Quem é Artemio Zanon - Umdedodeprosa.cce.ufsc.br
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<strong>Quem</strong> <strong>é</strong> <strong>Artemio</strong> <strong>Zanon</strong><<strong>br</strong> />
ARTEMIO ZANON, nascido no dia 12 de maio de 1940, em<<strong>br</strong> />
Perdizes, 9° Distrito de Campos Novos (SC), atual Município de Videira, <strong>é</strong><<strong>br</strong> />
imortal da Academia de Letras de São Jos<strong>é</strong>, da Academia Catarinense de<<strong>br</strong> />
Letras na qual ocupa a cadeira 37, cujo patrono <strong>é</strong> Polydoro Olavo de São<<strong>br</strong> />
Thiago e da Academia Desterrense de Letras cadeira 21.<<strong>br</strong> />
Estudou Direito na Faculdade de Direito da Universidade do<<strong>br</strong> />
Estado da Guanabara em 1969, ano em que lança seu primeiro livro de<<strong>br</strong> />
poesias, Canção da Vida Amor, e que mereceu a apresentação do poeta<<strong>br</strong> />
Marcos Konder Reis.<<strong>br</strong> />
“Temperamento inquieto, rebelde quando ameaçado na sua<<strong>br</strong> />
liberdade de fazer, agressivo quando tolhido em seus direitos, <strong>Artemio</strong><<strong>br</strong> />
<strong>Zanon</strong> parece exercer com a mesma determinação impulsiva os misteres da<<strong>br</strong> />
vida profissional e da vida literária. É Promotor de Justiça, jornalista<<strong>br</strong> />
militante, escritor e poeta. Já foi lavrador, militar do ex<strong>é</strong>rcito, funcionário<<strong>br</strong> />
público, árbitro de futebol, delegado de polícia e assessor jurídico do<<strong>br</strong> />
Conselho Estadual de Trânsito. Os seus poemas refletem e sentem os<<strong>br</strong> />
múltiplos aspectos da existência cotidiana” (Silveira de Souza).<<strong>br</strong> />
Colaborou para vários Jornais e Revistas.<<strong>br</strong> />
É autor de vários livros, dentre eles:<<strong>br</strong> />
- Canção da Vida Amor (poesia). Editora Fon Fon, Guanabara, 1969;<<strong>br</strong> />
- No Caminho da Vida (poesia). Editora Edeme/ UDESC,<<strong>br</strong> />
Florianópolis, SC, 1973;<<strong>br</strong> />
- A Execução da Lavra e O Gato (poesia). Editora Metrópole, Porto<<strong>br</strong> />
Alegre, RS, 1974;<<strong>br</strong> />
- Evangelho dos Amantes (poesia-100 sonetos de amor escritos em<<strong>br</strong> />
1958 e rescritos em 1981), Editora e Gráfica Ribeiro, Criciúma, SC, 1981;<<strong>br</strong> />
- Homem com Medo e Poeta Triste... (poesia). Editora e Gráfica Ribeiro,<<strong>br</strong> />
Criciúma, SC, 1981;<<strong>br</strong> />
- No Plantão Daquela Sexta-Feira (contos). Editora e Gráfica Ribeiro,<<strong>br</strong> />
Criciúma, SC, 1981;<<strong>br</strong> />
- Um Ciclo o Coração (poesia). Imprensa Oficial do Estado de Santa<<strong>br</strong> />
Catarina/FCC - Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, SC, 1981;<<strong>br</strong> />
- O Ciclo da Imagem (poesia). Imprensa Oficial do Estado de Santa<<strong>br</strong> />
Catarina/Fundação Catarinense de Cultura Edições, Florianópolis, SC,<<strong>br</strong> />
1984;<<strong>br</strong> />
- O S<strong>é</strong>timo Dia (contos). Editora e Gráfica Ribeiro, Criciúma, SC,<<strong>br</strong> />
1984;<<strong>br</strong> />
- Assistência Judiciária Gratuita (jurídica). Editora Saraiva, São Paulo,<<strong>br</strong> />
1985;<<strong>br</strong> />
- Da Assistência Jurídica Integral e Gratuita (jurídica), Editora Saraiva,<<strong>br</strong> />
São Paulo, 1990;<<strong>br</strong> />
- O Menino da Infância aos Quarenta (poesia), Universidade Federal de<<strong>br</strong> />
Caxias do Sul, RS, 1991;<<strong>br</strong> />
- Introdução à Ciência do Direito Penal (jurídica), O<strong>br</strong>a Jurídica Editora,<<strong>br</strong> />
1
Florianópolis, SC, 1997 (está no prelo para a segunda edição);<<strong>br</strong> />
- Cinco Poemas Dramáticos: - A Rosa Ferida -Romança da Bengala Amarela<<strong>br</strong> />
- Enquanto o Filho não Nasce - Da Morte e da Guerra e Catariniada, Editora Papa-<<strong>br</strong> />
Livro, Florianópolis, 1998.<<strong>br</strong> />
O<strong>br</strong>as coletivas do autor:<<strong>br</strong> />
1 - Autor da letra do Hino Lítero-Cultural Dom Aquino Corrêa, da<<strong>br</strong> />
Escola Normal La Salle, Canoas, RS, 1958;<<strong>br</strong> />
2 - Poetas Brasileiros Atuais (poesia). Editora Lance Lida, São Paulo,<<strong>br</strong> />
1974;<<strong>br</strong> />
3 - A Literatura de Santa Catarina, organização de Celestino Sachei,<<strong>br</strong> />
Editora Lunardelli, Florianópolis, edições de 1979 e 1985;<<strong>br</strong> />
4 - Outros Catarinenses Escrevem Assim (poesia), organização de<<strong>br</strong> />
Oldemar Olsen Júnior, Editora Acadêmica, Blumenau, SC, 1979;<<strong>br</strong> />
5 - Presença da Poesia em Santa Catarina, organização de Lauro Junkes,<<strong>br</strong> />
Editora Lunardelli, Florianópolis, SC, 1979;<<strong>br</strong> />
6 - Contistas e Cronistas Catarinenses, organização de Celestino Sachet,<<strong>br</strong> />
Editora Lunardelli, Florianópolis, SC, 1979;<<strong>br</strong> />
7- 27 Dedos de Prosa (contos). Associação Catarinense; Escritores -<<strong>br</strong> />
Cambirela Editores, Florianópolis, SC, 1980;<<strong>br</strong> />
8 - Enciclop<strong>é</strong>dia Grandes Vultos Catarinenses - Biografías. Volume I,<<strong>br</strong> />
Editora e Gráfica Universal Lida, Criciúma, SC,1983;<<strong>br</strong> />
9 - A Nova Poesia Brasileira (poesia), Shogun, Arte, Rio de Janeiro,<<strong>br</strong> />
1983;<<strong>br</strong> />
10 - Contos e Poemas, Editora Fundação Catarinense de Cultura,<<strong>br</strong> />
Florianópolis, SC, 1983;<<strong>br</strong> />
11 - Poesia Sertaneja (poesia), organização de Celestino Sachet,<<strong>br</strong> />
Editora Lunardeli e RBS-TV, Florianópolis, SC, 1984;<<strong>br</strong> />
12 -A Prosa e o Verso do Pescador - Editora UFSC e Co-Edição<<strong>br</strong> />
ACARPESC, Florianópolis, SC, 1985;<<strong>br</strong> />
13 - Autor da Letra do Hino do Município de Capão Alto, SC.<<strong>br</strong> />
Vencedor em concurso público.<<strong>br</strong> />
14 - Primeira Antologia da ASAJOL - Academia São Jos<strong>é</strong> de Letras SC,<<strong>br</strong> />
1998;<<strong>br</strong> />
15 - Contos de Advogados - OAB/SC- Editora, Florianópolis, SC,<<strong>br</strong> />
1999;<<strong>br</strong> />
16 - Dicionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos -<<strong>br</strong> />
Verbete p. 143 e 144. Adrião Neto Editor, Teresina - PI, 1999.<<strong>br</strong> />
17 - Escritores Brasileiros Contemporâneos em Prosa e Verso - Coletânea, p.<<strong>br</strong> />
200 a 202. Adrião Neto Editor, Teresina, PI, 1999.<<strong>br</strong> />
Recebeu vários pr<strong>é</strong>mios, <strong>é</strong> mem<strong>br</strong>o da UBE e possui várias o<strong>br</strong>as<<strong>br</strong> />
in<strong>é</strong>ditas.<<strong>br</strong> />
O autor se considera um inquieto, pois a inquietude o faz viver.<<strong>br</strong> />
2
Texto extraído do livro<<strong>br</strong> />
Contemplário de gaivotas<<strong>br</strong> />
Mundo estranho<<strong>br</strong> />
Sinto em meu ser a estranha dor do triste<<strong>br</strong> />
que se questiona so<strong>br</strong>e qual o sumo<<strong>br</strong> />
desta existência: - se outra após existe<<strong>br</strong> />
como vivê-la e qual o certo prumo.<<strong>br</strong> />
Nesta aflição não levo o dedo em riste<<strong>br</strong> />
ao que me indica a luz de seu consumo.<<strong>br</strong> />
Creio, por<strong>é</strong>m que o quanto que me assiste<<strong>br</strong> />
faz-me seguir no mais consciente rumo.<<strong>br</strong> />
O momento de paz que vivo agora<<strong>br</strong> />
faz-me sentir tão livre, qual se uma ave<<strong>br</strong> />
eu fosse neste mundo estranho a fora.<<strong>br</strong> />
E atento e só<strong>br</strong>io e firme e ledo e grave<<strong>br</strong> />
cumpro o meu dia a cada nova aurora<<strong>br</strong> />
timoneiro de minha própria nave.<<strong>br</strong> />
Contemplário de gaivotas<<strong>br</strong> />
Palpita em mim esta ilha catarina<<strong>br</strong> />
com suas veredas mais contraditórias:<<strong>br</strong> />
- argonautas perdidos na neblina,<<strong>br</strong> />
- sonhos ardentes, tardes merencórias.<<strong>br</strong> />
É que em minha alma americalatina<<strong>br</strong> />
ouço canções em águas sem memórias,<<strong>br</strong> />
descu<strong>br</strong>o cinzas sem qualquer ruína<<strong>br</strong> />
e atento busco marcas divisórias.<<strong>br</strong> />
Nem só de lendas <strong>é</strong> este meu anseio<<strong>br</strong> />
que me impele a vagar por estas rotas<<strong>br</strong> />
gravando ao fogo o canto que semeio.<<strong>br</strong> />
