Karl Marx, os sindicatos e a Central Única dos Trabalhadores frente ...
Karl Marx, os sindicatos e a Central Única dos Trabalhadores frente ...
Karl Marx, os sindicatos e a Central Única dos Trabalhadores frente ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Karl</strong> <strong>Marx</strong>, <strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> e a <strong>Central</strong> <strong>Única</strong> d<strong>os</strong> <strong>Trabalhadores</strong> <strong>frente</strong> à<br />
reestruturação do capital<br />
Célia Regina Congilio Borges (Depto. Ciências Sociais/PUC-Campinas)<br />
conborg@uol.com.br<br />
Nas últimas décadas, <strong>os</strong> process<strong>os</strong> de reestruturações produtivas inscreveramse<br />
na execução de políticas estatais com o apelo a “uma nova ordem mundial”. Com<br />
isto, assinalou-se o ressurgimento da ideologia do mercado em sua versão neoliberal<br />
e <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> adquirid<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> trabalhadores, no período do pós-guerra, foram<br />
responsabilizad<strong>os</strong> pela crise capitalista que assolou <strong>os</strong> países desenvolvid<strong>os</strong> na<br />
década de 1970. Mas, o fenômeno da transnacionalização do capitalismo também<br />
impôs uma redefinição das políticas de resistência da classe trabalhadora contra seus<br />
deletéri<strong>os</strong> efeit<strong>os</strong>, especialmente quando as desigualdades se agravaram e <strong>os</strong><br />
moviment<strong>os</strong> sociais puderam intercalar formas novas de manifestação com lutas<br />
tradicionais – marcadas, estas últimas, pela fragmentação e desestabilização das<br />
organizações sindicais.<br />
Objeto: Esta pesquisa tem por objeto <strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> ajustes neoliberais sobre as<br />
lutas sociais d<strong>os</strong> trabalhadores, especialmente pelas transformações n<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> e<br />
objetiv<strong>os</strong> que pautaram a formação da <strong>Central</strong> <strong>Única</strong> d<strong>os</strong> <strong>Trabalhadores</strong>-CUT.<br />
Objetiv<strong>os</strong>: O objetivo da pesquisa é propor uma reflexão sobre <strong>os</strong> desafi<strong>os</strong><br />
colocad<strong>os</strong> às lutas sociais, especialmente às que tiveram (ou têm) por<br />
referência a CUT, diante das dificuldades colocadas a<strong>os</strong> trabalhadores pela<br />
ofensiva do capitalismo em suas feições contemporâneas. Contra <strong>os</strong> apel<strong>os</strong><br />
que imprimem um caráter de inexorabilidade a<strong>os</strong> process<strong>os</strong> sociais correntes, visam<strong>os</strong><br />
identificar traç<strong>os</strong> de heterogeneidade nas formas de distribuição e processamento do<br />
trabalho. Pretende-se analisar process<strong>os</strong> do capitalismo contemporâneo a partir das<br />
redefinições na divisão internacional do trabalho e, especialmente, da difusão desigual<br />
d<strong>os</strong> avanç<strong>os</strong> da tecnologia, o que tem se refletido em diferentes reestruturações<br />
produtivas e nov<strong>os</strong> desafi<strong>os</strong> às organizações d<strong>os</strong> trabalhadores.<br />
Metodologia: O esforço metodológico tem se constituído em confrontar <strong>os</strong><br />
conceit<strong>os</strong> teóric<strong>os</strong> clássic<strong>os</strong> das formulações de <strong>Karl</strong> <strong>Marx</strong> com a análise das<br />
conjunturas sociais concretas e em movimento - para verificar, sobretudo, as relações<br />
de classe e o entrelaçamento de seus conflit<strong>os</strong> com <strong>os</strong> element<strong>os</strong> estruturais<br />
constituíd<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> víncul<strong>os</strong> entre o político, o social e o econômico.<br />
Resultad<strong>os</strong>: Como resultado imediato, pode-se perceber que ao conquistar cada<br />
vez mais hegemonia no interior da <strong>Central</strong>, a tendência majoritária, especialmente<br />
alocada entre <strong>os</strong> sindicalistas do ABC, levou <strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> filiad<strong>os</strong> à CUT ao abandono<br />
das lutas a partir d<strong>os</strong> locais de trabalho, recusando o embate onde a ideologia da<br />
reestruturação produtiva adquiria sua forma mais explícita. Os acord<strong>os</strong>, de forma<br />
geral, têm ampliado o leque das negociações por empresa, praticadas regularmente<br />
pel<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> filiad<strong>os</strong> à Força Sindical, levando grande parte das direções a aderir<br />
ao discurso prop<strong>os</strong>to pela “inclusão do país à modernidade”. A adesão a<strong>os</strong> term<strong>os</strong><br />
imp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> pelas transnacionais tornou idêntic<strong>os</strong> <strong>os</strong> discurs<strong>os</strong> proferid<strong>os</strong> pelo governo,<br />
pel<strong>os</strong> empresári<strong>os</strong>, pela Força Sindical e pela CUT. A homogeneização tornou-se<br />
ainda mais concreta, na medida em que as duas centrais e as entidades patronais<br />
passaram a disputar <strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> do FAT para financiar as atividades de qualificação<br />
profissional, estabelecendo formas diferenciadas de atrelamento d<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> ao<br />
Estado.
