Da Epopéia Matogrossense - Biblioteca Virtual José de Mesquita
Da Epopéia Matogrossense - Biblioteca Virtual José de Mesquita
Da Epopéia Matogrossense - Biblioteca Virtual José de Mesquita
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>José</strong> <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />
Do Instituto Histórico e da Aca<strong>de</strong>mia<br />
Mato-grossense <strong>de</strong> Letras<br />
<strong>Da</strong> <strong>Epopéia</strong><br />
Mato-grossense<br />
Sonetos<br />
Almeida Jr, A partida da monção, Museu Paulista<br />
CUIABÁ<br />
Escolas Profissionais Salesianas<br />
MCMXXX<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
<strong>José</strong> Barnabé <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />
(*10/03/1892 †22/06/1961)<br />
Cuiabá - Mato Grosso<br />
<strong>Biblioteca</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>José</strong> <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong><br />
http://www.jmesquita.brtdata.com.br/bvjmesquita.htm<br />
2
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
DO AUCTOR:<br />
Poesias 1919<br />
Elogio histórico do Dr. Antônio Corrêa da Costa 1920<br />
O Catholicismo e a Mulher (discurso) 1925<br />
Elogio fúnebre do General Caetano <strong>de</strong> Albuquerque 1926<br />
Terra do berço (poesias) 1927<br />
A Cavalhada (contos) 1928<br />
Um paladino do Nacionalismo (elogio acadêmico <strong>de</strong> Couto <strong>de</strong><br />
Magalhães) 1929<br />
Semeadoras do futuro (discurso paranynfal) 1930<br />
<strong>Da</strong> <strong>Epopéia</strong> Mato-grossense (sonetos) 1930<br />
3<br />
3<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Taboa<br />
A Terra Virgem<br />
O Preço da Conquista 6<br />
Os Descobridores 7<br />
A Missão <strong>de</strong> Antunes Maciel 8<br />
A Colônia<br />
O Milagre da Custodia 10<br />
Bom Jesus 11<br />
A Heroína do Carandá 12<br />
O Cruzeiro da Al<strong>de</strong>ia Velha 13<br />
Os Festas do Ouvidor 14<br />
A Éra das Fundações<br />
Os Plantadores <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong>s 16<br />
Dido Colonial 17<br />
A Rainha do Quariteré 18<br />
O Socorro á Villa Bella 19<br />
Cyclo Imperial<br />
Os Paranistas I 21<br />
Os Paranistas II 22<br />
Velho Santeiro 23<br />
Jacobina 24<br />
Flor da Selva 25<br />
A Guerra<br />
As Mulheres <strong>de</strong> Coimbra 27<br />
O “Bravo” do Sará 28<br />
Baluarte vivo 29<br />
A Vivan<strong>de</strong>ira do 17 30<br />
A Reconquista 31<br />
O Sul<br />
As “Posses” <strong>de</strong> Lopes 33<br />
A Rosa <strong>de</strong> Maracajú 34<br />
Ve<strong>de</strong>ta da Pátria 35<br />
A Éra Nova<br />
Visão do Futuro 37<br />
4
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
A Terra Virgem<br />
5<br />
5<br />
A Ulysses Cuiabano<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
O Preço da Conquista<br />
Não conseguiu, entretanto, gozar da<br />
fortuna que o seu inaudito esforço<br />
alcançara.<br />
Ao regressar <strong>de</strong> sua estupenda investida<br />
a essas remotas regiões, carregado <strong>de</strong><br />
ouro, foi assassinado pelos índios<br />
payaguás, da mesma forma porque o fôra<br />
<strong>de</strong>pois seu emulo Ayolas, apo<strong>de</strong>rando-se<br />
estes índios dos <strong>de</strong>spojos que elle<br />
conduzia do Perú.<br />
(Antonio Corrêa da Costa − Os<br />
pre<strong>de</strong>cessores dos Pires <strong>de</strong> Campos e<br />
Anhangueras, pg.17)<br />
Novo Jasão empós do vellocino louro,<br />
vai Aleixo Garcia em busca do Eldorado.<br />
Acena-lhe, ao fulgor <strong>de</strong> uma miragem <strong>de</strong> ouro,<br />
da Sierra <strong>de</strong> La Plata o re<strong>de</strong>nte azulado.<br />
Rebrilha-lhe no olhar, sem pecha nem <strong>de</strong>sdouro,<br />
o valor, a ambição, o heroísmo <strong>de</strong>smarcado<br />
<strong>de</strong>sses a quem seduz um longínquo thesouro<br />
ou um distante amor, vagamente esperado...<br />
Eis que ao voltar, todo coberto <strong>de</strong> riqueza,<br />
prostra-o do payaguá a flecha, na sortida,<br />
e elle, em seu sonho ar<strong>de</strong>nte e cheio <strong>de</strong> belleza,<br />
pren<strong>de</strong>-se para sempre ao seio idolatrado<br />
da terra que lhe cobra ao preço vil da vida<br />
essa gloria immortal <strong>de</strong> a haver primeiro amado!<br />
6
A Antonino Ferrari<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Os Descobridores<br />
...<strong>de</strong>stes o primeiro que subiu o rio<br />
Cuyabá foi Antonio Pires <strong>de</strong> Campos em<br />
procura do gentio Coxiponé...<br />
No seguinte anno prosseguiu Paschoal<br />
Moreira Cabral o mesmo rumo...<br />
(Chronicas <strong>de</strong> Cuiabá)<br />
Vinham <strong>de</strong> muito longe aquelles sertanistas,<br />