Absorto contemplário de gaivotas<<strong>br</strong> />
perco-me no que nos seus voos leio<<strong>br</strong> />
em terra firme e em ilusões remotas.<<strong>br</strong> />
Minha pedra no caminho<<strong>br</strong> />
No meio da vida levei um tombo<<strong>br</strong> />
levei um tombo no meio da vida<<strong>br</strong> />
levei um tombo sem ver pedra alguma.<<strong>br</strong> />
Jamais me esquecerei desse caminho<<strong>br</strong> />
que no meio da vida - árdua fadiga! -,<<strong>br</strong> />
me surpreendeu em termos sem medida.<<strong>br</strong> />
3
Que no meio da vida levei um tombo<<strong>br</strong> />
jamais me esquecerei neste caminho<<strong>br</strong> />
no meio da vida que a entendo só uma.<<strong>br</strong> />
No meio da vida levei um tombo<<strong>br</strong> />
levei um tombo em pedra nenhuma<<strong>br</strong> />
no meio do caminho de minha vida.<<strong>br</strong> />
Semeador<<strong>br</strong> />
Encontro verdadeiro sortil<strong>é</strong>gio<<strong>br</strong> />
no verso que me expõe sem subterfúgio<<strong>br</strong> />
como se eu fora um último vestígio,<<strong>br</strong> />
salvado, por acaso, de um naufrágio.<<strong>br</strong> />
Poeta - meu humano privil<strong>é</strong>gio<<strong>br</strong> />
<strong>é</strong> em mim mesmo poder achar refúgio<<strong>br</strong> />
quando me envolvo em cônscio litígio<<strong>br</strong> />
sendo-me esta aura d'alma o são sufrágio.<<strong>br</strong> />
Mais que em ascese, faço um sacerdócio<<strong>br</strong> />
esta existência que me tem sem vício<<strong>br</strong> />
quanto posso, com toda perspicácia.<<strong>br</strong> />
Nesta tarefa, a quem ter por consócio?<<strong>br</strong> />
- Sei o que basta para o meu ofício<<strong>br</strong> />
e humilde dou-me à messe com audácia.<<strong>br</strong> />
Vinho <strong>br</strong>anco<<strong>br</strong> />
Niágara, Moscato ou Sauvignon,<<strong>br</strong> />
Riesling, Malvásia e mesmo o Poverela,<<strong>br</strong> />
todos lem<strong>br</strong>am a tez de uma donzela,<<strong>br</strong> />
da regra não fugindo o Semillon;<<strong>br</strong> />
por isso incluo o lúmino Herbemont.<<strong>br</strong> />
Esta aparente insipidez da tela<<strong>br</strong> />
põe-me a cantarolar La Virginella<<strong>br</strong> />
que, ao final, tem o desejado tom.<<strong>br</strong> />
Sou luz, adaga, pão saído ao forno<<strong>br</strong> />
e no esbolhar da taça sempre arranco<<strong>br</strong> />
mil vozes mesmo do bebum mais morno.<<strong>br</strong> />
No ritmo lírico que agora estanco<<strong>br</strong> />
ferve-me o ser e quase que em transtorno<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>indo a ti que me lês com vinho <strong>br</strong>anco.<<strong>br</strong> />
4
Texto extraído do livro<<strong>br</strong> />
No plantão daquela sexta-feira<<strong>br</strong> />
No plantão da sexta-feira<<strong>br</strong> />
"... bem que ela disse. Naquela altura não acatava qualquer proposta de<<strong>br</strong> />
conciliação. Agora? Que se danasse ele agora. Sofrera feita cadela arredada de qualquer<<strong>br</strong> />
migalha at<strong>é</strong>. É por isso que ensimesmava de um bocado para cá. Sabia que a solidão, nessas<<strong>br</strong> />
horas, <strong>é</strong> que tempera a vida no silêncio. Intuição. Era o que lhe bastava. Respeitar respeitar<<strong>br</strong> />
nunca respeitou o sentimento sadio que tamb<strong>é</strong>m se pode ter e que vai cá dentro com a<<strong>br</strong> />
gente. Bem guardado, guardadinho. E se respeitava, (fez uma concessão modificando a<<strong>br</strong> />
voz) respeitava sem dar demonstras. Que isso não <strong>é</strong> tudo, não <strong>é</strong> não! qualquer pessoa sabe<<strong>br</strong> />
disso. Desse jeito a vida então não precisava fazer com que mulher jurasse amor para<<strong>br</strong> />
homem algum. Ë tudo igual. Criadeira por criadeira <strong>é</strong> só ir andando mundo a fora que se vai<<strong>br</strong> />
botando filho nessas andanceiras do diabo. Não adianta <strong>é</strong> mais nada agora. Que tome lá<<strong>br</strong> />
conta de vez de sua vida com aquela fiadaputa. Beiçuda arreganhada igual eu nunca vi. Não<<strong>br</strong> />
sei se vi. Acho que sim. Credo cruzes! eu ficar aqui pensando nessas coisas. É at<strong>é</strong> me<<strong>br</strong> />
diminuir perante mim mesma. Melhor era nem ligar importância para o que acontecesse. Se<<strong>br</strong> />
um dia voltar dizendo<<strong>br</strong> />
que está de arrependimento lhe meto na primeira oportunidade lâmina bem no<<strong>br</strong> />
saco. Hi hi hi. Ficará quieto que nem rato sem saída, o coitado. Depois nego tudo. Que se<<strong>br</strong> />
güento a vida sozinha? Güento, sim senhor. Jornada dura mas não me arredo para lado<<strong>br</strong> />
algum. Que sei eu onde ponho os meus p<strong>é</strong>s..."<<strong>br</strong> />
Não era só essa a parcela dura da vida conflitante de Nhoquinha Resende. De uns<<strong>br</strong> />
anos para cá. Vinham piorando as coisas e Nhoquinha Resende se dando conta. O fardo<<strong>br</strong> />
era pesado para ela sozinha. Fazer o quê? o negócio era ir levando levando at<strong>é</strong> que Deus<<strong>br</strong> />
quisesse. Ê o dono da vida da gente! - dizem, - não <strong>é</strong>? Por dentro não queria que fosse já.<<strong>br</strong> />
Mudar a vida. Esperançosa. Muda sim! - repetia-se em seus seguidos monólogos. Quando<<strong>br</strong> />
menos se espera a vida muda. Daí se co<strong>br</strong>a o que se pode do passado. E se vai remando o<<strong>br</strong> />
barco de qualquer maneira at<strong>é</strong> lá. Força no coração da gente nunca falta. Do que se carece<<strong>br</strong> />
mesmo <strong>é</strong> aquela paciência, daquele bocado de coragem que se deve ter no momento da<<strong>br</strong> />
chegada hora.<<strong>br</strong> />
(Deus me livre cornear o meu Zecão. Mesmo com tudo isso.Isso só mesmo<<strong>br</strong> />
quando estiver na derradeira ignorância, /e/<strong>é</strong> da cuca. Bem! <strong>é</strong> que a gente tem boa vontade<<strong>br</strong> />
mas quem <strong>é</strong> que sabe do dia de amanha? E se um dia chifro <strong>é</strong> pra valer.)<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende. Trintona. Flor de mulata entre mulatas e de fazer a gente<<strong>br</strong> />
sentir o sexo correndo pêlos desejos. Aos saltos. E que corpo. Corpo desses de perturbar a<<strong>br</strong> />
cabeça de qualquer vivente e se ficar disputando, sem lisonja pessoal, no papo mesmo, para<<strong>br</strong> />
ver quem ganhasse um naco daqueles. Com aquele dengo, derreando nos quadris, arreliava<<strong>br</strong> />
quem quer que fosse. (Com dois filhos. A filha andava pêlos treze. Igual à mãe na boniteza<<strong>br</strong> />
da morenez. E já tinha macho que cantava ela. E era linda mesmo at<strong>é</strong> em outras dádivas...<<strong>br</strong> />
Dez tinha o filho, para completar).<<strong>br</strong> />
Na última sexta-feira Zecão - Jos<strong>é</strong> João Resente, veio para casa não. Por adonde<<strong>br</strong> />
girasse não veio notícia. O certo mesmo <strong>é</strong> que de quando em vez dava umas voadas, umas<<strong>br</strong> />
sumidas por aí. E tamb<strong>é</strong>m nunca chegou a se encachaçar <strong>é</strong> verdade. E a verdade deve se dita<<strong>br</strong> />
de qualquer um: negro ou <strong>br</strong>anco, pouco importa, pois que a verdade não tem cor, o senhor<<strong>br</strong> />
sabe.<<strong>br</strong> />
Esperou at<strong>é</strong> às dez e disse que se mandava para a delegacia. A comadre vizinha<<strong>br</strong> />
estava sempre pronta para cuidar das crias. Cuidar não precisava mas um olho a mais não<<strong>br</strong> />
fazia falta. Dindinha tá aí para isso mesmo. A gente sabe disso. So<strong>br</strong>etudo que era noite<<strong>br</strong> />
feita já.<<strong>br</strong> />
- Dou uma chegadinha na D<strong>é</strong>cima Segunda. Vejo se o Zecão andou metido em<<strong>br</strong> />
mais alguma. Às vezes isso não depende só da gê n te... os outros.<<strong>br</strong> />
- <strong>Quem</strong> sabe? quem <strong>é</strong> que sabe?<<strong>br</strong> />
(Da primeira ficha de Jos<strong>é</strong> João Resende, vulgo Zecão. O Zecão estava traçado<<strong>br</strong> />
embaixo. A ficha era do Serviço de Investigações Gerais - SVIG. Uma averiguação. Três<<strong>br</strong> />
suspeitas de passar diamba. Duas vadiagens. Cumpriu pena na Quinta da Boa Vista e na<<strong>br</strong> />
Frei Caneca. Leão-de-chácara de quando em quando, so<strong>br</strong>etudo nas festas da grã-finagem<<strong>br</strong> />
quando de inauguração de mansões).<<strong>br</strong> />