<strong>Karl</strong> <strong>Marx</strong>, <strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> e a <strong>Central</strong> <strong>Única</strong> d<strong>os</strong> <strong>Trabalhadores</strong><br />
<strong>frente</strong> à reestruturação do capital<br />
Célia Regina Congilio Borges *<br />
GT5: Neoliberalismo e relações de trabalho<br />
Resumo:<br />
Este artigo propõe uma reflexão sobre <strong>os</strong> desafi<strong>os</strong> colocad<strong>os</strong> ao movimento sindical<br />
diante da ofensiva do capitalismo em suas feições contemporâneas, especialmente,<br />
após a eleição de Lula e o apoio da CUT às reformas neoliberais implementadas<br />
pelas sucessivas equipes de governo.<br />
Em seu 8 o Congresso Nacional (5 a 7 de junho de 2003), a<br />
CUT disputou questões polêmicas, considerando que Lula, um d<strong>os</strong><br />
fundadores mais ilustres da <strong>Central</strong>, fora eleito Presidente da República.<br />
As questões envolveram as definições em torno do<br />
alinhamento ou não da CUT às políticas governamentais, diante das<br />
constantes mudanças que têm afetado direit<strong>os</strong> históric<strong>os</strong> conquistad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong><br />
trabalhadores. Waldemar R<strong>os</strong>si fez a previsão de que poderia haver um<br />
grande retrocesso na CUT. Percebeu que as discussões n<strong>os</strong> congress<strong>os</strong><br />
estaduais exprimiam um forte sentimento de que “Lula é n<strong>os</strong>so”, que sua<br />
vitória eleitoral representava a vitória da luta d<strong>os</strong> trabalhadores e, portanto,<br />
seria necessário garantir sua governabilidade:<br />
(...) para muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> congressistas, <strong>os</strong> trabalhadores não podem<br />
confrontar com “o n<strong>os</strong>so governo’, sob o risco de inviabilizá-lo“.<br />
Como a grande maioria d<strong>os</strong> dirigentes cutistas é também militante<br />
ou filiado ao Partido d<strong>os</strong> <strong>Trabalhadores</strong> -e Lula venceu as eleições<br />
como líder máximo do PT- seria constrangedor ter de enfrentá-lo<br />
devido à discordância com as prop<strong>os</strong>tas reformistas de sua equipe<br />
de governo (Brasil de Fato -29/05 a 04/06/03).<br />
O exemplo da relutância em fazer este enfrentamento ocorreu<br />
com a Reforma da Previdência. Como n<strong>os</strong> países da OECD, a grande<br />
pressão do capital financeiro sobre <strong>os</strong> govern<strong>os</strong> é para enfraquecer e<br />
* Professora de Ciência Política e membro do NEILS - Núcleo de Estud<strong>os</strong> de Ideologias e Lutas<br />
Sociais da PUC-SP.
privatizar a Previdência Pública - liberando o maior fundo social em divers<strong>os</strong><br />
países à apropriação privada.<br />
No Brasil, tramitaram por an<strong>os</strong>, no Congresso Nacional (desde<br />
o governo de Fernando Henrique Card<strong>os</strong>o), prop<strong>os</strong>tas de reformas<br />
trabalhistas que trariam séri<strong>os</strong> ônus a<strong>os</strong> trabalhadores, dentre elas, as da<br />
Previdência, o que para R<strong>os</strong>si seria um d<strong>os</strong> pont<strong>os</strong> mais conflitantes no<br />
Congresso cutista, dado o caráter extremamente contraditório que traziam.<br />
O que FHC não conseguiu em oito an<strong>os</strong>, em men<strong>os</strong> de um ano<br />
de governo, em aliança com partid<strong>os</strong> de direita e expurg<strong>os</strong> de congressistas<br />
resistentes do PT, o governo de Lula conseguiu, ao aprovar, no segundo<br />
semestre de 2003, as prop<strong>os</strong>tas da reforma previdenciária. Houve uma fraca<br />
reação por parte da tendência majoritária da CUT, e total desprezo do<br />
governo às manifestações d<strong>os</strong> servidores. No último Congresso cutista, as<br />
resoluções aprovadas já amenizavam as críticas à reforma da Previdência,<br />
aceitando o princípio do sistema de ap<strong>os</strong>entadoria complementar via a<br />
criação d<strong>os</strong> chamad<strong>os</strong> fund<strong>os</strong> de pensão. O 8 º Congresso foi concluído<br />
também com rejeição à suspensão do pagamento da dívida externa e<br />
rompimento com o FMI (bandeira histórica da CUT) e contra a realização de<br />
um plebiscito oficial para decidir a participação do Brasil na Área de Livre<br />
Comércio da América (ALCA) - reivindicação d<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> sociais desde<br />
FHC (Brasil de Fato, 12 a 18/06/03).<br />
Fez-se aqui apenas um preâmbulo para indicar <strong>os</strong><br />
compromiss<strong>os</strong> mais recentes da <strong>Central</strong> <strong>Única</strong> d<strong>os</strong> <strong>Trabalhadores</strong> com a atual<br />
ordem do poder. Ainda é preciso considerar que sindicalistas tradicionais<br />
passaram a ocupar carg<strong>os</strong> importantes no governo, como por exemplo,<br />
Jackes Wagner, no Ministério do Trabalho, depois substituído por Berzoini<br />
(anteriormente Ministro da Previdência), grande responsável pela<br />
conservadora reforma previdenciária. Entretanto, mudanças nas ações e<br />
propósit<strong>os</strong> da CUT se manifestam há temp<strong>os</strong>, especialmente quanto a<strong>os</strong><br />
impact<strong>os</strong> das reestruturações produtivas sobre as atividades sindicais. Na<br />
medida em que o neoliberalismo avançou no Brasil, tanto n<strong>os</strong> seus aspect<strong>os</strong><br />
ideológic<strong>os</strong> como n<strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> devastadores que promoviam contra o emprego,<br />
a correlação de forças na CUT tendeu favoravelmente às forças<br />
conservadoras que existiam no seu interior desde que foi criada.