rompendo a selva espessa, a solidão bravia,<br />
valle aberto em marneis, serra ouriçada em cristas,<br />
rios e igarapés, sem <strong>de</strong>scansar um dia.<br />
Vinham <strong>de</strong> muito alem, a cata <strong>de</strong> conquistas<br />
<strong>de</strong> índios e do ouro bom, que nesta terra havia,<br />
e, <strong>de</strong>stemido, o bando heróico <strong>de</strong> paulistas,<br />
palmo a palmo, o sertão perigoso corria...<br />
Trás dos coxiponés e do ouro e dos diamantes,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito esforço e lida, foram dar<br />
a Cuyabá, e, ali, os bravos ban<strong>de</strong>irantes<br />
ergueram o arraial, entre as ver<strong>de</strong>s colinas,<br />
sendo governador o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar,<br />
capitão-general <strong>de</strong> S. Paulo e das Minas.<br />
7<br />
7<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
A Missão <strong>de</strong> Antunes Maciel<br />
A Francisco Men<strong>de</strong>s<br />
Missionário feliz, parte das novas minas,<br />
encarregado pelos chefes da “ban<strong>de</strong>ira”<br />
Maciel, levando, a par das amostras aurinas,<br />
aos <strong>de</strong> Piratininga a nova alvissareiras.<br />
Por esta escripta aqui copiada do mesmo<br />
original mostra-se ser Antunes Maciel o<br />
enviado com as noticias e mostras <strong>de</strong><br />
ouro do novo <strong>de</strong>scobrimento . . . e <strong>de</strong><br />
toda a capitania <strong>de</strong> S. Paulo se abalaram<br />
muitos <strong>de</strong>ixando casa, fazendas,<br />
mulheres e filhos.<br />
(Chronicas <strong>de</strong> Cuyabá, anno 1719)<br />
Todo a terra que − ó ouro! encantas e allucinas −<br />
se agita duma febre e ardor, <strong>de</strong> tal maneira<br />
que, em pouco, do Tietê riscando as tremulinas,<br />
lá se vão as monções, na intrépida carreira.<br />
Lar pacifico e amigo, on<strong>de</strong>, a arrulhar em beijos,<br />
se abrem lábios <strong>de</strong> esposa e filhos ainda insontes,<br />
roças, campus, a<strong>de</strong>us! a<strong>de</strong>us, simples <strong>de</strong>sejos,<br />
que a alma do ban<strong>de</strong>irante ahi vai, por selva e montes,<br />
a povoar do seu sonho os rincões sertanejos<br />
e a abrir para o Brasil tr.ais largos horizontes!<br />
8
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
A Colônia<br />
9<br />
9<br />
A Nilo Povoas<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
O Milagre da Custodia<br />
Sobre o rústico altar, em throno <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira,<br />
na custodia se occulta a hóstia intemerata.<br />
Dia <strong>de</strong> Endoenças. Os mineiros, em compacta<br />
multidão, da matriz enchem a nave inteira.<br />
Chegada a quaresma, celebrando-se os<br />
officios divinos na egreja Matriz,<br />
expondo-se o Santíssimo Sacramento,<br />
em quinta-feira santa, posta a custodia no<br />
throno, que era <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, armado por<br />
fóra da pare<strong>de</strong> da Capela sem tribuna,<br />
<strong>de</strong>u a Custodia volta para a parte da<br />
Epistola, ficando com o lado para o<br />
povo... o que aconteceu terceira vez á<br />
vista <strong>de</strong> todos... <strong>de</strong>monstração que fez<br />
Deus Nosso Senhor <strong>de</strong> que não era<br />
servido que se <strong>de</strong>spovoasse este sertão<br />
como todos <strong>de</strong>terminavão e da<br />
perpetuação <strong>de</strong>sta colônia.<br />
(Chronicas <strong>de</strong> Cuyabá, anno <strong>de</strong> 1728)<br />
Eis sinão quando, ao olhar da turba estupefacta,<br />
por três vezes se volve a custodia, em maneira<br />
que da hóstia apparece a face verda<strong>de</strong>ira:<br />
em haste <strong>de</strong> ouro, alva camélia, flor <strong>de</strong> prata.<br />
Era ao tempo em que, sobre a miséria, o flagicio,<br />
as minas a assolar, a dôr em tudo punha.<br />
Do êxodo a porta abria o horror do sacrifício...<br />
Ante a forma, porém, com que o Senhor, agora,<br />
a sua dilecção tão claro testemunha,<br />
a vida no sertão exsurge e se reenflóra!<br />
10
A Feliciano Galdino<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Bom Jesus<br />
11<br />
11<br />
Foi esta imagem fabricada na villa <strong>de</strong><br />
Sorocaba por mãos <strong>de</strong> uma mulher;<br />
trouxe-a comsigo um Pedro <strong>de</strong> Moraes...<br />
e não po<strong>de</strong>ndo continuar o caminho<br />
pelas difficulda<strong>de</strong>s que naquelles tempos<br />
havia, arriba e <strong>de</strong>ixa a imagem em um<br />
rancho coberto <strong>de</strong> palha... o que<br />
sabendo-se nesta villa, foi mandado<br />
buscal-a...<br />
(Chronicas <strong>de</strong> Cuiabá, anno <strong>de</strong> 1729)<br />
Mãos <strong>de</strong> mulher, na velha e heróica Sorocaba,<br />
