17.04.2013 Views

“Isso Não é um Cachimbo”: - Estudos do Consumo

“Isso Não é um Cachimbo”: - Estudos do Consumo

“Isso Não é um Cachimbo”: - Estudos do Consumo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Nesses espaços, a <strong>um</strong> só tempo aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s e excessivamente<br />

vigia<strong>do</strong>s pelo poder público, mas que proporcionam privacidade no cons<strong>um</strong>o da<br />

droga, chama<strong>do</strong>s de mocós pelo usuários, o que se vê, al<strong>é</strong>m de materiais de<br />

construções aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s, são muitos pap<strong>é</strong>is que embrulham o crack, palitos<br />

de fósforo, isqueiros, restos de alimentos e de roupas, cobertores, cartões<br />

telefônicos usa<strong>do</strong>s provavelmente para a separação das porções de crack 5 ou<br />

cocaína, alguns tocos de madeira que usam para sentar, latas de al<strong>um</strong>ínio<br />

grandes que servem de apoio para preparar e separar o crack, latas de<br />

refrigerante e embalagens de iogurte usadas como cachimbo, excreções<br />

h<strong>um</strong>anas e lixo, muito lixo. A constante ida a esses lugares re-orientou minha<br />

forma de caminhar pela cidade, a minha “enunciação pedestre” (De Certeau):<br />

passei a andar de cabeça baixa, olhan<strong>do</strong> para o chão, procuran<strong>do</strong> pap<strong>é</strong>is<br />

quadricula<strong>do</strong>s verdes e pretos, cápsulas de embalagem de cocaína, restos de<br />

al<strong>um</strong>ínio que pudessem formar <strong>um</strong> cachimbo de crack. Andava em busca de<br />

pistas de onde os usuários pudessem estar 6 .<br />

Foi a repetição dessa situação que começou a despertar meu interesse<br />

com relação aos objetos: sabíamos que <strong>um</strong> lugar era <strong>um</strong> espaço de cons<strong>um</strong>o<br />

de “drogas”, menos pelas pessoas que ali estavam e mais pelos objetos<br />

deixa<strong>do</strong>s no local. Ou seja, a existência desses objetos deixavam pistas que<br />

faziam o PRD atuar. A relação entre espaço e cons<strong>um</strong>o de crack <strong>é</strong> estreita. A<br />

feitura de <strong>um</strong> cachimbo, por exemplo, não <strong>é</strong> possível de ser realizada em<br />

qualquer cenário. Há que se ter <strong>um</strong> tempo e <strong>um</strong> espaço específico para tal.<br />

Com <strong>um</strong>a folha de al<strong>um</strong>ínio, faz-se o canu<strong>do</strong>. Com sacola plástica, cano de<br />

PVC ou isqueiro corta<strong>do</strong> ao meio <strong>é</strong> forma<strong>do</strong> o recipiente que, ao receber <strong>um</strong>a<br />

base picotada com alg<strong>um</strong> material cortante, está pronto para que o pó de crack<br />

se misture às cinzas de cigarro. Na falta desses materiais, usa-se latas de<br />

refrigerante ou embalagens de iogurte. Quan<strong>do</strong> o cenário não possibilta a<br />

feitura desses objetos, o cachimbo se torna merca<strong>do</strong>ria. Na região mais pública<br />

da cracolândia, cachimbos são fabrica<strong>do</strong>s e vendi<strong>do</strong>s por alguns comerciantes<br />

5 Antes vendi<strong>do</strong> sobre a forma de pedra, o crack agora <strong>é</strong> comercializa<strong>do</strong> tamb<strong>é</strong>m em forma de<br />

farelo, com a pedra já bastante macerada. Essa segunda forma permite que a droga seja<br />

comercializada tamb<strong>é</strong>m em pequenas porções.<br />

6 Tive essa mesma atitude ao visitar o bairro <strong>do</strong> Casal Ventoso, em Lisboa, afama<strong>do</strong> na cidade<br />

como <strong>um</strong> <strong>do</strong>s principais pontos de com<strong>é</strong>rcio e uso de heroína na cidade. Notei muitas<br />

embalagens de <strong>um</strong> suporte de al<strong>um</strong>ínio, <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie de base que, depois vim a saber, servia<br />

como recipiente onde era feita a diluição da droga, antes de ser sugada pela seringa e injetada<br />

no corpo <strong>do</strong> usuário.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!