Alves (2000:191) menciona que:<br />
(...) desde mead<strong>os</strong> d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 80, já era percebido um processo lento<br />
(e gradual) de mudanças da política de classe da CUT e do PT. A<br />
participação de amb<strong>os</strong> no processo eleitoral, e na própria<br />
institucionalidade democrática que surgia com a "Nova República",<br />
abriu uma nova etapa de negociações entre capital e trabalho. O<br />
exemplo do Sindicato d<strong>os</strong> Metalúrgic<strong>os</strong> do ABC, ligado a CUT, é o<br />
caso clássico de avanço na direção de um padrão de negociação<br />
direta que implica, para o trabalho, adotar uma p<strong>os</strong>tura prop<strong>os</strong>itiva<br />
de cariz neocorporativa.<br />
Se antes as disputas internas favoreciam as tendências que<br />
imprimiam um caráter classista ao perfil da central, n<strong>os</strong> últim<strong>os</strong> congress<strong>os</strong> a<br />
corrente majoritária ganhou maior espaço 1 e dificultou embates decisiv<strong>os</strong>, de<br />
caráter comum contra o capitalismo. A CUT se fechou em ações corporativas<br />
conciliatórias e cooperativas com o capitalismo, a exemplo de sua antiga<br />
oponente, a Força Sindical. Ao opor uma à outra, é necessário lembrar que<br />
se constituíram com princípi<strong>os</strong> e objetiv<strong>os</strong> bastante diferenciad<strong>os</strong>. Enquanto a<br />
CUT, em seu nascimento, representou o fortalecimento d<strong>os</strong> trabalhadores em<br />
direção a conquistas sociais e políticas, a Força Sindical foi criada<br />
exatamente para se contrapor, com discurs<strong>os</strong> ideológic<strong>os</strong> e ações concretas,<br />
às políticas que impulsionavam <strong>os</strong> trabalhadores cutistas. Portanto, o<br />
direcionamento d<strong>os</strong> impact<strong>os</strong> das reestruturações produtivas sobre as ações<br />
sindicais remete imediatamente às mudanças que ocorreram nas orientações<br />
da CUT, especialmente considerando a região do ABC, na grande São Paulo.<br />
O mesmo berço das greves operárias que embalou o surgimento da <strong>Central</strong><br />
embala, agora, o "sindicalismo prop<strong>os</strong>itivo", corroborando hipótese expressa<br />
por Soares (1998:16):<br />
No caso do ABC paulista, a ofensividade do capital sobre o trabalho<br />
colocou o movimento sindical na defensiva, levando-o a p<strong>os</strong>turas<br />
neocorporativa, de caráter mais setorialista, negocial e de<br />
“concertação”. Com isso, verifica-se a passagem de um sindicalismo<br />
conflitivo, de contestação -como foi n<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 80- para um<br />
sindicalismo de caráter mais “prop<strong>os</strong>itivo e afirmativo”, de<br />
negociação, “institucional” e “contratualista“. Exemplo dessa prática<br />
são as câmaras setoriais, envolvendo governo, trabalhadores e<br />
empresári<strong>os</strong>, além de acord<strong>os</strong> sobre reestruturação produtiva,<br />
realizad<strong>os</strong> no chão-de-fábrica entre comissões de fábrica, Sindicato<br />
e empresári<strong>os</strong>. O movimento sindical do ABC paulista, n<strong>os</strong> últim<strong>os</strong><br />
an<strong>os</strong>, tem procurado negociar com o patronato tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> process<strong>os</strong><br />
1 No congresso anterior, a Articulação Sindical elegeu Luiz Marinho como presidente da CUT, por<br />
74,6% d<strong>os</strong> vot<strong>os</strong>, contra uma média de pouco mais de 50% que a tendência atingia em congress<strong>os</strong><br />
anteriores.
de inovações tecnológicas e organizacionais, entendendo com isso<br />
que, sem a negociação, a situação seria bem mais difícil para <strong>os</strong><br />
trabalhadores.<br />
Contra esse "entendimento" expresso pel<strong>os</strong> dirigentes<br />
sindicais na região, Soares conclui que:<br />
No ABC paulista, a implementação da reestruturação produtiva por<br />
parte das empresas não tem reduzido apenas o número de p<strong>os</strong>t<strong>os</strong><br />
de trabalho (...). O capital está conseguindo impor nov<strong>os</strong> ritm<strong>os</strong> de<br />
trabalho, na produção, além da intensificação do processo de<br />
terceirização (que tem levado a precarização das condições de<br />
trabalho), quebrando a unidade e a solidariedade d<strong>os</strong> trabalhadores.<br />
Por extensão, essa ofensiva tem se manifestado no chão-de-fábrica,<br />
onde <strong>os</strong> trabalhadores têm se defrontado mais diretamente com as<br />
mais variadas formas de controle social sobre o trabalho.<br />
Ao conquistar cada vez mais hegemonia no interior da <strong>Central</strong>,<br />
a tendência majoritária, especialmente alocada entre <strong>os</strong> sindicalistas do ABC,<br />
levou a categoria ao abandono das lutas a partir d<strong>os</strong> locais de trabalho,<br />
recusando o embate onde a ideologia da reestruturação produtiva adquiria<br />
sua forma mais explícita. Os acord<strong>os</strong> automotiv<strong>os</strong> ampliaram o leque das<br />
negociações por empresa, praticadas regularmente pel<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> filiad<strong>os</strong> à<br />
Força Sindical, levando grande parte das direções a aderir ao discurso<br />
prop<strong>os</strong>to pela "inclusão do país à modernidade". A adesão a<strong>os</strong> term<strong>os</strong><br />
imperialistas, imp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> pelas transnacionais, tornou idêntic<strong>os</strong> <strong>os</strong> discurs<strong>os</strong><br />
proferid<strong>os</strong> pelo governo, pel<strong>os</strong> empresári<strong>os</strong>, pela Força Sindical e pela CUT.<br />
A homogeneização tornou-se ainda mais concreta, na medida em que as<br />
duas centrais e as entidades patronais passaram a disputar <strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> do<br />
Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT para financiar as atividades de<br />
qualificação profissional.<br />
Alves (2000) considera que, a partir da era neoliberal,<br />
consolidaram-se no interior da CUT "p<strong>os</strong>turas moderadas de cariz<br />
prop<strong>os</strong>itivas, mais sensíveis às negociações estratégicas com o capital".<br />
Seriam p<strong>os</strong>turas tão importantes quanto a disp<strong>os</strong>ição do capital em introduzir<br />
nov<strong>os</strong> padrões técnico-organizacionais e constituir nova hegemonia sobre a<br />