fizeram esta augusta imagem do Senhor.<br />
Trouxe-a não um extranho, um advena, um emboaba,<br />
Mas Pedra <strong>de</strong> Moraes, paulista sem temor.<br />
Dura a rota, cruel a jornada, em que acaba<br />
o animo do mais ru<strong>de</strong> e audaz <strong>de</strong>sbravador:<br />
− rios nove a vencer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Araritaguaba,<br />
serras e boqueirões medonhos a transpor !<br />
Mas quando, baldo o esforço, a energia vencida,<br />
param em Camapuan, <strong>de</strong>salentadamente,<br />
vem a imagem buscar uma turma luzida,<br />
que, entre festas e gáudio, ás minas a conduz<br />
e doando o Bom Jesus á Cuyabá virente,<br />
a linda Cuyabá consagra ao Bom Jesus!<br />
A Fernando Campos<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
A heroína do carandá<br />
Começava a povoar-se o sertão, lento e lento.<br />
Nas catas, a faiscar, o ouro virgem fulgia.<br />
E abre-se nas monções, que sobem dia a dia,<br />
a tragédia da entrada e o ru<strong>de</strong> povoamento.<br />
Eis que se lhes <strong>de</strong>fronta a indômita energia<br />
do fero payaguá, num rechaço cruento,<br />
oppondo ao invasor a lança e o arco violento,<br />
que da barranca a flecha irosa <strong>de</strong>spedia.<br />
E ahi, no Carandá, enfrentam-se as três raças,<br />
e, na pugna cimmeria, inscreve-se o tremendo<br />
conflicto secular, repleno <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraças...<br />
. . . no districto do Carandá lhes sahio<br />
hum gran<strong>de</strong> tumulto <strong>de</strong> Payagoas . . .<br />
oppondosse unicamente Pimentel na sua<br />
canoa auxiliado <strong>de</strong> Maria mullata natural<br />
do Alentejo... Morto Pimentel, esgotado<br />
em sangue sustentou ainda a forte<br />
maltrona por espaço <strong>de</strong> uma hora a<br />
peleja com toda a brutina furia... lhe que<br />
exausta do sangue passou <strong>de</strong>sta a eterna<br />
vida.<br />
(Chronicas do Cuyabá, anno do 1733)<br />
E avulta, como á luz da ribalta eschyliana,<br />
essa extranha Mulher que, ao morrer, combatendo,<br />
baptiza com o seu sangue a terra cuyabana!<br />
12
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
O Cruzeiro da Al<strong>de</strong>ia Velha<br />
A Frei Ambrosio <strong>Da</strong>y<strong>de</strong><br />
13<br />
13<br />
E o viajante que alli o escuta, cuida ver o<br />
Padre Estevão, em maio á tribu que lhe<br />
pen<strong>de</strong> dos lábios, levantar ainda o sua<br />
cruz <strong>de</strong> missionário naquellas<br />
culminâncias da terra cuiabana, como<br />
que abençoando, lado lado, os seus<br />
horizontes interminos.<br />
(D. Aquino − Apóstolos Anonymos)<br />
Eil-o á margem da estrada, á orla do campo erguido,<br />
tosco, abrindo-se ali, como si do planalto<br />
ao sol, fosse elle um marco entre a região do Olvido,<br />
no negro da ma<strong>de</strong>ira a imitar o basalto.<br />
Vêl-o é tudo evocar <strong>de</strong>sse tempo esquecido,<br />
cuja gloria e louvor em meus versos exalto.<br />
Tem por sócco a alta serra e docel estendido<br />
é lhe o céo plumbeo ou azul, <strong>de</strong> saphira ou cobalto.<br />
Abre-se-lhe em redor a flor rústica e pobre<br />
do gerbão e, ali junto, a virgem cabeceira<br />
do Coxipó-Mirim entre o cangal se encobre.<br />
E a alma do que o erigiu paira no ambiente rudo,<br />
canta na água a escachoar, brilha na luz fagueira,<br />
<strong>de</strong> um perfume subtil embalsamando tudo...<br />
A Ovidio Corrêa<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
As festas do Ouvidor<br />
Em casa do ouvidor Diogo <strong>de</strong> Lara impera<br />
gran<strong>de</strong> rumor festivo e álacre ha muitos dias,<br />
pois toda a Cuyabá, que o estima e venera,<br />
os annos lhe festeja, em meio <strong>de</strong> alegrias.<br />
Estas festas duraram mais <strong>de</strong> um mez e<br />
foram celebradas no anniversário do dr.<br />
Diogo Ordonhes, ouvidor do Cuyabá.<br />
(Notas <strong>de</strong> Toledo <strong>de</strong> Piza ás Chronicas<br />
do Cuyabá, Ver. I.H.S.Paulo, 219)<br />
Des<strong>de</strong> a funcção na egreja, imponente e severa,<br />
ás forças, entremez, cavalhadas, folias,<br />
vibra a alma popular, nessa expansão sincera<br />
das horas <strong>de</strong> prazer, breves e fugidias.<br />
Na sala, á quente luz do bronzeo candieiro,<br />
dança-se o passapié fidalgo e maneiroso,<br />
emquanto, ao luar, lá fóra, em meio do terreiro,<br />
a “tyranna” <strong>de</strong>sperta a noite docemente,<br />
no seu lânguido tom, em seu menear <strong>de</strong>ngoso,<br />
mixto <strong>de</strong> alegre riso e <strong>de</strong> chorar dolente...<br />
14
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
A Era das Fundações<br />
15<br />
