong>u, mesmo<br />

um viajante experimentado como Alex Randall não po<strong>de</strong>ria facilmente <strong>de</strong>screver.<br />

Primeiro, a projeção <strong>de</strong> imagens e sons do exterior da nave <strong>de</strong>ntro da<br />

central <strong>de</strong> comando <strong>de</strong>sapareceu completamente!!<br />

No interior do Viajante das Estrelas tudo parecia inalterado, exceto para seu<br />

único tripulante humano que foi tomado <strong>de</strong> súbita sensação <strong>de</strong> vertigem, como se<br />

estivesse caindo do maior nos precipícios.<br />

E aquele incômodo só aumentava.<br />

Alex Randall tentou <strong>de</strong>sligar tudo, porém, antes que o fizesse, acabou<br />

caindo inconsciente...<br />

***<br />

Acordou com um gosto horrível na boca.<br />

Parecia até que estava <strong>de</strong> ressaca!<br />

Na central <strong>de</strong> comando, aparentemente, os projetores <strong>de</strong> imagens externas<br />

já haviam voltado a funcionar, entretanto, fora da astronave, reinava um absoluto e<br />

assustador negrume.<br />

Mais <strong>de</strong>nso, escuro e impenetrável que qualquer outro ambiente que já<br />

tivesse visto antes.<br />

Mesmo baqueado e com a sensação <strong>de</strong>sagradável <strong>de</strong> gosto na boca,<br />

digitou alguns comandos nos teclados luminosos projetados a partir do painel do<br />

braço <strong>de</strong> sua poltrona, pondo em funcionamento, um sistema <strong>de</strong> holofotes e<br />

sensores que varriam todo o ambiente ao redor da astronave.<br />

Logo constatou que lá fora não havia nada.<br />

Parecia até que o Viajante das Estrelas estava imerso numa massa negra<br />

sem vida <strong>de</strong> algo que, nem mesmo matéria podia ser consi<strong>de</strong>rada.<br />

228


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

E, ainda por cima, parecia ser praticamente intransponível, já que, mesmo<br />

os fachos projetados pelos mais potentes holofotes não conseguiam iluminar mais<br />

que alguns centímetros naquela escuridão toda!<br />

Foi então que Alex Randlll teve a sensação <strong>de</strong> que não estava só.<br />

Nem precisou olhar ao redor.<br />

Bastou virar o pescoço para o lado e perceber que, junto à poltrona on<strong>de</strong><br />

estava sentado, havia uma mulher com pele pálida, <strong>de</strong>licada, cabelos negros e<br />

expressão severa.<br />

-Você chegou ao final dos tempos! Tudo agora está morto e inativo! Sua<br />

presença está perturbando a situação. Se quer permanecer aqui, você tem <strong>de</strong><br />

morrer!<br />

Só <strong>de</strong> olhar o rosto daquela mulher, Alex Randall tinha a sensação <strong>de</strong> estar<br />

vendo a própria morte encarnada.<br />

Ela não tinha aparência ameaçadora ou feia.<br />

Parecia apenas uma garota mo<strong>de</strong>rninha <strong>de</strong> pele pálida, roupas e cabelos<br />

negros.<br />

Mas, fitando aqueles olhos adornados com suaves linhas, um pavor<br />

incontrolável foi <strong>de</strong>spertado em Alex Randall.<br />

Seu estômago pareceu encolher e o corpo esfriar.<br />

Mesmo com o pânico aumentando, ainda teve o bom senso <strong>de</strong> verificar os<br />

instrumentos dos painéis <strong>de</strong> controle, até para se <strong>de</strong>sviar, por alguns instantes que<br />

fosse, daquele olhar amedrontador.<br />

Com gestos trêmulos, acionou os controles do painel luminoso que<br />

controlava a máquina do tempo e sem olhar direito movimentou uma das chaves.<br />

Deu um tapa nela fazendo com que esta se <strong>de</strong>slocasse sem controle algum<br />

até a outra extremida<strong>de</strong> da barra indicadora <strong>de</strong> tempo.<br />

A menina-morte avançou silenciosa em sua direção com o braço direito<br />

esticado.<br />

Desesperado e louco para sair daquele universo fúnebre, Alex Randall<br />

acionou novamente a máquina do tempo sem nem bem olhar a nova data <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stino.<br />

Veio então a conhecida sensação <strong>de</strong> enjôo.<br />

A garota pareceu não se importar com o funcionamento daquele engenho.<br />

Parecia imune até mesmo aos efeitos fisiológicos que o corpo humano<br />

ficava suscetível durante a ação da máquina do tempo.<br />

Aproximou o rosto quase encostando o seu nariz com nariz o <strong>de</strong> Alex<br />

Randall e disse:<br />

-Tentar escapar <strong>de</strong> mim usando sua ridícula máquina do tempo não vai<br />

229


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

adiantar... Mesmo assim, vou permitir que a vida siga seu <strong>de</strong>stino, mas, essa<br />

ousadia em vir até aqui vai lhe <strong>de</strong>ixar marcas.<br />

Dizendo isso, ela colocou a palma da sua mão direita sobre o ombro<br />

esquerdo <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Uma chama saiu dalí contato e, ele <strong>de</strong>smaiou tamanha a dor que sentiu.<br />

***<br />

Despertou com um robô enfermeiro aplicando enxertos em seu ombro.<br />

Havia alí uma queimadura que já estava sendo <strong>de</strong>vidamente medicada.<br />

Ainda ardia um pouco, mas, não era quase nada perto da dor que sentira<br />

no momento do toque daquelas mãos.<br />

O pior já havia passado, restava agora dar o <strong>de</strong>vido tratamento e esperar<br />

pelas melhoras...<br />

Estava na central <strong>de</strong> comando e a situação era idêntica àquela em que<br />

presenciara na época em que acreditava ser o fim dos tempos.<br />

Um pequeno <strong>de</strong>talhe porém mudara.<br />

Agora, era a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS quem estava a<br />

bordo naquele instante.<br />

Prá variar, nua, linda, com seus incríveis olhos in<strong>de</strong>cifráveis e soprando<br />

bolhas negras num pequeno arame com uma ro<strong>de</strong>la na extremida<strong>de</strong> molhada com<br />

líquido negro e brilhante.<br />

As tais bolhas se espalhavam pela central <strong>de</strong> comando da astronave.<br />

-A morte não permite que <strong>de</strong>sorganizem o que ela já <strong>de</strong>ixou arrumado. –<br />

Disse. – Nesse ponto é até um pouco chata já que não gosta que se perturbe o<br />

que está ajeitado.<br />

A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS fez uma pausa e continuou:<br />

-Você não tem pinta <strong>de</strong> ser muito esperto. Em todos os universos que criei,<br />

é o único sujeito que, mesmo diante <strong>de</strong> tantas evidências, ainda foi burro<br />

suficiente para me confundir com os falsos apóstolos que passam a vida<br />

infernizando os cidadãos <strong>de</strong> bem.<br />

“Mas, por incrível que pareça, pelo menos conseguiu chegar on<strong>de</strong> ninguém<br />

jamais esteve.”<br />

“Agora que tem a oportunida<strong>de</strong>, veja lá se consegue fazer as coisas direito<br />

e concertar o que fez <strong>de</strong> errado.”<br />

O significado daquelas palavras parecia meio complicado para Alex<br />

Randall.<br />

Este ficava imaginando se havia alí alguma pegadinha ou coisa <strong>de</strong> gênio.<br />

230


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

ser...<br />

Olhava aquelas bolhas flutuando e tentava enten<strong>de</strong>r o que elas po<strong>de</strong>riam<br />

Elas se expandiam e contraíam como se respirassem.<br />

No seu interior, por alguns momentos se iluminavam e, <strong>de</strong>pois esta luz se<br />

fragmentava em inúmeros pontos luminosos que se movimentavam do centro da<br />

esfera para sua extremida<strong>de</strong>. Logo a seguir, então, o ciclo recomeçava...<br />

