Rede de Policiais e Sociedade Civil - Polícia Militar de Alagoas
Rede de Policiais e Sociedade Civil - Polícia Militar de Alagoas
Rede de Policiais e Sociedade Civil - Polícia Militar de Alagoas
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
POLÍCIA, ESTADO E SOCIEDADE:<br />
PRÁTICAS E SABERES<br />
LATINO-AMERICANOS<br />
Haydée Caruso<br />
Jacqueline Muniz<br />
Antônio Carlos Carballo Blanco
Organização<br />
Haydée Caruso<br />
Jacqueline Muniz<br />
Antonio Carlos Carballo Blanco<br />
Pesquisa<br />
Raphael Millet Camarda Corrêa<br />
Rachel Maître<br />
Tradução<br />
Aitor J. A. Echeverria<br />
Carola Mittrany<br />
José Cláudio dos Santos Júnior<br />
Lenin Pires<br />
Lucía Eilbaum<br />
Luisa Lamas<br />
Maria Blanco Alvite<br />
Maria Paz Pizarro Portilla<br />
Miren Josune Marco Oqueranza<br />
Paz Iturrieta Serra<br />
Revisão<br />
Aline Gatto Boueri<br />
Shelley <strong>de</strong> Botton<br />
Editora<br />
Publit Soluções Editoriais<br />
Projeto gráfico, diagramação e capa<br />
Sisa Rezen<strong>de</strong><br />
Realização<br />
Apoio<br />
Foundation Open Society Institute<br />
Os textos e opiniões publicados neste livro são <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> exclusiva <strong>de</strong><br />
seus autores. Os conteúdos e o teor das análises publicadas não necessariamente refletem<br />
a opinião <strong>de</strong> todos os colaboradores da <strong>Re<strong>de</strong></strong>.
AGRADECIMENTOS<br />
Agra<strong>de</strong>cemos à Fundação Open Society Institute pelo apoio à construção da<br />
<strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Policiais</strong> e Socieda<strong>de</strong> <strong>Civil</strong> na América Latina e, consecutivamente, à<br />
elaboração <strong>de</strong>ste livro. Nossos agra<strong>de</strong>cimentos especiais ao Dr. Geoge Vickers<br />
e à Victoria Wigodzki, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início apostaram na idéia <strong>de</strong> reunir em um<br />
mesmo projeto policiais e membros da socieda<strong>de</strong> civil organizada <strong>de</strong> nosso<br />
continente.<br />
Ao Dr. Wilhelm Hofmeister e à Joana Fontoura, da Fundação Konrad A<strong>de</strong>nauer,<br />
que <strong>de</strong> longa data apóiam projetos realizados pelo Viva Rio com o objetivo <strong>de</strong><br />
contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento institucional da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro e que também se interessaram em viabilizar esta publicação.<br />
À Florencia Fontán Balestra, registramos um agra<strong>de</strong>cimento todo especial<br />
por sua <strong>de</strong>terminação e criativida<strong>de</strong> em propor o projeto <strong>de</strong> constituição da<br />
<strong>Re<strong>de</strong></strong>. A partir <strong>de</strong> sua orientação e proposta bem estruturada foi possível<br />
concretizar o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> aproximar policiais e socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>dicados ao<br />
tema da reforma policial.<br />
Agra<strong>de</strong>cemos aos nossos parceiros institucionais nos 10 países latino-americanos<br />
que tornaram este projeto possível: Santiago Veiga e Ignácio Romano (Fundar,<br />
Argentina), Cláudio Beato e Elenice <strong>de</strong> Souza (CRISP, Brasil); Coronel PM RR<br />
Luis Antônio Brenner Guimarães (Guayí, Brasil); Hugo Acero (Milênio,<br />
Colômbia); Lucia Dammert e Javiera Diaz (FLACSO-Chile); Edgardo A. Amaya<br />
Cóbar (F.E.S.P.A.D, El Salvador); Carmen Rosa <strong>de</strong> León Escribano e Leslie<br />
Sequeira Villagrán (IEPADES, Guatemala); Ernesto López Portillo Vargas e<br />
Ernesto Car<strong>de</strong>nas Villarello (INSYDE, México); Marco Valle Martinez<br />
(Universidad Centroamericana, Nicarágua); Ernesto <strong>de</strong> la Jara e Gustavo Gorriti<br />
(IDL, Peru) e Soraya El Achkar (Red <strong>de</strong> Apoyo por la Justicia y la Paz, Venezuela).<br />
Aos policiais latino-americanos que acreditaram no projeto e que hoje fazem<br />
parte <strong>de</strong>sta <strong>Re<strong>de</strong></strong>: Guillermo Nicolás Zalaya (Policía <strong>de</strong> la Província <strong>de</strong> Córdoba);<br />
Ruben Adrian Rodríguez (Policía <strong>de</strong> la Provincia <strong>de</strong> Buenos Aires) e Rubens<br />
Fabian Rebuffo (Policía <strong>de</strong> la Provincia <strong>de</strong> Neuquén) na Argentina; Marco Antônio<br />
Bicalho (<strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais); Wagner da Silva Sales (<strong>Polícia</strong><br />
<strong>Civil</strong> do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais); Robson Rodrigues da Silva (<strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do<br />
Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro); Carmen Isabel Andreola e Martim Cabeleira <strong>de</strong><br />
Moraes Júnior (Brigada <strong>Militar</strong> do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul); Jun Sukekava<br />
(<strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul), no Brasil; Carlos Pino Torres
(Policía <strong>de</strong> Investigaciones <strong>de</strong> Chile); Hernando Hevia Hinojosa e Marcelo<br />
Alberto Yañez Palma (Carabineros <strong>de</strong> Chile); Julio César Sanchez Molina e Yed<br />
Milton López Riaño (Policía Nacional <strong>de</strong> Colombia); Hugo Armando Ramírez<br />
Mejía, Nelson Edgardo Campos Escalante e Olga Alfaro <strong>de</strong> Pinto (Policía<br />
Nacional <strong>Civil</strong>) <strong>de</strong> El Salvador; Edwin Chipix, Marlon Esteban e Rosa María<br />
Juárez Aristondo (Policía Nacional <strong>Civil</strong>) <strong>de</strong> Guatemala; Luis Gabriel Salazar<br />
Vázquez (Policía Estatal <strong>de</strong> la Dirección <strong>de</strong> Policía <strong>de</strong>l Estado <strong>de</strong> Querétaro.);<br />
Juan Sonoqui Martinez (Policia Preventiva Municipal <strong>de</strong> Cajeme, Sonora) e<br />
Reyna Biruuete Ponce (Agencia Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Investigación) do México; Elizabeth<br />
Rodriguez Obando, José Francisco Aguilera Ferrufino e Xavier Antonio Dávila<br />
Rueda (Policía Nacional <strong>de</strong> Nicaragua); Eduardo Guillermo Arteta Izarnótegui,<br />
Julio Diaz Zulueta e Lucas Nuñez Córdova (Policía Nacional <strong>de</strong> Peru); Aimara<br />
Aguilar Ruiz e Luis Alberto Pacheco (Cuerpo <strong>de</strong> Seguridad y Or<strong>de</strong>n Público<br />
<strong>de</strong>l Estado Aragua) e Jorge Luis Sará (Policía Municipal <strong>de</strong> San Francisco –<br />
Maracaibo) da Venezuela.<br />
Ao Fórum Brasileiro <strong>de</strong> Segurança Pública, na pessoa <strong>de</strong> Josephine Bourgois,<br />
que viabilizou a veiculação <strong>de</strong> nosso boletim eletrônico em seu referido portal,<br />
dando visibilida<strong>de</strong> em âmbito nacional a esta iniciativa.<br />
Finalmente, queremos agra<strong>de</strong>cer a toda equipe do Programa <strong>de</strong> Segurança<br />
Humana do Viva Rio, especialmente, Ilona Szabó, nossa coor<strong>de</strong>nadora geral;<br />
Mayra Jucá, Carola Mittrany, Aline Gatto Boueri e Shelley <strong>de</strong> Botton,<br />
respectivamente coor<strong>de</strong>nadora e jornalistas do Portal Comunida<strong>de</strong> Segura,<br />
que viabilizaram entrevistas, matérias e dossiês sobre os países que integram a<br />
<strong>Re<strong>de</strong></strong>, bem como nos auxiliaram na condução dos fóruns e chats promovidos.<br />
Ao Luciano Francelli, <strong>de</strong>dicamos agra<strong>de</strong>cimento especial por sua incansável<br />
<strong>de</strong>dicação em organizar toda a logística dos workshops e cursos da <strong>Re<strong>de</strong></strong>.<br />
À Rachel Maître, pesquisadora da <strong>Re<strong>de</strong></strong>, manifestamos nossos sinceros<br />
agra<strong>de</strong>cimentos por seu esforço, <strong>de</strong>dicação e, sobretudo, empenho em pesquisar<br />
temas interessantes para o <strong>de</strong>bate, traduzir documentos, orientar e mobilizar<br />
parceiros institucionais e policiais, quase que diariamente.<br />
À Sisa Rezen<strong>de</strong>, fica o nosso agra<strong>de</strong>cimento final por traduzir na forma <strong>de</strong> uma<br />
imagem apresentada na capa <strong>de</strong>ste livro a idéia central da <strong>Re<strong>de</strong></strong>, que é promover<br />
o intercâmbio entre policiais e socieda<strong>de</strong> civil na América Latina.
SUMÁRIO<br />
Prefacio. ................................................................................ 11<br />
Apresentação. ..................................................................... 14<br />
Ficha técnica. ....................................................................... 17<br />
PARTE I - POLICIA E ESTADO<br />
a. Mandato Policial em Socieda<strong>de</strong>s Democráticas<br />
Artigos<br />
· Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
Jacqueline Muniz e Domicio Proença Júnior ............................. 21<br />
· A participação comunitária. O Caso Bradford e a Experiência<br />
Britânica frente aos <strong>de</strong>safios do racismo, da exclusão social e<br />
do terrorismo<br />
Gastón Schulmeister ................................................................ 74<br />
Comunicações<br />
· Reforma Policial e Uso Legítimo da Força em um Estado <strong>de</strong><br />
Direito: um olhar na experiência <strong>de</strong> Colômbia<br />
Hugo Acero ............................................................................. 99<br />
· Estratégias <strong>Policiais</strong> Perante Novas Ameaças e Relações<br />
Segurança Pública – Defensa Nacional<br />
Gustavo Gorriti ..................................................................... 109<br />
Relatos <strong>Policiais</strong><br />
· Responsabilida<strong>de</strong> da Policia Nacional na Segurança Urbana e<br />
Rural <strong>de</strong> cara ao conflito y pós-conflito colombiano<br />
Julio César Sánchez Molina .................................................... 117<br />
· Trafico <strong>de</strong> Seres Humanos<br />
Juan Sonoqui Martinez........................................................... 129<br />
· Evitar um Linchamento. Um assunto <strong>de</strong> confiança<br />
Jorge Sará .............................................................................. 139
. Reforma Policial e Experiências em Cenários Pós-conflito<br />
Artigo<br />
· Dilemas da reforma policial na América Latina<br />
Lucía Dammert ..................................................................... 143<br />
Comunicações<br />
· “A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Elizabeth Albernaz, Haydée Caruso e Luciane Patricio .......... 163<br />
· Reforma Policial na Venezuela: uma experiência em curso<br />
Soraya El Achkar ................................................................... 179<br />
· A Policia em Socieda<strong>de</strong>s Pós-conflito<br />
Edgardo A. Amaya Cóbar ...................................................... 215<br />
Relatos <strong>Policiais</strong><br />
· Plataforma do Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Comunitária <strong>de</strong> El Salvador<br />
Olga Alfaro <strong>de</strong> Pinto .............................................................. 225<br />
PARTE II - POLICIA E POLICIA<br />
c. Gestão, Planejamento e Avaliação do Trabalho Policial<br />
Artigo<br />
· Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong> Medida <strong>de</strong><br />
Desempenho Policial<br />
Jacqueline Muniz e Domício Proença Júnior ........................... 231<br />
Comunicação<br />
· Experiências <strong>de</strong> Intercâmbio Positivo. O processo <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho com a<br />
Secretaria <strong>de</strong> Segurança Cidadã do Estado <strong>de</strong> Querétaro (SSC)<br />
Ernesto Lopéz Portillo Vargas e Ernestro Cár<strong>de</strong>nas Villarello ...... 281<br />
Relatos <strong>Policiais</strong><br />
· Sistema Informatizado <strong>de</strong> Acompanhamento Criminal SIAC<br />
Marco Antônio Bicalho .......................................................... 290
· Analise Delitiva e Utilização <strong>de</strong> Ferramentas para a Prevenção<br />
do Delito<br />
Rubén Adrián Rodríguez ........................................................ 300<br />
· Planejamento Operacional: a Experiência Neuquina<br />
Rubens Fabian Rebuffo .......................................................... 309<br />
· Aplicação <strong>de</strong> Estratégias Similares <strong>de</strong> Segurança em Duas Zonas<br />
com resultados diferentes<br />
Luis Alberto Pacheco .............................................................. 319<br />
· A Comissária <strong>de</strong> Cruz Blanca: uma experiência <strong>de</strong> gestão policial<br />
Julio Diaz Zulueta ................................................................. 326<br />
· A Aplicação <strong>de</strong> um Plano <strong>de</strong> Prevenção do Delito em Três<br />
Municípios Guatemaltecos<br />
Edwin Chipix .......................................................................... 333<br />
· Chefia e Li<strong>de</strong>rança Policial: o caso da província <strong>de</strong> Callao Lima<br />
Eduardo Guillermo Arteta Izarnótegui................................... 338<br />
· A violência contra os <strong>Policiais</strong>: perceber, problematizar e atuar<br />
Martim Cabeleira <strong>de</strong> Moraes Júnior ...................................... 347<br />
· A Formação Policial: Um Desafio Democrático<br />
Aimara Aguilar ....................................................................... 352<br />
· O Enfoque <strong>de</strong> Gênero na Formação da <strong>Polícia</strong> Nacional da<br />
Nicarágua<br />
Elizabeth Rodriguez Obando.................................................. 359<br />
d. Instrumentos <strong>de</strong> Controle Interno<br />
Artigos<br />
· Controles Internos <strong>Policiais</strong>, ou como a Policia vigia a policia<br />
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares .... 365<br />
Comunicação<br />
· Mecanismos e procedimentos <strong>de</strong> controle interno: um olhar<br />
da Argentina<br />
Santiago Veiga e Ignacio Romano .......................................... 382
Relatos <strong>Policiais</strong><br />
· “Or<strong>de</strong>ns Gerais” para o controle interno no Estado <strong>de</strong><br />
Querétaro<br />
Luiz Gabriel Salazar Vásquez ................................................. 391<br />
· Assedio Sexual na Policia Nacional <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> Guatemala<br />
Rosa Maria Juárez Aristondo ................................................. 395<br />
PARTE III - POLICIA E SOCIEDADE<br />
e. Participação e Controle Social: enfoques comunitários e locais<br />
Artigos<br />
· A Participação Comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
Lucía Dammert ..................................................................... 401<br />
· A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da Participação<br />
Social na Democratização do Estado<br />
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda .............................................. 417<br />
Comunicação<br />
· A Relação Policia-Comunida<strong>de</strong>: Analise da Experiência do Plano<br />
Quadrante no Chile<br />
Javiera Diaz ........................................................................... 444<br />
· Grupo Especializado em Áreas <strong>de</strong> Risco (GEPAR): os dilemas<br />
<strong>de</strong> uma experiência inovadora <strong>de</strong> prevenção e controle <strong>de</strong> tráfico<br />
drogas e homicídios em favelas violentas em Belo Horizonte, Brasil<br />
Elenice <strong>de</strong> Souza.................................................................... 457<br />
· Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto-Alegre<br />
Helena Bonumá e Luis Antônio Brenner Guimarães .............. 463<br />
Relatos <strong>Policiais</strong><br />
· Carabineiros <strong>de</strong> Chile como Garantia da Or<strong>de</strong>m Pública no<br />
Contexto do Conflito Mapuche<br />
Hernando Hevia Hinojosa ..................................................... 483
· O Município De Restinga Seca e as Relações <strong>de</strong> sua População<br />
com a <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> em contraponto aos Registros <strong>Policiais</strong><br />
Realizados<br />
Jun Suekava ........................................................................... 486<br />
· Estratégias <strong>de</strong> Aproximação à Comunida<strong>de</strong> no distrito <strong>de</strong> Villa<br />
El Salvador, Peru<br />
Lucas Nuñez Córdova ............................................................ 492<br />
· Estação <strong>de</strong> Policia Mo<strong>de</strong>lo<br />
Marlon López Esteban ........................................................... 497<br />
· Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária na Colômbia<br />
Yed Milton López Riaño ......................................................... 500<br />
· O Planejamento Participativo do Bairro <strong>de</strong> Higienópolis, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Organizando a socieda<strong>de</strong> e qualificando as <strong>de</strong>mandas<br />
por segurança pública<br />
Robson Rodrigues da Silva ...................................................... 513<br />
· A Organização dos comitês Locais <strong>de</strong> Prevenção da Violência<br />
e Delinqüência em El Salvador<br />
Hugo Armando Ramírez Mejia .............................................. 518<br />
· O Controle Social e a Policia: aliança contra o trafico ilícito <strong>de</strong><br />
armas <strong>de</strong> fogo<br />
Xavier Antonio Dávila Rueda ................................................. 523<br />
f. Policia e Juventu<strong>de</strong>s<br />
Artigos<br />
· Policia e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
Alba Zaluar ........................................................................... 531<br />
Comunicação<br />
· Prevenção do Delito e Violência entre Adolescência e Juventu<strong>de</strong><br />
Leslie Sequeira Villagrán ........................................................ 557<br />
· Diálogos <strong>de</strong> uma juventu<strong>de</strong> vigiada e vigilante<br />
Aline Gatto Boueri................................................................. 567
10<br />
· Um relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle da Delinqüência<br />
Juvenil na Nicarágua<br />
Marco A. Valle Martínez........................................................ 573<br />
Relatos <strong>Policiais</strong><br />
· A Relação com a Comunida<strong>de</strong> na Policia <strong>de</strong> Investigação <strong>de</strong><br />
Chile<br />
Carlos Pino Torres .................................................................. 589<br />
· Dualida<strong>de</strong> entre Segurança Pública e Privada em Espetáculos<br />
Públicos<br />
Guillermo Nicolás Zalaya ...................................................... 597<br />
· A Atuação da Policia no Bairro Popular Restinga, Breve Analise<br />
Carmen Isabel Andreola ........................................................ 603<br />
Anexo<br />
Metodologia do Curso para reprodução. ..................... 607
POLÍCIA, ESTADO E SOCIEDADE: PRÁTICAS E<br />
SABERES LATINO-AMERICANOS<br />
PREFÁCIO<br />
Os altos índices <strong>de</strong> violência e criminalida<strong>de</strong> não são um fenômeno<br />
novo para América Latina. Efetivamente, a partir do final da década <strong>de</strong> 80,<br />
a violência se tornou um componente comum na vida cotidiana dos latinoamericanos,<br />
tornando a região uma das mais violentas do mundo. De<br />
acordo com o Banco Mundial, a violência é uma das cinco principais causas<br />
<strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> na região e a principal causa em Brasil, Colômbia, Venezuela,<br />
El Salvador e México.<br />
Esta situação colocou as diversas instituições policiais latinoamericanas<br />
no centro da atenção pública. A socieda<strong>de</strong> se sente cada vez<br />
mais insegura e <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> forma urgente respostas rápidas e eficazes.<br />
Por sua vez, os governos <strong>de</strong> turno prometem soluções milagrosas em<br />
circunstâncias que exigem respostas <strong>de</strong> longo alcance, e exercem pressão<br />
sobre as forças <strong>de</strong> segurança para produzir resultados no curto prazo,<br />
sem querer assumir o custo político e econômico que implica a<br />
implementação das reformas estruturais necessárias para mo<strong>de</strong>rnizar as<br />
organizações policiais da região.<br />
Diante <strong>de</strong>sse quadro político, a tendência das polícias da região<br />
consistiu em reproduzir as estratégias tradicionais <strong>de</strong> combate à<br />
criminalida<strong>de</strong>, que respon<strong>de</strong>m a um mo<strong>de</strong>lo do tipo militar, reativo e<br />
repressivo, her<strong>de</strong>iro das ditaduras militares que governaram a América<br />
Latina durante o século passado. Contudo, esse tipo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo se torna<br />
em si mesmo um obstáculo para a transformação, já que carece da<br />
flexibilida<strong>de</strong> necessária para se mo<strong>de</strong>rnizar e adaptar aos <strong>de</strong>safios impostos<br />
pela criminalida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna.<br />
No entanto, existem muitos policiais na América Latina com muita<br />
experiência profissional que têm idéias inovadoras e que querem melhorar<br />
o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas respectivas instituições policiais, mas carecem do<br />
apoio político e institucional necessário para empreen<strong>de</strong>r tais reformas.<br />
Esses policiais têm uma importância fundamental para suas instituições,<br />
mas muitas vezes acabam <strong>de</strong>sistindo <strong>de</strong> seus projetos por falta <strong>de</strong><br />
11
12<br />
Prefácio<br />
oportunida<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong> ajuda para implementar suas propostas. Inclusive,<br />
em algumas ocasiões, os policiais são marginalizados ou discriminados na<br />
hora das promoções na medida em que suas propostas são vistas como<br />
uma ameaça pelas corporações às quais pertencem.<br />
Paralelamente, durante a última década, uma quantida<strong>de</strong> significativa<br />
<strong>de</strong> organizações acadêmicas e da socieda<strong>de</strong> civil têm se interessado pela<br />
segurança pública na América Latina e têm produzido um gran<strong>de</strong> acervo<br />
<strong>de</strong> conhecimentos científicos sobre esse tema. Atualmente, a região conta<br />
com um importante número <strong>de</strong> especialistas <strong>de</strong> primeiro nível <strong>de</strong>dicados<br />
ao estudo da problemática da violência e da criminalida<strong>de</strong> no contexto<br />
particular do nosso continente. Assim, em alguns países, esses especialistas<br />
estão trabalhando diretamente com o po<strong>de</strong>r público na elaboração e<br />
implementação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> segurança pública.<br />
No entanto, atualmente, são poucos os esforços orientados a reunir<br />
<strong>de</strong> forma sistemática esses dois grupos <strong>de</strong> atores - policiais e membros<br />
da socieda<strong>de</strong> civil-, para que possam trocar experiências e conhecimentos<br />
e pensar conjuntamente programas e ações <strong>de</strong>stinados a <strong>de</strong>senvolver<br />
institucionalmente as polícias latino-americanas.<br />
A criação <strong>de</strong> um espaço permanente, interdisciplinar e interinstitucional,<br />
que viabilize o diálogo e a colaboração entre os diferentes atores na área <strong>de</strong><br />
segurança pública, é <strong>de</strong> vital importância, não só porque cada grupo precisa do<br />
outro para po<strong>de</strong>r compreen<strong>de</strong>r melhor os <strong>de</strong>safios enfrentados pelas instituições<br />
policiais da região, mas também porque essa união possibilitará o fortalecimento<br />
coletivo <strong>de</strong> seus atores e permitirá ampliar a participação e contribuição <strong>de</strong><br />
cada um na elaboração das respectivas políticas públicas.<br />
Certamente, as dificulda<strong>de</strong>s e os <strong>de</strong>safios que enfrentam as polícias<br />
latino-americanas são diferentes e respon<strong>de</strong>m às particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada<br />
país, <strong>de</strong> sua cultura, <strong>de</strong> suas tradições e do momento histórico respectivo.<br />
No entanto, consi<strong>de</strong>ramos que as semelhanças são tamanhas que<br />
possibilitam seu tratamento conjunto. Por outro lado, a análise comparativa<br />
das diferentes problemáticas enfrentadas por cada organização policial<br />
possibilitará enriquecer a visão <strong>de</strong> cada sistema em particular, possibilitando<br />
uma visão holística da realida<strong>de</strong>.<br />
Por tudo isso, surgiu a idéia <strong>de</strong> convocar diversas organizações da<br />
América Latina para formar com elas uma <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>s e Socieda<strong>de</strong>
Prefácio<br />
<strong>Civil</strong>, iniciativa que foi realizada pela ONG Viva Rio, com o apoio da<br />
Fundação Open Society Institute. Durante seus dois primeiros anos <strong>de</strong><br />
funcionamento, a re<strong>de</strong> foi <strong>de</strong>senvolvida conjuntamente com as seguintes<br />
instituições latino-americanas: FUNDAR (Argentina), CRISP (Brasil), Guayí<br />
(Brasil), FLACSO (Chile), MILENIO (Colômbia), FESPAD – CEPES (El<br />
Salvador), IEPADES (Guatemala) e INSYDE (México), Universidad<br />
Centroamericana (Nicarágua) Instituto <strong>de</strong> Defensa Legal (Peru), Red <strong>de</strong><br />
Apoyo por la Justicia y la Paz (Venezuela).<br />
A <strong>Re<strong>de</strong></strong> busca atingir os seguintes objetivos: 1. Construir canais <strong>de</strong><br />
diálogo e cooperação entre os membros das forças policiais e os membros<br />
da socieda<strong>de</strong> civil e pesquisadores da área; 2. Desenvolver os mecanismos<br />
necessários para que esses atores possam exercer influência nas agendas<br />
nacionais e regionais <strong>de</strong> segurança pública; 3. Capacitar e empo<strong>de</strong>rar oficiais<br />
<strong>de</strong> polícia que estarão em posições-chave <strong>de</strong> comando daqui a alguns<br />
anos; 4. Aumentar e aperfeiçoar a participação dos integrantes das<br />
instituições <strong>de</strong> segurança pública em discussões sobre reforma da polícia;<br />
e 5. Legitimar a existência <strong>de</strong> movimentos <strong>de</strong> reforma <strong>de</strong>ntro das<br />
instituições <strong>de</strong> segurança pública.<br />
Na prática, a <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>s e Socieda<strong>de</strong> <strong>Civil</strong> da América Latina<br />
se reúne anualmente em várias oportunida<strong>de</strong>s. Primeiro, através da<br />
realização <strong>de</strong> Workshops com membros da socieda<strong>de</strong> civil orientados a<br />
pensar formas <strong>de</strong> consolidar e fortalecer a re<strong>de</strong>. Segundo, por meio da<br />
realização anual do Curso <strong>de</strong> Li<strong>de</strong>rança para o Desenvolvimento Institucional<br />
Policial, <strong>de</strong>stinado a lí<strong>de</strong>res policiais latino-americanos e administrado pelos<br />
próprios policiais e por pesquisadores, especialistas e representantes das<br />
instituições associadas.<br />
O presente livro constitui um belo exemplo do esforço<br />
interinstitucional empreendido pela <strong>Re<strong>de</strong></strong>, na medida em que foi elaborado<br />
conjuntamente por policiais e membros da socieda<strong>de</strong> civil, e é fruto do<br />
material produzido durante a realização do citado Curso <strong>de</strong> Li<strong>de</strong>rança.<br />
Essencialmente, representa um acúmulo <strong>de</strong> conhecimento científico e<br />
prático sobre algumas das principais questões que preocupam e mobilizam<br />
os atores na área <strong>de</strong> segurança pública em América Latina.<br />
Florencia Fontán Balestra<br />
Advogada (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires, Argentina), Mestre em Legislação (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Harvard, Estados Unidos). Pesquisadora e consultora, especialista em temas <strong>de</strong> segurança pública.<br />
13
14<br />
APRESENTAÇÃO<br />
O livro Policia, Estado e Socieda<strong>de</strong>: práticas e saberes latino-americanos<br />
foi elaborado a várias mãos. Resulta <strong>de</strong> um trabalho conjunto que reúne<br />
mais <strong>de</strong> 50 autores que fazem parte <strong>de</strong> centros <strong>de</strong> estudos, ONGs e<br />
agências policiais dos 10 países que atualmente compõem a <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Policiais</strong><br />
e Socieda<strong>de</strong> <strong>Civil</strong> na América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, El<br />
Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Peru e Venezuela.<br />
Mais do que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas envolvidas, esta coletânea<br />
expressa um rico retrato, panorâmico e plural, <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista,<br />
preocupações, priorida<strong>de</strong>s, questionamentos e <strong>de</strong>safios que informam as<br />
práticas policiais, <strong>de</strong> participação civil e <strong>de</strong> pesquisa científica no campo<br />
da segurança pública em nosso continente. Constitui um mosaico <strong>de</strong><br />
reflexões e perspectivas no qual se combinam uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes<br />
e seus sotaques singulares. Trata-se <strong>de</strong> uma reunião <strong>de</strong> distintos olhares<br />
apresentados em mais <strong>de</strong> 500 páginas <strong>de</strong> conteúdo que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e a<br />
partir <strong>de</strong> suas várias realida<strong>de</strong>s, experimentam e problematizam os rumos<br />
da <strong>de</strong>mocratização ou da reforma policial.<br />
A diversida<strong>de</strong> histórica, cultural e política entre os países aqui<br />
representados pôs em relevo não apenas o que há <strong>de</strong> singular entre nós,<br />
mas sobretudo a i<strong>de</strong>ntificação e o reconhecimento <strong>de</strong> questões comuns e<br />
recorrentes, estruturais e conjunturais, muitas vezes <strong>de</strong>spercebidas ou<br />
negligenciadas. Possibilitou constatar que partilhamos um acervo <strong>de</strong><br />
saberes e práticas, que atravessam, articulam e iluminam nossas trajetórias.<br />
E, com isso, permitem revelar novos sentidos, construir possibilida<strong>de</strong>s<br />
outras <strong>de</strong> compreensão dos nossos <strong>de</strong>safios, vislumbrar horizontes ao<br />
nosso alcance, diante do estado <strong>de</strong> nossas realida<strong>de</strong>s, e sob medida para<br />
as nossas indagações.<br />
Nas páginas seguintes, o leitor irá ter contato com este<br />
repertório <strong>de</strong> abordagens que sintetiza o esforço <strong>de</strong> integrar a produção<br />
científica e o conjunto <strong>de</strong> conhecimentos e vivências policiais, por meio<br />
do diálogo crítico entre as reflexões construídas pelos pesquisadores<br />
<strong>de</strong>dicados ao tema da segurança pública e da reforma policial e aquelas<br />
<strong>de</strong>senvolvidas pelos policiais a partir <strong>de</strong> suas práticas profissionais em<br />
seus respectivos países.
Apresentação<br />
O livro traduz, portanto, a síntese <strong>de</strong> dois anos consecutivos <strong>de</strong><br />
trabalho no âmbito da <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Policiais</strong> e Socieda<strong>de</strong> <strong>Civil</strong> na América Latina,<br />
através <strong>de</strong> sua principal ativida<strong>de</strong> que é o Curso <strong>de</strong> Li<strong>de</strong>rança para o<br />
Desenvolvimento Institucional Policial que <strong>de</strong>staca, articula e<br />
problematiza as atribuições, funções e papéis do Estado, <strong>Polícia</strong> e Socieda<strong>de</strong><br />
voltados para o provimento <strong>de</strong> segurança pública no estado <strong>de</strong>mocrático<br />
<strong>de</strong> direito.<br />
Os materiais pedagógicos que conformam esta publicação foram<br />
concebidos exclusivamente para curso e possuem a seguinte composição<br />
a) artigos científicos <strong>de</strong> estudiosos e especialistas do meio acadêmico e <strong>de</strong><br />
instituições da socieda<strong>de</strong> civil, b) comunicações <strong>de</strong>senvolvidas pelos<br />
representantes da socieda<strong>de</strong> civil sobre experiências, questões ou<br />
problemas atuais enfrentados pelos países aqui contemplados e, c) casos<br />
ou relatos <strong>de</strong> policiais sobre suas experiências profissionais que retratem<br />
iniciativas que lograram êxitos, potencialmente promissoras ou<br />
interrompidas em virtu<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>safios, limitações e resistências<br />
institucionais e sociais que enfrentaram.<br />
A organização interna <strong>de</strong>stes materiais reproduz os três eixos<br />
estruturais “<strong>Polícia</strong> & Estado”, “<strong>Polícia</strong> & <strong>Polícia</strong>” e “<strong>Polícia</strong> & Socieda<strong>de</strong>”.<br />
Estes, por sua vez, emprestam unida<strong>de</strong> conceitual e uma seqüência<br />
pedagógica aos seis gran<strong>de</strong>s temas <strong>de</strong>finidos pelos integrantes da <strong>Re<strong>de</strong></strong> e<br />
trabalhados nas conferências, painéis e oficinas que constituiram o curso<br />
nos anos <strong>de</strong> 2006 e 2007. São eles:<br />
· Mandato policial nas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas;<br />
· Reforma Policial e Experiências em Socieda<strong>de</strong>s Pósconflito<br />
· Gestão, Planejamento e Avaliação do Trabalho Policial<br />
· Instrumentos <strong>de</strong> Controle Interno<br />
· Participação e Controle Social: enfoques comunitários<br />
e locais<br />
· <strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong>s<br />
15
16<br />
Apresentação<br />
Desejamos a todos que aproveitem ao máximo as reflexões aqui<br />
reunidas, e que este livro possa cumprir o seu propósito, que é o <strong>de</strong><br />
partilhar os mais distintos saberes e suas mais diversas práticas entre os<br />
interessados pelos rumos da segurança pública na América Latina.<br />
Boa leitura!<br />
Antonio Carlos Carballo Blanco<br />
Haydée Caruso<br />
Jacqueline Muniz<br />
(Organizadores)<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2007
FICHA TÉCNICA<br />
· Equipe Viva Rio<br />
Rubem Cesar Fernan<strong>de</strong>s - Diretor Executivo<br />
Ilona Szabó <strong>de</strong> Carvalho - Coor<strong>de</strong>nadora do Programa em Segurança Humana<br />
Florencia Fontán Balestra – I<strong>de</strong>alizadora da <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Policiais</strong> e Socieda<strong>de</strong> <strong>Civil</strong> na<br />
América Latina<br />
Haydée Glória Cruz Caruso - Coor<strong>de</strong>nadora da <strong>Re<strong>de</strong></strong><br />
Raphael Millet Camarda Corrêa – Pesquisador<br />
Rachel Maître – Pesquisadora<br />
Mayra Jucá – Coor<strong>de</strong>nadora do Portal Comunida<strong>de</strong> Segura<br />
· Consultores<br />
Tenente Coronel Antonio Carlos Carballo Blanco – PMERJ<br />
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz – UCAM - GEE/UFRJ<br />
· Parceiros Institucionais<br />
País<br />
Instituição<br />
Representante<br />
Argentina Fundación Fundar Justicia y Seguridad Santiago Veiga<br />
Brasil, Minas CRISP Centro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Claudio Beato<br />
Gerais Criminalida<strong>de</strong> e Segurança Pública Elenice <strong>de</strong> Souza<br />
Brasil, Rio Guayí<br />
Helena Bonumá; Luiz Antônio<br />
Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
Brenner Guimarães<br />
Colômbia Milênio<br />
Hugo Acero<br />
Chile FLACSO - Facultad Latinoamericana<br />
<strong>de</strong> Ciencias Sociales<br />
Lucia Dammert<br />
El Salvador FESPAD - Fundación <strong>de</strong> El Salvador Edgardo A. Amaya Cóbar<br />
Para la Aplicación <strong>de</strong>l Derecho David Cruz<br />
Guatemala IEPADES - Instituto <strong>de</strong> Enseñanza Carmen Rosa <strong>de</strong> León Escribano<br />
para el Desarrollo Sostenible Leslie Sequeira Villagrán<br />
México Insy<strong>de</strong> - Instituto para la Seguridad y la Ernesto López Portillo Vargas<br />
Democracia<br />
Ernesto Car<strong>de</strong>nas Villarello<br />
Nicarágua Universidad Centroamericana Marco Valle Martínez<br />
Peru IDL - Instituto <strong>de</strong> Defensa Legal Ernesto <strong>de</strong> la Jara<br />
Gustavo Gorriti<br />
Venezuela Red <strong>de</strong> Apoyo por la Justicia y la Paz Soraya El Achkar<br />
17
· <strong>Policiais</strong> membros da <strong>Re<strong>de</strong></strong><br />
País<br />
Instituição<br />
Representante<br />
Argentina Policia <strong>de</strong> la Província <strong>de</strong> Córdoba<br />
Guillermo Nicolás Zalaya<br />
Policía <strong>de</strong> la Provincia <strong>de</strong> Buenos Aires Ruben Adrian Rodríguez<br />
Policía <strong>de</strong> la Provincia <strong>de</strong> Neuquén<br />
Rubens Fabian Rebuffo<br />
Brasil <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais Marco Antônio Bicalho<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais Wagner da Silva Sales<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro Robson Rodrigues da Silva<br />
Brigada <strong>Militar</strong> do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul Carmen Isabel Andreola<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul Jun Sukekava<br />
Brigada <strong>Militar</strong> do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul Martim Cabeleira <strong>de</strong> Moraes Jr<br />
Chile Policía <strong>de</strong> Investigaciones <strong>de</strong> Chile<br />
Carlos Pino Torres<br />
Carabineros <strong>de</strong> Chile<br />
Hernando Hevia Hinojosa<br />
Carabineros <strong>de</strong> Chile<br />
Marcelo Alberto Yañez Palma<br />
Colômbia Policía Nacional <strong>de</strong> Colombia<br />
Julio César Sanchez Molina<br />
Policía Nacional <strong>de</strong> Colombia<br />
Yed Milton López Riaño<br />
El Salvador Policía Nacional <strong>Civil</strong><br />
Hugo Armando Ramírez Mejía<br />
Policía Nacional <strong>Civil</strong><br />
Nelson Edgardo Campos Escalante<br />
Policía Nacional <strong>Civil</strong><br />
Olga Alfaro <strong>de</strong> Pinto<br />
Guatemala Policía Nacional <strong>Civil</strong><br />
Edwin Chipix<br />
Policía Nacional <strong>Civil</strong><br />
Marlon Esteban<br />
Policía Nacional <strong>Civil</strong><br />
Rosa María Juárez Aristondo<br />
México Policía Estatal <strong>de</strong> la Dirección <strong>de</strong> Policía <strong>de</strong>l<br />
Estado <strong>de</strong> Querétaro.<br />
Luis Gabriel Salazar Vázquez<br />
Policía Preventiva Municipal <strong>de</strong> Cajeme, Sonora,<br />
Mexico.<br />
Juan Sonoqui Martinez<br />
Agencia Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Investigación<br />
Reyna Biruuete Ponce<br />
Nicarágua Policía Nacional <strong>de</strong> Nicaragua<br />
Elizabeth Rodriguez Obando<br />
Policía Nacional <strong>de</strong> Nicaragua<br />
José Francisco Aguilera Ferrufino<br />
Policía Nacional <strong>de</strong> Nicaragua<br />
Xavier Antonio Dávila Rueda<br />
Peru Policía Nacional <strong>de</strong> Perú<br />
Eduardo Guillermo Arteta Izarnótegui<br />
Policía Nacional <strong>de</strong> Perú<br />
Julio Diaz Zulueta<br />
Policía Nacional <strong>de</strong> Perú<br />
Lucas Nuñez Córdova<br />
Venezuela<br />
Cuerpo <strong>de</strong> Seguridad y Or<strong>de</strong>n Público <strong>de</strong>l<br />
Estado Aragua<br />
Aimara Aguilar Ruiz<br />
Cuerpo <strong>de</strong> Seguridad y Or<strong>de</strong>n Público <strong>de</strong>l<br />
Estado Aragua<br />
Luis Alberto Pacheco<br />
Policía Municipal <strong>de</strong> San Francisco - Maracaibo Jorge Luis Sará
PARTE I - POLÍCIA E ESTADO<br />
• Reporta-se ao contexto histórico e político do<br />
relacionamento entre o Estado, Governança e a Segurança<br />
Pública, no qual se inscreve a trajetória da invenção da polícia<br />
como instrumento para o exercício do mandato do uso da<br />
força no Estado <strong>de</strong> Direito e suas implicações nas socieda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>mocráticas.<br />
• Enfatiza a distribuição do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> coerção no Estado,<br />
as exigências políticas e normativas, as fontes <strong>de</strong> legitimação<br />
e as salvaguardas sociais para a construção <strong>de</strong> alternativas<br />
pacíficas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> obediência sob consentimento<br />
social.<br />
19
Artigo<br />
DA ACCOUNTABILITY SELETIVA À PLENA<br />
RESPONSABILIDADE POLICIAL 1<br />
Profa. Dra. Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz *<br />
Prof. Dr. Domício Proença Júnior **<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
Nota Inicial dos Autores: Foi uma <strong>de</strong>cisão autoral utilizar<br />
alguns termos em inglês sem traduzi-los, escolhendo explicar o<br />
significado que se atribuiu a eles <strong>de</strong> forma sumária antes <strong>de</strong><br />
aperfeiçoar o seu conteúdo. Isso pareceu necessário porque o esforço<br />
<strong>de</strong> sua tradução não produziu resultados satisfatórios, ou mesmo<br />
amplamente difundidos, ao longo do tempo. Ter que ligar com os<br />
(mal)entendidos prévios não serviria ao propósitos <strong>de</strong>ste texto, daí<br />
o seu uso como um tipo <strong>de</strong> jargão, ao início, e com a ambição <strong>de</strong><br />
categorias a partir <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>talhamento 2 .<br />
O que é accountability3 policial? Essa é a pergunta que anima o<br />
presente ensaio. Sua ambição é a <strong>de</strong> expor os limites da leitura que toma<br />
a accountability policial como uma espécie <strong>de</strong> concessão expediente a<br />
uma <strong>de</strong>manda externa oriunda <strong>de</strong> uma ou outra fatia do público. Enfim,<br />
como algo adicional, dispersivo, ou até restritivo ao trabalho da polícia.<br />
Ao contrário, este texto argumenta que a accountability consiste no espaço<br />
por excelência <strong>de</strong> vivificação do mandato policial, tão importante para a<br />
polícia quanto para o público a quem ela serve. Apresenta a accountability<br />
como algo intrínseco, vital, multiplicador e essencialmente benéfico para<br />
o trabalho policial.<br />
É justo colocar alguns elementos que permitam a quem se aproxima<br />
<strong>de</strong>ste assunto pela primeira vez, ou que apenas volte a ele sem tê-lo<br />
estudado, compreen<strong>de</strong>r algo do estado atual da discussão. Nos últimos<br />
anos, talvez mesmo na última década, as discussões sobre como aprimorar<br />
*Jacqueline Muniz - Professora do Mestrado em Direito da Universida<strong>de</strong> Candido Men<strong>de</strong>s.<br />
Diretora Científica do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Combate ao Crime (IBCC). Consultora da <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Policiais</strong> e Socieda<strong>de</strong> <strong>Civil</strong> na América Latina.<br />
**Domício Proença Júnior – Professor da Coppe/UFRJ, Or<strong>de</strong>m do Mérito da Defesa, Membro<br />
do Instituto Internacional <strong>de</strong> Estudos Estratégicos (IISS, Londres) e da Associação Internacional<br />
<strong>de</strong> Chefes <strong>de</strong> Policia (IACP, Leesburg, Va), Diretor Científico do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Combate<br />
ao Crime (IBCC).<br />
BRASIL<br />
21
22<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
ou mesmo ampliar a accountability têm sido marcantes. Elas têm sido<br />
tomadas como um dos mais importantes rumos para a mo<strong>de</strong>rnização, a<br />
melhora do <strong>de</strong>sempenho, o incremento da qualida<strong>de</strong>, do controle, e <strong>de</strong><br />
tudo o mais que se possa associar à ativida<strong>de</strong> policial. Isso tem se traduzido<br />
<strong>de</strong> diversas maneiras. Há quem veja accountability como o resultado da<br />
adoção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas rotinas, procedimentos e formas <strong>de</strong> relato das<br />
ativida<strong>de</strong>s policiais. Há quem a entenda como uma ampla <strong>de</strong>manda por<br />
transparência sobre o que a polícia faz, como faz, e por que faz o que faz.<br />
Há ainda quem a entenda como uma forma <strong>de</strong> monitorar, e controlar, a<br />
ação policial em tanto <strong>de</strong>talhe e tão próximo do tempo real quanto possível.<br />
Essas amplitu<strong>de</strong>, promessa e alternativas da accountability como vereda<br />
do progresso policial precisam ser qualificadas.<br />
O que é, por que, e como acompanhar, orientar, avaliar e<br />
controlar, a ação da polícia não são questões novas, recém<strong>de</strong>scobertas.<br />
Em verda<strong>de</strong>, estão na raiz da criação das polícias<br />
mo<strong>de</strong>rnas. São mesmo aquilo que fez <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas organizações<br />
<strong>de</strong> força, polícias e mo<strong>de</strong>rnas. O que se vê hoje é mais um capítulo da<br />
história das formas <strong>de</strong> como se respon<strong>de</strong>r a estas questões, e <strong>de</strong> como<br />
as respostas elaboradas no passado dialogam com a construção <strong>de</strong><br />
respostas no tempo presente. Estas perguntas servem, mesmo, como<br />
uma chave para compreen<strong>de</strong>r o percurso das histórias das polícias.<br />
Elas permanecem não porque não tenham tido respostas satisfatórias<br />
ou suficientes, mas porque as respostas <strong>de</strong> cada período, para cada<br />
polícia, em cada mandato policial, numa certa socieda<strong>de</strong>, foram e<br />
seguem sendo a materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu aprimoramento. Estas mesmas<br />
perguntas estruturais levaram a novas formulações em novas bases.<br />
Há, portanto, algo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> na impressão <strong>de</strong> tantos policiais <strong>de</strong> que<br />
na polícia “nada se cria <strong>de</strong> novo”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se qualifique. A reedição<br />
<strong>de</strong>stas mesmas perguntas anuncia uma estabilida<strong>de</strong> essencial: o exercício<br />
sempre atual, cambiante em meios, e constante em propósitos, do<br />
mandato policial.<br />
Essa carga presente e essa herança <strong>de</strong> história <strong>de</strong>ixam diversas<br />
questões sobre accountability policial. Existe um mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al a ser<br />
seguido? Ou, ao contrário, cada lugar <strong>de</strong>ve ter sua accountability policial<br />
particular, característica <strong>de</strong> seu tempo? A accountability policial é uma<br />
questão política? Em que sentido? A accountability policial é uma<br />
discussão sobre como ser popular, ou aprovado, pelo público? Ou ela
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
é uma discussão sobre como melhorar a polícia? Qual a diferença entre<br />
uma e outra? A accountability policial é uma questão técnica? Em que<br />
sentido? É uma discussão sobre qual é a melhor rotina, o melhor<br />
mecanismo, a regularida<strong>de</strong> mais benéfica ou o formato <strong>de</strong> relato mais<br />
preciso? Ou ela é uma discussão sobre como relacionar <strong>de</strong>cisões<br />
policiais com resultados policiais, seus efeitos e conseqüências? Ou ela<br />
é um pouco <strong>de</strong> tudo isso? Ou é mais algumas coisas que outras?<br />
Voltamos assim ao início, compreen<strong>de</strong>ndo um pouco a sua razão <strong>de</strong><br />
ser. Essa é a lacuna presente: afinal, o que é accountability policial?<br />
Essa resposta tem duas partes, as duas partes <strong>de</strong>ste texto. A<br />
primeira é a que busca explicar o que é accountability, ela mesma. Tratase<br />
<strong>de</strong> um exercício exploratório, que ensaia corporificar para um idioma<br />
latino termos do inglês que não têm mais, realmente, como serem<br />
simplesmente traduzidos. Aí se estabelece o que é accountability em<br />
geral, <strong>de</strong> forma universal.<br />
A segunda parte da resposta busca aplicar os resultados da primeira<br />
parte para o caso da accountability policial. Trata-se <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>sdobramento que aproveita uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resultados dos<br />
Estudos <strong>Policiais</strong> no tema da accountability policial. É <strong>de</strong>vedor <strong>de</strong> uma<br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudos e trabalhos, listados nas referências bibliográficas,<br />
mas que não têm atribuição pontual ao longo do texto (que é o que seria<br />
correto, não fosse este um ensaio). Isso não significa que não se<br />
reconheça, aprecie e, <strong>de</strong> fato, se use o que estes trabalhos e autores<br />
tinham a dizer. Ao contrário, a apresentação que se faz seria impossível<br />
sem eles. É apenas que nesta ocasião fazer-lhes justiça na forma a<strong>de</strong>quada<br />
roubaria espaço do que se <strong>de</strong>seja dizer. Um breve conjunto <strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>rações finais permite um relance à parte do débito que se <strong>de</strong>ve<br />
a estes autores e obras.<br />
2. O QUE É ACCOUNTABILITY?<br />
Essa é uma pergunta necessária, porque há diversas respostas e<br />
interpretações. Algumas são contraditórias entre si, outras são vagas e<br />
conciliatórias, e outras mais se apresentam como <strong>de</strong>sdobramentos,<br />
expansões ou acréscimos <strong>de</strong> diversas inspirações, com distintos focos e<br />
conteúdos. “Ser obrigado a”, “prestar contas”, “dar satisfação”, “respon<strong>de</strong>r<br />
23
24<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
por”, “explicar, esclarecer, justificar”, “obter a aprovação”, “i<strong>de</strong>ntificar<br />
responsáveis”, “controlar, monitorar, aditar”, “supervisionar, gerir,<br />
administrar”, “avaliar e diagnosticar”, “premiar e punir”, “corrigir e<br />
aperfeiçoar”, “tornar público”, ou “dar a conhecer ou divulgar”, fazem<br />
parte da extensa lista <strong>de</strong> significados atribuídos, ou atribuíveis, à<br />
accountability policial. O que seja ou <strong>de</strong>va ser a accountability policial na<br />
prática tem uma forte componente contextual. Expressa processos<br />
históricos particulares, realida<strong>de</strong>s e arranjos locais. A accountability<br />
policial recebe diversas terminologias mais específicas ou <strong>de</strong> ambição<br />
mais universal conforme características culturais, composições políticas,<br />
compromissos institucionais, vivências corporativas, prescrições ou<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> mudança.<br />
Essa diversida<strong>de</strong> não é gratuita: traz consigo questões e aspectos<br />
relevantes do fazer e gestão policiais que não po<strong>de</strong>m ser ignorados ou<br />
esquecidos. Situa o que seja ou <strong>de</strong>va ser a accountability policial em um<br />
<strong>de</strong>terminado estágio <strong>de</strong> discussão, entendimento ou instrumentalização.<br />
Correspon<strong>de</strong>, na vida prática, a uma bricolagem <strong>de</strong> visões, crenças,<br />
expectativas e rotinizações convergentes ou não. Reflete a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> respostas pragmáticas, que atendam a <strong>de</strong>mandas ou pressões públicas,<br />
diante <strong>de</strong> resistências ou a<strong>de</strong>sões corporativas. A dinâmica que aperfeiçoa<br />
a accountability <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> em boa medida do questionamento cotidiano<br />
sobre o que é, por que, para quem, para que, sobre o que, como,<br />
quando, e quem faz o account, o “relato para produzir accountability”,<br />
policial. Mas quando este questionamento fica restrito ao<br />
experimentalismo, isto é, a uma compreensão da prática pela prática na<br />
prática, arrisca-se a confundir fins com meios, mecanismos com<br />
instrumentos, rotinas com procedimentos. Confun<strong>de</strong>-se o que é ser<br />
accountable, “estar sujeito a ter que produzir accountability”, com a<br />
feitura do account e com a accountability policial em seus diversos usos.<br />
A accountability policial carece <strong>de</strong> uma formulação propriamente<br />
conceitual, <strong>de</strong> raiz teórica, que estabeleça o que é essencial e invariante<br />
no processo <strong>de</strong> account e, sobretudo, no account da polícia. Só assim<br />
se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r, e valorar, o que é específico e particular na<br />
accountability policial. Só a partir daí se po<strong>de</strong> apreciar <strong>de</strong> maneira<br />
sistemática a varieda<strong>de</strong> do estado-das-(suas)-práticas, compreen<strong>de</strong>ndo<br />
sua riqueza, aferindo seus avanços e retrocessos. Tal formulação, por<br />
isso mesmo, <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong> revelar a unida<strong>de</strong> sistêmica e abrangente
que circunscreve e explica todas as lógicas, sentidos e usos <strong>de</strong><br />
accountability policial.<br />
A necessária limpeza do terreno rumo à construção do conceito<br />
<strong>de</strong> accountability policial começa por <strong>de</strong>ixar claro que não há nada <strong>de</strong><br />
particularmente distintivo, especial ou inédito no fato <strong>de</strong> que a polícia<br />
tenha <strong>de</strong> ser accountable. Qualquer indivíduo, grupo ou instituição que<br />
recebe um mandato é accountable àqueles indivíduos, grupos ou<br />
instituições que lhe <strong>de</strong>legaram tal mandato.<br />
2.1 O que é um Mandato?<br />
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
Todo mandato compreen<strong>de</strong> a outorga <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado po<strong>de</strong>r por<br />
uma constituency, “pessoa ou grupo que <strong>de</strong>lega autorida<strong>de</strong>, ou se faz<br />
representar”, para quem venha a exercê-lo em seu nome para um<br />
<strong>de</strong>terminado fim. Um mandato é uma procuração, uma <strong>de</strong>legação, uma<br />
incumbência para praticar certos atos, num certo assunto, para uma<br />
<strong>de</strong>terminada finalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada maneira, em nome <strong>de</strong>sta<br />
constituency. Todo mandato traz consigo a concessão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />
da parte <strong>de</strong> quem o conce<strong>de</strong> e a assunção <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s<br />
da parte <strong>de</strong> quem o recebe.<br />
Existem os mais diferentes tipos <strong>de</strong> mandatos. Mandatos po<strong>de</strong>m<br />
ser provisórios, contingentes, <strong>de</strong> duração longa ou in<strong>de</strong>finida; po<strong>de</strong>m<br />
autorizar a poucos ou a muitos; po<strong>de</strong>m expressar atribuições restritas<br />
ou <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> extensão; po<strong>de</strong>m estabelecer termos mais estreitos ou<br />
mais amplos para sua execução. Com tudo isso, po<strong>de</strong>-se extrair <strong>de</strong><br />
qualquer mandato um núcleo comum <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s que<br />
correspon<strong>de</strong> à própria condição <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> da idéia <strong>de</strong> mandato.<br />
Quem recebe um mandato, qualquer mandato, recebe po<strong>de</strong>res<br />
<strong>de</strong>legados que são <strong>de</strong>finidos, estão condicionados e se explicam pela<br />
busca <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas finalida<strong>de</strong>s. Quem recebe um mandato, qualquer<br />
mandato, compromete-se a:<br />
i) Usar os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados apenas para buscar o<br />
fim que justifica o mandato;<br />
ii) Exercer os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados escolhendo meios<br />
e formas <strong>de</strong> ação (ou inação) que não contradigam<br />
este fim;<br />
25
26<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
iii) Respon<strong>de</strong>r por estas escolhas, seus resultados e<br />
conseqüências, à luz <strong>de</strong>ste fim.<br />
2.2 O que é ser Accountable?<br />
Ser accountable é ser responsável pela obrigação <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r<br />
a estas exigências intrínsecas a qualquer mandato. Ser accountable é<br />
um atributo inseparável <strong>de</strong> quem aceita um mandato. Ser accountable é ser<br />
responsabilizável por tudo que se venha a fazer no exercício <strong>de</strong> um mandato.<br />
Isto significa dizer que quem recebe um mandato é, ipso facto, accountable:<br />
a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> reconhecer-se (ou não) como tal; mesmo quando não se tem<br />
<strong>de</strong>mandas explícitas <strong>de</strong> quem conce<strong>de</strong> o mandato; in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />
existência <strong>de</strong> mecanismos, instrumentos, rotinas e procedimentos pelos<br />
quais fazer account. Por exemplo, quem recebe uma procuração particular<br />
da venda <strong>de</strong> uma casa torna-se accountable, responsabilizável, por esta venda.<br />
Po<strong>de</strong> ser chamado a se explicar, a qualquer momento, por quem <strong>de</strong>u a<br />
procuração, pelo preço, pelas condições da venda ou quaisquer outras<br />
questões relacionadas com o mandato da venda da casa. E isso é assim,<br />
mesmo que não se tenha explicitamente mencionado tal possibilida<strong>de</strong> quando<br />
se <strong>de</strong>u a procuração, ou mesmo que não se tenha <strong>de</strong>terminado como tal<br />
“prestação <strong>de</strong> contas” <strong>de</strong>veria ser feita.<br />
2.3 O que é o Account?<br />
Fazer account é o processo pelo qual se materializa a obrigação<br />
<strong>de</strong> ser accountable, i<strong>de</strong>ntificando responsabilida<strong>de</strong>s no exercício <strong>de</strong><br />
um mandato. Fazer account é o processo pelo qual se i<strong>de</strong>ntificam as<br />
relações <strong>de</strong> causa e efeito entre escolhas, seus resultados e conseqüências<br />
no exercício dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados. Fazer account é relatar<br />
responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha contida num<br />
mandato. É esclarecer contexto e conteúdo das escolhas <strong>de</strong> meios e formas<br />
<strong>de</strong> ação (ou inação), consi<strong>de</strong>rando o exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados à luz<br />
das finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>legação recebida. Isto significa dizer que as próprias<br />
escolhas realizadas no cumprimento <strong>de</strong> um mandato instruem os termos<br />
<strong>de</strong> seu account, a <strong>de</strong>speito da existência prévia <strong>de</strong> normatização, regularida<strong>de</strong><br />
ou padronização <strong>de</strong> mecanismos, instrumentos, rotinas ou procedimentos.<br />
Fazer account se beneficia, mas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, <strong>de</strong> alguma<br />
institucionalida<strong>de</strong> pré-estabelecida, porque <strong>de</strong>corre diretamente do relato<br />
<strong>de</strong> contexto e conteúdo das escolhas realizadas. Po<strong>de</strong>-se inaugurar a feitura
<strong>de</strong> account sobre o que quer que se <strong>de</strong>seje conhecer, a qualquer momento,<br />
diante <strong>de</strong> qualquer questionamento, ao redor <strong>de</strong> qualquer questão que<br />
remeta ao, ou referencie o exercício do mandato. Dito <strong>de</strong> outra forma, é<br />
sempre possível inaugurar a feitura <strong>de</strong> account tendo como referência tão<br />
somente a consi<strong>de</strong>ração direta do contexto e conteúdo <strong>de</strong> escolhas,<br />
apreciando resultados e conseqüências, diante, contra, ou na ausência <strong>de</strong><br />
uma institucionalida<strong>de</strong> que o enquadre. Dar conta do <strong>de</strong>smoronamento<br />
da pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma escola po<strong>de</strong>, por exemplo, inaugurar a rotina <strong>de</strong> account<br />
sobre as condições e <strong>de</strong>cisões da manutenção dos prédios escolares.<br />
A autonomia diante <strong>de</strong> uma institucionalida<strong>de</strong> prévia é a maior virtu<strong>de</strong><br />
do account, cujos fazeres po<strong>de</strong>m inaugurar, (re)criar, (re)<strong>de</strong>finir, emendar,<br />
excluir, reduzir ou ampliar mecanismos, instrumentos, rotinas ou<br />
procedimentos diante <strong>de</strong> questionamentos os mais diversos. Essa<br />
maleabilida<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong> e esclarece a diversida<strong>de</strong> dos processos <strong>de</strong><br />
account, cada um <strong>de</strong>les específico porque orientado pela busca <strong>de</strong> resposta<br />
a um questionamento singular quanto a um exercício, também singular, <strong>de</strong><br />
um mandato. Os processos <strong>de</strong> account se a<strong>de</strong>quam, e por isso, retratam<br />
as especificida<strong>de</strong>s das realida<strong>de</strong>s locais em termos <strong>de</strong> objetos, formas e<br />
arranjos distintos.<br />
É possível fazer diversos accounts sobre as mesmas escolhas,<br />
resultados e conseqüências em função <strong>de</strong> questionamentos, priorida<strong>de</strong>s<br />
ou <strong>de</strong>mandas sociais, políticas, econômicas, organizacionais, etc.. Por<br />
exemplo, po<strong>de</strong> se fazer diferentes accounts <strong>de</strong> um mesmo evento: o<br />
exercício orçamentário <strong>de</strong> uma organização. Po<strong>de</strong>-se fazer um account<br />
que prioriza <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> capital, outro que prioriza as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> custeio,<br />
outro ainda que se ocupa das <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> pessoal; um account que enfoca<br />
principalmente o fluxo <strong>de</strong> caixa, outro que se <strong>de</strong>bruça sobre a<br />
temporalida<strong>de</strong> do controle <strong>de</strong> gastos. Cada um <strong>de</strong>stes accounts po<strong>de</strong>, ou<br />
não, conter elementos suficientes para respon<strong>de</strong>r a outros<br />
questionamentos. Mas, em princípio, cada account só seria suficiente ou<br />
completo para aten<strong>de</strong>r ao questionamento que lhe <strong>de</strong>u origem, produzindo<br />
respostas: accountability.<br />
2.4 O que é Accountability?<br />
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
Accountability é o produto do account, um resultado<br />
específico que atribui responsabilida<strong>de</strong>s a quem se tornou<br />
accountable pela aceitação dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> um mandato.<br />
27
28<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
Accountability é a resposta concreta a um dado questionamento que<br />
orientou a feitura <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado account. É a resposta que dá<br />
instrumentalida<strong>de</strong> às responsabilida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ntificadas por <strong>de</strong>terminadas<br />
escolhas, resultados e conseqüências no uso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados, à luz<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado fim. Accountability correspon<strong>de</strong> à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> um<br />
curso <strong>de</strong> responsabilização <strong>de</strong> indivíduos, grupos ou instituições que foi<br />
extraído <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado account. Isto significa dizer que<br />
accountability é o produto que permite converter e materializar<br />
responsabilida<strong>de</strong>s em responsabilização.<br />
É possível extrair diversas accountabilities <strong>de</strong> um mesmo account.<br />
Por exemplo, questionam-se as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> capital na execução <strong>de</strong> um<br />
orçamento. Para respon<strong>de</strong>r esse questionamento, para produzir<br />
accountability sobre essas <strong>de</strong>spesas, se faz um <strong>de</strong>terminado account. Mais<br />
tar<strong>de</strong>, questionam-se as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> pessoal na execução <strong>de</strong>ste mesmo<br />
orçamento. Verifica-se que o account que foi feito, originalmente, para<br />
dar conta do questionamento sobre as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> capital, já contém os<br />
elementos <strong>de</strong> informação necessários para produzir uma outra<br />
accountability, que respon<strong>de</strong> satisfatoriamente a esta nova questão. Neste<br />
caso, um mesmo account produziu não só a accountability sobre <strong>de</strong>spesas<br />
<strong>de</strong> capital como a accountability sobre <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> pessoal.<br />
O fato que um mesmo account po<strong>de</strong> vir a produzir várias<br />
accountabilities revela o potencial <strong>de</strong> economias <strong>de</strong> escala e âmbito na<br />
produção <strong>de</strong> accountability. Quando se soma isso à virtu<strong>de</strong> do account<br />
iniciar, consolidar ou rever a institucionalização <strong>de</strong> seus fazeres, percebese<br />
como uma abordagem sistêmica para a produção <strong>de</strong> accountability<br />
po<strong>de</strong> ser útil. Esta abordagem apresenta-se como um <strong>de</strong>sdobramento<br />
lógico e conseqüente do atributo <strong>de</strong> ser accountable, e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fazer accounts diante da exigência <strong>de</strong> se produzir accountabilities sobre o<br />
exercício <strong>de</strong> um mandato.<br />
Po<strong>de</strong>-se institucionalizar a feitura <strong>de</strong> accounts abrangentes, que<br />
possibilitem um conjunto <strong>de</strong> accountabilities afins ou relacionadas, sempre<br />
que houver <strong>de</strong>manda por qualquer uma <strong>de</strong>las. Isso po<strong>de</strong> refletir o<br />
aprendizado <strong>de</strong> uma organização, sua memória cumulativa <strong>de</strong> accounts e<br />
accountabilities; po<strong>de</strong> dar conta <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s explícitas ou <strong>de</strong><br />
questionamentos recorrentes. Por exemplo, diante da <strong>de</strong>manda regular<br />
por accountabilities quanto às <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> capital, pessoal ou custeio <strong>de</strong>
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
um orçamento, é razoável institucionalizar o procedimento pelo qual a<br />
feitura <strong>de</strong> um account do orçamento atenda a qualquer uma <strong>de</strong>las.<br />
Economizam-se recursos, evitando a duplicação <strong>de</strong> esforços que ocorreria<br />
se cada <strong>de</strong>manda tivesse que ser atendida por um account em separado.<br />
Viu-se que um único uso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados po<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong><br />
diversos accounts. Constatou-se, também, que um mesmo account po<strong>de</strong><br />
servir à produção <strong>de</strong> distintas accountabilities. Cabe, ainda, evi<strong>de</strong>nciar<br />
que uma mesma accountability po<strong>de</strong> vir a ter diversos usos.<br />
Figura 1. Fluxos <strong>de</strong> Accounts, Accountabilities e seus Usos.<br />
Em si mesma a accountability respon<strong>de</strong> às duas questões conexas<br />
que aten<strong>de</strong>m ao exercício <strong>de</strong> qualquer mandato: permite a quem recebe<br />
mostrar-se digno da <strong>de</strong>legação recebida e a quem outorga aferir<br />
se esta <strong>de</strong>legação, ou seu exercício, segue aten<strong>de</strong>ndo a seus<br />
propósitos. Por esta razão, a accountability po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> base a diversos<br />
tipos <strong>de</strong> juízo e, por sua vez, a uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicações para quem<br />
recebe ou outorga um mandato. A accountability po<strong>de</strong> ser parte <strong>de</strong><br />
esforços que buscam rumos para o aprimoramento <strong>de</strong> práticas, ou para<br />
o controle do <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> indivíduos e grupos, ou para a aferição <strong>de</strong><br />
custos diante <strong>de</strong> benefícios. Po<strong>de</strong> alimentar a formulação <strong>de</strong> policies,<br />
“políticas, diretrizes institucionalmente situadas” ou planejamentos, a<br />
avaliação da a<strong>de</strong>são a priorida<strong>de</strong>s, procedimentos e rotinas. Por exemplo,<br />
a accountability orçamentária po<strong>de</strong> contextualizar e mesmo justificar<br />
mudanças <strong>de</strong> práticas contábeis, alterações na legislação, criação <strong>de</strong> novas<br />
instâncias <strong>de</strong> controle, supressão ou expansão <strong>de</strong> rubricas, alocação <strong>de</strong><br />
mais recursos e, até mesmo, a re<strong>de</strong>finição dos termos pelos quais se faz<br />
e executa um orçamento.<br />
As inúmeras aplicações que po<strong>de</strong>m usar da accountability explicam,<br />
em larga medida, que se confunda o seu conteúdo com a sua<br />
instrumentalida<strong>de</strong>, ou melhor, com as possibilida<strong>de</strong>s e impactos do seu<br />
uso. Assim se chega a listas como as apresentadas ao início do texto, cujo<br />
29
30<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
equívoco é o <strong>de</strong> tomar um <strong>de</strong>ntre muitos usos possíveis como <strong>de</strong>finidor<br />
do que seja a accountability. Tem-se com isso um lapso lingüístico<br />
corriqueiro, que induz ao erro que oculta, perverte ou restringe o<br />
entendimento integral <strong>de</strong> todos os usos, que é o <strong>de</strong> converter<br />
responsabilida<strong>de</strong>s em responsabilização. Por isso, accountability permite<br />
“prestar contas”, mas “prestar contas” não é e não esgota tudo o que se<br />
po<strong>de</strong> extrair da accountability. A isto se acrescenta um outro problema<br />
<strong>de</strong>rivado da tolerância para com essa imprecisão: o <strong>de</strong> se impor um<br />
entendimento restritivo, que embaraça a compreensão ou mesmo<br />
<strong>de</strong>squalifica arranjos válidos <strong>de</strong> accountability que dão conta <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s<br />
locais. Se “prestar contas” e apenas “prestar contas” é accountability, então<br />
quem i<strong>de</strong>ntifique cursos <strong>de</strong> responsabilização para outros fins, o autoaperfeiçoamento<br />
ou a a<strong>de</strong>rência às normas legais, por exemplo, não estaria<br />
produzindo accountability? Estaria sim, porque o que distingue e estabelece<br />
a accountability é a responsabilização pelo que se faz ou <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fazer,<br />
seus resultados e conseqüências.<br />
Com tudo isso, a accountability po<strong>de</strong> ter muitos usos, mas não<br />
serve a qualquer propósito. Alcança somente o que foi realizado, as<br />
escolhas que foram feitas e as conseqüências <strong>de</strong>stas escolhas no<br />
cumprimento <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado mandato. É por isso que não se po<strong>de</strong><br />
tratar o (processo <strong>de</strong>) account como sinônimo dos diversos usos que<br />
po<strong>de</strong>m ser dados aos seus resultados (accountability). Da mesma forma,<br />
não se po<strong>de</strong> confundir accountability com alguma forma <strong>de</strong> gestão.<br />
Accountability po<strong>de</strong> orientar as tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Po<strong>de</strong> subsidiar a<br />
elaboração <strong>de</strong> novas normas ou sugerir o emprego <strong>de</strong> certos instrumentos<br />
<strong>de</strong> gestão ao invés <strong>de</strong> outros, por exemplo. Mas isto não quer dizer que<br />
se administre por accountability. Ao contrário, se faz account sobre como<br />
se administrou. A accountability reporta-se, exclusivamente, ao repertório<br />
<strong>de</strong> respostas a questões e implicações oriundas das escolhas feitas em<br />
prol dos fins estabelecidos na <strong>de</strong>legação ou incumbência recebida. Toda<br />
accountability tem, portanto, dois limites insuperáveis que circunscrevem<br />
sua realização: o que <strong>de</strong>corre da natureza <strong>de</strong> qualquer account e o que<br />
correspon<strong>de</strong> aos conteúdos pelos quais se é accountable.<br />
2.5 Quais são os Limites do Account e da Accountability?<br />
Um account só é account porque diz respeito ao que já<br />
aconteceu. Refere-se a escolhas feitas no passado. Todo account é
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
inescapavelmente a posteriori. Daí <strong>de</strong>corre a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer<br />
account em tempo real ou em antecipação a uma escolha. Não há como<br />
fazer o account <strong>de</strong> algo que ainda não se fez; <strong>de</strong> algo que ainda não se<br />
terminou <strong>de</strong> fazer; <strong>de</strong> um contra factual; <strong>de</strong> uma conjectura; <strong>de</strong> uma<br />
possibilida<strong>de</strong> não realizada; enfim, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo. Assim, é inexeqüível<br />
fazer o account <strong>de</strong> um tratamento médico que nunca existiu. Da mesma<br />
forma, é impossível fazer o account <strong>de</strong> uma aula <strong>de</strong> literatura que o<br />
professor ainda não encerrou. É também absurdo fazer o account da<br />
suposição <strong>de</strong> que a porta seria arrombada pelo bombeiro mesmo se não<br />
tivesse ocorrido um incêndio. Por fim, é nonsense fazer o account da<br />
inferência <strong>de</strong> que o policial teria sido racista caso a vítima fosse negra. Um<br />
account só é account porque relata algo que já teve início, meio e fim; algo<br />
em que se fizeram escolhas diante <strong>de</strong> uma situação, e já se conhecem<br />
seus resultados e conseqüências.<br />
Só se é e só se po<strong>de</strong> ser accountable pelo que se fez ou <strong>de</strong>ixou<br />
<strong>de</strong> fazer em prol do fim que justifica a <strong>de</strong>legação recebida <strong>de</strong> uma<br />
dada constituency. Isto significa dizer que se é accountable sobre um<br />
<strong>de</strong>terminado conjunto <strong>de</strong> coisas, que correspon<strong>de</strong>m aos termos<br />
específicos que singularizam um <strong>de</strong>terminado mandato, ou seja, o que se<br />
po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>screver como sendo seu âmbito, alcance e contornos.<br />
O âmbito <strong>de</strong> um mandato estabelece o objeto sobre o qual inci<strong>de</strong>m<br />
os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados. Isto po<strong>de</strong> se expressar em requisitos ou restrições<br />
para e da ação; po<strong>de</strong> incluir um evento ou classes <strong>de</strong> eventos; abranger<br />
distintos indivíduos e grupos em diversas circunstâncias; compreen<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>terminados locais, lugares ou territórios. Por exemplo, socorrer como<br />
requisito, o afogamento como evento, os banhistas <strong>de</strong> uma praia durante<br />
o dia como abrangência, e as praias públicas como território po<strong>de</strong>riam<br />
expressar o âmbito do mandato <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada organização <strong>de</strong> salvavidas.<br />
O alcance <strong>de</strong> um mandato distingue quem exerce os po<strong>de</strong>res<br />
<strong>de</strong>legados. Esclarece sobre a exclusivida<strong>de</strong>, concorrência, sobreposição<br />
ou compartilhamento <strong>de</strong> uma mesma <strong>de</strong>legação ou entre <strong>de</strong>legações<br />
distintas que inci<strong>de</strong>m sobre um mesmo objeto. Por um lado, distribui a<br />
execução <strong>de</strong> um único mandato entre diversos agentes <strong>de</strong>legados. Por<br />
outro, baliza as linhas divisórias entre múltiplos mandatos (e seus<br />
procuradores), que possuem ou po<strong>de</strong>m possuir âmbitos coinci<strong>de</strong>ntes.<br />
31
32<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
Por exemplo, o socorro aos banhistas nas praias públicas é, ou po<strong>de</strong> ser,<br />
compartilhado por salva-vidas, paramédicos, policiais ou até pelos próprios<br />
cidadãos; mas é o salva-vidas que tem precedência no salvamento no mar,<br />
como entre os salva-vidas há precedência sobre quem irá agir num<br />
<strong>de</strong>terminado caso.<br />
Os contornos <strong>de</strong> um mandato <strong>de</strong>terminam como se po<strong>de</strong> exercer<br />
os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados. Indicam exigências e predileções <strong>de</strong> quem outorga<br />
o mandato sobre alternativas <strong>de</strong>sejáveis ou toleráveis <strong>de</strong> ação. Estabelecem,<br />
portanto, as fronteiras contextuais do que se está autorizado a fazer.<br />
I<strong>de</strong>ntifica o que estaria aquém ou além da intenção da procuração concedida.<br />
Em outras palavras, os contornos <strong>de</strong> um mandato arrolam <strong>de</strong>terminados<br />
“modos e meios” <strong>de</strong> agir ou fazer; tipos particulares <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ação; os requisitos expressos em <strong>de</strong>terminadas legislações, normas ou<br />
procedimentos, associados a uma dada qualificação profissional ou contidos<br />
nos elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada práxis. Por exemplo, impedir banhistas <strong>de</strong><br />
entrarem num mar bravio está aquém da autorização dada aos salva-vidas<br />
que po<strong>de</strong>m apenas usar <strong>de</strong> procedimentos <strong>de</strong> alerta; da mesma forma,<br />
impedir um banhista resgatado <strong>de</strong> voltar ao mar está além <strong>de</strong>sta<br />
autorização. Num salvamento no mar, a autorização po<strong>de</strong> <strong>de</strong>saconselhar<br />
ou excluir alternativas <strong>de</strong> resgate que vitimem o banhista em função <strong>de</strong><br />
códigos ou normas estabelecidas; po<strong>de</strong> ainda, diante <strong>de</strong> resistências do<br />
banhista, recomendar ou preferir alternativas mais ou menos impositivas<br />
que permitam o resgate.<br />
As liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> quem outorga um mandato e <strong>de</strong> quem<br />
o recebe impõem níveis <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> intrínsecos, essenciais ao exercício<br />
concreto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados. Isto empresta especificida<strong>de</strong> e<br />
singularida<strong>de</strong> ao âmbito, alcance e contornos do exercício <strong>de</strong> um mandato.<br />
É dizer: uma medida <strong>de</strong> arbítrio perpassa qualquer <strong>de</strong>legação recebida<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua <strong>de</strong>finição até as alternativas reais <strong>de</strong> seu cumprimento. Temse,<br />
assim, múltiplas instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> que se combinam e<br />
interagem, respon<strong>de</strong>ndo às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> uma constituency. Resultam a<br />
seu turno <strong>de</strong> visões e interesses em conflito e em barganha daqueles que<br />
conce<strong>de</strong>m e recebem um mandato.<br />
Na prática, isto se traduz em um processo continuado <strong>de</strong> afirmação<br />
ou alteração dos termos <strong>de</strong> um mandato. Reafirma-se ou modifica-se o<br />
âmbito o alcance e os contornos <strong>de</strong> uma procuração, repartindo-a entre
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
distintos <strong>de</strong>legados ou mandatos. Dá-se conta <strong>de</strong> interseções,<br />
justaposições ou lacunas. Modifica-se âmbito, alcance, contornos, afinandoos<br />
tanto às expectativas da constituency quanto pela consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> meios<br />
e capacitações disponíveis ou possíveis aos agentes <strong>de</strong>legados (estadodas-práticas<br />
ou até estado-da-arte). Vê-se aqui o <strong>de</strong>stino supremo do<br />
account, que seria, por si só, razão suficiente para ser accountable. Revelase<br />
o propósito primeiro, ou a materialida<strong>de</strong> fundante, dos diversos usos<br />
da accountability: o aperfeiçoamento do mandato.<br />
2.6 Por que Full Responsibility é Selective Accountability?<br />
Ser accountable, fazer account e produzir ou oferecer<br />
accountability constituem, em seu conjunto e integralida<strong>de</strong>, a<br />
contraparte dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> um mandato. Correspon<strong>de</strong>m<br />
ao atributo <strong>de</strong> ser responsabilizável, ao processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar<br />
responsabilida<strong>de</strong>s, e à responsabilização por escolhas, resultados e<br />
conseqüências no exercício <strong>de</strong> um mandato à luz <strong>de</strong> seu fim.<br />
É-se, a priori, responsabilizável, accountable, por tudo o que se faz,<br />
ou se <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fazer, no exercício <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado mandato. Neste<br />
sentido, a responsabilida<strong>de</strong> pela <strong>de</strong>legação recebida é, em si mesma,<br />
sempre plena. Tem-se sempre full responsibility, é-se sempre integralmente<br />
responsabilizável pelo (que se faz no) uso dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados.<br />
Embora se seja accountable por tudo, não se po<strong>de</strong> fazer account,<br />
ou produzir accountability, <strong>de</strong> tudo. Há limites insuperáveis para a ambição<br />
<strong>de</strong> uma full accountability, <strong>de</strong> uma plena responsabilização, que exaurissem<br />
todas as escolhas realizadas por cada um dos atores envolvidos, dando<br />
conta <strong>de</strong> todos os resultados e conseqüências em cada evento relacionado<br />
ao exercício <strong>de</strong> um mandato 4 .<br />
É impossível esgotar ou reconstituir todos os cursos <strong>de</strong> ação, suas<br />
condições e efeitos. É impossível esgotar ou reconstituir plenamente a<br />
realida<strong>de</strong> em toda a sua riqueza e complexida<strong>de</strong>. É impossível saber tudo,<br />
dar conta <strong>de</strong> tudo. As escolhas, resultados e conseqüências no uso dos<br />
po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados, que se tornam objetos <strong>de</strong> account para produzir<br />
accountability, constituem um recorte da realida<strong>de</strong>. Reportam-se a um<br />
evento ou conjunto <strong>de</strong> eventos concretos, que foram selecionados em<br />
função <strong>de</strong> questionamentos, priorida<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong>mandas. Revelam uma forma<br />
33
34<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
particular <strong>de</strong> olhar, recortar, apreen<strong>de</strong>r, reconstruir uma dada realida<strong>de</strong><br />
que se quer conhecer. Expressam instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> que<br />
vão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um questionamento individual, passando pelas rotinas <strong>de</strong> quem<br />
exerce o mandato, até o atendimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas explícitas da<br />
constituency.<br />
Por conta disto, a concreção do account para produzir accountability,<br />
e da própria accountability, é por natureza, seletiva, pois fica sempre aquém<br />
da pretensão <strong>de</strong> se saber tudo sobre tudo. Está sempre, <strong>de</strong> alguma forma,<br />
limitada pelas circunstâncias, pela realida<strong>de</strong>. Mesmo uma accountability<br />
que se anuncia como plena está fadada a ser seletiva. Se a quimera <strong>de</strong> uma<br />
full accountability é potencial, latente em qualquer mandato, como espelho<br />
do atributo <strong>de</strong> ser-se accountable, é a selective accountability que vige<br />
como realida<strong>de</strong> do exercício <strong>de</strong> qualquer mandato.<br />
Há questões em que a responsabilização <strong>de</strong>sejada almeja aproximarse<br />
o máximo possível <strong>de</strong> uma full accountability. Isto conduz a uma<br />
accountability exaustiva das escolhas realizadas num certo evento, seus<br />
resultados e conseqüências. Por exemplo, é comum que se ambicione<br />
fazer um account exaustivo do dispêndio <strong>de</strong> fundos públicos. Neste caso,<br />
os mais diversos cursos <strong>de</strong> responsabilização, expressáveis em<br />
accountability, tornam-se relevantes para se produzir uma resposta que<br />
vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os porquês e como(s) <strong>de</strong> um gasto individual até o limite daqueles<br />
gastos que são explicáveis num orçamento. Note-se que esta busca por<br />
uma resposta exaustiva, baseada num account exaustivo, para uma<br />
accountability plena, segue sendo seletiva, no caso, limitada ao que se<br />
po<strong>de</strong> saber, ao que se po<strong>de</strong> reconstruir, ao que se po<strong>de</strong> explicar.<br />
Há situações em que a responsabilização <strong>de</strong>sejada é satisfeita pela<br />
produção <strong>de</strong> uma accountability que está <strong>de</strong>liberadamente muito aquém<br />
do que seria o limite do possível. Neste caso, a accountability atinge apenas<br />
algumas, mas não todas as escolhas, resultados ou conseqüências contidas<br />
em <strong>de</strong>terminados eventos ou classes <strong>de</strong> eventos. Qual seja o critério <strong>de</strong><br />
seleção, orienta-se pela <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> responsabilização: po<strong>de</strong> privilegiar<br />
<strong>de</strong>terminadas escolhas (operar ou não, na medicina); ou <strong>de</strong>terminados<br />
resultados (insucesso <strong>de</strong> transplante); ou <strong>de</strong>terminadas conseqüências<br />
(morte do paciente). Qualquer um <strong>de</strong>stes critérios po<strong>de</strong> estar posto, a<br />
priori, quando da aceitação do mandato; po<strong>de</strong> ser posto em vigor num<br />
<strong>de</strong>terminado momento, por um <strong>de</strong>terminado prazo; ou po<strong>de</strong> nascer <strong>de</strong>
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
uma <strong>de</strong>manda por accountability a partir <strong>de</strong> um caso individual. Todas<br />
estas possibilida<strong>de</strong>s refletem instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong>, seletivida<strong>de</strong><br />
na produção <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> responsabilização <strong>de</strong>sejados. Por exemplo, é<br />
comum que a accountability no ensino seja explicitamente seletiva, confinada<br />
ao acompanhamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados resultados: o plano <strong>de</strong> aulas, o<br />
número <strong>de</strong> horas-aula dadas e à apresentação <strong>de</strong> fichas <strong>de</strong> presença e<br />
notas <strong>de</strong> alunos. Mas a administração escolar po<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandar account das<br />
escolhas <strong>de</strong> quem ensina diante <strong>de</strong> uma dúvida ou uma <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> certos<br />
resultados ou conseqüências. Quem ensina é accountable por tudo, mas<br />
só se produz accountability para além <strong>de</strong>stes itens usuais sob <strong>de</strong>manda.<br />
Essa <strong>de</strong>manda po<strong>de</strong> estar condicionada a uma rotina, uma amostra entre<br />
diversos casos ou a prazos regulares; po<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r à ocorrência <strong>de</strong><br />
algum fator diferenciador que chamou a atenção; mas po<strong>de</strong>m também<br />
correspon<strong>de</strong>r exclusivamente a <strong>de</strong>mandas ad hoc, expedientes, volitivas,<br />
nascidas do exercício <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem conce<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> quem<br />
recebe o mandato.<br />
A realida<strong>de</strong> dos mandatos é a perspectiva <strong>de</strong> full responsibility<br />
por meio <strong>de</strong> selective accountability 5 . A responsabilida<strong>de</strong> plena se realiza<br />
na i<strong>de</strong>ntificação (account) e pela atribuição (accountability) seletiva <strong>de</strong><br />
responsabilização. Esta seletivida<strong>de</strong>, nascida <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões discricionárias<br />
motivadas por questionamentos, priorida<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong>mandas, enca<strong>de</strong>ia uma<br />
sucessão <strong>de</strong> traduções do que é potencial no que se po<strong>de</strong> obter do real,<br />
cujo rumo é o da qualificação progressiva da responsabilida<strong>de</strong> concreta<br />
<strong>de</strong> quem exerceu po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados. Por meio <strong>de</strong> accounts, converte-se<br />
a priori o responsabilizável em cursos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ntificadas.<br />
Por meio do account, vai-se do potencial daquilo pelo que se é<br />
responsabilizável (accountable) para a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s<br />
no <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado evento. Através da accountability, vaise<br />
<strong>de</strong>stas responsabilida<strong>de</strong>s para a responsabilização <strong>de</strong> indivíduos, grupos<br />
ou instituições por <strong>de</strong>terminadas escolhas, seus resultados e conseqüências<br />
neste evento. Tem-se, portanto, um enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong>s,<br />
<strong>de</strong> seletivida<strong>de</strong>, que articula sobre o que se é accountable, qual<br />
accountability se <strong>de</strong>seja, e qual account po<strong>de</strong> produzi-la.<br />
Há ainda um outro aspecto fundamental a ser consi<strong>de</strong>rado para que<br />
se possa compreen<strong>de</strong>r como se tem full responsibility por meio <strong>de</strong> selective<br />
accountability. Trata-se da questão das externalida<strong>de</strong>s. No mundo real há<br />
mais que intenções e escolhas. Há acaso, há impon<strong>de</strong>ráveis, há<br />
35
36<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
acontecimentos que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da vonta<strong>de</strong> humana, e que alteram ou<br />
po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sviar o rumo das ações, seus resultados e conseqüências. Por<br />
esta razão, não se é accountable por tudo o que acontece, ou por todos<br />
os resultados e conseqüências <strong>de</strong> uma forma particular <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir ou agir.<br />
Não é cabível ser accountable por externalida<strong>de</strong>s, pelo que quer<br />
que aconteça no exercício <strong>de</strong> um mandato que não seja <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong><br />
escolhas. Contudo, é-se accountable pelo que se fez ou <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> fazer<br />
diante <strong>de</strong> externalida<strong>de</strong>s. É-se, ainda, accountable pelo que se fez ou <strong>de</strong>ixou<br />
<strong>de</strong> fazer diante da possibilida<strong>de</strong> da ocorrência <strong>de</strong> externalida<strong>de</strong>s<br />
“previsíveis”. Note-se que não há nenhuma contradição entre natureza a<br />
posteriori do account e a sua realização sobre <strong>de</strong>cisões ou ações diante <strong>de</strong><br />
uma possibilida<strong>de</strong>. O que está em jogo é o account sobre o que se fez no<br />
passado, diante da oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado evento futuro. Tratase,<br />
então, <strong>de</strong> ser accountable pelo que foi ou não foi antecipado.<br />
Um critério comum a países <strong>de</strong> tradição do Direito Comum é o<br />
<strong>de</strong> limitar o alcance do “ser accountable pela antecipação” aos “eventos<br />
previsíveis por uma pessoa razoável”. Algum critério <strong>de</strong>ste tipo é<br />
necessário para refrear uma obrigação <strong>de</strong> ser presciente sobre tudo, o<br />
que é nonsense. Serve para estabelecer sobre o que se po<strong>de</strong> ser<br />
accountable no preparo diante <strong>de</strong> antecipações “razoáveis”. Como em<br />
qualquer account, o account sobre a antecipação remete a explicação<br />
sobre como se lidou (o que se fez ou <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> fazer) diante da<br />
possibilida<strong>de</strong> da ocorrência <strong>de</strong> um evento, consi<strong>de</strong>rando as expectativas<br />
da constituency e o que era possível fazer com os meios e capacitações<br />
disponíveis. Por exemplo, não se po<strong>de</strong> ser accountable, responsabilizável,<br />
pela chuva forte ou por um equipamento que falha quando <strong>de</strong>le se<br />
necessita; mas se é accountable pela preparação para lidar com a chuva<br />
forte e pela manutenção do equipamento, porque é “razoável” antecipar<br />
que em algum momento irá chover forte, e que equipamentos falham<br />
quando não são mantidos.<br />
2.7 Uma Síntese.<br />
Viu-se que um mandato correspon<strong>de</strong> à busca <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />
fim pela <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, i<strong>de</strong>ntificando quem o outorga e quem o<br />
recebe. A finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um mandato <strong>de</strong>termina os objetivos a serem<br />
atingidos, <strong>de</strong>limitando efeitos e resultados <strong>de</strong>sejados. A <strong>de</strong>legação <strong>de</strong>
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
po<strong>de</strong>res correspon<strong>de</strong> à concessão <strong>de</strong> autorizações que circunscrevem<br />
<strong>de</strong>cisões, meios e ações compatíveis com a busca <strong>de</strong>stes objetivos. Quem<br />
outorga um mandato respon<strong>de</strong> pelo conteúdo, contexto e controle dos<br />
po<strong>de</strong>res que <strong>de</strong>lega. Quem recebe um mandato respon<strong>de</strong> pelo conteúdo,<br />
contexto e controle do exercício dos po<strong>de</strong>res recebidos.<br />
Viu-se que quando se recebe um mandato é-se accountable por<br />
ele, responsabilizável por todas as escolhas, resultados e conseqüências<br />
do exercício dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados diante <strong>de</strong> quem os outorgou. Viu-se<br />
que a materialida<strong>de</strong> do ser accountable correspon<strong>de</strong> à accountability, à<br />
responsabilização, construída a partir da i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s,<br />
isto é, pela feitura <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado account. Viu-se que a accountability<br />
serve primeiramente ao aperfeiçoamento do mandato concedido,<br />
permitindo (re)afirmar ou rever seus objetivos e po<strong>de</strong>res. Viu-se, também,<br />
que ser accountable, fazer accounts e produzir accountability<br />
correspon<strong>de</strong>m, em sua totalida<strong>de</strong>, à contrapartida necessária do<br />
recebimento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Viu-se, ainda, que a realida<strong>de</strong> da full responsibility<br />
correspon<strong>de</strong> a uma selective accountability, ou melhor, a uma accountability<br />
do que é relevante no e para o exercício do mandato. Viu-se, por fim, que<br />
é apenas diante da caracterização <strong>de</strong> um mandato concreto, isto é, da sua<br />
qualificação em termos <strong>de</strong> âmbito, alcance e contornos, que se po<strong>de</strong>m<br />
materializar cursos <strong>de</strong> responsabilização, accountability, institucionalizando<br />
seus usos no mundo real.<br />
3. ACCOUNTABILITY POLICIAL<br />
Em um sentido geral, a accountability policial correspon<strong>de</strong> a uma<br />
aplicação da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> accountability aos casos particulares dos<br />
mandatos policiais. Refere-se, tão somente, ao repertório específico <strong>de</strong><br />
respostas a questões e implicações oriundas das ações, seus resultados e<br />
conseqüências feitos em prol das finalida<strong>de</strong>s estabelecidas por estes<br />
mandatos. Constitui, em sentido estrito, o produto do processo <strong>de</strong> account<br />
sobre o que se fez ou se <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> fazer por aqueles que receberam da<br />
polity a autorização para o exercício <strong>de</strong> um mandato específico, o mandato<br />
policial. A accountability policial reflete as instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong><br />
ou dinâmicas <strong>de</strong> seletivida<strong>de</strong> sobre o que certa comunida<strong>de</strong> política quer<br />
saber sobre o exercício <strong>de</strong> certo mandato policial, em termos <strong>de</strong> seu<br />
âmbito, alcances e contornos.<br />
37
38<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
3.1 O Mandato Policial<br />
Há dois elementos distintivos no mandato policial. O primeiro <strong>de</strong>les<br />
é que a constituency que outorga o mandato policial é a polity. É dizer: o<br />
mandato policial é concedido por uma comunida<strong>de</strong> política, constituída<br />
pela socieda<strong>de</strong> e seu governo, que exerce uma dada governança num<br />
<strong>de</strong>terminado território. Isto significa dizer que o mandato policial é, por<br />
natureza, uma procuração pública, e, por razões históricas, uma tarefa<br />
estatal. Pública, uma vez que se reporta a uma concessão da coletivida<strong>de</strong>.<br />
Estatal, já que sua administração cabe ao governo.<br />
O segundo é que o mandato policial inci<strong>de</strong> sobre a própria polity<br />
que o outorga. É dizer: o mandato policial correspon<strong>de</strong> ao exercício <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados sobre a própria comunida<strong>de</strong> política que os <strong>de</strong>legou.<br />
Em outras palavras, o mandato policial é a autorização dada por uma polity<br />
para ser, ela mesma, objeto da ação <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> seus integrantes.<br />
A natureza política, pública, doméstica e comunal do mandato policial<br />
permite caracterizar a sua finalida<strong>de</strong> por excelência: sustentar a or<strong>de</strong>m<br />
social, pactuada na e pela polity, <strong>de</strong> tal forma a impedir que o exercício<br />
dos po<strong>de</strong>res que a polity conce<strong>de</strong> <strong>de</strong>la se emancipe, voltando-se contra<br />
ela sob a forma da tirania do governo, opressão por seus procuradores<br />
ou aparelhamento para propósitos particulares.<br />
A especificida<strong>de</strong> do mandato policial é a produção autorizada <strong>de</strong><br />
enforcement em prol da paz social ou da sustentação das regras do jogo<br />
social estabelecidas pela polity, sem cometer violações ou violências. Tratase,<br />
portanto, <strong>de</strong> produzir alternativas <strong>de</strong> obediência que garantam um<br />
<strong>de</strong>terminado status quo <strong>de</strong>sejado numa polity, com o seu consentimento<br />
e sob o império <strong>de</strong> suas leis. De forma sucinta, é isso que <strong>de</strong>fine o mandato<br />
policial: o exercício do po<strong>de</strong>r coercitivo autorizado pelo respaldo<br />
da força <strong>de</strong> forma legítima e legal.<br />
As diversas autorizações concedidas por uma polity para o exercício<br />
do mandato policial têm como fonte o po<strong>de</strong>r coercitivo. Estas autorizações<br />
ou po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados po<strong>de</strong>m variar em conteúdo, qualida<strong>de</strong> e extensão<br />
em cada polity. Contudo, são <strong>de</strong>rivações contextuais e funcionais que<br />
gravitam em torno da instrumentalida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r coercitivo. O conteúdo<br />
instrumental que materializa o po<strong>de</strong>r coercitivo é o uso da força para a
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
polity, na polity, da forma que a polity estabelece. Isto impõe uma<br />
inescapável digressão que busca esclarecer este elemento central: o uso<br />
da força.<br />
Não há como compreen<strong>de</strong>r o uso <strong>de</strong> força como um fenômeno<br />
autônomo, que existe em si mesmo, algo exterior às relações sociais e, por<br />
isso, capaz <strong>de</strong> interrompê-las ou substituí-las. O uso <strong>de</strong> força é um<br />
instrumento a serviço das formas <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, com tudo que<br />
este tem <strong>de</strong> paixões, vonta<strong>de</strong>s e interesses. A alternativa do uso <strong>de</strong> força<br />
expressa um modo particular <strong>de</strong> interação social, tão previsível como<br />
qualquer outro 6 . Neste sentido, o uso <strong>de</strong> força reflete as expectativas sociais<br />
presentes numa comunida<strong>de</strong> política quanto à sua possibilida<strong>de</strong>, manifestação<br />
e conseqüência. Isto circunscreve a experimentação antecipada do uso <strong>de</strong><br />
força como um fato possível ou sua vivência como um ato manifesto. Revela,<br />
ainda, a integralida<strong>de</strong> das expressões empíricas do uso (potencial e concreto)<br />
<strong>de</strong> força. Permite compreen<strong>de</strong>r seus efeitos, sobretudo on<strong>de</strong> a sua<br />
manifestação em ato não teve lugar, isto é, on<strong>de</strong> a apreciação <strong>de</strong> sua<br />
potencialida<strong>de</strong> foi suficiente para dobrar vonta<strong>de</strong>s. Este efeito não é menos<br />
uso <strong>de</strong> força porque prescindiu da realização em ato. Ao contrário, revelase<br />
plenamente uso <strong>de</strong> força ao instrumentalizar coerção.<br />
Com o exposto, esclarece-se o universo <strong>de</strong> resultados plausíveis<br />
da instrumentalida<strong>de</strong> do mandato policial em termos do uso autorizado<br />
da coerção com respaldo da força. O potencial <strong>de</strong> força compreen<strong>de</strong> os<br />
efeitos dissuasórios e, em alguma medida, preventivos diante da perspectiva<br />
ou mesmo apenas da possibilida<strong>de</strong> do exercício do mandato policial. O<br />
concreto <strong>de</strong> força compreen<strong>de</strong> os efeitos repressivos e, em alguma<br />
medida, dissuasórios do exercício do mandato policial.<br />
A forma que uma dada polity estabelece para o exercício autorizado<br />
do uso da força configura o rol <strong>de</strong> alternativas táticas admissíveis na execução<br />
do mandato policial. É, precisamente, a autorização <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong><br />
política ou o consentimento social, traduzido em a<strong>de</strong>rência coletiva,<br />
pactuação política e dispositivos legais, que dão o conteúdo do uso da<br />
força no exercício do mandato policial. Isso é tão mais evi<strong>de</strong>nte e distintivo<br />
quanto mais próximo se está da ação manifesta, on<strong>de</strong> a oportunida<strong>de</strong> do<br />
concreto <strong>de</strong> força se põe. Uma polity po<strong>de</strong> exigir, modificar, mo<strong>de</strong>rar ou<br />
proibir alternativas <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> força, dando conta das representações,<br />
expectativas e contextos sociais específicos em relação ao mandato policial.<br />
39
40<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
Vê-se, assim, como o uso <strong>de</strong> força que uma polity admite, ou po<strong>de</strong> admitir,<br />
no exercício do mandato policial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do que ela espera <strong>de</strong>, e consente<br />
a, seus procuradores.<br />
As organizações estatais <strong>de</strong> força capazes <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r aos requisitos<br />
das polities para o exercício do mandato policial diferenciaram-se das<br />
forças armadas nos últimos dois séculos 7 . O resultado <strong>de</strong>ste processo<br />
levou à criação <strong>de</strong> diversas organizações conhecidas hoje como polícias.<br />
A rigor, só é polícia quem recebe da polity o mandato policial como<br />
apresentado acima, quem está autorizado a, e respon<strong>de</strong> por, todos os<br />
elementos <strong>de</strong>ste mandato.<br />
A polícia é um instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r para fins restritos e<br />
transparentes, autorizada a intervir para produzir obediência na polity<br />
pelo uso <strong>de</strong> força sempre que necessário, nas ocasiões e formas<br />
estabelecidas pela polity 8 . Por esta razão, a polícia se interpõe, e se espera<br />
que ela se interponha, entre vonta<strong>de</strong>s em oposição ou interesses em<br />
conflito, enfim, em qualquer situação que ameace a continuida<strong>de</strong> dos termos<br />
presentes que expressam as pactuações sociais. É porque a polícia existe<br />
para preservar, sustentar, garantir que se po<strong>de</strong> caracterizá-la como<br />
<strong>de</strong>fensiva, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da escolha <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> ação antecipatórias,<br />
preemptivas ou restauradoras.<br />
Uma realida<strong>de</strong> fundamental emerge <strong>de</strong>ste entendimento da polícia<br />
como sendo quem recebe o mandato policial <strong>de</strong> uma polity: a qualida<strong>de</strong><br />
da <strong>de</strong>finição e do exercício <strong>de</strong>ste mandato, isto é, o modo como ele é<br />
estabelecido e executado. Trata-se <strong>de</strong> apreciar o quanto as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
uma polícia se aproximam ou se afastam da integralida<strong>de</strong> do mandato<br />
policial <strong>de</strong> uma polity, e como este mandato é estabelecido e expresso.<br />
Em outras palavras, o quanto o exercício do mandato manifesta a a<strong>de</strong>são<br />
e a<strong>de</strong>rência <strong>de</strong> uma polícia diante das formas estabelecidas pela polity<br />
para a ocasião e uso dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados. São estas consi<strong>de</strong>rações<br />
estruturais que mais imediatamente evi<strong>de</strong>nciam o ciclo <strong>de</strong> responsabilização<br />
que conecta quem <strong>de</strong>lega a quem recebe o mandato policial na busca <strong>de</strong><br />
sua finalida<strong>de</strong>, orientando os termos em que cada um <strong>de</strong>les respon<strong>de</strong><br />
pelo controle, conteúdo e contexto da concessão ou do exercício do<br />
po<strong>de</strong>r coercitivo. Revela-se assim como a responsabilização, como a<br />
accountability, percorre todo o mandato policial.
3.2 Discricionarieda<strong>de</strong>s<br />
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
Há diversas instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> que se manifestam no<br />
mandato policial. A primeira <strong>de</strong>las, e a mais importante, é a<br />
discricionarieda<strong>de</strong> expressa nas <strong>de</strong>cisões da polity 9 que remetem a<br />
múltiplos atores, contextos, e temporalida<strong>de</strong>s que conformam o mandato<br />
policial e seus termos concretos. Socieda<strong>de</strong> e governo que configuram a<br />
governança <strong>de</strong> uma polity diferenciam-se internamente. A socieda<strong>de</strong> é<br />
constituída dos mais diversos grupos sociais que partilham e divergem<br />
sobre crenças, valores, normas. O governo, por sua vez, contém e<br />
expressa disputas entre grupos <strong>de</strong> interesse. Um e outro po<strong>de</strong>m ou não<br />
convergir quanto ao que seja, ou <strong>de</strong>va ser, ou o que se espera que seja o<br />
mandato policial. O que esteja estabelecido como sendo o mandato policial<br />
está aberto a esta dinâmica <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> legitimações, composições<br />
e rupturas que caracterizam a governabilida<strong>de</strong>. Revela-se, aqui, a<br />
multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instâncias discricionais na confluência <strong>de</strong> autorizações,<br />
questionamentos e direções harmoniosos ou não, emanados da polity<br />
sobre a <strong>de</strong>finição e o exercício do mandato policial.<br />
A segunda <strong>de</strong>las correspon<strong>de</strong> às <strong>de</strong>cisões e escolhas que<br />
selecionam qual accountability a polity, em sua diversida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>seja,<br />
prioriza, <strong>de</strong>scarta e como a utiliza. Em termos concretos, esta instância<br />
<strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong> as tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão do governo,<br />
da socieda<strong>de</strong> e da própria polícia sobre o porquê <strong>de</strong>, sobre o que,<br />
quando, como e para que produzir accountability; e mais ainda, sobre<br />
como utilizar-se <strong>de</strong> qualquer accountability produzida ou a produzir.<br />
Isso tem lugar tanto em termos do que esteja estabelecido antes da<br />
ação policial quanto ainda na forma pela qual se percebe e aprecia,<br />
neste sentido, tudo o que se possa questionar por accountability, <strong>de</strong>pois<br />
da ação policial. É nesta dinâmica que a selective accountability se faz,<br />
e serve a full responsibility.<br />
São estas discricionarieda<strong>de</strong>s que contextualizam e conformam a<br />
discricionarieda<strong>de</strong> no e do exercício do mandato policial. O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cidir sobre a ação policial mais a<strong>de</strong>quada a um certo tipo <strong>de</strong> evento, ou<br />
mesmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir agir ou não agir numa <strong>de</strong>terminada situação diante <strong>de</strong><br />
um evento ou <strong>de</strong> sua antecipação, revela que a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />
discricionária é a práxis essencial da polícia, do exercício do mandato policial.<br />
41
42<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
Por sua própria natureza e contexto, a ação policial só po<strong>de</strong> ser<br />
produzida através <strong>de</strong> uma abordagem autônoma. A produção da solução<br />
policial, conformada pelas discricionarieda<strong>de</strong>s da polity, premida pelas<br />
circunstâncias do momento e exposta às contingências da vida social, possui<br />
uma temporalida<strong>de</strong> particular. A ação policial respon<strong>de</strong> a <strong>de</strong>mandas<br />
inadiáveis, a atos ou fatos que estão em curso e que têm que ser<br />
enfrentados, encaminhados, no “agora”. Por isso, a ação policial se dá<br />
num tempo presente que é estendido pela duração, pelas necessida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> resolução, da ação. Ela tem lugar numa sucessão <strong>de</strong> eventos, conexos<br />
ou <strong>de</strong>sconexos, contínuos ou <strong>de</strong>scontínuos, envolvendo dinâmicas multiinterativas<br />
entre diversos atores. As intensida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e conseqüência<br />
<strong>de</strong>stas dinâmicas impõem a tempestivida<strong>de</strong> do agir policial e explicam o<br />
caráter limitado, provisório, <strong>de</strong> suas soluções. Isso torna impossível pré<strong>de</strong>terminar<br />
a ação policial em cada situação, exigindo o uso discricionário<br />
dos po<strong>de</strong>res do mandato. Afinal, os elementos singulares presentes em<br />
uma situação particular po<strong>de</strong>m constituir o relevo mais importante na<br />
solução policial. E é impossível conhecê-los até que se revelem <strong>de</strong> maneira<br />
concreta, imediata, presente numa situação.<br />
A discricionarieda<strong>de</strong> da polícia revela-se, então, bem mais ampla.<br />
Vai além das alternativas coercitivas, modos <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> força, e atravessa<br />
integralmente a ação policial. Reporta-se não apenas às oportunida<strong>de</strong> e<br />
proprieda<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> força, mas alcança toda e qualquer ativida<strong>de</strong> policial.<br />
Com o benefício <strong>de</strong>stas consi<strong>de</strong>rações, percebe-se como o exercício do<br />
mandato policial é uma materialida<strong>de</strong> da governança, correspon<strong>de</strong>ndo à<br />
tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão política na esquina (streetcorner politics) 10 . Sem<br />
embargo, o po<strong>de</strong>r discricionário ganha em complexida<strong>de</strong> e latitu<strong>de</strong> quanto<br />
mais o agente policial esteja envolvido com as tarefas <strong>de</strong> policiamento, as<br />
quais estão, por sua visibilida<strong>de</strong>, mais expostas à apreciação e ao controle<br />
sociais, isto é, mais expostas à <strong>de</strong>mandas por accountability.<br />
Po<strong>de</strong>-se dizer que a discricionarieda<strong>de</strong> policial ecoa as<br />
discricionarieda<strong>de</strong>s saídas da polity, e isso <strong>de</strong> tal maneira que o conteúdo<br />
do que seja a ação policial não é redutível a um roteiro pré-<strong>de</strong>terminado,<br />
nem mesmo à rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> princípios normativos. Ao contrário, o conteúdo<br />
da ação policial é <strong>de</strong>terminado diante do contexto <strong>de</strong> cada situação<br />
particular, consi<strong>de</strong>rando as direções emanadas da polity quanto à<br />
oportunida<strong>de</strong> e à proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado curso <strong>de</strong> ação. A<br />
<strong>de</strong>cisão sobre uma e outra pertence inescapavelmente ao policial
individual, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r discricionário para po<strong>de</strong>r realizar<br />
o seu trabalho.<br />
Por conta disso, a ação policial está sujeita à apreciação política,<br />
social, legal ou administrativa apenas a posteriori, através <strong>de</strong> accountability.<br />
É diante <strong>de</strong>ste entendimento que se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r como a iniciativa<br />
da ação policial resulta <strong>de</strong> uma avaliação ad hoc pelo agente policial. Esta<br />
avaliação está também sujeita a diretrizes amplas quanto a sua oportunida<strong>de</strong><br />
e iniciativa, quanto a sua priorida<strong>de</strong> e conteúdo, emanadas da organização<br />
policial ou apreendidas num <strong>de</strong>terminado contexto. Vê-se aqui como a<br />
legalida<strong>de</strong> da ação policial não resulta <strong>de</strong> uma abordagem mecânica e autoreferida<br />
da lei, e como a sua legitimida<strong>de</strong> não se constitui pela reprodução<br />
cega das exigências da polity, mesmo que expressas em requerimentos<br />
ou manuais 11 . Resultam <strong>de</strong> interpretações, <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> ajustes e<br />
a<strong>de</strong>quações aos termos concretos do mandato policial, conduzido em<br />
ato pelo agente policial durante sua ação.<br />
3.3 Os Termos do Mandato Policial<br />
As instâncias e dinâmicas <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> permitem<br />
compreen<strong>de</strong>r como o mandato policial, potencialmente amplo e tão<br />
pervasivo, reduz-se a termos concretos mais limitados e restritos. É por<br />
isso que só é útil avançar rumo à instrumentalida<strong>de</strong> da accountability à luz<br />
da qualificação do âmbito, alcance e contornos do mandato policial. Estes<br />
últimos traduzem os distintos limites e cautelas que tornam real um<br />
<strong>de</strong>terminado mandato policial, numa <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> política.<br />
3.3.1. Âmbito<br />
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
O âmbito reporta-se ao objeto sobre o qual inci<strong>de</strong>m os po<strong>de</strong>res<br />
<strong>de</strong>legados do mandato policial. O âmbito do mandato policial é a própria<br />
polity, <strong>de</strong>cantada pelos mais diversos recortes empíricos. Um recorte<br />
freqüente é o que <strong>de</strong>sdobra o âmbito do mandato policial em termos<br />
geográficos. Assim o âmbito po<strong>de</strong> abranger todo o território <strong>de</strong> uma<br />
comunida<strong>de</strong> política, ou reparti-lo. Estes recortes po<strong>de</strong>m aproveitar<br />
divisões geográficas pré-existentes, como bairros, zonas, cida<strong>de</strong>s, áreas<br />
metropolitanas, províncias, estados ou gran<strong>de</strong>s regiões <strong>de</strong> um país. Po<strong>de</strong><br />
ainda restringir-se a lugares específicos mais, ou menos, restritos, contínuos<br />
43
44<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
ou <strong>de</strong>scontínuos, como as vias ou parques públicos; um porto ou um<br />
shopping center; os quartéis militares, os presídios, as agências postais ou<br />
bancárias; a vizinhança das escolas, ou o fluxo e as margens <strong>de</strong> um rio.<br />
Um outro recorte comum é o que <strong>de</strong>sdobra o âmbito do mandato<br />
policial em termos <strong>de</strong> eventos. O âmbito do mandato policial po<strong>de</strong> abarcar<br />
conjuntos <strong>de</strong> eventos sob rubricas amplas como “Segurança Pública”,<br />
“Or<strong>de</strong>m Pública”, “Law Enforcement”, “Securité Interieur”. Po<strong>de</strong> restringirse<br />
a certos eventos ou classes <strong>de</strong> eventos, refletindo autorizações<br />
específicas para atuar diante <strong>de</strong> um ou outro tipo <strong>de</strong> crime, um ou outro<br />
tipo <strong>de</strong> violência, um ou outro tipo <strong>de</strong> situação ou perturbação. Assim,<br />
po<strong>de</strong>-se ter âmbitos que circunscrevem um <strong>de</strong>terminado mandato policial<br />
ao homicídio ou ao tráfico <strong>de</strong> drogas; ao terrorismo ou às violências<br />
doméstica, <strong>de</strong> gênero ou intra-familiar; às partidas <strong>de</strong> futebol ou passeatas<br />
políticas; à escolta <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s ou à ocasião <strong>de</strong> eleições; ao cybercrime<br />
ou à falsificação <strong>de</strong> documentos.<br />
Outro recorte é o que <strong>de</strong>sdobra o âmbito do mandato policial pela<br />
atenção especial a <strong>de</strong>terminados grupos <strong>de</strong> pessoas. O âmbito do mandato<br />
policial po<strong>de</strong> estar <strong>de</strong>limitado a segmentos da população, como os<br />
contribuintes ou uma comunida<strong>de</strong> indígena; os parlamentares, os militares<br />
ou os policiais.<br />
Os diversos âmbitos dos mandatos policiais estabelecidos por, e<br />
numa, polity se sobrepõem, combinam, interpenetram, produzindo uma<br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> arranjos policiais que co-existem <strong>de</strong> forma mais ou menos<br />
atritiva ou cooperativa. Assim, numa mesma polity, a investigação <strong>de</strong><br />
homicídios po<strong>de</strong> pertencer, simultaneamente, ao âmbito <strong>de</strong> distintos<br />
mandatos policiais com recortes territoriais local e provincial. Qualificam,<br />
ainda, as diferenças <strong>de</strong> âmbito dos vários mandatos policiais numa mesma<br />
polity ou entre distintas polities. Assim, numa dada polity, a circulação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminadas mercadorias, como armas, álcool e tabaco, correspon<strong>de</strong><br />
ao âmbito <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado mandato policial específico, e noutras o<br />
fluxo <strong>de</strong>stas mercadorias não são objeto <strong>de</strong> um âmbito distintivo.<br />
3.3.2. Alcance<br />
O alcance distingue competência e precedência <strong>de</strong> quem exerce os<br />
po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados numa dada polity. O alcance do mandato policial
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
