“Isso Não é um Cachimbo”: - Estudos do Consumo
“Isso Não é um Cachimbo”: - Estudos do Consumo
“Isso Não é um Cachimbo”: - Estudos do Consumo
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>do</strong> local. Dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> material utiliza<strong>do</strong>, o valor pode variar de 1 a 17 reais<br />
(caso de <strong>um</strong> cachimbo feito de cobre que <strong>um</strong> usuário to<strong>do</strong> orgulhoso da sua<br />
aquisição veio me mostrar).<br />
Contrastan<strong>do</strong> com a dificuldade de obter informações mais detalhadas<br />
sobre a trajetória pessoal e social <strong>do</strong>s usuários mais conheci<strong>do</strong>s, assim como<br />
de detalhes <strong>do</strong> com<strong>é</strong>rcio de drogas, observa-se <strong>um</strong>a grande ênfase em<br />
conversas que giram em torno <strong>do</strong>s objetos utiliza<strong>do</strong>s no cons<strong>um</strong>o <strong>do</strong> crack ou,<br />
na ausência de pessoas, chama atenção a constante cena <strong>do</strong>s objetos<br />
deixa<strong>do</strong>s nos mocós vazios. Centrais para a constituição das cenas de uso, <strong>é</strong><br />
tamb<strong>é</strong>m atrav<strong>é</strong>s de “papos” sobre os objetos que redutores e usuários<br />
compartilham experiências e fortalecem os laços de confiança e afeição. Ao<br />
longo dessas conversas <strong>é</strong> que tamb<strong>é</strong>m foi sen<strong>do</strong> possível observar que a<br />
relação entre os usuários e seus utensílios está longe de ser meramente<br />
instr<strong>um</strong>ental. Alg<strong>um</strong>as pessoas andam com seus cachimbos junto aos seus<br />
corpos; outras preferem refazê-los to<strong>do</strong>s os dias, evitan<strong>do</strong> estar com eles em<br />
caso de batida policial. No vocabulário local, escutei muitas vezes os nomes<br />
“Bóris”, como mostra o relato da experiência de campo que abre este texto, e<br />
Catarina” como referência aos cachimbos. A relação de <strong>um</strong>a usuária com o seu<br />
cachimbo, descrita durante entrevista com <strong>um</strong> redutor, parece indicar <strong>um</strong>a<br />
complexa e delicada interação, que ainda precisa passar por <strong>um</strong>a análise mais<br />
detalhada:<br />
Um dia eu cheguei em <strong>um</strong> lugar e conheci <strong>um</strong>a senhora que<br />
usava crack, at<strong>é</strong> traficava no local tamb<strong>é</strong>m. No primeiro dia que<br />
eu tava no ambiente com as pessoas <strong>do</strong> redução de danos, <strong>um</strong><br />
<strong>do</strong>s primeiros dias em campo, ela chegou em mim e falou: “vem<br />
cá, vem cá, vem cá, vou te apresentar o perninha”. Eu falei: “legal,<br />
vamo conhecer o perninha”, achan<strong>do</strong> que o perninha era <strong>um</strong> filho<br />
dela, <strong>um</strong> cara. Daí ela tirou <strong>do</strong> bolso o cachimbo de crack e falou:<br />
“eu sou o perninha, muito prazer”. E eu olhei e pensei: “como<br />
assim perninha?” daí eu percebi que a relação dela com aquele<br />
cachimbo de crack era realmente <strong>um</strong>a relação pessoal com<br />
aquilo, não era simplesmente <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento, <strong>um</strong> cachimbo de<br />
crack só, não. Eu tive que catar o cachimbo na mão, dizer: “prazer<br />
perninha”, sabe? E ela: “cheira o cachimbo pra vc ver o cheiro<br />
gostoso que tem”, n<strong>é</strong>? E eu assim, poxa, cru, falei: “vamos aí, n<strong>é</strong>,<br />
meu?”, cheirei o cachimbo, aquele cheiro forte de crack, de cinza<br />
e refletin<strong>do</strong>: “ela gosta disso”, n<strong>é</strong> meu? Esse <strong>é</strong> o barato dela. E<br />
ela perceber que eu tive essa relação, que eu conheci o perninha,