-Perdoe minha ignorância, mas o que são todas essas bolhas?<br />

-Devia saber porquê já foi explicado.<br />

Ela <strong>de</strong>u uma soprada na no seu arame e uma nova bolha saiu flutuando<br />

pelo ar...<br />

-Este aqui é o universo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> você veio. Em instantes, ele vai nascer.<br />

Alex Randall <strong>de</strong>-repente diminuiu <strong>de</strong> tamanho e foi atraído para o interior<br />

daquela esfera negra.<br />

Lá <strong>de</strong>ntro, tudo estava escuro.<br />

Nada se via.<br />

Alex Randall não sentia seu corpo, mas sabia que estava vivo.<br />

Pensava, logo existia.<br />

***<br />

Dentro <strong>de</strong> sua cabeça, ouviu a voz da MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />

COISAS...<br />

-Seu universo está a alguns momentos <strong>de</strong> nascer. Já te mostrei este evento<br />

antes...<br />

Materializou-se então, naquele ambiente escuro, silencioso e tenebroso,<br />

um anel prateado.<br />

Era outra nave espacial.<br />

Mais um viajante do tempo chegara ao momento do início do Universo.<br />

A nave <strong>de</strong>stes não era tão gran<strong>de</strong> quanto o Viajante das Estrelas.<br />

Do seu interior emanava uma pergunta que parecia ser compreendida em<br />

qualquer idioma:<br />

-O CRIADOR EXISTE OU É TUDO OBRA DO ACASO?<br />

Tal questionamento certamente era feito por alguém com po<strong>de</strong>rosos dons<br />

<strong>de</strong> projeção <strong>de</strong> pensamentos já que Alex Randall mesmo não sendo telepata,<br />

pô<strong>de</strong> percebê-lo.<br />

Na mente <strong>de</strong>ste, nova manifestação, era MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />

COISAS:<br />

231


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-São viajantes do tempo como você, um <strong>de</strong>les, inclusive é da Terra e até já<br />

te encontrou anteriormente; é o Moreira!<br />

-Um dos seus seguidores...<br />

-É, mas, para ele esta conversa que você teve com ele ainda não<br />

aconteceu.<br />

Veio então um estranho som:<br />

-AUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...<br />

Parecia sair do interior <strong>de</strong> cavernas.<br />

Era a voz da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, diferente. Estava<br />

ensur<strong>de</strong>cedora e fazia tremer até mesmo aquele negrume ainda sem vida.<br />

-VOCÊS NÃO PERTENCEM A ESSE LUGAR.<br />

O tal ser que projetava seus pensamentos a partir daquela nave silenciouse.<br />

A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS entretanto, continuou se<br />

manifestando.<br />

-NENNHUM INDIVÍDUO OU RAÇA É OU SERÁ CAPAZ DE<br />

COMPREENDER-ME NA TOTALIDADE.<br />

FUTURAMENTE ME MANIFESTAREI ATRAVÉS DE MUITOS<br />

INDIVÍDUOS EM DIVERSAS ÉPOCAS E LUGARES.<br />

AGORA VÃO! VOCÊS NÃO PERTENCEM A ESTE MOMENTO!<br />

ESSA ÉPOCA FICARÁ INCACESSÍVEL PARA VOCÊS E OUTROS QUE<br />

AQUI DECIDIREM VOLTAR.<br />

A nave em forma <strong>de</strong> anel sumiu <strong>de</strong> volta para o futuro e, instantes <strong>de</strong>pois o<br />

pequeno ponto <strong>de</strong> luz que mesmo não tendo mais tamanho que uma ponta <strong>de</strong><br />

polegar, emanava luminosida<strong>de</strong> fora do comum.<br />

Então explodiu.<br />

E o vazio começou a se encher.<br />

Alex Randall <strong>de</strong>spertou e, a primeira coisa que viu foi o pequeno ponto<br />

luminoso.<br />

***<br />

Estava na central <strong>de</strong> comando do Viajante das Estrelas, e este, por sua vez,<br />

se encontrava a poucos instantes da ocorrência do BIG BANG.<br />

Não podia permanecer por mais tempo alí.<br />

Logo, forças in<strong>de</strong>scritíveis seriam liberadas e, se a astronave ainda<br />

permanecesse nas proximida<strong>de</strong>s, certamente seria <strong>de</strong>struída.<br />

Sem bem olhar direito ajustou o <strong>de</strong>stino da máquina do tempo para<br />

232


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

qualquer lugar no futuro que o afastasse daquele perigo iminente.<br />

Apertou a tecla ENTER do teclado luminoso projetado a partir da poltrona<br />

on<strong>de</strong> estava sentado e, logo em seguida, a viagem começou.<br />

Sua jornada avançou vários bilhões <strong>de</strong> anos até alcançar o <strong>de</strong>stino<br />

programado.<br />

O funcionamento da máquina do tempo colocou nosso herói inconsciente, o<br />

que obrigou o Cérebro Computadorizado a aguardar o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> Alex Randall<br />

para nova tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões.<br />

***<br />

233


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL N. 25 DE ALEX RANDALL<br />

Acordou e viu-se sentado na poltrona da central <strong>de</strong> comando.<br />

Diante <strong>de</strong> si estava a projeção tridimensional da imagem com a Terra em<br />

primeiro plano, a Lua ao fundo e, lá longe distante, um pequeno ponto brilhante e<br />

<strong>de</strong> brilho ofuscante: o sol.<br />

Não era a imagem <strong>de</strong> um planeta carcomido pelas guerras e <strong>de</strong>vastado por<br />

<strong>de</strong>sequilíbrios da matureza.<br />

O azul dos mares era brilhante e <strong>de</strong>finido não havendo nuvens <strong>de</strong> poluição<br />

<strong>de</strong> espécie alguma.<br />

Até a camada <strong>de</strong> ozônio ainda estava intacta.<br />

No fim das contas, Alex Randall voltou no tempo.<br />

Um dos objetivos foi conseguido: , alcançar uma época on<strong>de</strong> a humanida<strong>de</strong><br />

não tivesse sido <strong>de</strong>struída.<br />

A análise da posição dos astros indicou que a data estimada on<strong>de</strong> se<br />

encontrava era próxima a 1600 d.C.<br />

-Precisamos avançar muito ainda...- Reclamou.<br />

Para esta insatisfação <strong>de</strong> Alex Randall, a resposta do cérebro<br />

computadorizado foi:<br />

-No momento se fará necessária uma parada para revisão geral. As longas<br />

viagens pelo tempo que realizamos fizeram alguns equipamentos se <strong>de</strong>sgastarem.<br />

Reparos terão <strong>de</strong> ser feitos.<br />

-Tudo bem! Proceda com os consertos. Eu aguardarei!<br />

Não se importaria em per<strong>de</strong>r alguns instantes se tinha uma máquina do<br />

tempo à disposição.<br />

Porém, a ansieda<strong>de</strong> em logo resolver os problemas e corrigir seus erros,<br />

atormentava Alex Randall.<br />

Ansioso por contato com humanos e com a Terra, resolveu matar as<br />

sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> casa mesmo estando em época completamente distinta daquela em<br />

que pertencia.<br />

Numa das poltronas voadoras, seguiu para a Terra <strong>de</strong>ixando a astronave<br />

em órbita.<br />

A esfera transparente em cujo interior Alex Randall ia confortavelmente<br />

sentado logo avançou para o interior das camadas mais externas da atmosfera e<br />