esclarece sobre a exclusivida<strong>de</strong>, concorrência, sobreposição ou<br />
compartilhamento <strong>de</strong> um mesmo mandato ou <strong>de</strong> mandatos distintos que<br />
têm âmbitos sobrepostos ou coinci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma polícia<br />
ou entre distintas polícias.<br />
O alcance permite distribuir a execução do mandato policial entre<br />
os diversos policiais <strong>de</strong> uma mesma polícia. Para lidar com homicídios, há<br />
polícias em que a investigação pertence exclusivamente a um <strong>de</strong>partamento<br />
especializado em homicídios; há outras em que a investigação do homicídio<br />
<strong>de</strong> certos tipos <strong>de</strong> vítima pertence a um <strong>de</strong>partamento voltado para<br />
pessoas mais expostas a riscos; há ainda polícias em que esta investigação<br />
fica a cargo da equipe <strong>de</strong> policiais que chegou primeiro na cena do crime.<br />
Há polícias em que a investigação <strong>de</strong> um homicídio por um<br />
<strong>de</strong>partamento especializado obe<strong>de</strong>ce à precedência do mais sênior, que<br />
escolhe seus casos; há outras em que o primeiro policial a lidar com o<br />
caso conduz a investigação até o seu final; há outras em que se realiza uma<br />
avaliação sobre qual seria o melhor policial para lidar com um caso<br />
específico; há outras ainda em que vários policiais entram e saem <strong>de</strong> um<br />
mesmo caso que permanece sendo coor<strong>de</strong>nado por quem tenha<br />
começado a investigação.<br />
Para lidar com situações <strong>de</strong> alto risco, há polícias que reúnem os<br />
policiais convencionais em unida<strong>de</strong>s táticas provisórias, que se dissolvem<br />
após sua ação; há outras que dispõem <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> operações especiais<br />
permanentes; há outras ainda que mantêm capacida<strong>de</strong>s táticas, médicas,<br />
<strong>de</strong> negociação e apoio psicológico em unida<strong>de</strong>s especializadas para o<br />
atendimento geral <strong>de</strong> emergências.<br />
O alcance do mandato policial possibilita, também, balizar as linhas<br />
divisórias entre diferentes polícias, que possuem, ou po<strong>de</strong>m possuir<br />
âmbitos coinci<strong>de</strong>ntes. Orienta, por sua vez, arranjos entre organizações<br />
policiais que permitem <strong>de</strong>terminar qual polícia <strong>de</strong>ve agir quando há conflitos<br />
<strong>de</strong> competência entre elas.<br />
A administração do trânsito urbano sobrepõe as competências <strong>de</strong><br />
uma <strong>Polícia</strong> Municipal com as <strong>de</strong> uma <strong>Polícia</strong> Estadual. Diante <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte<br />
trânsito com morte, po<strong>de</strong> haver conflito sobre quem é competente para<br />
cuidar <strong>de</strong>ssa situação. Se está previamente estabelecido que o âmbito da<br />
45
46<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
<strong>Polícia</strong> Municipal não cobre aci<strong>de</strong>ntes fatais, então não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
discussão <strong>de</strong> alcance. Cada <strong>Polícia</strong> cuida <strong>de</strong> sua parte: a Municipal faz isso<br />
e aquilo, a Estadual aquilo outro. Mas se tanto uma quanto a outra po<strong>de</strong>m<br />
lidar com o problema, tem-se alguma acomodação, e esta é uma questão<br />
<strong>de</strong> alcances. Há arranjos entre as polícias em que a primeira a se fazer<br />
presente no local é quem assume; há arranjos em que as polícias se<br />
alternam, ora uma, ora outra na condução do problema; há arranjos em<br />
que se convenciona que a precedência entre as polícias <strong>de</strong>corre <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminados fatores presentes nas circunstâncias do aci<strong>de</strong>nte que o fazem<br />
atribuição <strong>de</strong> uma ou da outra.<br />
A circulação <strong>de</strong> mercadorias através <strong>de</strong> fronteiras sobrepõe as<br />
competências <strong>de</strong> uma <strong>Polícia</strong> Municipal com as <strong>de</strong> uma <strong>Polícia</strong> Estadual e,<br />
ainda, com as <strong>de</strong> uma <strong>Polícia</strong> Fe<strong>de</strong>ral. Diante da apreensão <strong>de</strong> uma<br />
mercadoria contraban<strong>de</strong>ada na feira pela polícia municipal, po<strong>de</strong> haver<br />
divergências sobre qual polícia dar continuida<strong>de</strong> ao caso. A discussão <strong>de</strong><br />
alcance po<strong>de</strong> permitir uma acomodação que oriente as competências<br />
policiais em conflito, em função da origem doméstica ou estrangeira da<br />
mercadoria, do tipo ou valor da mercadoria apreendida, ou ainda da<br />
suspeita ou não do envolvimento <strong>de</strong> organizações criminosas.<br />
A administração penitenciária po<strong>de</strong> levar à sobreposição <strong>de</strong><br />
competências <strong>de</strong> uma polícia penitenciária e uma polícia estadual diante<br />
<strong>de</strong> uma rebelião <strong>de</strong> presos com reféns. A discussão <strong>de</strong> alcance po<strong>de</strong><br />
permitir uma acomodação das competências em conflito em função da<br />
extensão, duração, gravida<strong>de</strong> ou repercussão da rebelião, <strong>de</strong>slocando a<br />
precedência <strong>de</strong> uma polícia para a outra.<br />
3.3.3. Contornos<br />
Os contornos <strong>de</strong>terminam como se po<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong>ve exercer os<br />
po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados numa dada polity. Os contornos <strong>de</strong> cada mandato<br />
policial indicam exigências e predileções da polity, estabelecendo<br />
alternativas <strong>de</strong>sejáveis ou toleráveis para a ação policial. Estabelecem,<br />
portanto, os limites contextuais do que uma polícia está autorizada diante<br />
da <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> seus alcance e âmbito <strong>de</strong> atuação. São precisamente os<br />
contornos do mandato policial que buscam aten<strong>de</strong>r às exigências e
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
predileções da polity, i<strong>de</strong>ntificando o que estaria aquém ou além da intenção<br />
da procuração concedida. Por esta razão, os contornos do mandato policial<br />
qualificam o conteúdo, os “modos e meios” do agir e fazer policial <strong>de</strong><br />
cada polícia e <strong>de</strong> suas subdivisões.<br />
Expressam o universo <strong>de</strong> valores culturais e expectativas sociais <strong>de</strong><br />
uma polity sobre o mandato policial, estabelecendo diversas instâncias <strong>de</strong><br />
instrumentalida<strong>de</strong> que buscam aproximar o exercício do mandato <strong>de</strong>stes<br />
valores e expectativas. Os contornos do mandato policial retratam <strong>de</strong><br />
maneira sensível as interações entre a socieda<strong>de</strong> e seu governo, buscando<br />
dar conta da pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> convicções, interesses e opiniões. Refletem,<br />
portanto, um processo continuado <strong>de</strong> aproximações, um ir e vir, que se<br />
apresenta na forma <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s políticas, expedientes legais e<br />
normativos, diretrizes organizacionais ou administrativas, doutrinas ou<br />
métodos <strong>de</strong> ação, <strong>de</strong>mandas locais, comunais ou minoritárias, clamores,<br />
vivências e proposições nascidos das experiências e experimentos diante<br />
das circunstâncias da vida real.<br />
É na apreciação dos contornos que se revela a centralida<strong>de</strong>, a<br />
onipresença e a constante interferência das instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong><br />
na e como práxis do mandato policial. As escolhas e tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />
que traduzem as representações e percepções da socieda<strong>de</strong>, seu governo<br />
e sua polícia são o que configura o conteúdo vigente dos contornos <strong>de</strong><br />
uma <strong>de</strong>terminada organização policial num <strong>de</strong>terminado contexto, num<br />
<strong>de</strong>terminado momento do tempo. São nos contornos que se expressam<br />
as mudanças mais freqüentes e substantivas no exercício do mandato<br />
policial. Os contornos constituem a expressão mais dinâmica, mais<br />
vigorosa, do processo <strong>de</strong> transformação histórica das polícias, uma vez<br />
que buscam fazer dialogar o geral com o particular, o formal com o informal,<br />
o estrutural com o conjuntural, o que tem a ambição <strong>de</strong> ser permanente<br />
com o contingente.<br />
Este caráter processual e dinâmico dos contornos é uma<br />
característica distintiva do mandato policial. Em cada momento, o que<br />
sejam os contornos correspon<strong>de</strong> a uma síntese que busca traduzir as<br />
múltiplas instâncias discricionais expressas na concessão do mandato<br />
policial pela polity, na execução dos termos <strong>de</strong>ste mandato por uma polícia,<br />
e na produção e usos da accountability policial para o aperfeiçoamento do<br />
mandato e <strong>de</strong> seus termos. O que se espera que a polícia seja ou <strong>de</strong>va ser,<br />
47
48<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
faça ou <strong>de</strong>va fazer à luz da finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu mandato compreen<strong>de</strong><br />
expectativas e conteúdos <strong>de</strong> contornos, os quais inva<strong>de</strong>m e (re)configuram<br />
os <strong>de</strong>mais termos do mandato, âmbito e alcances, orientando, embasando<br />
ou contestando alternativas <strong>de</strong> ação policial.<br />
A apreciação dos contornos dos mandatos policiais permite<br />
comparar os arranjos policiais <strong>de</strong> uma polity ou <strong>de</strong> polities distintas. O<br />
uso <strong>de</strong> algemas revela como po<strong>de</strong> haver diferenças substanciais no<br />
propósito e na priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> um único instrumento em função <strong>de</strong><br />
diferentes contornos. Há polícias que estão orientadas a usar algemas<br />
diante <strong>de</strong> qualquer resistência, mesmo a verbal, com o propósito <strong>de</strong><br />
preservar a incolumida<strong>de</strong> física dos envolvidos e evitar qualquer uso<br />
adicional <strong>de</strong> força pelo policial; há polícias em que as algemas são usadas<br />
principalmente para isolar os envolvidos numa dinâmica conflituosa; há<br />
polícias em que as algemas só são usadas para consubstanciar o ato da<br />
prisão e para conduzir presos. Há, ainda, polícias cujas polities toleram<br />
que as algemas sejam utilizadas para expor presos à humilhação pública<br />
<strong>de</strong> serem vistos algemados.<br />
Os contornos atualizam os âmbitos e alcances dos diversos<br />
mandatos policiais concretos <strong>de</strong> uma dada polity. Isso faz com que se<br />
possa apreciar os possíveis conflitos entre polícias com âmbitos<br />
coinci<strong>de</strong>ntes ou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma polícia com alcances sobrepostos.<br />
Po<strong>de</strong> ser pertinente para uma polity manter polícias autorizadas a agir no<br />
mesmo território para impedir monopólios policiais que vulnerabilizem a<br />
governabilida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> ser pertinente para uma polícia que a apuração <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>svios <strong>de</strong> conduta <strong>de</strong> seus integrantes possa ser feita <strong>de</strong> forma redundante<br />
por mais <strong>de</strong> um <strong>de</strong>partamento para impedir corporativismos. Po<strong>de</strong> ser<br />
pertinente para uma polícia fazer concorrer alcances <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong><br />
evidências entre os <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> ciência forense, investigação e<br />
patrulha, <strong>de</strong> maneira a po<strong>de</strong>r alocar os mais especializados para os casos<br />
mais difíceis ou sensíveis ou mesmo para aprimorar a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pronta resposta.<br />
Os contornos admitem diferenciação nos “modos e meios” <strong>de</strong><br />
agir ou fazer policiais, que aproximam o que se <strong>de</strong>seja <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>terminada polícia numa dada polity, beneficiando-se <strong>de</strong> diferentes<br />
instâncias <strong>de</strong> instrumentalida<strong>de</strong>.<br />
A preservação, sustentação e garantia dos direitos humanos adquire
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
materialida<strong>de</strong>s distintivas no exercício <strong>de</strong> diferentes mandatos policiais.<br />
Há polícias em que os procedimentos <strong>de</strong> abordagem policial correspon<strong>de</strong>m<br />
ao esforço <strong>de</strong>liberado <strong>de</strong> evitar questionamentos quanto a possíveis<br />
conteúdos discriminatórios ou exclu<strong>de</strong>ntes em suas práticas. Para tanto,<br />
aprimoram suas técnicas <strong>de</strong> maneira a serem capazes <strong>de</strong> afirmar, em sua<br />
ação, o respeito às diferenças <strong>de</strong> raça, credo, gênero, ida<strong>de</strong>, orientação<br />
sexual, condição sócio-econômica, nacionalida<strong>de</strong> ou naturalida<strong>de</strong>.<br />
O acesso a bebidas alcoólicas é objeto <strong>de</strong> diferentes enquadramentos<br />
sociais e legais. On<strong>de</strong> vige a lei seca, a polícia <strong>de</strong>ve impedir qualquer<br />
consumo <strong>de</strong> tais bebidas em qualquer lugar por qualquer pessoa; on<strong>de</strong> a<br />
lei seca é um dispositivo limitado no tempo, no espaço, ou ao requisito <strong>de</strong><br />
uma <strong>de</strong>terminada ida<strong>de</strong> legal, são estes os contornos da ação policial.<br />
A discussão sobre a letalida<strong>de</strong> dos armamentos policiais tem levado<br />
a diversos experimentos sobre os contornos a<strong>de</strong>quados para o uso <strong>de</strong><br />
armas “não letais”. O caso do Tazer é ilustrativo da maneira pela qual os<br />
contornos po<strong>de</strong>m variar diante <strong>de</strong> experiências e experimentos. O Tazer<br />
aten<strong>de</strong> à <strong>de</strong>manda por uma arma que produzisse incapacitação não letal, e<br />
se pensava em adotá-lo como o principal o armamento policial. Mas<br />
constatou-se que o Tazer, apesar <strong>de</strong> não ser letal para a maioria das pessoas,<br />
podia ser letal, e mais letal que a arma <strong>de</strong> fogo, quando utilizado contra<br />
pessoas <strong>de</strong> pequena massa corporal, cardíacas ou com propensão fatal a<br />
choques elétricos. Isso possibilitou uma reavaliação quanto à pertinência<br />
e efetivida<strong>de</strong> do Tazer como arma policial <strong>de</strong> uso geral.<br />
Há gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> nos contornos do contrato <strong>de</strong> trabalho que<br />
vincula ou investe o profissional <strong>de</strong> polícia. Há polities que proíbem que o<br />
agente policial possa ter outro emprego; ou que possa ter outra ativida<strong>de</strong><br />
profissional na vigilância ou segurança privadas. Há polities em que esta<br />
proibição não existe, ou em que, ao contrário, a própria organização policial<br />
está autorizada a administrar, e se espera que ela administre, a contratação<br />
<strong>de</strong> policiais para vigilância e segurança privadas, usando, ou não, seus<br />
uniformes e insígnias.<br />
Finalmente, existe uma ampla varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas sobre o que<br />
sejam os requisitos, o tempo, o conteúdo e as formas <strong>de</strong> aferição <strong>de</strong><br />
aprendizado que fazem <strong>de</strong> um cidadão um policial. Há polícias em que o<br />
processo formativo é exclusivamente on-the-job; há outras em que<br />
correspon<strong>de</strong> a um treinamento <strong>de</strong> maior ou menor duração; há outras<br />
49
50<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
em que é um curso <strong>de</strong> formação ou especialização pós-secundário; e há<br />
outros em que para ser policial é preciso ter passado por uma formação<br />
universitária, geral ou até específica.<br />
A contrapartida à <strong>de</strong>legação aos policiais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res superiores<br />
aos <strong>de</strong> uma pessoa comum, em especial o recurso à coerção pelo uso <strong>de</strong><br />
força, é a apreciação cotidiana dos atores sociais que compõem a polity e<br />
sua governança diante <strong>de</strong> cada fazer policial. Estes atores reiteram, ou<br />
não, sua confiança na polícia. Como resultado <strong>de</strong>sta apreciação, conferese,<br />
ou não, legitimida<strong>de</strong>, empresta-se, ou não, credibilida<strong>de</strong> às polícias,<br />
afirmando ou modificando os contornos vigentes <strong>de</strong> um mandato policial.<br />
Neste sentido, “cada socieda<strong>de</strong> tem a polícia que merece” ou a polícia<br />
que faz por merecer, como se diz em círculos policiais. Apesar <strong>de</strong> ser<br />
tomada como um lugar comum, esta frase correspon<strong>de</strong> a um<br />
entendimento profundo do que é, do que <strong>de</strong>va ser, a polícia. A “melhor”<br />
polícia é a que vivifica cotidianamente os contornos <strong>de</strong> seu mandato, para<br />
correspon<strong>de</strong>r, para aproximar, o que é que a polity <strong>de</strong>seja que seja feito<br />
em cada situação, em cada ação. Não po<strong>de</strong> ser diferente. O objeto da<br />
polícia é a própria polity, que exercita a sua discricionarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
outorgante do mandato para <strong>de</strong>mandar as formas, modos e meios que<br />
<strong>de</strong>seja na ação <strong>de</strong> sua polícia.<br />
3.4 Uma Dimensão Instrumental <strong>de</strong> Accountability Policial<br />
A accountability policial expressa as instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada polity, sobre o que se <strong>de</strong>seja saber do exercício <strong>de</strong><br />
um mandato policial, por uma <strong>de</strong>terminada polícia, apreciando as escolhas,<br />
resultados e conseqüências <strong>de</strong> sua ação num <strong>de</strong>terminado momento. Assim,<br />
não é possível imaginar que um mo<strong>de</strong>lo universal <strong>de</strong> accountability policial<br />
possa aten<strong>de</strong>r todas as polities e todos os mandatos <strong>de</strong> forma uniforme,<br />
homogênea e satisfatória. É um erro que se pense a accountability policial<br />
como uma aplicação mecânica e cega <strong>de</strong> uma fórmula que teria dado certo<br />
em algum lugar, em algum momento. A accountability policial não existe<br />
em si mesma, emancipada do contexto que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sobre sua produção e<br />
seus usos. Uma certa accountability policial está associada a uma certa<br />
polícia, ao exercício <strong>de</strong> um certo mandato policial, numa certa polity que<br />
<strong>de</strong>fine os termos do seu âmbito, alcance e contornos.<br />
O que se po<strong>de</strong> ter em comum na accountability policial <strong>de</strong> diversas
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
polícias, ou <strong>de</strong> diversas polities, é o seu processo, o modo mesmo <strong>de</strong> sua<br />
produção. Toda accountability é seletiva, e resulta da busca pela resposta<br />
a um questionamento a partir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado account, circunscrita<br />
pelos termos concretos do mandato policial. Po<strong>de</strong>-se apren<strong>de</strong>r com a<br />
experiência, o sucesso ou o fracasso <strong>de</strong> outros que tiveram que produzir<br />
accountability policial. Há o que extrair da forma pela qual se <strong>de</strong>ram conta<br />
<strong>de</strong> problemas, ou requisitos, ou limitações, semelhantes às que se <strong>de</strong>seja<br />
tratar. Em termos mais amplos, nada é mais útil para educar o espírito e a<br />
mente <strong>de</strong> quem consi<strong>de</strong>re as questões policiais, no caso a accountability<br />
policial, do que o estudo dos diversos casos e trajetos com o benefício da<br />
reflexão e da teoria. Um <strong>de</strong>stes aprendizados é o valor <strong>de</strong> rotinas e<br />
mecanismos que emprestam institucionalida<strong>de</strong>, sistematicida<strong>de</strong>, à feitura<br />
<strong>de</strong> account e à produção <strong>de</strong> accountability. Isso respon<strong>de</strong> à natureza dos<br />
questionamentos e respostas articulados pela accountability policial, mas<br />
não respon<strong>de</strong> diretamente a seus conteúdos particulares, que seguem<br />
sendo singulares <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> específica.<br />
Muito da accountability policial trata daquilo que as organizações<br />
policiais têm em comum com outras agências públicas, como os Correios,<br />
ou com outras organizações <strong>de</strong> serviços, como as escolas, ou com rotina<br />
diuturna <strong>de</strong> trabalho, como hospitais, ou mesmo simplesmente com<br />
organizações que empregam um efetivo <strong>de</strong> tamanho comparável: <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a pequena loja comparada a um <strong>de</strong>partamento policial municipal <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> pessoas até as gran<strong>de</strong>s empresas comparadas a <strong>de</strong>partamentos<br />
ou forças policias metropolitanas <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas.<br />
Demanda-se, basicamente, accountability sobre a administração: o uso<br />
dos recursos do orçamento, as políticas <strong>de</strong> recursos humanos, a<br />
regularida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> do atendimento a “clientes”, os processos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> normas, controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, aquisição <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> capital e<br />
custeio, gerências dos processos <strong>de</strong> todo tipo. Há elementos<br />
especificamente policiais em cada um <strong>de</strong>stes elementos, porque cada um<br />
<strong>de</strong>les se reveste <strong>de</strong> conteúdos distintivos em função dos termos concretos<br />
do mandato <strong>de</strong> uma polícia.<br />
A isso se soma, ainda, as <strong>de</strong>mandas que produzem accountability<br />
pelas ações policiais no exercício do seu mandato no sentido estrito. O<br />
questionamento quanto ao uso autorizado da coerção com o respaldo da<br />
força, freqüentemente expresso nas suspeitas <strong>de</strong> violências, violações ou<br />
corrupção nas ativida<strong>de</strong>s policiais, inaugura a produção <strong>de</strong> accountabilities<br />
51
52<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
que servem como insumos, exemplos ou pontos <strong>de</strong> partida para a criação<br />
<strong>de</strong> diversas rotinas <strong>de</strong>ntro e fora das organizações policiais. Po<strong>de</strong> instituir<br />
a elaboração e publicação <strong>de</strong> relatórios sobre atendimentos policiais, sobre<br />
o uso <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo por policiais, sobre <strong>de</strong>svios <strong>de</strong> conduta, sua<br />
apuração e o <strong>de</strong>sempenho da corregedoria. Po<strong>de</strong> instituir organizações<br />
ou recursos que passam, por exemplo, a produzir anuários estatísticos<br />
sobre as incidências criminais; dossiês quantitativos ou qualitativos sobre<br />
a vitimização <strong>de</strong> cidadãos e policiais por policiais; indicadores do<br />
<strong>de</strong>sempenho policial. Ou mesmo levar a organismos fora da polícia, como<br />
ouvidorias (ombudsman), esforços como o Crime Stoppers e suas diversas<br />
adaptações, agências civis <strong>de</strong> certificação policial, observatórios em<br />
organizações não-governamentais ou ainda linhas <strong>de</strong> pesquisa nas<br />
universida<strong>de</strong>s. Tudo isso acrescenta <strong>de</strong>mandas à polícia.<br />
Como qualquer outra organização, a polícia se ressente <strong>de</strong> qualquer<br />
<strong>de</strong>manda direta ou indireta que não seja a reprodução <strong>de</strong> seus hábitos ou<br />
ativida<strong>de</strong>s regulares. Ten<strong>de</strong> a perceber cada uma <strong>de</strong>las como <strong>de</strong>svios <strong>de</strong><br />
função que irão subtrair pessoal, recursos e tempo (e, em termos estritos,<br />
até corretamente) <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. Ten<strong>de</strong>, ainda, a vê-las como<br />
<strong>de</strong>sperdício ou dispersão sem outro mérito senão o <strong>de</strong> acomodar pressões<br />
externas. Claro que é sempre mais forte, retoricamente, afirmar que essa<br />
subtração comprometerá as ativida<strong>de</strong>s-fim mais valoradas ou sensíveis<br />
do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> quem fez a <strong>de</strong>manda: a “prevenção e redução da<br />
criminalida<strong>de</strong> violenta”, por exemplo.<br />
Contudo, essa é uma percepção míope. É a partir dos acervos e<br />
experiências <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s que se po<strong>de</strong> avançar na construção <strong>de</strong><br />
accountabilities mais e mais capazes <strong>de</strong> orientar o aprimoramento do<br />
exercício do mandato policial. Neste sentido, o argumento <strong>de</strong> que a<br />
produção <strong>de</strong> accountability e sua institucionalização <strong>de</strong>sperdiçam recursos<br />
policiais é falsa. Po<strong>de</strong>m ser mesmo investimentos, que orientam as formas<br />
capazes <strong>de</strong> multiplicar, aperfeiçoar, ampliar, os efeitos da ação policial.<br />
Dentre os diversos recortes possíveis, a ação policial <strong>de</strong>staca-se.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um recorte essencial para a produção <strong>de</strong> accountability por<br />
remeter à ativida<strong>de</strong>-fim das organizações policiais. Consi<strong>de</strong>rar a ação<br />
policial como uma categoria <strong>de</strong> análise significa buscar as alternativas<br />
possíveis <strong>de</strong> suas escolhas, resultados e conseqüências a partir <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>terminado ponto <strong>de</strong> vista. A instrumentalida<strong>de</strong> da accountability policial,
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
ela mesma correspon<strong>de</strong> à perspectiva que retorna a esta relação para<br />
apreciar causas a partir <strong>de</strong> efeitos, isto é, a partir <strong>de</strong> resultados e<br />
conseqüências, i<strong>de</strong>ntificar as escolhas que os explicariam, rumo à<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> responsabilização.<br />
Isso permite um exemplo instrumental <strong>de</strong> accountability policial<br />
<strong>de</strong>scrito em quatro passagens. A primeira estabelece como, sob que<br />
critérios, “era oportuno agir”, dando conta da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> agir, ou não;<br />
sob que critérios “agiu-se apropriadamente”, dando conta da forma como<br />
se agiu. A segunda passagem exercita estes critérios em termos da<br />
combinação lógica <strong>de</strong> ações “oportunas” e “inoportunas” com ações<br />
“apropriadas” e “inapropriadas”. A terceira passagem i<strong>de</strong>ntifica árvores<br />
<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> associadas à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar causas para<br />
efeitos, problematizando o uso <strong>de</strong> algum account para produzir<br />
accountabilities. A quarta passagem consi<strong>de</strong>ra o que não se po<strong>de</strong> extrair<br />
do exercício dos critérios <strong>de</strong> “oportunida<strong>de</strong>” e “proprieda<strong>de</strong>” da ação<br />
policial.<br />
Ainda que qualquer ação policial seja, a um só tempo, “oportuna”<br />
ou não; “apropriada” ou não; é útil distinguir estas duas dimensões para<br />
propósitos analíticos. Por oportunida<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong> a escolha policial<br />
<strong>de</strong> agir, ou não, diante <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada situação. Não agir, não<br />
intervir na situação, é uma alternativa possível e, assim quando se consi<strong>de</strong>ra<br />
a oportunida<strong>de</strong> da ação, isto inclui a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não fazer nada. Por<br />
proprieda<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong> a escolha policial da forma <strong>de</strong> agir entre<br />
diversas alternativas possíveis. Neste sentido, uma ação só é<br />
“apropriada”, ou não, diante da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> agir, mas mesmo a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />
não fazer nada admite a consi<strong>de</strong>ração da forma apropriada <strong>de</strong> não se fazer<br />
nada. Com isso, tem-se claro que “oportunida<strong>de</strong>” e “proprieda<strong>de</strong>” <strong>de</strong><br />
uma ação policial são dimensões distintas que se complementam.<br />
Nenhuma ação policial é “oportuna” ou “apropriada” em si mesma,<br />
mas apenas diante dos termos concretos <strong>de</strong> seu mandato. Sem dúvida<br />
que os mandatos policiais das mais diversas polities po<strong>de</strong>m compartilhar<br />
diversos elementos <strong>de</strong> âmbito, alcance e contornos similares. Assim, é<br />
possível, mesmo esperado, que haja ações policiais que seriam vistas como<br />
“oportunas” ou “inoportunas”, ou “apropriadas” ou “inapropriadas”, por<br />
um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas ou policiais das mais diferentes polities.<br />
Ainda assim, em termos rigorosos, o que seja uma ação policial oportuna,<br />
53
54<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
ou uma ação policial apropriada <strong>de</strong> uma dada polícia para fins <strong>de</strong><br />
accountability não necessitam ficar reféns da esperança <strong>de</strong>stas semelhanças.<br />
Estas consi<strong>de</strong>rações emergem e são estabelecidas num <strong>de</strong>terminado<br />
contexto, numa <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> política, por uma polícia<br />
específica à luz dos termos concretos <strong>de</strong> seu mandato vigente. Os termos<br />
concretos do mandato policial, neste sentido preciso e específico,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da maneira pela qual âmbito, alcances e contornos são<br />
configurados. Como os termos <strong>de</strong> um mandato policial são previamente<br />
estabelecidos por qualquer polity para qualquer uma <strong>de</strong> suas polícias, po<strong>de</strong>se<br />
falar <strong>de</strong> “oportunida<strong>de</strong>” e “proprieda<strong>de</strong>” da ação policial como categorias<br />
gerais e aplicáveis a qualquer polícia específica.<br />
Para os propósitos <strong>de</strong>ste exercício, os termos do mandato policial<br />
se encontram expressos, subentendidos, nas categorias “oportunida<strong>de</strong>”<br />
e “proprieda<strong>de</strong>”. Essas categorias embutem a autorização do mandato<br />
policial pela polity. O consentimento social para produzir alternativas <strong>de</strong><br />
obediência com respaldo da força sob o império da lei po<strong>de</strong> ser<br />
referenciado em três or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração que se interpenetram, se<br />
confirmam, se modificam, se contradizem: as exigências <strong>de</strong> natureza<br />
política, do governo, expressas em termos <strong>de</strong> diretrizes e priorida<strong>de</strong>s; as<br />
exigências <strong>de</strong> natureza social, da coletivida<strong>de</strong>, expressas em termos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mandas das comunida<strong>de</strong>s policiadas ou <strong>de</strong> grupos sociais; e as exigências<br />
<strong>de</strong> natureza legal, expressas na legislação e normas que refletem uma dada<br />
pactuação social num <strong>de</strong>terminado momento do tempo. As duas primeiras<br />
exigências reportam-se à caracterização da legitimida<strong>de</strong> da ação policial e<br />
os processos <strong>de</strong> legitimação; a terceira remete <strong>de</strong> maneira mais aparente<br />
à caracterização da legalida<strong>de</strong> da ação policial. Assim, po<strong>de</strong>-se tomar a<br />
“oportunida<strong>de</strong>” <strong>de</strong> uma ação policial e a “proprieda<strong>de</strong>” <strong>de</strong> uma ação policial<br />
como juízos que se orientam a partir das exigências <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> e<br />
legalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma dada polity.<br />
Ao se consi<strong>de</strong>rar as alternativas lógicas que combinam as categorias<br />
“oportunida<strong>de</strong>” e “proprieda<strong>de</strong>”, realiza-se um experimento mental, em<br />
que se imagina consi<strong>de</strong>rar uma <strong>de</strong>terminada ação policial (agir ou não agir,<br />
como agiu) ocorrida no passado, e que correspon<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>scritivo <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>stas alternativas lógicas <strong>de</strong> combinação. Isso significa que o que se realiza<br />
aqui é um exercício qualitativo, que busca apresentar apenas as quatro<br />
possibilida<strong>de</strong>s presentes na figura a seguir como símbolos <strong>de</strong> quatro<br />
caracterizações possíveis <strong>de</strong> uma ação policial a ser objeto <strong>de</strong> accountability.
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
Figura 2. Oportunida<strong>de</strong> e Proprieda<strong>de</strong> da Ação Policial.<br />
1. Ação policial oportuna e apropriada. Correspon<strong>de</strong> a uma<br />
ação em que i) a escolha do policial (<strong>de</strong> intervir, ou não) é compatível com<br />
os termos do seu mandato e ii) a forma <strong>de</strong> ação do policial é compatível<br />
com os contornos do seu mandato. Esta caracterização dá conta <strong>de</strong> todas<br />
as situações em que o policial agiu quando <strong>de</strong>via agir e da forma como <strong>de</strong>via<br />
agir. Neste caso, tem-se iniciativa e tática policiais a<strong>de</strong>quadas.<br />
2. Ação policial inoportuna e inapropriada. Correspon<strong>de</strong> a uma<br />
ação em que i) a escolha do policial (<strong>de</strong> intervir, ou não) é incompatível<br />
com os termos do seu mandato e ii) a forma <strong>de</strong> ação do policial é<br />
incompatível com os contornos do seu mandato. Esta caracterização dá<br />
conta <strong>de</strong> todas as situações em que o policial agiu quando não <strong>de</strong>via agir e<br />
<strong>de</strong> uma forma inaceitável. Neste caso, tem-se iniciativa e tática policiais<br />
ina<strong>de</strong>quadas.<br />
3. Ação policial oportuna e inapropriada. Correspon<strong>de</strong> a uma<br />
ação em que i) a escolha do policial (<strong>de</strong> intervir, ou não) é compatível com<br />
os termos do seu mandato mas ii) a forma <strong>de</strong> ação do policial é incompatível<br />
com os contornos do seu mandato. Esta caracterização dá conta <strong>de</strong> todas<br />
as situações em que o policial agiu quando <strong>de</strong>via agir, mas <strong>de</strong> uma forma<br />
inaceitável. Neste caso, tem-se uma iniciativa policial a<strong>de</strong>quada e uma tática<br />
policial ina<strong>de</strong>quada.<br />
4. Ação policial inoportuna e apropriada. Correspon<strong>de</strong> a uma<br />
ação em que i) a escolha do policial (<strong>de</strong> intervir, ou não) é incompatível<br />
com os termos do seu mandato mas; ii) a forma <strong>de</strong> ação do policial é<br />
compatível com os contornos do seu mandato. Esta caracterização dá<br />
55
56<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
conta <strong>de</strong> todas as situações em que o policial agiu quando não <strong>de</strong>via agir,<br />
mas da forma como <strong>de</strong>via agir. Neste caso, tem-se uma iniciativa policial<br />
ina<strong>de</strong>quada e uma tática policial a<strong>de</strong>quada.<br />
O enquadramento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada ação policial numa <strong>de</strong>stas<br />
caracterizações é o primeiro passo do processo <strong>de</strong> accountability. É o<br />
que permite fazer dialogar os termos do mandato concreto com<br />
<strong>de</strong>terminadas escolhas que foram feitas numa <strong>de</strong>terminada ação policial,<br />
numa <strong>de</strong>terminada situação real. Isso compreen<strong>de</strong> uma análise que se<br />
inaugura pelo contraste entre a <strong>de</strong>cisão tomada nesta ação policial e outras<br />
<strong>de</strong>cisões tomadas em outras ações <strong>de</strong> acordo com o que esta polícia<br />
orienta a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. No caso <strong>de</strong>ste exercício, em termos <strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong>. Assim, em termos <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> da<br />
iniciativa policial, da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> agir ou não, aprecia-se a situação e se<br />
afere se a <strong>de</strong>cisão tomada foi, ou não, compatível com o que é o estado<br />
das práticas ou com as diretrizes da organização policial. Em termos <strong>de</strong><br />
proprieda<strong>de</strong> da ação policial, da forma como se agiu, aprecia-se se esta<br />
forma <strong>de</strong> agir foi ou não compatível com o estado das práticas, os<br />
procedimentos, com as diretrizes da organização policial.<br />
Isso significa que po<strong>de</strong> existir latitu<strong>de</strong> tanto numa quanto noutra<br />
<strong>de</strong>cisão. Para uma polícia, po<strong>de</strong> haver situações diante das quais tanto a<br />
iniciativa <strong>de</strong> agir quanto a <strong>de</strong> não agir são igualmente oportunas. Para uma<br />
polícia, po<strong>de</strong> haver uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong> condução, <strong>de</strong> táticas<br />
policiais. Estas po<strong>de</strong>m ter diversos enquadramentos, sendo mais ou menos<br />
hierarquizadas como formas <strong>de</strong> agir aceitáveis, recomendáveis,<br />
obrigatórias. Em termos <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> agir, o que é apropriado expressa<br />
um <strong>de</strong>terminado estado da arte da tática policial, conformada pelos<br />
contornos do mandato policial concreto <strong>de</strong> uma polícia, numa <strong>de</strong>terminada<br />
polity, num <strong>de</strong>terminado momento do tempo.<br />
Cada uma <strong>de</strong>stas caracterizações supõe que uma ação policial já teve<br />
lugar, já produziu resultados e se conhece suas conseqüências, e que esta<br />
ação foi objeto <strong>de</strong> questionamento, fazendo-se necessário produzir<br />
accountability sobre ela, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong>.<br />
Isso significa, ainda, que previamente a seu enquadramento nestas<br />
categorizações, existe um <strong>de</strong>terminado juízo, mais ou menos impressionista,<br />
mais ou menos tácito, mais ou menos fundamentado, sobre se essa ação<br />
“<strong>de</strong>u certo” ou “<strong>de</strong>u errado”, se ela foi mais um “sucesso” ou um “fracasso”.
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
Este juízo <strong>de</strong> sucesso ou fracasso <strong>de</strong>corre da leitura que os<br />
integrantes da polity fazem da ação, à luz <strong>de</strong> suas representações,<br />
expectativas, sobre o mandato <strong>de</strong> uma polícia, alimentando percepções e<br />
opiniões construídas a partir das informações a que cada um teve acesso.<br />
Por essa razão, ter agido com oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong> não<br />
necessariamente conduz ao juízo <strong>de</strong> que a ação policial foi um sucesso;<br />
ter agido inoportunamente e inapropriadamente não necessariamente<br />
conduz ao juízo <strong>de</strong> que a ação policial foi um fracasso.<br />
Diante da caracterização <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada ação policial em<br />
termos <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong>, dá-se seguimento ao processo<br />
<strong>de</strong> accountability pelo <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong> árvores <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s, isto<br />
é, das causas possíveis dos efeitos encontrados. Trata-se <strong>de</strong> escolher ramos<br />
<strong>de</strong> causas através <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>rações regressivas, que recuam do momento<br />
em que a ação produziu seus resultados e conseqüências, para explicar e<br />
responsabilizar porque ela foi (in)oportuna e (in)apropriada. Neste<br />
processo, não há limites lógicos o quão para trás se po<strong>de</strong> chegar. O limite<br />
<strong>de</strong>ssa regressão é a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> causas <strong>de</strong>monstráveis, partindo<br />
daqueles efeitos tomados como relevantes pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada<br />
accountability.<br />
Esse percurso admite aberturas e fechamentos <strong>de</strong> linhas <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> em virtu<strong>de</strong> dos resultados da própria accountability, que<br />
afere a relevância <strong>de</strong> uma certa linha <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> para explicar os<br />
efeitos evi<strong>de</strong>nciados numa ação policial. Exercita-se discricionarieda<strong>de</strong>s,<br />
pratica-se seletivida<strong>de</strong> na escolha das árvores <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, sobre<br />
as quais se busca i<strong>de</strong>ntificar cursos consistentes <strong>de</strong> responsabilização.<br />
Novamente, não há limites lógicos a este processo <strong>de</strong> abertura ou<br />
fechamento, nem qualquer critério próprio, imanente, pelo qual se possa<br />
dar rumo a accountability. Ela é inteiramente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da combinação<br />
das instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> que articulam questionamentos, a busca<br />
<strong>de</strong> respostas, a relevância das respostas e a satisfação ou não com tais<br />
respostas.<br />
Ainda que se possam acrescentar outras instâncias e espaços no<br />
processo <strong>de</strong> accountability, o ponto <strong>de</strong> partida necessário para a sua<br />
realização é a consi<strong>de</strong>ração da materialida<strong>de</strong> da polícia. Ordinariamente,<br />
isto remete à apreciação dos recursos policiais que estavam disponíveis<br />
para e na ação sob análise. Isso por si mesmo já exige o <strong>de</strong>sdobramento<br />
57
58<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
<strong>de</strong> quais recursos po<strong>de</strong>riam estar disponíveis, se eles po<strong>de</strong>riam ser mais<br />
a<strong>de</strong>quados e tudo o mais. Essa não é uma violação da lógica da accountability<br />
ao inquirir sobre alternativas, ao contrário: é o rumo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r produzir<br />
<strong>de</strong> maneira precisa as respostas às perguntas: quais eram os recursos<br />
disponíveis para essa ação? Por que estes e não outros recursos foram os<br />
disponíveis? Quão a<strong>de</strong>quados foram estes recursos para a ação policial?<br />
Como eles influenciaram ou não as escolhas da iniciativa e da tática policial?<br />
Assim, o espaço natural para o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> árvores <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> é a materialida<strong>de</strong> da combinação dos recursos policiais.<br />
Faz-se polícia com a polícia que se tem, seja em função dos recursos<br />
disponíveis para uma polícia, seja em função daquela fração singular <strong>de</strong><br />
recursos disponíveis para a ação da qual se <strong>de</strong>seja accountability. Faz-se<br />
accountability do que a polícia fez diante do que ela <strong>de</strong>via ter feito,<br />
consi<strong>de</strong>rando o que ela, <strong>de</strong> fato, podia fazer. Novamente, faz-se<br />
accountability do que a polícia fez, das escolhas <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e<br />
proprieda<strong>de</strong> da ação policial; diante do que ela <strong>de</strong>via ter feito, diante dos<br />
termos concretos do mandato; consi<strong>de</strong>rando o que ela, <strong>de</strong> fato, podia<br />
fazer, isto é, a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos na e para a ação. Isso tem lugar<br />
através do mapeamento dos fluxos <strong>de</strong>cisórios que produziram uma dada<br />
disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos e não outra.<br />
Po<strong>de</strong> haver, <strong>de</strong> fato, tantas maneiras <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver os recursos<br />
policiais quanto as polícias. Isso não é empecilho para que se possa<br />
compartilhar uma <strong>de</strong>terminada visão sobre como <strong>de</strong>screvê-los. Como<br />
os recursos policiais são multidimensionais e variados, é útil agrupá-los<br />
em conjuntos <strong>de</strong> recursos agregados pela sua afinida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong><br />
vista do <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong> causas a partir <strong>de</strong> efeitos na accountability da<br />
ação policial. Neste sentido, seria possível <strong>de</strong>screver os conjuntos <strong>de</strong><br />
recursos como sendo agrupamentos “orientados a problemas”.<br />
Os conjuntos <strong>de</strong> recursos não são nem equivalentes nem<br />
homogêneos em uma <strong>de</strong>terminada organização policial. Eles são<br />
<strong>de</strong>scontínuos no que se refere à sua distribuição e uso no tempo e no<br />
espaço. Isto significa dizer que em uma mesma polícia po<strong>de</strong>m co-existir<br />
diferentes disponibilida<strong>de</strong>s e distintas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> cada conjunto<br />
<strong>de</strong> recursos. É possível que todos os agentes policiais tenham uma arma<br />
<strong>de</strong> fogo, mas nem todos estejam capacitados ou tenham competência
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
policial no seu uso. Estes conjuntos correspon<strong>de</strong>m a:<br />
i) Suporte e articulação organizacionais, que compreen<strong>de</strong>m o<br />
que a organização policial po<strong>de</strong> prover a indivíduos ou equipes policiais<br />
em termos <strong>de</strong> seu mútuo apoio, incluindo aí a distribuição do efetivo<br />
policial no espaço e no tempo, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reforço ou acesso a recursos<br />
especializados, etc.<br />
ii) Equipamentos e materiais, que compreen<strong>de</strong>m amplamente<br />
a logística <strong>de</strong> uma organização policial em termos materiais, incluindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o fardamento, armamento e munição até o suprimento <strong>de</strong> ataduras no kit<br />
<strong>de</strong> primeiros socorros, passando pelos instrumentos <strong>de</strong> comunicação,<br />
<strong>de</strong> proteção pessoal, ou o talonário <strong>de</strong> multas.<br />
iii) Acervo <strong>de</strong> procedimentos, que compreen<strong>de</strong> o conjunto <strong>de</strong><br />
condutas <strong>de</strong> ação, que inclui a aplicação dos contornos em diversas<br />
circunstâncias particulares, e espelha o conhecimento e os saberes policiais,<br />
enfim, o estado das práticas partilhado pelos policiais, construído pela<br />
experiência coletiva no planejamento e execução da ação policial, na forma<br />
<strong>de</strong> expedientes informais ou normas e procedimentos padrão.<br />
iv) Capacitação <strong>de</strong> indivíduos e equipes, que compreen<strong>de</strong> os<br />
resultados dos processos educacionais, isto é, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer uso<br />
concreto do que foi aprendido, seja em percursos <strong>de</strong> formação geral,<br />
seja em percursos <strong>de</strong> formação específica. Isto se expressa em diferentes<br />
qualida<strong>de</strong>s individuais, em diferentes habilida<strong>de</strong>s para o empreendimento<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada tarefa policial.<br />
v) Capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória, que compreen<strong>de</strong> a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória<br />
<strong>de</strong> indivíduos ou grupos policiais na realização <strong>de</strong> diagnósticos e<br />
prognósticos em tempo hábil diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas situações, e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cidir, implementar e supervisionar cursos <strong>de</strong> ação, usando os recursos<br />
disponíveis e comandando indivíduos ou equipes policiais.<br />
vi) Competência policial, que compreen<strong>de</strong> os diferentes perfis<br />
<strong>de</strong> maior ou menor grau <strong>de</strong> especialida<strong>de</strong> ou experiência dos profissionais<br />
<strong>de</strong> polícia envolvidos na ação diante das tarefas que a situação <strong>de</strong>manda.<br />
A apreciação <strong>de</strong>sses recursos para fins <strong>de</strong> accountability <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sua pon<strong>de</strong>ração pelas condições reais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ocupacional dos<br />
policiais. Isso se expressa, por exemplo, na apreciação da curva <strong>de</strong> fadiga<br />
59
60<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
e estresse ao longo <strong>de</strong> um turno <strong>de</strong> trabalho ou ao longo da trajetória<br />
individual <strong>de</strong> trabalho.<br />
Imagine-se que a ação policial sobre a qual se <strong>de</strong>seja accountability<br />
refira-se a um questionamento que suspeita que teria havido uso<br />
excessivo da força, e que a ação seria um exemplo <strong>de</strong> violência policial.<br />
A situação seria em que um assaltante foi alvejado pela polícia <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
ter sido <strong>de</strong>sarmado e rendido.<br />
O primeiro passo é consi<strong>de</strong>rar o enquadramento <strong>de</strong>sta ação em<br />
termos <strong>de</strong> uma das categorizações indicadas. Consi<strong>de</strong>rou-se que a ação<br />
policial foi “oportuna”, pois a iniciativa policial <strong>de</strong> agir para frustrar o<br />
assalto foi compatível com os termos do mandato <strong>de</strong>sta polícia.<br />
Consi<strong>de</strong>rou-se, ainda, que a forma da ação policial foi “inapropriada”,<br />
pois ter atirado no suspeito <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> rendido era, <strong>de</strong> antemão,<br />
incompatível com os contornos do mandato <strong>de</strong>sta polícia nesta situação.<br />
Tratou-se <strong>de</strong> uma iniciativa policial entendida como a<strong>de</strong>quada, porém<br />
com uma tática policial consi<strong>de</strong>rada ina<strong>de</strong>quada.<br />
O segundo passo é <strong>de</strong>linear as árvores <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />
capazes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as causas <strong>de</strong>ste efeito in<strong>de</strong>sejado, a vitimização<br />
do suspeito sob custódia. O que po<strong>de</strong> explicar este efeito? A busca<br />
pelas causações por sobre os recursos policiais disponíveis po<strong>de</strong><br />
produzir diversas respostas que se complementam ou se excluem na<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> responsabilização. Em termos amplos, po<strong>de</strong>se<br />
dizer que estas respostas po<strong>de</strong>riam apontar para incapacida<strong>de</strong>s,<br />
incompetências ou erros. Cada uma <strong>de</strong>las po<strong>de</strong>ria referenciar um<br />
<strong>de</strong>terminado <strong>de</strong>senlace do processo <strong>de</strong> accountability.<br />
I<strong>de</strong>ntificou-se, por exemplo, uma incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> equipamento:<br />
a arma do policial disparou sozinha, após o policial guardá-la no seu<br />
coldre, conforme o procedimento padrão. A arma estava <strong>de</strong>gradada e<br />
sua trava <strong>de</strong> segurança não funcionou quando o policial imobilizava o<br />
suspeito. Concluiu-se que isso sugere uma falha <strong>de</strong> manutenção ou até<br />
<strong>de</strong> aquisição do armamento policial. Diante da importância conferida a<br />
esta incapacida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se institucionalizar accountability sobre a<br />
aquisição e manutenção do armamento policial. O curso <strong>de</strong><br />
responsabilização inci<strong>de</strong> sobre o policial, mas aponta na direção dos<br />
que respon<strong>de</strong>m pelo armamento da polícia.
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
I<strong>de</strong>ntificou-se, por exemplo, que o policial autor do disparo foi<br />
incompetente: o disparo teria sido aci<strong>de</strong>ntal, porque o tiro aconteceu<br />
quando ele tentava travar sua arma. Conclui-se que isso sugere uma falha<br />
na sua capacitação para o manuseio da arma, o que po<strong>de</strong> indicar a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão do treinamento policial do uso da arma <strong>de</strong> fogo.<br />
Diante da importância conferida a esta incompetência, po<strong>de</strong>-se<br />
institucionalizar accountability sobre a formação policial. O curso <strong>de</strong><br />
responsabilização inci<strong>de</strong> sobre o policial, mas aponta na direção dos que<br />
respon<strong>de</strong>m pelo treinamento da polícia.<br />
I<strong>de</strong>ntificou-se, por exemplo, que o policial autor do disparo errou<br />
ao reagir com sua arma a uma agressão verbal <strong>de</strong> parte do suspeito.<br />
Conclui-se que isso foi uma falha motivada pela inexperiência do policial<br />
na administração do uso da força, reagindo <strong>de</strong>sproporcionalmente à<br />
situação. Diante da importância conferida a erros <strong>de</strong>ste tipo, po<strong>de</strong>-se<br />
institucionalizar accountabilities sobre o processo <strong>de</strong> recrutamento,<br />
seleção e formação <strong>de</strong> policiais, a gestão das carreiras policiais e suas<br />
trajetórias e o acervo <strong>de</strong> procedimentos no uso <strong>de</strong> força. O curso <strong>de</strong><br />
responsabilização inci<strong>de</strong> sobre o policial, mas aponta na direção <strong>de</strong> vários<br />
outros que respon<strong>de</strong>m por diversos aspectos da polícia.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do seu propósito, no exemplo, a suspeita <strong>de</strong><br />
uso excessivo da força ou violência policial, a accountability produzida<br />
para respon<strong>de</strong>r a este questionamento po<strong>de</strong> ter outros usos. Nos breves<br />
exemplos imaginados acima, tem-se a compreensão <strong>de</strong> quais recursos<br />
policiais estavam, <strong>de</strong> fato, disponíveis numa <strong>de</strong>terminada ação. Encaminhase<br />
a construção <strong>de</strong> um entendimento das causas <strong>de</strong>sta disponibilida<strong>de</strong>.<br />
Edifica-se um acervo <strong>de</strong> explorações que po<strong>de</strong> servir à organização para<br />
além do estudo <strong>de</strong> caso que <strong>de</strong>u origem a uma <strong>de</strong>terminada accountability.<br />
A apreciação <strong>de</strong>stas árvores <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s e suas causações<br />
têm ainda que consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> da interferência <strong>de</strong><br />
externalida<strong>de</strong>s, isto é, <strong>de</strong> impon<strong>de</strong>ráveis que não <strong>de</strong>rivaram <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s<br />
e escolhas policiais. No caso das situações imaginadas, foi possível distinguir<br />
que eventos exteriores à situação não foram relevantes para a i<strong>de</strong>ntificação<br />
<strong>de</strong> causas e, portanto, <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> responsabilização.<br />
Há limites sobre o que se po<strong>de</strong> obter com a aplicação do<br />
enquadramento da ação policial em categorizações que combinam<br />
61
62<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong>. Este tipo <strong>de</strong> ferramenta <strong>de</strong> análise não<br />
preten<strong>de</strong> dar conta, por exemplo, das motivações e intenções pessoais<br />
ou grupais que levam os policiais a <strong>de</strong>cidirem ou agirem <strong>de</strong> tal ou qual<br />
maneira. Reflete, tão somente, as escolhas realizadas em si mesmas e<br />
ações empreendidas à luz <strong>de</strong> sua a<strong>de</strong>são aos termos do mandato policial.<br />
Assim, a intenção <strong>de</strong>liberada <strong>de</strong> policiais ou grupos <strong>de</strong> policiais <strong>de</strong> agirem<br />
como “justiceiros”, “matadores <strong>de</strong> bandidos”, consiste numa violação<br />
explícita do mandato policial. Isto <strong>de</strong>manda outros percursos <strong>de</strong><br />
accountability, complementares ao enquadramento da ação policial em<br />
termos <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong>. Isso porque estas perversões<br />
do mandato policial po<strong>de</strong>m ser invisíveis a este enquadramento, po<strong>de</strong>ndo<br />
ser camufladas, disfarçadas, em ações oportunas e apropriadas pela<br />
construção <strong>de</strong>liberada <strong>de</strong> falsas oportunida<strong>de</strong>s e proprieda<strong>de</strong>s. Po<strong>de</strong>mse<br />
constituir disfarces <strong>de</strong> ações policiais oportunas e/ou apropriadas pela<br />
fabricação <strong>de</strong> falsos cenários, falsificação ou ocultação provas, montagem<br />
<strong>de</strong> locais <strong>de</strong> crime, e mesmo a produção <strong>de</strong> apreensões e prisões. Tudo<br />
isso para ocultar fracassos, ou inventar sucessos que acobertem a violação<br />
do mandato policial e suas possíveis licenciosida<strong>de</strong>s.<br />
O enquadramento da ação policial em categorizações que combinam<br />
oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong> também não tem como dar conta da<br />
corrupção policial em toda a sua complexida<strong>de</strong>. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
corrupção perpassa todas as quatro alternativas lógicas <strong>de</strong> categorizações<br />
apreciadas, po<strong>de</strong>ndo se fazer presente antes, durante e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ações<br />
policiais (in)oportunas e (in)apropriadas.<br />
Esta característica pervasiva da corrupção torna complexa e<br />
<strong>de</strong>safiante sua apuração e controle. Ações policiais oportunas e apropriadas<br />
po<strong>de</strong>m ser motivadas, criadas, modificadas ou aproveitadas para aten<strong>de</strong>r<br />
interesses particulares <strong>de</strong> policiais ou <strong>de</strong> outros. Isto significa dizer que<br />
po<strong>de</strong>m ocorrer modalida<strong>de</strong>s ou práticas corruptas que não violem <strong>de</strong><br />
forma explícita o mandato policial, pois se colocam e se beneficiam <strong>de</strong><br />
lacunas, brechas e intervalos comuns e freqüentes entre contornos, alcance<br />
e âmbito dos mandatos policiais concretos. Estas práticas po<strong>de</strong>m ter lugar<br />
nas interseções inescapáveis e folgas necessárias entre o que se <strong>de</strong>seja <strong>de</strong><br />
um mandato policial e as formas concretas <strong>de</strong> seu atendimento, entre o<br />
que po<strong>de</strong> e o que não po<strong>de</strong> ser feito. Por isso mesmo, estas ten<strong>de</strong>m a ser<br />
menos visíveis e palpáveis, mais enraizadas e longevas do que aquelas que<br />
confrontam explicitamente o mandato policial.