produção, ao mesmo tempo em que impulsiona uma captura da subjetividade<br />
operária.<br />
Em outr<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong>, Bernardo (2000) indica a capilarização da<br />
ideologia neoliberal em todas as esferas das relações sociais. Desde a
transformação d<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> e suas maiores centrais (CUT e Força Sindical)<br />
em agências de emprego e de capacitação profissional (gestão do mercado<br />
de trabalho) até a administração d<strong>os</strong> fund<strong>os</strong> de pensão (gestão do capital), o<br />
movimento sindical tem sido afetado não apenas pelo conformismo, mas pela<br />
adesão explícita de sua fração hegemônica à ordem dominante.<br />
Com p<strong>os</strong>ição incerta quanto às classes sociais, mas certeira<br />
quanto ao enfraquecimento das representações sindicais nas lutas contra o<br />
capital, Oliveira (2003) afirma que a elite do sindicalismo nacional constitui<br />
uma "nova classe social", gestora do capital, na medida em que passou a<br />
ocupar p<strong>os</strong>ições n<strong>os</strong> conselh<strong>os</strong> de administração das principais fontes de<br />
recurs<strong>os</strong> para investimento privado no país: o BNDES e <strong>os</strong> fund<strong>os</strong> de pensão<br />
das empresas estatais.<br />
Lutas imediatas e históricas d<strong>os</strong> trabalhadores<br />
Quanto ao papel exercido pel<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> na sociedade<br />
capitalista, não se pode ignorar o seu lugar nas lutas imediatas e<br />
corporativas: impedir que <strong>os</strong> salári<strong>os</strong> (ou o valor da força de trabalho) sejam<br />
considerad<strong>os</strong> abaixo do mínimo fixado em razão de lutas anteriores e na<br />
razão direta da oferta e da procura, no ramo de determinada atividade e setor<br />
produtivo:<br />
<strong>Marx</strong> considera que o valor da força de trabalho constitui as<br />
bases racionais e declaradas d<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong>, cuja importância para a classe<br />
operária convém não minimizar. Os sindicat<strong>os</strong> têm por fim impedir que nível<br />
d<strong>os</strong> salári<strong>os</strong> desça abaixo do montante pago tradicionalmente n<strong>os</strong> divers<strong>os</strong><br />
ram<strong>os</strong> da indústria, e que o preço da força de trabalho desça abaixo do seu<br />
valor.<br />
(...) há uma grande diferença entre o montante do salário<br />
determinado pela oferta e procura e o montante do salário que o<br />
vendedor -o operário- é forçado a aceitar, quando o capitalista trata<br />
com cada operário isoladamente e lhe impõe um salário abaixo,<br />
explorando a miséria excepcional do operário isolado,<br />
independentemente da relação geral da oferta e da procura. Em<br />
conseqüência, <strong>os</strong> operári<strong>os</strong> unem-se para se colocarem, de certo<br />
modo, num pé de igualdade com o capitalista no que respeita ao<br />
contrato de compra e venda do seu trabalho. É essa a razão (a base<br />
lógica) d<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> (<strong>Marx</strong>, 1972:47-48).
A despeito desse caráter econômico atribuído a<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong><br />
(Resolução da Associação Internacional adotada no 1 º Congresso da<br />
Internacional em Genebra - setembro de 1866), <strong>Marx</strong> declara que se o<br />
objetivo imediato d<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> limitava-se às necessidades das lutas<br />
cotidianas, contra a usurpação constante do capital no que concerne a<strong>os</strong><br />
salári<strong>os</strong> e às horas trabalhadas (atividades legítimas e necessárias, devendo<br />
se estender por tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> países), por outro lado, "se <strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> são<br />
indispensáveis na guerra de escaramuças do trabalho e do capital, são ainda<br />
mais importantes como força organizada para suprimir e substituir o<br />
sistema do trabalho assalariado" (grifo do tradutor francês e mantido na<br />
versão portuguesa).<br />
Em análise das ações sindicais da época, <strong>Marx</strong> avalia que "<strong>os</strong><br />
sindicat<strong>os</strong> ocupam-se excessivamente e exclusivamente das lutas locais e<br />
imediatas contra o capital (...). Apesar disso, nestes últim<strong>os</strong> temp<strong>os</strong>,<br />
começaram a aperceber-se da sua grande missão histórica. Dam<strong>os</strong> como<br />
exemplo disso a sua participação, na Inglaterra, n<strong>os</strong> recentes moviment<strong>os</strong><br />
polític<strong>os</strong>". Como ação futura:<br />
À parte a sua obra imediata de reação contra as manobras<br />
entreguistas do capital, eles (<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong>) devem agora agir como<br />
centro de organização da classe operária, com a grande finalidade<br />
da sua emancipação radical. Devem apoiar todo o movimento social<br />
e político encaminhando-se nessa direção. Considerando-se e<br />
agindo como campeões e representantes de toda a classe operária,<br />
conseguirão reagrupar no seu seio tod<strong>os</strong> aqueles que não estão<br />
ainda organizad<strong>os</strong>; ocupando-se das indústrias mais miseravelmente<br />
retribuídas, como a indústria agrícola, onde as circunstâncias<br />
excepcionalmente desfavoráveis impediram toda a resistência<br />
organizada; farão nascer à convicção nas grandes massas operárias<br />
que em lugar de estarem circunscritas em limites estreit<strong>os</strong> e<br />
egoístas, o seu fim tende para a emancipação de milhões de<br />
proletári<strong>os</strong> calcad<strong>os</strong> a<strong>os</strong> seus pés (<strong>Marx</strong>, 1972:68).<br />
Algum tempo antes, Engels discutira a importância d<strong>os</strong><br />
sindicat<strong>os</strong>, não só para suprimir a concorrência entre <strong>os</strong> trabalhadores (as<br />
máquinas eram introduzidas na produção e aumentavam o exército industrial<br />
de reserva), mas também porque, ligad<strong>os</strong> às lutas e reivindicações<br />
econômicas, <strong>os</strong> trabalhadores ingleses haviam formado um partido que<br />
disputava, com a burguesia, o poder e a distribuição d<strong>os</strong> frut<strong>os</strong> do trabalho.<br />
A respeito da importância política que <strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> assumiam no capitalismo<br />