<strong>de</strong>sceu até a superfície do planeta.<br />

Nesta época, procurou o continente europeu como <strong>de</strong>stino, para um breve<br />

passeio turístico.<br />

234


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Como chegou no verão, uma boa dica era se refrescar e tirar o mofo era<br />

visitar as praias espanholas.<br />

Sobrevoando as maravilhosas paisagens da península Ibérica,<br />

surpreen<strong>de</strong>u-se com um moinho <strong>de</strong> vento cujas pás pareciam emitir uma estranha<br />

fluorescência ver<strong>de</strong>.<br />

A curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alex Randall aumentou com essa construção que<br />

incrivelmente se situava à beira <strong>de</strong> um abismo, e ainda porquê, a luminosida<strong>de</strong><br />

que ela irradiava não era característica dos aparatos tecnológicos disponíveis<br />

nessa época.<br />

Assim que se aproximou, um acontecimento extraordinário se suce<strong>de</strong>u.<br />

O referido moinho transformou-se num monstro gigantesco muito parecida<br />

com as agressivas árvore que se movimentavam <strong>de</strong> Antares IV.<br />

Um dos grossos galhos acertou com um rápido movimento a poltrona<br />

protegida pela esfera transparente.<br />

O brilho que indicava o funcionamento do escudo invisível se apagou e a<br />

poltrona caiu no chão espatifando-se inteira.<br />

Alex Randall não sofreu ferimento algum já que, o sistema <strong>de</strong> almofadas<br />

infláveis amorteceu a queda e evitou estragos não só nele como no equipamento.<br />

Nem bem recobrou-se da queda e o infeliz aci<strong>de</strong>ntado já teve <strong>de</strong> lidar com<br />

outro problema: o tal monstro-árvore novamente se metamorfoseou ficando então<br />

com a aparência <strong>de</strong> um homem.<br />

Não era um sujeito comum.<br />

Bastante alto e forte, com uma só mão e, num único movimento, arrancou o<br />

cinto <strong>de</strong> segurança que prendia Alex Randall à sua poltrona e com a outra que<br />

estava livre o suspen<strong>de</strong>u no ar.<br />

-Bem vindo <strong>de</strong> volta à Terra, Alex Randall.<br />

Dizendo isso, o tal sujeito jogou no chão o assustado protagonista <strong>de</strong>stas<br />

linhas como se este fosse um simples saco <strong>de</strong> batatas.<br />

Em seguida <strong>de</strong>u-lhe chutes e socos, mesmo estando totalmente aturdido e<br />

in<strong>de</strong>feso.<br />

-Antes <strong>de</strong> morrer é bom que saiba quem vai te matar. Eu sou NIMAX<br />

Alex Randall nunca havia ouvido aquele nome antes. Sequer imaginava<br />

porquê o sujeito queria acabar com ele.<br />

-Não fique confuso. Domino po<strong>de</strong>rosas forças <strong>de</strong> feitiçaria e magia negra<br />

que sua tecnologia ainda é incapaz <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r. Inclusive a telepatia. Você já<br />

encontrou outros da minha espécie. Os Soigrés...<br />

NIMAX continuava batendo e falando sem per<strong>de</strong>r o fôlego.<br />

-Somos muito po<strong>de</strong>rosos, mas eu, sou o maioral entre eles. Por isso, e pela<br />

235


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

inveja que tanto po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>spertou neles, fui banido da irmanda<strong>de</strong> dos Soigrés e<br />

<strong>de</strong>ixado sem po<strong>de</strong>res aqui na Terra.<br />

“Mesmo humano, recuperei parte <strong>de</strong> meus po<strong>de</strong>res estudando a magia<br />

negra. Agora, estou a caminho <strong>de</strong> voltar a ser como era antes e, talvez conseguir<br />

muito mais...”<br />

Para sorte <strong>de</strong> Alex Randall, seu agressor era daqueles que quando tem a<br />

vítima sob controle, gostam <strong>de</strong> proferir longos discursos explanando<br />

<strong>de</strong>talhadamente os motivos que o levaram a cometer tamanha vilania.<br />

-Tenho ambições maiores que a <strong>de</strong> ser apenas um po<strong>de</strong>roso feiticeiro...<br />

E continuava batendo...<br />

-Desta época, com minha bola <strong>de</strong> cristal que tudo vê, acompanhei não só<br />

suas viagens pelo espaço bem como também os acontecimentos <strong>de</strong>ste e <strong>de</strong><br />

outros universos.<br />

NIMAX não perdia energia e continuava sentando porrada...<br />

-E aqui até abro um parenteses para dizer que suas aventuras são muito<br />

toscas, paradas, incapazes <strong>de</strong> arrancar sequer algumas risadas...<br />

NIMAX ergueu-o Alex Randall no ar e jogou-o <strong>de</strong> volta para o chão com<br />

bastante violência, piorando ainda mais, o sofrimento do pobre coitado.<br />

-Vou acabar com você e tomar para mim o Viajante das Estrelas. Com ele<br />

irei até o início dos tempos e enfrentarei a MÃE CRIADORA DE TODAS AS<br />

COISAS. Depois <strong>de</strong> vencê-la, vou possuí-la e serei dono <strong>de</strong>ste e <strong>de</strong> outros<br />

universos.<br />

Com seus discursos grandiloqüentes, o feiticeiro aproveitava a<br />

oportunida<strong>de</strong> e ia torturando ainda mais o infeliz Alex Randall...<br />

-Então <strong>de</strong>ixarei <strong>de</strong> ser mortal e me tornarei Deus! Deus! Ninguém me<br />

superará nunca! Vou ser o dono <strong>de</strong> tudo.<br />

-Herege! Biltre! Poltrão!<br />

Aquele súbito palavrório surpreen<strong>de</strong>u NIMAX que não parava até o<br />

momento <strong>de</strong> se regozijar com seus futuros projetos...<br />

-O maldito cavaleiro.- Praguejou o feiticeiro com pura raiva. – Também este<br />

não consigo iludir com meus disfarces <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>iros ou moinhos.<br />

O dito cavaleiro avançou a todo galope na direção <strong>de</strong> NIMAX e este já se<br />

preparava para conjurar algum perigoso encanto quando o esquálido cavalo<br />

tropeçou levando sua montaria para o chão.<br />

O feiticeiro que diante <strong>de</strong> tal situação nem <strong>de</strong>fesa precisaria fazer, acabou<br />

dando um passo em falso para trás, quando foi se distanciar do seu <strong>de</strong>sastrado<br />

atacante, e, sem querer, acabou caindo num penhasco que havia atrás <strong>de</strong> si.<br />

Não teve sequer tempo <strong>de</strong> invocar qualquer encanto que o livrasse <strong>de</strong> tal<br />

236


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

apuro já que, durante a queda, a primeira batida lhe quebrou o pescoço tirando-lhe<br />

instantaneamente a vida, privando-o assim da concretização <strong>de</strong> seus grandiosos<br />

projetos.<br />

O tal cavaleiro erguia-se meio acabrunhado do chão e ajudou seu cavalo<br />

também a se restabelecer.<br />

Era um homem magro, esquelético, já com ida<strong>de</strong> avançada para a prática<br />

