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TÓPICOS PARA REFLEXÃO, DEBATES<br />
E ESTRATÉGIAS DE LEITURA<br />
“ Um artista é uma pessoa que produz coisas que a gente não precisa, mas que – por alguma<br />
razão – pensa que é bom proporcioná-las aos demais”. >>>Andy Warhol<br />
Como vimos anteriormente, a palavra design apresenta dois sentidos: desenhar e<br />
designar. Ambos os sentidos sugerem distâncias: entre criação, execução e nomeação<br />
de um objeto. Por definição, o designer, diferentemente do artesão, é um sujeito que<br />
concebe, mas não fabrica. Ou seja, está à parte da realização do objeto que concebeu.<br />
Essa tarefa pode ser atribuída a outro indivíduo ou, preferencialmente, a uma máquina.<br />
Na realidade, essa distância entre intenção e gesto, fundamental nos primórdios do<br />
design, atualmente não é – e não precisa mais ser – tão rígida. Mas em suas origens, a<br />
palavra design compõe e reflete as complexidades não só da divisão do trabalho, mas<br />
também da fragmentação do próprio sujeito no século subseqüente.<br />
Com a industrialização, a qualidade da produção de objetos obedecia inicialmente aos<br />
critérios utilidade, economia (do tempo de sua fabricação) e limitações das máquinas.<br />
Resultado: objetos tão baratos quanto feios. Alguns artistas, preocupados com essa<br />
avalanche de objetos úteis – porém, esteticamente desagradáveis –, se reuniram para<br />
pensar uma forma de unir toda a experiência formal da arte com a velocidade de<br />
produção da máquina. Mais que isso, alguns viam na indústria uma maneira de a arte<br />
voltar a fazer sentido no cotidiano das populações. Se o aperfeiçoamento estético fosse<br />
suficiente para determinar a importância do design na vida do homem contemporâneo,<br />
seria muito simples.<br />
De uma forma geral, os objetos – mais do que uma extensão da nossa anatomia – dizem<br />
muito sobre nós. Achados arqueológicos mostram a complexidade de uma determinada<br />
cultura: sua alimentação, seus hábitos, seus deuses, seus gestos. Pense o que um<br />
celular, um secador de cabelo ou um forno microondas revela sobre nosso cotidiano,<br />
sonhos, desejos e aspirações. Se nos detivermos em observá-los, poderemos verificar a<br />
nossa história inscrita neles. O que nos diz um copo descartável sobre o mundo em que<br />
vivemos? Não podemos ignorar as transformações no universo doméstico, social, ou<br />
mesmo em nossos corpos, relacionadas ao aparelho de televisão, ao controle remoto<br />
ou ao microondas. Pensar nas invenções (do livro, das máquinas a vapor, fotográfica, de<br />
lavar roupas e louças, do automóvel) e em suas implicações na trama social é pensar a<br />
humanidade contemporânea em sua multiplicidade.<br />
SALVADOR DALí (1904-1989)<br />
“Telefone lagosta”. Plástico e gesso pintado, 1936<br />
A crescente industrialização, somada aos<br />
desencantos com a Primeira Guerra, dividiu artistas<br />
(e movimentos) em duas principais vertentes:<br />
na que acreditava que a razão havia se desviado<br />
de seus princípios e precisaria retornar, via arte<br />
– diga-se, ao seu caminho, rumo ao melhor do ser<br />
humano –, encontravam-se todos os movimentos<br />
construtivos (Cubismo, blauer Reiter, Suprematismo<br />
e Construtivismo Russo, De Stijl, Concretismo);<br />
e na corrente que atribuía à razão os malefícios<br />
do mundo (e pretendia criar, ou não, uma outra<br />
razão), estavam Duchamp, dadaístas e surrealistas.<br />
Praticamente toda a arte de vanguarda se empenhou<br />
em estabelecer um posicionamento crítico na relação<br />
indivíduo/sociedade industrial. Como fenômeno<br />
paradoxal da época, temos o Futurismo italiano, que<br />
pregava a destruição dos museus e o culto à Ciência<br />
e à Tecnologia.<br />
A frase, proferida pelo artista pop e<br />
No brasil, pode ser usada a expressão<br />
>1<br />
encontrada no vídeo “Profetas do futuro”,<br />
do Museu das Telecomunicações, é<br />
fundamental para esclarecer as diferenças,<br />
nem sempre claras, entre objeto artístico e<br />
design. O designer, quando cria um objeto,<br />
responde a uma finalidade, uma utilidade ou<br />
demanda. O artista não tem, em princípio,<br />
nenhum compromisso com a funcionalidade<br />
do objeto. A obra de arte, como disse (sobre<br />
a beleza) o filósofo Immanuel Kant, em A<br />
crítica do juízo, tem uma “finalidade sem<br />
desenhista industrial, designer de produto<br />
ou designer gráfico, no caso do profissional<br />
que se dedica a impressos; ou web designer,<br />
que concebe páginas para sítios na Internet.<br />
Ver DENIS (1999: p. 17). Curiosamente, o<br />
designer virtual é quase um artesão em<br />
escala medieval: ele tem controle total<br />
sobre sua produção, o que “subverte<br />
a divisão histórica entre projeto e<br />
fabricação”. DENIS (1999, p. 209).<br />
Nas complexas relações com a indústria,<br />
cabe ressaltar a estratégia de Marcel<br />
Duchamp. Com o ready-made ele inaugura,<br />
na Arte, a apropriação (o termo é empregado<br />
para indicar a incorporação de objetos não-<br />
artísticos, ou de outras obras, nos trabalhos<br />
de arte; ver colagens Cubistas, realizadas<br />
a partir de 1912) do objeto industrializado<br />
– que traz seu design e ideologia já prontos<br />
– e reconfigura seus valores ao inseri-lo<br />
nas instituições artísticas. Ao deslocar<br />
o objeto útil de sua função original,<br />
Duchamp o reposiciona ao lado de objetos<br />
absolutamente inúteis (artísticos), em um<br />
local projetado para a inutilidade: o museu<br />
de arte. Aqui, cabe um parêntese: na maioria<br />
dos museus, mesmo os objetos úteis estão<br />
descontextualizados de suas funções<br />
originais. Estão ali para serem fruídos,<br />
observados – e não, usados. No entanto,<br />
hoje temos museus que buscam reconstituir<br />
essas funções através da interação objeto/<br />
usuário. O Museu das Telecomunicações é<br />
um exemplo de como a tecnologia, aliada<br />
à preocupação de criar um espaço próprio<br />
a experiências, pode ajudar a estabelecer<br />
novas reflexões para o objeto museológico.<br />
Ergonomia é a ciência que estuda<br />
a adaptação do objeto ao usuário<br />
(inicialmente, foi pensada para aumentar<br />
a produtividade do operário) e origina-se<br />
de duas palavras gregas: ergon, trabalho;<br />
e nomos, leis. Artefatos tecnológicos mais<br />
avançados, como celulares e computadores,<br />
criam complexos mapas mentais em quem<br />
os utiliza e, hoje em dia, as pesquisas<br />
ergonômicas não visam somente uma<br />
adaptação anatômica objetos/usuários,<br />
como também investem em pesquisas<br />
cognitivas relacionadas às dificuldades na<br />
utilização de aparelhos cada vez menores e<br />
com mais funções.<br />
O professor Francisco Régis Lopes, autor<br />
de A danação dos objetos (2004), responde:<br />
ele é um “fragmento do tempo monetário,<br />
no qual tudo deve durar pouco, pois o<br />
ideal é sempre acelerar os índices de<br />
consumo” (p. 23).<br />
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