emergente, e considerando as greves que realizavam, a Resolução do III
Congresso da Internacional (elaborada por <strong>Marx</strong> e adotada em Bruxelas -<br />
setembro de 1868), declarou 2 :<br />
a) As greves não são um meio de emancipar completamente o trabalhador,<br />
mas uma necessidade na situação atual de luta entre o trabalho e o<br />
capital;<br />
b) No que diz respeito à organização das greves n<strong>os</strong> ram<strong>os</strong> de produção em<br />
que ainda não há sindicat<strong>os</strong>, sociedade de resistência, de socorro mútuo,<br />
é importante criá-l<strong>os</strong>, e depois solidarizar tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong> de todas as<br />
profissões e de tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> países.<br />
Em Salário, Preço e Lucro (<strong>Marx</strong>: 1998) também explora a<br />
relação entre as lutas imediatas e históricas d<strong>os</strong> trabalhadores, ao expor<br />
resultado das investigações que vinha fazendo acerca do salário, do valor, da<br />
mais-valia e do lucro (teses que desenvolveu mais sistematicamente em O<br />
Capital). Nesta exp<strong>os</strong>ição inicial, defende a necessidade de que <strong>os</strong><br />
trabalhadores lutem por aument<strong>os</strong> salariais, na medida em que “o<br />
desenvolvimento da indústria moderna deve necessariamente fazer pender<br />
sempre a balança a favor do capitalista (...) e, por conseguinte, a tendência<br />
geral da produção capitalista não reside em elevar o nível médio d<strong>os</strong> salári<strong>os</strong>,<br />
mas em baixá-l<strong>os</strong>, ou seja, impelir, mais ou men<strong>os</strong>, o valor do trabalho para o<br />
seu limite mínimo” (<strong>Marx</strong>, 1998:84).<br />
Nesses term<strong>os</strong>, <strong>Marx</strong> conclama <strong>os</strong> trabalhadores para a luta<br />
por aument<strong>os</strong> salariais, pois caso contrário "ver-se-ia degradado numa massa<br />
informe, esmagada, de seres famint<strong>os</strong> para <strong>os</strong> quais não haveria salvação".<br />
Contudo, enfatiza a idéia de que "se a classe operária cedesse covardemente<br />
no seu conflito diário com o capital, privar-se-ia sem dúvida da p<strong>os</strong>sibilidade<br />
de empreender moviment<strong>os</strong> de maior envergadura". Isso porque ao lutarem<br />
por aument<strong>os</strong> salariais, <strong>os</strong> operári<strong>os</strong> "lutam contra <strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> e não contra as<br />
causas desses efeit<strong>os</strong>, que o que fazem é refrear o movimento descendente,<br />
mas não alterar o seu rumo: que aplicam paliativ<strong>os</strong> e não a cura da doença".<br />
<strong>Marx</strong> observara também que<br />
2 Apresentado de forma livremente resumida.<br />
Os sindicat<strong>os</strong> atuam com utilidade como centr<strong>os</strong> de resistência às<br />
usurpações do capital. Deixam, em parte de atingir o seu objetivo<br />
quando utiliza a sua força de forma pouco inteligente. No entanto,
deixam inteiramente de atingi-lo, quando se limitam a uma guerra de<br />
escaramuças, contra <strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> do regime existente, em vez de<br />
trabalharem, ao mesmo tempo, para a sua transformação e<br />
servirem-se da sua força organizada como uma alavanca para a<br />
emancipação definitiva da classe trabalhadora. (...). Em vez da<br />
palavra de ordem conservadora "um salário justo por um dia de<br />
trabalho justo", devem inscrever na sua bandeira a palavra de ordem<br />
revolucionária: "abolição do salariado" (<strong>Marx</strong>,1998: 84-86). 3<br />
Os pressup<strong>os</strong>t<strong>os</strong> teóric<strong>os</strong> de <strong>Marx</strong> e Engels, sobre as<br />
atividades sindicais, integraram as resoluções, as prop<strong>os</strong>tas e as iniciativas<br />
de lutas da CUT, em sua fundação.<br />
Valério Arcary (1998), em artigo sobre <strong>os</strong> dilemas enfrentad<strong>os</strong><br />
pelas esquerdas na atualidade, reapresenta <strong>os</strong> quatro element<strong>os</strong>, elaborad<strong>os</strong><br />
por Perry Anderson, para definir uma identidade marxista:<br />
Em primeiro lugar, ser marxista implica uma ruptura moral e<br />
ética com uma ordem de opressão e exploração. Isso pressupõe a decisão<br />
"imperativa e categórica de não ser indiferente diante da desigualdade e da<br />
injustiça”. Em segundo lugar, ser marxista, para Anderson, seria p<strong>os</strong>suir<br />
identidade com e integrar-se ao movimento operário moderno que se<br />
organiza em vári<strong>os</strong> países por intermédio de organizações sindicais e<br />
políticas. Em terceiro, estaria a luta por um projeto político de deslocamento<br />
do Estado capitalista: uma luta pelo poder. Por último, "ser marxista<br />
correspondia também a abraçar um programa histórico, um projeto na medida<br />
da história que vá além do combate de uma geração, o projeto socialista. Um<br />
projeto de reorganização econômica e social da vida humana" (Arcary, 1988:<br />
163).<br />
Se examinad<strong>os</strong> o Estatuto de Fundação e Resoluções d<strong>os</strong> dois<br />
primeir<strong>os</strong> Congress<strong>os</strong> da CUT, e comparad<strong>os</strong> com as prop<strong>os</strong>ições de<br />
Anderson, pode-se afirmar que, sem dúvida, a <strong>Central</strong> <strong>Única</strong> d<strong>os</strong><br />
<strong>Trabalhadores</strong> é, no seu nascedouro, marxista. Logo em sua fundação, ela se<br />
definirá como "uma <strong>Central</strong> que luta pel<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong> imediat<strong>os</strong> e históric<strong>os</strong><br />
3 Lukács (2003), an<strong>os</strong> depois, desenvolveu a idéia de que o proletário firma-se como classe com<br />
interesses distint<strong>os</strong> e antagônic<strong>os</strong> a<strong>os</strong> da classe burguesa ao organizar-se na luta por melhores<br />
salári<strong>os</strong> e condições de vida. Ao colocar o trabalhador em luta coletiva, a ação sindical leva à<br />
percepção d<strong>os</strong> víncul<strong>os</strong> e à identidade do grupo que se move contra <strong>os</strong> interesses op<strong>os</strong>t<strong>os</strong> que lhes<br />
oprimem. Tem-se aí, a chamada "consciência em si", patamar que antecede o que, em determinadas<br />
condições, pode conduzir à "consciência revolucionária".