<strong>de</strong> combates. Ainda mais, contra um sujeito po<strong>de</strong>roso como NIMAX que, quando<br />

vivo, era muito maior e mais forte que ele.<br />

-Sempre falei que esse sujeito era perigoso. – Disse. – Mas acham que sou<br />

louco.<br />

Alex Randall ergueu-se com o corpo todo dolorido, cheio <strong>de</strong> cortes,<br />

manchas e arranhões.<br />

Cuspiu alguns <strong>de</strong>ntes ensangüentados e agra<strong>de</strong>ceu o seu salvador<br />

esten<strong>de</strong>ndo-lhe a mão.<br />

Cumprimentaram-se.<br />

-Bem ou mal, o senhor acaba <strong>de</strong> salvar não só a minha vida, mas, talvez<br />

tenha livrado o universo <strong>de</strong> um tipo realmente perigoso.<br />

-Salvar e servir o mundo, é obrigação daqueles como eu, que seguem e<br />

louvam o Código <strong>de</strong> Condutas da Cavalaria.<br />

“Luto pelos fracos, pela justiça e proclamo o meu amor pela musa que me<br />

inspira às andanças e aventuras pelo mundo.”<br />

Por isso, minhas <strong>de</strong>savenças com este bruxo eram antiga e pouco<br />

conhecidas.”.<br />

“Agora foi finalmente feito o ajuste <strong>de</strong> contas.”<br />

Aproximou-se então da dupla um terceiro homem.<br />

Este, montado num asno <strong>de</strong> aparência cansada e esfomeada.<br />

O homem, meio gordo e baixote, aproximou-se do cavaleiro com o aparente<br />

intuito <strong>de</strong> prestar-lhe alguma ajuda:<br />

-O senhor está bem?<br />

-Não preciso <strong>de</strong> ajuda. Já, este pobre infeliz, necessita curativo. Veja lá no<br />

que po<strong>de</strong> ajudá-lo.<br />

O homem, na maior das boas intenções, sacou um cantil que carregava e<br />

molhou um pano velho que carregava no bolso <strong>de</strong> trás da calça, indo a seguir,<br />

passar nos ferimentos <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Diante da imundície do pano, nosso herói gentilmente se recusou..<br />

Preferia aguardar a chegada <strong>de</strong> alguns robôs enfermeiros a passar nos<br />

seus machucados qualquer coisa <strong>de</strong> procedência <strong>de</strong>sconhecida.<br />

-Muito obrigado, não é necessário. - Agra<strong>de</strong>ceu Alex Randall, ao que, em<br />

237


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

seguida, inventou uma <strong>de</strong>sculpa. - Minha fé em Deus irá me curar.<br />

O cavalheiro e o homem estranharam a recusa no atendimento, afinal, alí<br />

pelas imediações não havia mais ninguém apto a ajudar.<br />

-Mas o senhor precisa...<br />

-Não se preocupem. Este senhor, - disse Alex Randall apontando para o<br />

magro cavalheiro que a essas alturas já montava novamente seu raquítico cavalo,<br />

- já fez muito pelo universo ao livrá-lo <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> problema.<br />

“Quanto a mim, o simples fato <strong>de</strong>le ter me salvo a vida já é uma gran<strong>de</strong><br />

honra.”<br />

Sem enten<strong>de</strong>r o porquê <strong>de</strong> todos aqueles elogios, o baixote aproximou-se<br />

da orelha <strong>de</strong> seu asno e murmurou:<br />

-Já não basta um acreditando que é herói, e agora, me aparece outro<br />

confirmando as maluquices do primeiro. O negócio é <strong>de</strong>ixar estes loucos com suas<br />

manias e ver no que vai dar..<br />

O cavalheiro se aproximou do homem dizendo:<br />

-Chega <strong>de</strong> cochichar besteiras na orelha <strong>de</strong>ste pobre animal. Vamos seguir<br />

caminho, e realizar mais boas ações, pois, o mundo está cheio <strong>de</strong> apuros a serem<br />

solucionados.<br />

O homenzinho montou seu animal e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se <strong>de</strong>spedir <strong>de</strong> Alex Randall<br />

seguiu o cavalheiro pela estradinha torta e esburacada que havia alí perto.<br />

-Quando estiver pela região da Mancha, - Gritou o cavalheiro lá <strong>de</strong> longe. -<br />

Procure-nos para que possamos recordar essa memorável luta.<br />

-Sem dúvida. - Concordou o nosso herói.<br />

Assim que os dois ficaram <strong>de</strong> costas, Alex Randall correu para a poltrona<br />

que durante todo o tempo estivera atrás <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> pedra longe das vistas do<br />

cavaleiro e do seu acompanhante.<br />

Religou-a, e, esta, apesar <strong>de</strong> ter se espatifado na queda, foi parcialmente<br />

remontada e voltou a funcionar satisfatoriamente.<br />

Sentou-se, <strong>de</strong>u um suspiro <strong>de</strong> alívio, acen<strong>de</strong>u o seu cachimbo, acionou<br />

alguns comandos e subiu rumo aos céus rapidamente e em silêncio.<br />

Lá longe, na estrada o homem que acompanhava o cavalheiro ouviu o<br />

suspiro <strong>de</strong> Alex Randall e lentamente virou-se para traz a fim <strong>de</strong> ver alguma coisa.<br />

Não enxergando nada ou ninguém, surpreen<strong>de</strong>u-se...<br />

-Mas...Ele sumiu!<br />

O cavalheiro <strong>de</strong> triste aparência e fraca compleição virou-se e disse:<br />

-Não se preocupe. Esse já foi salvo! Vamos seguir adiante pois ainda<br />

realizaremos proezas que no futuro inspirarão gran<strong>de</strong>s escritores e muitos tantos<br />

leitores.<br />

238


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-Ai ai... É cada uma que eu tenho que ouvir. - Cochichou o baixote na<br />

orelha do seu asno.<br />

***<br />

239


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

MEMORIAL FINAL DE ALEX RANDALL<br />

Seguiu para a central médica da astronave on<strong>de</strong> foi tratado e medicado.<br />

Lá mesmo, queria saber quando po<strong>de</strong>ria prosseguir a viagem pelo tempo.<br />

-Imediatamente! – Foi a resposta que obteve. – Mas temos um problema...<br />

-Problema?<br />

-O composto CY7, que é imprescindível para o funcionamento das<br />

máquinas do tempo está acabando. Ele é um dos poucos itens disponíveis que<br />

não po<strong>de</strong>m ser processados a bordo e, cuja durabilida<strong>de</strong> é limitada. Com o<br />

disponível em nossos estoques, só po<strong>de</strong>remos avançar uns 400 anos em direção<br />

ao futuro...<br />

-Caramba! Mas lembro que tínhamos um estoque respeitável...<br />

-Que foi quase todo consumido só em duas viagens. Na primeira, até o fim<br />

dos tempos e, em outra para o momento anterior ao nascimento do universo.<br />

Alex Randall acen<strong>de</strong>u o cachimbo, e sentiu os efeitos da erva queimada<br />

anestesiando a boca.<br />

-Vamos avançar em direção ao futuro no que for possível, <strong>de</strong>pois pensarei<br />

o que fazer. Não percamos tempo...<br />

Momentos <strong>de</strong>pois, o Viajante das Estrelas <strong>de</strong>sapareceu rumo ao futuro...<br />

***<br />

A sensação <strong>de</strong> ressaca típica dos “saltos temporais” não foi tão gran<strong>de</strong>.<br />

Voltou a si até mais disposto, <strong>de</strong>sta vez.<br />

A primeira coisa que ouviu do Cérebro Computadorizado foi:<br />

-Estamos no século XXI. O CY7 acabou<br />

Aquela data não resolvia nada para o objetivo que Alex queria alcançar.<br />

Agora, tinha que resolver o problema do combustível da máquina do tempo.<br />

-Quanto tempo vamos gastar por aqui?<br />

-De doze a vinte anos terrestres. O CY7 <strong>de</strong>verá ser extraído e processado<br />

em Marte. Há muito pela frente a ser feito.<br />

Alex Randall sabia da complexida<strong>de</strong> do trabalho a ser realizado..<br />

A parada era realmente inevitável.<br />

De qualquer forma, po<strong>de</strong>ria aproveitar a oportunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>scansar<br />

tomando sol em alguma praia, respirando ar puro e ainda sentindo uma briza no<br />

rosto ao fumar o tradicional cachimbo.<br />

Decidiu tirar férias na Terra enquanto aguardava o trabalho ser terminado.<br />

Preparou as bagagens que levaria em sua nova viagem e partiu.<br />

********<br />

240


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Mel já conhecia o final da história, o próprio Alex Randall havia lhe<br />

contado antes <strong>de</strong> se <strong>de</strong>pararem com o espetáculo sangrento no interior do<br />

manicômio.<br />

Para lê-la, restavam algumas poucas paginas.<br />

Deu uma passada naquelas linhas e verificou que seu conteúdo apenas<br />

<strong>de</strong>talhava as agruras sofridas pelo protagonista <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter perdido contato com<br />

a astronave que estava em Marte.<br />

Esfregou os olhos cansados <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> toda a leitura e verificou que as<br />

vistas já estavam embaçadas com o esforço realizado...<br />

Era uma história chata, mal escrita, enrolada e cheia <strong>de</strong> furos.<br />