As coisas boas de Zecão não contavam: que tinha filha e filho estudando, que<<strong>br</strong> />
tinha mulher casada nas duas leis... isso não constava.<<strong>br</strong> />
5
Certa vez me contou que ganhou uma madama da a/ta quando prestou serviços<<strong>br</strong> />
na inauguração do palácio com piscina, sauna, três salões de festas e tudo o mais que se<<strong>br</strong> />
pode imaginar do Comendador Mauro - o "Rei das Bananas". Daqui da Guanabara e Rio de<<strong>br</strong> />
Janeiro, no Recreio dos Bandeirantes.<<strong>br</strong> />
- Tu não deve ir só! - recomendou-lhe a comadre.<<strong>br</strong> />
- Tem importância não. Não <strong>é</strong> a primeira vez - retrucou - vou sim.<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende falou isso se garantindo.<<strong>br</strong> />
Desceu a Babilônia. Vestiu-se no melhor e botou "Hora Intima" no corpo todo.<<strong>br</strong> />
Por aonde passava ia deixando aquela fragrância finíssima de mulata asseada que mete<<strong>br</strong> />
excitação em qualquer macho. Aromava o ventinho, quase <strong>br</strong>isa, que subia com gosto de<<strong>br</strong> />
sal. Ganhar uma mulata daquela era data para nunca mais se esquecer. At<strong>é</strong> muito de<<strong>br</strong> />
terninho em moda boca-de-sino e essa coisa toda, camisa engomada que finge pinta de<<strong>br</strong> />
bacana daria uma nota serena e bem durinha. Estalando na mão. Nem que fosse só um<<strong>br</strong> />
sarro. E o saco durinho por dentro. A mão bolindo e a cabeça zoando, fervendo, sacudindo<<strong>br</strong> />
todo o <strong>br</strong>io do po<strong>br</strong>e homem na penúria aqui.<<strong>br</strong> />
O táxi a deixou na porta da delegacia, na Hilário Gouvêa.E se mandou pela<<strong>br</strong> />
esquina da Barata Ribeiro rumo ao Leblon. Gente boa, o cara. Era o melhor boca-de-siri<<strong>br</strong> />
para todos os apuros e imprevistos de Nhoquinha Resende. Caladão. Respeitoso. Negão de<<strong>br</strong> />
ouro.<<strong>br</strong> />
Na sala do doutor comissário, só o comissário. O telex no seu martelar mandando<<strong>br</strong> />
seu barulho para dentro de todas as portas, na Sala do Comissário de Plantão, uma só e<<strong>br</strong> />
fechada por causa do vento frígido que vinha da Praia de Copacabana, aí as duas quadras. A<<strong>br</strong> />
Zona Sul tem desses frios de chegar at<strong>é</strong> nove-dez. O que <strong>é</strong> suficiente para fazer a gente<<strong>br</strong> />
entanguidinha batendo os dentes. <strong>Quem</strong> <strong>é</strong> daqui sabe.<<strong>br</strong> />
O perfume invadiu a Sala do Comissário de Plantão. Fez com que o doutor<<strong>br</strong> />
comissário erguesse seus olhos. Olhos mortos de sono. Desde às oito da matina naquele<<strong>br</strong> />
trabalho maçante. E assim uma vida inteira. Depois ainda ser chamado de tira safado. De<<strong>br</strong> />
corrupto. De comilão. De matador de bestas humanas como foi o caso do 'Tião<<strong>br</strong> />
Medonho", "Chap<strong>é</strong>u de Couro", "Roma 45",<<strong>br</strong> />
"Mãozinha"... Ë que ningu<strong>é</strong>m vai a uma delegacia para comunicar que ganhou a<<strong>br</strong> />
loteca. Que se entrou pelo cano no conto do paco se vai. Vai-se e se acha que o xerloque<<strong>br</strong> />
deveria a<strong>br</strong>ir uma gaveta milagrosa e tirar com ou sem magia o paco verdadeiro. Otários!<<strong>br</strong> />
Como <strong>é</strong> que tem otário por aí. É uma porra mesmo esta vida...<<strong>br</strong> />
Foi assim espalhando aromância de "Hora Intima" na Sala do Comissário de<<strong>br</strong> />
Plantão que o doutor comissário despertou daqueles seus mundos da noite. A nêga de seu<<strong>br</strong> />
sono-sonho tava aí em sua frente em carne e osso.<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende:<<strong>br</strong> />
- Doutor, o meu Zecão taí trancafiado outra vez?...<<strong>br</strong> />
O comissário:<<strong>br</strong> />
- O que a senhora deseja, dona...<<strong>br</strong> />
- ... Nhoquinha Resende, doutor. Pode me chamar de Nhoquinha Resende.<<strong>br</strong> />
Ainda Nhoquinha Resende dando-se conta de algum engano.<<strong>br</strong> />
-... A ha! doutor... Desculpe, doutor. Pensei que fosse o doutor...<<strong>br</strong> />
O comissário:<<strong>br</strong> />
- O doutor doutor saiu para jantar.<<strong>br</strong> />
- Volta já?<<strong>br</strong> />
- Sempre passada meia-noite. (Bocejou bem grande esticando os <strong>br</strong>aços.)<<strong>br</strong> />
- Foi lá no 1800?<<strong>br</strong> />
- Em casa mesmo, dona...<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende, rindo discretamente e insinuante:<<strong>br</strong> />
- Mão fechada esse Doutor Guimarães.<<strong>br</strong> />
O tira em defesa de uma classe pouco defendida e que a todos procura defender:<<strong>br</strong> />
-É!...<<strong>br</strong> />
E acrescentou sem dar vez a Nhoquinha Resende:<<strong>br</strong> />
- ... Tira! o que ganha, no legal, <strong>é</strong> merda mesmo. Não fosse o P. F. (por fora) seria<<strong>br</strong> />
melhor ser gigolô, cafetão...<<strong>br</strong> />
O Auxiliar do Comissário. Não era o comissário. Era o Auxiliar de Comissário de<<strong>br</strong> />
Plantão. O que dá no mesmo daqui para frente para Nhoquinha Resende. Feitas as<<strong>br</strong> />
apresentações. Não era o Zecão e o Zecão não estava aí enjaulado, então estava tudo bem.<<strong>br</strong> />
(Talvez que já tivesse chegado em casa numa hora dessa).<<strong>br</strong> />
- Pode falar, dona...<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende:<<strong>br</strong> />
6
- Já disse, doutor. Pode me chamar de Nhoquinha Resende.<<strong>br</strong> />
- Dona Resende, deixa o doutor pra lá. Doutor <strong>é</strong> o Doutor Guimarães como a<<strong>br</strong> />
senhora sabe.<<strong>br</strong> />
Nessa altura o tira Auxiliar de Comissário de Plantão, todo gentileza, já havia<<strong>br</strong> />
oferecido a cadeira dele ao lado da do comissário para que dona Nhoquinha Resende<<strong>br</strong> />
dispusesse dela. E dispôs. E na cadeira do doutor comissário ele era o comissário de<<strong>br</strong> />
plantão.<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende não estava nervosa, ainda não.<<strong>br</strong> />
O auxiliar do comissário. Apanhando o maço de cigarros, nos fundos, em cima da<<strong>br</strong> />
mesa. E cavalheiro:<<strong>br</strong> />
- Fuma?<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende tirava as tragadas com elegância bem igual madama da alta<<strong>br</strong> />
em sala de espera fazendo a fumaça subir em tênue espiral. Assim como serpentina que<<strong>br</strong> />
some no ar. O frio aí para os dois vinha apertando da Praia da Copa para. a Hilário Gouvêa<<strong>br</strong> />
a dentro e acima. E ia pela rua esfuziando, zunindo nas frestas dos edifícios, nas esquinas<<strong>br</strong> />
das ruas, nas ruas cada vez mais desertas, nas árvores encolhidas e na Praça Serzedelo<<strong>br</strong> />
nenhum cachorro mijando contra poste àquela hora.<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende: - Então, doutor... Indagou de como o doutor se<<strong>br</strong> />
chamava.<<strong>br</strong> />
O auxiliar de comissário, depois de todo o dito, se encorajou e foi aceitando.<<strong>br</strong> />
- Pode me chamar de comissário mesmo. ( E adiantou confiança.) - Mas de doutor<<strong>br</strong> />
não. Não sou doutor coisa alguma. Mesmo que fosse não geria agora ser doutor para a<<strong>br</strong> />
senhora. (E foi ao extremo, para a hora e o tempo.) - Pode at<strong>é</strong> me chamar de tira. (E fechou<<strong>br</strong> />
o assunto.) - Me sinto bem assim. Seu tira às suas ordens. Me sinto bem mais homem at<strong>é</strong>.<<strong>br</strong> />
E fez que foi apanhar alguma coisa no chão para o lado onde estava Nhoquinha<<strong>br</strong> />
Resende passando a mão na perna quentinha de Nhoquinha Resende que estava distraída<<strong>br</strong> />
olhando para os procurados com retraio em três por quatro aí pendurados na parede.<<strong>br</strong> />
E Nhoquinha Resende, com doce altivez:<<strong>br</strong> />
- Que essa mãozinha boba daí, seu... doutor tira...<<strong>br</strong> />
O telex martelava. Naquele mundo de Copacaba quanta gente não estaria<<strong>br</strong> />
fazendo o amor naquela hora. No anexo do Hotel Palace Copacabana aí da Avenida<<strong>br</strong> />
Atlântica que existe só para turista e a grã-finagem mascarada. Se for para dormir o papo <strong>é</strong><<strong>br</strong> />
outro. E por aí nos buracos, escuros becos das trevas os carangos parados ligando pouco<<strong>br</strong> />