A isto se soma um fator complicador que é o contexto <strong>de</strong> uma<br />
polity, que constrói e admite distintos níveis <strong>de</strong> tolerância ou aceitação<br />
social. Em muitas comunida<strong>de</strong>s, as fronteiras que distinguem o que se<br />
costuma <strong>de</strong>finir as ativida<strong>de</strong>s policiais como corruptas po<strong>de</strong>m ser muito<br />
fluidas, pouco nítidas. Elas po<strong>de</strong>m ser favorecidas pelas, ou mesmo se<br />
confundirem com, práticas culturalmente estabelecidas <strong>de</strong> trocas sociais,<br />
com mecanismos informais <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> e gratuida<strong>de</strong>. Em suma,<br />
po<strong>de</strong>m ser inscritas nas dinâmicas <strong>de</strong> prestações e contraprestações que<br />
alimentam e vivificam elos entre distintos grupos sociais.<br />
Viu-se, pois, a abrangência e os limites da apreciação da ação policial<br />
pelas consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong> como uma ferramenta<br />
para o exercício <strong>de</strong> accountability policial. Esta ferramenta não cobre e<br />
nem ambiciona cobrir indagações sobre as possíveis motivações ou<br />
intenções para a ação policial. Ela as toma como elementos <strong>de</strong> partida <strong>de</strong><br />
qualquer escolha ou juízo, embutidos nos resultados e conseqüências que<br />
se presente avaliar. Restringe-se, portanto, e esta é sua virtu<strong>de</strong>, ao mérito<br />
substantivo da oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong> da ação policial, orientando o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> responsabilização que, mediante orientação<br />
da polity, po<strong>de</strong> seguir rumo ao entendimento das motivações ou intenções<br />
as mais diversas.<br />
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
O propósito <strong>de</strong>ste ensaio foi o <strong>de</strong> enquadrar a questão da accountability<br />
policial <strong>de</strong> maneira útil. Assim sendo, ele dispensou, nesta ocasião, o<br />
preâmbulo usual <strong>de</strong> uma revisão sistemática da consi<strong>de</strong>rável literatura sobre<br />
o assunto, que po<strong>de</strong> ser encontrada nas obras referenciadas mais abaixo.<br />
Ainda assim, é oportuno compartilhar alguns dos vínculos com algumas<br />
obras que, é importante assinalar, são a semente, a provocação, o convite a<br />
partir dos quais se po<strong>de</strong> apresentar os elementos acima.<br />
O vínculo mais tênue diz respeito à transitivida<strong>de</strong>, à passagem, dos<br />
termos centrais da problemática tratada (accountable, account e<br />
accountability). Esforços anteriores já haviam i<strong>de</strong>ntificado o conjunto <strong>de</strong><br />
expectativas, <strong>de</strong> significados socialmente situados, que se associam a cada<br />
um <strong>de</strong>les no idioma inglês. Aqui foi necessário romper com a ambição,<br />
em si mesma meritória, <strong>de</strong> intentar uma tradução, como apresentado na<br />
63
64<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
nota inicial que abre o texto. O fato simples é que, como dizem os italianos,<br />
traduttore tradittore, toda tradução é (alguma) traição. E o acervo <strong>de</strong> alguns<br />
<strong>de</strong>svios apresentou-se como <strong>de</strong>masiado para os propósitos do texto.<br />
Revelou-se oportuno priorizar a discussão do conteúdo dos termos,<br />
preservando-os em seu idioma original. Aqui a discussão foi propriamente<br />
exploratória. É oportuno registrar apenas o caráter do uso das palavras<br />
em idiomas latinos, on<strong>de</strong> raiz e trajetória histórica apontam para<br />
significados precisos e a forma própria do uso do idioma inglês. Até on<strong>de</strong><br />
é possível perceber, por exemplo, por responsible se enten<strong>de</strong>m,<br />
simultaneamente, ou se admite enten<strong>de</strong>r alternadamente, tanto responsável<br />
quanto responsabilizável. Aqui os autores admitem francamente que o<br />
que se apresenta mais acima é um esforço inicial que busca imprimir algum<br />
rigor a termos que se ambiciona possam vir a ser categorias úteis.<br />
Já o vínculo com a temática tratada, ela mesma, é bem mais firme e<br />
fácil <strong>de</strong> relatar. O problema mais amplo do que é a accountability policial<br />
tem sua expressão mais límpida no trabalho <strong>de</strong> Goldstein (1977). A<br />
responsabilida<strong>de</strong> por um evento <strong>de</strong> violência policial é ilustrada e<br />
problematizada pelo autor a partir da explicitação <strong>de</strong> uma árvore <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s possíveis, que se inicia na polícia, vai ao governo e chega<br />
até a socieda<strong>de</strong> policiada: inicia-se com o policial individual, passando por<br />
seus superiores até o chefe <strong>de</strong> polícia, daí para o Executivo e para o<br />
Legislativo (que controla e aprova <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> nomeação), e culmina<br />
atingindo os próprios cidadãos que elegeram a um e outro. Revela-se,<br />
com isso, um problema central explorado neste texto. Esforços <strong>de</strong><br />
imputação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> não chegam a lugar nenhum quando eles<br />
per<strong>de</strong>m <strong>de</strong> vista o enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
processo, <strong>de</strong> mediação e articulação entre a polity (que conce<strong>de</strong> e é objeto<br />
do mandato policial) e a polícia (que o recebe e o executa). Produzem, no<br />
limite, o inverso da responsabilização, uma vez que conduz à total<br />
indistinção entre <strong>de</strong>legações, escolhas, ações, seus resultados e<br />
conseqüências: se todos são, a todo tempo, responsáveis por tudo, então<br />
não se tem como atribuir responsabilida<strong>de</strong>s concretas a alguém em<br />
particular. Sem a pretensão <strong>de</strong> resolver este problema, Goldstein sugere<br />
a responsabilização política como um ramo frutífero a ser explorado nas<br />
<strong>de</strong>mocracias, indicando, por exemplo, o processo eleitoral como um<br />
espaço relevante <strong>de</strong> expressão das autorizações, <strong>de</strong>mandas e<br />
questionamentos do público, enfim, <strong>de</strong> sua aprovação ou <strong>de</strong>saprovação
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
em relação ao governo e às polícias.<br />
Um encaminhamento contemporâneo <strong>de</strong> alguma influência é o<br />
esforço <strong>de</strong> Bayley (2001b), que ambiciona compreen<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>mocratização<br />
das polícias no mundo a partir da replicação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas normas e<br />
rotinas. Sua maior preocupação é a perversão, no sentido estrito, da polícia<br />
num instrumento do Estado contra a socieda<strong>de</strong>, num primeiro momento,<br />
e <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r sobre a socieda<strong>de</strong>, logo em seguida. Aqui o problema<br />
é outro. Trata-se da difícil passagem entre o que se ambiciona produzir<br />
pela a<strong>de</strong>são a normas ou rotinas e a construção <strong>de</strong> mecanismos capazes<br />
<strong>de</strong> produzi-las numa dada polícia, com um dado mandato policial, numa<br />
dada polity, num <strong>de</strong>terminado momento. A generosida<strong>de</strong> e a coragem <strong>de</strong><br />
oferecer um mo<strong>de</strong>lo são empanadas, portanto, pela carga <strong>de</strong> elementos<br />
<strong>de</strong>ixados implícitos do contexto <strong>de</strong> origem, isto é, a falta <strong>de</strong> uma explicação<br />
sobre como se operam tais normas e rotinas diferenciadamente na solução<br />
múltipla e concorrencial dos EUA para a questão policial, que admite uma<br />
infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícias com âmbitos e alcances sobrepostos ou coinci<strong>de</strong>ntes,<br />
e com elementos <strong>de</strong> contorno afins e conflitantes. Claro, isso significaria<br />
ter que lidar com o quanto este mo<strong>de</strong>lo é mais um amálgama <strong>de</strong><br />
experiências e experimentos do que um mo<strong>de</strong>lo propriamente dito, e aí<br />
exatamente está o ponto: fazer polícia <strong>de</strong>mocrática seria, então, adotar<br />
práticas policiais dos EUA? Esse é um dos elementos centrais que motivou<br />
a clarificação dos aspectos específicos que singularizam o processo <strong>de</strong><br />
accountability policial quando ele se faz, se coloca, e preten<strong>de</strong> ser útil<br />
para uma dada realida<strong>de</strong> social, ou seja, para uma dada polícia numa<br />
<strong>de</strong>terminada polity num <strong>de</strong>terminado momento.<br />
Quando Walker (2005) oferece mecanismos adaptáveis, ou a<br />
inspiração para a edificação <strong>de</strong> tais mecanismos, na sua “nova<br />
accountability”, a seu turno, ele arrisca-se ambicionar <strong>de</strong>masiado, além<br />
do que seja possível para a produção <strong>de</strong> accountability policial e seus<br />
usos. Sua proposta é estabelecer mecanismos em tempo real, abrangentes,<br />
automáticos e redundantes. Sistemas <strong>de</strong> account autônomos e sobrepostos<br />
que se acionam automaticamente para todo e qualquer inci<strong>de</strong>nte, por<br />
exemplo, <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo pela polícia. Esses sistemas incluiriam<br />
os próprios policiais da unida<strong>de</strong> envolvida, uma primeira cobertura;<br />
<strong>de</strong>partamentos especializados em account da polícia, uma segunda<br />
cobertura, automática e paralela a primeira; e ainda uma auditoria externa<br />
<strong>de</strong> account, que monitora em tempo real as duas primeiras, oferecendo<br />
65
66<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
uma terceira cobertura paralela e com autonomia para rever ou refazer<br />
account. A partir <strong>de</strong> um certo ponto, se arrisca emancipar toda essa<br />
ativida<strong>de</strong> do que é que a polity, ou a polícia, <strong>de</strong>sejam para diversos<br />
propósitos, pondo em tela a questão da oportunida<strong>de</strong> dos custos e<br />
recursos necessários para tal sistema. Um primeiro olhar é que isso<br />
enfrenta problemas crescentes <strong>de</strong> <strong>de</strong>seconomias <strong>de</strong> escala, quanto maior<br />
seja a organização policial que ensaie essa proposta. O que po<strong>de</strong> ser fácil<br />
para <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> algumas centenas <strong>de</strong> policiais, po<strong>de</strong> ser difícil para<br />
<strong>de</strong>partamentos com milhares e impossível para <strong>de</strong>partamentos com<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> policiais. Fica ainda uma questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>seconomias<br />
<strong>de</strong> âmbito, isto é, da disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas, da factibilida<strong>de</strong> concreta,<br />
e mesmo da utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> account em tempo real <strong>de</strong> tudo num nível padrão<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>talhamento. Há tra<strong>de</strong>-offs, trocas cruzadas, evi<strong>de</strong>ntes em qualquer<br />
proposta <strong>de</strong>ste tipo e, no caso da accountability policial a sua solução é<br />
evi<strong>de</strong>nte: escolhas nas diversas instâncias <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong>. Mas Walker<br />
não enfrenta o problema da discricionarieda<strong>de</strong>, que permeia e perpassa<br />
todo o mandato policial, mesmo que se sujeite a ele, no mesmo exemplo,<br />
ao aceitar sem discutir a priorida<strong>de</strong> da accountability do uso da arma <strong>de</strong><br />
fogo. Assim, não há espaço para as instâncias reais <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong><br />
em sua proposta nem para o account nem na accountability. A “new<br />
accountability” é um pleito por uma “full accountability”, pura e<br />
simplesmente. Por isso pareceu tão relevante dar conta, <strong>de</strong> fato expor a<br />
falácia, da busca por uma full accountability, o que levou, a seu turno, ao<br />
que se explicou mais acima sobre selective accountability como capaz, <strong>de</strong><br />
fato unicamente capaz, <strong>de</strong> levar à full responsibility.<br />
O rumo <strong>de</strong>ssa solução parece correspon<strong>de</strong>r a um dos rumos que<br />
Goldstein apontava como capazes <strong>de</strong> vir a dar conta da questão, o do<br />
arrimo teórico, da construção <strong>de</strong> ambição conceitual, capaz <strong>de</strong> clarificar<br />
o que é a accountability em geral, e daí dar conta do que é específico e<br />
particular na accountability policial. Sem dúvida que o que se expôs aqui é<br />
mais <strong>de</strong>rivado, <strong>de</strong>senvolvido, a partir <strong>de</strong> Bittner (1970, especialmente<br />
1974, 1990b) do que <strong>de</strong> Goldstein, porque é em Bittner que se tem o<br />
rumo <strong>de</strong> uma teoria.<br />
Mas ainda assim é simples questão <strong>de</strong> justiça apontar como a<br />
explicitação e apreciação <strong>de</strong> Goldstein da árvore <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s,<br />
refletida à luz da construção teórica <strong>de</strong> Bittner, permitiram avançar neste<br />
texto rumo à compreensão do processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
responsabilida<strong>de</strong>s (account) e da atribuição <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> responsabilização<br />
policial (accountability). É também uma questão <strong>de</strong> justiça indicar como a<br />
clareza <strong>de</strong> Goldstein na <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> uma apropriação <strong>de</strong> accountability<br />
repercute na escolha do rumo <strong>de</strong> apresentação. Sucintamente, como uma<br />
proposição <strong>de</strong> accountability policial não po<strong>de</strong> ser submetida, não po<strong>de</strong><br />
ser reduzida, a uma maneira <strong>de</strong> procurar saber como ser popular ou a ser<br />
aprovado seja pela maioria, seja por uma minoria vocal. Só faz sentido<br />
consi<strong>de</strong>rar uma accountability policial como sendo a maneira pela qual a<br />
polícia respon<strong>de</strong>, em sentido amplo, sobre o exercício do mandato<br />
recebido da e aplicado na polity. Em outras palavras, para Goldstein, o<br />
problema <strong>de</strong> se precisar a accountability policial é o <strong>de</strong> como impedir que<br />
a polícia possa ser uma vereda para a apropriação do exercício do mandato<br />
policial legítimo e legal por interesses privados, sejam os da maioria, sejam<br />
os <strong>de</strong> minorias vocais.<br />
Que a accountability tenha utilida<strong>de</strong> para a própria polícia só soa<br />
surpreen<strong>de</strong>nte porque não é ao redor da execução do mandato policial<br />
que se costuma colocar a questão. O mais usual é que a accountability<br />
policial seja cobrada das polícias <strong>de</strong> diversas formas, em diversos<br />
momentos, mas muito freqüentemente quando a organização policial está<br />
fragilizada por algum resultado ou conseqüência in<strong>de</strong>sejável ou in<strong>de</strong>sejada.<br />
Mas se a questão da accountability é contextualizada, quando se percebe<br />
que ela não pertence exclusivamente a tais momentos, então ganha-se<br />
muito em <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e clareza.<br />
A institucionalização <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> accountability policial é fértil,<br />
uma vez que estrutura e recria capacida<strong>de</strong>s para produzir account capaz<br />
<strong>de</strong> sustentar novas accountabilities úteis para o aprimoramento e para a<br />
multiplicação do efeito da polícia. Isso admite diversos <strong>de</strong>sdobramentos<br />
sobre as formas pelas quais legitimida<strong>de</strong> e legalida<strong>de</strong>, consentimento social<br />
e sua expressão legal, explicam a credibilida<strong>de</strong> policial e as formas como<br />
esta última conforma a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma polícia cumprir o seu mandato<br />
que po<strong>de</strong>m aguardar outra ocasião.<br />
O mais importante é <strong>de</strong>stacar que este texto relata como a<br />
accountability policial não é, e se é accountability policial não po<strong>de</strong> ser,<br />
algo “contra a polícia”. Ao contrário, como se espera ter <strong>de</strong>monstrado, a<br />
accountability policial é a contrapartida necessária aos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>legados<br />
do mandato policial. Seu uso e aperfeiçoamento pertencem, também, ao<br />
67
68<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
exercício mesmo <strong>de</strong>ste mandato. Dito <strong>de</strong> outra forma: uma polícia que<br />
avalia a maneira pela qual exerce o seu mandato, como se pratica<br />
discricionarieda<strong>de</strong> em seu patrulhamento ou sua investigação ou sua análise<br />
forense com vistas à melhora <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sempenho, está fazendo<br />
accountability, mesmo que não a chame assim. Porque é <strong>de</strong>sta forma que<br />
se po<strong>de</strong> apreciar as escolhas, resultados e conseqüências do exercício do<br />
mandato.<br />
Daí abrem-se duas alternativas conclusivas conexas. A primeira é a<br />
<strong>de</strong> franquear o uso da accountability policial como ele se apresenta, isto é,<br />
como um instrumento <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para quem <strong>de</strong>lega e para quem recebe<br />
o mandato policial, isto é, tanto para a polity quanto para a polícia. A<br />
segunda é argüir pelo seus valor e oportunida<strong>de</strong>, o que po<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r,<br />
na prática contemporânea, a argüir pela compreensão <strong>de</strong> suas natureza e<br />
forma e estimular a sua prática para todos os envolvidos: para toda a<br />
polity e, acima <strong>de</strong> tudo, para qualquer polícia.<br />
Notas<br />
1 Texto originalmente apresentado no Primer Curso Internacional em Rendición <strong>de</strong> Cuentas <strong>de</strong><br />
la Policía, 14 a 18 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007, cida<strong>de</strong> do México, organizado por INSYDE (México), com<br />
apoio do CESC (Chile) e da re<strong>de</strong> Altus.<br />
2 Somos <strong>de</strong>vedores das lúcidas observações <strong>de</strong> Vargas (2005) em sua nota <strong>de</strong> título (p. 19).<br />
3 Como explicado na nota inicial, foram mantidos diversos termos em inglês, como forma <strong>de</strong><br />
poupar a exposição do trabalho <strong>de</strong> uma revisão dos esforços anteriores <strong>de</strong> tradução. Essa a<strong>de</strong>são<br />
circunstancial a termos em idioma estrangeiro como vocábulos em um idioma latino necessita<br />
<strong>de</strong> uma breve explicação <strong>de</strong> sua flexão. Sem embargo, para além da imposição <strong>de</strong> um gênero (a<br />
“accountability”, o “account”), estes termos são tratados como palavras <strong>de</strong> pleno curso no<br />
idioma do texto. Assim diz-se “a accountability” quando se referencia a classe, “uma<br />
accountability” uma instância da classe, como em “o mandato” e “um mandato”. Note-se que<br />
isso é um pequeno ganho em relação à língua inglesa que não tem este uso para, por exemplo,<br />
“accountability”. “The accountability”, a “accountability” <strong>de</strong> alguma coisa é uma construção<br />
rara, “an accountability”, uma construção em <strong>de</strong>suso. Em inglês se usa, <strong>de</strong> fato, “accountability<br />
tanto para a classe geral quanto para o caso específico sem artigo, como em “police accountability”<br />
ou até só “accountability” como sujeito <strong>de</strong> uma oração.<br />
4 A responsibility é full, é-se plenamente responsabilizável, porque se respon<strong>de</strong>, sempre, pelos<br />
resultados dos atos e omissões. Não há, nem se preten<strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem quer que seja e<br />
muito menos da polícia. Tudo o que <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> um mandato é accountable em termos dos<br />
diagnósticos, prognósticos e por extensão do <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada ação; por outro<br />
lado, o diagnóstico, o prognóstico e a justificativa <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada inação. Isso inclui até<br />
mesmo a consi<strong>de</strong>ração do account <strong>de</strong> atos presumidamente <strong>de</strong>correntes do mandato, mas cuja<br />
pertinência à atenção <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>tém o mandato po<strong>de</strong> vir a ser questionada.<br />
5 É precisamente porque a accountability correspon<strong>de</strong> à responsabilização por escolhas que não<br />
há contradição ao se afirmar que vai <strong>de</strong> full responsibility para selective accountability. A
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser-se plenamente responsabilizável correspon<strong>de</strong> a uma accountability seletiva,<br />
melhor ainda, a accountability seleta do que é relevante para ou pelo mandato. Que a plena<br />
responsabilização só pu<strong>de</strong>sse existir diante <strong>de</strong> uma accountability completa, total e contínua<br />
revela-se assim como uma fantasia pedante.<br />
6 No contexto dos relacionamentos humanos, o uso <strong>de</strong> força expressa uma forma particular e<br />
distintiva <strong>de</strong> produzir coerção. Seus fins são os mesmos que os <strong>de</strong> qualquer alternativa coercitiva:<br />
submeter vonta<strong>de</strong>s, alterando atitu<strong>de</strong>s e influenciando comportamentos <strong>de</strong> indivíduos e grupos.<br />
O que o distingue <strong>de</strong> todas as outras formas coativas são seus meios, os meios <strong>de</strong> força.<br />
7 Klockars (1985) conclui que ,ainda que se possam encontrar diversos antece<strong>de</strong>ntes e<br />
experimentos anteriores rumo à “polícia”, foi a experiência da Nova <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Londres 1832 que<br />
veio a se estabelecer como o marco na fundação das mo<strong>de</strong>rnas burocracias policiais estatais,<br />
tanto em termos <strong>de</strong> sua repercussão e emulação quanto como resultado <strong>de</strong> reconstrução das<br />
trajetórias históricas que produziram a “polícia”. Sem embargo, o que se exprime no texto<br />
significa que quem quer que receba o mandato policial, não importando se o exerce <strong>de</strong> maneira<br />
permanente, interina, ou pontual, é <strong>de</strong> fato polícia, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>stinação<br />
formal ou <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> institucional, como é o caso, por exemplo, do uso <strong>de</strong> contingentes <strong>de</strong><br />
voluntários civis ou <strong>de</strong> efetivos militares como polícia. Assim, o processo <strong>de</strong> especialização <strong>de</strong><br />
organizações estatais <strong>de</strong> força exclusivamente orientadas para o mandato policial não se confun<strong>de</strong><br />
com algum tipo <strong>de</strong> monopólio, mas expressa uma realida<strong>de</strong> histórica presente em termos da<br />
divisão social do trabalho e <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas soluções para o problema da governabilida<strong>de</strong>.<br />
8 Isto correspon<strong>de</strong> a <strong>de</strong>senvolvimentos, cuja semente está em Bittner (1974), à luz <strong>de</strong> Bittner<br />
(1990b), e que teve tratamento inicial em Proença Jr & Muniz (2006b).<br />
9 É oportuno lembrar que a discricionarieda<strong>de</strong> foi “<strong>de</strong>scoberta” pelos estudos policiais, revelando<br />
o equívoco interpretativo pelo qual a lei teria inventado, e seria a mestra, do mandato policial.<br />
Ver para uma trajetória <strong>de</strong>ste entendimento Skolnick (1966), Goldstein, (1977), Bittner (1970),<br />
Bayley (1982), Klockars (1985).<br />
10 Na fórmula extraordinariamente feliz <strong>de</strong> Muir (1977).<br />
11 Revela-se, com isso, a dimensão do equívoco <strong>de</strong> se querer “legislar a ação policial”, da ambição<br />
<strong>de</strong> controlá-la antecipadamente em lei, o que, paradoxalmente, sabotaria a própria legalida<strong>de</strong><br />
da ação <strong>de</strong> polícia, pois tal legislação não po<strong>de</strong>ria ser cumprida sem produzir imediatamente a<br />
sua <strong>de</strong>squalificação, e, portanto, seria uma lei escrita para ser <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cida. Aí tudo da ação<br />
policial concreta seria ilegal. É essa a discussão que informa a questão do “profissionalismo<br />
policial” em Bayley & Bittner (1989) e que motivou a discussão anterior <strong>de</strong> seu conteúdo como<br />
sendo a perspectiva <strong>de</strong> um “novo profissionalismo” em Klockars (1985).<br />
Referências Bibliográficas<br />
Banton, Michael (1964), The policeman in the community. Basic Books.<br />
Bayley, David H & Bittner, Egon (1989), ‘Learning the Skills of Policing’, Law and Contemporary<br />
Problems, 47: 35—59. now in Roger G. Dunham and Geoffrey P. Alpert, eds., Critical Issues in<br />
Policing – contemporary readings – 4 th edition, 82—106. Prospect Heights, Ill.: Waveland<br />
Press.<br />
Bayley, David H. (1985), Patterns of Policing: A Comparative International Perspective. New<br />
Haven: Rutdgers University Press.<br />
——— (1994), Police for the Future. New York and Oxford: Oxford University Press.<br />
——— (1996). “Measuring Overall Effectiveness” In: Hoover, Larry H (1996): Quantifying<br />
Quality in Policing (PERF): 37-54.<br />
——— (1998a), What Works in Policing. New York and Oxford: Oxford University Press.<br />
69
70<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
——— (1998b), ‘Patrol’, in David H. Bayley, ed., What Works in Policing, 26—30. New York<br />
and Oxford: Oxford University Press.<br />
Bayley, David H. and Shearing, C. (1996), ‘The Future of Policing’, Law and Society Review, 30/<br />
3: 585-606.<br />
——— (2001a), The New Structure of Policing: <strong>de</strong>scription, conceptualization and research<br />
agenda. Washington, DC: National Institute of Justice.<br />
——— (2001b), Democratizing Police Abroad: what to do and how to do it. Washington:<br />
National Institute of Justice.<br />
Bittner, Egon (1967), ‘The Police in Skid Row: a study in peacekeeping’, American Sociological<br />
Review, 32/5: 699—715 now in Egon Bittner (1990), Aspects of Police Work, 131—156.<br />
Boston, Mass: Northeastern University Press.<br />
——— (1970), The Functions of the Police in Mo<strong>de</strong>rn Society: a review of background<br />
factors, current practices, and possible role mo<strong>de</strong>ls. Rockville, MD: Center for the Study of<br />
Crime and Dellinquency. now in Egon Bittner (1990), Aspects of Police Work, 89—232. Boston,<br />
Mass: Northeastern University Press.<br />
——— (1974), ‘Florence Nightingale in pursuit of Willie Sutton: a theory of the police’, in<br />
Herbert Jacobs, ed., The Potential for Reform of Criminal Justice, vol 3. Beverly Hills, CA:<br />
Sage. now in Egon Bittner (1990), Aspects of Police Work, 233—268. Boston, Mass: Northeastern<br />
University Press.<br />
——— (1983), ‘Urban Police’, in Encyclopedia of Crime and Justice. New York: The Free<br />
Press. now in Egon Bittner (1990), Aspects of Police Work, 19-29. Boston, Mass: Northeastern<br />
University Press.<br />
——— (1990a), Aspects of Police Work. Boston, Mass: Northeastern University Press.<br />
——— (1990b), ‘Introduction’, in Egon Bittner, Aspects of Police Work, 3—18. Boston, Mass:<br />
Northeastern University Press.<br />
Blumberg, Mark (2001), “Controlling Police Use of Deadly Force – assessing two <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s of<br />
progress” in Dunham, Roger G & Alpert, Geoffrey P, ed (2001): Critical Issues in Policing –<br />
contemporary readings. Waveland Press, 4 th Edition: 559-582.<br />
Brooks, Laure Weber (2001), “Police Discretionary Behavior – a study of style” in Dunham, Roger<br />
G & Alpert, Geoffrey P, ed (2001): Critical Issues in Policing – contemporary readings (Waveland<br />
Press, 4 th Edition): 117-131.<br />
Chalon, Maurice; Leónard, Lucie; Van<strong>de</strong>rschureren, Franz and Vézina, Clau<strong>de</strong> (2001), Urban<br />
Safety and Good Governance: the role of the police. Nairobi: International Centre for the<br />
Prevention of Crime.<br />
Clarke, Ronald V (1992), “Introduction” in CLARKE, Ronald V, ed (1992): Situational Crime<br />
Prevention: Successful Case Studies. Harrow & Heston: 1-42<br />
Cordner, Gary W. (1996), ‘Evaluating Tactical Patrol’, in Larry T. Hoover, ed., Quatifying Quality<br />
in Policing, 185—206. Washington, D.C.: Police Executive Research Forum (PERF).<br />
Cordner, Gary W.; Gaines, Larry K. and Kappeller, Victor E., eds. (1996), Police Operations:<br />
analysis and evaluation. Cincinnati, OH: An<strong>de</strong>rson Publishing Co.<br />
Couper, David C. (1983). How to Rate Your Local Police. Washington, PERF.<br />
Crank, John P. (2003), ‘Institutional theory of the police: a review of the state of the art’, Policing:<br />
an international journal of police strategies and management, 26/2: 186-207.<br />
Cusson, Maurice (1999), ‘Qu’est-ce que la securité intérieure?’ (What is internal security?),<br />
electronic document, University of Montreal, [crim.umontreal.ca], 22 pages.<br />
Dziedzic, Michael J. (1998), ‘Introduction’ in Robert B Oakley, Michael J Dziedzic and Eliot M<br />
Goldberg, eds., Policing the New World Disor<strong>de</strong>r: peace operations and public security, 3—
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
18. Washington: National Defense University Press.<br />
Feltes, Thomas (2003), ‚Frischer Wind und Aufbruch zu neuen Ufern? Was gibt es Neues zum<br />
Thema Polizeiforschung und Polizeiwissenschaft?’ (Fresh winds and a <strong>de</strong>parture to new coasts?<br />
What is new in police research and police science?), eletronic document, [www.thomasfeltes.<strong>de</strong>/<br />
Literatur.htm], 9 pages.<br />
Fielding, Nigel G. (2002), ‘Theorizing Community Policing’, British Journal of Criminology, 42:<br />
147—163.<br />
Hansen, A.S. (2002), From Congo to Kosovo: <strong>Civil</strong>ian Police in Peace Operations. London:<br />
IISS / Oxford University Press.<br />
Hoover, Larry T. (coord.) (1998). Police Program Evaluation. Washington DC: Police Executive<br />
Research Forum and Sam Houston State University.<br />
Hunt, Jennifer (1999) “Police Accounts of Normal Force” (in Kappeler, Victor E, ed (1999): The<br />
Police and Society – touchstone readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 2 nd Edition:<br />
306-324.<br />
Jones, Trevor and Newburn, Tim (2002), “The transformation of policing? un<strong>de</strong>rstanding current<br />
trends in policing systems”, British Journal of Criminology, 42: 120-146.<br />
Kappeler, Victor E et al (2000a) “The Social Construction of Crime Myths” in Kappeler, Victor E<br />
et al (2000): The Mythology of Crime and Criminal Justice. Prospect Heights, Ill.: Waveland<br />
Press: 1-26.<br />
——— (2000b), “Merging Myths and Misconceptions of Crime and Justice” in KAPPELER,<br />
Victor E et al (2000): The Mythology of Crime and Criminal Justice. Prospect Heights, Ill.:<br />
Waveland Press: 297-310.<br />
Kappeler, Victor E., ed. (1999), The Police and Society – touchstone readings, 2 nd Edition.<br />
Prospect Heights, Ill.: Waveland Press.<br />
Kelling, Geroge L (1996) “Defining the bottom line in policing – organizational philosophy and<br />
accountability” in Hoover, Larry H (1996): Quantifying Quality in Policing. Wahsington DC,<br />
PERF: 23-36.<br />
Kelly, Michael J. (1998), ‘Legitimacy and the Public Security Function’ in Robert B Oakley,<br />
Michael J Dziedzic and Eliot M Goldberg, eds., Policing the New World Disor<strong>de</strong>r: peace<br />
operations and public security, 399—432. Washington DC: National Defense University Press.<br />
Klockars, Calr B (1985), The I<strong>de</strong>a of Police. London: Sage.<br />
Lima, Roberto Kant (1994), A <strong>Polícia</strong> da Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />
Forense.<br />
Manning, Peter K (1999a) “Mandate, Strategies and Appearances” in Kappeler, Victor E, ed<br />
(1999): The Police and Society – touchstone readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press,<br />
2 nd Edition: 94-122.<br />
——— (1999b) “Economic Rethoric and Policing Reform” in Kappeler, Victor E, ed (1999): The<br />
Police and Society – touchstone readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 2 nd Edition:<br />
446-462.<br />
——— (1999c) “Violence and Symbolic Violence” in Kappeler, Victor E, ed (1999): The Police<br />
and Society – touchstone readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 2 nd Edition: 395-<br />
401.<br />
——— (2004), ‘Some Observations Concerning a Theory of Democratic Policing’ (Draft),<br />
Conference on Police Violence, Bochom, Germany, April. 8 pp.<br />
McDonald, Phyllis Parshall (2001), “COP, COMPSTAT, and the New Profissionalism – mutual support<br />
or counterproductivity?” in Dunham, Roger G & Alpert, Geoffrey P, ed (2001): Critical Issues in<br />
Policing – contemporary readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 4 th Edition: 255-277.<br />
71
72<br />
Da Accountability Seletiva à Plena Responsabilida<strong>de</strong> Policial<br />
——— (2002), Managing Police Operations – implementing the New York Crime Control<br />
Mo<strong>de</strong>l – CompStat New York: Wadsworth.<br />
Muir Jr, William Ker (1977). Police: Streetcorner politicians. Chicago: The University of<br />
Chicago Press.<br />
Muniz, Jacqueline (1999) “Ser policial é sobretudo uma razão <strong>de</strong> ser”. Tese <strong>de</strong> Doutorado. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: IUPERJ.<br />
——— (2001), ‘A Crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das polícias’ (The polices’ i<strong>de</strong>ntity crisis), REDES 2001<br />
Meeting, Washington, DC, electronic document, 42 pp.<br />
Muniz, Jacqueline & Proença Jr, Domício (2003), “Police Use of Force: The Rule of Law and Full<br />
Accountability”, Comparative Mo<strong>de</strong>ls of Accountability Seminar. INACIPE, Ciudad <strong>de</strong> Mexico,<br />
29-30 October, 10 pp.<br />
Muniz, Jacqueline; Proença Jr, Domício; Diniz, Eugenio (1999). Uso da força e ostensivida<strong>de</strong>.<br />
Boletim <strong>de</strong> Conjuntura Política. Belo Horizonte, Departamento <strong>de</strong> Ciência Política, Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
Neocleous, Mark (2000a), ‘Social Police and the Mechanisms of Prevention’, British Journal of<br />
Criminology, 40: 710—726.<br />
——— (2000b), The Fabrication of Social Or<strong>de</strong>r: a critical theory of police power. London:<br />
Pluto Press.<br />
Proença Jr, Domício (2003a), “O enquadramento das Missões <strong>de</strong> Paz (PKO) nas teorias da<br />
guerra e teoria <strong>de</strong> polícia”, in Esteves, Paulo Luiz (org.), 2003. Instituições Internacionais:<br />
Comércio, Segurança e Integração. Belo Horizonte: Editora PUC Minas.<br />
——— (2003b). “Some Consi<strong>de</strong>rations on the Theoretical Standing of Peacekeeping Operations”.<br />
In: Low Intensity Conflict and Law Enforcement 9(3): 1-34. Frank Cass Co.<br />
Proença Jr, Domício. & Muniz, Jacqueline (2006a), “Rumos para a Segurança Pública no Brasil<br />
- o <strong>de</strong>safio do trabalho policial”, in Bartholo, R. e Porto, M.F. Sentidos do Trabalho Humano. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: E-Papers: 257-268.<br />
——— (2006b) “‘Stop or I’ll call the Police!’ The I<strong>de</strong>a of Police, or the effects of police encounters<br />
over time”, British Journal of Criminology 46: 234-257.<br />
Rahtz, Howard (2003), Un<strong>de</strong>rstanding Police Use of Force. Monsey: Criminal Justice Press.<br />
Reiner, Robert (1996) “Processo ou Produto? Problemas <strong>de</strong> avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial<br />
individual” in Brou<strong>de</strong>r, Jean-Paul, ed (2002): Como reconhecer bom policiamento. São Paulo:<br />
EdUSP: 83-102.<br />
Robinson, Cyril D.; Scaglion, Richard and Olivero, J. Michael (1994), Police in Contradiction:<br />
the evolution of the police function in society. Westport, Conn: Greenwood Press.<br />
Sacco, Vincent F (1996) “Avaliando Satisfação” in BROUDER, Jean-Paul, ed (2002): Como<br />
reconhecer bom policiamento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: EdUSP: 157-174.<br />
Schmidl, Erwin A. (1998), ‘Police Functions in Peace Operations’ in Robert B Oakley, Michael J<br />
Dziedzic and Eliot M Goldberg, eds., Policing the New World Disor<strong>de</strong>r: peace operations and<br />
public security, 19—40. Washington: National Defense University Press.<br />
Skolnick, Jerome H. (1994 [1966]). Justice Without Trial: Law Enforcement in Democratic<br />
Society. New York: Macmillan College Publishing Company, 3 rd ed.<br />
Vizzard, William J. (1995), ‘Reassessing Bittner’s thesis: un<strong>de</strong>rstanding coercion and the police<br />
in light of Waco and the Los Angeles riots’, Police Studies: International Review of Police<br />
Development, 18/3: 1—18.<br />
Varenick, Robert O. (2005), Accountability: sistema policial <strong>de</strong> rendicion <strong>de</strong> cuentas. Ciudad<br />
<strong>de</strong> Mexico: Instituto para la Seguridad y la Democracia.<br />
Vargas, Ernesto López Portillo (2005), “Accountability: mo<strong>de</strong>los distintos, lecciones comunes” in
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz & Domício Proença Júnior<br />
Robert O Varenik, Accountability: sistema policial <strong>de</strong> rendicion <strong>de</strong> cuentas: 19—48. Ciudad<br />
<strong>de</strong> Mexico: Instituto para la Seguridad y la Democracia<br />
VVAA (1998) Crime Organizado e Política <strong>de</strong> Segurança Pública no Rio <strong>de</strong> Janeiro, Arché no. 19.<br />
Walker, Samuel (2004), ‘Science and Politics in Police Research: reflections on their tangled<br />
relationship’, The Annals of the American Aca<strong>de</strong>my of Political and Social Science, 593/1:<br />
137—155.<br />
——— (2005), The New World of Police Accountability. New York: Sage.<br />
Whitaker, Gordon P (1996) “What is Patrol Work?” in Cordner, Gary W et al, ed (1996): Police<br />
Operations – analysis and evaluation. Prospect Heights, Ill.: An<strong>de</strong>rson Pub Co.: 55-70.<br />
73
74<br />
Artigo<br />
A PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA.<br />
O CASO BRADFORD E A EXPERIÊNCIA BRITÂNICA FRENTE AOS<br />
DESAFIOS DO RACISMO, DA EXCLUSÃO SOCIAL E DO<br />
TERRORISMO.<br />
Gastón Hernán Schulmeister *<br />
INTRODUÇÃO<br />
O tema da participação comunitária chama a atenção para<br />
o déficit <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong> e para canalização <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong><br />
nossas socieda<strong>de</strong>s, sendo útil à melhoria do funcionamento das<br />
instituições <strong>de</strong> segurança.<br />
A experiência do fórum <strong>de</strong> participação social com a polícia,<br />
na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bradford, on<strong>de</strong> as diferentes minorias étnicas estão<br />
representadas diante <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> dividida —com problemas<br />
<strong>de</strong> exclusão social e <strong>de</strong>teriorada pelo terrorismo—, é um mo<strong>de</strong>lo<br />
para ser pensado na América Latina.<br />
A partir das realida<strong>de</strong>s locais, a constituição <strong>de</strong> foros <strong>de</strong><br />
participação que garantam a diversida<strong>de</strong> em termos <strong>de</strong> classe social<br />
—<strong>de</strong>rivada das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sócio-econômicas—, constitui uma<br />
opção a ser levada em consi<strong>de</strong>ração na hora <strong>de</strong> formular políticas<br />
em nossa região.<br />
Para <strong>de</strong>linear políticas <strong>de</strong> segurança e impulsionar eventuais iniciativas<br />
e reformas, primeiramente é preciso, entre outras coisas, estar em<br />
condições <strong>de</strong> fazer um diagnóstico a<strong>de</strong>quado da realida<strong>de</strong> a ser analisada,<br />
começando pelo cenário em questão e pelas diferentes capacida<strong>de</strong>s<br />
institucionais com as quais se conta.<br />
No entanto, no momento <strong>de</strong> pensar na busca <strong>de</strong> novas respostas<br />
frente a <strong>de</strong>mandas cada vez mais complexas, é imperioso ter a imaginação<br />
e a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento suficientes para não ser prisioneiro <strong>de</strong> velhos<br />
* Gastón Hernán Schulmeister é Mestre em Estudos Internacionais pela Universida<strong>de</strong> Torcuato<br />
Di Tella. Destaca-se em sua formação e experiência profissional ter sido Chevening Fellow 2006<br />
do Foreign and Commonwealth Office of the United Kingdom, no Department of Peace Studies<br />
da University of Bradford, para o estudo <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> reforma da segurança em países<br />
emergentes <strong>de</strong> conflito. Este curso <strong>de</strong> aperfeiçoamento incluiu um programa com a West Yorkshire<br />
Police, on<strong>de</strong> foram examinados os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> vigiar uma socieda<strong>de</strong> dividida <strong>de</strong>ntro da Grã-<br />
Bretanha. Além disso, entre as diversas visitas <strong>de</strong> estudo realizadas, seu programa incluiu uma<br />
estadia na Irlanda do Norte para observar a transformação dos serviços <strong>de</strong> segurança como<br />
parte do processo <strong>de</strong> paz em <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
ARGENTINA
Gastón Hernán Schulmeister<br />
estereótipos, em consonância com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r e reconhecer<br />
verda<strong>de</strong>iramente o caráter multifacetário que a segurança supõe, e a<br />
abordagem holística (leia-se integral) que a mesma requer em nossos tempos.<br />
Partindo <strong>de</strong>ssas premissas, o presente ensaio tem por objetivo<br />
central ser o gatilho <strong>de</strong> novas idéias na América Latina. Para isso, o trabalho<br />
enfoca a experiência do fórum social na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bradford (Inglaterra)<br />
com a West Yorkshire Police (WYP), diante dos <strong>de</strong>safios contemporâneos<br />
<strong>de</strong> vigiar uma socieda<strong>de</strong> dividida <strong>de</strong>ntro do Reino Unido e a complexida<strong>de</strong><br />
do terrorismo internacional, como um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> participação a ser<br />
consi<strong>de</strong>rado, conforme as realida<strong>de</strong>s e necessida<strong>de</strong>s locais.<br />
Em conseqüência, a relevância da abordagem da participação<br />
comunitária no estudo <strong>de</strong> caso formulado, no qual as diferentes minorias<br />
étnicas estão representadas, tem múltiplos aspectos inter-relacionados a<br />
serem <strong>de</strong>stacados.<br />
Em primeiro lugar, a política implementada no Reino Unido serve<br />
para exemplificar como, inclusive para temas complexos como o<br />
terrorismo (associados geralmente a <strong>de</strong>litos fe<strong>de</strong>rais e/ou que afetam a<br />
segurança nacional <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong> vista institucional), a abordagem<br />
consi<strong>de</strong>rando a perspectiva local, o nível <strong>de</strong> resposta mais inferior do<br />
Estado, está ausente. Nesse sentido, esse caso, em particular, exemplifica<br />
como o terrorismo repercute e <strong>de</strong>safia a geração <strong>de</strong> respostas a partir<br />
do contexto local.<br />
Em segundo lugar, o tratamento não tradicional frente ao terrorismo<br />
que se coloca nesse caso <strong>de</strong>monstra o reconhecimento da complexida<strong>de</strong><br />
que o fenômeno possui, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o aspecto social, seja pela sua natureza ou<br />
pelos efeitos colaterais que provoca no seio da socieda<strong>de</strong>, estando em<br />
jogo questões <strong>de</strong> critério étnico e religioso que se entrelaçam. Isso é<br />
parte da aplicação prática <strong>de</strong> um enfoque holístico da segurança à realida<strong>de</strong>,<br />
longe <strong>de</strong> ser um exercício ou uma conjectura meramente teórica e/ou<br />
“politicamente correta” <strong>de</strong> abordar a questão.<br />
Em terceiro lugar, a partir da experiência do fórum <strong>de</strong> participação<br />
comunitária das minorias em Bradford, abordada no presente ensaio,<br />
adverte-se que o mesmo não esgota o tema do terrorismo e que, além<br />
disso, sua verda<strong>de</strong>ira origem remonta <strong>de</strong> fato a problemas <strong>de</strong> integração<br />
75
76<br />
A participação comunitária<br />
social vividos pela socieda<strong>de</strong> britânica, cujos distúrbios raciais ocorridos em<br />
julho <strong>de</strong> 2001 foram o ponto <strong>de</strong> inflexão para as relações da polícia com a<br />
comunida<strong>de</strong>, tal como se analisará no <strong>de</strong>senvolvimento do presente trabalho.<br />
Tal aspecto é um dos pontos mais importantes a se ter em mente,<br />
não só para enten<strong>de</strong>r a gênese do processo <strong>de</strong> mudança ocorrido no caso<br />
Bradford, mas também porque a situação que a originou nos aproxima,<br />
para sua possível aplicação, das realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>rivadas dos problemas sócioeconômicos<br />
visíveis em diversas comunida<strong>de</strong>s da América Latina.<br />
Esses são alguns dos aspectos que, a partir das reflexões sobre a<br />
participação comunitária no caso extra-regional <strong>de</strong> Bradford, serão<br />
importantes para as correspon<strong>de</strong>ntes reproduções a serem promovidas<br />
na América Latina.<br />
Nesse sentido, embora os problemas prioritários em matéria <strong>de</strong><br />
segurança em nossa região (associados direta ou indiretamente às<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e à marginalida<strong>de</strong> social) sejam menos complexos que o<br />
terrorismo como problemática, nem por isso <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser menos<br />
<strong>de</strong>safiantes, compartilhando, além disso, a gênese que na verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>u<br />
origem aos mecanismos <strong>de</strong> participação em Bradford (a exclusão social),<br />
impossíveis <strong>de</strong> serem superficialmente tratados sem que se ignore as<br />
particularida<strong>de</strong>s do caso.<br />
CONTEXTO<br />
Para i<strong>de</strong>ntificar a literatura recente sobre o tema que nos agrega<br />
em torno da participação comunitária, torna-se oportuno consi<strong>de</strong>rar como<br />
marco <strong>de</strong> referência o trabalho realizado pela <strong>Re<strong>de</strong></strong> 14/Urb-Al.<br />
Montada a partir da missão geral <strong>de</strong> buscar estabelecer um vínculo<br />
<strong>de</strong> colaboração entre cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> continentes diferentes, a <strong>Re<strong>de</strong></strong> 14 constitui<br />
um programa <strong>de</strong> cooperação <strong>de</strong>scentralizado da Comissão Européia com<br />
a América Latina, cujo objetivo foi buscar soluções consensuais para os<br />
<strong>de</strong>safios comuns das cida<strong>de</strong>s européias e latino-americanas, tanto em<br />
matéria <strong>de</strong> políticas urbanas, como <strong>de</strong> equipamentos, formação <strong>de</strong><br />
recursos humanos, li<strong>de</strong>rança das autorida<strong>de</strong>s locais e promoção das boas<br />
práticas urbanas 1 .
Gastón Hernán Schulmeister<br />
Foi a partir <strong>de</strong> tais objetivos que a <strong>Re<strong>de</strong></strong> se encarregou, durante os<br />
últimos três anos (2003-2006), <strong>de</strong> monitorar políticas públicas na esfera<br />
da segurança cidadã em nível regional, junto com a análise <strong>de</strong> estatísticas e<br />
realida<strong>de</strong>s particulares em cada país consi<strong>de</strong>rado, constituindo uma fonte<br />
<strong>de</strong> referência bibliográfica obrigatória e atualizada.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tal marco <strong>de</strong> referência bibliográfica, dois livros<br />
<strong>de</strong> Lucía Dammert, editados pela mesma <strong>Re<strong>de</strong></strong>, são muito valiosos para<br />
a<strong>de</strong>ntrar no tema da participação comunitária. Ambos são posteriores ao<br />
trabalho conhecido como “Documento Base” (2003), que reflete os<br />
alicerces teóricos das discussões empreendidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então 2 .<br />
O primeiro é o livro titulado “Segurança Cidadã: Experiências e<br />
Desafios” (2004) 3 , cujo texto se organiza em três capítulos, referentes<br />
ao marco conceptual, às experiências temáticas e às experiências<br />
territoriais, reunindo contribuições <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacados especialistas da América<br />
Latina e da Europa, cujos enfoques <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> temática e<br />
metodológica refletem o caráter interdisciplinar do campo em estudo.<br />
O segundo trabalho é o livro “Cida<strong>de</strong> e Segurança na América Latina”<br />
(2005) 4 , cujas três seções principais abordam as áreas <strong>de</strong> intervenção<br />
dos governos locais, as diversas experiências locais e as ferramentas e<br />
técnicas <strong>de</strong> trabalho em nível local. O trabalho em questão vem a<br />
complementar os <strong>de</strong>bates conceituais <strong>de</strong>senvolvidos até então, constatando<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> focalizar a atenção sobre o papel do governo local na<br />
prevenção da violência e da <strong>de</strong>linqüência.<br />
Entre o restante da bibliografia <strong>de</strong> consulta merecem também<br />
<strong>de</strong>staque outros dois trabalhos <strong>de</strong> Lucía Dammert: um sobre “Prevenção<br />
comunitária do <strong>de</strong>lito na América Latina” (2004) 5 e outro sobre “A<br />
construção <strong>de</strong> cidadania como estratégia para o fomento da convivência e<br />
a segurança” (2005) 6 .<br />
Além disso, o livro sobre “Segurança e reforma policial nas Américas”<br />
(2005) 7 se constitui em outra fonte a ser incluída na bibliografia <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />
mais recente. Nesse sentido, a análise comparativa oferecida sobre<br />
segurança pública e sobre reformas policiais na América Latina (com os<br />
estudos <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, México<br />
e Estados Unidos) constitui outra referência obrigatória para todo aquele<br />
interessado em abordar a relação polícia-socieda<strong>de</strong>.<br />
77
78<br />
A participação comunitária<br />
Voltaremos mais adiante a abordar alguns dos conteúdos<br />
particulares da bibliografia previamente citada, para po<strong>de</strong>rmos<br />
contextualizar e situar a discussão do presente trabalho com ferramentas<br />
analíticas e conceituais pontuais.<br />
DESENVOLVIMENTO<br />
As iniciativas <strong>de</strong> participação comunitária<br />
Como esclarecimento conceitual, e para efeito <strong>de</strong> organização<br />
metodológica, a participação comunitária sobre a qual se enfoca o presente<br />
estudo <strong>de</strong> caso está associada fundamentalmente ao tipo <strong>de</strong> iniciativas que<br />
se costuma reconhecer como produto da iniciativa do governo e da<br />
instituição policial 8 , vinculadas ao âmbito específico <strong>de</strong> participação da<br />
relação polícia-comunida<strong>de</strong> 9 .<br />
Não obstante, ao longo da análise do caso Bradford, serão citados<br />
outros tipos <strong>de</strong> iniciativas que nasceram da preocupação dos próprios<br />
cidadãos, e estão mais vinculadas com associações comunitárias.<br />
Por sua vez, vale lembrar que <strong>de</strong>ntro a bibliografia sobre o tema<br />
outros tipos <strong>de</strong> classificações mais completas costumam levar em conta<br />
por um lado quem participa (distinguindo entre participação direta e<br />
indireta, através dos vizinhos ou dos dirigentes da comunida<strong>de</strong>) e, por<br />
outro, o tipo <strong>de</strong> participação <strong>de</strong>senvolvido (ativo ou passivo, estando<br />
vinculado o primeiro mais com o formato e/ou com a própria<br />
implementação das iniciativas) 10 .<br />
O Caso BRADFORD<br />
Com o propósito <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrarmos no estudo <strong>de</strong> caso em análise,<br />
é pertinente traçarmos algumas consi<strong>de</strong>rações gerais sobre a cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Bradford, assim como sobre a polícia, que tem sob sua jurisdição,<br />
além <strong>de</strong> Bradford, os distritos metropolitanos <strong>de</strong> Leeds, Wakefield,<br />
Kirklees e Cal<strong>de</strong>rdale.<br />
Situado ao norte da Inglaterra, o distrito <strong>de</strong> Bradford cobre uma<br />
área <strong>de</strong> aproximadamente 370 quilômetros quadrados, das quais cerca
Gastón Hernán Schulmeister<br />
<strong>de</strong> 65% é rural. Por cauda <strong>de</strong> sua extensão constitui-se em um dos maiores<br />
distritos da região, com uma população ao redor <strong>de</strong> 470 mil habitantes.<br />
O distrito <strong>de</strong> Bradford é bastante diversificado, tanto nas suas<br />
paisagens quanto na sua <strong>de</strong>mografia, contando com uma população variada<br />
que representa uma ampla gama <strong>de</strong> origens étnico-culturais e condições<br />
econômicas, da qual se distingue uma importante população asiática<br />
proveniente, na sua maioria, do Paquistão.<br />
A partir <strong>de</strong> seu crescente <strong>de</strong>senvolvimento e regeneração<br />
populacional, Bradford teve que enfrentar diversos <strong>de</strong>safios, <strong>de</strong>rivados<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>semprego acima da média nacional, resultados educacionais e <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> abaixo da média, e níveis <strong>de</strong> moradias abaixo do padrão em algumas<br />
partes do distrito.<br />
A partir da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos étnicos, o distrito teve que<br />
enfrentar problemas <strong>de</strong> integração social, diante <strong>de</strong> reiterados “inci<strong>de</strong>ntes<br />
raciais”, enten<strong>de</strong>ndo esses como inci<strong>de</strong>ntes on<strong>de</strong> a raça, etnia ou religião<br />
da vítima foi percebida como um fator contribuinte para a causa do<br />
inci<strong>de</strong>nte. Segundo registros oficiais, entre 2003-2004, 648 inci<strong>de</strong>ntes<br />
raciais foram <strong>de</strong>nunciados à WYP (West Yorkshire Police).<br />
Por sua vez, os problemas <strong>de</strong> integração social se combinaram com<br />
problemas <strong>de</strong> integração econômica, com um alto índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego<br />
do qual são vítimas especialmente os grupos minoritários, a partir dos<br />
comportamentos raciais aludidos anteriormente. Tal quadro conduziu a<br />
graves problemas <strong>de</strong> exclusão social, aos quais a União Européia prestou<br />
atenção, instituindo diversos programas <strong>de</strong> ajuda e cooperação internacional<br />
(B-Equal project) 11 .<br />
Segundo estatísticas oficiais em nível nacional, perto <strong>de</strong> 2,5 milhões<br />
<strong>de</strong> asiáticos vivem na Inglaterra, muitos dos quais se assentaram nos centros<br />
manufatureiros do norte do país, como Bradford. O <strong>de</strong>clínio da indústria<br />
manufatureira afetou essas povoações, levando muitos <strong>de</strong> seus cidadãos<br />
ao <strong>de</strong>semprego e à pobreza e cuja “exclusão social” implícita seria<br />
constatada <strong>de</strong>pois dos episódios raciais <strong>de</strong> 2001 12 , os quais analisaremos<br />
mais adiante.<br />
Além disso, adotando um critério religioso, na zona <strong>de</strong> Yorkshire<br />
as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Bradford e Leeds abrigam um importante número <strong>de</strong><br />
79
80<br />
A participação comunitária<br />
muçulmanos, mesmo que <strong>de</strong> menor importância, em termos absolutos,<br />
do que o das comunida<strong>de</strong>s presentes em Birmingham, Manchester e<br />
Londres 13 . Neste sentido, as referências aos muçulmanos como<br />
comunida<strong>de</strong> foram reiteradas, sobretudo após diversos episódios<br />
relacionados com o terrorismo internacional, o que obriga a tomar tal<br />
comunida<strong>de</strong> como critério social <strong>de</strong> análise, longe <strong>de</strong> todo clichê e<br />
estigmatização que usualmente os meios <strong>de</strong> comunicação costumam gerar<br />
sobre tal classificação.<br />
WEST YORKSHIRE Police<br />
Quanto à jurisdição da West Yorkshire Police (WYP), a mesma<br />
exce<strong>de</strong> à cida<strong>de</strong> e ao distrito <strong>de</strong> Bradford, ao prestar serviço a uma<br />
população com cerca <strong>de</strong> 2.1 milhões <strong>de</strong> habitantes que vivem em um dos<br />
cinco distritos metropolitanos, cuja área física assistida tem<br />
aproximadamente 2.034 quilômetros quadrados 14 .<br />
A WYP constitui a quarta maior força policial da Inglaterra, contando<br />
com cerca <strong>de</strong> 5.685 oficiais <strong>de</strong> polícia e 3.670 <strong>de</strong> pessoal civil (incluindo<br />
461 policiais comunitários <strong>de</strong> apoio), ambos com uma estrutura <strong>de</strong><br />
categorias formalizada, e organizada em 13 divisões, das quais 3 se<br />
encontram no distrito <strong>de</strong> Bradford (Bradford North, Bradford South e<br />
Keighley). 15<br />
Entre suas principais ativida<strong>de</strong>s, encontram-se o patrulhamento<br />
diário, as investigações criminais, o controle do trânsito e o apoio<br />
operacional. Nesse sentido, embora as divisões policiais se encarreguem<br />
<strong>de</strong> fornecer a maioria dos serviços policiais diários, dispõe-se também <strong>de</strong><br />
equipes especializadas, localizadas nos quartéis-generais e em outras<br />
instalações.<br />
Quanto aos objetivos perseguidos, tal como consta no relatório <strong>de</strong><br />
planejamento estratégico anual 2005-2006 da WYP 16 , as quatro priorida<strong>de</strong>s<br />
que estão estipuladas são: 1. trabalhar em socieda<strong>de</strong> para criar<br />
comunida<strong>de</strong>s mais seguras; 2. reduzir o crime e levar mais casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
à Justiça; 3. melhorar a satisfação e a confiança pública; e 4. proce<strong>de</strong>r a<br />
melhor utilização dos recursos humanos e materiais da força.<br />
Sobre a priorida<strong>de</strong> número 1 (a criação <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s mais
Gastón Hernán Schulmeister<br />
seguras) é que o presente ensaio preten<strong>de</strong> lançar luz, principalmente<br />
<strong>de</strong>stacando, ao mesmo tempo, sua inter-relação com as preocupações<br />
com a confiança e com a boa imagem pública da força. Para isso, torna-se<br />
oportuno consi<strong>de</strong>rar uma série <strong>de</strong> feitos e episódios inter-relacionados<br />
nos últimos anos, os quais analisaremos nos parágrafos seguintes.<br />
Terrorismo: entre conseqüências sociais colaterais e causas sociais<br />
subjacentes<br />
No dia 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005, três explosões ocorreram ao redor das<br />
8h50min da manhã no sistema <strong>de</strong> transporte subterrâneo londrino. A<br />
primeira <strong>de</strong>las ocorreu na Circle Line, entre as estações Alégate e Liverpool<br />
Street, a seguinte na estação Edgware Road, e a terceira na Picadilly Line,<br />
entre Russell Square e King’s Cross. Às 9h47min, uma quarta explosão<br />
ocorreu na parte superior <strong>de</strong> um London bus, em Tavistock Place 17 .<br />
Como resultado dos atentados terroristas <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005 em<br />
Londres (7/7), 52 pessoas foram assassinadas e centenas ficaram feridas.<br />
Os autores dos atentados terroristas do 7/7, também mortos no<br />
ataque suicida, foram i<strong>de</strong>ntificados como: Mohammed Sid<strong>de</strong>que Khan,<br />
Hasib Hussein, Shazad Tanweer e Jermaine Lindsay.<br />
Khan, o mais velho dos quatro terroristas, com 30 anos, tinha<br />
nascido em Leeds e parece haver sido o cabeça do grupo. Da mesma<br />
forma que Tanweer (22 anos) e Hussein (18 anos), Khan era a segunda<br />
geração <strong>de</strong> cidadãos britânicos, cujos pais eram <strong>de</strong> origem paquistanesa.<br />
Os antece<strong>de</strong>ntes dos homens não eram excepcionais, com pouca<br />
diferenciação entre suas experiências <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> qualquer outra pessoa<br />
da média <strong>de</strong> sua geração, origem étnica e condição social, à exceção <strong>de</strong><br />
Lindsay (<strong>de</strong> 19 anos) que nasceu na Jamaica.<br />
Segundo o relatório oficial sobre os atentados em Londres, o 7/7 18,<br />
o grupo <strong>de</strong> jovens perpetrador dos fatos esteve motivado por um “feroz<br />
antagonismo para as percebidas injustiças do Oci<strong>de</strong>nte contra os<br />
muçulmanos” e por um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> martírio 19 .<br />
Entre outras coisas, se reconhece também que permanece sem<br />
81
82<br />
A participação comunitária<br />
esclarecimento até que ponto esteve envolvida a organização al-Qaeda<br />
nos ataques, assim como a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que outros elementos no<br />
Reino Unido estivessem envolvidos na radicalização, na incitação do grupo,<br />
ou na ajuda ao mesmo para planejar e executar o plano, mesmo porque<br />
também não existe evidência <strong>de</strong> um quinto atacante 20 .<br />
No vasto trabalho, o relatório publicado em maio <strong>de</strong> 2006 apresenta<br />
<strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> como os quatro atacantes se radicalizaram e <strong>de</strong> como os<br />
ataques foram levados a cabo. Em relação à sistematização <strong>de</strong> movimentos,<br />
obtida a partir do sistema <strong>de</strong> câmaras <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o CCTV e relatos <strong>de</strong><br />
testemunhas, cabe ressaltar a i<strong>de</strong>ntificação da caminhonete na qual se<br />
<strong>de</strong>slocaram os indivíduos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leeds, na Hy<strong>de</strong> Park Road, na<br />
madrugada do dia 7/7 21 .<br />
Uma vez ocorridos os episódios terroristas <strong>de</strong> Londres e<br />
materializada a hipótese <strong>de</strong> que jovens islâmicos britânicos que vivem no<br />
Reino Unido pu<strong>de</strong>ssem se radicalizar ou serem influenciados pela i<strong>de</strong>ologia<br />
propagada pela re<strong>de</strong> al-Qaeda (<strong>de</strong>bate gerado <strong>de</strong> antemão pelos episódios<br />
do 11 <strong>de</strong> setembro nos Estados Unidos), a comunida<strong>de</strong> muçulmana voltaria<br />
a ser objeto <strong>de</strong> atenção, acusações e suspeitas. Tal como consta no relatório<br />
oficial sobre o 7/7 previamente citado, o primeiro sinal concreto <strong>de</strong> que<br />
o Reino Unido transformara-se em um alvo <strong>de</strong> ataque terrorista, mesmo<br />
que não houvesse indício algum <strong>de</strong> um envolvimento <strong>de</strong> al-Qaeda, foi em<br />
novembro <strong>de</strong> 2000, quando dois cidadãos britânicos <strong>de</strong> origem bengali<br />
foram <strong>de</strong>tidos em Birmingham, resultando na con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les<br />
por <strong>de</strong>litos relacionados com explosivos, sendo sentenciado a 20 anos <strong>de</strong><br />
prisão 22 .<br />
Segundo Roger Ardí, analista <strong>de</strong> assuntos islâmicos da BBC, só<br />
recentemente as comunida<strong>de</strong>s muçulmanas estiveram no centro da<br />
polêmica, apesar <strong>de</strong> terem se estabelecido no Reino Unido há muito tempo.<br />
Segundo o especialista, até a campanha contra o escritor Salman Rushdie,<br />
em fins da década <strong>de</strong> 80, a maioria dos britânicos estava pouco consciente<br />
da criação <strong>de</strong> novas comunida<strong>de</strong>s islâmicas em cida<strong>de</strong>s industriais como<br />
Leeds e Bradford. Nesse sentido, “o caso Rushdie abriu pela primeira<br />
vez um <strong>de</strong>bate sobre a possível aparição <strong>de</strong> uma nova geração <strong>de</strong> jovens<br />
muçulmanos <strong>de</strong>scontentes”. 23<br />
Em termos <strong>de</strong> polícia, o impacto dos eventos terroristas do 7/7<br />
em Londres foi direto sobre a West Yorkshire. A investigação sobre
Gastón Hernán Schulmeister<br />
aqueles que cometeram os atos terroristas conduziu ao condado no qual<br />
tem jurisdição a WYP, em uma investigação conjunta com a área<br />
metropolitana (a Operação Theseus) que <strong>de</strong>mandou um importante<br />
esforço <strong>de</strong> tempo e recursos.<br />
Entre os episódios mais recentes que envolvem a zona, no dia 5 <strong>de</strong><br />
março <strong>de</strong> 2006, quatro homens, dois <strong>de</strong> 18 anos e dois <strong>de</strong> 19 anos,<br />
foram <strong>de</strong>tidos na residência <strong>de</strong> estudantes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bradford,<br />
sob a suspeita <strong>de</strong> cometerem <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> terrorismo. Segundo um portavoz<br />
da <strong>Polícia</strong> Metropolitana (Scotland Yard), os quatro indivíduos foram<br />
<strong>de</strong>tidos pela suspeita da comissão <strong>de</strong> preparação ou instigação <strong>de</strong> atos <strong>de</strong><br />
terrorismo, contemplados sob a Ata <strong>de</strong> Terrorismo 2000, mesmo que<br />
não tenha existido conexão com os atentados do 7/7. 24<br />
Além disso, em junho <strong>de</strong> 2006 por exemplo, um homem <strong>de</strong><br />
Bradford, <strong>de</strong> 21 anos e <strong>de</strong> origem paquistanesa, foi <strong>de</strong>tido no Aeroporto<br />
<strong>de</strong> Manchester. Segundo fontes consultadas pela BBC, após sua captura o<br />
suspeito foi interrogado em relação a <strong>de</strong>tenções levadas a cabo no Canadá<br />
por um suposto atentado frustrado da al-Qaeda. A operação envolveu a<br />
WYP e o serviço <strong>de</strong> inteligência interior britânico MI5, assim como a<br />
Scotland Yard. Por tais motivos, a polícia <strong>de</strong> Yorkshire investigou diversas<br />
proprieda<strong>de</strong>s na área <strong>de</strong> Bradford. 25<br />
Em conseqüência, aos objetivos do presente ensaio 26 , merece ser<br />
<strong>de</strong>stacado que a procedência dos terroristas do 7/7 da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leeds,<br />
limítrofe a Bradford, concentrou a comoção social na zona pela<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que rapazes britânicos, pertencentes à comunida<strong>de</strong><br />
muçulmana, tenham sido os primeiros suicidas nacionais a levar a cabo<br />
atentados em solo britânico, colocando dúvidas sobre o porquê da<br />
radicalização dos jovens. 27<br />
No entanto, a <strong>de</strong>speito do racismo e a da <strong>de</strong>sintegração social no<br />
seio da socieda<strong>de</strong> britânica terem sido potencializados pelo acirramento<br />
do terrorismo em Londres em 2005 28 , cabe ressaltar que distúrbios<br />
raciais ocorreram anteriormente, inclusive, aos episódios do 11/9 nos<br />
Estados Unidos.<br />
Esse é um ponto importante a ser levado em conta, para <strong>de</strong>ixar<br />
claro que a conformação dos fóruns <strong>de</strong> participação comunitária em<br />
Bradford não foi motivada pela preocupação com o terrorismo (não pelo<br />
83
84<br />
A participação comunitária<br />
menos como fator originário, mesmo que os <strong>de</strong>safios do acionamento<br />
terrorista transformassem posteriormente tal mecanismo social em uma<br />
ferramenta importante em termos <strong>de</strong> política contraterrorista), mas nos<br />
problemas <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> exclusão social e as correspon<strong>de</strong>ntes<br />
tensões sociais que analisaremos na continuação <strong>de</strong>ste trabalho.<br />
Sem a intenção <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r dar conta do fenômeno terrorista e<br />
<strong>de</strong> suas motivações, convém traçar algumas consi<strong>de</strong>rações acerca da<br />
possível incidência da marginalida<strong>de</strong> social, para criar circunstâncias nas<br />
quais, mediante ressentimento e ódio, a população seja potencialmente<br />
recrutada por movimentos extremistas, diferentemente <strong>de</strong> toda explicação<br />
centrada exclusivamente no fator religioso, com a estigmatizacão que tais<br />
enfoques fechados geram sobre o Islã. 29<br />
Enfrentamentos raciais <strong>de</strong> 2001<br />
No mês <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bradford, ocorreram graves<br />
enfrentamentos raciais entre grupos <strong>de</strong> brancos e asiáticos, na sua maioria<br />
bengalis e paquistaneses.<br />
Durante três noites consecutivas os eventos, qualificados na época<br />
como os piores nos últimos 20 anos na Inglaterra, produziram uma cida<strong>de</strong><br />
com edifícios e automóveis em chamas, on<strong>de</strong> a polícia, atacada por garrafas<br />
e bombas incendiárias, entre outras coisas, se sentia obrigada a retroce<strong>de</strong>r,<br />
não contando até então com os recursos mais eficazes para a contenção<br />
<strong>de</strong> episódios <strong>de</strong> tal natureza. 30<br />
A tensão começou após o planejamento <strong>de</strong> uma marcha em Bradford<br />
por parte da Frente Nacional, que é o grupo da extrema direita britânica.<br />
Posteriormente, a Liga Anti-Nazista local <strong>de</strong>cidiu realizar uma<br />
contramanifestação, da qual participaram aproximadamente 500 pessoas, a<br />
maioria <strong>de</strong> origem asiática, e, <strong>de</strong>pois da provocação <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> brancos<br />
gritando palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m com mensagens racistas à população, tudo se<br />
<strong>de</strong>generou em distúrbios, dos quais participaram mais <strong>de</strong> mil jovens.<br />
Em conseqüência, Bradford se transformou em mais uma das cida<strong>de</strong>s<br />
do norte da Inglaterra que registraram fatos <strong>de</strong> violência racial nos últimos<br />
tempos, embora os inci<strong>de</strong>ntes raciais registrados em Oldham e Burnley<br />
não tenham sido tão graves.