d<strong>os</strong> trabalhadores, tendo a perspectiva de uma sociedade sem exploração,<br />
onde impere a democracia política, econômica e social" (CUT, 1983).<br />
Alguns an<strong>os</strong> depois, no II Congresso, a <strong>Central</strong> viria explicitar<br />
ainda mais sua opção pelo socialismo, incorporando a<strong>os</strong> term<strong>os</strong> de<br />
Resolução que “a CUT repudia essa situação de exploração e miséria<br />
imp<strong>os</strong>ta à classe trabalhadora e tem como compromisso a defesa de<br />
interesses imediat<strong>os</strong> e históric<strong>os</strong> d<strong>os</strong> trabalhadores. Portanto, a CUT tem<br />
como preocupação política permanente à articulação das lutas em defesa de<br />
melhores condições de vida e trabalho, com as transformações de fundo da<br />
sociedade em direção à democracia e ao socialismo” (CUT, 1986).<br />
Do enfrentamento com a ditadura militar (período em que <strong>os</strong><br />
sindicat<strong>os</strong> oficiais estiveram fortemente submetid<strong>os</strong> a rigor<strong>os</strong>o controle<br />
ditatorial) emergiu um grande espectro de correntes sindicais, pautadas pela<br />
reconquista da autonomia e da liberdade sindical. A homogeneização dessas<br />
correntes permitiu a criação da nova <strong>Central</strong> em princípi<strong>os</strong> de classe e o<br />
resgate de antigas bandeiras (socialismo, democracia e luta de classes). A<br />
atuação da CUT, no início de sua criação, não se limitou a ações no setor<br />
fabril, mas combinou reivindicações de apel<strong>os</strong> gerais (como a redução da<br />
jornada de trabalho) com bandeiras de contestação política (eleições gerais,<br />
não pagamento da dívida externa e, especialmente, o fim do atrelamento das<br />
organizações sindicais ao Estado).<br />
Contudo, <strong>os</strong> ajustes capitalistas contemporâne<strong>os</strong>, bem como<br />
as sucessivas crises que acometeram o sindicalismo no Brasil, levaram<br />
grandes contingentes do interior da CUT ao abandono das lutas pela<br />
emancipação da classe trabalhadora. O ímpeto da ofensiva capitalista<br />
modificou a correlação de forças, no interior mesmo da <strong>Central</strong>. A<br />
manifestação mais explícita é a timidez com que o movimento sindical<br />
responde às reestruturações produtivas, pautando-se mais por ações<br />
conciliadoras (como as contidas nas Câmaras Setoriais), cujas características<br />
ganham forma no sindicalismo “prop<strong>os</strong>itivo” - oriundo, no início d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 90,<br />
do Sindicato d<strong>os</strong> Metalúrgic<strong>os</strong> do ABC paulista e amplamente exaltado por<br />
representantes do governo, das empresas e da mídia. O editorial de O<br />
Estado de S.Paulo de 30.03.92 exaltou o acordo, men<strong>os</strong> pela "reativação que<br />
deverá proporcionar nas atividades industriais", mas "porque é uma
demonstração concreta de que, quando há boa vontade e disp<strong>os</strong>ição para<br />
negociar, sem preconceit<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> e ideológic<strong>os</strong>, é p<strong>os</strong>sível celebrar no<br />
Brasil um pacto social".<br />
ao presidente da CUT:<br />
Medeir<strong>os</strong> (1992) também celebrou o pacto por carta enviada<br />
Quero cumprimentá-lo pelo gesto de coragem que revela seu<br />
profundo amadurecimento. O acordo fechado com o governo e a<br />
indústria automobilística, no qual você teve uma participação firme e<br />
coerente, revela que o n<strong>os</strong>so sindicalismo está mudando - e<br />
mudando para melhor. Oxalá p<strong>os</strong>sam<strong>os</strong> estar junt<strong>os</strong> nessa<br />
caminhada. Tenho dito, reiteradas vezes, que <strong>os</strong> trabalhadores e<br />
empresári<strong>os</strong> não são inimig<strong>os</strong>, embora p<strong>os</strong>sam estar em p<strong>os</strong>ições<br />
antagônicas. Eventualmente, podem ter objetiv<strong>os</strong> comuns, como<br />
demonstrou o acordo firmado (...).<br />
Um tanto quanto tardia - num país onde as relações entre<br />
capital e trabalho sempre foram mais que flexíveis e as proteções trabalhistas<br />
resvalaram sempre na torpe perseguição às atividades sindicais - a noção de<br />
pacto social no Brasil ganhou força numa perspectiva totalmente desfavorável<br />
a<strong>os</strong> trabalhadores. Qualquer p<strong>os</strong>sibilidade de "barganha" diluía-se nas vozes<br />
consoantes entre dirigentes sindicais, governo e empresári<strong>os</strong>, que afirmavam<br />
que a globalização era inevitável, o desemprego estrutural e nada havia a ser<br />
feito para conter as mazelas das inevitáveis reestruturações produtivas, a<br />
não ser fomentar políticas que estimulassem o crescimento das empresas e<br />
cortassem <strong>os</strong> cust<strong>os</strong> produtiv<strong>os</strong>, independentemente do custo social.<br />
De preferência, o estímulo ao crescimento deveria ser dado às<br />
chamadas competitivas (melhor dizendo, transnacionais), e inúmer<strong>os</strong> estud<strong>os</strong><br />
foram realizad<strong>os</strong> para que o governo pudesse decidir a quais "incentivar" e<br />
quais "despejar" do mercado. Luciano Coutinho e João Carl<strong>os</strong> Ferraz (1994)<br />
coordenaram estudo por dois an<strong>os</strong> com a finalidade de identificar <strong>os</strong> setores<br />
competitiv<strong>os</strong> da indústria no Brasil e orientar as políticas de "inserção" do país n<strong>os</strong><br />