Só um louco para ter tanta imaginação e escrever aquela porcaria.<br />

Talvez, o excesso <strong>de</strong> droga, que, segundo Alex Randall, ali era<br />

abundantemente aplicadas nos pacientes também ajudasse neste processo<br />

criativo.<br />

De qualquer forma relaxara um pouco...<br />

Na ca<strong>de</strong>ira, restaurou as forças do corpo e esqueceu momentaneamente a<br />

gritaria lá fora, que não terminava nunca.<br />

Os berros, urros além <strong>de</strong> outros sons bestiais estavam cada vez mais<br />

animalescos e apavorantes.<br />

Mel notou que os primeiros raios do sol já brindavam o novo dia que nascia.<br />

Porém, aqueles sons, não davam mostras <strong>de</strong> diminuir seu ímpeto.<br />

Diante <strong>de</strong> tanta barulheira, e até <strong>de</strong>vido um pouco, à leitura daquela ficçãocientífica,<br />

Mel finalmente acreditava que Alex Randall não estivesse envolvido<br />

naqueles crimes.<br />

Claro que, daí, a crer na remota possibilida<strong>de</strong>, daquelas besteiradas<br />

literárias, terem algum fundo <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, era pedir <strong>de</strong>mais.<br />

Para completar tão agradável e alegre sinfonia matinal, o dorminhoco <strong>de</strong><br />

plantão improvisava com os seus sons, peidos e roncos que, variavam <strong>de</strong> tom ao<br />

alternarem suas saídas ora pela boca, pelo nariz, ou ainda do interior do<br />

estômago mesmo.<br />

Era muito para Mel agüentar naquela manhã que prometia ser ensolarada.<br />

Levantou-se da poltrona e com um rápido movimento arrancou o cachimbo<br />

que, mesmo apagado, ainda estava preso aos <strong>de</strong>ntes da boca <strong>de</strong> Alex Randall e<br />

também complementava a barulheira emitindo assovios...<br />

O que aconteceu a seguir foi surpreen<strong>de</strong>nte...<br />

Alex Randall, mesmo com ida<strong>de</strong> avançada, acordou com um salto, e, num<br />

rápido e inesperado gesto, até então inimaginável para ser realizado por alguém<br />

241


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

como ele, tomou o cachimbo das mãos <strong>de</strong> Mel.<br />

-HEY! Esse aqui é meu!<br />

Ao que Mel apontou para o alto e disse sorrindo:<br />

-Que bom que acordou!! Sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem estes berros???<br />

-Não! Nunca os ouvi antes. – Respon<strong>de</strong>u Alex Randall esfregando a cara<br />

amassada pelo sono e pela ida<strong>de</strong>.<br />

Subitamente os gritos e berros aumentaram drasticamente <strong>de</strong> volume.<br />

O que quer que fosse a fonte da barulheira, estava logo além das portas.<br />

Então, alguma coisa as atingiu com força.<br />

Eram pancadas que, aumentaram <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> e potencia até que o<br />

arrombamento foi inevitável.<br />

Dois monstruosos gorilas, um negro e outro branco com quase três metros<br />

<strong>de</strong> altura cada um, a<strong>de</strong>ntraram o recinto e avançaram com gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> na<br />

direção dos únicos seres humanos presentes alí <strong>de</strong>ntro.<br />

um.<br />

***<br />

Eram assombrosas as garras e <strong>de</strong>ntes dos bichos.<br />

Super <strong>de</strong>senvolvidas e prateadas, po<strong>de</strong>riam fatiar <strong>de</strong> uma só vez, qualquer<br />

Mel, em meio àquela apavorante situação, sacou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas roupas<br />

<strong>de</strong> motociclista duas pistolas e encheu as cabeças daqueles gorilas <strong>de</strong> chumbo<br />

quente, ao que, estes imediatamente quedaram inertes com um sonoro estrondo.<br />

Observando tudo, Alex Randall se indagava onte teria guardado Mel<br />

aqueles dois pistolões tendo um corpinho tão miúdo.<br />

Não pô<strong>de</strong> centrar suas reflexões aí por mais tempo pois, Mel foi logo<br />

avisando:<br />

-Temos que sair daqui. Esse local não é mais seguro.<br />

E com certeza suas palavras eram cheias <strong>de</strong> razão.<br />

A gritaria ainda continuava.<br />

Pelas imediações haviam outras criaturas como aquela.<br />

-Siga-me! – Berrou Mel.<br />

Alex Randall não vacilou.<br />

Pegou os ca<strong>de</strong>rnos acen<strong>de</strong>u o cachimbo e obe<strong>de</strong>ceu.<br />

Saíram correndo da construção e <strong>de</strong>ram <strong>de</strong> cara com uma viatura da polícia<br />

que acabara <strong>de</strong> chegar.<br />

Era toda preta e parecia até um carro <strong>de</strong> corridas com sirenes.<br />

242


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

De seu interior, saíram dois tipos.<br />

Um <strong>de</strong>les, alto, <strong>de</strong> cabelo preto penteado e amarrado como um rabo <strong>de</strong><br />

cavalo. Vestia ainda um capote escuro além <strong>de</strong> carregar um fuzil das forças<br />

armadas.<br />

O segundo, mais baixo, com cabelo castanho claro, curto, ao estilo militar,<br />

vestia um capote bege e carregava uma espingarda calibre 12 <strong>de</strong> dois canos.<br />

outro:<br />

Logo os agentes também ouviram os berros monstruosos e um disse para o<br />

-Esses gritos <strong>de</strong>vem ser das tais feras que o comando avisou pelo rádio.<br />

Mel já chegou falando quase sem fôlego:<br />

-Gorilas com uns três metros <strong>de</strong> altura! Já matei dois, mas, acho que tem<br />

mais por aqui.<br />

O policial baixote logo confirmou para o outro:<br />

-Os autores da chamada estão aqui mesmo. Informam que dois gorilas já<br />

estão mortos.<br />

-Mas o comando falou sobre seis que escaparam da rinha das bestas...<br />

-O que está acontecendo? - Perguntou Mel.<br />

-Esses monstros são geneticamente modificados e criados com a finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lutar em combates cujas apostas alcançam valores altíssimos.<br />

O outro policial complementou a história:<br />

-Numa batida que realizamos, autuamos diversos figurões e flagramos<br />

várias lutas em andamento. Na confusão, alguns treinadores soltaram seis dos<br />

animais presentes no evento. Dois <strong>de</strong>les você já matou.<br />

Nem bem essas palavras foram ditas e, do meio das árvores saltaram três<br />

daquelas feras que avançaram furiosamente na direção do grupo.<br />

Só Alex Randall não fez nada, justamente, por não estar armado.<br />

Mel e os dois policiais sacaram suas armas e mandaram fogo naquelas<br />

bestas.<br />

Todas tombaram<br />

-Não acho seguro continuarmos aqui Max – Disse o policial baixinho.<br />

-Certo, Dredd! Vamos cair fora! Vocês! – Disse apontando par Mel e Alex<br />

Randall. – Entrem no carro<br />

Mal acabaram <strong>de</strong> entrar na viatura e ouviram:<br />

-Ei! Esperem por mim! Não me <strong>de</strong>ixem aqui!<br />

-Eo Zéca! – Disse Alex Randall – Não acredito que está vivo.<br />

-Vamos logo! Prá <strong>de</strong>ntro! - Berrou Max a plenos pulmões.<br />

-Não acredito! – Dizia Alex Randall para Zéca já no interior do veículo. –<br />

243


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Encontrei seus ca<strong>de</strong>rnos nas mãos <strong>de</strong> um cadáver e pensei que fosse você...<br />