Como resultado final das três noites <strong>de</strong> distúrbios, fora os <strong>de</strong>stroços<br />
e perdas materiais (calculadas entre três e quatro milhões <strong>de</strong> libras<br />
esterlinas), as <strong>de</strong>tenções e os policiais feridos, a polícia foi quem atraiu as<br />
maiores críticas. Nesse sentido, uma gran<strong>de</strong> proporção da comunida<strong>de</strong><br />
asiática culpou, pelos episódios, a falta <strong>de</strong> compreensão da polícia e <strong>de</strong><br />
outras agências governamentais, e com isso os eventos corroeram toda<br />
confiança e credibilida<strong>de</strong> construída até o momento. 31<br />
Um relatório oficial sobre a situação <strong>de</strong> Bradford, tornado público<br />
<strong>de</strong>pois dos distúrbios <strong>de</strong> 2001, embora escrito muito antes da onda <strong>de</strong><br />
violência, criticava a intolerância racial, a incapacida<strong>de</strong> das autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
solucionar os problemas da cida<strong>de</strong> e a falta <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> integração,<br />
explicando que a “polarização racial” na cida<strong>de</strong> era produto, sobretudo,<br />
<strong>de</strong> escolas e comunida<strong>de</strong>s virtualmente segregadas. 32<br />
Além disso, segundo as conclusões <strong>de</strong> sucessivos relatórios que<br />
averiguaram as causas dos distúrbios nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Bradford, Oldham e<br />
Burnley, as zonas urbanas racialmente segregadas foram o caldo <strong>de</strong> cultura<br />
para os distúrbios do verão <strong>de</strong> 2001 na Inglaterra. 33<br />
Entre episódios similares posteriores, que lembraram os inci<strong>de</strong>ntes<br />
raciais em Bradford, 200 pessoas entraram em choque em Wrexham<br />
(norte <strong>de</strong> Gales) em uma segunda noite <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes entre resi<strong>de</strong>ntes<br />
locais e refugiados iraquianos, em junho <strong>de</strong> 2003. Os problemas<br />
começaram quando aproximadamente 30 pessoas se viram envolvidas<br />
em dois inci<strong>de</strong>ntes separados, em uma zona resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> Wrexham, e a<br />
polícia teve que intervir <strong>de</strong>pois que a violência resultou em choques que,<br />
segundo se enten<strong>de</strong>u, foram “motivados por racismo”. 34 Esse constitui<br />
apenas outro exemplo menor <strong>de</strong> um tema que está latente no Reino Unido<br />
e que merece atenção constante.<br />
As relações com a comunida<strong>de</strong><br />
Gastón Hernán Schulmeister<br />
Em concordância com o assinalado anteriormente, o cenário<br />
posterior aos distúrbios raciais <strong>de</strong> 2001 encontrou a uma polícia sem<br />
estratégia <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> relações raciais, com uma carência <strong>de</strong> contato<br />
formal ou informal com a comunida<strong>de</strong>, com pouca confiança e credibilida<strong>de</strong><br />
na força, e com pouco apoio e compreensão local da situação. Esses seriam<br />
os diferentes eixos <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s, e, além disso, os <strong>de</strong>safios<br />
85
86<br />
A participação comunitária<br />
sobre os quais se i<strong>de</strong>ntificariam, a partir <strong>de</strong> então, os eixos <strong>de</strong> trabalho.<br />
Em conseqüência, a aproximação da comunida<strong>de</strong> passou a ser o<br />
enfoque prioritário. Nesse sentido, promoveu-se o contato em todos os<br />
níveis, tanto com organizações, como com grupos comunitários e indivíduos<br />
particulares. Isso implicou o diálogo diário, para o qual estava claro que a<br />
transparência <strong>de</strong>via ser a principal ferramenta <strong>de</strong> trabalho e gestão.<br />
Depois <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>senvolvido os episódios raciais <strong>de</strong> 2001 e a agenda<br />
<strong>de</strong> trabalho que a situação posterior <strong>de</strong>mandou, configura-se agora<br />
oportuno a<strong>de</strong>ntrarmos nos alvos da atenção da polícia, hoje refletidos<br />
por suas priorida<strong>de</strong>s, para analisar algumas das iniciativas materializadas.<br />
Vale <strong>de</strong>stacar que, enquanto para aten<strong>de</strong>r à priorida<strong>de</strong> 1 (trabalhar<br />
em socieda<strong>de</strong> para criar comunida<strong>de</strong>s mais seguras), focaliza-se a<br />
prevenção da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e do comportamento anti-social, para a priorida<strong>de</strong><br />
3 (melhorar a satisfação e a confiança pública) utiliza-se a idéia da polícia<br />
comunitária (Neighbourhood Policing) 35 , a gestão <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas sociais e<br />
o apoio a vítimas e testemunhas.<br />
Daí a razão <strong>de</strong> uma política por uma comunida<strong>de</strong> mais segura 36 , a<br />
partir da qual concretizou-se a constituição <strong>de</strong> um fórum social com<br />
comunida<strong>de</strong>s étnicas minoritárias (Bradford and District Minority Ethnic<br />
Communities Liaison Committee), que entre suas ações iniciais teve a<br />
emissão <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> rádio.<br />
Esse constitui um dos 20 foros comunitários que a polícia possui<br />
em West Yorkshire (Police Community Forums), a maioria dos quais se<br />
reúne quatro vezes ao ano 37 , embora no caso particular <strong>de</strong> Bradford a<br />
periodicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas reuniões esteja acima da média na sua regularida<strong>de</strong>.<br />
Sobre seus objetivos, vale mencionar que os referidos encontros<br />
são levados a cabo respeitando, principalmente, quatro pontos: 1.<br />
promover e melhorar as relações entre o público e a polícia; 2. permitir<br />
uma melhor compreensão sobre o uso dos recursos policiais disponíveis,<br />
3. <strong>de</strong>bater sobre os planos da autorida<strong>de</strong> policial, e 4. dar à população a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar com oficiais <strong>de</strong> alto grau sobre suas preocupações,<br />
<strong>de</strong> oferecer impressões e <strong>de</strong> fazer sugestões sobre a vigilância na<br />
comunida<strong>de</strong> local. 38
Gastón Hernán Schulmeister<br />
Em termos operacionais, cada encontro tem uma agenda<br />
preestabelecida, que encaminha uma discussão sobre temas policiais 39 .<br />
No caso <strong>de</strong> Bradford, costuma-se complementar o encontro com um<br />
jantar, on<strong>de</strong> os participantes interagem em um clima mais informal e<br />
<strong>de</strong>scontraído com a polícia.<br />
Dessa forma, a participação da comunida<strong>de</strong> na prática começou a<br />
exercer, além disso, o papel do que na teoria se i<strong>de</strong>ntifica como um<br />
mecanismo externo <strong>de</strong> accountability, complementar aos mecanismos<br />
internos da instituição policial, enten<strong>de</strong>ndo-se que a participação cidadã<br />
<strong>de</strong>ve ser vista não só como um meio para assegurar que as forças policiais<br />
respondam aos problemas da cidadania, mas também que atuem <strong>de</strong> maneira<br />
transparente e responsável. 40<br />
Quanto ao formato dos foros <strong>de</strong> participação, cada reunião é<br />
presidida por um membro da WYP com um forte espírito igualitário e o<br />
vice-presi<strong>de</strong>nte é <strong>de</strong>signado por eleição entre seus membros. Por sua<br />
vez, embora a participação no fórum esteja aberta a todo aquele que viva<br />
ou trabalhe na comunida<strong>de</strong> local correspon<strong>de</strong>nte 41 , sua incorporação —<br />
prévio contato com o Departamento que em cada distrito policial se<br />
<strong>de</strong>dique em particular a esse tema (Community Consultation Team)—<br />
está condicionada a uma aprovação por parte do resto dos integrantes,<br />
buscando-se, ainda, a diversida<strong>de</strong> étnica e religiosa.<br />
Mas, sem contradizer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> focalizar a atenção sobre o<br />
papel dos governos locais, usualmente ressaltada na América Latina diante<br />
<strong>de</strong> paradigmas <strong>de</strong> participação tradicionais que tinham como ator quase<br />
exclusivo as instituições policiais 42 , os foros <strong>de</strong> participação comunitária<br />
em West Yorkshire sugerem que a concepção <strong>de</strong> “local” <strong>de</strong>ve exce<strong>de</strong>r<br />
também ao exclusivamente governamental.<br />
Nesse sentido, a experiência <strong>de</strong> Bradford é eloqüente, com um<br />
fórum social coor<strong>de</strong>nado diretamente com a polícia, cuja participação<br />
nos foros faz parte do plano <strong>de</strong> ação em que a polícia executa sua política<br />
em matéria <strong>de</strong> consultas com a comunida<strong>de</strong>, mesmo que tal possível<br />
distinção venha a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r também se o conceito <strong>de</strong> governo local é<br />
exclusivamente sujeito à autorida<strong>de</strong> político-governamental, ou se tem<br />
mais um caráter institucional-estatal, com o qual toda iniciativa promovida<br />
e/ou implementada pela polícia estaria já contemplada.<br />
87
88<br />
A participação comunitária<br />
No entanto, também está presente o âmbito claramente nãogovernamental<br />
e nem estatal, em que a socieda<strong>de</strong> se organiza por si só, em<br />
consonância com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contemplar e incluir novos mecanismos<br />
<strong>de</strong> participação da cidadania, no interesse da convivência em nível local.<br />
Nesse sentido, voltando às iniciativas na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bradford, no nível social<br />
também surgiu a Aliança contra o Ódio <strong>de</strong> Bradford (Bradford Hate Crime<br />
Alliance -BHCA-), cuja associação compreen<strong>de</strong> organizações voluntárias ao<br />
longo do distrito, que se uniram para lutar contra o ódio racial 43 . Para isso,<br />
tal associação ressalta a importância da população ter a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
informar inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas comunida<strong>de</strong>s locais.<br />
Em relação a assuntos consi<strong>de</strong>rados chaves em matéria <strong>de</strong> relações<br />
com a comunida<strong>de</strong>, a polícia em Bradford concebe um importantíssimo e<br />
crescente papel à mulher, como ator principal para combater a ingerência<br />
<strong>de</strong> extremistas entre as diferentes comunida<strong>de</strong>s.<br />
Além disso, o trabalho <strong>de</strong> inteligência policial está focalizado na<br />
manipulação efetiva <strong>de</strong> potenciais <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns sociais e eventos espontâneos<br />
organizados pelas comunida<strong>de</strong>s, como correlato lógico das <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns<br />
ocorridas no ano 2001, previamente analisadas.<br />
No aspecto capacitação dos recursos humanos da força policial,<br />
este processo foi acompanhado <strong>de</strong> um treinamento <strong>de</strong> consciência cultural,<br />
junto com uma política que incentivou o recrutamento <strong>de</strong> efetivos<br />
provenientes das comunida<strong>de</strong>s minoritárias e a lição <strong>de</strong> que as iniciativas<br />
necessitam ser estipuladas e não impostas.<br />
Sob essa lógica <strong>de</strong> trabalho, a participação da população e o<br />
julgamento sobre o impacto na comunida<strong>de</strong> foram muito valiosos,<br />
buscando-se melhorar a comunicação com a força que era i<strong>de</strong>ntificada<br />
como uma fonte <strong>de</strong> insatisfação para muitos na socieda<strong>de</strong>.<br />
Agora, para enten<strong>de</strong>r esses tipos <strong>de</strong> iniciativas em Bradford, é<br />
preciso ter em mente também seu impulso como resultado da vigência<br />
<strong>de</strong> um enfoque baseado na comunida<strong>de</strong> (community-based approach), o<br />
qual enfatiza tanto as reformas na polícia como também a reconstrução<br />
<strong>de</strong> sua imagem pública.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma visão que, longe <strong>de</strong> ter um enfoque limitado, propõe<br />
à polícia e à comunida<strong>de</strong> que trabalhem juntas em socieda<strong>de</strong>, em prol <strong>de</strong>
canalizar as preocupações das comunida<strong>de</strong>s particulares, po<strong>de</strong>ndo, nos<br />
seus casos bem-sucedidos, <strong>de</strong>senvolver segurança e assegurar o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento. 44<br />
Esse constitui outro ponto importante a consi<strong>de</strong>rar (ressaltando a<br />
possível e recomendável inter-relação entre teoria e realida<strong>de</strong>, no interesse<br />
<strong>de</strong> sua melhor aplicação prática), a partir da priorização na Inglaterra <strong>de</strong><br />
um enfoque macro para pensar o setor da segurança, que está diretamente<br />
relacionado com uma concepção da perspectiva do <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Sobre isso nos ocuparemos mais à frente, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> retomar alguns<br />
assuntos interconectados com o terrorismo.<br />
Terrorismo: a atenção <strong>de</strong> um fenômeno sensível<br />
Gastón Hernán Schulmeister<br />
Voltando às consi<strong>de</strong>rações sobre os efeitos diretos ou indiretos<br />
provocados pelo fenômeno do terrorismo internacional, as iniciativas <strong>de</strong><br />
participação comunitária, além <strong>de</strong> promover a confiança com a polícia e<br />
alcançar um feedback <strong>de</strong> informação com comunida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> elementos<br />
radicais pu<strong>de</strong>ssem preten<strong>de</strong>r amparar-se ou recrutar a<strong>de</strong>ptos, constituem<br />
uma ferramenta fundamental para o trabalho contra a estigmatização<br />
midiática, da qual geralmente diversas comunida<strong>de</strong>s étnicas minoritárias<br />
terminam sendo objeto.<br />
Entre os episódios mais recentes no Reino Unido, basta citar a<br />
renovada preocupação da polícia com a segurança das comunida<strong>de</strong>s<br />
muçulmanas e a relação com elas, <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> 24 pessoas,<br />
todos eles muçulmanos britânicos <strong>de</strong> origem paquistanesa, em conexão<br />
com um suposto plano terrorista frustrado, que consistia em <strong>de</strong>tonar<br />
explosivos líquidos em aproximadamente 10 aviões com <strong>de</strong>stino aos<br />
Estados Unidos. As prisões foram levadas a cabo nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Birmingham, High Wycombe (ao oeste <strong>de</strong> Londres) e no distrito <strong>de</strong><br />
Walthamstow, na capital britânica, em uma mega operação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
repercussão na mídia nacional e internacional. 45<br />
Perante tais eventos, o secretário-geral do Conselho Muçulmano<br />
britânico, Mohammed Abdul Bari, disse que os muçulmanos apóiam a<br />
repressão ao terrorismo, mas advertiu sobre “uma distância” crescente<br />
entre eles e a polícia. 46<br />
89
90<br />
A participação comunitária<br />
Após uma operação policial em uma casa, em junho <strong>de</strong> 2006, em<br />
Forest Gate (zona leste <strong>de</strong> Londres), na qual um homem muçulmano <strong>de</strong> 23<br />
anos (Mohammed Abdul Kahar) foi ferido no ombro e <strong>de</strong>tido junto com<br />
seu irmão <strong>de</strong> 20 anos (Abul Koyair), embora posteriormente tenham sido<br />
libertados sem acusações, Mohammed Abdul Bari alertou que a confiança<br />
entre a comunida<strong>de</strong> muçulmana e a polícia po<strong>de</strong>ria ser danificada. 47<br />
O fórum <strong>de</strong> participação <strong>de</strong> Bradford no mês <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006,<br />
entre outros temas, foi palco <strong>de</strong> discussões sobre a preocupação gerada<br />
nas comunida<strong>de</strong>s minoritárias pela <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> quase 20 estudantes da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bradford, acusados <strong>de</strong> estarem vinculados a ativida<strong>de</strong>s<br />
terroristas. Todos estes fatos configuram-se em episódios que formatam<br />
na realida<strong>de</strong> diária o <strong>de</strong>bate entre segurança e liberda<strong>de</strong>, em relação aos<br />
limites na luta contra o terrorismo.<br />
Se nos remontarmos à política contraterrorista da WYP, o<br />
terrorismo é <strong>de</strong>finido como um dos crimes mais <strong>de</strong>safiantes que enfrentam<br />
as forças policiais em nível nacional, para os quais, em diferentes eixos <strong>de</strong><br />
trabalho 48 , consi<strong>de</strong>ra-se vital o papel dos oficiais <strong>de</strong> polícia em relação aos<br />
quatro aspectos da estratégia contra terrorista do governo (prevenção,<br />
perseguição, proteção e preparação).<br />
Dentro <strong>de</strong> tal espectro <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que uma problemática<br />
complexa como o terrorismo <strong>de</strong>manda, a WYP concebe o trabalho com<br />
a comunida<strong>de</strong>, seja direto ou indireto, <strong>de</strong>ntro do seu padrão <strong>de</strong> ação,<br />
com ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stinadas a diminuir o apoio a terroristas nos “corações<br />
e mentes da gente”, alinhado com a prevenção do terrorismo abordando<br />
causas subjacentes, e um trato com o público <strong>de</strong> modo tal que o mantenha<br />
melhor informado sobre a natureza da ameaça e a forma como se po<strong>de</strong><br />
ajudar a polícia a prevenir atos <strong>de</strong> terrorismo. 49<br />
Entre as <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s que a polícia busca empreen<strong>de</strong>r<br />
encontram-se: manter um corpo local <strong>de</strong> operações efetivo e eficiente<br />
(capaz <strong>de</strong> trabalhar em apoio aos serviços <strong>de</strong> segurança para reunir<br />
informação sobre supostas re<strong>de</strong>s terroristas); realizar tarefas <strong>de</strong><br />
inteligência sobre terroristas e aqueles que os apóiam; e preparar-se<br />
para possíveis conseqüências, <strong>de</strong>senvolvendo um amplo plano <strong>de</strong><br />
contingência e treinamento para melhorar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar<br />
ataques e outros <strong>de</strong>safios. 50
Gastón Hernán Schulmeister<br />
Convém, por fim, ressaltar que, embora a verda<strong>de</strong>ira origem do<br />
fórum <strong>de</strong> participação comunitária em Bradford remonte a problemas <strong>de</strong><br />
integração social vividos pela socieda<strong>de</strong> britânica, segundo o analisado<br />
previamente, não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que os objetivos da polícia ao<br />
criar comunida<strong>de</strong>s seguras estão alinhados ao seu trabalho com a priorida<strong>de</strong><br />
estratégica nacional <strong>de</strong> resistir ao terrorismo e à sua ameaça. 51<br />
Tal assertiva po<strong>de</strong> ser constatada, por exemplo, no relatório <strong>de</strong><br />
planejamento estratégico anual 2004-2005 da WYP 52 , ao associar-se<br />
explicitamente à priorida<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong> enfrentar ao terrorismo (junto<br />
das priorida<strong>de</strong>s relacionadas a enfrentar o comportamento anti-social e a<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, e às referentes ao compromisso comunitário), à priorida<strong>de</strong><br />
da WYP <strong>de</strong> manter a paz visando criar comunida<strong>de</strong>s mais seguras, segundo<br />
o padrão <strong>de</strong> ação operacional do Chefe <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>. 53<br />
A segurança a partir da perspectiva do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
Para terminar, e voltando à concepção do enfoque padrão imperante<br />
no Reino Unido para pensar a segurança, é preciso começar lembrando<br />
que esta é usualmente reconhecida como uma condição essencial para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento duradouro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>, sendo justificável a<br />
preocupação central que ela gera entre os mais pobres.<br />
Esse enfoque é fundamentado pelo que se enten<strong>de</strong> como a<br />
“perspectiva do <strong>de</strong>senvolvimento”, a partir da qual se promoveram<br />
internacionalmente reformas na segurança <strong>de</strong> países emergentes <strong>de</strong> conflito,<br />
entendo-se que o papel do Estado, e <strong>de</strong> suas forças, causa impacto direto<br />
sobre as oportunida<strong>de</strong>s para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável e para a<br />
segurança física da população.<br />
Esse foi o caso da Organização das Nações Unidas (ONU), do<br />
Banco Mundial, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento<br />
Econômico (OECD) e do Reino Unido em particular, que fizeram da<br />
reforma do setor <strong>de</strong> segurança uma priorida<strong>de</strong> em suas políticas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento, através dos projetos <strong>de</strong> cooperação internacional. 54<br />
Enquanto isso, outros atores, como o Fundo Monetário Internacional ou<br />
a própria União Européia, lidaram com certos aspectos da segurança,<br />
mas apenas ocasionalmente, como parte <strong>de</strong> um programa integral <strong>de</strong><br />
reformas no setor. 55<br />
91
92<br />
A participação comunitária<br />
O Conceito do SECURITY SETOR REFORM<br />
A partir da perspectiva em questão, infere-se o que se enten<strong>de</strong><br />
como Security Setor Reform (SSR), cuja acepção data <strong>de</strong> fins dos anos 90<br />
e vem ao encontro do conceito <strong>de</strong> “segurança humana”, entendida a partir<br />
da perspectiva da proteção dos indivíduos, em contraste com a concepção<br />
clássica da “segurança nacional”, centrada nos Estados.<br />
O SSR é um termo utilizado para <strong>de</strong>screver a transformação do<br />
“sistema <strong>de</strong> segurança”, (o qual inclui todos os atores envolvidos, seus<br />
papéis, responsabilida<strong>de</strong>s e ações), trabalhando em conjunto para<br />
administrar e operar o sistema <strong>de</strong> acordo com as normas <strong>de</strong>mocráticas e<br />
princípios do bom governo, contribuindo <strong>de</strong>ssa forma, para um bom<br />
funcionamento do padrão <strong>de</strong> segurança. 56<br />
Da mesma forma, a atenção sobre o setor da segurança sugere a<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> todas aquelas organizações em uma socieda<strong>de</strong> que são<br />
responsáveis por proteger ao Estado e a suas comunida<strong>de</strong>s, e a relação<br />
entre elas.<br />
Entretanto, um aspecto a <strong>de</strong>stacar é que os objetivos da reforma<br />
do setor <strong>de</strong> segurança, a partir <strong>de</strong> uma perspectiva do <strong>de</strong>senvolvimento,<br />
diferenciam-se <strong>de</strong> metas orientadas militarmente, no sentido que a estrutura<br />
e a capacida<strong>de</strong> dos atores do setor na sua integrida<strong>de</strong> (militares e <strong>de</strong><br />
polícia) <strong>de</strong>vem ser otimizados para o <strong>de</strong>senvolvimento social, econômico,<br />
político e humano.<br />
Nesse sentido, o objetivo final do SSR é criar forças que sejam<br />
funcionalmente diferenciadas, forças profissionais sob o controle civil<br />
objetivo e subjetivo, e com a menor utilização funcional <strong>de</strong> recursos<br />
possível, para a provisão da segurança à população. Um entrecruzamento<br />
<strong>de</strong> dimensões, do qual surgem principalmente os dilemas entre o controle<br />
civil e a profissionalização (níveis político e institucional) e entre a utilização<br />
<strong>de</strong> recursos e a provisão <strong>de</strong> segurança (níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
econômico e da socieda<strong>de</strong>).<br />
Em conseqüência, conforme a perspectiva esboçada, o setor da<br />
segurança requer pessoal competente e uma boa gestão operando <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um padrão institucional <strong>de</strong>finido por lei. Em caso contrário, a má gestão,<br />
entre outras conseqüências, torna-se obstáculo para o <strong>de</strong>senvolvimento,
<strong>de</strong>sestimula o investimento e ajuda a perpetuar a pobreza. 57<br />
Por que pensar a segurança como um setor?<br />
Levando-se em conta, portanto, que dos diferentes atores<br />
envolvidos na segurança e no funcionamento da estrutura institucional<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável integral da socieda<strong>de</strong>, a atenção<br />
ao setor configura-se claramente inevitável e seu resultado é fundamental<br />
para projetar cenários favoráveis nos países emergentes <strong>de</strong> conflito, tais<br />
como Serra Leoa, Timor Leste, Afeganistão ou Haiti, no caso regional da<br />
América Latina, para citar apenas alguns exemplos.<br />
No entanto, o reconhecimento do setor <strong>de</strong> segurança sugere a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser realizado um diagnóstico sistematizado, antes <strong>de</strong> pensar<br />
em possíveis reformas e melhoras em qualquer país, conforme as<br />
particularida<strong>de</strong>s do caso, na busca <strong>de</strong> um melhor <strong>de</strong>sempenho das<br />
instituições, da garantia <strong>de</strong> um melhor clima <strong>de</strong> segurança e em nome do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>.<br />
Voltando ao estudo do caso particular <strong>de</strong> Bradford, esse é<br />
testemunha <strong>de</strong> como o enfoque <strong>de</strong> segurança holístico, que presta atenção<br />
aos <strong>de</strong>safios que as reformas <strong>de</strong> segurança supõem, é não apenas aplicável<br />
a cenários <strong>de</strong> países emergentes <strong>de</strong> conflito no sub<strong>de</strong>senvolvimento (sobre<br />
o qual a gran<strong>de</strong> maioria da bibliografia a respeito costuma se ocupar), mas<br />
também a países <strong>de</strong>senvolvidos como a experiência do Reino Unido o<br />
sugere. 58<br />
Frente ao <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> abordar a segurança a partir da uma perspectiva<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento, a visão do SSR oferece, <strong>de</strong>ssa forma, um enfoque<br />
analítico que ajuda na abordagem integral que os assuntos <strong>de</strong> segurança<br />
merecem, ao mesmo tempo que nos brinda com ferramentas para<br />
pensarmos na formulação <strong>de</strong> políticas concretas. 59<br />
CONCLUSÃO<br />
Gastón Hernán Schulmeister<br />
Após analisar o caso britânico <strong>de</strong> Bradford, resta concluir que embora<br />
o tema do terrorismo provavelmente tenha potencializado a segregação<br />
racial e as <strong>de</strong>sconfianças no seio da socieda<strong>de</strong> britânica (sobretudo <strong>de</strong>pois<br />
dos episódios terroristas do 7/7 em Londres), os piores problemas raciais<br />
93
94<br />
A participação comunitária<br />
já haviam se manifestado anteriormente.<br />
Não obstante, ainda que os episódios raciais <strong>de</strong> 2001 tenham sido<br />
uma advertência antecipada sobre questões sociais que exce<strong>de</strong>m ao tema<br />
do terrorismo, suas lições em matéria <strong>de</strong> relações com a comunida<strong>de</strong>,<br />
encontraram as autorida<strong>de</strong>s britânicas mais conscientes ante a sensibilida<strong>de</strong><br />
da problemática após os episódios posteriores.<br />
A experiência dos distúrbios <strong>de</strong> 2001 em Bradford, e os<br />
conseqüentes <strong>de</strong>safios que a WYP teve que enfrentar em matéria <strong>de</strong> relações<br />
com a comunida<strong>de</strong>, foram sem dúvida <strong>de</strong>terminantes para uma melhor<br />
resposta aos temas comunitários pós 7/7, no próprio território inglês.<br />
Por outro lado, não sendo na verda<strong>de</strong> o terrorismo o fundamento<br />
exclusivo nem originário do fórum <strong>de</strong> participação impulsionado em Bradford<br />
(mesmo que hoje o mesmo possa ser fundamental para a política contra<br />
terrorista do país), a preocupação implícita pela exclusão social diante dos<br />
enfrentamentos raciais na Inglaterra faz a experiência ainda mais aconselhável<br />
para ser tomada como referência para a América Latina.<br />
Coerente às consi<strong>de</strong>rações preliminares sobre a responsabilida<strong>de</strong> e<br />
serieda<strong>de</strong> que supõe a discussão <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> segurança, mediante<br />
diagnóstico <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s e capacida<strong>de</strong>s, encerraremos o presente ensaio<br />
com a proposta <strong>de</strong> encorajar iniciativas <strong>de</strong> participação comunitária na<br />
América Latina como um “caminho a percorrer”, mais do que uma fórmula<br />
<strong>de</strong> “como percorrê-lo”.<br />
Para este “caminho a seguir” diante das priorida<strong>de</strong>s locais, incentivar<br />
a criação <strong>de</strong> foros <strong>de</strong> participação comunitária que garantam a diversida<strong>de</strong><br />
em termos <strong>de</strong> “classe social” (<strong>de</strong>rivada das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sócio-econômicas<br />
e da marginalida<strong>de</strong>), constitui uma opção a ser consi<strong>de</strong>rada, para a formulação<br />
<strong>de</strong> políticas em nossa região, cujo <strong>de</strong>bate parece oportuno promover.<br />
Hoje, quando são recorrentes, por exemplo, os <strong>de</strong>bates sobre a<br />
privatização da segurança (e como os maus serviços estatais em matéria <strong>de</strong><br />
segurança são <strong>de</strong>ficientes, principalmente para os mais carentes), trabalhar<br />
por sistemas <strong>de</strong> participação social nos quais estejam refletidas as<br />
preocupações das diversas realida<strong>de</strong>s socioeconômicas não parece ser um<br />
<strong>de</strong>talhe menor.
Por sua vez, o tema da participação comunitária chama a atenção<br />
para o déficit <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong> e para a canalização <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong><br />
nossas socieda<strong>de</strong>s, sendo útil, em primeiro lugar, à imagem das instituições<br />
<strong>de</strong> segurança e contribuindo, em última instância, ao funcionamento do<br />
sistema <strong>de</strong> forma integral.<br />
Notas<br />
Gastón Hernán Schulmeister<br />
1 Na data do fechamento da publicação da primeira revista da <strong>Re<strong>de</strong></strong> 14 “Segurança Cidadã na<br />
Cida<strong>de</strong>” do programa Urb-Al, no Chile, participavam 19 comunida<strong>de</strong>s e, em nível mundial,<br />
existam 29 países sócios, com um total <strong>de</strong> 189 cida<strong>de</strong>s. Para visitar o portal da re<strong>de</strong> dirija-se a<br />
http://www.urbalvalparaiso.cl/p4_urbalred14/site/edic/base/port/portada.html<br />
2 O Documento Base foi a publicação <strong>de</strong> fundação da <strong>Re<strong>de</strong></strong> 14, que <strong>de</strong>finiu a problemática da<br />
segurança cidadã na Europa e na América Latina, com o objetivo <strong>de</strong> estabelecer critérios comuns<br />
<strong>de</strong> análise. <strong>Re<strong>de</strong></strong>-14 Programa URB-AL da Comissão Européia; “Documento Base. Segurança<br />
Cidadã na Cida<strong>de</strong>”; Valparaíso, Chile; outubro <strong>de</strong> 2003. Disponível em espanhol em http://<br />
www.urbalvalparaiso.cl/p4_urbalred14/site/artic/20031119/asocfile/<br />
ASOCFILE120031119195112.pdf<br />
3 DAMMERT, Lucía (ed.); Segurança Cidadã: Experiências e Desafios; I. Municipalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Valparaíso, <strong>Re<strong>de</strong></strong> 14 Segurança Cidadã na Cida<strong>de</strong>, URB-AL; Valparaíso, o Chile; 2004; 377 p.<br />
Disponível em http://www.urbalvalparaiso.cl/p4_urbalred14/site/artic/20031119/pags/libro.html<br />
4 DAMMERT, Lucía, PAULSEN, Gustavo (eds.); Cida<strong>de</strong> e Segurança na América Latina; FLACSO-<br />
Chile, <strong>Re<strong>de</strong></strong> 14 Segurança Cidadã na Cida<strong>de</strong>, I. Municipalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Valparaíso, URBAL; Santiago,<br />
Chile, Série Livros FLACSO-Chile; 2005, 230 p. Disponível em http://www.urbalvalparaiso.cl/<br />
p4_urbalred14/site/artic/20031119/asocfile/libro_ciudad_y_seguridad.pdf<br />
5 DAMMERT, Lucía; Prevenção comunitária do <strong>de</strong>lito na América Latina: Discurso ou<br />
possibilida<strong>de</strong>?, em Pessoa e Socieda<strong>de</strong> (Chile); N°.1; 2005; pp.215/230.<br />
6 DAMMERT, Lucía; A construção <strong>de</strong> cidadania como estratégia para o fomento da convivência<br />
e a segurança; El Salvador, Seminário permanente sobre violência; setembro 2005. Disponível em<br />
http://www.violenciaelsalvador.org.sv/documentos/Dammert__El_Salvador_20051.pdf<br />
7 DAMMERT, Lucía, BAILEY John (coords.); Segurança e reforma policial nas Américas:<br />
experiências e <strong>de</strong>safios; o México; FLACSO-Chile, as Nações Unidas-ILANUD, Século XXI Editores;<br />
2005; 379p.<br />
8 Sobre tipos <strong>de</strong> participação comunitária, seus problemas <strong>de</strong> conceitualização e temas implicados,<br />
ver DAMMERT, Lucía; “Participação comunitária em prevenção do <strong>de</strong>lito na América Latina”,<br />
em DAMMERT, Lucía (ed.); Segurança Cidadã: Experiências e Desafios; op. cit.; p. 161.<br />
9 Segundo Lucía Dammert, na América Latina as iniciativas <strong>de</strong> prevenção comunitária<br />
<strong>de</strong>senvolvidas se vinculam a quatro âmbitos específicos: a relação polícia-comunida<strong>de</strong> aludida,<br />
a organização comunitária <strong>de</strong> segurança, o trabalho em espaços públicos e a associação públicoprivado.<br />
Ver DAMMERT, Lucía; A construção <strong>de</strong> cidadania como estratégia para o fomento da<br />
convivência e a segurança; op. cit.; pp. 15-16.<br />
10 Ver “Enfoques participativos” em DAMMERT, Lucía; A construção <strong>de</strong> cidadania como estratégia<br />
para o fomento da convivência e a segurança; op. cit.; pp. 14-15. Sobre os enfoques participativos<br />
e os âmbitos <strong>de</strong> participação, ver também DAMMERT, Lucía; “Associação município-comunida<strong>de</strong><br />
na prevenção do <strong>de</strong>lito”, em DAMMERT, Lucía, PAULSEN, Gustavo (eds.); Cida<strong>de</strong> e segurança na<br />
América Latina; op. cit. 61/64.<br />
95
96<br />
A participação comunitária<br />
11 O projeto B-equal (Bradford Employment Equality Project) é, em parte, financiado pelo Fundo<br />
Social Europeu e procura o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> opções inovadoras para superar barreiras das<br />
minorias étnicas ao emprego. Site na web: http://www.b-equal.com/<br />
12 British Broadcasting Corportation (BBC). “a Grã-Bretanha: Calma após distúrbios raciais”,<br />
em BBC Mundo.com, 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001. http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/news/newsid_1430000/<br />
1430199.stm<br />
13 Calcula-se que no Reino Unido haja um milhão e meio <strong>de</strong> muçulmanos que vivem em diferentes<br />
assentamentos distribuídos no território britânico, com diferentes formas <strong>de</strong> organização e<br />
herança cultural. Embora exista certa crença generalizada que os muçulmanos resi<strong>de</strong>ntes no<br />
Reino Unido chegaram ao país a partir do su<strong>de</strong>ste asiático na década <strong>de</strong> 60, os antece<strong>de</strong>ntes<br />
históricos indicam que começaram a se estabelecer há mais <strong>de</strong> um século e que emigraram <strong>de</strong><br />
diferentes regiões no mundo, incluindo o norte e o este da África, Chipre, Turquia e Oriente<br />
Médio.<br />
14 CRAMPHORN, Colin (2006); Chief Constable’s Annual Report 2005/2006; West Yorkshire<br />
Police. Disponível em http://www.westyorkshire.police.uk/files/docs/annualreport20052006.pdf<br />
15 Ibid. Para mais informações dirigir-se também a “County Profile”, na seção institucional<br />
(“About Us”) no site na web da WYP: http://www.westyorkshire.police.uk/sectionitem.asp?sid=2&iid=136<br />
16 CRAMPHORN, Colin (2006); op. cit..<br />
17 A apenas duas semanas dos episódios do 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005, no dia 21 <strong>de</strong> junho entre as<br />
12h35min e as 13h05min, três inci<strong>de</strong>ntes ocorreram novamente em Londres no sistema<br />
subterrâneo —ao redor das estações Warren Street, Oval e Shepherd’s Bush—, mais um quarto<br />
inci<strong>de</strong>nte na parte superior <strong>de</strong> um London Bus na Hackney Road. MURPHY, Paul; “Intelligence<br />
and Security Committee Report into the London Terrorist Attacks on 7 July 2005. Presented to<br />
Parliament by the Prime Minister by Command of Her Majesty”, Mai 2006. Disponível em<br />
http://news.bbc.co.uk/2/shared/bsp/hi/pdfs/11_05_06_isc_london_attacks_report.pdf<br />
18 The House of Commons; “Report of the Official Account of the Bombings in London on 7th July<br />
2005”; London; The Stationery Office (TSO); Mai 2006. Disponível em http://news.bbc.co.uk/2/<br />
shared/bsp/hi/pdfs/11_05_06_narrative.pdf<br />
19 Com respeito à terminologia no momento <strong>de</strong> fazer referências ao terrorismo, no relatório sobre<br />
inteligência e segurança <strong>de</strong>pois dos episódios do 7/7, o mesmo refere-se ao “terrorismo islamita”.<br />
Um termo utilizado pelos serviços <strong>de</strong> segurança e pela polícia para <strong>de</strong>screver a ameaça <strong>de</strong><br />
indivíduos que alegam uma justificação religiosa para o terrorismo, cuja alegação é, além disso,<br />
rejeitada pela maioria dos muçulmanos britânicos, cujos lí<strong>de</strong>res se encarregam <strong>de</strong> assinalar que<br />
o Islã não é uma religião violenta. Além disso, entre a comunida<strong>de</strong> contra-terrorista mais ampla<br />
do governo especifica-se que a ameaça é também referenciada como “terrorismo internacional”.<br />
MURPHY, Paul; “Intelligence and Security Committee Report into the London Terrorist Attacks<br />
on 7 July 2005. Presented to Parliament by the Primer Minister by Command of Her Majesty”;<br />
Mai 2006.<br />
20 The House of Commons; “Report of the Official Account of the Bombings in London on 7th July<br />
2005”; op. cit.; p. 26-27.<br />
21 Ibid.<br />
22 “Annex A: The evolution of the mo<strong>de</strong>rn international terrorist threat”, em The House of<br />
Commons; “Report of the Official Account of the Bombings in London on 7th July 2005”; London;<br />
The Stationery Office (TSO); Mai 2006.<br />
23 “Muçulmanos sob a lupa”, BBC Mundo.com, 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005. http://news.bbc.co.uk/hi/<br />
spanish/international/newsid_4679000/4679677.stm
Gastón Hernán Schulmeister<br />
24 “Four men held after terror raid”, em BBC News, 6 March 2006. http://news.bbc.co.uk/2/hi/<br />
uk_news/4777472.stm<br />
25 “Police search after terror arrest”, em BBC News, 7 June 2006. http://news.bbc.co.uk/2/hi/<br />
uk_news/5054466.stm<br />
26 Os <strong>de</strong>bates em torno da comunida<strong>de</strong> muçulmana no Reino Unido se esten<strong>de</strong>ram também a<br />
discussões sobre como os políticos e os próprios lí<strong>de</strong>res das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>veriam respon<strong>de</strong>r ao<br />
fenômeno do <strong>de</strong>scontentamento entre os jovens muçulmanos e sua possível radicalização.<br />
27 “O que motivou os atacantes?, em BBC Mundo.com, 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005. http://news.bbc.co.uk/<br />
hi/spanish/international/newsid_4682000/4682621.stm<br />
28 “A veia racista da Grã-Bretanha”, em BBC Mundo.com, 5 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005. http://<br />
news.bbc.co.uk/hi/spanish/misc/la_columna_<strong>de</strong>_miguel/newsid_4125000/4125942.stm<br />
29 “Webchat: Professor Paul Rogers”, em BBC News, 18 July 2005. http://www.bbc.co.uk/leeds/<br />
content/articles/2005/07/14/messageboard_paul_rogers_webchat_feature.shtml<br />
30 “Noite <strong>de</strong> violência racial na G. Bretanha”, em BBC Mundo.com, 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001. http://<br />
news.bbc.co.uk/hi/spanish/news/newsid_1428000/1428513.stm<br />
31 No caso da Irlanda do Norte, por exemplo, a preocupação em melhorar a imagem e a<br />
confiança da polícia perante a comunida<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte, entre outras coisas, na criação <strong>de</strong> um<br />
Ombudsman especial para lidar com as queixas contra a polícia (The Police Ombudsman for<br />
Nothern Ireland). O mesmo não é equivalente a um <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> assuntos internos, mas um<br />
interlocutor entre a socieda<strong>de</strong> e a polícia, encarregado <strong>de</strong> canalizar as <strong>de</strong>núncias da população<br />
e que atua como um mecanismo <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> controvérsias. Tal iniciativa se ocupou <strong>de</strong> temas<br />
como a má imagem da instituição policial (e a correspon<strong>de</strong>nte confiança que <strong>de</strong>veria melhorar<br />
para seu <strong>de</strong>sempenho), com uma particular atenção do accountability que mostra-se útil (da<br />
mesma forma que com a canalização <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas no caso Bradford) ao melhoramento do<br />
funcionamento das instituições <strong>de</strong> segurança. Para mais informações sobre The Police Ombudsman<br />
for Nothern Ireland , dirigir-se a seu site na web: http://www.policeombudsman.org/<br />
32 “Terceira noite <strong>de</strong> violência racial”, em BBC Mundo.com, 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001. http://<br />
news.bbc.co.uk/hi/spanish/news/newsid_1431000/1431319.stm<br />
33 “ Inglaterra: o porquê do verão da ira”, em BBC Mundo.com, 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001. http:/<br />
/news.bbc.co.uk/hi/spanish/news/newsid_1703000/1703347.stm<br />
34 “R. Unido: nova onda <strong>de</strong> violência racial?”, em BBC Mundo.com, 24 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2003. http:/<br />
/news.bbc.co.uk/hi/spanish/news/newsid_3016000/3016508.stm<br />
35 HENDERSON, N.J., DAVIS, R.C., and MERRICK, C., “Community Policing: Variations on the<br />
Western Mo<strong>de</strong>l in the Developing World”, Police Practice and Research, Vera Institute of Justice;<br />
2003; Vol. 4, Nº. 3; 16 p..<br />
36 Emblemático <strong>de</strong> tal política é o programa <strong>de</strong>nominado The Bradford District Safer Communities<br />
Partnership, o qual inclui uma ampla gama <strong>de</strong> ações e trabalha para reduzir o crime, o<br />
comportamento anti-social, os problemas <strong>de</strong> abusos <strong>de</strong> drogas e do medo do crime, e para<br />
assegurar que todas as pessoas no distrito se beneficiem do clima <strong>de</strong> segurança reinante. Para<br />
mais informações dirigir-se ao site na web: http://www.saferbradford.org.uk<br />
37 “Community Forums”, correspon<strong>de</strong>nte à seção “Department Profiles” no site na web da WYP:<br />
http://www.westyorkshire.police.uk/section-item.asp?sid=6&iid=99<br />
38 Ibid.<br />
39 Ibid.<br />
40 CALL, Charles T.; “Challenges in Police Reform: Promoting Effectiveness and Accountability”;<br />
IPA Policy Report; International Peace Aca<strong>de</strong>my; 2004. Disponível em http://www.ipaca<strong>de</strong>my.org/<br />
PDF_Reports/CHALLENGES_IN_POLICE.pdf<br />
97
98<br />
A participação comunitária<br />
41 “Community Forums”, no site da WYP, op. cit.<br />
42 Lucía Dammert, por exemplo, insistindo no papel mais ativo que o governo local <strong>de</strong>veria<br />
assumir comprometido com a participação da cidadania, reconhece a participação da<br />
comunida<strong>de</strong> nas iniciativas <strong>de</strong> prevenção da violência e a <strong>de</strong>linqüência como um pilar a ter em<br />
mente para o formato e implementação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> segurança em nível local, fazendo com<br />
que a comunida<strong>de</strong> se transforme em um ator <strong>de</strong>cisivo no espaço local. DAMMERT, Lucía;<br />
“Associação município-comunida<strong>de</strong> na prevenção do <strong>de</strong>lito”, em DAMMERT, Lucía, PAULSEN,<br />
Gustavo (eds.); Cida<strong>de</strong> e Segurança na América Latina; op. cit.; pp. 51/83.<br />
43 Bradford Hate Crime Alliance (BHCA) na web: http://www.hatecrimealliance.co.uk<br />
44 GROENEWALD, Hesta and PEAKE, Gordon; “Police Reform Through Community-based Policing:<br />
Philosophy and Gui<strong>de</strong>lines for Implementation”; International Peace Aca<strong>de</strong>my (IPA) Saferworld;<br />
New York; September 2004. Disponível em http://www.saferworld.org.uk/images/pubdocs/<br />
police%20reform.pdf<br />
45 “Londres: <strong>de</strong>pois dos conspiradores”, BBC Mundo.com, 10 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006. http://<br />
news.bbc.co.uk/hi/spanish/international/newsid_4781000/4781927.stm<br />
46 “Police fears of threat to Muslims”, em BBC News, 11 August 2006. http://news.bbc.co.uk/2/<br />
hi/uk_news/4783099.stm<br />
47 “Questions over London terror raid”, em BBC News, 10 June 2006. http://news.bbc.co.uk/2/hi/<br />
uk_news/5066846.stm; “Terror raid pair may sue police”, em BBC News, 11 June 2006. http://<br />
news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/5068500.stm<br />
48 “Counter Terrorism”, seção “Policy Statements”, na web da WYP: http://<br />
www.westyorkshire.police.uk/section-item.asp?sid=48&iid=1365<br />
49 Ibid.<br />
50 Ibid.<br />
51 National Policing Plan Priorities 2004/07.<br />
52 CRAMPHORN, Colin (2005); Chief Constable’s Annual Report 2004/2005; West Yorkshire<br />
Police. Disponível em http://www.westyorkshire.police.uk/files/docs/annualreport20042005.pdf<br />
53 CRAMPHORN, Colin (2005), op. cit. p. 4.<br />
54 Para mais informações ver SCHULMEISTER, Gastón Hernán, “A segurança segundo a visão<br />
britânica. Um enfoque holístico para reformas no setor”, Boletim do Instituto <strong>de</strong> Assuntos<br />
Estratégicos e Assuntos Internacionais (ISIAE), Conselho Argentino para as Relações Internacionais<br />
(CARI), ano 9, número 38, abril 2006. Disponível em http://www.cari1.org.ar/pdf/boletin30.pdf<br />
55 WULF, Herbert; “Brief 15. Security Setor Reform”; Bonn (Germany); Bonn International<br />
Center for Conversion (BICC); 2000.<br />
56 Organization for Economic Co-operation and Development (OECD); “Security System Reform<br />
and Governance”; DAC Gui<strong>de</strong>lines and reference Series; Paris (France); 2005.<br />
57 BALY, Dick; “Un<strong>de</strong>rstanding and Supporting Security Sector Reform”; London, United Kingdom;<br />
Department for International Development (DFID); 2002.<br />
58 Neste sentido, embora o presente trabalho se ocupe apenas do caso Bradford, não se po<strong>de</strong> fugir<br />
pelo menos à menção da aplicação do mesmo enfoque ao processo <strong>de</strong> reforma acontecido nos<br />
últimos anos na Irlanda do Norte. Ver “A New Beginning: Policing in Northern Ireland. A report<br />
of the In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Commission on Policing for Northern Ireland”; September 1999. Disponível<br />
em http://www.belfast.org.uk/report/fullreport.pdf<br />
59 Na América Latina, por exemplo, são recorrentes os <strong>de</strong>bates sobre se é preciso ampliar ou não<br />
as missões das Forças Armadas em matéria <strong>de</strong> segurança interna. Ver CA, Lucía e BAILEY, John;<br />
“Reforma policial e participação militar no combate à <strong>de</strong>linqüência: análise e <strong>de</strong>safios para a<br />
América Latina”; em Forças Armadas e Socieda<strong>de</strong>; FLACSO-Chile; Nº.1; 2005; pp.133-152.<br />
Disponível em http://www.fasoc.cl/files/articulo/ART43622189c08b8.pdf
Comunicação<br />
REFORMA POLICIAL E USO LEGÍTIMO DA FORÇA<br />
EM UM ESTADO DE DIREITO.<br />
UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DA COLÔMBIA<br />
Hugo Acero *<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
No começo dos anos 90 do século passado, apenas 17 <strong>de</strong> cada<br />
100 cidadãos confiavam na <strong>Polícia</strong> Nacional da Colômbia. As pesquisas e<br />
estudos <strong>de</strong> percepção sobre o trabalho policial nessa época, a colocavam<br />
como uma instituição pouco comprometida com o respeito aos direitos<br />
e liberda<strong>de</strong>s dos cidadãos, com os procedimentos legais e com o estrito<br />
cumprimento <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres constitucionais. Além disso, era consi<strong>de</strong>rada<br />
pouco eficiente frente aos problemas <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüência com<br />
os quais naquele momento pa<strong>de</strong>cia o país.<br />
Frente a esse cenário, o governo nacional, no ano 1992, empreen<strong>de</strong>u<br />
um processo <strong>de</strong> reforma da polícia, sustentada em uma renovada atitu<strong>de</strong><br />
autocrítica e vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança nos altos comandos policiais. Para isso,<br />
o governo criou uma comissão externa, com porta-vozes importantes da<br />
socieda<strong>de</strong> colombiana, e da qual fizeram parte oficiais <strong>de</strong>stacados da<br />
instituição policial, a qual se orientou essencialmente pela mo<strong>de</strong>rnização<br />
<strong>de</strong> sua estrutura interna <strong>de</strong> acordo com as exigências da segurança e a<br />
convivência cidadã no padrão <strong>de</strong> um pleno respeito pelo Estado Social <strong>de</strong><br />
Direito, consagrado na Constituição Política <strong>de</strong> 1991.<br />
Parte fundamental <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> transição foi fazer com que<br />
seus membros interiorizassem o respeito e a valorização aos direitos<br />
humanos, pela proteção das liberda<strong>de</strong>s e pelo fomento da vida,<br />
promovendo estes princípios na sua prática profissional, através do uso<br />
dos mecanismos <strong>de</strong> controle, atenção e prevenção.<br />
Tendo como padrão <strong>de</strong> referência o Estado Social <strong>de</strong> Direito que<br />
proclama a Constituição <strong>de</strong> 1991, a polícia <strong>de</strong>ve encarregar-se <strong>de</strong> preservar<br />
a segurança cidadã, enten<strong>de</strong>ndo esta como as condições <strong>de</strong> segurança,<br />
salubrida<strong>de</strong> e tranqüilida<strong>de</strong> necessárias para o gozo dos direitos humanos<br />
e o cumprimento dos <strong>de</strong>veres. Por conseguinte, a finalida<strong>de</strong> da polícia é o<br />
* Sociólogo, consultor internacional em temas <strong>de</strong> segurança cidadã, segurança nacional, manejo<br />
<strong>de</strong> crise e terrorismo.<br />
COLÔMBIA<br />
99
100<br />
Reforma Policial e uso legítimo da força em um Estado <strong>de</strong> Direito<br />
respeito e a proteção dos direitos humanos. Todas as ações da força<br />
pública policial, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a or<strong>de</strong>m mais elementar, até o uso da força em<br />
situações excepcionais, estarão or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> modo a favorecer o exercício<br />
dos direitos humanos e o <strong>de</strong>sfrute dos benefícios por eles assegurados 1 .<br />
Como produto <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> reforma foram retirados da<br />
<strong>Polícia</strong> Nacional da Colômbia mais <strong>de</strong> 10 mil membros que, por diferentes<br />
motivos, não se a<strong>de</strong>quavam aos novos requisitos <strong>de</strong> uma polícia<br />
respeitadora dos direitos humanos e voltada para as necessida<strong>de</strong>s e<br />
confiança dos cidadãos da Colômbia.<br />
O objetivo <strong>de</strong>sse documento é dar conta da experiência <strong>de</strong> reforma<br />
policial, tendo como ponto <strong>de</strong> reflexão a idéia do uso legítimo da força no<br />
mo<strong>de</strong>lo do Estado Social <strong>de</strong> Direito, observando <strong>de</strong>talhadamente quais<br />
foram os limites e alcances <strong>de</strong>ste conceito no âmago <strong>de</strong>sta prática, ou<br />
processo, para o qual esta apresentação se dividirá em três partes:<br />
Inicialmente, serão apresentadas uma série <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações<br />
preliminares sobre os parâmetros e princípios básicos <strong>de</strong> atuação da polícia<br />
em um Estado Social <strong>de</strong> Direito. Posteriormente, serão enfatizados os<br />
aspectos mais relevantes <strong>de</strong>ntro da experiência <strong>de</strong> reforma policial,<br />
estabelecendo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste espaço, as limitações e alcances do uso<br />
legítimo da força na manutenção das condições necessárias para o exercício<br />
dos direitos e das liberda<strong>de</strong>s individuais. Finalmente, serão colocados alguns<br />
<strong>de</strong>safios e reflexões que servirão como ponto <strong>de</strong> partida ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novos planejamentos e iniciativas neste tema.<br />
2. SOBRE A ATUAÇÃO DA POLÍCIA EM UM ESTADO SOCIAL E<br />
DEMOCRÁTICO DE DIREITO<br />
Existem diversos parâmetros que <strong>de</strong>finem e regulam o exercício<br />
profissional da polícia. Esses parâmetros estão <strong>de</strong>finidos <strong>de</strong>ntro da<br />
Constituição Política da Colômbia <strong>de</strong> 1991 e nos instrumentos legais<br />
internacionais sobre direitos humanos, os quais prevalecem para a<br />
manutenção da or<strong>de</strong>m interna e a lei, sendo amparados pela Constituição<br />
Nacional no seu artigo 93, como verifica-se abaixo2 :<br />
•O respeito aos direitos das pessoas.<br />
•A observação dos procedimentos legais.
•O estrito cumprimento dos <strong>de</strong>veres<br />
Hugo Acero<br />
Derivados <strong>de</strong>sses preceitos fundamentais, encontramos um<br />
conjunto <strong>de</strong> princípios que regem a atuação da polícia, os quais <strong>de</strong>limitam<br />
e orientam claramente sua atuação em relação aos cidadãos e a situações<br />
particulares, como prescreve a Organização das Nações Unidas 3 :<br />
•Finalida<strong>de</strong>: o fim procurado pela polícia é a prevenção <strong>de</strong> um<br />
fato punível ou a <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> um infrator. Algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio<br />
<strong>de</strong>ssa finalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria conduzir a um uso <strong>de</strong>smedido do po<strong>de</strong>r.<br />
•Necessida<strong>de</strong>: as condutas tomadas pela polícia <strong>de</strong>vem<br />
constituir-se como a única possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação para evitar a<br />
realização <strong>de</strong> um fato punível ou dar captura a quem comete.<br />
Adicionalmente, essas condutas <strong>de</strong>vem ser as menos lesivas<br />
possíveis aos direitos das pessoas, particularmente no que se<br />
refere ao uso da força.<br />
•Devida motivação: refere-se explicitamente às razões que<br />
levam à polícia a atuar, as quais <strong>de</strong>vem ser claras, objetivas e,<br />
sobretudo, justificadas.<br />
•Proporcionalida<strong>de</strong>: o conjunto das medidas tomadas pela polícia<br />
<strong>de</strong>ve estar ajustado à conduta da pessoa perseguida e às<br />
circunstâncias do contexto no qual se comete o fato punível;<br />
por isso, <strong>de</strong>ve haver uma conexão direta entre a finalida<strong>de</strong> e os<br />
meios utilizados, o que evitará o uso <strong>de</strong> medidas excessivas que<br />
causem danos <strong>de</strong>snecessários às pessoas ou a seus bens.<br />
•Não-discriminação: todas as pessoas, sem distinção <strong>de</strong> nenhum<br />
tipo, têm os mesmos <strong>de</strong>veres e direitos e <strong>de</strong>verão ser tratadas<br />
pela polícia da mesma maneira.<br />
•Excepcionalida<strong>de</strong> do uso da força: o uso da força se admite<br />
para situações excepcionais, nas quais ou não é possível prevenir<br />
o <strong>de</strong>lito, ou se <strong>de</strong>ve perseguir o infrator por outros meios.<br />
É necessário enten<strong>de</strong>r que cada um <strong>de</strong>sses princípios faz parte <strong>de</strong><br />
um todo estreitamente inter-relacionado, on<strong>de</strong>, como já havia sido<br />
explicitado anteriormente, aparece a proteção aos direitos das pessoas<br />
como um eixo central.<br />
101
102<br />
Reforma Policial e uso legítimo da força em um Estado <strong>de</strong> Direito<br />
Tomando como ponto <strong>de</strong> partida esses conceitos, no<br />
prosseguimento <strong>de</strong>ste trabalho se fará um percurso pelo processo <strong>de</strong><br />
reforma o qual, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano 1993 a <strong>Polícia</strong> Nacional da Colômbia veio<br />
implementando em todo o país, comentando minuciosamente até on<strong>de</strong><br />
chegou e como se <strong>de</strong>senvolveu no interior <strong>de</strong>sse processo a idéia <strong>de</strong> uso<br />
legítimo da força.<br />
3. REFORMA POLICIAL NA COLÔMBIA: TRANSFORMAÇÃO DE<br />
UMA INSTITUIÇÃO PELO RESPEITO AOS DIREITOS DOS<br />
CIDADÃOS<br />
A promulgação da Constituição Política <strong>de</strong> 1991 marca o início <strong>de</strong><br />
um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> participação cidadã nas <strong>de</strong>cisões econômicas, políticas<br />
e sociais da nação, direcionado a garantir a existência <strong>de</strong> instituições públicas<br />
eficientes e <strong>de</strong>mocráticas, nas quais os usuários aparecem como legítimos<br />
requerentes <strong>de</strong> serviços e direitos.<br />
Nesse contexto, a <strong>Polícia</strong> Nacional (também imersa em corrupção<br />
e <strong>de</strong>ficiência no cumprimento <strong>de</strong> suas funções, por aquela época) assumiu<br />
o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> “submeter-se a um processo <strong>de</strong> autocrítica e questionamento,<br />
tanto <strong>de</strong> seu funcionamento como do comportamento <strong>de</strong> seus<br />
integrantes 4 ”, com o propósito <strong>de</strong> constituir-se em um organismo vivo<br />
do país, interessado na <strong>de</strong>fesa do bem comum e co-participe da<br />
transformação da realida<strong>de</strong> nacional, partindo <strong>de</strong> suas próprias<br />
competências <strong>de</strong> segurança e convivência.<br />
As exigências da nova Constituição facilitaram a reestruturação<br />
interna da polícia mediante a expedição da Lei 62 <strong>de</strong> 1993, e o<br />
diagnóstico da realida<strong>de</strong> institucional, permitindo a i<strong>de</strong>ntificação dos<br />
seguintes problemas como causadores da crise <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> da<br />
<strong>Polícia</strong> Nacional 5 :<br />
•Enfraquecimento <strong>de</strong> princípios e valores da corporação.<br />
•Gestão <strong>de</strong> comando caracterizada por ausência <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança.<br />
•Deficientes resultados do serviço <strong>de</strong> polícia (diversificação<br />
excessiva do serviço).<br />
•Enfoque ina<strong>de</strong>quado da administração do talento humano.