para os assaltos. Ficam assim os dois tão bem juntinho que a gente vê um vulto só. O amor<<strong>br</strong> />
<strong>é</strong> bom assim. Gostoso a gente se entregar ao amor sem se dar com o que acontece ao redor<<strong>br</strong> />
com a vida. Mais descontraído, melhor assim selvagem. A gente só fechando os olhos um<<strong>br</strong> />
para o outro o tempo todo.<<strong>br</strong> />
Enquanto isso Nhoquinha Resende mergulhou no passado pensando nos<<strong>br</strong> />
primeiros encontros com o Zecão. Que teve que casar at<strong>é</strong> por sedução. Se Zecão não estava<<strong>br</strong> />
aí num cubículo estaria metido então? O safado deveria estar lá com a outra. Não tinha<<strong>br</strong> />
certeza mas deveria ser uma outra. E dizia que morria de ciúmes pela sua Nhoquinha aqui.<<strong>br</strong> />
"Se tu me trai um dia, um dia ainda te mato, Nhoquinha. Nem que seja com estas mãos aqui.<<strong>br</strong> />
Mulher que se presta não faz o que homem que.-diz que se presta faz. Tu cuida aí dos filhos<<strong>br</strong> />
que não te falta nada...".<<strong>br</strong> />
Era a ordem. A masmorra. E Zecão? Zecão livre, feito gaivota aí da praia.<<strong>br</strong> />
O telex taratatava dando impressão de estar registrando tudo o que se passava<<strong>br</strong> />
entre o tira e Nhoquinha Resende. Nem que agora se falavam pouco.<<strong>br</strong> />
O doutor comissário dentro de mais meia hora chegaria, capaz.<<strong>br</strong> />
- Pode deixar, dona Nhoquinha Resende...<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende passou o indicador da mão direita roçando suavemente nos<<strong>br</strong> />
lábios úmidos do tira. Sentiu uma tremura gostosa at<strong>é</strong> na forquilha das pernas.<<strong>br</strong> />
- ... Nhoquinha Resende, não. Me chame de Nhoquinha, já disse, querido.<<strong>br</strong> />
E no telefone, do outro lado da linha, na casa do comissário, doutor Guimarães:<<strong>br</strong> />
- Doutor Comissário?<<strong>br</strong> />
- E ele.<<strong>br</strong> />
O Doutor Guimarães:<<strong>br</strong> />
- Que acontece? tudo em ordem?<<strong>br</strong> />
O de cá, ao lado de Nhoquinha Resende, passa a mão em vários pontos chaves,<<strong>br</strong> />
agora. Os vulneráveis bem perto.<<strong>br</strong> />
- Foi para isso que telefonei para o senhor, doutor. Doutor, ? ficar aí tranquilo,<<strong>br</strong> />
doutor. (Nervoso. Voz de policial flagrando - Qualquer <strong>br</strong>onca que a Ronda traz ligo pró<<strong>br</strong> />
senhor, doutor.<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende sorriu mostrando a muralha <strong>br</strong>anca dos dentes naquela boca<<strong>br</strong> />
olorosa.<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende. Mulata trintona. Disseram que quando tinha dezesseis<<strong>br</strong> />
7
desfilou como porta-bandeira de um bloco que nascia aí na Zona Sul e que mais tarde<<strong>br</strong> />
puxou a Banda do Leblon.( E foi o começo de uma conquista disputada pelos mulatões,<<strong>br</strong> />
sem falar em um que outro bacana metido a besta em terra de preferência natural alheia.)<<strong>br</strong> />
E mulata, mulata boa mesmo não envelhece nunca. Se, se pode falar em ser velha aos<<strong>br</strong> />
trinta. Trinta em mulata <strong>é</strong> igual a vinte-e-dois em mocinha-mãe de família depois de ter<<strong>br</strong> />
primeiro filho. Fica mais bonita. Ou vira a se recuperar problemas da gestação. Essas coisas<<strong>br</strong> />
de varizes, pele... Em mulata nem se pensa nisso. E gente que entende, entende.<<strong>br</strong> />
Na última sexta-f eira Zecão veio para casa não. Não veio na hora de sempre se <strong>é</strong><<strong>br</strong> />
que tinha hora mais ou menos certa. Mas vinha boa hora para pegar a xepa, o jantar ainda<<strong>br</strong> />
quentinho. Isso sim jantar. E Zecão não deixava para menos. At<strong>é</strong> que não era lá o exigente<<strong>br</strong> />
mas queria no capricho. Filhos já recolhidos <strong>é</strong> certo. Mas nunca foi de madrugar, sem deixar<<strong>br</strong> />
recado, ainda que tivesse já suas virações.<<strong>br</strong> />
Enquanto espasmava gemendo entre os <strong>br</strong>aços do auxiliar se lem<strong>br</strong>ou da vizinha<<strong>br</strong> />
comadre. Era a voz. Que voz! que nada!<<strong>br</strong> />
"- Tu não deve ir só!"<<strong>br</strong> />
Culpado era o Zecão que tinha outra. Tinha? Não sabia quem era se tinha. Mas<<strong>br</strong> />
que tinha, tinha. Todos os homens têm.Ora essa.<<strong>br</strong> />
Zecão não <strong>é</strong> diferente. Quanto mais confessa amor mais prova <strong>é</strong> que tem. Todo<<strong>br</strong> />
homem corneia. At<strong>é</strong> presidente da república tem lá sempre sua queridona.<<strong>br</strong> />
E foi se lem<strong>br</strong>ar bem na hora em que o tira lhe disse uma bobageira enquanto que<<strong>br</strong> />
já deixavam o tempo fluir. Cansados, exaustos, moles. Saciados. Como dois pássaros no<<strong>br</strong> />
quentume de um ninho improvisado.<<strong>br</strong> />
O auxiliar, dando uma de manco para o momento:<<strong>br</strong> />
- Nunca imaginei que mulata fosse coisa assim tão gostosa...<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende com ar de agravada:<<strong>br</strong> />
Coisa! Coisa! olhe o; bem pra minha cara, seu tira corno comum... Se faz isso aqui<<strong>br</strong> />
dentro que dirá na rua...<<strong>br</strong> />
Mesmo assim Nhoquinha Resende deu-lhe um beliscão enquanto se arrumava.<<strong>br</strong> />
O auxiliar passava-lhe as mãos suadas nas ancas proeminentes.<<strong>br</strong> />
Nhoquinha Resende reviveu, num instante, a cena.<<strong>br</strong> />
"- Se tu me trai um dia, um dia ainda te mato. Mulher que se presta não faz o que<<strong>br</strong> />
homem que diz que se presta faz."<<strong>br</strong> />
Na Sala do Comissário de Plantão. Altas horas da madrugada. Nhoquinha<<strong>br</strong> />
Resende sentada no banco de espera. Pernas cruzadas, em desleixo.<<strong>br</strong> />
- Me dá o que disse que me pagava, seu...<<strong>br</strong> />
O Doutor Comissário. O comissário de plantão. O Doutor Guimarães, em<<strong>br</strong> />
pessoa (fingindo que não conhecia):<<strong>br</strong> />
- Martins, o que essa dona aí está dizendo?<<strong>br</strong> />
O auxiliar:<<strong>br</strong> />
- Doutor, dá licença um pouco. Vou at<strong>é</strong> aí fora.<<strong>br</strong> />
O Doutor Guimarães (à meia voz enquanto Nhoquinha Resende ia saindo):<<strong>br</strong> />
- Pelo amor de Deus! não me diz que comeu esta aí tamb<strong>é</strong>m?<<strong>br</strong> />
O auxiliar disse que tudo estava em ordem. Botou a mão direita por baixo do<<strong>br</strong> />
casaco e Nhoquinha Resende já estava lá fora.<<strong>br</strong> />
Lá fora um estampido de 22 furou o silêncio frio da noite de Copacabana.Da<<strong>br</strong> />
noite. De mais uma noite na zona Sul. O táxi sumiu no mundo, em alguma das ruas<<strong>br</strong> />
desertas, enquanto o mar aí na praia tecia seu monótono vaiv<strong>é</strong>m noturno esperando pela<<strong>br</strong> />
luz t<strong>é</strong>pida da manhã. E ningu<strong>é</strong>m viu nada como foi, como não foi.<<strong>br</strong> />
(O Doutor Guimarães registrou mais um caso. O caso. Mais tarde, quatro-cinco<<strong>br</strong> />
plantões depois, num segundo registro feito em aditamento, leu-se que o caso foi<<strong>br</strong> />
arquivado. A SVIG nada resolveu. Somente o Doutor Guimarães <strong>é</strong> que viu dezenas de<<strong>br</strong> />
mulatas em sua frente para identificar a mulata que fechou o seu auxiliar. E entre aquelas<<strong>br</strong> />
mulatas que olhou bem na cara, olhou tamb<strong>é</strong>m para Nhoquinha Resende, mulata que viu<<strong>br</strong> />
antes, (durante) e depois do plantão daquela sexta-feira...).<<strong>br</strong> />
8
Texto Extraído do livro<<strong>br</strong> />
Homem com medo e poeta triste<<strong>br</strong> />
Do Direito de Julgar<<strong>br</strong> />
Há dentro de nós... - há sim!<<strong>br</strong> />
continuamente um juiz:<<strong>br</strong> />
julgo a ti, julgas a mim,<<strong>br</strong> />
o que fizeste, o que fiz.<<strong>br</strong> />
Há tamb<strong>é</strong>m o que de ofício<<strong>br</strong> />
julga todas as demandas<<strong>br</strong> />
que lhe vão às mãos. Suplício<<strong>br</strong> />
igual não há nestas andas...<<strong>br</strong> />
É preciso coerência<<strong>br</strong> />
nesta aceitação fatal:<<strong>br</strong> />
que te julgue a tua consciência<<strong>br</strong> />
em teu senso, racional.<<strong>br</strong> />
O único Juiz que julga<<strong>br</strong> />
minha completa jornada<<strong>br</strong> />
<strong>é</strong> Aquele que não divulga<<strong>br</strong> />
minha hora quando <strong>é</strong> chegada.<<strong>br</strong> />
"Ego sum quí sum<<strong>br</strong> />
- Eu sou quem sou."<<strong>br</strong> />
(Êxodo, 3, 14)<<strong>br</strong> />
“Porque ao que tem... e ao que não tem...”<<strong>br</strong> />
(São Marcos, 4, 25)<<strong>br</strong> />
Do Bem e da Oferta<<strong>br</strong> />
Que não firas o meu canto<<strong>br</strong> />
com tua mente preparada.<<strong>br</strong> />
Vem, vem a mim no acalanto<<strong>br</strong> />
de uma noite enluarada.<<strong>br</strong> />
Não me devores no instante<<strong>br</strong> />
por mais que agrade a moenda;<<strong>br</strong> />
que voltes a mim constante<<strong>br</strong> />
em busca de nova renda.<<strong>br</strong> />
Num poema, numa estrofe,<<strong>br</strong> />
volta a seguido, sereno;<<strong>br</strong> />
não deixes que o todo mofe<<strong>br</strong> />
na estante de teu terremo.<<strong>br</strong> />
Adentra a minha lavoura<<strong>br</strong> />
com tuas mãos, com teu olhar:<<strong>br</strong> />
verás que limpo à vassoura<<strong>br</strong> />
meu poema está a te esperar.<<strong>br</strong> />
Em nosso encontro diário<<strong>br</strong> />
nesta perene colheita<<strong>br</strong> />
apuramos o fruto vário<<strong>br</strong> />
de acordo com a o<strong>br</strong>a feita.<<strong>br</strong> />
Caminhemos devagar<<strong>br</strong> />
durante o tempo da messe:<<strong>br</strong> />
... há uma flor que ao se tocar<<strong>br</strong> />
a beleza empalidece.<<strong>br</strong> />
39
Soneto 2<<strong>br</strong> />
De tarde, quando tudo <strong>é</strong> solidão<<strong>br</strong> />
e o lusco-fusco torna-se tão vago,<<strong>br</strong> />
contemplamos os cisnes so<strong>br</strong>e o lago<<strong>br</strong> />
e nossas almas vi<strong>br</strong>am de emoção.<<strong>br</strong> />
A natureza numa adoração<<strong>br</strong> />
eternamente no meu peito trago.<<strong>br</strong> />
Então divagas e eu tamb<strong>é</strong>m divago<<strong>br</strong> />
num êxtase de amor, de gratidão.<<strong>br</strong> />
Dizes-me, muitas vezes, docemente<<strong>br</strong> />
o que se passa na tua alma pura;<<strong>br</strong> />
tamb<strong>é</strong>m te digo o que minha alma sente.<<strong>br</strong> />
E juntos elevamos com ternura<<strong>br</strong> />
a nossa prece fervorosamente<<strong>br</strong> />
ao Criador de toda criatura.<<strong>br</strong> />
Soneto 3<<strong>br</strong> />
Tu vens a mim, às vezes, como o aroma<<strong>br</strong> />
de uma exalante dália, de um jasmim...<<strong>br</strong> />
Tu vens a mim, às vezes, como o aroma<<strong>br</strong> />
de uma rosa de amor, tu vens a mim.<<strong>br</strong> />
Tu vens a mim, às vezes, como o aroma<<strong>br</strong> />
do cravo, da papoula, do alecrim...<<strong>br</strong> />
Tu vens a mim, às vezes, como o aroma,<<strong>br</strong> />
como o beijo de amor, tu vens a mim.<<strong>br</strong> />
Eu vou a ti dizendo-te: "Perdoa,<<strong>br</strong> />
ô minha amada, se no meu amor<<strong>br</strong> />
não guardo os beijos... guardo-te cativa"<<strong>br</strong> />
Tu vens a mim serena e compassiva,<<strong>br</strong> />
irmã de caridade meiga e boa<<strong>br</strong> />
trazendo alívio à minha humana dor.<<strong>br</strong> />
10<<strong>br</strong> />
Soneto 4<<strong>br</strong> />
Vamos andando pelas avenidas,<<strong>br</strong> />
sozinhos, somos seres confiantes!<<strong>br</strong> />
As nossas almas, numa estão unidas<<strong>br</strong> />
e o nosso amor <strong>é</strong> sempre como dantes.<<strong>br</strong> />
Todos sabem que somos, dois amantes,<<strong>br</strong> />
que vamos consumindo nossas vidas,<<strong>br</strong> />
que vamos sempre alegres, delirantes,<<strong>br</strong> />
não recordando as dores já vividas.<<strong>br</strong> />
E por que recordar o que passou<<strong>br</strong> />
se de tudo não temos mais saudade?...<<strong>br</strong> />
Porque saudade <strong>é</strong> o bem que nos ficou.<<strong>br</strong> />
Que todos falem bem ou mal de nós,<<strong>br</strong> />
amada, nada importa! Vamos sós<<strong>br</strong> />
andando em busca da felicidade.<<strong>br</strong> />
Soneto 34<<strong>br</strong> />
E vivo de amor sempre e quando quero:<<strong>br</strong> />
a minha musa nunca tem negado<<strong>br</strong> />
o sopro exato... Nunca desespero<<strong>br</strong> />
para escrever meu verso enamorado.<<strong>br</strong> />
Todos são feitos com amor sincero<<strong>br</strong> />
e <strong>br</strong>otam neste estilo consagrado<<strong>br</strong> />
a todo instante; deles nada espero<<strong>br</strong> />
senão de ti o teu eterno agrado.<<strong>br</strong> />
Fazendo versos viverei, querida,<<strong>br</strong> />
at<strong>é</strong> que existas para me inspirar<<strong>br</strong> />
pois <strong>é</strong>s a minha musa nesta vida.<<strong>br</strong> />
Tu <strong>é</strong>s serena; eu sou uma alma inquieta!<<strong>br</strong> />
Que nossa vida seja um só cantar:<<strong>br</strong> />
tu <strong>é</strong>s a minha musa e eu sou teu Poeta.<<strong>br</strong> />
Texto extraído do livro<<strong>br</strong> />
Evangelho do Amantes
Texto Extraído do livro<<strong>br</strong> />
Canto da terra-homem<<strong>br</strong> />
Somos luz desde o desde<<strong>br</strong> />
Tudo na vida se cumpre<<strong>br</strong> />
com mordidas ilusões<<strong>br</strong> />
sopros alentos<<strong>br</strong> />
benevolências...<<strong>br</strong> />
Tudo na vida se cumpre.<<strong>br</strong> />
Neste campo não distingo<<strong>br</strong> />
limites entre corpo e alma<<strong>br</strong> />
embora mat<strong>é</strong>ria e espírito<<strong>br</strong> />
me digam de inúteis fumos<<strong>br</strong> />
e que a luz não tem cercos.<<strong>br</strong> />
Tudo na vida se cumpre.<<strong>br</strong> />
A primeira água<<strong>br</strong> />
que faz o maior dos rios<<strong>br</strong> />
primeiro pertence<<strong>br</strong> />
ao silêncio da fonte;<<strong>br</strong> />
depois<<strong>br</strong> />
ao ciclo<<strong>br</strong> />
e no ciclo<<strong>br</strong> />
tudo acontece<<strong>br</strong> />
que tudo na vida se cumpre.<<strong>br</strong> />
Tudo na vida se cumpre.<<strong>br</strong> />
Quando <strong>é</strong> chegada a noite<<strong>br</strong> />
sabemos que a vida<<strong>br</strong> />
seguirá em outro corpo<<strong>br</strong> />
que poderá ser<<strong>br</strong> />
a continuação da luz.<<strong>br</strong> />
Tudo na vida se cumpre.<<strong>br</strong> />
Por isso que desde o desdea<<strong>br</strong> />
não somos apenas pó,<<strong>br</strong> />
mas luz,<<strong>br</strong> />
luz,<<strong>br</strong> />
luz,<<strong>br</strong> />
luz desde o desde,<<strong>br</strong> />
que desde o desde<<strong>br</strong> />
tudo se cumpre.<<strong>br</strong> />
A fruta das horas<<strong>br</strong> />
A veste da fruta<<strong>br</strong> />
<strong>é</strong> inconsútil<<strong>br</strong> />
e arrebata o olhar<<strong>br</strong> />
no sumo do dente.<<strong>br</strong> />
O gosto<<strong>br</strong> />
está na pele<<strong>br</strong> />
dos dedos, mais<<strong>br</strong> />
que na lâmina<<strong>br</strong> />
do corte inútil.<<strong>br</strong> />
A fruta<<strong>br</strong> />
- por excelência<<strong>br</strong> />
a maçã catarina,<<strong>br</strong> />
<strong>é</strong> loura serrana<<strong>br</strong> />
de epiderme sem nome<<strong>br</strong> />
na medida do texto<<strong>br</strong> />
e a cada bocado<<strong>br</strong> />
salta um pedaço<<strong>br</strong> />
como uma sílaba<<strong>br</strong> />
cheia de signos<<strong>br</strong> />
à individual leitura.<<strong>br</strong> />
No ninho do avental,<<strong>br</strong> />
no âmago do açafate<<strong>br</strong> />
adormecida ave<<strong>br</strong> />
implume, saliva doce<<strong>br</strong> />
na rota da mesa<<strong>br</strong> />
sem nenhuma recusa.<<strong>br</strong> />
2<<strong>br</strong> />
Corpo tenso,<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>ônzea, ru<strong>br</strong>a, dourada,<<strong>br</strong> />
no ciclo, à encomenda<<strong>br</strong> />
segue ao holocausto:<<strong>br</strong> />
- o mercado a feira<<strong>br</strong> />
a quitanda...<<strong>br</strong> />
submissa.<<strong>br</strong> />
Submissa sempre à mão<<strong>br</strong> />
desde a árvore que deixa<<strong>br</strong> />
como um fonema<<strong>br</strong> />
que desperta <strong>br</strong>eve<<strong>br</strong> />
ao estalo da palavra<<strong>br</strong> />
no conteúdo do poema.<<strong>br</strong> />
11
Lavra-ação<<strong>br</strong> />
Ser mineiro,<<strong>br</strong> />
antes de mais nada,<<strong>br</strong> />
<strong>é</strong> ser cavador.<<strong>br</strong> />
Empreteiro<<strong>br</strong> />