-Era um crítico que resolveu dar uma lida nos meus textos. Disse que ia<br />

tocar fogo em tudo. Sem dúvida, mereceu o <strong>de</strong>stino que teve.<br />

A viatura arrancou com o motor urrando e levantou um poeirão atrás <strong>de</strong> si.<br />

Velozmente avançou pela estradinha que a apenas algumas poucas horas<br />

Mel e Alex Randall percorreram até chegar ao manicômio.<br />

Alcançaram então à rodovia on<strong>de</strong> Dredd estacionou logo ao lado dos<br />

<strong>de</strong>stroços da moto <strong>de</strong> Mel.<br />

-Será que aqueles bichos atacaram o dono <strong>de</strong>sta moto? – Indagou Dredd...<br />

-Não! - Respon<strong>de</strong>u Mel. – Essa moto é minha. Sofri um aci<strong>de</strong>nte e fui<br />

buscar ajuda. Por isso, acabei indo parar no manicômio.<br />

-Acho que daqui po<strong>de</strong>mos solicitar reforços para pren<strong>de</strong>r a última fera. O<br />

rádio pega bem.<br />

-Muito bom. – Concordou Dredd. – Ótima i<strong>de</strong>ia.<br />

-Será que eu podia <strong>de</strong>scer para dar uma mijada? – Indagou Alex Randall. –<br />

Acor<strong>de</strong>i agora a pouco e ainda não fui ao banheiro.<br />

Todo mundo <strong>de</strong>sceu do carro.<br />

Alex Randall afastou-se do grupo e foi procurar, a alguma distancia dalí,<br />

um lugar tranquilo para se aliviar.<br />

E sem querer achou uma praia...<br />

Começou a urinar e percebeu que já estivera ali antes.<br />

Olhou mais atentamente e notou gran<strong>de</strong>s semelhanças com o local on<strong>de</strong><br />

teria muitos anos antes <strong>de</strong>ixado seu equipamento e a poltrona voadora.<br />

As cavernas não estavam mais submersas inclusive eram idênticas...<br />

***<br />

-Estamos precisando <strong>de</strong> reforços para caçar a última das feras que<br />

sobreviveu à fuga da rinha. Creio que dois helicópteros são suficientes.<br />

Enquanto Max aguardava a resposta do comando pelo radio, Dredd falava<br />

para Mel e Zéca:<br />

-Logo teremos aqui um batalhão <strong>de</strong> reforços e essa besta vai ser caçada<br />

até a morte.<br />

-Atenção!<br />

Era a resposta do comando via rádio...<br />

-Os reforços solicitados não irão até aí. Repito: os reforços solicitados não<br />

irão até aí.<br />

244


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

-O que está acontecendo? – Indagou Max preocupado...<br />

-Todas as unida<strong>de</strong>s estão ocupadas agora. Saiam já <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estão, pois,<br />

uma onda gigante vem vindo do oceano e vai invadir a costa em poucos minutos.<br />

Vocês estão numa área que está prestes a ser atingida por um TSUNAMI.<br />

***<br />

Aquela era a caverna. Alex Randall tinha certeza.<br />

Não tardou muito e encontrou no fundo <strong>de</strong>la, em local quase inacessível,<br />

seus equipamentos perdidos a décadas.<br />

Tudo foi arrastado para o fundo <strong>de</strong>la graças a força das águas que<br />

invadiram a caverna na ocasião.<br />

Sua poltrona estava semi-enterrada.<br />

Escavou bastante e com muito custo conseguiu <strong>de</strong>scobrir o braço <strong>de</strong>la on<strong>de</strong><br />

ficavam os instrumentos <strong>de</strong> controle principais.<br />

Deu uma limpada no painel e conseguiu por o equipamento para funcionar.<br />

Algumas luzes se acen<strong>de</strong>ram e Alex Randall disse:<br />

-Viajante das Estrelas. Responda! Aqui é Alex Randall! Po<strong>de</strong> me ouvir?<br />

-Viajante das Estrelas respon<strong>de</strong>ndo! Sua mensagem está chegando<br />

claramente. Resolveu encerrar o período <strong>de</strong> férias na Terra?<br />

-On<strong>de</strong> aquele velho maluco do espaço foi parar? – Berrou Mel.<br />

-Alex!<br />

-Alex!<br />

***<br />

-Alex Randall! Responda! Temos <strong>de</strong> ir embora!<br />

Todos chamavam por Alex Randall insistentemente.<br />

***<br />

Sentiu uma mordida aguda na perna logo acima da meia on<strong>de</strong> a pele<br />

estava <strong>de</strong>scoberta.<br />

Uma pequena cobra negra havia saído do monte <strong>de</strong> <strong>de</strong>tritos que Alex<br />

Randall tirara <strong>de</strong> cima da poltrona<br />

A dor era terrível.<br />

O painel com a caixa <strong>de</strong> primeiros socorros certamente <strong>de</strong>veria ter algum<br />

245


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

soro que combatesse os efeitos <strong>de</strong> eventuais venenos presentes na saliva<br />

daquela mordida, mas, ele estava coberto por mais <strong>de</strong>tritos e pedras.<br />

Sozinho, seria impossível retirar o equipamento salvador que precisava.<br />

Não dava para conseguir socorro alí, naquelas condições, jamais<br />

conseguiria tirar a poltrona ou o que quer que fosse dalí.<br />

Tinha <strong>de</strong> dar um jeito <strong>de</strong> se salvar até a chegada do Viajante das Estrelas.<br />

Apareceu então Alex Randall meio trôpego e nada bem.<br />

***<br />

Todos logo perceberam que algo <strong>de</strong> muito errado havia acontecido com ele<br />

e correram para ajudar.<br />

vez...<br />

-Mordida <strong>de</strong> cobra. – Ele balbuciava. – Mordida <strong>de</strong> cobra...<br />

Iam colocá-lo no interior da viatura quando <strong>de</strong>-repente o céu escureceu <strong>de</strong><br />

Todos olharam para o alto e viram o que, à primeira vista parecia uma<br />

imensa pare<strong>de</strong> metálica meio “embarrigada” para baixo cobrindo os céus.<br />

Em sua superfície se viam diversos pontos brilhantes e imensas janelas<br />

feitas <strong>de</strong> um material tão transparente quanto o vidro que mostravam as estruturas<br />

e edificações existentes no seu interior.<br />

Uma comporta se abriu no meio <strong>de</strong> uma parte da superfície metálica da<br />

astronave e, <strong>de</strong>sta, saíram diversas esferas metálicas e brilhantes que<br />

rapidamente se aproximaram do grupo na estrada.<br />

Eram robôs .<br />

Um campo brilhante esférico envolveu a todos alí.<br />

Até mesmo o carro policial e as peças da moto <strong>de</strong>struída.<br />

Tudo <strong>de</strong>sapareceu em seguida.<br />

Até mesmo, o imenso objeto voador não i<strong>de</strong>ntificado.<br />

Momentos <strong>de</strong>pois, uma onda gigante encheu <strong>de</strong> água todo aquele lugar...<br />

***<br />

Enquanto subiam rumo àquela coisa misteriosa, mesmo muito mal, Alex<br />

Randall tratou <strong>de</strong> tranqüilizar a todos.<br />

-Não se preocupem! É a minha astronave. Todos estão seguros agora!<br />

Falou e caiu inconsciente.<br />

Foram todos levados para um hangar da nave on<strong>de</strong> Alex foi já colocado em<br />