•Deficiências nos processos <strong>de</strong> formação e capacitação.<br />
•Ineficazes sistemas <strong>de</strong> avaliação e acompanhamento.<br />
•Afastamento polícia-comunida<strong>de</strong>.<br />
•Violação dos direitos humanos.<br />
Frente a esses problemas, a reforma policial se sustentou nos três<br />
elementos constitutivos do sistema do serviço policial: indivíduo, instituição<br />
e comunida<strong>de</strong>. E a priorização dos problemas <strong>de</strong>tectados transformouse<br />
no insumo potencializador para a criação e implementação do “Plano<br />
<strong>de</strong> Transformação Cultural”, cuja filosofia se fundamentou em:<br />
“A mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> do homem, mediante o equilíbrio <strong>de</strong> suas<br />
dimensões espiritual, intelectual, sócio-afetiva e física, sustento <strong>de</strong> seu<br />
próprio <strong>de</strong>senvolvimento individual e <strong>de</strong> sua construção <strong>de</strong> uma cultura<br />
organizacional baseada no progresso tecnológico e acomodada às<br />
necessida<strong>de</strong>s do cidadão, e do meio que o cerca, para fazer mais uma<br />
instituição produtiva e competitiva” 6 .<br />
Os programas fundamentais sobre os quais se alicerçou o Plano <strong>de</strong><br />
Transformação Cultural foram:<br />
•Participação da comunida<strong>de</strong>.<br />
•Nova cultura do trabalho.<br />
•Fortalecimento da capacida<strong>de</strong> operativa.<br />
•Desenvolvimento gerencial.<br />
•Potenciação do conhecimento e da formação policial.<br />
•Mo<strong>de</strong>rnização da gestão administrativa. 7<br />
Hugo Acero<br />
Des<strong>de</strong> então, a polícia não tem economizado esforços acadêmicos<br />
para, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas escolas, formar indivíduos capazes <strong>de</strong> dar um tratamento<br />
personalizado, com disposição ao diálogo e interação com civis, <strong>de</strong> uma<br />
maneira essencialmente persuasiva ao invés <strong>de</strong> dissuasiva.<br />
A mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong> sua gestão administrativa, a formação <strong>de</strong> seus<br />
103
104<br />
Reforma Policial e uso legítimo da força em um Estado <strong>de</strong> Direito<br />
membros para uma nova atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço e o reconhecimento dos<br />
cidadãos como a razão da existência da instituição têm feito da <strong>Polícia</strong><br />
Nacional uma instituição flexível, mais horizontal na sua organização e<br />
com um alto nível <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> no cumprimento <strong>de</strong> suas funções <strong>de</strong><br />
segurança e convivência, conforme as necessida<strong>de</strong>s cidadãs e<br />
institucionais. Hoje, a instituição policial goza <strong>de</strong> uma aprovação por<br />
parte da população próxima a 70%.<br />
Parte fundamental <strong>de</strong>ssa transformação da <strong>Polícia</strong> Nacional foi fazer<br />
com que seus membros internalizassem o respeito e valorização dos Direitos<br />
Humanos, e promovessem sua vivência em cada uma <strong>de</strong> suas ações<br />
cotidianas, fundamentadas na proteção das liberda<strong>de</strong>s e no fomento da vida.<br />
No que tange ao uso da força, os membros da instituição cada<br />
vez mais sabem que seu emprego <strong>de</strong>ve ser realizado com extremo<br />
cuidado e <strong>de</strong>vendo ser aquela que seja necessária e proporcional ao<br />
perigo que se procura evitar. A esse respeito, diz o artigo 3° do código<br />
<strong>de</strong> conduta para funcionários encarregados <strong>de</strong> fazer cumprir a lei e<br />
combater o crime, aprovado pela assembléia geral das Nações Unidas:<br />
“Os funcionários encarregados <strong>de</strong> fazer cumprir a lei po<strong>de</strong>rão usar a<br />
força só quando seja estritamente necessária e na medida que o requeira<br />
o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas tarefas 8 ”.<br />
Por outro lado, o artigo 29 do Código Nacional <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> da<br />
Colômbia, afirma que só quando for estritamente necessário, a polícia po<strong>de</strong><br />
utilizar a força para impedir a perturbação da or<strong>de</strong>m pública e restabelecêla.<br />
Da mesma forma, o artigo 30 <strong>de</strong>sse mesmo Código consagra que para<br />
preservar a or<strong>de</strong>m pública a polícia só empregará os meios autorizados<br />
pela lei e pelos regulamentos, escolhendo sempre entre os meios eficazes<br />
disponíveis, aqueles que causem um menor dano à integrida<strong>de</strong> das pessoas<br />
e <strong>de</strong> seus bens. Tais meios não po<strong>de</strong>rão ser utilizados além do tempo<br />
indispensável para a manutenção da or<strong>de</strong>m e seu restabelecimento.<br />
Sobre esses preceitos constitucionais e legais, o processo <strong>de</strong><br />
transformação cultural da polícia, no que diz respeito ao uso legítimo da força,<br />
avançou, como o coloca Margarita Uprimny, sob os seguintes critérios 9 :<br />
•Critério <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>: será utilizada a força apenas quando a<br />
or<strong>de</strong>m pública não pu<strong>de</strong>r ser preservada <strong>de</strong> outra maneira.<br />
•Critério <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>: os meios utilizados <strong>de</strong>vem estar previamente
Hugo Acero<br />
autorizados pela lei ou por um regulamento. Isso amostra que o<br />
uso da força tem limites legais e que as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> polícia não<br />
po<strong>de</strong>m inventar sistemas imprevistos para atemorizar aos indivíduos<br />
ou a grupos cuja ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>va ser reprimida.<br />
•Critério <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>: <strong>de</strong>vem ser evitados os danos<br />
<strong>de</strong>snecessários.<br />
•Critério <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong>: esses meios apenas po<strong>de</strong>rão ser<br />
utilizados pelo tempo indispensável.<br />
Em coerência com esses critérios, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados dos anos 90 foram<br />
<strong>de</strong>stinados recursos para a capacitação e a atualização <strong>de</strong> oficiais e<br />
suboficiais, membros do nível executivo e agentes, em temáticas como:<br />
direitos <strong>de</strong> polícia, direitos humanos, direito internacional humanitário,<br />
segurança e convivência cidadã, polícia comunitária, padronização <strong>de</strong><br />
procedimentos e pedagogia. Da mesma forma, e coadunado com as<br />
políticas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m nacional 10 , com as diretrizes internacionais para a<br />
proteção dos Direitos Humanos e com o Plano <strong>de</strong> Transformação Cultural,<br />
foi criado o Escritório <strong>de</strong> Direitos Humanos da <strong>Polícia</strong> Nacional, com suas<br />
correspon<strong>de</strong>ntes instâncias setoriais.<br />
Des<strong>de</strong> então, a <strong>Polícia</strong> Nacional tem emanado múltiplas ações <strong>de</strong><br />
pesquisa e educação orientadas ao conhecimento e ao bom uso do tema<br />
por parte dos integrantes da instituição, nas suas diferentes áreas <strong>de</strong> apoio<br />
à comunida<strong>de</strong>. Da mesma forma, a instituição coor<strong>de</strong>nou ativida<strong>de</strong>s<br />
orientadas para a <strong>de</strong>fesa dos Direitos Humanos <strong>de</strong> seus membros. Nesse<br />
âmbito, foram estabelecidos convênios com as Nações Unidas, com a<br />
Secretaria para os Direitos Humanos da Presidência da República e com<br />
instituições acadêmicas, para a realização <strong>de</strong> pesquisas que permitam<br />
estabelecer as condutas in<strong>de</strong>vidas por parte <strong>de</strong> seu pessoal e formular<br />
linhas <strong>de</strong> trabalho que conduzam à sua melhoria.<br />
Nos últimos anos, a <strong>Polícia</strong> Nacional, em coor<strong>de</strong>nação com<br />
diferentes instituições, como a Defensoria do Povo, o Escritório para os<br />
Direitos Humanos da Presidência e as Personerías Municipales 11 , iniciou<br />
um amplo trabalho <strong>de</strong> indagação sobre a situação dos Direitos Humanos<br />
no interior da instituição e no serviço à comunida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> seus<br />
membros. Este trabalho permitiu, por um lado, colocar em evidência a<br />
vonta<strong>de</strong> política da polícia frente às exigências <strong>de</strong> mudança, e, por outro,<br />
105
106<br />
Reforma Policial e uso legítimo da força em um Estado <strong>de</strong> Direito<br />
<strong>de</strong>terminar até que ponto no exercício legítimo <strong>de</strong> suas funções<br />
constitucionais incorreu-se em algum excesso no uso da força ou <strong>de</strong>sacato<br />
à lei, com o fim <strong>de</strong> corrigir erros e <strong>de</strong>purar cada vez mais o exercício<br />
profissional <strong>de</strong> seus membros.<br />
4. CONCLUSÕES<br />
O primeiro aspecto que é preciso <strong>de</strong>stacar é que hoje a <strong>Polícia</strong><br />
Nacional da Colômbia é uma das instituições melhor qualificadas pelos<br />
cidadãos. Enquanto no ano 1992 apenas 17% dos cidadãos a consi<strong>de</strong>ravam<br />
confiável, hoje 68% acreditam nela e, mesmo que falte muito caminho<br />
por percorrer, a instituição policial não cessa o seu esforço para ser a<br />
melhor instituição do país.<br />
Cabe ressaltar que frente aos <strong>de</strong>safios que hoje impõem os<br />
problemas <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong>linqüência na maioria dos países latinoamericanos,<br />
o aprofundamento da mo<strong>de</strong>rnização das forças policiais,<br />
emoldurada no compromisso com a estrita observância aos Direitos<br />
Humanos, constitui-se em uma necessida<strong>de</strong> inadiável caso se pretenda<br />
dar a resposta a<strong>de</strong>quada a tais <strong>de</strong>safios. Assim o consi<strong>de</strong>rou o governo da<br />
Colômbia em 1993 e a <strong>Polícia</strong> Nacional, e hoje a instituição colhe os frutos<br />
com o reconhecimento do cidadão e a redução dos indicadores <strong>de</strong> violência<br />
e <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüência, como foi o claro exemplo <strong>de</strong> Bogotá nos últimos <strong>de</strong>z<br />
anos e Me<strong>de</strong>llín nos últimos quatro.<br />
Quanto ao uso da força, ficou claro para o governo e para a<br />
instituição que <strong>de</strong>veriam existir critérios e fundamentos claros <strong>de</strong> ação<br />
policial consi<strong>de</strong>rando o Estado <strong>de</strong> Direito e que isso beneficiava aos próprios<br />
membros da força policial que, por razões relacionadas ao serviço,<br />
encontram-se expostos diariamente a situações nas quais é provável<br />
cometer erros que po<strong>de</strong>m resultar na perda <strong>de</strong> vidas ou na <strong>de</strong>struição <strong>de</strong><br />
bens ou proprieda<strong>de</strong>s. É claro, para qualquer membro da Instituição<br />
Policial, que seguir as regras lhes serve para estarem blindados frente a<br />
qualquer acusação <strong>de</strong> suposto abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> ou uso in<strong>de</strong>vido da<br />
força. Se o policial seguir fielmente as regras <strong>de</strong> relacionamento com o<br />
cidadão, dificilmente o resultado da investigação po<strong>de</strong>rá assinalá-lo como<br />
responsável por cometer uma arbitrarieda<strong>de</strong>, pois se tratará <strong>de</strong> um erro<br />
não premeditado 12 .
Finalmente, é necessário consi<strong>de</strong>rar as características excepcionais<br />
nas quais vive a Colômbia com o conflito armado interno, cuja situação faz<br />
com que a população civil se veja freqüentemente surpreendida em meio<br />
ao fogo cruzado e on<strong>de</strong> os critérios <strong>de</strong> uso legítimo da força, adquirem<br />
ainda mais importância. Nesse tipo <strong>de</strong> conflito <strong>de</strong>ve-se limitar <strong>de</strong> maneira<br />
muito cuidadosa, a aplicação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fogo e do uso da força em<br />
geral. Aqui se torna muito difícil e, em alguns casos, quase impossível,<br />
discernir entre combatentes e não combatentes, e é no meio <strong>de</strong>ssa situação<br />
que a <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong>ve aprimorar ainda mais as regras no uso da força<br />
para guiar as operações, minimizar erros e danos colaterais e contribuir<br />
para evitar abusos contra a população civil.<br />
Os critérios <strong>de</strong> ação emoldurados no respeito aos direitos humanos<br />
são o parâmetro principal para avaliar a legitimida<strong>de</strong> das operações da<br />
polícia, e especialmente da <strong>Polícia</strong> Nacional. Caso ocorra uma investigação<br />
por <strong>de</strong>litos cometidos no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> atos do serviço, o critério<br />
fundamental <strong>de</strong> avaliação será a observância das regras estipuladas nos<br />
tratados e nos <strong>de</strong>cretos internacionais sobre o uso legítimo da força 13 .<br />
Finalmente, cabe <strong>de</strong>stacar que os critérios <strong>de</strong> ação do uso legítimo<br />
da força não <strong>de</strong>vem ser vistos como obstáculos ou impedimentos para a<br />
a<strong>de</strong>quada execução das operações militares e policiais. Pelo contrário,<br />
<strong>de</strong>vem servir como um guia e uma ajuda para todos os membros da<br />
<strong>Polícia</strong> encarregados <strong>de</strong> velar pela vida, pela honra e pelos bens dos cidadãos<br />
e das instituições <strong>de</strong>mocráticas.<br />
Notas<br />
Hugo Acero<br />
1 UPRIMNY YÉPEZ, INÉS MARGARITA. Limites da polícia na perseguição do <strong>de</strong>lito. Defensoria<br />
do povo. Bogotá 2003.<br />
2 Artigo 93 da Constituição Política Nacional<br />
3 Assembléia Geral das Nações Unidas. 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1979. Normativa e Prática dos<br />
Direitos Humanos para a <strong>Polícia</strong> Manual ampliado <strong>de</strong> direitos humano para a polícia.<br />
4 POLÍCIA NACIONAL: A FORÇA DA MUDANÇA. Cartilha N° 2. Pág.14.<br />
5 POLÍCIA NACIONAL: A FORÇA DA MUDANÇA. Cartilha N° 2.<br />
6 GRUPO DE ESTRATEGISTAS PARA A MUDANÇA. Transformação cultural e melhoramento<br />
institucional. <strong>Polícia</strong> Nacional. Editorial Retina. Bogotá: 1995.<br />
7 Plano <strong>de</strong> Direcionamentos Estratégicos da <strong>Polícia</strong> Nacional.<br />
8 Ibid. UPRIMNY YÉPEZ, INÉS MARGARITA. Limites da polícia na perseguição do <strong>de</strong>lito. Defensoría<br />
do povo. Bogotá 2003. Pág. 25<br />
9 Ibid., UPRIMNY YÉPEZ, INÉS MARGARITA. Limites da polícia na perseguição do <strong>de</strong>lito.<br />
107
108<br />
Reforma Policial e uso legítimo da força em um Estado <strong>de</strong> Direito<br />
Defensoria do povo. Bogotá 2003. Pág. 33<br />
10 A) Diretiva Presi<strong>de</strong>ncial Não. 005 <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> l991: Responsabilida<strong>de</strong>s das entida<strong>de</strong>s<br />
do Estado na Estratégia Nacional Contra a Violência”. B) Diretiva Presi<strong>de</strong>ncial 003 <strong>de</strong> maio 3 <strong>de</strong><br />
l994: responsabilida<strong>de</strong>s do Estado na Estratégia contra a Violência e a Segurança da Gente. C)<br />
Diretiva permanente MINDEFENSA 010 <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1994: Reestruturação e ampliação do<br />
Escritório <strong>de</strong> Direitos Humanos do Ministério da Defesa e criação das mesmas nas forças<br />
Armadas, entre outras.<br />
11 A Personería Municipal é um órgão público que exerce a fiscalização da administração do<br />
município. Como parte do Ministério Público, lhe correspon<strong>de</strong> a guarda e promoção dos direitos<br />
humanos, a proteção do interesse público e a vigilância da conduta oficial <strong>de</strong> que <strong>de</strong>sempenham<br />
funções públicas.<br />
12 ANDRES VILLAMIZAR, Erros militares e regras <strong>de</strong> encontro, Fundação Segurança e Democracia.<br />
Bogotá, outubro 4 <strong>de</strong> 2004<br />
13 Ibid. ANDRES VILLAMIZAR, Erros militares e regras <strong>de</strong> encontro, Fundação Segurança e<br />
Democracia. Bogotá, outubro 4 <strong>de</strong> 2004. Pág. 9
Comunicação<br />
ESTRATÉGIAS POLICIAIS PERANTE NOVAS<br />
AMEAÇAS E RELAÇÕES SEGURANÇA PÚBLICA–<br />
DEFESA NACIONAL<br />
Gustavo Gorriti*<br />
A principal ameaça que viveu o Peru em termos <strong>de</strong> segurança pública<br />
e nacional foi a insurreição do Sen<strong>de</strong>ro Luminoso. Des<strong>de</strong> seu início,<br />
enganosamente simples, até o momento, no final da década <strong>de</strong> 1980 e<br />
começo <strong>de</strong> 90, quando o Sen<strong>de</strong>ro afirmou haver alcançado a parida<strong>de</strong><br />
estratégica e iniciado a etapa dirigida a conquistar o po<strong>de</strong>r, o Peru viveu uma<br />
guerra interna na qual morreram <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas e sofreu<br />
uma <strong>de</strong>struição material <strong>de</strong> bilhões <strong>de</strong> dólares.<br />
Para fins práticos, a guerra interna terminou há alguns anos. O Sen<strong>de</strong>ro<br />
Luminoso mantém grupos armados em algumas regiões do país, mas o que<br />
restou não constitui mais uma ameaça estratégica, como foi, e muito, até<br />
fins <strong>de</strong> 1992.<br />
Por que trazer para discussão o caso no contexto <strong>de</strong>sse estudo?<br />
Porque aquela ameaça sem prece<strong>de</strong>ntes no Peru pôs em jogo todo tipo <strong>de</strong><br />
reações e respostas por parte <strong>de</strong> um Estado confuso, que viu como<br />
fracassavam, um após outro, seus esforços, enquanto a situação piorava até<br />
tornar-se quase insustentável.<br />
Uma vez que a polícia foi <strong>de</strong>rrotada em 1982, na primeira área em<br />
estaqdo <strong>de</strong> emergência (a <strong>de</strong> Ayacucho, na serra centro-sul do país), as<br />
Forças Armadas assumiram a tarefa contra-insurgente, pondo em prática<br />
as doutrinas <strong>de</strong> contra-insurgência que haviam sido empregadas poucos<br />
anos antes, frente às insurreições guerrilheiras na América do Sul,<br />
especialmente no Cone Sul, e que em todos os casos terminaram com a<br />
supressão da <strong>de</strong>mocracia, a instauração <strong>de</strong> ditaduras e a prática <strong>de</strong><br />
atrocida<strong>de</strong>s contra <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas.<br />
Essa doutrina, herdada da guerre révolutionnaire francesa,<br />
essencialmente contrária à <strong>de</strong>mocracia, foi aplicada no Peru, inicialmente,<br />
nas áreas provincianas on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u com maior força o crescimento da<br />
organização maoísta. Apesar do gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> vítimas, (mortos,<br />
<strong>de</strong>saparecidos, refugiados), a insurreição, além <strong>de</strong> não ser dominada,<br />
continuou crescendo e difundindo-se por novas regiões do país.<br />
* Jornalista, Diretor da Área <strong>de</strong> Segurança Cidadã do Instituto <strong>de</strong> Defensa Legal.<br />
PERU<br />
109
110<br />
Estratégias policiais perante novas ameaças e<br />
relações Segurança Pública–Defesa Nacional<br />
O fracasso das estratégias <strong>de</strong> repressão brutal causou outro efeito<br />
colateral: a erosão paulatina da <strong>de</strong>mocracia peruana, jovem, precária e<br />
frágil, que perdia regiões inteiras do território nacional quando essas se<br />
<strong>de</strong>claravam em emergência e se colocavam sob controle <strong>de</strong> um comando<br />
político-militar. Assim, enquanto a insurreição se expandia e fazia<br />
metástases, também se expandiam paralelamente ditaduras militares<br />
estaduais, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um governo <strong>de</strong>mocrático nacional. A <strong>de</strong>mocracia<br />
peruana abdicava gradualmente, e cada vez mais, <strong>de</strong> seu governo e do<br />
império da lei, porque simplesmente não sabia como enfrentar a<br />
insurreição e como empregar suas próprias ferramentas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />
Em fins da década <strong>de</strong> 1980, a situação havia se agravado<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente e as principais cida<strong>de</strong>s do país, entre as quais Lima, se<br />
transformavam em palcos cada vez mais centrais da guerra interna. Ao<br />
longo <strong>de</strong>sses anos, as diversas forças que enfrentavam o Sen<strong>de</strong>ro (as Forças<br />
Armadas, as polícias, os grupos organizados da socieda<strong>de</strong>) haviam ensaiado<br />
diversos meios e formas <strong>de</strong> enfrentar os maoístas. Uns mais cruéis que<br />
outros e alguns mais eficazes que os anteriores. O Sen<strong>de</strong>ro tinha perdido<br />
o controle <strong>de</strong> alguns territórios previamente dominados (e tiranizados),<br />
sobretudo quando os camponeses se levantaram para enfrentá-los. Em<br />
alguns casos, com a ajuda das Forças Armadas, em outros, praticamente<br />
sós. Mas na soma total da guerra interna, o Sen<strong>de</strong>ro estava mais forte que<br />
antes, controlava ou influenciava mais territórios e se preparava para variar<br />
a clássica estratégia maoísta com uma que tinha fortes elementos da<br />
doutrina prévia do Comintern: tentar provocar o colapso do governo<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as cida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> sua periferia imediata.<br />
Uma figura <strong>de</strong> suprema importância durante toda a guerra, se fazia<br />
agora duplamente vital. Abimael Guzmán, o “Presi<strong>de</strong>nte Gonzalo”, era<br />
não só o lí<strong>de</strong>r indiscutível do Sen<strong>de</strong>ro Luminoso, mas já se transformara<br />
no mais próximo que um movimento maoísta ultra-ortodoxo po<strong>de</strong>ria ter<br />
<strong>de</strong> adoração quase religiosa. Diferentemente dos casos <strong>de</strong>, por exemplo,<br />
Stalin, Mao ou Kim Il-Sung, nos quais o chamado culto à personalida<strong>de</strong> se<br />
manifestou <strong>de</strong>pois da vitória e das <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> rigor, o culto à<br />
personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Gonzalo foi <strong>de</strong>senvolvida durante a insurreição e cresceu<br />
até níveis extravagantes para uma organização marxista. No meio <strong>de</strong><br />
terremotos internos e <strong>de</strong> algumas purgas com métodos copiados da<br />
Revolução Cultural chinesa, a posição do “Presi<strong>de</strong>nte Gonzalo” se<br />
transformara, para os sen<strong>de</strong>ristas, na <strong>de</strong> profeta maior <strong>de</strong> uma religião
Gustavo Gorriti<br />
secular. “Gonzalo”, Abimael Guzmán, era a chave da vitória para seus<br />
fiéis. Não só no Peru mas, eventualmente, no mundo. Para seguir as or<strong>de</strong>ns<br />
<strong>de</strong> quem chamavam “o maior homem vivente sobre a face da Terra”, os<br />
sen<strong>de</strong>ristas não exitavam em entregar a vida, já que <strong>de</strong>viam levá-la sempre<br />
“na ponta dos <strong>de</strong>dos”. No momento da morte, “da suprema entrega”,<br />
talvez entre torturas atrozes, “a chefia” estaria com eles, em uma forma<br />
<strong>de</strong> transporte místico que, <strong>de</strong> alguma maneira, haviam compatibilizado<br />
com sua convicção materialista.<br />
Uma vez que Abimael Guzmán era tão importante, como guia<br />
estratégico, mas também objeto <strong>de</strong> culto e <strong>de</strong> fé para o Sen<strong>de</strong>ro, era patente<br />
que essa sua maior força po<strong>de</strong>ria converter-se na sua maior <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>. Era<br />
tal a <strong>de</strong>pendência da organização rebel<strong>de</strong> do seu lí<strong>de</strong>r/profeta, que sua captura<br />
po<strong>de</strong>ria representar um golpe <strong>de</strong>molidor, <strong>de</strong>cisivo e neutralizador.<br />
Isso foi, <strong>de</strong> uma ou outra maneira, compreendido pelo Estado<br />
peruano <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos da guerra. Diversos grupos <strong>de</strong><br />
inteligência e <strong>de</strong> operações especiais foram criados durante esses anos<br />
para caçar Guzmán. A maioria teve nomes copiados <strong>de</strong> thrillers (o mais<br />
popular foi Skorpio), conseguiram pressupostos especiais <strong>de</strong> operações<br />
ajustadas <strong>de</strong> modo a ocultar o dinheiro empregado, sem chegar perto<br />
do lí<strong>de</strong>r.<br />
O que apenas uns poucos sabiam (possivelmente não o pessoal <strong>de</strong><br />
operações especiais <strong>de</strong> inteligência) é que Abimael Guzmán não podia estar<br />
nos An<strong>de</strong>s. Sofria <strong>de</strong> uma doença chamada policitemia1, que tornava impossível<br />
sua permanência nas alturas por tempo prolongado. Como também sofria<br />
com problemas <strong>de</strong> pele (psoríase), o mais provável é que tivesse sido forçado<br />
a viver em uma cida<strong>de</strong>, a qual, com efeito, resultou ser Lima.<br />
Em 1989, a maioria <strong>de</strong>sses grupos <strong>de</strong> inteligência já havia fracassado.<br />
A polícia antiterrorista, afligida pelo crescimento do sen<strong>de</strong>rismo em Lima,<br />
<strong>de</strong>ixou a investigação em profundida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>senvolvia em meados dos<br />
anos 80, concentrando-se em ações táticas: incursões noturnas para<br />
capturar o maior número possível <strong>de</strong> ativistas e interrogatórios brutais<br />
para obter alguma informação <strong>de</strong> aproveitamento imediato. A eficiência<br />
era medida pelo número <strong>de</strong> capturas.<br />
Então se <strong>de</strong>ram duas iniciativas, quase paralelas, que buscaram<br />
enfrentar o mesmo problema a partir <strong>de</strong> duas perspectivas, métodos e<br />
filosofias totalmente diferentes.<br />
111
112<br />
Estratégias policiais perante novas ameaças e<br />
relações Segurança Pública–Defesa Nacional<br />
A primeira foi a fundação do GEIN (Grupo Especial <strong>de</strong> Inteligência),<br />
no final <strong>de</strong> 1989. Seu i<strong>de</strong>alizador e fundador foi um major da polícia<br />
chamado Benedicto Jiménez, que via com crescente frustração que as<br />
ações <strong>de</strong> mano dura da <strong>Polícia</strong>, as incursões violentas, as portas quebradas<br />
aos montes e as <strong>de</strong>tenções por atacado, não solucionavam o problema,<br />
mas o agravavam.<br />
Jiménez reuniu um grupo pequeno <strong>de</strong> policiais e os colocou para<br />
fazer o que lhe haviam ensinado seus mentores há anos: estudar a fundo o<br />
sen<strong>de</strong>rismo, apren<strong>de</strong>r a pensar como eles, conhecer sua história em<br />
<strong>de</strong>talhes, a dinâmica <strong>de</strong> seu movimento, a sua filosofia, doutrina e estratégia.<br />
Os outros policiais viram esse esforço com <strong>de</strong>sdém e os chamaram “os<br />
caça-fantasmas”. Seus chefes, vendo que não importava a Jiménez competir<br />
por cotas <strong>de</strong> gente capturada e imóveis interditados, tentaram tirá-lo da<br />
unida<strong>de</strong>. Jiménez conseguiu comunicar-se com o chefe da polícia, general<br />
Fernando Reyes Rocha, a quem convenceu que o <strong>de</strong>ixasse experimentar<br />
seu método. Tanto Reyes Rocha, como o então ministro do Interior, Agustín<br />
Mantilla, <strong>de</strong>cidiram apoiá-lo com um mínimo <strong>de</strong> recursos.<br />
Em poucos meses <strong>de</strong> um acompanhamento paciente <strong>de</strong> vários<br />
suspeitos, sem <strong>de</strong>ixá-los saber que eram seguidos e sem efetuar uma só<br />
<strong>de</strong>tenção, Jiménez e seu pequeno grupo <strong>de</strong> policiais foram <strong>de</strong>senredando<br />
um novelo invisível. Finalmente, em junho <strong>de</strong> 1990, sendo ainda presi<strong>de</strong>nte<br />
Alan García, o GEIN vasculhou várias casas e, em uma <strong>de</strong>las, perto do<br />
quartel-general do Exército, encontrou não só um tesouro documental,<br />
mas a evidência que Abimael Guzmán havia vivido ali até pouco tempo.<br />
Plenamente motivados,prosseguiram com seu acompanhamento e pesquisas.<br />
Houve, então, uma mudança <strong>de</strong> governo. Saiu Alan García e Alberto<br />
Fujimori assumiu a presidência do o Peru no dia 28 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1990.<br />
Fujimori já havia <strong>de</strong>senvolvido durante a campanha uma forte<br />
<strong>de</strong>pendência em relação ao ex-capitão do Exército, Vladimiro Montesinos.<br />
Personagem extraordinariamente sinuoso, intrigante e carente <strong>de</strong><br />
escrúpulos, e ao mesmo tempo audaz, Montesinos tinha uma fixação pelo<br />
mundo da inteligência, da espionagem e das táticas mais ameaçadoras e<br />
coercitivas para afirmar-se no po<strong>de</strong>r. Ao conseguir que Fujimori o apoiasse<br />
em todas as suas iniciativas, Montesinos procurou reorganizar o Estado<br />
<strong>de</strong> forma tal que o Serviço <strong>de</strong> Inteligência Nacional (SIN), que ele
Gustavo Gorriti<br />
controlava, se transformasse na cúspi<strong>de</strong> da pirâmi<strong>de</strong> das forças <strong>de</strong><br />
segurança e do governo. O comando conjunto das Forças Armadas, a<br />
<strong>Polícia</strong>, e, finalmente, o resto do Estado, se colocava sob as or<strong>de</strong>ns e<br />
<strong>de</strong>pendência do SIN.<br />
Enquanto efetuava essas mudanças, em 1991, Montesinos buscou<br />
ter capacida<strong>de</strong> operacional própria, através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> ação que estivessem<br />
sob as or<strong>de</strong>ns diretas do SIN e pu<strong>de</strong>ssem levar a cabo as ações que ele<br />
estimasse convenientes. Um grupo especial foi formado com elementos<br />
do Exército transferidos da Direção <strong>de</strong> Inteligência do Exército (Dinte)<br />
para o SIN. O grupo se tornaria famoso pelo seu apelido: Colina.<br />
Durante a guerra interna, houve vários grupos ou militares<br />
encarregados <strong>de</strong> missões “especiais”, tais como assassinatos e torturas.<br />
Mas a maioria operava no nível zonal ou regional. Essa foi a primeira vez<br />
que um grupo operacional com experiência nesse tipo <strong>de</strong> ação passava a<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r diretamente da chefia do SIN. Isto é, da organização então<br />
mais importante do Estado.<br />
A idéia <strong>de</strong> Montesinos foi a <strong>de</strong> utilizar esse grupo para todo tipo <strong>de</strong><br />
ações que ele estimasse necessárias. Entre elas, certamente, as <strong>de</strong>dicadas<br />
à luta contra o Sen<strong>de</strong>ro Luminoso. A visão <strong>de</strong> Montesinos (e certamente<br />
a do grupo Colina) conferia gran<strong>de</strong> importância às ações <strong>de</strong> contra-terror,<br />
à eliminação <strong>de</strong> inimigos ou à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazê-lo. O SIN teria a<br />
informação e, em <strong>de</strong>terminadas circunstâncias, o grupo Colina atuaria<br />
expedita e letalmente, à margem da lei, mas a serviço do po<strong>de</strong>r, como um<br />
grupo secreto e aterrorizante.<br />
Entretanto, o GEIN conseguia sobreviver à mudança <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e<br />
prosseguia com sua paciente tarefa <strong>de</strong> estudar cada documento, <strong>de</strong> seguir<br />
as pistas já i<strong>de</strong>ntificadas, sem ce<strong>de</strong>r à tentação <strong>de</strong> pren<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>ixando que<br />
um suspeito os levasse a outro e este a um terceiro, todos sem dar-se<br />
conta que eram seguidos.<br />
Consi<strong>de</strong>rando que esse grupo <strong>de</strong> policiais <strong>de</strong>veria ser muito<br />
especializado, levar a cabo um trabalho extremamente fatigante e<br />
<strong>de</strong>sgastante, além <strong>de</strong> enfrentar um inimigo convencido <strong>de</strong> ser portador<br />
da verda<strong>de</strong> histórica, Benedicto Jiménez promoveu o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
113
114<br />
Estratégias policiais perante novas ameaças e<br />
relações Segurança Pública–Defesa Nacional<br />
<strong>de</strong> uma doutrina operacional que po<strong>de</strong> ser resumida nos seguintes aspectos:<br />
• O GEIN proclamava sua superiorida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica e moral, uma<br />
vez que lutava pela <strong>de</strong>fesa da vida, da liberda<strong>de</strong> e da <strong>de</strong>mocracia.<br />
• O GEIN baseava sua superiorida<strong>de</strong> no conhecimento profundo e<br />
<strong>de</strong>talhado do inimigo. A <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong>veria efetuar-se quando a vigilância e<br />
o acompanhamento tivessem rendido todos seus frutos. O interrogatório<br />
<strong>de</strong>veria partir <strong>de</strong> um conhecimento muito maior do que o inimigo pu<strong>de</strong>sse<br />
suspeitar que se tinha <strong>de</strong>le. O conhecimento e a inteligência faziam não só<br />
<strong>de</strong>snecessária qualquer pressão, mas a superiorida<strong>de</strong> funcional e moral<br />
do GEIN fazia com que se <strong>de</strong>scartasse plenamente a tortura ou qualquer<br />
ilegalida<strong>de</strong>.<br />
• Por essa razão, as <strong>de</strong>tenções <strong>de</strong>veriam efetuar-se com rapi<strong>de</strong>z e<br />
eficiência, mas sem nenhum excesso <strong>de</strong> força.<br />
No final <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1991, o GEIN interveio em uma casa na zona<br />
resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> Chacarilla <strong>de</strong> Estanque, três dias <strong>de</strong>pois que Abimael Guzmán<br />
a tinha <strong>de</strong>ixado. Ali, e em outro lugar invadido ao mesmo tempo,<br />
encontrou-se outro acervo documental do Sen<strong>de</strong>ro, incluindo ví<strong>de</strong>os <strong>de</strong><br />
Guzmán e seus partidários mais próximos. Nunca se chegara tão perto<br />
do chefe sen<strong>de</strong>rista.<br />
O GEIN, como era seu procedimento, se <strong>de</strong>dicou a analisar os<br />
documentos, enquanto continuava com a caçada à li<strong>de</strong>rança sen<strong>de</strong>rista.<br />
Mas <strong>de</strong>sta vez o SIN exigiu que fosse permitido ao grupo Colina estudar<br />
também a mesma documentação. O GEIN não teve outra opção senão<br />
permití-lo.<br />
Assim, durante algumas semanas, dois grupos com as metodologias,<br />
doutrinas, visões da guerra, da segurança, da lei e da vida mais opostas<br />
que se possa pensar, coabitaram <strong>de</strong>dicados, um junto ao outro, a estudar<br />
e extrair conclusões dos mesmos documentos.<br />
Eventualmente, Jiménez expulsou o grupo Colina dos escritórios<br />
do GEIN. Pôs assim em risco sua carreira, mas seus lucros recentes lhe<br />
permitiram salvá-la. Tomou a <strong>de</strong>cisão quando soube que eram espionados<br />
pelo Colina. De qualquer forma, o estudo já havia sido realizado por ambos.
Gustavo Gorriti<br />
A partir <strong>de</strong>sse momento, o extraordinário é a diferença <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s<br />
entre dois grupos que tinham estudado o mesmo material, que possuíam<br />
parecidas missões e serviam, pelo menos em teoria, às mesmas<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança do Estado.<br />
O grupo Colina fez um “manual” sobre o Sen<strong>de</strong>ro Luminoso, que<br />
lhes valeu uma felicitação e pressões para ascensões por parte do então<br />
presi<strong>de</strong>nte Fujimori. Poucos meses <strong>de</strong>pois, no final <strong>de</strong> 1991, perpetraram<br />
o massacre <strong>de</strong> Bairros Altos, um dos motivos centrais pelos quais Fujimori<br />
foi extraditado do Chile ao Peru. Meses <strong>de</strong>pois, após o golpe <strong>de</strong> estado<br />
<strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1992, seqüestraram e assassinaram vários estudantes e<br />
um catedrático da Universida<strong>de</strong> da Cantuta (entre vários outros<br />
assassinatos), como parte <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> represálias e mensagens à<br />
cúpula do Sen<strong>de</strong>ro Luminoso.<br />
Por sua vez, o GEIN só disparou duas vezes nesse período, uma<br />
vez para o ar e outra aci<strong>de</strong>ntalmente, sem ferir nem bater em ninguém.<br />
Mas, no dia 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1992, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa vigilância a<br />
várias casas, invadiram uma aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> balé em um distrito <strong>de</strong> classe<br />
média <strong>de</strong> Lima e, no segundo andar, capturaram a Abimael Guzmán. Esse<br />
foi o golpe mortal que <strong>de</strong>struiu o Sen<strong>de</strong>ro Luminoso.<br />
O paradoxal <strong>de</strong>ssa captura foi que esse grupo <strong>de</strong> policiais que atuou<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma impecável legalida<strong>de</strong> e que teve como norte <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a<br />
<strong>de</strong>mocracia, ajudou Fujimori a receber o crédito da captura e alcançasse<br />
com isso um tremendo apoio, o que justificou seu golpe <strong>de</strong> estado e a<br />
<strong>de</strong>rrocada da <strong>de</strong>mocracia.<br />
Ao mesmo tempo, o grupo Colina, <strong>de</strong> assassinos presumivelmente<br />
seletos, é agora o que po<strong>de</strong> levar, através da corrente <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s surgida <strong>de</strong> seus crimes, Fujimori e Montesinos a<br />
enfrentarem severas con<strong>de</strong>nações.<br />
Por outro lado, é profundamente significativo e interessante<br />
constatar a diferença que os resultados <strong>de</strong> dois grupos com a mesma<br />
missão <strong>de</strong> segurança do Estado, mas com filosofias, doutrinas,<br />
metodologias e práticas completamente diferentes, po<strong>de</strong>m ter, em termos<br />
<strong>de</strong> eficácia e resultados. Essa comparação é particularmente significativa<br />
em circunstâncias <strong>de</strong> luta contra o crime organizado e contra o terrorismo.<br />
115
116<br />
Estratégias policiais perante novas ameaças e<br />
relações Segurança Pública–Defesa Nacional<br />
Bem entendida, como o compreen<strong>de</strong>u o GEIN, a <strong>de</strong>mocracia é<br />
uma causa po<strong>de</strong>rosa que ajuda a <strong>de</strong>senvolver formas superiores e altamente<br />
eficazes <strong>de</strong> pesquisa, que cumprem plenamente a função <strong>de</strong> proteger a<br />
socieda<strong>de</strong> sem fraturar nem suas leis, nem seus i<strong>de</strong>ais.<br />
Nota<br />
1 Alteração sanguínea caracterizada por gran<strong>de</strong> aumento da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hemácias circulantes
Relato Policial<br />
RESPONSABILIDADE DA POLÍCIA NACIONAL NA<br />
SEGURANÇA URBANA E RURAL, FRENTE AO<br />
CONFLITO E PÓS-CONFLITO COLOMBIANO<br />
Major Julio Cesar Sánchez Molina *<br />
INTRODUÇÃO<br />
O conflito endêmico que aflige o Estado Colombiano há cinco<br />
décadas chegou a um momento <strong>de</strong> transição na busca da paz, sob três<br />
cenários diferentes. O primeiro <strong>de</strong>les, e o mais relevante, é a<br />
<strong>de</strong>smobilização dos paramilitares; o segundo, a negociação com o ELN; e<br />
o terceiro, a manutenção da ofensiva para neutralizar as Farc, o que coloca<br />
a nosso país em uma dupla situação, pois, se por um lado o conflito<br />
continua, <strong>de</strong> outro o pós-conflito bate às nossas portas.<br />
Diante <strong>de</strong>ssa situação, a <strong>Polícia</strong> Nacional da Colômbia assumiu<br />
gran<strong>de</strong>s responsabilida<strong>de</strong>s para o sucesso dos programas <strong>de</strong> governo<br />
<strong>de</strong>stinados a exaurir o conflito interno. Entretanto, o fez sem esquecer<br />
seu papel e sua missão constitucional e legal: a segurança cidadã. E para<br />
assumi-la com eficiência e responsabilida<strong>de</strong> nas áreas urbanas e rurais do<br />
território nacional, é necessário que sejam realizados planejamentos e<br />
projeções baseados em políticas, planos e estratégias. Esses, por sua vez,<br />
<strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> permanente análise do ambiente e da realida<strong>de</strong><br />
nacional, que permita encarar, <strong>de</strong> maneira sólida, profissional e coor<strong>de</strong>nada<br />
com as autorida<strong>de</strong>s administrativas, esses cenários que estão marcando e<br />
marcarão os <strong>de</strong>stinos da nação colombiana.<br />
Nesse sentido, hoje po<strong>de</strong>mos afirmar que a Colômbia tem um<br />
Corpo <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> consciente <strong>de</strong> sua importância no <strong>de</strong>senvolvimento integral<br />
da nação como gerador <strong>de</strong> mudanças e transformador <strong>de</strong> ambientes. Uma<br />
polícia que adota, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua dinâmica, o conceito <strong>de</strong> não ser apenas a<br />
instituição encarregada da garantia da segurança e da convivência cidadã,<br />
procurando, além disso, contribuir eficazmente na melhoria das condições<br />
sociais e econômicas <strong>de</strong> todos os colombianos.<br />
O objetivo do presente documento é informar parte da ativida<strong>de</strong><br />
* Oficial da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong> Colômbia, assessor do Escritório <strong>de</strong> Gestão Institucional da<br />
Direção Geral da <strong>Polícia</strong> Nacional<br />
COLÔMBIA<br />
117
118<br />
Responsabilida<strong>de</strong> da <strong>Polícia</strong> Nacional na Segurança Urbana e<br />
Rural, frente ao Conflito e Pós-conflito Colombiano<br />
<strong>de</strong> planejamento realizada para <strong>de</strong>finir as priorida<strong>de</strong>s, imperativos e<br />
principais estratégias que <strong>de</strong>senvolverá a <strong>Polícia</strong> Nacional no próximo<br />
quadriênio. Tem como seu ponto <strong>de</strong> partida a situação atual, <strong>de</strong>rivada dos<br />
avanços e efeitos positivos da Política <strong>de</strong> Segurança Democrática e da<br />
projeção governamental na busca do “país em paz”, formulado no<br />
documento “Visão Colômbia 2019”.<br />
Nessa perspectiva, na primeira parte será realizada uma<br />
apresentação das características do conflito. Abordar-se-á, a seguir, o<br />
cenário do pós-conflito e sua importância para a instituição.<br />
Posteriormente, serão indicadas as frentes <strong>de</strong> atenção institucional. O<br />
trabalho será finalizado com as projeções e linhas <strong>de</strong> ação a serem<br />
<strong>de</strong>senvolvidos durante o próximo quadriênio, por parte da <strong>Polícia</strong><br />
Nacional da Colômbia.<br />
1. O CONFLITO COLOMBIANO:<br />
EVOLUÇÃO E CARACTERÍSTICAS<br />
O principal <strong>de</strong>safio para fortalecer a <strong>de</strong>mocracia e as instituições,<br />
alcançando a segurança <strong>de</strong> todos os habitantes da Colômbia, é a<br />
superação da violência fratricida das últimas décadas, gerada, na maior<br />
parte, pelos grupos armados ilegais, sejam as FARC, o ELN ou as<br />
auto<strong>de</strong>fesas ilegais.<br />
1.1 FARC – ELN<br />
A partir da década <strong>de</strong> 80 do século passado, as <strong>de</strong>nominadas<br />
guerrilhas (Farc-ELN) passaram <strong>de</strong> possuidoras <strong>de</strong> bases i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong><br />
linha pró-soviética ou maoísta, influenciadas pela incidência da Guerra Fria,<br />
a grupos narco-terroristas que buscam manter seu aparelho armado, para<br />
conservar os ganhos extraordinários provenientes do narcotráfico, do<br />
seqüestro, da extorsão e do saque, outorgando-lhes um orçamento<br />
superior ao <strong>de</strong> vários países do continente.<br />
Durante a última década, esses grupos orientaram suas táticas<br />
criminais para a prática <strong>de</strong> homicídios seletivos, massacres, seqüestros,<br />
<strong>de</strong>slocamentos forçados, ataques indiscriminados com explosivos contra<br />
a população civil, bloqueio <strong>de</strong> alimentos, impedimento do livre trânsito,
assassinato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocraticamente eleitas, extorsão, saque,<br />
recrutamento forçado e atos contra a população indígena e afrocolombiana,<br />
para manter o negócio do narcotráfico.<br />
No entanto, a nova realida<strong>de</strong> política pós-Guerra Fria <strong>de</strong>bilitou os<br />
projetos insurgentes e, ao <strong>de</strong>sembocar em práticas terroristas<br />
generalizadas, anularam qualquer discurso ou plataforma política real e<br />
voltada aos interesses da população que diziam <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. A posição da<br />
comunida<strong>de</strong> internacional a partir do 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, frente à<br />
ameaça <strong>de</strong>rivada do terrorismo, isolou os grupos guerrilheiros<br />
colombianos, transformados e catalogados em organizações terroristas,<br />
como com efeito o são 1 .<br />
Essa realida<strong>de</strong> indiscutível tornou possível o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
política <strong>de</strong> Defesa e Segurança Democrática, que no último quadriênio se<br />
traduziu em resultados importantes, como a redução dos homicídios a<br />
níveis que o país não possuía há 20 anos. Os massacres, o <strong>de</strong>slocamento<br />
forçado, o seqüestro e os efeitos sobre a população se reduziram<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente, a maioria <strong>de</strong>les acima <strong>de</strong> 50%, no ultimo quadriênio.<br />
As autorida<strong>de</strong>s se restabeleceram em seus lugares <strong>de</strong> trabalho, a economia<br />
foi reativada pela segurança e pela confiança que se instaurou no país. Sete<br />
mil pessoas abandonaram esses grupos, voluntária e individualmente, e<br />
a<strong>de</strong>riram aos programas <strong>de</strong> reinclusão do Governo. Mais <strong>de</strong> 80% <strong>de</strong>les<br />
apresentaram-se voluntariamente à polícia.<br />
Essa situação <strong>de</strong>bilitou a estrutura e as capacida<strong>de</strong>s das Farc e do<br />
ELN. Hoje não existem grupos subversivos consolidados com influência<br />
regional e domínio territorial, já que se fortaleceu a Força Pública e a<br />
<strong>Polícia</strong> Nacional está presente e presta seu serviço permanente em todos<br />
os municípios do país, contando com o apoio que a maioria do povo<br />
colombiano apresenta às políticas públicas e aos planos do governo.<br />
1.1 AUTODEFESAS ILEGAIS<br />
Major Julio Cesar Sánchez Molina<br />
Da mesma forma, o fenômeno do paramilitarismo irrompe no<br />
cenário do conflito como um terceiro elemento em discórdia. Surgiu no<br />
ano <strong>de</strong> 1980, quando o Governo Nacional revogou a Lei nº 48 <strong>de</strong> 1968,<br />
<strong>de</strong>finindo, sob um quadro <strong>de</strong> pressão internacional, a ilegalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses<br />
grupos. A partir <strong>de</strong>ste momento, até 1991, funcionaram como ala militar<br />
119
120<br />
Responsabilida<strong>de</strong> da <strong>Polícia</strong> Nacional na Segurança Urbana e<br />
Rural, frente ao Conflito e Pós-conflito Colombiano<br />
do narcotráfico, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> obtiveram sua principal fonte <strong>de</strong> renda. Em 1990,<br />
e <strong>de</strong>pois da queda <strong>de</strong> Pablo Escobar Gaviria, inicia-se um processo <strong>de</strong><br />
reorientação i<strong>de</strong>ológica, com a criação das Auto<strong>de</strong>fesas Camponesas <strong>de</strong><br />
Córdoba e Urabá, dirigidas por Fi<strong>de</strong>l Castaño Gil e Carlos Castaño Gil.<br />
Ampliaram sua ação <strong>de</strong>lituosa a muitas áreas do território nacional, graças<br />
aos recursos do narcotráfico, do furto <strong>de</strong> combustível, do tráfico <strong>de</strong><br />
armas, da extorsão e da contribuição <strong>de</strong> pecuaristas e fazen<strong>de</strong>iros que<br />
estavam <strong>de</strong>sprotegidos.<br />
Afortunadamente para o povo colombiano, durante o ano <strong>de</strong> 2003,<br />
as AUC 2 assinaram o Acordo <strong>de</strong> Santa fé <strong>de</strong> Ralito, por meio do qual se<br />
comprometeram a <strong>de</strong>smobilizar-se gradualmente, até <strong>de</strong>saparecer na<br />
atualida<strong>de</strong> como grupo armado, mediante a <strong>de</strong>smontagem <strong>de</strong> 34<br />
estruturas, a incorporação à vida civil <strong>de</strong> 32.986 homens e mulheres, a<br />
entrega <strong>de</strong> 12.193 armas longas, 2.733 armas curtas, 1.151 armas <strong>de</strong><br />
apoio, 9.105 granadas e 2.070.395 munições, entrando, <strong>de</strong>ssa forma,<br />
em um período <strong>de</strong> pós-conflito.<br />
2. O PÓS-CONFLITO: UM CENÁRIO EM DESENVOLVIMENTO<br />
A <strong>de</strong>smobilização individual e coletiva dos grupos <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>fesa e<br />
<strong>de</strong>mais grupos armados ilegais, que superaram os 40 mil homens durante<br />
os últimos anos, colocou a instituição e o país em uma situação <strong>de</strong> pósconflito<br />
que afeta a realida<strong>de</strong> atual e o futuro, a curto e médio prazo. Por<br />
esse motivo, a compreensão das características e dos fenômenos<br />
apresentados em outros países, como a Guatemala, a Nicarágua e El<br />
Salvador, são necessários para a <strong>de</strong>finição das políticas, planos e estratégias<br />
que permitam resistir aos seguintes aspectos que caracterizam esse<br />
cenário, especialmente na sua fase inicial:<br />
2.1 Uma elevada agitação social<br />
Por <strong>de</strong>finição, a superação <strong>de</strong> um conflito armado <strong>de</strong>ve dar atenção<br />
a problemas e necessida<strong>de</strong>s urgentes dos setores mais carentes da<br />
população, que são, ao mesmo tempo, os mais afetados pelo conflito.<br />
Na medida em que as respostas do governo não satisfaçam essas<br />
<strong>de</strong>mandas sociais, é muito alta a probabilida<strong>de</strong> que se multipliquem as<br />
mobilizações e os protestos.
Major Julio Cesar Sánchez Molina<br />
2.2 Modificação do quadro <strong>de</strong>lituoso e contravencional<br />
Muitos ex-combatentes, não obstante os benefícios que<br />
recebem para sua reinclusão à vida civil, incorrem em condutas<br />
puníveis <strong>de</strong> caráter nacional ou transnacional, para manter o status<br />
ou a forma <strong>de</strong> vida que levavam como integrantes do grupo armado.<br />
2.3 O impacto da <strong>de</strong>sconfiança e o sentimento <strong>de</strong> ódio acumulado.<br />
É gerada na comunida<strong>de</strong> uma alta <strong>de</strong>sconfiança e um sentimento<br />
<strong>de</strong> ódio, e inclusive <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> vingança, entre os afetados diretamente<br />
pela ação dos grupos armados e terroristas, quando é i<strong>de</strong>ntificada a<br />
figura do ex-combatente a quem se atribui a autoria <strong>de</strong> um atentado ou<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito anterior no contexto do conflito.<br />
Frente a essas características <strong>de</strong> um cenário <strong>de</strong> pós-conflito,<br />
representa um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>safio, para a reconstrução e a reconciliação,<br />
que seja possível resolver os problemas subjacentes, limitar a<br />
<strong>de</strong>sconfiança e <strong>de</strong>smontar o ódio e o sentimento <strong>de</strong> vingança. É um<br />
empreendimento <strong>de</strong> pedagogia e <strong>de</strong> atenção oportuna à comunida<strong>de</strong>,<br />
on<strong>de</strong> a <strong>Polícia</strong> Nacional tem uma função importante. Mas a polícia não é<br />
a única instituição chamada a trabalhar nesse sentido, pois se requer o<br />
esforço coletivo <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> colombiana, li<strong>de</strong>rada pelas<br />
autorida<strong>de</strong>s, nos diferentes níveis da administração.<br />
No que diz respeito à Instituição Policial, é claro que as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
colaboradores, as Escolas <strong>de</strong> Segurança Cidadã, as Frentes <strong>de</strong> Segurança<br />
Local e todo o campo <strong>de</strong> ação do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Comunitária,<br />
constituem-se em avanços importantes para o pós-conflito, na medida<br />
em que estão sendo alicerçadas as bases para a reconciliação e a<br />
construção do novo país, a partir da cooperação, da tolerância e da<br />
solução <strong>de</strong> problemas cotidianos que, <strong>de</strong> outra maneira, po<strong>de</strong>riam ser<br />
geradores <strong>de</strong> violência.<br />
3. FRENTES DE RESPONSABILIDADE INSTITUCIONAL 3<br />
Para lidar com a questão da violência e dos diferentes problemas<br />
<strong>de</strong> índole criminal e contravencional nas últimas décadas, a <strong>Polícia</strong> Nacional<br />
evoluiu <strong>de</strong> maneira eficiente através <strong>de</strong> suas direções especializadas,<br />
121
122<br />
Responsabilida<strong>de</strong> da <strong>Polícia</strong> Nacional na Segurança Urbana e<br />
Rural, frente ao Conflito e Pós-conflito Colombiano<br />
que lhe permitiram assumir seu papel contra as organizações narcoterroristas,<br />
sem abandonar, <strong>de</strong>scuidar ou <strong>de</strong>sprezar o serviço básico<br />
policial, razão pela qual a instituição <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r a três gran<strong>de</strong>s frentes<br />
<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>:<br />
3.1 A segurança cidadã<br />
Esse é o serviço básico, ou essencial, que aten<strong>de</strong> no que se refere<br />
à vigilância, prevenção, ação contra o <strong>de</strong>lito comum e ao trabalho<br />
comunitário, que caracteriza qualquer corpo <strong>de</strong> polícia,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do país em que atue, para garantir um clima <strong>de</strong><br />
convivência aceitável, a vigência das normas, o <strong>de</strong>sfrute dos direitos e<br />
o cumprimento dos <strong>de</strong>veres por parte dos cidadãos.<br />
3.2 O conflito<br />
Junto com as Forças <strong>Militar</strong>es, a polícia atua nos planos e na<br />
política governamental para neutralizar as organizações terroristas<br />
(enten<strong>de</strong>ndo que aqueles que a promovem têm uma ativa participação<br />
em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lituosas próprias do crime organizado, como o<br />
narcotráfico e o tráfico <strong>de</strong> armas, entre outros). Esse campo <strong>de</strong> ação<br />
é prioritário no <strong>de</strong>senvolvimento da Política <strong>de</strong> Segurança Democrática.<br />
3.3 O crime transnacional<br />
Essa é uma situação própria da última década, produto da<br />
evolução do <strong>de</strong>lito e da globalização, em que crime organizado,<br />
principalmente associado ao narcotráfico e ao tráfico <strong>de</strong> armas,<br />
estruturou verda<strong>de</strong>iras multinacionais do crime, que se constituem<br />
em um <strong>de</strong>safio para os corpos <strong>de</strong> polícia e organismos <strong>de</strong> pesquisa<br />
criminal.<br />
Esses três âmbitos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> materializam-se em uma<br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços e atuações, tornando complexa a função policial<br />
e a capacitação dos funcionários, pois <strong>de</strong>vem atuar, ao mesmo tempo,<br />
no serviço básico da prevenção e em tarefas <strong>de</strong> choque, a cargo <strong>de</strong><br />
grupos elite, da mesma forma que em procedimentos em nível nacional<br />
e internacional, frente às organizações <strong>de</strong>lituosas que transcen<strong>de</strong>m as<br />
fronteiras do país.
4. PROJEÇÕES E LINHAS DE AÇÃO A SEREM DESENVOLVIDOS<br />
DURANTE O PRÓXIMO QUADRIÊNIO<br />
4.1 VISÃO COLÔMBIA 2019<br />
O Departamento Nacional <strong>de</strong> Planejamento, em cumprimento às<br />
políticas <strong>de</strong> governo, <strong>de</strong>senvolveu um trabalho prospectivo <strong>de</strong><br />
planejamento, <strong>de</strong>nominado Visão Colômbia II Centenário: 2019, cujo<br />
objetivo é servir como ponto <strong>de</strong> partida para pensar o país que todos os<br />
colombianos <strong>de</strong>sejam ter para o momento da comemoração do segundo<br />
centenário <strong>de</strong> vida política in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a ser celebrado no dia 7 <strong>de</strong><br />
agosto <strong>de</strong> 2019.<br />
Nesse documento apresenta-se uma completa radiografia sobre<br />
aspectos do passado, sobre perspectivas futuras e sobre o que <strong>de</strong>ve ser<br />
realizado para obter os melhores resultados no período compreendido<br />
entre os anos <strong>de</strong> 2005 e 2019, no qual se projeta um país sustentado nos<br />
princípios <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, tolerância, fraternida<strong>de</strong>, inclusão e igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong>s.<br />
4.1.1 Os objetivos<br />
Os quatro gran<strong>de</strong>s objetivos da Colômbia até o ano 2019 <strong>de</strong>vem ser:<br />
4.1.2 Um país em paz<br />
Major Julio Cesar Sánchez Molina<br />
Primeiro: uma economia eficiente, que garanta um<br />
maior bem-estar social;<br />
Segundo: ter uma socieda<strong>de</strong> mais igualitária e solidária;<br />
Terceiro: contar com um Estado eficiente, a serviço<br />
dos cidadãos;<br />
Quarto: ser uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadãos livres e<br />
responsáveis.<br />
Para o <strong>de</strong>senvolvimento do quarto gran<strong>de</strong> objetivo, que é o <strong>de</strong> ser<br />
uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadãos livres e responsáveis, há quatro estratégias:<br />
ter um país em paz, uma socieda<strong>de</strong> melhor informada, uma <strong>de</strong>mocracia<br />
consolidada e uma justiça eficiente.<br />
123
124<br />
Responsabilida<strong>de</strong> da <strong>Polícia</strong> Nacional na Segurança Urbana e<br />
Rural, frente ao Conflito e Pós-conflito Colombiano<br />
Com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter um país em paz, <strong>de</strong>vem ser alcançados<br />
avanços substanciais nos seguintes aspectos, relacionados com a <strong>Polícia</strong><br />
Nacional: ampliar a cobertura do efetivo da força policial, superar os<br />
problemas <strong>de</strong> direitos humanos e eliminar as ativida<strong>de</strong>s relacionadas com<br />
o narcotráfico.<br />
4.2 PRIORIDADES E LINHAS DE AÇÃO A SEREM DESENVOLVIDOS<br />
PELA POLÍCIA NACIONAL PARA O QUADRIÊNIO 4<br />
A partir da prospectiva governamental para 2019, das necessida<strong>de</strong>s<br />
do pós-conflito e da atenção permanente dos objetivos da polícia a longo<br />
prazo, projetou-se um aumento adicional do efetivo em 20 mil homens<br />
para o próximo quadriênio, o que permitirá o fortalecimento da vigilância<br />
urbana e rural, bem como o aumento das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>dicadas à inteligência<br />
e à investigação criminal nacional e internacional.<br />
4.2.1 NO ÂMBITO URBANO<br />
Frente à responsabilida<strong>de</strong> da instituição nas áreas urbanas do<br />
território nacional, foram <strong>de</strong>senvolvidas, e se encontram em construção,<br />
várias estratégias, mo<strong>de</strong>los e melhores práticas sobre políticas públicas<br />
<strong>de</strong> convivência e segurança cidadã. Destinam-se à prevenção, observação<br />
e controle <strong>de</strong> comportamentos geradores <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong>linqüência,<br />
como conseqüência do pós-conflito e do acelerado crescimento da<br />
população nas capitais, razão pela qual se <strong>de</strong>terminou a seguinte linha <strong>de</strong><br />
ação e priorida<strong>de</strong>s:<br />
OBJETIVO<br />
ESTRATÉGICO<br />
ASSEGURAR O<br />
SERVIÇO DE POLÍCIA<br />
NO TERRITÓRIO<br />
NACIONAL<br />
PRIORIDADES A SEREM<br />
DESENVOVIDAS<br />
Implementar a Direção <strong>de</strong> Segurança<br />
Cidadã<br />
Fortalecer a segurança cidadã como base<br />
fundamental da missão institucional<br />
Implementar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância<br />
Comunitária<br />
Implementar a vigilância por quadrantes<br />
nas principais cida<strong>de</strong>s do país
CONSOLIDAR UM<br />
AMBIENTE DE<br />
CONVIVÊNCIA E<br />
CONFIANÇA<br />
CIDADÃ, MEDIANTE<br />
A INTEGRAÇÃO DE<br />
COMUNIDADE,<br />
AUTORIDADES E<br />
POLÍCIA<br />
CONSOLIDAR A<br />
AÇÃO POLICIAL<br />
PARA NEUTRALIZAR<br />
A DELINQÜÊNCIA<br />
COMUM E<br />
ORGANIZADA E<br />
CONTRIBUIR PARA<br />
ELIMINAR OS<br />
GRUPOS ARMADOS<br />
ILEGAIS<br />
Major Julio Cesar Sánchez Molina<br />
Otimizar a proteção das áreas produtivas<br />
e infra-estrutura <strong>de</strong> vias, portos e<br />
aeroportos<br />
Fortalecer a polícia especial (<strong>Polícia</strong> <strong>de</strong><br />
Menores, <strong>de</strong> Trânsito, Ambiental e<br />
Ecológica)<br />
Aumentar a cobertura da re<strong>de</strong> viária<br />
nacional primária<br />
Assumir o controle do trânsito urbano nas<br />
capitais<br />
Posicionar como política <strong>de</strong> Estado a<br />
Gestão Territorial da Segurança Cidadã,<br />
através do programa Departamentos e<br />
Municípios Seguros (DMS )<br />
Promover a participação efetiva da<br />
cidadania nos processos <strong>de</strong> convivência e<br />
segurança cidadã (frentes <strong>de</strong> segurança,<br />
escolas <strong>de</strong> segurança, re<strong>de</strong>s comunitárias<br />
viárias, re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio e comunicações,<br />
re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio e solidarieda<strong>de</strong> e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
colaboradores)<br />
Fortalecer a ação coor<strong>de</strong>nada entre polícia<br />
e vigilância privada para a melhoria dos<br />
níveis <strong>de</strong> segurança<br />
Reduzir os índices <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> que<br />
afetam a Segurança Cidadã<br />
Reduzir os índices <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> que<br />
afetam a Segurança Democrática<br />
Planejar, <strong>de</strong>senvolver e ajustar a matriz<br />
operacional para a vigência 2007 - 2010<br />
125
126<br />
Responsabilida<strong>de</strong> da <strong>Polícia</strong> Nacional na Segurança Urbana e<br />
Rural, frente ao Conflito e Pós-conflito Colombiano<br />
4.1.1 NO ÂMBITO RURAL<br />
A visão <strong>de</strong> Estado que se confere ao ano 2019, segundo centenário<br />
da in<strong>de</strong>pendência nacional, projeta um país com ênfase no aproveitamento<br />
das potencialida<strong>de</strong>s do campo e com um setor agropecuário que será um<br />
motor do crescimento, o qual requer a presença ativa e permanente do<br />
Estado. Para isso, a <strong>Polícia</strong> Nacional contribuirá com a prestação <strong>de</strong> um<br />
a<strong>de</strong>quado serviço nas áreas rurais, que estará dirigido à proteção da<br />
ativida<strong>de</strong> agrária e à formação e consolidação do tecido social nessas<br />
comunida<strong>de</strong>s, mediante um trabalho preventivo e <strong>de</strong> assistência ao<br />
camponês, <strong>de</strong>senvolvido pela Vigilância Comunitária Rural.<br />
OBJETIVO<br />
ESTRATÉGICO<br />
CONSOLIDAR O<br />
SERVIÇO DE<br />
POLÍCIA NAS<br />
ÁREAS RURAIS<br />
DO TERRITÓRIO<br />
NACIONAL<br />
PRIORIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS<br />
Implementar a direção dos Carabineros e<br />
Segurança Rural<br />
Ampliar a cobertura e consolidar o serviço <strong>de</strong><br />
polícia em Corregedorias, Inspeções, Zonas<br />
Estratégicas, Zonas <strong>de</strong> Fronteira, Reservas e<br />
Parques Naturais<br />
Ampliar os grupos operacionais e especialida<strong>de</strong>s<br />
que atuam em áreas rurais<br />
Proporcionar segurança à população camponesa<br />
Aten<strong>de</strong>r as zonas <strong>de</strong> <strong>de</strong>smobilização<br />
Confrontar facções criminais<br />
4.1.1 CAMPOS TRANSVERSAIS DE INTERESSE QUE CONTRIBUEM<br />
PARA A SEGURANÇA URBANA E RURAL<br />
Fortalecimento do serviço <strong>de</strong> inteligência, especialmente em nível<br />
regional, para aumentar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> informação e aten<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> forma mais oportuna às necessida<strong>de</strong>s das Direções Operacionais e<br />
dos Comandos <strong>de</strong> Departamento.