15<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Os plantadores <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s<br />
A D. Helvécio, Arcebispo <strong>de</strong> Marianna<br />
Violador <strong>de</strong> sertões, plantador <strong>de</strong><br />
cida<strong>de</strong>s,<br />
Dentro do coração da pátria viverás!<br />
(Bilac − O caçador <strong>de</strong> esmeraldas)<br />
Gran<strong>de</strong> éra que és, na Historia, a base <strong>de</strong> granito<br />
em que, pujante e audaz, se levanta o presente,<br />
representas o esforço, o trabalho inaudito<br />
<strong>de</strong>sses que, antes <strong>de</strong> nós, luctaram bravamente.<br />
De Rolim a Luis Pinto e ao Cáceres invicto,<br />
eis surge Villa Bella, a lendária, a ri<strong>de</strong>nte<br />
Villa Maria e após, nesse abrolhar bemdicto,<br />
Albuquerque, a gentil, e Coimbra, a resistente;<br />
Vizeu e Casalvasco e Príncipe da Beira<br />
e Miranda, e outros mais, germes <strong>de</strong> povoados,<br />
<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s fecunda e bella sementeira...<br />
Capitães-generaes, rijos hoplitas <strong>de</strong> aço,<br />
numes <strong>de</strong> nossa terra, erguei-vos, <strong>de</strong>nodados,<br />
para que ainda hoje a ampare o vosso hercúleo braço.<br />
16
A Alfredo Pacheco<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Dido Colonial<br />
Quem foste, pobre Dido ou misera Moema,<br />
figura senhorial <strong>de</strong>ssas eras douradas,<br />
cujas meigas feições, trahindo a dôr extrema,<br />
anonymo pincel aqui <strong>de</strong>ixou vasadas?<br />
17<br />
17<br />
Numa portada <strong>de</strong> antecâmara, uma<br />
dama trajada <strong>de</strong> amplo vestido<br />
escarlate, em gestos <strong>de</strong> quem<br />
vehementemente impréca um gordo e<br />
roliço Capitão general...<br />
(João Severiano − Viagem ao redor do<br />
Brasil)<br />
Feliz quem, no crysol divino <strong>de</strong> um poema,<br />
− filha <strong>de</strong> Pouso-Alegre − em estrophes lavradas,<br />
tua ignota paixão tomasse como thema,<br />
revivendo o esplendor das épocas passadas!<br />
<strong>Da</strong> “Sala do docel” te evoco entre a moldura,<br />
no cáes do Guaporé, na matriz da Trinda<strong>de</strong>,<br />
avultas, como á luz <strong>de</strong> antiga illuminura...<br />
Viva te sinto, em teu perfil sombrio e altivo,<br />
sertaneja visão da dôr e da sauda<strong>de</strong>,<br />
symbolo <strong>de</strong>sse amor que, morto, ainda é mais vivo!<br />
A Olegário <strong>de</strong> Barros<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
A Rainha do Quariteré<br />
Lá por on<strong>de</strong> o Galera as águas vai fluindo,<br />
foi <strong>de</strong> Quariteré o quilombo afamado,<br />
em que a negra Teresa o seu po<strong>de</strong>r infindo<br />
exercera, em cruel e trágico reinado.<br />
Quando foi presa esta negra<br />
Amazona parecia Pestesilea<br />
furens, mediisque in milibus<br />
ar<strong>de</strong>nt... E foi tal a paixão que<br />
tomou em se ver conduzir para<br />
esta villa, que morreu<br />
enfurecida. Imitou no animo a<br />
gran<strong>de</strong> Cleópatra que quiz a<br />
morte, do que entrar no triumpho<br />
em Roma...<br />
(Nogueira Coelho − Memórias<br />
do anno 1770)<br />
No mais ermo da matta ergue o seu throno lindo<br />
a Rainha que traz a seu sceptro curvado<br />
o quilombo, a que vai nova gente affluindo,<br />
na ânsia <strong>de</strong> livre ser, longe do jugo odiado.<br />
Mas já <strong>de</strong> Villa Bella a tropa numerosa<br />
na pugna árdua e feroz os leva <strong>de</strong> vencida<br />
e, presos, se lhes reabre a via-dolorosa...<br />
Não Teresa, porém, que, esmagada e ferida,<br />
prefere a morte ao jugo e mostra, intemerosa,<br />
que é a liberda<strong>de</strong> só que dá valor á vida.<br />
18
A Leônidas <strong>de</strong> Mattos<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
O socorro a Villa Bella<br />
19<br />
19<br />
...porque se vêm or<strong>de</strong>ns sobre or<strong>de</strong>ns do<br />
General que manda aos chefes dos<br />
corpos Auxiliar e or<strong>de</strong>nanças que sem<br />
perda <strong>de</strong> tempo e quanto antes fação<br />
expedir gente e mais gente para socorrer<br />
a fronteira da capital que consi<strong>de</strong>ra<br />
sitiada já dos Espanhoes.<br />
(Chronicas <strong>de</strong> Cuiabá, anno 1771)<br />
Porque o luso po<strong>de</strong>r não se afraque ou sossobre<br />
ante as armas <strong>de</strong> Espanha, em recontros fataes,<br />
eis chama o General do mais rico ao mais pobre,<br />
e eil-os, presto, se vão, altivos e leaes.<br />
Á frente, <strong>José</strong> Paes Falcão das Neves, nobre<br />
<strong>de</strong> linhagem, senhor das lavras <strong>de</strong> Cocaes,<br />
os hussares commanda ... E não tarda redobre<br />