padrões prop<strong>os</strong>t<strong>os</strong> pelas potências dominantes. N<strong>os</strong> muit<strong>os</strong> seminári<strong>os</strong> com<br />
sindicalistas, governo e empresariado, financiad<strong>os</strong> pelo Programa Brasileiro de<br />
Qualidade e Produtividade - -PBQP, pelo PACTI e pelo Programa de Apoio ao<br />
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), tod<strong>os</strong> vinculad<strong>os</strong> ao Ministério<br />
da Ciência e Tecnologia, <strong>os</strong> estud<strong>os</strong> indicavam: "a competitividade tornou-se um<br />
imperativo do cenário contemporâneo”; "o principal papel do Estado no<br />
desenvolvimento competitivo, na atual etapa, é o de promotor da competitividade em
suas dimensões sistêmicas, empresarial e setorial”; e "o desenvolvimento<br />
competitivo exige parceria entre Estado e o setor privado (empresas e<br />
trabalhadores)" (Coutinho & Ferraz, 1994: 95; 410-411).<br />
Desta forma, o discurso ideológico e as reestruturações (com<br />
caracterizações fortes do chamado modelo japonês) foram introduzid<strong>os</strong> nas<br />
empresas que aglutinavam a maior categoria filiada às duas centrais: <strong>os</strong><br />
metalúrgic<strong>os</strong>. Na capital paulistana, formada em grande parte por trabalhadores das<br />
pequenas e médias (mas, potencialmente empregadoras empresas de autopeças), e<br />
no ABC por enorme contingente das montadoras. Nestas, especialmente, ocorreu a<br />
estabilização de trabalhadores centrais (treinad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> sistemas de controle de<br />
qualidade), mas também a externalização de grandes grup<strong>os</strong>, via terceirizações e<br />
subcontratações.<br />
Como explica Card<strong>os</strong>o (2003:41-42), “a terceirização é em si<br />
mesma, um forte limite ao crescimento d<strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong>, principalmente <strong>os</strong> industriais.<br />
Ocorre que esses se constituíram, historicamente, com base em fábricas de grande<br />
porte, cujo melhor exemplo eram as enormes plantas de montadoras de automóveis<br />
que empregavam grandes montantes de trabalhadores”.<br />
A combinação desses fatores (ideologia, reestruturação e<br />
demissões) permitiu que forças conservadoras ganhassem força no interior<br />
da CUT. Inversamente, transformações agudas atingiam grande parte da<br />
classe trabalhadora (especialmente na base das duas maiores centrais<br />
sindicais), atingindo outr<strong>os</strong> setores modern<strong>os</strong> e considerad<strong>os</strong> competitiv<strong>os</strong><br />
(como por exemplo, o químico e <strong>os</strong> ascendentes agr<strong>os</strong> negóci<strong>os</strong>),<br />
especialmente pela grande penetração das multinacionais.<br />
A chamada reestruturação produtiva, ao ser difundida, balizou,<br />
ideologicamente, as políticas neoliberais, <strong>os</strong>tensivamente praticadas desde o<br />
breve governo de Fernando Collor de Mello, continuadas sistematicamente<br />
por Fernando Henrique Card<strong>os</strong>o e, atualmente, pelo governo petista. A<br />
junção entre Estado, empresári<strong>os</strong> e as novas formas assumidas pelo<br />
movimento sindical contribui para tornar semelhantes <strong>os</strong> term<strong>os</strong> relacionad<strong>os</strong><br />
com a reestruturação produtiva e com a "inexorável" globalização da<br />
economia. N<strong>os</strong> discurs<strong>os</strong> d<strong>os</strong> governantes, e também de setores ligad<strong>os</strong> a<strong>os</strong><br />
moviment<strong>os</strong> sociais, <strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> da crise social aparecem como uma<br />
conjuntura apenas transitória, passível de ser contornada pela aplicação das
chamadas políticas compensatórias. Por seu intermédio, vult<strong>os</strong>as somas são<br />
despendidas, sem outro efeito que não seja o de amortecer as lutas reais por<br />
emancipação da classe trabalhadora.<br />
Sobre a ideologia disseminada na sociedade neoliberal e seus<br />
efeit<strong>os</strong> sobre <strong>os</strong> trabalhadores, em debate sobre comunicação sindical<br />
organizado para discutir a importância do movimento sindical na luta de<br />
idéias contemporâneas, o jornalista Altamiro Borges lembrou a formulação de<br />
Engels (1985) que situa a luta de classes em três níveis: a política, a<br />
econômica e a de idéias. Altamiro (Núcleo Piratininga de Comunicação, 23- 1º a<br />
15 de junho de 2003) ressalta que "dentro do campo das idéias enfrentam<strong>os</strong><br />
inimig<strong>os</strong> muito poder<strong>os</strong><strong>os</strong>. Cerca de 85% de todas as informações no mundo<br />
são geradas pel<strong>os</strong> EUA, o que evidencia um imenso monopólio nessa área".<br />
Afirmou ainda que "em função do intenso bombardeio midiático, uma grande<br />
parcela d<strong>os</strong> trabalhadores não só aceita, mas até defende o ideário liberal",<br />
lembrando que "diversas categorias e trabalhadores comuns defendiam a<br />
privatização de setores da economia brasileira em nome da modernização e<br />
melhoria no serviço". Mas, "para colocarm<strong>os</strong> a balança a n<strong>os</strong>so favor", será<br />
necessário que o movimento popular, em específico o movimento sindical,<br />
valorize e utilize tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> mei<strong>os</strong> de comunicação disponíveis - jornais,<br />