Fortalecimento da <strong>Polícia</strong> Judiciária como fator essencial não só da<br />
luta contra a criminalida<strong>de</strong> transnacional, mas também em nível nacional,<br />
frente à implementação do novo Sistema Penal Acusatório.<br />
Ação frontal contra o crime organizado. A <strong>Polícia</strong> Nacional mantém<br />
a li<strong>de</strong>rança que lhe caracterizou nas últimas décadas na luta contra o<br />
narcotráfico. Nesse sentido, aumentam as ações contra as organizações<br />
emergentes do narcotráfico. As normas <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong> domínio foram<br />
aplicadas <strong>de</strong> forma efetiva, mas é necessário um esforço contun<strong>de</strong>nte<br />
que permita afetar <strong>de</strong> maneira estrutural essa problemática e os grupos<br />
narco-terroristas que se valem <strong>de</strong>ssa fonte <strong>de</strong> financiamento para seguir<br />
em conflito. E para alcançar tal intento, <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>senvolvidas as<br />
seguintes priorida<strong>de</strong>s:<br />
OBJETIVO<br />
ESTRATÉGICO<br />
AÇÕES<br />
DEFINITIVAS<br />
CONTRA O<br />
NARCOTRÁFICO<br />
Major Julio Cesar Sánchez Molina<br />
PRIORIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS<br />
Atacar o narcotráfico em todas as suas<br />
manifestações<br />
Eliminar <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>finitiva os cultivos ilícitos.<br />
Destruir a infra-estrutura <strong>de</strong> laboratórios e pistas<br />
Incrementar as operações <strong>de</strong> interdição,<br />
erradicação e prevenção<br />
Atacar o comércio internacional <strong>de</strong> drogas<br />
mediante coor<strong>de</strong>nação e operações<br />
transnacionais.<br />
Incrementar as ações <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong> domínio<br />
aos bens oriundos do narcotráfico.<br />
Eliminar 100% dos estabelecimentos e locais <strong>de</strong><br />
distribuição <strong>de</strong> drogas ilícitas em menor escala<br />
(ven<strong>de</strong>dores a varejo, andarilhos e outros).<br />
Desmembrar as organizações <strong>de</strong>dicadas ao<br />
narcotráfico.<br />
127
128<br />
Responsabilida<strong>de</strong> da <strong>Polícia</strong> Nacional na Segurança Urbana e<br />
Rural, frente ao Conflito e Pós-conflito Colombiano<br />
Notas<br />
1 Mayor CIRO CARVAJAL CARVAJAL, La Policía Nacional en el Post- Conflicto, artículo Revista <strong>de</strong><br />
Criminalidad Policía Nacional <strong>de</strong> Colombia, 2004 / artigo Revista <strong>de</strong> Criminalida<strong>de</strong>. <strong>Polícia</strong><br />
Nacional da Colômbia.<br />
2 Auto<strong>de</strong>fesas Unidas da Colômbia<br />
3 MY. MARTHA FRANCISCA ALVAREZ BUITRAGO, MY. CIRO CARVAJAL CARVAJAL, MY. LUCY<br />
MARIELA LEMUS MURCIA, Ensaio “Cambio Cultural <strong>de</strong> la Policía en el Postconflicto”, Escola <strong>de</strong><br />
Estudos Superiores <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>, Especialização em segurança, 2005.<br />
4 Projeto Plano Estratégico Institucional 2007-2010, <strong>Polícia</strong> Nacional.
Relato Policial<br />
TRÁFICO DE SERES HUMANOS<br />
Juan Sonoqui Martinez *<br />
TRÁFICO DE PESSOAS MENORES DE IDADE.<br />
Campanha para funcionários dos postos policiais, com a qual se<br />
preten<strong>de</strong> informar sobre os problemas que estão afetando muitas<br />
crianças e adolescentes que atravessam as fronteiras <strong>de</strong> nosso país: o<br />
tráfico e a exploração sexual comercial <strong>de</strong> pessoas menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
Como parte <strong>de</strong>sta campanha, tem-se elaborado uma série <strong>de</strong><br />
informações dirigidas a: agentes <strong>de</strong> migração, grupos Beta, <strong>Polícia</strong><br />
Ministerial, <strong>Polícia</strong> Municipal, <strong>Polícia</strong> Fe<strong>de</strong>ral Preventiva e<br />
agentes do Ministério Público, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar com a<br />
colaboração na proteção das pessoas menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que entram e<br />
saem do país.<br />
Embora seja certo que uma maioria das pessoas menores <strong>de</strong> 18<br />
anos que atravessam as fronteiras, o façam em companhia <strong>de</strong> suas<br />
famílias por motivos turísticos, <strong>de</strong> trabalho ou buscando melhores<br />
condições <strong>de</strong> vida, também é certo que levam-se muitas outras crianças<br />
e adolescentes <strong>de</strong> um país a outro com o propósito <strong>de</strong> explorá-los,<br />
sendo, <strong>de</strong>sta forma, vítimas do crime <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> pessoas.<br />
As pessoas que cometem este crime chamam-se “traficantes” 1 , e se<br />
valem <strong>de</strong> muitos meios para captar as vítimas, como, por exemplo: a ameaça,<br />
o abuso da força, o seqüestro, o frau<strong>de</strong>, o engano e o abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
No caso <strong>de</strong> pessoas menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, embora nenhum <strong>de</strong>stes<br />
meios seja utilizado diretamente, apenas o fato <strong>de</strong> levá-las <strong>de</strong> um lugar<br />
a outro com fins <strong>de</strong> exploração é consi<strong>de</strong>rado tráfico <strong>de</strong> pessoas. Em<br />
muitos casos, utiliza-se o pagamento ou outorgar benefícios para<br />
conseguir o consentimento ou autorização da pessoa que exerce o<br />
controle sobre a criança ou adolescente (por exemplo, seu pai ou sua<br />
mãe).<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do meio utilizado para captar a criança ou<br />
adolescente ou <strong>de</strong> contar com seu consentimento para ser trasladado(a)<br />
* Direção Geral <strong>de</strong> Segurança Pública e Trânsito Municipal na Cida<strong>de</strong> do México<br />
MÉXICO<br />
129
130<br />
Tráfico <strong>de</strong> seres humanos<br />
a outra região ou país, os propósitos <strong>de</strong> exploração a convertem em<br />
uma ativida<strong>de</strong> criminosa que viola os direitos das pessoas menores <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong> que têm sido vítimas <strong>de</strong>la.<br />
Os propósitos da exploração do tráfico <strong>de</strong> pessoas po<strong>de</strong>m se<br />
manifestar em quaisquer das seguintes formas:<br />
· Exploração sexual comercial<br />
· Exploração laboral<br />
· Venda e adoção ilegal<br />
· Extração <strong>de</strong> órgãos<br />
· Escravidão ou qualquer prática semelhante à<br />
escravidão<br />
· Matrimônios servis<br />
POR QUE EXISTE O TRÁFICO DE PESSOAS?<br />
Causas:<br />
Fatores <strong>de</strong> risco:<br />
· o <strong>de</strong>senvolvimento econômico <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> certas<br />
regiões e países;<br />
· a procura <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra barata ou dócil para que<br />
realize trabalhos perigosos ou em condições inumanas;<br />
· o aumento da indústria baseada na venda <strong>de</strong> sexo;<br />
· a existência <strong>de</strong> pessoas intermediárias e <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s<br />
muito organizadas, que têm feito <strong>de</strong>sta modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
tráfico uma ativida<strong>de</strong> que proporciona múltiplos ganhos<br />
econômicos;<br />
· a inexistência ou a falta <strong>de</strong> sanções penais a<strong>de</strong>quadas<br />
para os traficantes.<br />
· pelas condições <strong>de</strong> pobreza extrema em que vivem<br />
muitas pessoas e a falta <strong>de</strong> políticas sociais dirigidas a toda
a população;<br />
· pelos conflitos políticos e guerras que vivem alguns<br />
países;<br />
· pelas poucas oportunida<strong>de</strong>s educativas;<br />
Juan Sonoqui Martinez<br />
· pela falta <strong>de</strong> proteção que vivenciam muitas pessoas<br />
menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> por parte <strong>de</strong> suas famílias,<br />
comunida<strong>de</strong>s e instituições públicas;<br />
· pelos <strong>de</strong>sastres naturais, que promovem a migração;<br />
· pelo abuso e a violência que experimentam em seus<br />
lares.<br />
Os traficantes se aproveitam das situações negativas (fatores <strong>de</strong><br />
risco) que afetam a muitas crianças e adolescentes, para enganá-los(as)<br />
oferecendo melhores condições <strong>de</strong> vida em outra região ou país. No<br />
entanto, quando as vítimas chegam a seu <strong>de</strong>stino, se dão conta da<br />
situação <strong>de</strong> exploração e abuso na qual tem sido envolvidas.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, as pessoas menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que tem sido<br />
vítimas <strong>de</strong> tráfioco <strong>de</strong> pessoas se enfrentam com uma série <strong>de</strong><br />
conseqüências negativas em suas vidas, <strong>de</strong>ntre as quais po<strong>de</strong>mos citar:<br />
o afastamento <strong>de</strong> suas famílias e escolas, o encarceramento ou<br />
isolamento, o abuso físico, emocional e sexual, os quais danificam sua<br />
integrida<strong>de</strong> como pessoas, ou que mesmo po<strong>de</strong>m provocar sua morte.<br />
Devido às conseqüências tão severas que vivem as vítimas <strong>de</strong><br />
trata, queremos <strong>de</strong>tectar possíveis vítimas e tratantes e, por sua vez,<br />
evitar que mais crianças e adolescentes sejam submetidos(as) a<br />
situações <strong>de</strong> exploração. Para po<strong>de</strong>r realizar esta tarefa, fazemos uma<br />
chamada a funcionários(as) como você, já que com seu trabalho, você<br />
po<strong>de</strong> colaborar nesta missão:<br />
· protegendo as pessoas menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, através<br />
do controle efetivo <strong>de</strong> suas entradas e saídas do país;<br />
· <strong>de</strong>nunciando os atos criminosos que cometem as<br />
pessoas tratantes, com o fim <strong>de</strong> possibilitar sua sanção.<br />
131
132<br />
Tráfico <strong>de</strong> seres humanos<br />
TRÁFICO DE PESSOAS COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL<br />
COMERCIAL<br />
· A utilização <strong>de</strong> uma criança ou adolescente para<br />
manter relações ou realizar atos sexuais.<br />
· A utilização <strong>de</strong> uma pessoa menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> para<br />
material pornográfico infantil: fotos, ví<strong>de</strong>os, filmes, etc.<br />
· A utilização <strong>de</strong> crianças ou adolescentes em<br />
espetáculos sexuais públicos ou privados, que se<br />
realizam em clubes noturnos, festas, entre outros.<br />
Modalida<strong>de</strong>s ou formas em que se dá a EXPLORAÇÃO SEXUAL<br />
COMERCIAL:<br />
· exploração por parte <strong>de</strong> pessoas locais: pessoas do<br />
mesmo país (po<strong>de</strong>m ser nativass ou resi<strong>de</strong>ntes);<br />
· exploração por turistas sexuais: pessoas estrangeiras<br />
ou turistas que aproveitam sua visita ao país para<br />
realizar ativida<strong>de</strong>s sexuais comerciais com pessoas<br />
menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>;<br />
· tráfico <strong>de</strong> pessoas: que ocorre quando uma pessoa<br />
menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> é trasladada <strong>de</strong> uma região a outra, ou<br />
<strong>de</strong> um país a outro, com o fim <strong>de</strong> explorá-la<br />
sexualmente;<br />
· distribuição <strong>de</strong> pornografia infantil através da Internet<br />
ou <strong>de</strong> qualquer outro meio.<br />
Os responsáveis diretos ou culpados da exploração sexual comercial<br />
são as pessoas exploradoras, <strong>de</strong>ntre as que se encontram:<br />
· “clientes-exploradores”: são as pessoas que pagam<br />
para realizar ativida<strong>de</strong>s sexuais com crianças e<br />
adolescentes, po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> qualquer nacionalida<strong>de</strong>,<br />
ida<strong>de</strong>, profissão e classe social;<br />
· proxenetas;<br />
· intermediários;
· pessoas indiretamente.<br />
O certo é que as pessoas exploradoras se aproveitam das<br />
condições <strong>de</strong> pobreza, abuso, violência intra-familiar, poucas<br />
oportunida<strong>de</strong>s educacionais, marginalização e exclusão social em que<br />
vivem muitas crianças e adolescentes, para submetê-los(as) a situações<br />
<strong>de</strong> exploração.<br />
Não é verda<strong>de</strong> que as vítimas <strong>de</strong> exploração sexual e comercial…<br />
É verda<strong>de</strong> que...<br />
· estejam nessa ativida<strong>de</strong> porque querem, porque<br />
gostem e que se não fosse assim fariam outra coisa;<br />
· levem uma vida “fácil e alegre”;<br />
· ganhem muito dinheiro;<br />
· sejam pessoas perversas, promiscuas e sedutoras.<br />
· as vítimas não escolheram essa ativida<strong>de</strong>, são<br />
envolvidas por pessoas inescrupulosas, que se<br />
aproveitam <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s econômicas;<br />
· nenhuma pessoa menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> consentir ou<br />
autorizar sua exploração;<br />
· nenhuma pessoa gosta <strong>de</strong> ser abusada;<br />
Juan Sonoqui Martinez<br />
· a maior parte do dinheiro que recebem é <strong>de</strong>ixada<br />
para seus proxenetas e para as pessoas intermediárias;<br />
· as vítimas não per<strong>de</strong>m seus valores morais,<br />
simplesmente vêem <strong>de</strong>srespeitados seus direitos<br />
humanos.<br />
As pessoas menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que são utilizadas na exploração sexual<br />
comercial sofrem muitas conseqüências negativas em suas vidas, tais como:<br />
gravi<strong>de</strong>z não <strong>de</strong>sejada, infecções transmitidfas sexualmente, HIV-AIDS,<br />
agressões físicas e emocionais, envolvimento com drogas, humilhações,<br />
baixa auto-estima, sentem-se culpados pelo que lhes acontece e não<br />
encontram uma saída para o problema.<br />
133
134<br />
Tráfico <strong>de</strong> seres humanos<br />
DIFERENÇAS ENTRE O TRÁFICO ILÍCITO DE MIGRANTES E O<br />
TRÁFICO DE PESSOAS MENORES DE IDADE<br />
Tráfico <strong>de</strong> pessoas:<br />
· Tráfico <strong>de</strong> pessoas menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />
· Tráfico ilícito <strong>de</strong> imigrantes<br />
· os <strong>de</strong>slocamentos po<strong>de</strong>m ser legais ou ilegais;<br />
· utiliza-se documentos originais ou falsos;<br />
· a pessoa tratante busca ganhar através do traslado <strong>de</strong><br />
uma pessoa com fins <strong>de</strong> exploração;<br />
· obriga-se ou engana-se a vítima, não há consentimento;<br />
· restringe-se ou limita-se o movimento da vítima com<br />
o fim <strong>de</strong> submetê-la a exploração;<br />
· o bem comercial é a pessoa;<br />
· comete-se um crime contra a pessoa vítima <strong>de</strong> trata.<br />
Tráfico ilícito <strong>de</strong> imigrantes:<br />
· po<strong>de</strong>-se utilizar ou não documentos falsos;<br />
· supõe atravessar irregularmente as fronteiras, os<br />
<strong>de</strong>slocamentos po<strong>de</strong>m ser feitos por lugares não<br />
autorizados;<br />
· o traficante busca ganhar dinheiro ou algum outro<br />
benefício possibilitando que uma pessoa atravesse a<br />
fronteira sem os documentos e procedimentos<br />
requeridos por lei;<br />
· o traslado é voluntário, há consentimento da vítima;<br />
· não há restrição <strong>de</strong> movimentos (na maioria dos casos<br />
o tráfico termina ao se atravessar a fronteira);<br />
· o bem comercial é o serviço <strong>de</strong> atravessar a fronteira;<br />
· comete-se um <strong>de</strong>lito contra o Estado.
Aspectos em comum do Tráfico <strong>de</strong> Pessoas e do Tráfico Ilícito <strong>de</strong><br />
Imigrantes:<br />
· são ativida<strong>de</strong>s criminosas <strong>de</strong> acordo com os<br />
instrumentos <strong>de</strong> direito internacional;<br />
· são cometidos por grupos muito organizados <strong>de</strong><br />
traficantes;<br />
· envolvem um comércio com seres humanos.<br />
Pessoas que intervêm em uma situação <strong>de</strong> Tráfico <strong>de</strong> Pessoas e<br />
Tráfico Ilícito <strong>de</strong> imigrantes<br />
No Tráfico <strong>de</strong> Pessoas e no Tráfico Ilícito <strong>de</strong> Imigrantes há<br />
intervenção <strong>de</strong> muitas pessoas, que formam re<strong>de</strong>s e grupos criminosos<br />
muito organizados, compostos por:<br />
· uma pessoa recrutadora;<br />
· uma pessoa responsável por transladar a criança ou<br />
adolescente ou por lhe facilitar o transporte;<br />
· as pessoas exploradoras.<br />
O PAPEL DOS CORPOS POLICIAIS DIANTE DO TRÁFICO E A<br />
EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL DE PESSOAS MENORES DE<br />
IDADE<br />
Situações para prestar atenção:<br />
Os exemplos que se <strong>de</strong>screvem a seguir são indicadores <strong>de</strong> uma<br />
possível situação <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> pessoas, <strong>de</strong> imigração ilegal ou exploração<br />
sexual comercial.<br />
· a criança ou adolescente viaja;<br />
· apresenta documentos falsos;<br />
· a criança ou adolescente se mostra temeroso;<br />
· a pessoa que tenta atravessar fronteira;<br />
Juan Sonoqui Martinez<br />
135
136<br />
Tráfico <strong>de</strong> seres humanos<br />
· ao realizar a revista <strong>de</strong> um meio <strong>de</strong> transporte;<br />
· em um caminhão, ônibus, carro, ao fazer a revista<br />
da bagagem, apreen<strong>de</strong>-se material que contem<br />
pornografia infantil ou adolescente (revistas, ví<strong>de</strong>os,<br />
entre outros).<br />
Detecção <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> pessoas<br />
Ao <strong>de</strong>tectar uma ou várias das situações anteriores, se houver<br />
uma pessoa menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> envolvida, recomenda-se fazer uma pequena<br />
entrevista com a criança ou adolescente e com a pessoa que a<br />
acompanha.<br />
Se for <strong>de</strong>tectado um caso <strong>de</strong> pornografia infantil ou adolescente<br />
ou se <strong>de</strong>tecta uma pessoa que está sendo buscada pela INTERPOL,<br />
imediatamente se po<strong>de</strong>rá proce<strong>de</strong>r a apresentar a <strong>de</strong>núncia diante das<br />
autorida<strong>de</strong>s do Ministério Público <strong>de</strong> forma tal que iniciem o processo<br />
<strong>de</strong> investigação.<br />
Entrevista com a pessoa menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>:<br />
· <strong>de</strong>ve ser entrevistada;<br />
· buscar uma sala;<br />
· apresente-se como um agente policial;<br />
· esclareça que não <strong>de</strong>ve se atemorizar;<br />
· indague;<br />
· evite advertir;<br />
· agra<strong>de</strong>ça sua colaboração ao outorgar a informação.<br />
Entrevista com a pessoa que acompanha ou translada a criança ou<br />
adolescente:<br />
· indague.<br />
Ao conversar com a pessoa, que fazer no caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar uma<br />
situação <strong>de</strong> tráfico ou <strong>de</strong> exploração sexual comercial?
· informe sobre a situação encontrada a seu chefe;<br />
· comunique-se imediatamente com a instituição<br />
encarregada, garanta segurança e proteção;<br />
· escute a opinião da vítima e mantenha a mesma<br />
informada;<br />
· leve em conta que é uma pessoa menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>;<br />
· se em um registro ou sistema <strong>de</strong> informação, a pessoa<br />
adulta aparece como procurada por proxenetismo,<br />
tráfico, ou abuso sexual em outro país, comunique-se<br />
imediatamente com Interpol.<br />
Algumas outras medidas que po<strong>de</strong>m tomar os corpos policiais:<br />
· estabelecer registros ou sistemas <strong>de</strong> informação;<br />
· elaborar registros <strong>de</strong> crianças e adolescentes<br />
perdidos. Botar as lâminas ou materiais <strong>de</strong> informação<br />
(advertência);<br />
· incluir nos formulários <strong>de</strong> migração;<br />
· <strong>de</strong>finir e acordar, enquanto repartição, alguns<br />
procedimentos.<br />
CÓDIGO PENAL FEDERAL.<br />
Corrupção <strong>de</strong> menores e incapazes. Pornografia<br />
infantil e prostituição sexual <strong>de</strong> menores.<br />
Artigo 201.- Ao autor <strong>de</strong>ste crime, lhe será aplicada a<br />
pena <strong>de</strong> cinco a <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> prisão e <strong>de</strong> quinhentos a<br />
dois mil dias <strong>de</strong> multa.<br />
TRÁFICO DE PESSOAS E LENOCÍNIO.<br />
Juan Sonoqui Martinez<br />
Artigo 206.- O lenocínio será sancionado com prisão<br />
<strong>de</strong> dois a nove anos e <strong>de</strong> cinqüenta a quinhentos dias<br />
multa.<br />
137
138<br />
Tráfico <strong>de</strong> seres humanos<br />
CÓDIGO PENAL DO ESTADO DO MÉXICO.<br />
CORRUPÇÃO DE MENORES.<br />
Artigo 205.- Será imposta uma pena <strong>de</strong> cinco a <strong>de</strong>z<br />
anos <strong>de</strong> prisão e quinhentos a dois mil dias <strong>de</strong> multa.<br />
LENOCÍNIO E TRÁFICO DE PESSOAS.<br />
Artigo 209 – Será imposta uma pena <strong>de</strong> dois a cinco<br />
anos <strong>de</strong> prisão e <strong>de</strong> cinqüenta a trezentos dias <strong>de</strong> multa.<br />
TRAFICO DE MENORES.<br />
Artigo 219.- Será imposta uma pena <strong>de</strong> três a <strong>de</strong>z anos<br />
<strong>de</strong> prisão e <strong>de</strong> cinqüenta a quatrocentos dias <strong>de</strong> multa.<br />
EXPLORAÇÃO DE PESSOAS.<br />
Artigo 220.- Será imposta uma pena <strong>de</strong> um a três<br />
anos <strong>de</strong> prisão e trinta a cem dias <strong>de</strong> multa.
Relato Policial<br />
CASO: EVITAR UM LINCHAMENTO. UM ASSUNTO<br />
DE CONFIANÇA<br />
Delegado Jorge Sará *<br />
INTRODUÇÃO<br />
Para o Instituto Autônomo <strong>Polícia</strong> do Município <strong>de</strong> San Francisco,<br />
coloquialmente conhecido como POLISUR, o conceito <strong>de</strong> Comunida<strong>de</strong> é<br />
assumido como um Ecossistema Social.<br />
Por que um Ecossistema Social?<br />
Simplesmente porque é um meio on<strong>de</strong> convivem os cidadãos em<br />
nossa comunida<strong>de</strong>, constituída pelos cidadãos que a habitam com<br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesses e requerimentos, interagindo conjuntamente<br />
com a policía em função <strong>de</strong> uma melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida para os cidadãos.<br />
UM POUCO DE HISTÓRIA.<br />
Quando, em 1996, foi criado o Município <strong>de</strong> San Francisco, no<br />
Estado Zulia, Oeste da Venezuela, existia uma comunida<strong>de</strong> dispersa <strong>de</strong><br />
uns 300 mil habitantes em uma superfície <strong>de</strong> 164,7 Km², que subsistia<br />
mediante uma agricultura incipiente, baseada na produção <strong>de</strong> legumes e<br />
verduras em caniçadas e canteiros.<br />
Simultaneamente à criação do Município nasceu também, em 14 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996, o Instituto Autônomo <strong>Polícia</strong> do Município <strong>de</strong> San<br />
Francisco (POLISUR). No início, dispúnhamos unicamente <strong>de</strong> duas<br />
patrulhas para oferecer segurança a este povoado, em meio a natural<br />
<strong>de</strong>sconfiança da mesma com relação à <strong>Polícia</strong>, já que recebia a a<strong>de</strong>quada<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta.<br />
Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> que tínhamos que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r como município <strong>de</strong><br />
outras corporações policiais para cobrir todos os aspectos operacionais,<br />
o Delegado Biagio Parisi – Diretor-Fundador do Polisur – <strong>de</strong>cidiu formar<br />
uma polícia integral que pu<strong>de</strong>sse cobrir os aspectos <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong><br />
* Comissário, Chefe da Divisão <strong>de</strong> Patrulhamento, Policia Municipal <strong>de</strong> San Francisco. Maracaibo.<br />
Estado Zulia<br />
VENEZUELA<br />
139
140<br />
Caso: Evitar um linchamento. Um assunto <strong>de</strong> confiança<br />
<strong>de</strong>lito, segurança em geral, aparato e viação, para não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> outras<br />
corporações especializadas em nossas operações, simplificando e agilizando<br />
<strong>de</strong>sta forma os procedimentos. Precisamente nisto radicava a urgência em<br />
criar esse oficial integral. Esta nova concepção, ao ampliar as faculda<strong>de</strong>s e<br />
competências <strong>de</strong> nossos recursos humanos, nos levou ao que po<strong>de</strong>ríamos<br />
chamar <strong>de</strong> globalização das ativida<strong>de</strong>s operacionais da polícia.<br />
Devo indicar que – previamente – foram estabelecidos compromissos<br />
com as comunida<strong>de</strong>s, com o objetivo <strong>de</strong> que se integrassem às ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> nossa policía. Esta forma <strong>de</strong> participação foi a base do que lhes <strong>de</strong>fini há<br />
pouco como Ecossistema Social.<br />
Feito este breve, mas necessário marco introdutório, eu vou lhes<br />
apresentar o caso <strong>de</strong>scrito no resumo que aparece no trabalho e a<br />
metodologia operacional que foi seguida para resolvê-lo com sucesso.<br />
É apresentado um caso on<strong>de</strong> é mostrada uma estreita interação entre<br />
a <strong>Polícia</strong> e a Comunida<strong>de</strong>. Isto foi possível <strong>de</strong>vido a três aspectos<br />
fundamentais: confiança, credibilida<strong>de</strong> e respeito, fatores que permitem uma<br />
retroalimentação mútua, chave para os aspectos operacionais.<br />
Especificamente, trata-se <strong>de</strong> uma pessoa que tinha incorrido em uma<br />
violação e tinha se refugiado em uma moradia, já que seria linchado pela<br />
Comunida<strong>de</strong>. Esta tratou <strong>de</strong> fazer pressão ao querer incendiar o imóvel<br />
para obrigar o estuprador a sair e assim po<strong>de</strong>r fazer justiça com as próprias<br />
mãos, reação gerada pela perda <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> do cidadão diante do sistema<br />
judicial existente.<br />
Referimo-nos ao caso em que agiram três oficiais, os quais, utilizando<br />
o diálogo como um dos níveis mais baixos na aplicação do uso progressivo<br />
<strong>de</strong> força, persuadiram um grupo <strong>de</strong> 20 a 30 pessoas, e conseguiram resgatar<br />
o infrator e convencer a Comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que seria feita a justiça que o caso<br />
merecia. Esta confiança foi factível graças ao que nós chamamos familiarmente<br />
<strong>de</strong> fatores <strong>de</strong> sucesso do POLISUR e que abarcam cinco itens fundamentais,<br />
que por sua vez foram subdivididos.<br />
GERAR CONFIANÇA<br />
· uma gestão incorruptível e acessível.<br />
· capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta rápida.
EDUCANDO<br />
ATUANDO<br />
· comunicação transparente.<br />
· coerência na ação<br />
· cursos curtos ou oficinas <strong>de</strong> interesse para a<br />
comunida<strong>de</strong> e para a polícia.<br />
· estrito apego à lei.<br />
FORMAÇÃO POLICIAL<br />
PROCEDIMENTO<br />
· uso a<strong>de</strong>quado da força<br />
· cumprir os compromissos assumidos<br />
· discricionarieda<strong>de</strong> a favor da comunida<strong>de</strong><br />
· proteção irrestrita à fonte <strong>de</strong> informação.<br />
· alto nível <strong>de</strong> profissionalismo<br />
· clara política <strong>de</strong> uso da força<br />
· valores éticos e comportamentos que os qualificam<br />
como mo<strong>de</strong>ladores <strong>de</strong> conduta.<br />
· contatos com grupos <strong>de</strong> vizinhos organizados<br />
· instrução em técnicas básicas <strong>de</strong> inteligência<br />
· elaboração <strong>de</strong> planos conjuntos <strong>de</strong> trabalho<br />
Delegado Jorge Sara<br />
Os aspectos anteriores foram complementados com: 1) Um efetivo<br />
sistema <strong>de</strong> patrulhamento, que permite uma rápida capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta<br />
frente a qualquer <strong>de</strong>núncia; 2) Confiança da polícia em relação à comunida<strong>de</strong><br />
e vice-versa, sendo estabelecida uma verda<strong>de</strong>ira interação, on<strong>de</strong> ambas<br />
as partes participam como atores, e 3) A imagem <strong>de</strong> que goza o Polisur<br />
como garantidor dos direitos e garantias dos cidadãos. Tudo isso como<br />
141
142<br />
Caso: Evitar um linchamento. Um assunto <strong>de</strong> confiança<br />
resultado <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> fatores gerados pela política aberta que o Polisur<br />
aplica, baseada em seu lema “Para nós primeiro vem você”.<br />
Tudo o que foi apresentado anteriormente se materializou porque<br />
a aplicação do Espectro <strong>de</strong> Uso Progressivo <strong>de</strong> Força nasceu na Venezuela<br />
com o Instituto Autônomo <strong>Polícia</strong> do Município San Francisco (POLISUR)<br />
e outros corpos policiais copiaram nosso mo<strong>de</strong>lo, mas este não é praticado<br />
com o nível <strong>de</strong> sistematização que prevaleceu em nossa polícia.<br />
Outro aspecto muito significativo é o acompanhamento que o<br />
supervisor faz <strong>de</strong> cada procedimento mediante interrogatório <strong>de</strong><br />
testemunhas, vizinhos, observadores e outros atores envolvidos, com<br />
objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar se a comissão encarregada do caso aplicou o nível<br />
<strong>de</strong> força requerido que essa circunstância específica merecia.<br />
Por outro lado, nossos procedimentos sempre estão ajustados a<br />
um absoluto respeito aos direitos humanos, aspecto importante que<br />
<strong>de</strong>vem levar em consi<strong>de</strong>ração todos os nossos oficiais em seus<br />
procedimentos operacionais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> a pessoa ser<br />
<strong>de</strong>linqüente.<br />
Isto nos obriga a garantir ao infrator a sua integrida<strong>de</strong> física. Devido<br />
às ações que a comunida<strong>de</strong> podia tomar contra ele, foi fundamental o uso<br />
progressivo da força, que no caso que estamos apresentando foi aplicado<br />
em um <strong>de</strong> seus níveis mais baixos, especificamente o diálogo que ocupa o<br />
segundo entre os cinco que integram o mencionado espectro.<br />
O Polisur sempre esteve i<strong>de</strong>ntificada com a sua comunida<strong>de</strong> e, neste<br />
sentido, po<strong>de</strong>mos dizer que somos uma polícia comunitária, on<strong>de</strong> existe<br />
uma retroalimentação informativa permanente entre ambas, que permitiu<br />
uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta oportuna e eficaz, e esta confluência <strong>de</strong><br />
objetivos mútuos foi a base para o nosso sucesso operacional e - <strong>de</strong> certa<br />
forma – para alcançar nossa Missão e Visão, além <strong>de</strong> preservar a qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vida <strong>de</strong>sse ecossistema social sobre o qual falamos no começo.
Artigo<br />
DILEMAS DA REFORMA POLICIAL NA AMÉRICA<br />
LATINA<br />
Lucía Dammert*<br />
Em um continente marcado pelo aumento da violência e da<br />
criminalida<strong>de</strong>, as polícias adquirem um papel cada vez mais central na<br />
governabilida<strong>de</strong> dos países. Paradoxalmente, o retorno da <strong>de</strong>mocracia<br />
tem gerado uma maior <strong>de</strong>pendência governamental para as polícias,<br />
principal instituição encarregada da or<strong>de</strong>m e da estabilida<strong>de</strong> pública. No<br />
entanto, esse papel principal não tem sido complementado por uma<br />
mudança institucional que leve a maiores níveis <strong>de</strong> profissionalização e<br />
eficácia. Ao contrário, a utilização excessiva da força, a corrupção e a<br />
participação em atos criminosos são elementos do cotidiano <strong>de</strong><br />
praticamente todos os países da região.<br />
Este contexto tem gerado a implantação <strong>de</strong> diversas iniciativas <strong>de</strong><br />
reforma que buscam não só gerar impactos sobre a gestão, mas também<br />
sobre a doutrina e a cultura institucional. Além disso, na maioria dos casos,<br />
as experiências são incipientes e os resultados variados e, inclusive,<br />
contraditórios.<br />
Ora, os problemas da polícia interpelam a socieda<strong>de</strong> como um todo<br />
e a qualida<strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong>mocrático em seu conjunto. Dessa maneira,<br />
não se po<strong>de</strong> analisar as polícias como entida<strong>de</strong>s isoladas do resto do<br />
aparato governamental, mas é necessário reconhecer os <strong>de</strong>safios que<br />
impõe para o exercício <strong>de</strong>mocrático po<strong>de</strong>r confrontá-las enquanto política<br />
<strong>de</strong> Estado. Dessa forma, correspon<strong>de</strong> ao Estado oferecer os pressupostos<br />
necessários para que as instituições policiais funcionem com qualida<strong>de</strong>,<br />
bem como <strong>de</strong>senhar os processos <strong>de</strong> capacitação dos corpos policiais<br />
com ênfase no Estado <strong>de</strong> Direito, incentivando uma doutrina e gestão<br />
policial mo<strong>de</strong>rnas. Da mesma maneira, o Estado <strong>de</strong>ve estabelecer<br />
mecanismos <strong>de</strong> pesos e contrapesos mútuos para limitar o uso da força,<br />
a violação aos direitos humanos, a ineficiência e inclusive a ineficácia da<br />
ação policial.<br />
O presente artigo tem como objetivo sistematizar as diversas<br />
experiências <strong>de</strong> reforma <strong>de</strong>senvolvidas na região nas últimas décadas. Neste<br />
processo, busca-se i<strong>de</strong>ntificar os elementos que têm levado a processos<br />
*Diretora do Programa Segurança e Cidadania – FLACSO Chile<br />
CHILE<br />
143
144<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
erráticos <strong>de</strong> implantação, bem como aqueles elementos que servem <strong>de</strong><br />
base para a geração <strong>de</strong> mudanças duráveis.<br />
O texto está dividido em 6 partes. A primeira <strong>de</strong>las analisa o<br />
contexto geral <strong>de</strong> segurança na América Latina, o qual nos permitirá<br />
compreen<strong>de</strong>r as mudanças institucionais nas polícias e seus resultados.<br />
Em um segundo momento, <strong>de</strong>screve-se, em linhas gerais, as principais<br />
características das instituições policiais da região para, em seguida,<br />
aprofundar na principal resposta pública diante dos <strong>de</strong>safios que a América<br />
Latina enfrenta em matéria <strong>de</strong> segurança, isto é, as reformas policiais.<br />
Posteriormente, revisa-se as experiências internacionais em matéria <strong>de</strong><br />
reformas e seu impacto na América Latina e no Caribe. Seguidamente, se<br />
dá passo à caracterização e reflexão crítica das mudanças institucionais e<br />
reformas policiais na região e, finalmente, apresenta-se alguns avanços e<br />
retrocessos passíveis <strong>de</strong> serem visualizados neste processo. .<br />
1. VIOLÊNCIAS, CRIME E TEMOR NA AMÉRICA LATINA<br />
Na atualida<strong>de</strong>, a violência é um dos problemas sociais mais<br />
importantes, porém é também um dos menos entendidos. Talvez um dos<br />
motivos <strong>de</strong>ssa débil correspondência esteja basedo no fato da<br />
compreensão sobre a mesma se gerar através da imprensa massiva, que<br />
muitas vezes forma uma imagem distorcida da realida<strong>de</strong>, bem como propõe<br />
soluções que eventualmente servem <strong>de</strong> muito pouco para a redução da<br />
taxa <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>. É evi<strong>de</strong>nte que as perspectivas teóricas utilizadas<br />
para analisar esse fenômeno proporcionam uma imagem sobre o que é a<br />
violência e como atuar diante <strong>de</strong>la. Lamentavelmente, o senso comum<br />
está intimamente relacionado a perspectivas teóricas que enfatizam o<br />
componente individual do fenômeno violento, bem como as saídas<br />
repressivas, sem discutir a origem social do mesmo.<br />
Embora a violência seja um fenômeno complexo, que cobre uma<br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipos e categorias que tornam impossível a formulação <strong>de</strong><br />
uma teoria que explique todas as formas <strong>de</strong> conduta violenta, é necessário<br />
explicitar o esvaziamento do conteúdo das principais categorias<br />
relacionadas a esta problemática. Quer dizer, a presença <strong>de</strong> enfoques<br />
diversos e especializados sobre a violência tem gerado um uso ina<strong>de</strong>quado<br />
<strong>de</strong>ssas categorias. Ten<strong>de</strong>-se a confundir conflito com violência, violência
Lucía Dammert<br />
com criminalida<strong>de</strong> e criminalida<strong>de</strong> com sensação <strong>de</strong> insegurança. Essa falta<br />
<strong>de</strong> clareza na utilização dos termos gera sérias conseqüências na análise<br />
social e tem implicações relevantes na formulação e implementação <strong>de</strong><br />
políticas públicas.<br />
A análise da violência urbana requer enten<strong>de</strong>r as cida<strong>de</strong>s enquanto<br />
um campo <strong>de</strong> relações e <strong>de</strong> conflito social permanente <strong>de</strong>vido à diversida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> pessoas e interesses que a habitam (Carrión, 1998). Dessa forma, é<br />
importante ressaltar que o conflito é consubstancial com a cida<strong>de</strong> e,<br />
portanto, propor a <strong>de</strong>saparição do conflito só po<strong>de</strong> estar baseado na<br />
imposição autoritária <strong>de</strong> um único olhar e interpretação da realida<strong>de</strong>. Assim,<br />
embora a cida<strong>de</strong> seja um território on<strong>de</strong> os conflitos se potencializam,<br />
isto não implica que seja também um território on<strong>de</strong> a violência <strong>de</strong>va se<br />
reproduzir, já que os conflitos nem sempre têm como conseqüência<br />
respostas violentas. Caso partamos <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> violência como o<br />
“uso ou ameaça <strong>de</strong> uso da força física ou psicológica com intenção <strong>de</strong><br />
provocar dano <strong>de</strong> maneira recorrente ou como forma <strong>de</strong> resolver conflitos”<br />
(Arriaga, 1999), nos encontramos diante <strong>de</strong> uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
violências que po<strong>de</strong>m ser agrupadas conforme diversos fatores, <strong>de</strong>ntre<br />
os quais <strong>de</strong>staca-se o espaço geográfico on<strong>de</strong> se realizam (Búvinic e<br />
Morrison, 1999).<br />
Esta última caracterização se torna central na América Latina,<br />
continente com um alto grau <strong>de</strong> urbanização e um aumento explosivo da<br />
violência em praticamente todas suas dimensões. Especificamente na<br />
Argentina, a alta percentagem <strong>de</strong> urbanização, a constante exposição <strong>de</strong><br />
atos violentos na imprensa massiva (Concha, 1994), a evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>cadência<br />
das condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> uma proporção importante <strong>de</strong> seus habitantes e<br />
o crescimento sustentado das taxas <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> são fatores que tem<br />
colocado a problemática da violência urbana no centro da discussão política.<br />
De forma notável, a violência urbana é equiparada quase diretamente com<br />
a criminalida<strong>de</strong>, mais especificamente com os crimes contra a proprieda<strong>de</strong>,<br />
que representam mais <strong>de</strong> 70 % dos crimes cometidos no Chile inteiro,<br />
por exemplo (Ministério do Interior, 2002).<br />
A complexida<strong>de</strong> do assunto e suas diversas dimensões têm<br />
dificultado o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> diagnósticos e análises que permitam<br />
um olhar integral sobre o horizonte <strong>de</strong> problemas existentes. No entanto,<br />
po<strong>de</strong>m ser ressaltadas algumas características na América Latina: é um<br />
145
146<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
fenômeno novo do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> sua magnitu<strong>de</strong>; tem se diversificado<br />
pelo fato <strong>de</strong> incluir novas modalida<strong>de</strong>s, como o tráfico <strong>de</strong> drogas, o<br />
seqüestro relâmpago e as gangues <strong>de</strong> rua; inclui a emergência <strong>de</strong> novos<br />
atores que superam a criminalida<strong>de</strong> comum, como os sicários (matadores)<br />
na Colômbia; e penetra em todos os domínios da vida urbana.<br />
A década <strong>de</strong> 90 marca a aparição da criminalida<strong>de</strong> como principal<br />
problemática urbana na América Latina. Embora a maioria dos países tenha<br />
vivido durante os anos 80 processos violentos, estes estiveram vinculados<br />
principalmente com a presença <strong>de</strong> conflitos políticos. Uma das principais<br />
características da problemática criminal é sua “urbanização”, quer dizer,<br />
apresenta-se com maior clareza nas cida<strong>de</strong>s gran<strong>de</strong>s e médias da região.<br />
Neste quadro, é necessário levar em consi<strong>de</strong>ração que a América Latina e<br />
o Caribe constituem a região em <strong>de</strong>senvolvimento mais urbanizada do<br />
mundo, com uma população urbana que alcançou, no ano 2000, 75%<br />
(CEPAL, 2000). Inclusive com porcentagens mais altas em países como a<br />
Argentina on<strong>de</strong>, conforme informação oficial, estima-se que mais <strong>de</strong> 90%<br />
da população mora em cida<strong>de</strong>s. Ao mesmo tempo, as principais cida<strong>de</strong>s<br />
da região experimentam índices críticos na última década, período no<br />
qual a região se tornou a segunda mais violenta do mundo. Esta análise<br />
comparada mostra que a América Latina e o Caribe, em 1990, alcançaram<br />
uma taxa <strong>de</strong> homicídios regional <strong>de</strong> 22,9 por 100 mil habitantes, isto é,<br />
mais do dobro da média mundial – 10,7 - (Búvinic e Morrison, 1999).<br />
Além da informação oficial analisada anteriormente, os dados <strong>de</strong><br />
vitimização confirmam que a América do Sul ocupou o segundo lugar<br />
<strong>de</strong>ntre as regiões com maior porcentagem <strong>de</strong> população vítima <strong>de</strong> um<br />
crime (68 %). Uma das características chamativas <strong>de</strong>sta informação é a<br />
porcentagem <strong>de</strong> população assaltada (31%), muito acima da média mundial<br />
(19%) e da América do Norte, que ocupou o terceiro lugar (22%) (Gaviria<br />
e Pages, 1999).<br />
As variações regionais merecem uma análise especial, já que não só<br />
se apresentam em nível nacional, mas também <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada país. Assim,<br />
por exemplo, as taxas <strong>de</strong> homicídio na região variam <strong>de</strong> 117 por cada<br />
100 mil habitantes em El Salvador a 1.8 por cada 100 mil habitantes no<br />
Chile. Estas disparida<strong>de</strong>s são críticas também na análise nacional já que se<br />
apresentam realida<strong>de</strong>s complexas em cida<strong>de</strong>s que, <strong>de</strong> fato, concentram a<br />
criminalida<strong>de</strong>.
Lucía Dammert<br />
Quanto à análise das <strong>de</strong>núncias, é preciso ressaltar que seu<br />
incremento po<strong>de</strong> se explicar por duas situações divergentes. Uma primeira<br />
interpretação enfatiza o fato <strong>de</strong>ssa tendência <strong>de</strong>monstrar um aumento da<br />
criminalida<strong>de</strong> e, portanto, dos crimes realmente cometidos, enquanto a<br />
segunda explicação enfatiza o aumento dos níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, isto é, uma<br />
diminuição da cifra negra <strong>de</strong> crimes não <strong>de</strong>nunciados. Praticamente em<br />
nenhum dos países da região tem sido possível estabelecer uma<br />
interpretação única <strong>de</strong>sta variação, mas é possível afirmar que a magnitu<strong>de</strong><br />
do incremento não po<strong>de</strong> refletir unicamente um aumento da ação<br />
criminosa.<br />
Outro fenômeno interessante se relaciona com a “geografia do<br />
crime”, que no início da década passada concentrava-se nas cida<strong>de</strong>s capitais<br />
<strong>de</strong> cada país, mas que tem mostrado capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> para as<br />
cida<strong>de</strong>s intermediárias. Assim, por exemplo, no Chile e na Colômbia as<br />
taxas <strong>de</strong> crimes evi<strong>de</strong>nciam o fato da incidência <strong>de</strong>sta problemática, em<br />
alguns casos, ser superior em cida<strong>de</strong>s intermediárias do que na mesma<br />
Capital.<br />
Outro elemento a ser consi<strong>de</strong>rado é a emergência da “sensação <strong>de</strong><br />
insegurança ou temor” como problema público. Diversos estudos<br />
realizados na região mostram níveis significativos <strong>de</strong> temor na população,<br />
os quais têm um impacto em áreas tão diversas como: a estrutura <strong>de</strong><br />
crescimento da cida<strong>de</strong> (cada vez com mais gra<strong>de</strong>s e segregada), a<br />
privatização da segurança, o aumento da <strong>de</strong>sconfiança cidadã e a sensação<br />
<strong>de</strong> impunida<strong>de</strong> diante do crime. Embora esta situação seja i<strong>de</strong>ntificada a<br />
partir <strong>de</strong> inícios dos anos 90, diversos estudos mostram que este temor<br />
diante da criminalida<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>, muitas vezes, outros temores<br />
característicos da vida atual (precarieda<strong>de</strong> no emprego, carência <strong>de</strong> plano<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e previdência social, entre outros) (PNUD, 1998). Da mesma<br />
maneira, a forma com a qual tem crescido a cida<strong>de</strong> (planejada ou não) se<br />
caracteriza por níveis <strong>de</strong> segregação significativos, que apóiam a<br />
configuração <strong>de</strong> um “outro” i<strong>de</strong>ntificável socioeconômica e<br />
territorialmente.<br />
Todo o dito anteriormente, embora escape a uma política pública<br />
orientada para a mudança policial, tem tido repercussões importantes<br />
neste âmbito, fato que muitas vezes exigiu das instituições policiais a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r problemáticas que vão muito além <strong>de</strong> suas<br />
147
148<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
funções e que estão claramente ligadas a fenômenos estruturais complexos<br />
que não po<strong>de</strong>m ser abordados apenas por instituições <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública.<br />
Neste contexto, é importante ter presente que as problemáticas da<br />
violência, da criminalida<strong>de</strong> e do temor que enfrenta a região não po<strong>de</strong>m<br />
ser abordadas apenas a partir do olhar do controle policial, embora não<br />
<strong>de</strong>va se <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar que boa parte das mudanças institucionais baseadas,<br />
em gran<strong>de</strong> medida, no papel principal que adquiriram estas instituições na<br />
problemática da segurança, tenha incorrido nesse erro. .<br />
2. AS INSTITUIÇÕES POLICIAIS NA AMÉRICA LATINA<br />
Na América Latina existem diversas instituições policiais. Por um<br />
lado, estas po<strong>de</strong>m ser caracterizadas por seu âmbito <strong>de</strong> ação: nacionais<br />
(como Carabineros no Chile ou a <strong>Polícia</strong> Nacional da Colômbia), regionais<br />
(em países fe<strong>de</strong>rais como o México, o Brasil e a Argentina), e inclusive<br />
locais (alguns municípios contam com forças policiais próprias). Por outro<br />
lado, po<strong>de</strong>m ser classificadas conforme com seus objetivos específicos:<br />
há instituições <strong>de</strong>dicadas unicamente à investigação policial (como a polícia<br />
judiciária <strong>de</strong> Córdoba 1 ) ou aquelas <strong>de</strong>dicadas à prevenção e controle da<br />
criminalida<strong>de</strong>. No entanto, além <strong>de</strong>ssas diferenças, as instituições policiais<br />
po<strong>de</strong>m ser caracterizadas em termos gerais como “... as pessoas<br />
autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais <strong>de</strong>ntro<br />
do grupo, através da aplicação da força física” (Bayley, 2001).<br />
Esta <strong>de</strong>finição tem três elementos centrais: força pública, uso da<br />
força e profissionalização. Quanto ao primeiro, a instituição policial<br />
respon<strong>de</strong> às necessida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> na sua totalida<strong>de</strong>, fato que a obriga<br />
a respon<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma equiparável diante das diversas pressões da<br />
cidadania. No entanto, na última década, esta característica tem se<br />
<strong>de</strong>svirtuado em praticamente todos os países da região, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
dois processos paralelos. Em primeiro lugar, o aumento do investimento<br />
privado e a carência <strong>de</strong> regulação para este fluxo têm um impacto negativo<br />
evi<strong>de</strong>nte na distribuição da infra-estrutura e atendimento policial, ocupando<br />
seus espaços, limitando sua ação e, em alguns casos, <strong>de</strong>bilitando sua<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta. Assim, a proliferação <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> vigilância<br />
particular, paradoxalmente, aumenta a sensação <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong><br />
muitos cidadãos que não têm acesso a esse serviço, bem como daqueles<br />
que investem em mecanismos <strong>de</strong> encerramento e alarme coletivos.
Lucía Dammert<br />
Em segundo lugar, as polícias <strong>de</strong>veriam ser as instituições que<br />
possuem o monopólio do uso legítimo da força do Estado, enten<strong>de</strong>ndo<br />
que em um Estado <strong>de</strong> Direito a força po<strong>de</strong> ser utilizada para restabelecer<br />
a or<strong>de</strong>m social. Lamentavelmente, em muitos casos, a força é utilizada <strong>de</strong><br />
forma ilegítima, conduzindo ao aumento <strong>de</strong> cidadãos mortos pelas polícias<br />
(como mostram as estatísticas apresentadas no Brasil e na Argentina) ou<br />
a violação <strong>de</strong> outros direitos humanos (Equador e Peru). Esta utilização<br />
da força se evi<strong>de</strong>ncia especialmente nos processos <strong>de</strong> prisões, bem como<br />
no tratamento da população carcerária.<br />
Em terceiro lugar, a instituição policial <strong>de</strong>veria ser um corpo<br />
profissional capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver iniciativas <strong>de</strong> prevenção, controle e<br />
investigação criminal <strong>de</strong> forma eficaz e eficiente. Este preparo profissional<br />
é fundamental pelo fato <strong>de</strong> outorgar às polícias certa autonomia diante do<br />
mando político em relação à tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> intervenção e à<br />
aplicação <strong>de</strong> conhecimentos técnicos no fazer policial, porém, <strong>de</strong> forma<br />
alguma, lhe outorgua in<strong>de</strong>pendência completa. Neste sentido, a<br />
responsabilida<strong>de</strong> pela segurança <strong>de</strong>ve ser assumida pelo po<strong>de</strong>r político,<br />
assim como também <strong>de</strong>ve assumir a necessida<strong>de</strong> e avaliar o impacto das<br />
estratégias utilizadas. Lamentavelmente, em alguns casos, é a própria<br />
opinião pública que pressiona para <strong>de</strong>stinar mais policiais para o policiamento<br />
ostensivo, fato que gera uma redução dos períodos <strong>de</strong> capacitação do<br />
corpo policial. Embora haja elementos específicos a ser enfrentados, como<br />
a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> exigidos para ingressar e se formar<br />
na instituição, o que é relevante e primordial é re<strong>de</strong>finir que tipo <strong>de</strong> polícia<br />
precisamos. Sobre a base disto, po<strong>de</strong>rá ser estabelecido um perfil<br />
a<strong>de</strong>quado, tanto na sua capacitação quanto nas suas habilida<strong>de</strong>s pessoais.<br />
Especialmente na América Latina, Bayley assinala dois temas<br />
recorrentes da organização policial. Primeiro, historicamente a diferença<br />
entre segurança interna e externa não tem se apagado; as forças militares<br />
têm jogado (e em alguns países ainda o mantêm) um papel central na<br />
manutenção da or<strong>de</strong>m interna. Essa situação se consolida com a estrutura<br />
militarizada das polícias que, em diversos países da região, mantêm<br />
inclusive uma <strong>de</strong>pendência administrativa e funcional da área militar.<br />
Não existem dúvidas <strong>de</strong> que o papel da polícia é ainda mais complexo<br />
on<strong>de</strong> sua legitimida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong> estão em disputa. Um segundo elemento<br />
caracterizador das polícias latino-americanas é que as mesmas são vistas<br />
149
150<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
pela cidadania com <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong>vido à pouca eficiência, à corrupção e<br />
à baixa profissionalização <strong>de</strong> seus integrantes. Assim, por exemplo, em El<br />
Salvador, José Miguel Cruz explicita que, ao longo da história, a prática do<br />
uso das forças <strong>de</strong> segurança para proteger os interesses <strong>de</strong> grupos bem<br />
posicionados tem causado danos à sua legitimida<strong>de</strong> aos olhos das camadas<br />
sociais mais baixas (Cruz, no prelo).<br />
3. A REFORMA POLICIAL COMO PRINCIPAL RESPOSTA PÚBLICA<br />
Em um contexto marcado pela crescente presença da<br />
criminalida<strong>de</strong>, pela <strong>de</strong>sconfiança cidadã com as polícias e pelo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> práticas corruptas e <strong>de</strong> uso excessivo da força, a<br />
reforma da polícia se converteu na principal resposta <strong>de</strong> política pública<br />
na região. Cabe mencionar que essas reformas estão inscritas <strong>de</strong>ntro do<br />
que O’Donnell chama “a terceira geração” no processo <strong>de</strong> consolidação<br />
<strong>de</strong>mocrática. Devido a isso, sem dúvida, durante os primeiros anos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocracia, foram poucos os países que pu<strong>de</strong>ram gerar uma mudança<br />
na gestão e na doutrina policial na América Latina.<br />
Desta maneira, a reforma das polícias não é apenas uma necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r aos problemas <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> presentes em todos os países<br />
da região, mas também um elemento fundador do processo <strong>de</strong> consolidação<br />
<strong>de</strong>mocrática.<br />
A expectativa pública, no entanto, enfatizou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />
uma polícia mais eficiente e efetiva po<strong>de</strong>ria resolver o problema da<br />
segurança. Situação essa que se apoiava em intervenções realizadas nos<br />
Estados Unidos, on<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> parecia, inclusive, disposta a sacrificar<br />
em certa medida a proteção <strong>de</strong> seus direitos civis a favor <strong>de</strong> mais<br />
segurança. Paradoxalmente, na América Latina, esta disponibilida<strong>de</strong> se<br />
observa especialmente naqueles países que têm sofrido ditaduras militares,<br />
motivo pelo qual os esforços em promover o respeito aos direitos<br />
humanos e a responsabilida<strong>de</strong> do governo nas novas <strong>de</strong>mocracias se<br />
enfrentaram com uma carga adicional.<br />
Sem dúvida, a reforma policial é apenas um elemento das políticas<br />
para diminuir a criminalida<strong>de</strong>. No entanto, durante a primeira meta<strong>de</strong> dos<br />
anos 90, essa foi vista como a principal saída para enfrentar essa problemática.