o ardor e os pelotões, cresçam cada vez mais.<br />
Já <strong>de</strong> Paschoal Delgado os rijos fuzileiros<br />
em flotilha lá vão, rumo ao palco da lucta,<br />
e Antonio Luis, Poupino, c Rebello e Barreiros...<br />
E toda a fina flor do Cuyabá se irmana<br />
ao ru<strong>de</strong> trom que, alem, na fronteira se escuta,<br />
para a audácia abater da tropa castelhana!<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Cyclo Imperial<br />
20
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Os Paranistas<br />
21<br />
21<br />
Costumão reunir-se em monções para se<br />
prestarem mutuo auxilio, gastão <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scida atê o −Itaituba que dista do Rio-<br />
Preto 270 leguas, cerca <strong>de</strong> 30 dias, tendo<br />
<strong>de</strong> varar embarcações por terra em<br />
differentes lugares <strong>de</strong> cachoeira, sendo a<br />
mais notável a do Salto Augusto”.<br />
(Moutinho: Noticia, pág 213)<br />
À memória do meu tio Herculano <strong>de</strong> <strong>Mesquita</strong> Moniz<br />
Eil-os que vão, á flor da lenta correnteza,<br />
da leve igarité ao <strong>de</strong>slisar macio,<br />
pelos ínvios sertões, domínio da sorpreza,<br />
<strong>de</strong> porto em porto, salto em salto, rio em rio.<br />
Do sombrio Rio Preto, em temerária empreza,<br />
<strong>de</strong>mandam Santarém, longos dias a fio,<br />
cortando, ao sol e á chuva, o país da Incertteza,<br />
on<strong>de</strong> com a féra ultriz se alterna o índio bravio.<br />
Já no Itaituba, ao longe, o Tapajós gigante<br />
canta-lhes ao ouvido, em doce melopéa,<br />
a acenar-lhes o fim da jornada extenuante.<br />
E eil-os vão-se, a rodar, á canção dolorida<br />
das águas, nessa obscura e anonyma epopéa,<br />
tanto mais bella, quanto menos conhecida!<br />
I<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Meses longos após, voltam os paranistas.<br />
Tostou-os a intempérie, as febres insidiosas,<br />
salteou-os o pium e as séttas imprevistas<br />
do tapanhuna, entre as barrancas silenciosas.<br />
Tudo venceram e eis já lhes assoma ás vistas,<br />
meiga, a visão do lar − mães e esposas saudosas −<br />
para quem, quaes tropheus <strong>de</strong> lendárias conquistas,<br />
trazem o guaraná e as castanhas cheirosas.<br />
Ouve-se, ao longe, echoar a buzina estri<strong>de</strong>nte,<br />
e o ru<strong>de</strong> e forte trom dos tiros, reboando,<br />
repercute no valle, estridulo e fremente.<br />
E Diamantino accorda ao rumor da chegada,<br />
ao álacre gritar das araras em bando,<br />
que enchem o claro céu da sua revoada...<br />
II<br />
22
A Arnaldo Serra<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Velho Santeiro<br />
Paciente, horas a fio entregue ao seu officio,<br />
Mestre Catirité, na mo<strong>de</strong>sta arribana,<br />
fóra da agitação do mundano bulicio,<br />
esculpta, na ma<strong>de</strong>ira, uma linda Santa Anna.<br />
23<br />
23<br />
...os artistas futuros hão <strong>de</strong> procurar nos<br />
Santeiros e encarnadores anônimos... as<br />
primeiras e tocantes manifestações do<br />
pensamento artístico brasileiro.<br />
(Affonso Arinos)<br />
Não lhe chega ao casebre a torrente do vicio,<br />
que da torpe ambição, do insano amor promana;<br />
mas também <strong>de</strong>sconhece esse áspero flagicio,<br />
em que, <strong>de</strong> sol a sol, se tortura a alma humana.<br />
No cuidado lavor <strong>de</strong> um artista medievo,<br />
corta, <strong>de</strong>sbasta, lixa, encéra e aperfeiçôa<br />
a imagem que o seu nome ha <strong>de</strong> tornar longevo;<br />
pois que, vencendo o tempo e o seu <strong>de</strong>stino obscuro,<br />
vive-lhe inda a memória humil<strong>de</strong>, terna e bôa,<br />
na obra das suas mãos, que lhe abrira o futuro.<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
Jacobina<br />
Ao Desembargador João Carlos Pereira Leite<br />
Jacobina fez sua época: ali faziam-se<br />
festas do Espirito Santo, em outros<br />
tempos, que rivalisaram com a da Villa<br />
(hoje cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cáceres) havendo missa<br />
cantada, corrida <strong>de</strong> cavalhadas, touros, e<br />
as quaes concorria gran<strong>de</strong> multidão <strong>de</strong><br />
povo.”<br />
(Memória escripta por Mariano<br />
Ramos, publicada no “Ittinerário da<br />
Visita pastoral” do P. Bento, 1888.)<br />
Velho e augusto solar <strong>de</strong> altiva e nobre gente,<br />
como aos <strong>de</strong> hoje, saudoso e evocativo, falas !<br />
Tal, sob a cinza, o fogo a consumir-se, ar<strong>de</strong>nte,<br />
inda a alma do passado erra por tuas salas.<br />
Relumbras, ao clarão <strong>de</strong> uma eda<strong>de</strong> fulgente,<br />
escombros do que foi, a irradiar luz e galas...<br />
