17.04.2013 Views

Poesia moderna brasileira.pdf

Poesia moderna brasileira.pdf

Poesia moderna brasileira.pdf

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Esta cova em que estás com palmos medida<br />

É a conta menor que tiraste em vida<br />

É de bom tamanho nem largo nem fundo<br />

É a parte que te cabe deste latifúndio<br />

Não é cova grande, é cova medida<br />

É a terra que querias ver dividida<br />

É uma cova grande pra teu pouco defunto<br />

Mas estás mais ancho que estavas no mundo<br />

É uma cova grande pra teu defunto parco<br />

Funeral de um Lavrador<br />

(fragmento de Morte e Vida Severina)<br />

Porém mais que no mundo te sentirás largo<br />

É uma cova grande pra tua carne pouca<br />

Mas a terra dada, não se abre a boca<br />

É a conta menor que tiraste em vida<br />

É a parte que te cabe deste latifúndio<br />

É a terra que querias ver dividida<br />

Estarás mais ancho que estavas no mundo<br />

Mas a terra dada, não se abre a boca.<br />

Mário Quintana (1906-1994): o gaúcho Mário Quintana é um poeta que emerge independente de qualquer filiação estética,<br />

está aquém de quaisquer influências mais palpáveis; conecta-se, contudo, à mesma tendência de Manuel Bandeira e Carlos<br />

Drummond de Andrade no que diz respeito à observação do cotidiano. Não há, contudo, como em Drummond, o apego às<br />

transformações sociais e questões políticas, mas algo que o situa como um “poeta da simplicidade”, onde ficam claras<br />

características como a ironia e o sarcasmo e um reducionismo muito próximo do estilo dos cronistas. Não por acaso,<br />

Quintana fez muitos experimentos em sua escrita ao imprimir musicalidade e noções de ritmo e rima próprias dos versos em textos<br />

em prosa, produzindo o que poderíamos chamar de poemas em prosa (como os do Caderno H: as máximas de tom<br />

enfático e “definitivo” – aspecto presente também em Espelho Mágico e Sapato Florido). A imagem de Quintana ficou<br />

associada, como o passar dos anos, às suas breves incursões no universo infantil e sua imagem de idoso fragilizado pelo tempo, o<br />

que, ligado ao seu estilo jocoso, só fez alimentar uma ideia de um autor singelo, sutil e irreverente; no entanto, há que se<br />

desmistificar essa questão: sua irreverência está associada a uma auto-ironia destrutiva que provoca uma tristeza latente<br />

em seus poemas, apenas disfarçada pelo cômico; as definições pontuais e reducionistas de seus textos seriam também,<br />

portanto, consequência dessa percepção desencantada.<br />

Rua dos Cataventos<br />

IV<br />

Eu nada entendo da questão social.<br />

Eu faço parte dela, simplesmente..<br />

E sei apenas do meu próprio mal,<br />

Que não é bem o mal de toda a gente,<br />

Nem é deste Planeta.. Por sinal<br />

Que o mundo se lhe mostra indiferente!<br />

E o meu Anjo da Guarda, ele somente,<br />

É quem lê os meus versos afinal..<br />

E enquanto o mundo em torno se esbarronda,<br />

Vivo regendo estranhas contradanças<br />

No meu vago País de Trebizonda..<br />

Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,<br />

É lá que eu canto, numa eterna ronda,<br />

Nossos comuns desejos e esperanças!..<br />

O poeta canta a si mesmo<br />

O poeta canta a si mesmo<br />

porque nele é que os olhos das amadas<br />

tem brilho a um tempo inocente e perverso...<br />

O poeta canta a si mesmo<br />

porque num seu único verso<br />

pende – lúcida, amarga -<br />

uma gota fugida a esse mar incessante do tempo...<br />

Porque o seu coração é uma porta batendo<br />

a todos os ventos do universo.<br />

Porque além de si mesmo ele não sabe nada<br />

ou que Deus por nascer está tentando agora<br />

ansiosamente respirar<br />

neste seu pobre ritmo disperso!<br />

O poeta canta a si mesmo<br />

porque de si mesmo é diverso.<br />

Vinicius de Moraes: (1913-1980): Vinicius foi um dos mais completos artistas do Brasil. Sua obra poética compreende dois<br />

grandes momentos que se distinguem e apontam para caminhos diferentes: a poesia dos anos de juventude e a<br />

fase em que, já consolidado e reconhecido, resolveu investir seu talento como compositor musical. Da primeira<br />

fase, ressalta-se o valor de sua relação com a tradição clássica e a influência da poesia simbolista francesa. Soube<br />

como poucos imprimir delicadeza à dureza de certas estruturas poéticas demasiadamente formais e presas como o soneto e deu<br />

nova dimensão ao uso desse tipo de poema. Dessa série fantástica de sonetos, destaca-se o belíssimo jogo de antíteses presente<br />

no “Soneto da Separação”:<br />

“De repente do riso fez-se o pranto<br />

Silencioso e branco como a bruma<br />

E das bocas unidas fez-se a espuma<br />

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.<br />

De repente da calma fez-se o vento<br />

Que dos olhos desfez a última chama<br />

E da paixão fez-se o pressentimento<br />

E do momento imóvel fez o drama.<br />

De repente, não mais que de repente<br />

Fez-se de triste o que se fez amante<br />

E de sozinho o que se fez contente

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!