que na sua jornada<<strong>br</strong> />
se envolve na cor<<strong>br</strong> />
subterrânea<<strong>br</strong> />
na mina que fere<<strong>br</strong> />
no negro que malha.<<strong>br</strong> />
Temporânea<<strong>br</strong> />
a frase difere<<strong>br</strong> />
na força que valha<<strong>br</strong> />
sob a luta<<strong>br</strong> />
de tirar da lavra<<strong>br</strong> />
a útil mensagem.<<strong>br</strong> />
Resoluta<<strong>br</strong> />
prossegue a palavra<<strong>br</strong> />
na exata linguagem.<<strong>br</strong> />
Fica a ganga<<strong>br</strong> />
no entulho sem uso<<strong>br</strong> />
da lavra que cavo<<strong>br</strong> />
e na sanga<<strong>br</strong> />
ponho o verso infuso<<strong>br</strong> />
do poema que lavo.<<strong>br</strong> />
Semeadura<<strong>br</strong> />
O meu poema está nascido, pronto<<strong>br</strong> />
e adulto como a fonte feita em rio;<<strong>br</strong> />
por mais que passe o tempo eu me confronto<<strong>br</strong> />
e a falhas, mesmo a mim, me desafio.<<strong>br</strong> />
O que escrevo naturalmente monto<<strong>br</strong> />
sem maltratar, no verso, o poderio<<strong>br</strong> />
que há de ter a palavra que me apronto,<<strong>br</strong> />
pondo-a no texto exata, a seu feitio.<<strong>br</strong> />
Que importa que o soneto <strong>é</strong> limitado!<<strong>br</strong> />
- Nele cabe a mensagem mais profunda,<<strong>br</strong> />
escrita inteligente, com cuidado.<<strong>br</strong> />
Cada qual sua semente - alma jucunda!<<strong>br</strong> />
semeia em seu poema trabalhado<<strong>br</strong> />
na f<strong>é</strong> que seja a terra mais fecunda.<<strong>br</strong> />
Confissão<<strong>br</strong> />
Confesso, meu amor, confesso agora,<<strong>br</strong> />
depois de tudo quanto tenho dito,<<strong>br</strong> />
que sinto em mim tamb<strong>é</strong>m o teu conflito<<strong>br</strong> />
e que minha alma como a tua chora.<<strong>br</strong> />
Eu creio em ti, e espero em nova aurora<<strong>br</strong> />
12<<strong>br</strong> />
Texto Extraído do livro<<strong>br</strong> />
A execução da palavra
a iluminar-te o coração aflito,<<strong>br</strong> />
e aqui distante e perto, amor, palpito<<strong>br</strong> />
querendo-te presente vida afora.<<strong>br</strong> />
Se nossas vidas pendem simplesmente<<strong>br</strong> />
de um ser mais forte que este nosso afeto<<strong>br</strong> />
unamos mais a nossa vida ardente.<<strong>br</strong> />
Verás, verei então que a paz de um teto<<strong>br</strong> />
nos manterá unidos docemente<<strong>br</strong> />
vivendo juntos nosso amor completo.<<strong>br</strong> />
Promessa<<strong>br</strong> />
Venho, hoje, na esperança de encontrar-te<<strong>br</strong> />
serena e calma e alegre e decidida.<<strong>br</strong> />
Venho trazer-te inteira e sem medida<<strong>br</strong> />
minha promessa: - juro sempre amar-te!<<strong>br</strong> />
Nas dores, desde agora posso dar-te<<strong>br</strong> />
o amparo da coragem, sim, querida,<<strong>br</strong> />
por saber que o árduo dia-a-dia da vida<<strong>br</strong> />
fará de mim, amor, teu baluarte.<<strong>br</strong> />
Teu sonho puro há de encontrar a<strong>br</strong>igo<<strong>br</strong> />
no caminho que andamos passo-a-passo,<<strong>br</strong> />
unida no amor que me uniu contigo.<<strong>br</strong> />
Pouco importa o que venha acontecer,<<strong>br</strong> />
pois para ti eu tudo quero e faço,<<strong>br</strong> />
meu único motivo em meu viver!<<strong>br</strong> />
Se amei?<<strong>br</strong> />
Morrer prefiro a ter que amar de novo,<<strong>br</strong> />
a ter que repetir o quanto disse<<strong>br</strong> />
a outra mulher por mais que seja ideal,<<strong>br</strong> />
a ter que desprender-me sem ter rumo.<<strong>br</strong> />
Morrer prefiro a ter que amar ainda,<<strong>br</strong> />
a ter que ouvir de novo outra sentença<<strong>br</strong> />
de outra mulher em mais um sonho ardente<<strong>br</strong> />
a quem eu quis e amei. Se amei? E quanto<<strong>br</strong> />
pude na minha força e fi<strong>br</strong>as íntimas<<strong>br</strong> />
dando-me todo, tanto e bem por isso<<strong>br</strong> />
morrer prefiro a amar sem ser a ti.<<strong>br</strong> />
E não que não pudeste, não quiseste,<<strong>br</strong> />
mulher, amar-me e amar o amor. Amor,<<strong>br</strong> />
morrer prefiro a ter que recordar-te.<<strong>br</strong> />
13
14<<strong>br</strong> />
O s<strong>é</strong>timo dia<<strong>br</strong> />
A violenta explosão na noite fria de agosto aumentou ainda mais o escaldar da<<strong>br</strong> />
adrenalina em meu sangue embora tudo transcorresse como planejara. Tinha certeza de que meus<<strong>br</strong> />
restos mortais tornar-se-iam realmente restos, expelidos pêlos estraçalhados vidros do fusquinha,<<strong>br</strong> />
todo em chamas; ningu<strong>é</strong>m haveria de me reconhecer pelos s<strong>é</strong>culos dos s<strong>é</strong>culos. As labaredas do<<strong>br</strong> />
gás tornando-se cada vez mais agigantadas e o pretume da noite confundido com o negror da<<strong>br</strong> />
fumaça química, mesmo assim parecia que a manha tivesse surgido num a<strong>br</strong>ir e fechar de olhos. O<<strong>br</strong> />
eco do estampido vi<strong>br</strong>ando em meus ouvidos zunindo, zunindo, zoando ensurdecedor, bumbos,<<strong>br</strong> />
bombos, tamborins, surdos... At<strong>é</strong> minha som<strong>br</strong>a parecia estar projetada às minhas costas. Por<<strong>br</strong> />
dentro, confesso, cheguei a sentir tremor e uma acidez me causou súbito calafrio, o temor de<<strong>br</strong> />
minha morte.<<strong>br</strong> />
Havia, a certeza de que não seria molestado. O que podia identificar-se como cadáver<<strong>br</strong> />
exalando à carne assada. Eram muitos os que se afligiam prestando-me as derradeiras<<strong>br</strong> />
homenagens, compungidos, consternados, desolados. Minha mulher apesar de uma situação<<strong>br</strong> />
insustentável há alguns anos não se continha em copiosas lágrimas; meu filho, ah o meu filho!<<strong>br</strong> />
Apesar de toda a compassividade humana que costuma tomar conta de nosso<<strong>br</strong> />
semelhante quando algu<strong>é</strong>m cessa de pertencer a este vale de lágrimas, senti que comigo nada<<strong>br</strong> />
estava sendo diferente. De tarde, meus restos mortais, restos mesmo, dentes, <strong>br</strong>aços, vísceras,<<strong>br</strong> />
miolos, couro cabeludo, mandíbulas, sexo, tudo enfim, creio que me tornei insuportável. Na boca<<strong>br</strong> />
da noite, um vento forte, nuvens prenunciado chuva a qualquer instante, hirto, carcaça,<<strong>br</strong> />
irreconhecível, sem incenses, sem beijos antes de fechado o caixão, ouvi encomendada a minha<<strong>br</strong> />
alma, espírito morto, condenado, e havia lágrimas, coroas, preces, bênçãos, litanias à antiga...<<strong>br</strong> />
Completou-se o ritual com as eclesiais gotículas de água benedita e o ''Dies irae" fez estremecer os<<strong>br</strong> />
de meu sangue, afins, vizinhos e curiosos...<<strong>br</strong> />
Na solidão do campo-santo, renascido, continuei a viver.<<strong>br</strong> />
A vida não andava fácil. Há mais de ano Idal<strong>é</strong>cio Gravá fora afastado de alto cargo de<<strong>br</strong> />
uma agência bancária em Crissanga. De famflia tradicional, casado, a prole não foi suficiente para<<strong>br</strong> />
amainar as rusgas dom<strong>é</strong>sticas. A mulher não sabia o quanto custavam as horas-extras diárias. A<<strong>br</strong> />
moda era um aperto às economias de Idal<strong>é</strong>cio. As dos outros tinham, por que ela não haveria de<<strong>br</strong> />
ter? Das rinhas, seguidas, veio a separação de cama ainda que a mesa continuasse sendo a mesma já<<strong>br</strong> />
que a casa fora construída com o suor de ambos tendo Rosalina contribuído com as parcas<<strong>br</strong> />
economias auferidas no pesar do magist<strong>é</strong>rio em dois turnos no grupo escolar próximo à atual<<strong>br</strong> />
residência.<<strong>br</strong> />
Quantas vezes, passara, remorsiado, as mãos, atualmente calejadas, na cabeça<<strong>br</strong> />
arrependendo-se do desvio da miserável importância. Nem pelo fato de que reconhecera o erro e<<strong>br</strong> />
a circunstância de que se prontificara em repor o principal e acessórios do que se apropriara, fora<<strong>br</strong> />
compreendido pela direção superior. A punição lhe vinha na certa: demissão, justa causa... e não<<strong>br</strong> />
estava livre de ver-se indiciado em inqu<strong>é</strong>rito policial, às voltas com a Justiça e do diabo-a-quatro.<<strong>br</strong> />
Lá se iam mais de quinze anos de carreira num mesmo emprego! Estigmatizado pelo anátema vida<<strong>br</strong> />
a fora, depois.<<strong>br</strong> />
As últimas reservas monetárias iam se diluindo. Abalada, a mulher, com o acontecido,<<strong>br</strong> />
pedira licença sem vencimentos para poder dar maior atenção ao estado de saúde do homem que<<strong>br</strong> />
ainda a prendia. Por so<strong>br</strong>e isso o menino - era assim que costumava tratar ao filho, tinha acabado<<strong>br</strong> />
de servir e andava fazendo testes para encaminhar-se em algum emprego.<<strong>br</strong> />
Ultimamente Idal<strong>é</strong>cio Grava ensimesmava-se a olhos vistos. Nada de igreja, nada de<<strong>br</strong> />
visitas, nada de saídas de casa. Macambúzio, beirando à misantropia.<<strong>br</strong> />
Precisava encontrar uma solução. A demissão era iminente. Que vergonha! Que porra<<strong>br</strong> />
tivera na cabeça naquela tarde quando aceitou fazer a trapaça por aquela insignificante<<strong>br</strong> />
importância de nem sequer cem mil cruzeiros. Fora o capeta, o satana mesmo que só tem<<strong>br</strong> />
capacidade para fazer a panela e na hora de pôr a tampa faz <strong>é</strong> uma cagada. É isso: cagão <strong>é</strong> que era...<<strong>br</strong> />
Aí veio a tentação. Se de grão em grão a galinha enche o papo, como já ouvira dizer<<strong>br</strong> />
muitas e muitas vezes e em tantas situações diferentes, Idal<strong>é</strong>cio Grava teve uma id<strong>é</strong>ia que lhe<<strong>br</strong> />
pareceu solucionai. Lem<strong>br</strong>ou-se da tábua de salvação boiando ao mar so<strong>br</strong>e a qual se lançam<<strong>br</strong> />
todos os náufragos. Precisava se salvar, aliás, se safar da enrascada.<<strong>br</strong> />
Com a derradeira reserva do vil-metal efetuou um seguro que lhe garantiria não apenas<<strong>br</strong> />
uma bem paga defesa administrativa junto ao banco -quem sabe at<strong>é</strong> uma readminissão com todas<<strong>br</strong> />
as vantagens no dia de amanhã, mas um reconhecimento de inocência nas malhas da justiça dos<<strong>br</strong> />
homens. Bem assegurado estaria garantido ao menos.<<strong>br</strong> />
Texto Extraído do livro<<strong>br</strong> />
O s<strong>é</strong>timo dia
Necessitava, então, morrer.<<strong>br</strong> />
Tímido at<strong>é</strong>, havia admiração por parte dos que privavam de sua amizade, de como Idal<strong>é</strong>cio<<strong>br</strong> />
Gravá conseguia conquistar simpatias, aliás, belas mulheres, inclusive clientes da agência. Não que<<strong>br</strong> />
fosse um amulherado na amplidão da palavra, mas era preciso ter caralho funcionando a todo vapor<<strong>br</strong> />
para dar conta de com quantas era visto. E se era visto era porque... Comentava-se que andava<<strong>br</strong> />
papando duas ou três colegas. Ao menos a Cirina se não era uma teúda e manteúda, era uma de<<strong>br</strong> />
certeza, depois que se separa perante o juiz chegava a frequentar-lhe o apartamento.<<strong>br</strong> />
Como poderia morrer e usufruir da polpuda importância do seguro? Tudo, ainda,<<strong>br</strong> />
transcorria confuso. Mas na morte residia a única solução. Era necessário vencer, então, a própria<<strong>br</strong> />
vida e, finando, entrar garantido, adulto, com experiência, na nova jornada. Tinha o direito de<<strong>br</strong> />
recomeçar.<<strong>br</strong> />
Lem<strong>br</strong>ou-se do caso da Bíblia: Lázaro foi ressuscitado e o Livro Sagrado não voltou a dele<<strong>br</strong> />
se ocupar. Talvez esteja perambulando, qual beduíno, pêlos desertos do mundo ou talvez qual judeu<<strong>br</strong> />
apátrida atrás de algum balcão de quinquilharias... Ahasverus?... (Veio-lhe à mente que na<<strong>br</strong> />
adolescência lera uns versos de um tal de Toninho Castro Alves, um bahianinho arrojado de<<strong>br</strong> />
Muritiba, condoreiro dizia-se nas aulas de literatura, que eram mais ou menos assim: "Sabes quem<<strong>br</strong> />
foi Ahasverus?... - o precito, o mísero Judeu, que tinha escrito na fronte o selo atroz! Eterno viajor<<strong>br</strong> />
de eterna senda... espantado a fugir de tenda em tenda, fugindo embalde à vingadora voz!"). Ou<<strong>br</strong> />
tudo ficaria na hipótese do desa<strong>br</strong>ochar do remorso?<<strong>br</strong> />
Idal<strong>é</strong>cio Gravá, um dia, submetera-se a um dos mais s<strong>é</strong>rios e rigorosos concursos para<<strong>br</strong> />
obter-se emprego. Começara como Auxiliar. Já no primeiro concurso interno a sorte lhe sorrira.<<strong>br</strong> />
Ganhou at<strong>é</strong> beijos da mulher. O mundo dos números lhe era familiar. Não que fosse um gênio, mas<<strong>br</strong> />
as operações bancárias lhe eram sopa. Em pouco tempo penetrou em todos os meandros dos<<strong>br</strong> />
cifrões e nada lhe restava por saber na atividade do dia após dia. Encontrava-se em uma das carteiras<<strong>br</strong> />
mais almejadas quando prevaricou. Os rendimentos eram de várias centenas de mil cruzeiros por<<strong>br</strong> />
mês. Conseguira mudar de casa. Situada em meio de quase meio hectar, a chácara, por vezes, servira<<strong>br</strong> />
de local de encontros de colegas, festinhas, conversas descontraídas, tiradas que seriam tidas como<<strong>br</strong> />
inconvenientes se proferidas no local de trabalho... Mas, humano, atendeu a um insistente pedido,<<strong>br</strong> />
cedeu. E se dera mal. "Explica mas não justifica", vinha-lhe aos ouvidos, como em toque de caixa, a<<strong>br</strong> />
frase ouvida pela primeira vez no tempo distante da caserna. A consc ientização do deslize<<strong>br</strong> />
viera negar a força do prov<strong>é</strong>rbio que diz que reconhecer o erro <strong>é</strong> divino, não reconhecê-lo <strong>é</strong> burrice<<strong>br</strong> />
e nele permanecer <strong>é</strong> diabólico... Sempre o diabo em meio a tudo. <strong>é</strong> por isso que, talvez, o capeta<<strong>br</strong> />
esteja sofrendo at<strong>é</strong> hoje: calculara demais a esperteza de suas forças e a luta pelo monopólio da<<strong>br</strong> />
divindade lhe saíra pela culatra. Se escafedera, como diz o escritor <strong>Zanon</strong>, per omnia saecula<<strong>br</strong> />
saeculorum!...<<strong>br</strong> />
Passou a vigiar os mortos. Não bem os mortos. Os velórios. Era necessário, para morrerse<<strong>br</strong> />
e continuar existindo, encontrar-se em outro 'Idal<strong>é</strong>cio Grava'. Andava pêlos quarenta e cinco,<<strong>br</strong> />
alto, bem nutrido e sabia que nessa idade o homem encontra-se em plena resistência vital. Não se diz<<strong>br</strong> />
que a vida começa aos quarenta? O que importava era o físico e a cor. O espírito, embora andasse<<strong>br</strong> />
meio doentio, haveria de melhorar tão logo conseguisse finar-se para a companhia. A nuvem que<<strong>br</strong> />
ameaçava despejar em catadupas todo o líquido que lhe ia ao seio seria, em <strong>br</strong>eve, implodida e o sol<<strong>br</strong> />
haveria de <strong>br</strong>ilhar, lúmino, escaldante, transparente, todo-poderoso novamente para ele. Pela<<strong>br</strong> />
primeira vez, há quase um ano, conseguira esboçar a tessitura de um sorriso...<<strong>br</strong> />
A morte passara a ser sua companheira durante as longas horas do dia. Várias noites, at<strong>é</strong>,<<strong>br</strong> />
compartilhara, veladamente, de velórios. A solidariedade humana <strong>é</strong> um dom não apenas um instinto<<strong>br</strong> />
como o animal, cogitava. E nessas ocasiões de apresentações não se precisa. Basta a solidariedade da<<strong>br</strong> />
presença, do simples silêncio, que <strong>é</strong> a melhor parenta, a melhor vizinha, a melhor maneira de se<<strong>br</strong> />
cativar algu<strong>é</strong>m, de compartilhar seria mais expressivo. <strong>é</strong> tão poderosa a solidariedade na hora da<<strong>br</strong> />
aflição que chega a nos pôr em encanto; quantas concessões em seu nome. Idal<strong>é</strong>cio Gravá, apesar da<<strong>br</strong> />
carga negativa que o trazia em contínua tensão, ainda continha fi<strong>br</strong>as a movê-lo.<<strong>br</strong> />
Rejeitara-se por várias vezes já. O defunto não ostentava aparências para nele ocultar-se<<strong>br</strong> />
pela morte aparente. Durante mais de mês repetira saídas com paciência buscando similitudes.<<strong>br</strong> />
Haveria de triunfar, encontrando. A repetitividade não o trazia descuidado.<<strong>br</strong> />
De enfarte do miocárdio finara Abel Vieira. Quarenta e um anos, robusto, estatura<<strong>br</strong> />
mediana... Por que não seria 'Idal<strong>é</strong>cio Gravá? Era questão de optar que o tempo ia fluindo. Urgia!<<strong>br</strong> />
Era só decidir.<<strong>br</strong> />