Festas <strong>de</strong> antanho... o antigo fausto resplen<strong>de</strong>nte...<br />
Idyllios dos salões... tragédias das senzalas...<br />
A escravatura... O “engenho”... A “casa dos senhores”...<br />
O velho heroísmo luso em selvagem petrina...<br />
Dias <strong>de</strong> gloria e pompa... Extinctos esplendores!<br />
Tudo, como num sonho, em teus muros esvoaça,<br />
porque tu és, a um tempo, ó velha Jacobina,<br />
symbolo <strong>de</strong> uma éra e berço <strong>de</strong> uma raça!<br />
24
A Tolentino <strong>de</strong> Almeida<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Flor da Selva<br />
Linda flor dos sertões <strong>de</strong> minha terra agreste,<br />
mais que as tuas irmans te foi cruel a sorte:<br />
Iracema <strong>de</strong> luz romântica se veste<br />
e Lindoya encontrou o consolo na morte.<br />
Que estupenda lição, todavia, nos déste<br />
<strong>de</strong> abnegado heroísmo, a arrostar, rija e forte,<br />
a ingratidão daquelle em quem a fé puseste,<br />
indigno <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r um a alma do teu porte!<br />
Esquecida e abandonada. (a índia Rosa<br />
tendo apenas a curtir a sauda<strong>de</strong> dos<br />
dias victoriosos, balbuciando o nome<br />
da filha que tanto amava.,sucumbiu<br />
nos braços do seu único filho <strong>José</strong>...<br />
(E. Mendonça − <strong>Da</strong>tas, II, 58)<br />
Tua raça acha em ti o symbolo sublime.<br />
Sacrifica á paz e ao amor; tua alma ainda erra<br />
entre nós e o passado infamante redime.<br />
E’s gran<strong>de</strong>, ainda maior no teu longo supplicio...<br />
Rosa; tua fragrância embalsama esta terra<br />
do aroma da paixão, do olor do sacrifício!<br />
25<br />
25<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
A Guerra<br />
26
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
As Mulheres <strong>de</strong> Coimbra<br />
A Antônio Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Souza<br />
Vigília heróica a vossa, á espera do inimigo,<br />
horas longas no forte, alta noite velando,<br />
como na evocação <strong>de</strong> ru<strong>de</strong> quadro antigo,<br />
apetrechos <strong>de</strong> morte e excidio fabricando!<br />
27<br />
27<br />
Dentro <strong>de</strong> forte estavam, porém,<br />
mulheres brasileiras, esposas e filhas <strong>de</strong><br />
officiaes e praças da guarnição.<br />
Emquanto os maridos e paes montavam<br />
guarda nas muralhas, ellas passaram a<br />
noite fabricando cartuchos<br />
(Gensérico <strong>de</strong> Vasconcellos: A Guerra<br />
do Paraguay no theatro Matto-Grosso)<br />
Mãos que a esmola e o perdão sempre trazem comsigo,<br />
eil-as a preparar o embate formidando,<br />
e, ao invés <strong>de</strong> semear o doce amplexo amigo,<br />
no labor e na prece as vemos, se, alternando...<br />
E emquanto a noite corre e os homens, valoro.sos,<br />
quedam-se na muralha, o olhar no espaço mudo,<br />
ellas − os corações cheios <strong>de</strong> febre e ansiosos −<br />
mostram-nos, nesse exemplo altisono e eloqüente,<br />
que as mãos que para o amor são feitas <strong>de</strong> velludo,<br />
são, diante do <strong>de</strong>ver, <strong>de</strong> bronze resistente.<br />
A Miguel Mello<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
O ‘Bravo’ do Sará<br />
O que foi aquella terrível marcha durante<br />
quatro mezes, por paúes quasi<br />
inva<strong>de</strong>aveis, em solo sempre encharcado<br />
cortado <strong>de</strong> fundos corixos na estação<br />
mais rigorosa do anno, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong><br />
contínuos aguaceiros, por logares nunca<br />
transitados, sem guia, vencendo enormes<br />
distancias e rios caudalosos... passa os<br />
limites da <strong>de</strong>scripção.<br />
(V. <strong>de</strong> Taunay − A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Matto<br />
Grosso. Pág. 51)<br />
Ve<strong>de</strong>-o que vai com a dor, a fome e a se<strong>de</strong> braços,<br />
vencendo morros, chans, corixos, tremedal,<br />
e vendo <strong>de</strong>sdobrar, infindo, ante os seus passos,<br />
por sob um céu <strong>de</strong> fogo, o frio pantanal...<br />
Dias cruéis <strong>de</strong> augustia, a ar<strong>de</strong>r os membros lassos,<br />
légua e légua a ganhar nessa marcha infernal;<br />
noites longas velando, a ver pelos espaços<br />
os astrus a rolar no seu gyro fatal...<br />
Quem teu êxodo atroz dirá, teus sacrifícios<br />
sem termo, por salvar centenares <strong>de</strong> vidas,<br />
soffrendo, bravamente, os mais ru<strong>de</strong>s supplicios,<br />
− até que a Cuyabá, nessa manhan <strong>de</strong> gloria,<br />
chegas trazendo, exhausto, o corpo em cem feridas,<br />
nas vidas que salvaste os tropheus da victoria?!<br />
28
A Dona Regina Prado<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Baluarte vivo<br />
Ruge, freme, palpita, entre a cólera e o medo,<br />
o povo, ante a cruel e inaudita ameaça<br />
que o cuyabano céu, lúcido e azul, bem cedo<br />
já parece toldar <strong>de</strong> bellica fumaça.<br />
29<br />
29<br />
Soube-se mais tar<strong>de</strong> que os Paraguayos<br />
tendo noticias <strong>de</strong> que S. Excia (Leverger)<br />
a quem conhecido multo como<br />
experiente, se achava á frente do<br />
Commando <strong>de</strong> forças mais ou menos<br />
consi<strong>de</strong>ráveis, resolverão não subir até a<br />
Capital.<br />
(Moutinho − Noticia, 70)<br />
É a morte e, mais que a morte, o trágico <strong>de</strong>gredo,<br />
a miséria, a <strong>de</strong>shonra,.. E, á luz feral e baça<br />
do incêndio − qual sinistro avejão, negro e tredo −<br />
o rauso, o crime, o saque, a pilhagem perpassa.<br />
Eis sinão quando, altivo, ergue o seu vôo nobre,<br />
como o alcyone no mar, o velho marinheiro,<br />
que faz que, em pouco, o povo a coragem recobre,<br />
e oppõe, sereno e audaz, na collina sagrada,<br />
seu nome que − elle só! − faz recuar o extrangeiro,<br />
pois brilha mais que o sol no aço da sua espada!<br />
A Luiz Feitosa Rodrigues<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
A Vivan<strong>de</strong>ira do 17<br />
A preta Anna, mulher <strong>de</strong> um soldado,<br />
prevenira os cuidados da administração<br />
militar nesta obra caridosa. Collocada<br />
durante o combate <strong>de</strong>ntro do quadrado<br />
do 17° ella se <strong>de</strong>svelara com todos os<br />
feridos tirando ou rasgando das<br />
próprias roupas o que faltava para os<br />
curativos e ligaduras.<br />
(Taunay − A retirada da Laguna, XII)<br />
Qual <strong>de</strong> ludro atascal, por vezes, surge, olente,<br />
uma flor, assim tu, mulher humil<strong>de</strong> e obscura,<br />
que, nas horas do prélio, ias da tropa á frente,<br />
− apparição marcial <strong>de</strong> olympica bravura!<br />
A tua condição misera e <strong>de</strong>primente<br />
resgatou-a a bonda<strong>de</strong> acrysolada e pura<br />
e, através do passado, esplen<strong>de</strong>, á luz fulgente<br />
da tua alma <strong>de</strong> neve, a tua effigie escura.<br />
Junto ao ferido foste a sédula enfermeira,<br />
<strong>de</strong>dicada, a pensar-lhe as chagas, com pieda<strong>de</strong>,<br />
entre o negro do fumo e o rubro da sangueira.<br />
E dos teus seios jorra o leite da bonda<strong>de</strong><br />
que <strong>de</strong>ve, Anna Mammuda, heróica vivan<strong>de</strong>ira,<br />
a alma abeberar da nossa mocida<strong>de</strong> !<br />
30
A J. Christão Carslens<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
A Reconquista<br />
Dois annos <strong>de</strong> tristeza e <strong>de</strong> opprobrio curtira<br />
a infeliz Corumbá, em po<strong>de</strong>r do extrangeiro,<br />
té que, em seu céu azul <strong>de</strong> límpida saphira,<br />
brilhou da liberda<strong>de</strong> o sol, ledo e fagueiro.<br />
31<br />
31<br />
Ao mesmo tempo, o <strong>de</strong>stemeroso arrojo<br />
do grosso da força... assaltava as<br />
trincheiras, expellindo os paraguaios a<br />
rijos golpes <strong>de</strong> bravura. Tão vigorosa foi<br />
a investida, que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma hora<br />
Antonio Maria dominava a praça. . .<br />
(V. Correa Filho − Matto Grosso, 40)<br />
Formidável peleja a que a força se atira,<br />
por terra e água, no ardor do seu esto guerreiro,<br />
e em que tombam heróes do amor pátrio na pyra,<br />
para rehabilitar o nome brasileiro!<br />
Já <strong>de</strong> Antonio Maria os bravos legionários<br />
no arrojo da offensiva intrépida e valente<br />
se espalham pela villa, audazes, temerários,<br />
e eis que, do Paraguay sobre as altas barrancas,<br />
tremula o pavilhão da Pátria novamente,<br />
sob o lento revoar das gran<strong>de</strong>s garças brancas. . .<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
O Sul<br />
32
A Rosário Congro<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
As “posses” <strong>de</strong> Lopes<br />
Pelos amplos sertões que o Rio Gran<strong>de</strong> limita,<br />
do pontal do Rio Ver<strong>de</strong> á lendária Sant’Anna,<br />
nesta vasta extensão <strong>de</strong> campanha infinita<br />
por on<strong>de</strong> o Sucuriú as águas espadana,<br />
33<br />
33<br />
O systema <strong>de</strong> Joaquim Lopes fazer<br />
"posses" era todo sui generis. . . As<br />
“posses” eram postas com estacas.<br />
(O Município <strong>de</strong> Sant’Anna e o inicio do<br />
seu povoamento − Mario Monteiro <strong>de</strong><br />
Almeida)<br />
Joaquim Lopes espalha a semente bemdita<br />
das “posses” e on<strong>de</strong> passa eis se ergue uma choupana<br />
e o fumo dos casaes pelos ares se agita,<br />