impress<strong>os</strong>, TVs e rádi<strong>os</strong> comunitárias, internet - visando ao avanço da<br />
consciência do povo. "É preciso também que o sindicalismo classista supere<br />
<strong>os</strong> limites estreit<strong>os</strong> do corporativismo e do economicismo”.<br />
Tem-se que reconhecer que o movimento sindical confronta-se<br />
com desafi<strong>os</strong> que inserem <strong>os</strong> trabalhadores em desfavorável correlação de<br />
forças. A situação de indigência que atinge imens<strong>os</strong> contingentes<br />
populacionais, a insegurança que afeta até mesmo <strong>os</strong> que estão empregad<strong>os</strong><br />
e a falta de perspectivas, relacionadas com <strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> materiais e<br />
subjetiv<strong>os</strong> da existência, conduzem <strong>os</strong> trabalhadores para um embate<br />
dramático por direit<strong>os</strong> imediat<strong>os</strong> - muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> quais perdid<strong>os</strong>, depois de<br />
conquistas em batalhas tão árduas quanto às imp<strong>os</strong>tas pelo presente.<br />
O desafio mais premente consiste em romper com a idéia de<br />
inexorabilidade, componente do rol ideológico que integra o receituário da<br />
"supremacia do mercado" e apresenta <strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> da "globalização" como<br />
forças exteriores a<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> sociais. Depois, é necessário ir além d<strong>os</strong>
conflit<strong>os</strong> corporativ<strong>os</strong> que separam <strong>os</strong> trabalhadores empregad<strong>os</strong> -que lutam<br />
apenas pel<strong>os</strong> seus empreg<strong>os</strong>- daqueles já excluíd<strong>os</strong> do mercado de trabalho.<br />
É urgente a unificação em torno de objetiv<strong>os</strong> gerais, que visem ao<br />
rompimento com a ordem econômica que emana das grandes corporações<br />
sediadas n<strong>os</strong> países imperialistas e, para isso, são muitas as <strong>frente</strong>s em que<br />
o movimento sindical ainda se faz imprescindível.<br />
As reestruturações produtivas, mais do que alterações de base<br />
técnica, envolvem decisões políticas que afetam divers<strong>os</strong> graus de<br />
organização da sociedade. Vinculadas à chamada globalização, alterações<br />
produtivas reproduzem-se apoiadas em políticas estatais que exprimem, por<br />
sua vez, as decisões das instituições econômicas internacionais (Petras,<br />
2000).<br />
Mas a realidade capitalista ainda tem as relações sociais de<br />
produção mediadas pela compra e venda da força de trabalho como elemento<br />
constitutivo de sua espinha dorsal, condição única para a real valorização do<br />
capital. Diante das atuais atitudes defensivas de grande parte do movimento<br />
sindical, vale a pena refletir com Antunes (1993:92-93) quando indaga:<br />
Que caminho vam<strong>os</strong> adotar: negociar dentro da ordem ou contra a<br />
ordem? Elaborar um programa de emergência para gerir a crise do<br />
capital sob sua ótica ou vam<strong>os</strong> avançar na elaboração de um<br />
programa econômico alternativo, formulado sob a ótica d<strong>os</strong><br />
trabalhadores, capaz de responder às reivindicações imediatas do<br />
mundo do trabalho, mas tendo como horizonte uma organização<br />
societária fundada em valores socialistas e efetivamente<br />
emancipadores?<br />
Se for preciso mais que a ação sindical para responder às<br />
desigualdades do modo de produção capitalista, o sindicalismo brasileiro<br />
cutista, até por sua referência histórica, tem uma enorme responsabilidade.<br />
Não é p<strong>os</strong>sível permitir a omissão da grande parte de suas direções que se<br />
dizem envolvidas com a luta d<strong>os</strong> trabalhadores.<br />
Bibliografia<br />
ALVES, Giovanni (2000). O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação<br />
produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo.<br />
ANTUNES, Ricardo (1982). Classe operária, sindicat<strong>os</strong> e partid<strong>os</strong> no Brasil. São<br />
Paulo: Cortez.<br />
ARCARY, Valério (1998). É preciso arrancar alegria ao futuro. Lutas Sociais, 5.
BERNARDO, João (2000). Transnacionalização do capital e fragmentação d<strong>os</strong><br />
trabalhadores: ainda há lugar para <strong>os</strong> sindicat<strong>os</strong>? São Paulo: Boitempo.<br />
BRASIL DE FATO: 29/05 a 04/06/03; 2 a 8/10/03; 12 a 18/06/03.<br />
<strong>Central</strong> <strong>Única</strong> d<strong>os</strong> <strong>Trabalhadores</strong> (CUT). Resoluções. II Congresso, 1986.<br />
COUTINHO, Luciano e FERRA, João C. (coordenadores) (1994). Estudo da<br />
competitividade da Indústria brasileira. Campinas: Papirus.<br />
LUKÁCS, Georg (2003). História e consciência de classe: estudo sobre a dialética<br />
marxista. São Paulo: Martins Fontes.<br />
MARX, <strong>Karl</strong> (1988). Salário, preço e lucro. São Paulo: Global.<br />
MARX, <strong>Karl</strong>, ENGELS, Friedrich (1972). O sindicalismo I: teoria, organização<br />
atividade. Porto: Escorpião.<br />
Núcleo Piratininga de Comunicação (NTC, 23 – 1º a 15 de junho de 2003)<br />
http://www.piratininga.org.br Acesso em 20/06/2003.<br />
OLIVEIRA, Francisco de (2003). Crítica à razão dualista/o ornitorrinco. São Paulo:<br />
Boitempo.<br />
SOARES, J.L. (1998). Sindicalismo no ABC Paulista: reestruturação produtiva e<br />
parceria. Brasília: Centro de Educação.