Já repeti que a solidariedade humana só <strong>é</strong> superada pela compassividade. Idal<strong>é</strong>cio Gravá,<<strong>br</strong> />
mais uma vez, deixou o mundo polvoroso de sua residência e, .na calada de outra noite, foi velar.<<strong>br</strong> />
Não era preciso disfarçar. Sabia tamb<strong>é</strong>m, sorvera na fonte sagrada, que todos somos filhos da<<strong>br</strong> />
mesma origem. Ningu<strong>é</strong>m lhe haveria de apresentar condolências pelo passamento, ainda que tão<<strong>br</strong> />
inesperado e repentino, de Abel Vieira. Seria discreto em tamb<strong>é</strong>m não formular pêsames algum. A<<strong>br</strong> />
final de contas não <strong>é</strong> com pêsames, condolências, sentimentos... que se recebe uma apólice.<<strong>br</strong> />
Deixou o campo-santo, um dos últimos a se retirar, tendo certeza de que a escuridão do<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>eu da noite não lhe trairia os passos na localização da sepultura, logo mais.<<strong>br</strong> />
Anteriormente rejeitara, como se afastasse um pensamento pecaminoso, a possibilidade<<strong>br</strong> />
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de suicídio. Al<strong>é</strong>m de faltar-lhe coragem, num ápice, vieram-lhe à mente enfraquecida e nublada,<<strong>br</strong> />
todas as notícias já ouvidas e lidas a respeito de tal ato extremo. O pensamento de ceifar-se a<<strong>br</strong> />
própria existência foi como um gole de ardente salmoura a amargar-lhe a consciência em suas<<strong>br</strong> />
últimas reações ao escrúpulo da danação eterna da alma... Igualmente afastara outro plano, não por<<strong>br</strong> />
dentais ousado, mas porque poderia trazer-lhe complicações com os xerloques da' federal:<<strong>br</strong> />
empreenderia viagem rápida, daria carona a um vagabundo qualquer desses que infestam às beiras<<strong>br</strong> />
das rodovias e seria fácil, já nas proximidades da residência, mandá-lo para o outro lado da vida<<strong>br</strong> />
com a mínima fagulha ateada ao gás de cozinha com o qual movia seu fusquinha. E o veículo? Não<<strong>br</strong> />
importava: perdido, perdido e meio. Estava computada a perda.<<strong>br</strong> />
A serenidade de Abel Vieira, no ataúde, a solução. Munido de um grande saco de plástico,<<strong>br</strong> />
a ferramenta necessária, o pretume da noite lhe era favorável. Hirto o cadáver, ao fio da<<strong>br</strong> />
machadinha cederam os joelhos; aos arrancões, nervosamente manejada o alicate, saltaram os<<strong>br</strong> />
dentes; a rigidez das nádegas amaciou com uns certeiros pontap<strong>é</strong>s e à pressão exercida so<strong>br</strong>e a<<strong>br</strong> />
cabeça... No interior da saca Idal<strong>é</strong>cio Gravá, aliás o pranteado Abel Vieira, parecia, pela posição<<strong>br</strong> />
fetal, em <strong>br</strong>eve, voltar a renascer para a ressurreição final. A <strong>br</strong>isa que, no inicio da exumação,<<strong>br</strong> />
trazia-lhe ao olfato o gostoso cheiro das flores de pessegueiros, o verdor do primeiro aroma das<<strong>br</strong> />
laranjeiras em fins de safra, nem sequer causou-lhe náuseas o ar carregado que se desprendia ao<<strong>br</strong> />
contato, com suas suaves línguas, com o cadáver. Ao final da t<strong>é</strong>trica empreitada, forte o vento da<<strong>br</strong> />
madrugada, os ciprestes que circundavam toda a quadra pareciam tornar-se misteriosos pontosde-interrogação<<strong>br</strong> />
ao que estavam presenciando. Não fossem assim, verdes, esbelto, alheios, sempre<<strong>br</strong> />
dóceis às <strong>br</strong>isas e aos vendavais, ao menos se mostravam reticentes na natural posição exclamativa.<<strong>br</strong> />
Aqui o palco da (minha) morte. Ao voltante, Abel Vieira. A violenta explosão na noite<<strong>br</strong> />
fria de agosto aumentou ainda mais o escaldar da adrenalina em meu sangue embora tudo<<strong>br</strong> />
transcorresse como planejara. Tinha certeza de que meus restos mortais tornar-se-iam realmente<<strong>br</strong> />
restos, expelidos pêlos estraçalhados vidros do fusquinha, todo em chamas; ningu<strong>é</strong>m haveria de<<strong>br</strong> />
me reconhecer pêlos s<strong>é</strong>culos dos s<strong>é</strong>culos. As labaredas do gás tornando-se cada vez mais<<strong>br</strong> />
agigantadas e o pretume da noite confundido com o negror da fumaça química, mesmo assim<<strong>br</strong> />
parecia que a manha tivesse surgido num a<strong>br</strong>ir e fechar de olhos. O eco do estampido vi<strong>br</strong>ando em<<strong>br</strong> />
meus ouvidos zunindo, zunindo, zoando ensurdecedor bumbos, bombos, tamborins, surdos... At<strong>é</strong><<strong>br</strong> />
minha som<strong>br</strong>a parecia estar projetada às minhas costas. Por dentro, confesso, cheguei a sentir<<strong>br</strong> />
tremor e uma acidez me causou calafrio, o temor da morte. Mas eu estava vencendo a minha morte.<<strong>br</strong> />
Durante o restante da cálida madrugada Idal<strong>é</strong>cio Gravá permaneceu homiziado no meio<<strong>br</strong> />
da capoeira próxima ao local do sinistro comunicado à polícia por seu filho dizendo simplesmente<<strong>br</strong> />
ao plantão que perto de casa havia um carro que fora devorado por fogo e no interior do que<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>ava havia uma pessoa boa, conforme ficou registrado. Atrav<strong>é</strong>s das ondas curtas do radinho<<strong>br</strong> />
escutava uma das emissoras da cidade, a qual, em furo de reportagem, noticiava o acontecido. Mais<<strong>br</strong> />
tarde, ainda no mesmo ninho, uma sensação nunca vivida tomava-lhe conta do corpo e da<<strong>br</strong> />
sensibilidade ao ouvir os repetidos convites da esposa, filho, familiares, colegas de banco... para o<<strong>br</strong> />
sepultamento saindo o f<strong>é</strong>retro da casa enlutada às dezessete horas, com missa de corpo presente.<<strong>br</strong> />
Desnecessidade haveria em que este escriba consignasse que o Corpo de Bombeiros e a<<strong>br</strong> />
Rádio Patrulha com Peritos já haviam comparecido e liberado o local quando Idal<strong>é</strong>cio Gravá,<<strong>br</strong> />
elegendo bem os caminhos, se dirigia ao local escolhido, junto ao Cemit<strong>é</strong>rio de Vila Floresta, para<<strong>br</strong> />
vigiar seu corpo descendo à sepultura entre asperges, lágrimas, suspiros de dor, adeuses, at<strong>é</strong><strong>br</strong>eves,<<strong>br</strong> />
o punhado de terra de cada um...<<strong>br</strong> />
No decorrer da semana...<<strong>br</strong> />
O ar de família da família enlutada causara estranha impressão a um dos da justa que<<strong>br</strong> />
acompanhara o caso. Três dias depois foi negada certidão da ocorrência ao órfão que a fora<<strong>br</strong> />
solicitar para fazer prova junto à seguradora. Em casa viúva e filho ficaram apreensivos. Atrav<strong>é</strong>s de<<strong>br</strong> />
um menino parente de longe souberam onde Idal<strong>é</strong>cio se encontrava. A noite saia para desanuviar<<strong>br</strong> />
pois que a ocultação que se impusera - questão de prudência e tempo, a casa do afim, lhe estava<<strong>br</strong> />
sendo insuportável, uma prisão, afligia-se.<<strong>br</strong> />
Anunciada a Missa de S<strong>é</strong>timo Dia, manhã salsa pela <strong>br</strong>isa que agitava o mar no lugarejo<<strong>br</strong> />
onde se acoitara, deixou a cumplicidade da casa parental e foi certificar-se de que na sepultura onde<<strong>br</strong> />
fora colocado seu repouso eterno não fora molestado. Atónito com o cenário encontrado,<<strong>br</strong> />
esquecendo-se de repor o capuz sob o qual se disfarçava à luz minguante da tarde arejada, no<<strong>br</strong> />
instante em que ia fazê-lo, à saída da cidade-dos p<strong>é</strong>s-juntos, não resistiu à ordem de entregar-se<<strong>br</strong> />
dada por um policial que o conhecia de outros feitos mantidos velados.<<strong>br</strong> />
Ao explicar-se à imprensa, apresentado pelo Diretor da Cadeia Pública, parente em<<strong>br</strong> />
segundo grau que tamb<strong>é</strong>m o pranteara, cumprindo, agora, cavacos do ofício, at<strong>é</strong> este modesto<<strong>br</strong> />
escriba, ainda que conhecido em todos os rincões pela pureza do estilo tanto em prosa como em<<strong>br</strong> />
verso, se sentiu mais uma vez vulnerável diante da ousadia da ameaça coletiva de que ele, embora<<strong>br</strong> />
finado por uma semana, Idal<strong>é</strong>cio Gravá. daria cabo um a um se fosse dado à luz o enredo da<<strong>br</strong> />
execução de sua morte.<<strong>br</strong> />
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