Assim, se tem limitado o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma perspectiva<br />
sistêmica e integrada que inclua, pelo menos, programas e iniciativas<br />
<strong>de</strong>dicadas a: (1) prevenção do crime (educação, proteção infantil e bemestar<br />
familiar, lazer, emprego, policiamento <strong>de</strong> rotina e sensibilização da<br />
comunida<strong>de</strong>, entre outros); (2) repressão do crime e investigação (polícia<br />
com ou sem farda, peritos criminalistas, inteligência criminal); (3) julgamento<br />
(promotores públicos, varas 2 - incluindo juízes e postos administrativos -,<br />
advogados <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa); (4) sistema penitenciário e pós-penitenciário<br />
(emprego, assistência pessoal e familiar, tratamento anti-drogas).<br />
Sem dúvida, a reforma policial é um elemento central do processo,<br />
mas não po<strong>de</strong>, por si só, prevenir e controlar a violência e a criminalida<strong>de</strong><br />
em um certo país. Assim, por exemplo, uma maior presença policial e<br />
repressão do crime têm como conseqüência um maior número <strong>de</strong> presos,<br />
que nem sempre são culpados. Este processo tem efeitos negativos, como<br />
o colapso do sistema judiciário e do sistema penitenciário, bem como um<br />
processo <strong>de</strong> “esquecimento” da importância da reabilitação. Em troca, o<br />
sistema judiciário colapsado se torna mais vulnerável à ineficiência, à<br />
injustiça, à corrupção e ao abuso. E as prisões, superlotadas e com infraestrutura<br />
precária, se tornam violentos e perigosos <strong>de</strong>pósitos humanos,<br />
conhecidos também como escolas do crime.<br />
4. O PAPEL DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL<br />
Lucía Dammert<br />
A crise policial na América Latina encontrou um espaço limitado<br />
<strong>de</strong> referências internacionais bem sucedidas que po<strong>de</strong>riam servir como<br />
referência ou mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ação. Certamente, aquelas iniciativas <strong>de</strong><br />
reforma implementada em países europeus e inclusive nos Estados<br />
Unidos partem <strong>de</strong> supostos financeiros extremamente diferentes aos<br />
encontrados na região. Além disso, a cultura policial é diferente e, sem<br />
dúvida, os problemas apresentados em cada um <strong>de</strong>sses contextos é,<br />
inclusive, variada.<br />
Apesar da diversida<strong>de</strong> institucional e contextual comentada<br />
previamente, se tem gerado um processo bastante expandido <strong>de</strong><br />
importação <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>los” consi<strong>de</strong>rados bem sucedidos <strong>de</strong> gestão,<br />
administração e operação policial. A principal iniciativa importada é a<br />
experiência do Prefeito Giuliani na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova York.<br />
151
152<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
O apoio <strong>de</strong> instituições não governamentais, como o Manhatan<br />
Institute, tem sido <strong>de</strong>cisivo para dar a conhecer uma experiência <strong>de</strong><br />
intervenção que tem supostos teóricos claros e implicações políticas. Desta<br />
forma, a “tolerância zero” ou “janelas quebradas” 3 , como indistintamente<br />
se conhece na América Latina as medidas adotadas na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova<br />
York, são a principal mostra da importação <strong>de</strong> políticas. A contratação <strong>de</strong><br />
Giuliani na Cida<strong>de</strong> do México por mais <strong>de</strong> quatro milhões <strong>de</strong> dólares,<br />
com vistas a que fizesse um diagnóstico da situação e uma listagem <strong>de</strong><br />
146 recomendações, é um exemplo do tipo <strong>de</strong> ações que se tem<br />
<strong>de</strong>senvolvido na região para gerar iniciativas <strong>de</strong> impacto público,<br />
comunicacional e institucional. Por sua parte, o chefe policial Bratton, <strong>de</strong><br />
Nova York, tem sido também assessor <strong>de</strong> governo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s como<br />
Lima, Caras e Guayquil.<br />
O elemento comum aos diagnósticos na América Latina é a<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> problemáticas que têm mais a ver com a cultura nacional<br />
do que com a especificida<strong>de</strong> policial. Assim, por exemplo, a alta presença<br />
<strong>de</strong> comércio ambulante nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Lima e México foi percebida como<br />
um problema central que <strong>de</strong>veria ser enfrentado com a força pública.<br />
Indicação que só mostra o <strong>de</strong>sconhecimento da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas cida<strong>de</strong>s<br />
on<strong>de</strong> importantes porcentagens <strong>de</strong> população carecem <strong>de</strong> trabalho formal<br />
e, portanto, a informalida<strong>de</strong> é seu único meio <strong>de</strong> sobrevivência.<br />
Adicionalmente é importante mencionar que essas iniciativas têm<br />
chegado da mão <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização tecnológica on<strong>de</strong> o<br />
COMPSAT (Pacote Estatístico ou <strong>de</strong> Análise Estatística) é a palavra mágica<br />
para o fazer policial. Nesse ponto, é importante ressaltar que esse sistema<br />
<strong>de</strong> informação estatística, <strong>de</strong>senvolvido em Nova York, permite conhecer<br />
o fenômeno criminal com maiores <strong>de</strong>talhes, mas também permite avançar<br />
em processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização das tarefas e procedimentos policiais.<br />
Consolidando uma institucionalização menos hierárquica e com<br />
importantes componentes <strong>de</strong> discricionarida<strong>de</strong> na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões<br />
operacionais por parte do agente policial responsável.<br />
É claro que, no processo <strong>de</strong> importação, a iniciativa não se adota<br />
<strong>de</strong> forma completa, mas, ao contrário, tem <strong>de</strong>sembarcado em terras<br />
latino-americanas como um sistema altamente tecnologizado para o manejo<br />
<strong>de</strong> informação criminosa. Portanto, realizam-se investimentos significativos<br />
para equipar melhor a capacida<strong>de</strong> policial em termos <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> coleta
e análise <strong>de</strong> informação, bem como <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> informação geográfica,<br />
entre outros. Tudo aquilo vinculado com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma instituição<br />
menos hierárquica, com espaços <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates e distribuição <strong>de</strong> tarefas e<br />
responsabilida<strong>de</strong>s entre os agentes, ficou no caminho.<br />
A polícia comunitária é outra iniciativa <strong>de</strong>ntre os múltiplos<br />
<strong>de</strong>senvolvimentos na região com um viés internacional <strong>de</strong> “boa prática”,<br />
auspiciada principalmente pelo Banco Internacional <strong>de</strong> Desenvolvimento.<br />
Embora a idéia <strong>de</strong> gerar instituições policiais com uma maior e melhor<br />
relação com a comunida<strong>de</strong> seja um excelente ponto <strong>de</strong> partida para as<br />
mudanças necessárias no interior das instituições policiais, o conceito <strong>de</strong><br />
“polícia comunitária” tem sido utilizado para <strong>de</strong>nominar experiências diversas<br />
e inclusive distantes do objetivo mesmo do “community policing”,<br />
<strong>de</strong>senvolvido nos Estados Unidos ou a “polícia <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>”, francesa.<br />
De fato, na maioria dos casos latino-americanos, encontra-se um pequeno<br />
grupo no interior da instituição policial <strong>de</strong>dicado à “comunida<strong>de</strong>” e o<br />
restante do pessoal mantém as mesmas práticas tradicionais. Em muitos<br />
casos, esse “plano piloto” não é assumido como uma verda<strong>de</strong>ira mudança<br />
<strong>de</strong> paradigma, mas como uma forma <strong>de</strong> cumprir com a nova ótica<br />
institucional.<br />
Os exemplos utilizados previamente mostram que o processo <strong>de</strong><br />
importação <strong>de</strong> políticas se enfrenta com um sério problema <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong>,<br />
mas sobretudo com um déficit <strong>de</strong> conhecimento relativo às iniciativas a<br />
serem <strong>de</strong>senvolvidas. Nesse sentido, o que seja consi<strong>de</strong>rado exitoso não é<br />
colocado em dúvida antes <strong>de</strong> sua aplicação, o que traz sérias conseqüências.<br />
5. O QUE SE ENTENDE POR REFORMA POLICIAL?<br />
Lucía Dammert<br />
A experiência européia e norte-americana mostra significativas<br />
mudanças em aspectos da função e doutrina policial. Em geral, essas<br />
reformas se realizam em dois vértices: a capacida<strong>de</strong> operacional (eficiência<br />
e eficácia da polícia) e a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática (as respostas da<br />
polícia diante do controle político e ao respeito aos direitos civis e<br />
humanos). Desta forma, busca-se aumentar os mecanismos <strong>de</strong><br />
fiscalização e controle das instituições policiais, não só em termos <strong>de</strong><br />
atuação no âmbito da lei, mas também pela eficácia e eficiência das<br />
iniciativas <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
153
154<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
Essas mudanças foram revisadas na América Latina, on<strong>de</strong> o<br />
incremento da sensação <strong>de</strong> insegurança, a corrupção e a ineficácia da ação<br />
policial mostraram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças profundas na sua doutrina<br />
e gestão. Dessa forma, po<strong>de</strong>-se evi<strong>de</strong>nciar quatro processos ocorridos<br />
nas últimas décadas: a criação <strong>de</strong> novas instituições policiais naqueles países<br />
que sofreram guerras civis (como El Salvador); as reformas parciais<br />
ocorridas na Argentina e na Colômbia; as iniciativas inovadoras<br />
<strong>de</strong>senvolvidas por diversas instituições na região.<br />
Novas polícias<br />
Até meados dos anos 90, a polícia centro-americana era um elemento<br />
central na manutenção da or<strong>de</strong>m interna e no apoio das Forças Armadas.<br />
Dessa forma, sua subordinação doutrinal e <strong>de</strong> gestão era evi<strong>de</strong>nte. Assim,<br />
por exemplo, em Honduras, a Força <strong>de</strong> Segurança Pública estava sob o<br />
comando das forças armadas; enquanto que, em El Salvador, em 1992<br />
(data em que se assinaram os acordos <strong>de</strong> paz) as três instituições policiais<br />
<strong>de</strong>pendiam do Ministério da Defesa.<br />
Dessa maneira, os efetivos policiais estavam treinados quase<br />
exclusivamente para confrontar a insurgência armada e para cooperar com<br />
militares na manutenção da or<strong>de</strong>m interna. Situação que ia contra a<br />
formação e capacitação em funções próprias da polícia, como a prevenção<br />
e o controle da criminalida<strong>de</strong>.<br />
Adicionalmente, a participação <strong>de</strong> polícias em confronto com a<br />
população e a extrema utilização da força geraram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finir novas institucionalida<strong>de</strong>s com legitimida<strong>de</strong> e certo<br />
reconhecimento cidadão. Dessa forma, criaram-se instituições policiais<br />
praticamente novas na região.<br />
Em El Salvador, a criação <strong>de</strong> uma nova polícia foi um dos acordos<br />
centrais do Tratado <strong>de</strong> Paz <strong>de</strong> 1992, que <strong>de</strong>u fim a uma longa e dramática<br />
guerra civil. Dessa forma, tratou-se <strong>de</strong> limitar a participação das forças<br />
<strong>de</strong> polícia como elementos que servem para fins políticos, já que no<br />
velho regime as forças <strong>de</strong> segurança representavam os interesses das<br />
camadas sociais altas; um exemplo <strong>de</strong>les é o fato das forças <strong>de</strong> segurança<br />
nacional serem usadas para manter a or<strong>de</strong>m nas plantações <strong>de</strong> café nas<br />
épocas <strong>de</strong> colheita.
Essa nova polícia nacional se aliou a veteranos da guerrilha e das<br />
Forças Armadas, assim como com novos recrutas. Lamentavelmente, o<br />
processo foi bem sucedido no início, mas posteriormente fracassou, o<br />
que foi evi<strong>de</strong>nciado pela diminuição do alto grau <strong>de</strong> aprovação social que<br />
tinha a mencionada instituição.<br />
Paradoxalmente, na atualida<strong>de</strong>, percebe-se um regresso paulatino<br />
dos militares a funções <strong>de</strong> manutenção da or<strong>de</strong>m pública. Situação que<br />
encontra justificativa na sensação <strong>de</strong> insegurança da população e na aparente<br />
limitada efetivida<strong>de</strong> da nova instituição policial.<br />
Reformas parciais<br />
Diferente dos processos apresentados previamente, a maioria das<br />
iniciativas vinculadas às instituições policiais na América Latina relacionase<br />
com esforços parciais <strong>de</strong> mudança, tanto na doutrina quanto na gestão<br />
policial. Em linhas gerais, a causa principal <strong>de</strong>stas reformas foi a<br />
preocupação da socieda<strong>de</strong> com o forte incremento do crime e da violência,<br />
junto com a percepção geral da força policial como uma instituição corrupta<br />
e ineficaz. As reformas giraram, sobretudo, em torno <strong>de</strong> esforços graduais<br />
para reorganizar a polícia, purgar os oficiais corruptos e melhorar o<br />
recrutamento e formação, bem como melhorar a vigilância e a participação<br />
da socieda<strong>de</strong> civil.<br />
Vale <strong>de</strong>stacar que, na maioria dos casos, os mencionados processos<br />
se enquadraram em contendas políticas e não incluíram o apoio<br />
institucional. Portanto, contaram com uma ampla resistência institucional<br />
e, inclusive, com uma constante rejeição por parte da socieda<strong>de</strong> 4 .<br />
Diversos são os casos on<strong>de</strong> se implementaram essas reformas.<br />
Seguidamente, apresenta-se brevemente a experiência da Argentina, da<br />
Colômbia e do Peru, que mostram elementos comuns a outras experiências<br />
da região.<br />
Argentina<br />
Lucía Dammert<br />
Em meados da década <strong>de</strong> 90, a Argentina assistiu a um aumento da<br />
preocupação pública sobre a <strong>de</strong>nominada crise <strong>de</strong> segurança, que teve<br />
como elemento central a baixa eficácia e a alta corrupção das instituições<br />
155
156<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
policiais. Nesse contexto, diversas províncias do país enfrentaram<br />
iniciativas <strong>de</strong> reforma da instituição policial (Santa Fe, Buenos Aires,<br />
Córdoba, Mendoza são apenas alguns exemplos). Sem dúvida, a<br />
experiência da Província <strong>de</strong> Buenos Aires, que representa mais <strong>de</strong> um<br />
terço da população nacional e conta com uma das polícias do país pior<br />
avaliadas, é um exemplo paradigmático dos objetivos, resultados e<br />
problemáticas <strong>de</strong>stas iniciativas.<br />
A <strong>Polícia</strong> da Província <strong>de</strong> Buenos Aires é reconhecida historicamente<br />
pelos altos níveis <strong>de</strong> violência rotineira e pela sistemática violação dos<br />
direitos humanos, conduzida por certos “grupos operacionais” no interior<br />
<strong>de</strong> sua estrutura (Saín, 2002). No entanto, no final <strong>de</strong> 1996, os graves<br />
fatos <strong>de</strong> violência policial, incluindo a <strong>de</strong>tenção e a <strong>de</strong>núncia judicial <strong>de</strong><br />
oficiais envolvidos no ataque terrorista contra a se<strong>de</strong> da Associação Mutual<br />
Israelense Argentina (AMIA), geraram mudanças na chefia policial.<br />
Assim foi aprovada a Lei <strong>de</strong> Emergência Policial (Lei 11.880), que<br />
modificou a estrutura da <strong>Polícia</strong> e impôs que todos os integrantes da força<br />
fossem postos a prova no prazo <strong>de</strong> um ano, durante o qual se analisaria<br />
sua conduta e, no caso <strong>de</strong> serem comprovadas irregularida<strong>de</strong>s, seriam<br />
separados da instituição através <strong>de</strong> um afastamento <strong>de</strong>sonroso. De igual<br />
modo, foi modificada a lei <strong>de</strong> procedimento criminal, com o objetivo <strong>de</strong><br />
melhorar o controle das ativida<strong>de</strong>s da polícia e modificar sua relação com<br />
o po<strong>de</strong>r judiciário.<br />
Esse início <strong>de</strong> reforma sofreu diversos contratempos, marcados<br />
especialmente pela constante negativa dos oficiais em aceitar as mudanças<br />
propostas. Situação que se manteve no ano 1997, quando se aprovou o<br />
“Plano <strong>de</strong> Reorganização Geral do Sistema Integral <strong>de</strong> Segurança e<br />
Investigação dos Crimes da Província <strong>de</strong> Buenos Aires”. A primeira medida<br />
do Plano foi a intervenção da <strong>Polícia</strong> a efeitos <strong>de</strong> sua reorganização,<br />
estabelecendo um prazo <strong>de</strong> 90 dias para essa ação.<br />
O interventor <strong>de</strong>stituiu toda a equipe supervisora da força policial,<br />
<strong>de</strong>smantelou as linhas <strong>de</strong> mando e or<strong>de</strong>nou o afastamento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 300<br />
comisarios generales e mayores 5 . De igual forma, foi sancionada a Lei 12.090<br />
que criou o Ministério <strong>de</strong> Justiça e Segurança, com funções na gestão das<br />
áreas <strong>de</strong> segurança, investigações policiais, justiça, sistema penitenciário e<br />
relações com a comunida<strong>de</strong>.
Este processo <strong>de</strong> reforma tem passado por diversas etapas <strong>de</strong><br />
avanço e retrocesso, marcadas principalmente pelo interesse e utilização<br />
política da temática. Nesse sentido, as mudanças não po<strong>de</strong>m ser analisadas<br />
na sua integrida<strong>de</strong>, já que as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> corrupção e <strong>de</strong> utilização<br />
excessiva da força são ainda cotidianas.<br />
Colômbia<br />
O processo <strong>de</strong> reforma da <strong>Polícia</strong> Nacional da Colômbia foi gerado<br />
no interior da instituição a partir <strong>de</strong> meados dos anos 90, a partir da<br />
percepção geral <strong>de</strong> uma instituição penetrada pela corrupção e o tráfico<br />
<strong>de</strong> drogas. Sem dúvidas, a li<strong>de</strong>rança do chefe da polícia José Serrano,<br />
nomeado no ano 1994, oferece um elemento central <strong>de</strong>sse processo.<br />
Essa se iniciou com uma limpeza <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 7 mil funcionários policiais <strong>de</strong><br />
todas as hierarquias, bem como com a mudança da estrutura e da cultura<br />
institucional. Nesse sentido, foi <strong>de</strong>senvolvida uma perspectiva gerencial<br />
baseada no planejamento estratégico, que permitia espaços <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
e certa autonomia dos chefes regionais, os quais teoricamente po<strong>de</strong>riam<br />
<strong>de</strong>senhar e implementar iniciativas focalizadas <strong>de</strong> controle e prevenção.<br />
As reformas realizadas por Serrano tiveram um impacto positivo<br />
sobre a percepção da população, que reconhece o esforço realizado por<br />
aumentar a efetivida<strong>de</strong> e o profissionalismo da instituição policial.<br />
Esse processo ressaltou a capacida<strong>de</strong> da polícia para superar<br />
problemas <strong>de</strong> corrupção e <strong>de</strong>mostrou sua efetivida<strong>de</strong> na prisão <strong>de</strong><br />
traficantes importantes. No entanto, os resultados têm sido muito mais<br />
parciais quanto à melhora da organização interna e dos procedimentos,<br />
fato que tem terminado com novos escândalos <strong>de</strong> corrupção, que<br />
reapareceram publicamente no início do ano 2003.<br />
Peru<br />
Lucía Dammert<br />
O caso peruano mostra também a importância da li<strong>de</strong>rança civil no<br />
processo <strong>de</strong> reforma da polícia, bem como os vaivéns políticos a que esta<br />
é submetida. Neste caso, a preocupação central da instituição policial<br />
durante os anos 80 e início dos 90 foi o combate ao terrorismo e ao<br />
tráfico <strong>de</strong> drogas. Esta situação gerou um paulatino abandono das<br />
estratégias policiais vinculadas à segurança interna, um aumento da violação<br />
dos direitos humanos e uma crescente corrupção e ineficiência.<br />
157
158<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
Nesse processo, ficou evi<strong>de</strong>nte a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reforma da<br />
estrutura e <strong>de</strong> uma doutrina policial que incluíssem a recuperação das<br />
tarefas próprias <strong>de</strong> uma polícia preventiva, bem como a regulação dos<br />
serviços locais (serenazgos) e privados <strong>de</strong> segurança. Neste contexto, o<br />
Ministro Rospigliosi e, posteriormente, Costa, tomaram as propostas das<br />
“Bases para a Reforma Policial” preparadas pelo governo <strong>de</strong> Valentin<br />
Paniagua em 2002. Paralelamente, o Congresso da República tinha avançado<br />
na mesma direção e contava com um projeto <strong>de</strong> lei sobre o tema, situação<br />
que permitiu alcançar um consenso cidadão e político.<br />
Assim, em janeiro <strong>de</strong> 2003, foi aprovada a Lei do Sistema Nacional<br />
<strong>de</strong> Segurança Cidadã, junto com outras normas enviadas pelo Executivo,<br />
<strong>de</strong>ntre as quais encontra-se a criação do sistema <strong>de</strong> segurança cidadã.<br />
Esse processo envolveu uma mudança na relação entre a polícia<br />
e a cidadania, buscando envolvê-las na prevenção e no controle da<br />
criminalida<strong>de</strong> em nível local. Para isso, foi outorgado especial interesse<br />
à infra-estrutura das comisarías, bem como ao atendimento outorgado<br />
aos <strong>de</strong>nunciantes. Igualmente, envolveu uma mudança na estrutura da<br />
instituição. Tanto a criação das divisões <strong>de</strong> segurança cidadã em cada<br />
região, quanto a melhora na organização das comisarías e a simplifição<br />
<strong>de</strong> seus processos administrativos, são aspectos importantes no<br />
esforço por fazer mais eficiente a ativida<strong>de</strong> policial e reduzir os índices<br />
da insegurança e do crime.<br />
Apesar das boas intenções, ambos os ministros estiveram em seus<br />
postos por um período <strong>de</strong> no máximo dois anos (não consecutivos), o<br />
que significou importantes avanços e retrocessos na estratégia em questão.<br />
<strong>Polícia</strong> Comunitária<br />
A relação com a comunida<strong>de</strong> tem se convertido em um dos<br />
elementos centrais <strong>de</strong> qualquer estratégia <strong>de</strong> prevenção e controle do<br />
crime. É assim como a maioria das instituições policiais da região tem<br />
adotado um discurso que enfatiza a importância da colaboração com a<br />
comunida<strong>de</strong>. O leque <strong>de</strong> ações consi<strong>de</strong>radas comunitárias é amplo e<br />
abrange iniciativas como: grupos <strong>de</strong> vizinhos para vigilância, assistência<br />
com contas públicas, geração <strong>de</strong> financiamento para as polícias locais e<br />
participação em projetos <strong>de</strong> prevenção.
Lamentavelmente, estas iniciativas têm ficado, em muitas ocasiões,<br />
no nível do discurso político e institucional e não têm se refletido em<br />
mudanças no interior das polícias que permitam uma efetiva inter-relação<br />
com a cidadania. As iniciativas <strong>de</strong> polícia comunitária <strong>de</strong>senvolvidas na<br />
América Latina são recentes e têm sido pouco estudadas. O especialista<br />
em temas policiais Hugo Frühling tem realizado uma das primeiras<br />
sistematizações <strong>de</strong> diversos casos na região e estabeleceu alguns<br />
elementos que precisam ser enfatizados.<br />
Em primeiro lugar, estas iniciativas geram certa diminuição <strong>de</strong><br />
alguns crimes, bem como do sentimento <strong>de</strong> insegurança da população<br />
que observa uma maior presença policial nas ruas. Adicionalmente,<br />
evi<strong>de</strong>ncia-se uma melhor imagem cidadã a respeito da instituição e<br />
principalmente dos oficiais responsáveis pelo policiamento das<br />
vizinhanças. Finalmente, os esquemas <strong>de</strong> polícia comunitária envolvem<br />
uma diminuição das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abuso policial ou do uso<br />
<strong>de</strong>snecessário da força graças ao conhecimento que tem a população<br />
dos oficiais responsáveis pelo policiamento.<br />
Por outro lado, estes esquemas não constituem um método eficaz<br />
para controlar o crime (Rico e Chinchilla, 2003, p.102), mas sim para<br />
enfrentar algumas situações concretas em nível local. Igualmente, fica<br />
evi<strong>de</strong>nte que as propostas são <strong>de</strong> difícil adaptação nas estruturas policiais<br />
<strong>de</strong>vido à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralizar a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões e diminuir<br />
a forma militarizada <strong>de</strong> sua ação. Estas duas últimas características são<br />
as principais das polícias latino-americanas. Outra das limitações se<br />
relaciona com sua avaliação <strong>de</strong>vido à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir quais são os<br />
indicadores <strong>de</strong> eficiência e, sobretudo, o prazo em que estes po<strong>de</strong>m<br />
ser avaliados. Neste sentido, a participação limitada <strong>de</strong> certos integrantes<br />
da instituição em estratégias comunitárias parece erodir as bases mesmas<br />
<strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo alternativo do funcionamento policial na região.<br />
Outras Inovações<br />
Lucía Dammert<br />
Além dos processos <strong>de</strong> mudança analisados previamente, na região<br />
existem outros esquemas <strong>de</strong> mudança menos difundidos, mas, com<br />
certeza, também interessantes. Em seguida, apresentam-se dois casos<br />
que consi<strong>de</strong>ramos emblemáticos, não só pelos temas que colocam, mas<br />
também porque representam uma tendência generalizada na região.<br />
159
160<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
Em primeiro lugar, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma estreita colaboração entre<br />
a polícia e o setor privado é um tema ainda em <strong>de</strong>bate, que preten<strong>de</strong> superar<br />
a já tradicional colaboração financeira para a compra ou manutenção <strong>de</strong><br />
infra-estrutura básica da polícia em um certo setor e <strong>de</strong>senvolver novas<br />
ferramentas <strong>de</strong> cooperação.<br />
Um exemplo <strong>de</strong>stas iniciativas é aquela apresentada pelo Instituto<br />
contra a Violência <strong>de</strong> São Paulo, que <strong>de</strong>screve uma recente parceria entre o<br />
setor público e privado para melhorar a manutenção da or<strong>de</strong>m e contribuir<br />
com a prevenção do crime, em uma área metropolitana que sofre severos<br />
níveis <strong>de</strong> violência criminal. A partir <strong>de</strong> um esforço conjunto <strong>de</strong> associações<br />
<strong>de</strong> empresários, instituições acadêmicas e empresas <strong>de</strong> comunicação, foi<br />
estabelecida uma resposta criativa da socieda<strong>de</strong> civil para melhorar a<br />
eficiência policial, assim como sua eficácia (ver Mesquita Neto, no prelo).<br />
Dessa forma, os interesses privados, em parceria com centros <strong>de</strong> pesquisa<br />
na temática e com as polícias, po<strong>de</strong>m gerar mecanismos <strong>de</strong> investimento<br />
em programas comunitários, <strong>de</strong> participação da cidadania, <strong>de</strong> melhora da<br />
eficácia e transparência das ações policiais, entre outras ativida<strong>de</strong>s.<br />
Ao mesmo tempo, é possível observar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
processos não tão alentadores, tais como aqueles que <strong>de</strong>vido ao incremento<br />
do crime, junto com o processo <strong>de</strong> responsabilização da socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>m<br />
gerar mecanismos não <strong>de</strong>sejados <strong>de</strong> justiça pelas próprias mãos. Um caso,<br />
talvez extremo, se apresenta no Estado Guerrero no Sul do México on<strong>de</strong> a<br />
cidadania cooperou para dar resposta à percepção <strong>de</strong> ineficácia e, inclusive,<br />
<strong>de</strong> abuso das forças policiais estatais. Assim, as comunida<strong>de</strong>s indígenas<br />
criaram uma polícia local formada quase na sua maioria por voluntários, cuja<br />
legalida<strong>de</strong> é questionada por parte das autorida<strong>de</strong>s estatais. Nesse caso,<br />
não só se tornaram uma patrulha comunitária mas, <strong>de</strong> fato, passaram a<br />
substituir a instituição <strong>de</strong>dicada a cuidar da or<strong>de</strong>m pública. Sem dúvida,<br />
essas iniciativas chamadas <strong>de</strong> “polícia comunitária” po<strong>de</strong>m se converter no<br />
germe <strong>de</strong> um novo autoritarismo local que imponha justiça e castigos.<br />
6. CONCLUSÃO. AVANÇO OU RETROCESSO?<br />
Os processos <strong>de</strong> reforma têm enfrentado diversos problemas. Em<br />
primeiro lugar, a reação no interior da instituição, que percebe as novas
Lucía Dammert<br />
diretrizes como ameaçadoras. Em segundo lugar, a negação da opinião<br />
pública ou dos grupos políticos conservadores, que colocam em dúvida a<br />
eficácia <strong>de</strong>stes processos no combate à criminalida<strong>de</strong>. Em terceiro lugar,<br />
o apoio político tem sido errático. De certa forma, po<strong>de</strong>ria se afirmar<br />
que as reformas não têm sobrevivido à mudança <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança nas instituições<br />
ou no âmbito político. Portanto, todas essas iniciativas não têm perdurado<br />
no tempo e seu caminho <strong>de</strong> implementação mostra múltiplos avanços e<br />
retrocessos.<br />
Por outro lado, não é inteiramente evi<strong>de</strong>nte que essas mudanças<br />
afetem as taxas <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong>nunciados ou a sensação <strong>de</strong> insegurança da<br />
população. Situação essa que imprime um maior nível <strong>de</strong> tensão política,<br />
ao não mostrar resultados imediatos.<br />
Apesar dos problemas mencionados, diversos são os avanços<br />
alcançados nesta temática. Talvez o mais importante seja o reconhecimento<br />
geral da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança nas instituições policiais, a diminuição<br />
do uso ilegal da força, sua <strong>de</strong>smilitarização e paralela profissionalização.<br />
Da mesma forma, o reconhecimento, por parte das mesmas polícias, da<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer mecanismos <strong>de</strong> colaboração com a cidadania<br />
que permitam diminuir a <strong>de</strong>sconfiança e aumentar a legitimida<strong>de</strong> da<br />
ativida<strong>de</strong> policial.<br />
Em resumo, por enquanto, os resultados mostram a complexida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se reformar as instituições policiais na região. Mas também abrem um<br />
caminho para a consolidação <strong>de</strong> uma visão mo<strong>de</strong>rna, eficiente, transparente<br />
e responsável do funcionamento policial na América Latina. Neste quadro,<br />
colocam-se <strong>de</strong>safios que não só envolvem o tipo <strong>de</strong> polícia que temos,<br />
mas especialmente a qualida<strong>de</strong> mesma <strong>de</strong> nossas <strong>de</strong>mocracias.<br />
Referências Bibliográficas<br />
Bayley, David H. 1990. Patterns of Policing: A Comparative International Analysis (New Brunswick:<br />
Rutgers University Press).<br />
——. 2001. Democratizing the Police Abroad: What to Do and How to Do It (Washington, D.C.:<br />
U.S. Department of Justice, National Institute of Justice, Publicado em , http://www.ojp.usdoj.gov/nij).<br />
Cruz, José Miguel (no prelo) “Violencia, Inseguridad Ciudadana y las Maniobras <strong>de</strong> las Elites: La<br />
Dinámica <strong>de</strong> la Reforma Policial en El Salvador” Em Bailey, John e Dammert, Lucía (org.).<br />
Public Security and Police Reform in the Americas. University of Pittsburgh Press.<br />
161
162<br />
Dilemas da Reforma Policial na América Latina<br />
Mesquita Neto (no prelo) “Asociaciones Públicas-Privadas para la Reforma Policial en Brasil:<br />
Instituto <strong>de</strong> São Paulo Contra la Violencia”. Em Bailey, John e Dammert, Lucía (org). Public<br />
Security and Police Reform in the Américas. University of Pittsburgh Press.<br />
Rowland, Allison (no prelo) “Respuestas Locales a la Inseguridad en México: la Policía Comunitaria<br />
<strong>de</strong> la Costa Chica y la Montaña <strong>de</strong> Guerrero”. Em Bailey, John e Dammert, Lucía (org). Public<br />
Security and Police Reform in the Américas. University of Pittsburgh Press.<br />
Rico, Jose María e Chinchilla, Laura (2003) Seguridad ciudadana en América Latina. SXXI,<br />
México.<br />
Frühling, Hugo (2003), Policía Comunitaria y Reforma Policial en América Latina. ¿Cuál es<br />
el impacto?. Série Documentos do Centro <strong>de</strong> Estudios en Seguridad Ciudadana, Instituto <strong>de</strong><br />
Asuntos Públicos <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong> Chile.<br />
Frühling, Hugo (2001), La Reforma Policial y el Proceso <strong>de</strong> Democratización en América<br />
Latina. CED, Santiago.<br />
Llorente, M.V (no prelo) “¿Demilitarización en Tiempos <strong>de</strong> Guerra? La Reforma Policial en<br />
Colombia”. Em Bailey, John e Dammert, Lucía (edit). Public Security and Police Reform in the<br />
Américas. University of Pittsburgh Press.<br />
Costa, Gino (2004) “Nuevo enfoque <strong>de</strong> seguridad ciudadana post Fujimori: Desafíos, realizaciones<br />
y tareas pendientes” Em: Dammert, Lucía (Edit). Seguridad Ciudadana: Experiencias y <strong>de</strong>safíos.<br />
Programa URBAL, Valparaíso.<br />
Notas<br />
1 Córdoba é uma província (estado) da Argentina. (N.T.)<br />
2 Juzgados, no original (N.T.)<br />
3 No Brasil é conhecido por “teoria das janelas quebradas”, segundo a qual uma janela quebrada<br />
observável em uma rua po<strong>de</strong> influir para uma possível representação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m em uma<br />
região (NT).<br />
4 Bayley (2001, p. 25) enfatiza que “se a incidência do crime e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m se percebe como<br />
inaceitável ou crescente, a reforma policial será inibida”. A reforma nestes casos po<strong>de</strong> ser vista<br />
como uma distração da aplicação efetiva da lei.<br />
5 Ambas as categorias correspon<strong>de</strong>m as duas hierarquias mais altas da carreira policial. (N.T.)
Comunicação<br />
“A POLÍCIA QUE QUEREMOS”: CONSIDERAÇÕES<br />
SOBRE O PROCESSO DE REFORMA DA POLÍCIA<br />
MILITAR DO RIO DE JANEIRO 1 .<br />
Haydée Caruso *, Luciane Patrício ** e Elizabete R. Albernaz ***<br />
APRESENTAÇÃO<br />
A <strong>de</strong>rrocada dos regimes autoritários na América Latina, instaurados<br />
em um contexto <strong>de</strong> polarização continental suscitado pela Guerra Fria,<br />
<strong>de</strong>u início a uma longa e complicada jornada <strong>de</strong> transição <strong>de</strong>mocrática. As<br />
organizações policiais, enquanto instrumentos historicamente privilegiados<br />
<strong>de</strong> enraizamento do princípio da autorida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> consolidação dos<br />
chamados estados mo<strong>de</strong>rnos (MUNIZ, 2002), receberam especial atenção<br />
nos diversos processos <strong>de</strong> institucionalização <strong>de</strong>ssa nova or<strong>de</strong>m política.<br />
Voltadas para a proteção dos interesses do Estado, operando lógicas<br />
altamente militaristas, <strong>de</strong> ênfase repressiva e autoritária, essas agências<br />
policiais vêem-se então progressivamente expostas a <strong>de</strong>mandas e problemas<br />
oriundos <strong>de</strong> uma nova e complexa configuração social. Devido ao seu papel<br />
central na ação política, as polícias são organismos públicos altamente<br />
sensíveis a estes tipos <strong>de</strong> dinâmicas <strong>de</strong> mudanças histórico-sociais e rearranjos<br />
estatais (MUNIZ, 2002). O contato diário <strong>de</strong>stas agências com os anseios<br />
e expectativas da população ten<strong>de</strong> a acentuar o processo, evi<strong>de</strong>nciando os<br />
contrastes entre o aparato <strong>de</strong> controle social totalitário e a busca pela<br />
universalização dos direitos individuais e coletivos (MUNIZ, 2001).<br />
Longe <strong>de</strong> estarem consolidados, porém em diferentes estágios <strong>de</strong><br />
maturação, os diversos processos <strong>de</strong> transição <strong>de</strong>mocrática das polícias<br />
latino-americanas são fortemente marcados por algumas características<br />
comuns. Partindo <strong>de</strong> um nível seguro <strong>de</strong> generalização, as <strong>de</strong>mandas em<br />
torno da profissionalização dos agentes, da redução dos níveis <strong>de</strong> violência<br />
na ação policial, <strong>de</strong> uma maior participação da comunida<strong>de</strong>, do incremento<br />
* Antropóloga, Coor<strong>de</strong>nadora da <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Policiais</strong> e Socieda<strong>de</strong> <strong>Civil</strong> da América Latina, Doutoranda<br />
do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Antropologia – PPGA/UFF.<br />
** Antropóloga, Pesquisadora e Consultora em Segurança Pública, Doutoranda em Antropologia<br />
pela UFF, especialista em Políticas Públicas <strong>de</strong> Justiça Criminal e Segurança Pública pela UFF,<br />
Professora <strong>de</strong> Sociologia, Sociologia Jurídica e Criminologia da Universida<strong>de</strong> Candido Men<strong>de</strong>s -<br />
UCAM.<br />
*** Antropóloga, Mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Antropologia Social – PPGAS/<br />
UFRJ, Pesquisadora e Consultora em segurança pública.<br />
BRASIL<br />
163
164<br />
“A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
da eficiência em lidar com as dinâmicas criminais e a busca <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />
flexíveis e <strong>de</strong>scentralizados <strong>de</strong> gestão po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificadas como as<br />
gran<strong>de</strong>s linhas <strong>de</strong> transformação regional (FRUHLING, 2003).<br />
No Brasil, a abertura política e a promulgação da Constituição <strong>de</strong><br />
1988 inauguram uma mudança <strong>de</strong> paradigmas no que se refere ao<br />
provimento público <strong>de</strong> segurança. Historicamente vinculadas aos<br />
segmentos militares, atuando como forças auxiliares ao exército, as polícias<br />
brasileiras tiveram um papel central no suporte a ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inteligência,<br />
na repressão a distúrbios civis e na segurança <strong>de</strong> pontos estratégicos, sob<br />
a perspectiva da chamada “doutrina <strong>de</strong> segurança nacional”. Visando à<br />
manutenção da soberania do Estado brasileiro frente à “ameaça comunista”<br />
e à “subversão”, as agências policiais encontravam-se, em muitos sentidos,<br />
afastadas da população, com uma relação fortemente marcada pela violência<br />
e <strong>de</strong>sconfiança sistemática (MUNIZ, 2001).<br />
A carta constitucional <strong>de</strong> 1988, como marco do processo <strong>de</strong><br />
transição <strong>de</strong>mocrática brasileira, transportou o eixo <strong>de</strong> atuação das polícias<br />
da manutenção da chamada segurança interna, pautada em um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m pública harmônico, cujo foco era a supressão dos conflitos e a<br />
formação <strong>de</strong> consensos, para o provimento <strong>de</strong> segurança pública.<br />
Pressupondo um novo arranjo social, on<strong>de</strong> os conflitos e jogos <strong>de</strong> interesses<br />
constituem a dinâmica por excelência <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m social <strong>de</strong>mocrática,<br />
o foco na segurança pública implica o incremento <strong>de</strong> meios comedidos <strong>de</strong><br />
força para a negociação da socialida<strong>de</strong> nos espaços públicos, o reforço <strong>de</strong><br />
canais <strong>de</strong> participação comunitária enquanto instrumentos <strong>de</strong> planejamento,<br />
controle social e legitimida<strong>de</strong> das ações policiais. (Kant <strong>de</strong> Lima, 1995)<br />
Frente às pressões internas e externas para a reestruturação <strong>de</strong><br />
seus mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> atuação, diversas agências policiais por todo o país<br />
iniciaram processos <strong>de</strong> reformulação estrutural nas últimas décadas.<br />
Partindo <strong>de</strong> diferentes focos, como a qualificação dos agentes, estratégias<br />
<strong>de</strong> planejamento e avaliação do policiamento, valorização profissional e<br />
criação <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> interlocução comunitária, as polícias brasileiras vêm<br />
progressivamente buscando se ajustar às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong>mocráticas por<br />
ampliação da cidadania 2 . O ritmo da mudança é marcado por avanços e<br />
retrocessos. Os jogos e disputas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre segmentos internos às<br />
agências policiais, bem como os reveses da política nacional, ora constituem<br />
gran<strong>de</strong>s obstáculos, ora forças catalisadoras <strong>de</strong>ste processo.
Haydée Caruso , Luciane Patrício e Elizabete R. Albernaz<br />
Guardadas as <strong>de</strong>vidas especificida<strong>de</strong>s históricas <strong>de</strong> cada país, esta<br />
condição compartilhada <strong>de</strong> transição política, institucional e cultural<br />
caracteriza o contexto em que germinaram diversas iniciativas e<br />
modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reformas conduzidas na América Latina. As disputas em<br />
torno da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> significados envolvidos na experiência<br />
<strong>de</strong>mocrática, on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre elas, figura os sentidos <strong>de</strong> atuação das agências<br />
policiais, impulsionaram e continuam a impulsionar o acúmulo <strong>de</strong> reflexões<br />
teóricas sobre esta temática.<br />
Com o objetivo <strong>de</strong> somar em termos <strong>de</strong> elementos empíricos para<br />
as discussões sobre a reestruturação organizacional das polícias no Brasil<br />
e na América Latina, o relato que segue se propõe iluminar preliminarmente<br />
os obstáculos e lições vivenciadas na co-produção <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong><br />
reforma. A <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (PMERJ) e o Viva<br />
Rio, ONG carioca <strong>de</strong>dicada à pesquisa e intervenção na área <strong>de</strong> segurança<br />
pública, tornaram-se parceiros nesta iniciativa, cujos <strong>de</strong>sdobramentos ainda<br />
estão sendo explorados.<br />
Baseado na perspectiva <strong>de</strong> participação do Viva Rio no projeto<br />
“Desenvolvimento Institucional da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro” 3 ,<br />
o presente artigo propõe algumas linhas <strong>de</strong> atuação para os processos <strong>de</strong><br />
reforma <strong>de</strong> instituições policiais, partindo <strong>de</strong> três princípios estruturantes:<br />
1) a condução do processo precisa ser incorporada, enquanto<br />
responsabilida<strong>de</strong> e valor, pelos gestores e <strong>de</strong>mais membros da corporação<br />
policial, representando os anseios e expectativas dos segmentos internos;<br />
2) qualquer plano <strong>de</strong> reforma precisa encontrar pontos focais sobre os<br />
quais articulem-se diversas problemáticas diagnosticadas, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando<br />
<strong>de</strong>sdobramentos indiretos sobre todo o sistema policial; 3) a ampla<br />
participação da socieda<strong>de</strong> civil é crucial para dar legitimida<strong>de</strong> ao processo,<br />
influindo em sua condução e participando ativamente na <strong>de</strong>finição das<br />
propostas.<br />
Para uma melhor leitura <strong>de</strong>sta experiência, com o intuito <strong>de</strong><br />
apresentar as principais lições e obstáculos vivenciados, a primeira parte<br />
<strong>de</strong>ste artigo preten<strong>de</strong> situar o público em relação ao histórico e à<br />
metodologia empregada para a realização do diagnóstico institucional da<br />
PMERJ. Em seguida, partindo dos <strong>de</strong>sdobramentos do “Seminário A <strong>Polícia</strong><br />
que Queremos”, serão apresentadas as principais propostas <strong>de</strong> reforma<br />
para a corporação, on<strong>de</strong> se busca estabelecer alguns paralelos entre estes<br />
165
166<br />
“A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
resultados e as gran<strong>de</strong>s linhas da política nacional, previstas no Plano<br />
Nacional <strong>de</strong> Segurança Pública (PNSP, 2003).<br />
RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA: CONSTRUINDO O<br />
DIAGNÓSTICO INSTITUCIONAL DA PMERJ 4<br />
Em meados <strong>de</strong> 2004, o Conselho Diretor do Viva Rio 5 propôs que<br />
a equipe <strong>de</strong> pesquisadores da instituição elaborasse um estudo sobre a<br />
situação da segurança pública no estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam<br />
constar propostas que pu<strong>de</strong>ssem servir <strong>de</strong> subsídios para o <strong>de</strong>bate<br />
eleitoral ao Governo do Estado em 2006.<br />
O principal <strong>de</strong>safio estava em escolher por on<strong>de</strong> começar, tendo em<br />
vista a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar, em tão curto espaço <strong>de</strong> tempo, todas as<br />
instituições que compõem o sistema <strong>de</strong> segurança pública e justiça criminal.<br />
A <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (PMERJ) apareceu como<br />
a melhor opção para dar o primeiro passo; principalmente pelo fato <strong>de</strong><br />
ser a instituição <strong>de</strong> segurança pública <strong>de</strong> maior capilarida<strong>de</strong> no Estado,<br />
visualmente i<strong>de</strong>ntificada, porém pouco estudada e compreendida 6 . Outro<br />
fator relevante foi a própria experiência pregressa <strong>de</strong> cooperação entre o<br />
Viva Rio e a PM, através dos diversos trabalhos <strong>de</strong>senvolvidos em parceria<br />
ao longo dos últimos anos, facilitando o diálogo necessário para realização<br />
<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> empreendimento.<br />
Inicialmente, foram organizadas reuniões <strong>de</strong> trabalho 7 on<strong>de</strong> técnicos<br />
do Viva Rio, representantes <strong>de</strong> seu Conselho Diretor e policiais militares<br />
<strong>de</strong>batiam os problemas enfrentados pela PMERJ, sempre partindo <strong>de</strong> uma<br />
agenda <strong>de</strong> temas <strong>de</strong>finida pelos próprios policiais e equipe Viva Rio. Em<br />
paralelo, o Comando da Corporação também estava organizando um<br />
grupo <strong>de</strong> trabalho, que tinha por objetivo apresentar insumos para a<br />
constituição <strong>de</strong> um novo Plano Diretor, estruturado em propostas <strong>de</strong><br />
curto, médio e longo prazo.<br />
O <strong>de</strong>safio estava em unir esforços em prol <strong>de</strong> um grupo misto <strong>de</strong><br />
trabalho, visando assim otimizar tempo e recursos. Esta proposta foi<br />
levada ao comando da corporação e prontamente aceita 8 , fazendo com<br />
que as reuniões fossem unificadas e transferidas para o Quartel General<br />
da PMERJ.
Haydée Caruso , Luciane Patrício e Elizabete R. Albernaz<br />
Assim, o primeiro gran<strong>de</strong> obstáculo ao processo havia sido<br />
superado. Era preciso discutir a realida<strong>de</strong> da PMERJ com os seus próprios<br />
integrantes, no interior <strong>de</strong> sua instituição. Romper com os pré-conceitos<br />
<strong>de</strong> ambos os lados e construir um ambiente que propiciasse uma escuta<br />
ativa, capaz <strong>de</strong> permitir aos PMs falar abertamente <strong>de</strong> seus dilemas,<br />
resistências e <strong>de</strong>safios e, em contrapartida, admitir que a equipe do Viva<br />
Rio fizesse pon<strong>de</strong>rações sem medo <strong>de</strong> sofrer constrangimentos mostrouse<br />
crucial.<br />
Como documentos referenciais para o início do processo, optouse<br />
por recuperar o que a PM já havia produzido em prol <strong>de</strong> uma agenda<br />
<strong>de</strong> mudanças institucionais. A surpresa foi constatar que, ao longo <strong>de</strong> sua<br />
história, o único Plano Diretor encontrado datava <strong>de</strong> 1984. Foi produzido<br />
sob a orientação e comando do Coronel Carlos Magno Nazaré Cerqueira,<br />
conteúdo que, entretanto, nunca foi implementado.<br />
Impressionou a todos os envolvidos no processo, policiais ou civis,<br />
a qualida<strong>de</strong> do documento e a atualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas propostas. Entretanto,<br />
ficava também patente um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecimento da própria corporação<br />
em relação ao Plano Diretor <strong>de</strong> 84. Somente um pequeno grupo <strong>de</strong> oficiais<br />
conhecia-o em profundida<strong>de</strong>, tendo em vista ter, <strong>de</strong> alguma maneira,<br />
participado <strong>de</strong> sua construção.<br />
Aqueles que sob comando do Coronel Cerqueira eram tenentes e<br />
capitães, hoje estão nos postos mais altos da carreira policial militar e,<br />
como se quisessem retomar o tempo perdido, propuseram ao Viva Rio a<br />
atualização do Plano Diretor da PMERJ. Todavia, passados tantos anos da<br />
primeira edição, verificou-se a concreta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> primeiro elaborar<br />
um profundo diagnóstico, que permitisse sustentar qualquer proposta <strong>de</strong><br />
mudança.<br />
É importante relembrar quem foi Carlos Magno Nazaré Cerqueira:<br />
o primeiro comandante <strong>de</strong> carreira policial militar a comandar a instituição,<br />
rompendo com 175 anos <strong>de</strong> história on<strong>de</strong> Generais e Coronéis do Exército<br />
exerciam o alto comando da Corporação. Cerqueira foi também o primeiro<br />
policial negro a assumir tal posto. Sua trajetória profissional chama atenção<br />
por seu amplo interesse em dialogar com o mundo acadêmico e com a<br />
socieda<strong>de</strong> civil organizada, rompendo barreiras e propondo um diálogo<br />
entre universos tradicionalmente distantes e antagônicos.<br />
167
168<br />
“A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Em sua gestão, a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> publicou seus principais documentos<br />
<strong>de</strong> referência, utilizados até os dias atuais, mesmo datados <strong>de</strong> antes da<br />
promulgação da Constituição <strong>de</strong> 1988. Como exemplo, <strong>de</strong>staca-se o<br />
Manual Básico do Policial <strong>Militar</strong>, publicado em 1987 e até a presente data<br />
sem atualização. Sua preocupação em elaborar estudos que gerassem<br />
publicações extrapolou o ambiente intramuros dos quartéis e ganhou o<br />
mundo acadêmico com a Coleção <strong>Polícia</strong> Amanhã, elaborada pelo Instituto<br />
Carioca <strong>de</strong> Criminologia com apoio da Fundação Ford 9 .<br />
Diante do objetivo preliminar <strong>de</strong> elaborar um amplo diagnóstico<br />
institucional da PMERJ, foi <strong>de</strong>finida a metodologia <strong>de</strong> trabalho, que previu<br />
encontros semanais com os responsáveis pelas políticas setoriais da<br />
corporação. Em cada encontro o roteiro proposto focava: a) apresentação<br />
do cenário atual, b) problemas enfrentados e c) propostas <strong>de</strong> melhoria<br />
para o seu setor.<br />
Ao longo do processo <strong>de</strong> consulta, mostrou-se necessário ampliar<br />
o foco da pesquisa, partindo para a realização <strong>de</strong> entrevistas em<br />
profundida<strong>de</strong> com atores-chave, <strong>de</strong>ntro e fora da corporação, e grupos<br />
focais, a fim <strong>de</strong> contemplar também a perspectiva dos praças 10 e dos<br />
profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 11 .<br />
Os dados produzidos pelo diagnóstico foram analisados pela equipe<br />
técnica do Viva Rio à luz <strong>de</strong> um amplo levantamento bibliográfico sobre o<br />
que hoje existe em termos <strong>de</strong> estudos, nacionais e internacionais, <strong>de</strong><br />
reformas institucionais <strong>de</strong> polícia. Foram consultados também os<br />
documentos oficiais da PMERJ e das <strong>de</strong>mais <strong>Polícia</strong>s <strong>Militar</strong>es do país.<br />
Todo este material foi consolidado no documento “Diagnóstico<br />
Institucional da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro”, estruturado<br />
em três gran<strong>de</strong>s eixos temáticos: 1) A PMERJ e o Estado 2) A PMERJ e a<br />
Corporação; 3) A PMERJ e a Socieda<strong>de</strong>. Este documento foi entregue ao<br />
Comando Geral da corporação em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005.<br />
A partir da consolidação <strong>de</strong>stas informações, o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio estava<br />
em construir propostas que dialogassem com a realida<strong>de</strong> institucional<br />
<strong>de</strong>lineada pelo diagnóstico. Na perspectiva <strong>de</strong> quem atuou na<br />
sistematização das informações, este seria o principal <strong>de</strong>safio que a PMERJ<br />
iria enfrentar. Isto porque, ao longo <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong> consulta, os
Haydée Caruso , Luciane Patrício e Elizabete R. Albernaz<br />
atores acionados apresentavam com clareza os problemas enfrentados.<br />
Todavia, no momento da proposição <strong>de</strong> alternativas para solucionar tais<br />
problemas havia enorme dificulda<strong>de</strong> em construir concretamente uma<br />
ação. Tal fato foi constatado tanto no círculo <strong>de</strong> oficiais quanto no círculo<br />
dos praças.<br />
Outras resistências foram constatadas e <strong>de</strong>vem aqui ser pontuadas.<br />
Em muitos momentos, a alta rotativida<strong>de</strong> dos cargos <strong>de</strong> chefia atrapalhou<br />
a condução das ativida<strong>de</strong>s. A principal razão, dada a gran<strong>de</strong> movimentação<br />
<strong>de</strong> policiais entre as diretorias e setores da corporação, era a lacuna <strong>de</strong><br />
conhecimento mais aprofundado sobre a área investigada, prejudicando o<br />
mapeamento setorial.<br />
A realização <strong>de</strong> um diagnóstico <strong>de</strong>sta magnitu<strong>de</strong>, numa instituição<br />
<strong>de</strong> larga escala como a PMERJ, pressupõe a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> seus atores, fato<br />
que, por algumas vezes, não ocorreu, exigindo esforços redobrados <strong>de</strong><br />
convencimento sobre a relevância do processo.<br />
Outro aspecto que por vezes dificultou o trabalho refere-se à falta<br />
<strong>de</strong> informações sistematizadas e centralizadas. Cada setor produz diversos<br />
tipos <strong>de</strong> dados não sistematizados e, portanto, incapazes <strong>de</strong> gerar<br />
informações úteis para a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Esta dificulda<strong>de</strong> foi sentida<br />
com maior força quando o Viva Rio propôs um estudo complementar ao<br />
diagnóstico institucional que focasse a saú<strong>de</strong> do policial militar, em especial,<br />
as causas geradoras <strong>de</strong> altos índices <strong>de</strong> policiais militares mortos e feridos<br />
em folga ou em serviço. Neste caso, parte das informações necessárias<br />
estava armazenada no setor <strong>de</strong> pessoal, outra parte no setor <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />
ambos não dialogavam em prol da sistematização <strong>de</strong> tais informações.<br />
A atuação <strong>de</strong> uma organização não governamental como facilitadora<br />
do processo <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> informações também não foi algo trivial. Muitas<br />
resistências e <strong>de</strong>sconfianças surgiram, traduzindo-se em dificulda<strong>de</strong>s em<br />
conversar com <strong>de</strong>terminados setores, ou melhor, com <strong>de</strong>terminados<br />
atores, que relutavam em “expor a corporação” para uma entida<strong>de</strong> que,<br />
aos olhos <strong>de</strong> alguns, <strong>de</strong>fendia exclusivamente os “direitos humanos dos<br />
bandidos” ou que, na arena pública “só se colocava contra a PMERJ, fazendo<br />
críticas e cobranças”.<br />
Obviamente, a construção da legitimida<strong>de</strong> do Viva Rio na facilitação<br />
169
170<br />
“A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
<strong>de</strong>ste processo ocorreu <strong>de</strong> modo gradual, mas não consensual. Todavia,<br />
importantes passos foram dados, resultando no diálogo com setores até<br />
então distantes. A opção institucional do Viva Rio foi contribuir com a<br />
sistematização e redação do documento, a partir do que os integrantes<br />
da corporação i<strong>de</strong>ntificavam como relevante. Tal escolha visava a construir<br />
consensos sobre o que seria escrito e garantir que todos os consultados<br />
se sentissem co-produtores <strong>de</strong>sse investimento. Logo, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sse<br />
lugar para o Viva Rio em muito facilitou a aceitação <strong>de</strong>sse trabalho, fazendo<br />
com que todos assumissem o diagnóstico como produto da PMERJ e não<br />
<strong>de</strong> uma organização <strong>de</strong> fora da corporação.<br />
O diagnóstico institucional foi entregue oficialmente em <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 2005 e, passados alguns meses sem maiores <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong>sta<br />
ação, eis que a PMERJ traz à tona a discussão em torno das mudanças<br />
institucionais, propondo que fosse criada uma comissão interna intitulada “A<br />
<strong>Polícia</strong> que Queremos”. Esta comissão seria responsável por conduzir<br />
consultas junto ao público interno e externo para coletar propostas <strong>de</strong><br />
mudança com base no diagnóstico previamente realizado. Posteriormente,<br />
como <strong>de</strong>sdobramento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa comissão, foi realizado um<br />
seminário, on<strong>de</strong> as propostas apresentadas foram discutidas e sistematizadas.<br />
Eis o passo <strong>de</strong>safiador dado pela PMERJ, fato sem prece<strong>de</strong>nte na<br />
história das polícias brasileiras, e que será objeto <strong>de</strong> nosso próximo<br />
assunto.<br />
O SEMINÁRIO “A POLÍCIA QUE QUEREMOS”<br />
Ainda que a proposta inicial do Projeto Desenvolvimento Institucional<br />
da PMERJ enfocasse a elaboração <strong>de</strong> um Plano Diretor para a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong><br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, documento este que serviria como base<br />
para pensar e projetar a instituição num espaço <strong>de</strong> aproximadamente 10<br />
anos, o que foi possível perceber é que essa experiência trouxe outros<br />
<strong>de</strong>sdobramentos.<br />
Assim, diante dos resultados dos grupos <strong>de</strong> trabalho que foram<br />
constituídos no seminário “A <strong>Polícia</strong> que Queremos”, foi possível perceber<br />
analogias e traçar paralelos entre o que os policiais militares e a população<br />
carioca estavam vislumbrando para a mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong> sua polícia e o que
Haydée Caruso , Luciane Patrício e Elizabete R. Albernaz<br />
tem sido discutido em âmbito fe<strong>de</strong>ral nessa matéria. Além <strong>de</strong> pensar cada<br />
setor estratégico da polícia militar a partir do <strong>de</strong>bate em torno dos 10<br />
eixos apresentados 12 , a metodologia proposta no evento pô<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar<br />
que, para <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização, seria preciso levar<br />
em consi<strong>de</strong>ração não apenas aspectos estritamente comuns ao universo<br />
policial, mas sua relação com as <strong>de</strong>mais áreas e órgãos diretamente<br />
interessados na promoção da segurança pública.<br />
O Seminário “A <strong>Polícia</strong> que Queremos! Compartilhando a Visão e<br />
Construindo o Futuro!” foi realizado pela <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> nos dias 18, 19 e<br />
20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2006. A metodologia foi dividida em três momentos: o<br />
primeiro contou com a participação <strong>de</strong> todos os círculos hierárquicos da<br />
PMERJ, através da coleta <strong>de</strong> dados (sugestões) em todas as unida<strong>de</strong>s da<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>. O segundo, realizado paralelamente, contou com a<br />
participação da socieda<strong>de</strong> civil, tanto através da realização <strong>de</strong> reuniões<br />
com grupos representativos, como da coleta <strong>de</strong> sugestões através <strong>de</strong> um<br />
formulário eletrônico 13 , on<strong>de</strong> qualquer pessoa pô<strong>de</strong> enviar sugestões<br />
<strong>de</strong>ntre os 10 eixos apresentados. E, finalmente, o terceiro momento,<br />
construído no seminário, on<strong>de</strong> os grupos temáticos 14 tinham como<br />
objetivo discutir os temas em torno das propostas previamente levantadas<br />
no público interno e externo.<br />
O documento organizado como produto do seminário reuniu cerca<br />
<strong>de</strong> 300 propostas. Ao final do evento, a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> fez a entrega <strong>de</strong> seu<br />
Relatório Final aos candidatos ao Executivo estadual do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong><br />
modo que pu<strong>de</strong>ssem ter conhecimento dos anseios da instituição e da<br />
socieda<strong>de</strong> civil e planejassem suas propostas <strong>de</strong> governo à luz dos<br />
resultados do seminário.<br />
CONSTRUINDO UMA AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA PARA O<br />
RIO DE JANEIRO<br />
O Plano Nacional <strong>de</strong> