Paradoxos da mulher moderna: a estigmatização da personagem “Pit”
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Assim, a construção de estereótipos e de estigmas só é possível diante de um contexto de<br />
prescrição social de papéis distintos a serem incorporados pelos indivíduos. No caso de Pit,<br />
sua condição de <strong>mulher</strong> contraditória, sintetizando aspectos modernos e tradicionais, é<br />
imposta pela necessi<strong>da</strong>de que tem de jogar no campo <strong>da</strong> sedução, conciliando seus anseios<br />
com as armas que lhe são permiti<strong>da</strong>s socialmente. Se suas intenções de <strong>mulher</strong> “descola<strong>da</strong>”<br />
forem totalmente expostas, ela pode ser considera<strong>da</strong> “fácil” e assim perder o jogo. No entanto,<br />
mesmo que tente se valorizar neste jogo, Pit não consegue esconder completamente sua<br />
condição carente de <strong>mulher</strong> tradicional, e sempre que isto vem à tona ela se torna presa fácil<br />
do estigma de gênero, que não poupa a maioria <strong>da</strong>s <strong>mulher</strong>es <strong>moderna</strong>s de classe média como<br />
ela. Para compreender melhor este tipo de punição social, é preciso falarmos um pouco sobre<br />
a trajetória <strong>da</strong> dominação masculina.<br />
A construção social dos estigmas de gênero<br />
A partir disso, pensemos novamente na condição de Pit. A grande questão que podemos<br />
levantar em torno <strong>da</strong> <strong>personagem</strong> é que, como nos mostra Bourdieu (2005), Pit pode até, em<br />
algumas situações, tentar mu<strong>da</strong>r de “facha<strong>da</strong>”, como tentou fazer no trecho do episódio acima<br />
descrito. Porém, ela já é estigmatiza<strong>da</strong>, primeiro, devido à sua condição de gênero, que por si<br />
só já pressupõe uma série de caracterizações pré-defini<strong>da</strong>s socialmente. Segundo, é<br />
estigmatiza<strong>da</strong> devido à condição de <strong>mulher</strong> que se diz “descomplica<strong>da</strong>”, que de acordo com<br />
valores morais que seguem a lógica <strong>da</strong> dominação simbólica do homem sobre a <strong>mulher</strong>, pode<br />
ser rotula<strong>da</strong> de “fácil” e, portanto, desvaloriza<strong>da</strong> pelos homens, o que talvez justifique o fato<br />
de ain<strong>da</strong> estar solteira. Assim:<br />
“Os esquemas do inconsciente sexuado não são alternativas estruturantes fun<strong>da</strong>mentais (fun<strong>da</strong>mental<br />
estructuring alternatives), como quer Goffman, e sim estruturas históricas, altamente diferencia<strong>da</strong>s,<br />
nasci<strong>da</strong>s de um espaço social por sua vez altamente diferenciado e que se reproduzem através <strong>da</strong><br />
aprendizagem liga<strong>da</strong> à experiência que os agentes têm <strong>da</strong>s estruturas destes espaços.” (BOURDIEU,<br />
2005:124)<br />
Estas estruturas históricas são construí<strong>da</strong>s através de relações de oposição, que são divisões<br />
secundárias à divisão principal entre masculino e feminino, como: forte/fraco,<br />
grande/pequeno, ativo/passivo, público/privado, racional/emocional, dominante/dominado.<br />
Notemos que estas divisões são hierarquizantes, colocando o homem em posição privilegia<strong>da</strong><br />
e colaborando para a perpetuação <strong>da</strong> dominação simbólica a que nos referimos.<br />
Entender a fundo os mecanismos e a eficácia do caráter moral de avaliação que constitui a<br />
<strong>mulher</strong> enquanto hierarquicamente inferior ao homem não é tarefa muito simples. As<br />
distinções de gênero no senso comum apontam para um essencialismo, excluindo-se o caráter<br />
histórico de construção. Por outro lado, há uma politização superficial em torno <strong>da</strong> idéia<br />
muito comum em nosso imaginário cotidiano, de um jogo eterno entre homens e <strong>mulher</strong>es,<br />
que passam a se identificar como adversários, excluindo-se, entretanto, o caráter pré-reflexivo<br />
<strong>da</strong> internalização dos valores.<br />
“é preciso realmente perguntar-se quais são os mecanismos históricos que são responsáveis pela des -<br />
historicização e pela eternização <strong>da</strong>s estruturas <strong>da</strong> divisão sexual e dos princípios de divisão<br />
correspondentes. (...) Lembrar que aquilo que, na história parece como eterno não é mais que o produto<br />
de um trabalho de eternização que compete a instituições interliga<strong>da</strong>s tais como a família, a igreja, a<br />
escola (...).” (BOURDIEU, 2005:4)<br />
Nesta relação, dominante e dominado reconhecem-se como tais, de forma pré-reflexiva, na<br />
medi<strong>da</strong> em que há uma série de instrumentais que irá trabalhar no subjetivo de ambos. O<br />
habitus, constituído por esquemas de percepção, avaliação e ação, incorporados<br />
irrefleti<strong>da</strong>mente, traduz o lugar social que ca<strong>da</strong> um deve ocupar. Portanto, o dominado aceita<br />
a dominação não simplesmente por conformar-se com ela, mas por incorporar valores que<br />
realmente o fazem acreditar na legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> dominação, levando-o também a reproduzi-la.<br />
Revista Espaço Acadêmico, nº 82, março de 2008<br />
http://www.espacoacademico.com.br/082/82maciel.htm<br />
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