246


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

uma maca e medicado, e seguiu dalí para a central médica.<br />

Todos os <strong>de</strong>mais foram levados para um restaurante.<br />

Dredd tentou contato com o comando através do celular, mas um dos robôs<br />

lhe disse.<br />

-Seu telefone por enquanto não vai funcionar. Estamos fora do alcance dos<br />

celulares na planeta Terra.<br />

-Vocês estão seqüestrando a gente?<br />

-Não! Em absoluto. Se quiserem po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>ixados em qualquer ponto<br />

da superfície da Terra on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejarem.<br />

-Acho que não custa esperar e ver como Alex Randall vai ficar. Depois<br />

po<strong>de</strong>mos voltar. – Pon<strong>de</strong>rou Max.<br />

-Sem problemas!<br />

-Então vamos tomar o café da manhã. – Disse Zéca.- Estou com fome!<br />

Foi o que fizeram.<br />

***<br />

Algum tempo mais tar<strong>de</strong>, já satisfeitos com a refeição matinal, conheceram<br />

ainda o centro <strong>de</strong> visitações da astronave on<strong>de</strong> assistiram a uma apresentação<br />

tridimensional que mostrava em <strong>de</strong>talhes todos os compartimentos e<br />

equipamentos existentes a bordo do Viajante das Estrelas.<br />

Terminada a apresentação, foram até o parque do Viajante das Estrelas<br />

conhecerem as plantações alí cultivadas.<br />

Quando os visitantes já começavam a se indagar a respeito do para<strong>de</strong>iro <strong>de</strong><br />

Alex Randall, um robô <strong>de</strong> metal com formas humanói<strong>de</strong>s e gran<strong>de</strong>s olhos<br />

redondos vermelhos apareceu pilotando uma motocicleta idêntica à <strong>de</strong> Mel com<br />

um garoto <strong>de</strong> não mais que doze anos na garupa.<br />

Curiosamente, o menino fumava um cachimbo igual ao <strong>de</strong> Alex Randall.<br />

Tendo estacionado ao lado <strong>de</strong> Mel a motocicleta, o robô colocou-a no<br />

pézinho e virou-se para o garoto:<br />

-Algo mais que eu possa fazer, sr?<br />

-Não. Obrigado 2D2R. Por hora é só.<br />

O estranho e feio robô fez uma mesura e se retirou dalí.<br />

O menino fumante tirou a chaves do painel da motocicleta e as entregou<br />

para Mel.<br />

-Reconstruímos ela inteira, pusemos alguns acessórios e ainda lhe <strong>de</strong>mos<br />

alguns “toques” que a <strong>de</strong>ixaram melhor que o mo<strong>de</strong>lo original. Faça bom proveito.<br />

247


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Este mo<strong>de</strong>lo é um clássico.<br />

Em seguida, ele <strong>de</strong>sceu da moto.<br />

Todo mundo ficou besta! O garoto era muito parecido com Alex Randall.<br />

-Você é filho <strong>de</strong> Alex Randall? – Perguntou Mel ao menino.<br />

-Não! Eu sou Alex Randall.<br />

Ninguém enten<strong>de</strong>u nada, mas, logo veio a explicação.<br />

***<br />

-O veneno da cobra que me mor<strong>de</strong>u é muito po<strong>de</strong>roso. Mesmo ao antídotos<br />

disponíveis na central médica <strong>de</strong>sta astronave não foram capazes <strong>de</strong> me salvar.<br />

“Tomei então alguns goles <strong>de</strong> uma Água Purificadora que possui<br />

capacida<strong>de</strong>s curativas sobrenaturais. Além <strong>de</strong> limpar o meu organismo, ela me<br />

rejuvenesceu em décadas!”<br />

Aquela transformação era simplesmente inacreditável.<br />

O garoto fez um gesto e, alí mesmo naquele ambiente, foi projetada uma<br />

cena tridimensional on<strong>de</strong> aparecia o Alex Randall velho <strong>de</strong>itado na maca.<br />

Diversos robôs esféricos circulavam ao seu redor.<br />

Vários tubos estavam ligados no seu corpo.<br />

Um monte <strong>de</strong> aparelhos <strong>de</strong> todo tipo monitorava tudo o que lhe acontecia.<br />

O local da mordida foi mostrado em <strong>de</strong>talhes.<br />

Estava horripilantemente inchado.<br />

Os buracos da mordida feitos pelos <strong>de</strong>ntes da cobra soltavam gran<strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pus.<br />

A pele e os tecidos musculares estavam pretos e pôdres.<br />

Tudo mostrava que aquele era um caso <strong>de</strong> amputação.<br />

Na cena, Alex Randall balbuciou alguma coisa:<br />

-A água purificadora...<br />

Um frasco transparente contendo água foi mostrado sendo levado até a<br />

enfermaria on<strong>de</strong> ocorria aquela cena.<br />

Ele foi aberto e seu conteúdo <strong>de</strong>spejado diretamente na ferida.<br />

Nas imagens que alí eram exibidas, Alex Randall ainda tomou alguns goles<br />

diretamente do frasco.<br />

Imediatamente ocorreram então incríveis transformações.<br />

Um brilho intenso envolveu o corpo <strong>de</strong> Alex Randll e este diminuiu <strong>de</strong><br />

tamanho ao mesmo tempo que ia rejuvenescendo.<br />

O local da ferida, aos poucos foi <strong>de</strong>saparecendo.<br />

248


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

No final daquele incrível processo, Alex Randall havia em poucos instantes<br />

se transformado <strong>de</strong> um velho numa criança e mais uma vez escapado das garras<br />

da morte.<br />

Em seguida, a primeira coisa que o garoto fez, foi pegar o seu cachimbo e<br />

começar a fumar.<br />

Em seguida, pegou o frasco transparente on<strong>de</strong> a água miraculosa estava e<br />

percebeu que o nível <strong>de</strong>la não havia se movido. Como que se nenhuma gota dalí<br />

tivesse sido usada.<br />

A cena tridimensional então se apagou e todos ficaram impressionados.<br />

-Uma imagem vale mais do que mil palavras, pessoal. Mesmo na época <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> venho, esse ditado ainda é muito válido. Imaginem o valor <strong>de</strong>ssa cena. -<br />

Comentou o jovem Alex Randall.<br />

Dredd, um dos policiais, então disse:<br />

-Olha! Acho melhor você nos <strong>de</strong>ixar em casa. Minha cabeça já não tá mais<br />

conseguindo enten<strong>de</strong>r tanta coisa fantástica. Isso, sem mencionar o fato <strong>de</strong> que<br />

vamos ter muito trabalho para explicar tudo o que aconteceu com a gente.<br />

-Isso, se acreditarem. - Emendou seu parceiro Max. - O melhor mesmo é<br />

ficar <strong>de</strong> boca fechada para não per<strong>de</strong>r o emprego.<br />

Os visitantes <strong>de</strong>cidiram então retornar à normalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas vidas<br />

naquele momento, até mesmo, para avisar as famílias <strong>de</strong> que não haviam sido<br />

vitimas dos estragos causados pela onda gigante.<br />

-Que vai fazer daqui por diante? – Perguntou Zéca ao se <strong>de</strong>spedir do seu<br />

biografado.<br />

-Quero voltar para o futuro e consertar tudo o que fiz <strong>de</strong> errado. Com a<br />

máquina do tempo pronta, não terei problemas em alcançar a época correta <strong>de</strong>sta<br />

vez...<br />

As <strong>de</strong>spedidas não se prolongaram muito. Foram até rápidas.<br />

Todos os visitantes foram teletransportados para um lugar seguro em terra.<br />

Ao olharem para o céu estrelado, ainda viram um ponto brilhar<br />

intensamente por alguns segundos, e então, <strong>de</strong>saparecer em seguida.<br />