e o gado muge, e a roça viça, e o milho grana.<br />
Leva por on<strong>de</strong> vai a faina do trabalho<br />
e em cada valle, em cada grota, em cada serra,<br />
se abre, risonho, um lar, um tépido agasalho<br />
Graças ao seu arrojo e ao seu valor primeiro,<br />
− novo Cid sem posse, elle possue a terra −<br />
o Sul <strong>de</strong>sponta aos pés do intrépido posseiro!<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
A Rosa <strong>de</strong> Maracajú<br />
A João Evangelista Vieira <strong>de</strong> Almeida<br />
Chiam carros <strong>de</strong> bois pela campanha afóra...<br />
Vêm <strong>de</strong> longe, através <strong>de</strong> morros e campinas,<br />
seja lugente noite ou refulgida aurora,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os montes azues e distantes <strong>de</strong> Minas...<br />
Em 1872 − quando os primeiros ventos<br />
do verdo varriam o sólo atirando ao léo<br />
as folhas secas das arvores − da<br />
pequena cida<strong>de</strong> mineira <strong>de</strong> Monte-<br />
Alegre partiam rumando os sertões do<br />
Sul <strong>de</strong> Matto Grosso, chiando, os<br />
primeiros carros <strong>de</strong> bois que<br />
compunham a comitiva do velho Zé<br />
Antonio Pereira.<br />
(S. Antônio <strong>de</strong> Campo Gran<strong>de</strong> −<br />
memória publicada por V. Almeida no<br />
Jornal do Commercio <strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong>, em<br />
Junho <strong>de</strong> 1927)<br />
O velho Zé Antonio, em cuja fronte mora<br />
a fé, junto á energia, em centelhas divinas,<br />
traz um voto a cumprir, o <strong>de</strong> erguer, sem <strong>de</strong>mora,<br />
um templo <strong>de</strong> oração, nas chapadas sulinas.<br />
Eis surge, em pouco tempo, a flor linda e flammante,<br />
rosa <strong>de</strong> humus vermelho, a abrir-se, em plena crista<br />
da serra, e já espargindo um aroma irradiante:<br />
− é Campo Gran<strong>de</strong>, a gran<strong>de</strong>, a formosa, a altaneira,<br />
alliando ao labor e ao progresso paulista<br />
o perfume subtil da tradição mineira!<br />
34
A <strong>José</strong> Paul Vilá<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Ve<strong>de</strong>ta da Pátria<br />
Nasci quando nasceste. É a tua a minha eda<strong>de</strong>.<br />
Talvez por isso eu sinta affeição verda<strong>de</strong>ira<br />
por ti, flor do Amambay, bella e altiva cida<strong>de</strong>,<br />
atalaia do sul e guardian da fronteira.<br />
Extremenha gentil, tua historia, em verda<strong>de</strong>,<br />
se entretece <strong>de</strong> lucta e <strong>de</strong> faina guerreira.<br />
Sopra nos teus hervaes a aura da liberda<strong>de</strong>,<br />
como o minuano, alem, das coxilhas á beira...<br />
Tua raça cal<strong>de</strong>ou-a, em lances aguerridos,<br />
a alma sentimental e lânguida das “chinas”<br />
e a bravura sem par dos “guascas” atrevidos,<br />
e si não tens ainda um vultoso passado,<br />
é para que mais vivo, em luzes peregrinas,<br />
fulgure o teu futuro esplendido e arrojado!<br />
35<br />
35<br />
Nesse anno (1892) chegava ao logar<br />
on<strong>de</strong> hoje se ergue a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ponta<br />
Poran, o capitão João Antonio da<br />
Trinda<strong>de</strong>. . .<br />
Ponta Poran era então um ermo<br />
inhospito.<br />
(P. Ângelo da Rosa − Annaes Pontaporanenses).<br />
JOSÉ DE MESQUITA<br />
A Era Nova<br />
36
A Josephi Nunes Ribeiro<br />
DA EPOPÉA MATOGROSSENSE<br />
Visão do Futuro<br />
E quando o tivermos realisado, com<br />
aquella nossa fortalesa <strong>de</strong> animo<br />
resoluto e sereno, sobranceiros aos<br />
soffrimentos do corpo, inflexiveis ás<br />
ameaças e ás injustiças dos po<strong>de</strong>rosos<br />
que passam, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ram prova os<br />
nossos paes, então os nossos filhos...<br />
repetirão cheios <strong>de</strong> justo orgulho as<br />
palavras do poeta.<br />
(Gal. Rondon − Conferencias)<br />
A era nova <strong>de</strong>sponta. O auto, célere, corta<br />
Teus campos, on<strong>de</strong> a messe, esplendida, se espraia.<br />
Silva a locomotiva... E da tapera morta<br />
Como que nova luz radia, ar<strong>de</strong>nte e gaia.<br />
O velívolo leve os teus ares recorta.<br />
A orchestra do progresso os seus hymnos ensaia.<br />
Tempo é <strong>de</strong> ressurgir, nesse teu sonho absorta,<br />
para a gloria sem par que no horizonte raia!<br />
Venha o dia feliz em que, fortes e unidos,<br />
os teus filhos farão, nos labores da leira,<br />
do trabalho no afan, rijos e <strong>de</strong>cididos<br />
surgir <strong>de</strong>sse teu seio apojado e fecundo,<br />
com que se há <strong>de</strong> nutrir a humanida<strong>de</strong> inteira<br />
− Terra da Promissão e celleiro do mundo!<br />
37<br />
37