Era o Viajante das Estrelas zarpando rumo ao infinito.<br />

Mel perguntou então para Zéca:<br />

-Preten<strong>de</strong> publicar seus textos? Acha que vai conseguir emplacar uma<br />

ficção científica em tempos <strong>de</strong> crise?<br />

-Ficção científica? Está <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira comigo? Se eu não for preso por<br />

mostrar a verda<strong>de</strong> para o povo, certamente ganharei um prêmio por revelar fatos<br />

que o governo insiste em escon<strong>de</strong>r.<br />

Mel achou melhor não discordar.<br />

249


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

O tal Zéca até que tinha razão. Talvez nem fosse totalmente louco.<br />

Depois que saiu dalí pilotando sua motocicleta, Mel evitaria comentar o<br />

assunto com outras pessoas, assim, não correria o risco <strong>de</strong> passar o resto da vida<br />

na prisão ou num manicômio.<br />

************<br />

***<br />

250


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

”MAKING OFF” <strong>de</strong> ”MEMORIAIS DE ALEX RANDALL”<br />

Antes <strong>de</strong> mais nada convém parabenizar à qualquer pessoa que bravamente<br />

tenha transposto as páginas <strong>de</strong>sta obra até chegar a suas <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras linhas.<br />

Esse é um feito heróico conseguido por poucos já que, certamente, muitos terão<br />

<strong>de</strong>sistido <strong>de</strong> tão penosa leitura para <strong>de</strong>dicar-se a mais úteis afazeres.<br />

Para os finalistas, <strong>de</strong>ixo aqui uma saudação, o sincero agra<strong>de</strong>cimento em<br />

reconhecimento a tanto esforço e as últimas linhas com um pequeno relatório a<br />

respeito do trabalho.<br />

Os primeiros esboços não traçados <strong>de</strong>sta obra nasceram do um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> criar<br />

um herói aventureiro do espaço.<br />

Cresci lendo muita literatura fantástica e, para mim, nada mais natural do que ser<br />

um escritor <strong>de</strong> ficção científica ou <strong>de</strong>senhista <strong>de</strong> histórias em quadrinhos.<br />

Com tais objetivos em mente, morando num país que mal sabe ler ou investe na<br />

cultura, e menos ainda, num gênero consumido por poucos, só pu<strong>de</strong> acabar<br />

dando com os burros n’água no que se trata <strong>de</strong> ficar podre <strong>de</strong> rico.<br />

Mesmo <strong>de</strong>siludido com o fim do sonho, na medida do possível, continuei<br />

escrevendo e <strong>de</strong>senhando.<br />

As histórias <strong>de</strong> Alex Randall começam quando eu tinha 23 anos.<br />

Sua primeira aparição se <strong>de</strong>u como personagem secundário numa outra história.<br />

Depois <strong>de</strong> algum tempo, acabei engavetando tudo.<br />

O tempo foi passando, idéias iam e vinham, mas as exigências do dia a dia<br />

acabavam impedindo a retomada <strong>de</strong> projetos que não ren<strong>de</strong>ssem algum dinheiro.<br />

Ainda assim, continuava lá escrevendo uma e outra histórinha fantástica ou<br />

<strong>de</strong>senhando quadrinhos até para aliviar um pouco do stress.<br />

Certo momento, percebi que, quase tudo que escrevi antes, teria <strong>de</strong> ser<br />

reformulado.<br />

.<br />

Para tanto, passei por algumas modificações no que se refere à forma <strong>de</strong><br />

251


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

escrever.<br />

A paciência e as constantes revisões ajudam um pouco. A informática também.<br />

Para mim, é uma criação marcante não só pelo tamanho mas também porquê no<br />

<strong>de</strong>correr do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>la, ocorreu a morte <strong>de</strong> uma das suas musas<br />

inspiradoras: a minha irmã Alessandra.<br />

Antes <strong>de</strong>sse triste fato, em 1988, ano em que ela completou <strong>de</strong>zoito anos, fiz o<br />

segundo conto da primeira versão dos relatórios <strong>de</strong> Alex Randall <strong>de</strong>dicado para<br />

ela.<br />

Em 2004, no final do mês <strong>de</strong> março, ela foi tragicamente assassinada <strong>de</strong>ntro da<br />

própria casa on<strong>de</strong> morava, e infelizmente, não esta viva para ver o fim da obra<br />

que <strong>de</strong> maneira indireta <strong>de</strong>ixou sua marca.<br />

Finalizo concluindo que a ficção científica talvez no nosso querido Brasil ainda não<br />

seja um caminho fácil e seguro para se ganhar dinheiro, mas com certeza, em<br />

qualquer parte do universo serve como meio <strong>de</strong> alívio das tensões e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sligamento dos problemas do dia a dia.<br />

quinta-feira, 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005<br />

2:07hs<br />

P.S – Vale aqui lembrar que a primeira história <strong>de</strong> Alex Randall foi muito<br />

provavelmente escrita num domingo, pois, à época da criação <strong>de</strong>ste personagem,<br />

eram aos fins <strong>de</strong> semana que eu tinha tempo para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>senvolver projetos<br />

malucos.<br />

Também não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lembrar que a primeira digitação final <strong>de</strong>sta obra se<br />

encerrou num domingo à noite pouco após o meu po<strong>de</strong>roso TIMÃO vencer um<br />

clássico do campeonato brasileiro contra os nossos maiores arqui-rivais paulistas<br />

no futebol. É um bom sinal e um fechamento com chave <strong>de</strong> ouro!<br />

Domingo 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005<br />

20:00hs.<br />

P.S(2)- O texto que se segue complementa o anterior.<br />

***<br />

Foi realizado após a revisão <strong>de</strong>ste trabalho que se findou na data abaixo.<br />

Ela foi feita com o intuito <strong>de</strong> eliminar alguns buracos e baboseiras do<br />

original dando maior agilida<strong>de</strong> à sua leitura.<br />

252


------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL----------------------------------------<br />

Fernando ZÉCA Troitiño<br />

Aparentemente, se mostrou bem sucedida já que eliminou mais <strong>de</strong> 10% do<br />

texto anterior sem alterar o conteúdo do trabalho.<br />

Tamanho preciosismo visou oferecer melhor qualida<strong>de</strong> à uma obra que<br />

preten<strong>de</strong> aliviar o leitor dos problemas cotidianos.<br />

Entre os <strong>de</strong>ste autor, além das <strong>de</strong>cepções com a administração pública que<br />

o governo dá ao país, tem ainda que suportar o seu timão do coração passando<br />

por maus momentos no futebol, incluindo quase um ano sem vitórias em clássicos<br />

e uma <strong>de</strong>rrota para o seu maior rival que ocorreu no começo <strong>de</strong>ste mês.<br />

São as reviravoltas que o mundo futebolístico dá constantemente. Para o<br />

bem ou para o mal.<br />

Quero finalmente <strong>de</strong>dicar todos os Relatórios <strong>de</strong> Alex Randall ao meu pai,<br />

D. PEPE que, também é um apreciador <strong>de</strong> Ficção Científica.<br />

Certamente, sem ele, estas linhas não teriam sido escritas.<br />

Quinta Feira, 15 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 2007<br />

22:34hs<br />

***<br />

P.S.(3)-Aqui com estas linhas finalizo os MEMORIAIS DE ALEX RANDALL<br />

<strong>de</strong>finitivamente.<br />

Esta foi a última revisão pelo qual o texto passou, tendo em vistas,<br />

justamente melhorar alguns pontos que não foram acertados na outra anterior e<br />

também, colocar <strong>de</strong> forma mais lógica fatos cronológicos da história do herói.<br />

Comparativamente aos Relatórios <strong>de</strong> Alex Randall o texto sofreu muitas<br />

mudanças, incluindo o próprio nome, que, anteriormente se chamavam<br />

RELATÓRIOS DE ALEX RANDALL, mas que, com a nova mudança, se a<strong>de</strong>qua<br />

melhor aos objetivos pretendidos pelo humil<strong>de</strong> autor <strong>de</strong>stas linhas.<br />

Do coração, espero ter melhorado o trabalho.<br />

Terça Feira, 27 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2009<br />

17:11hs<br />

253

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!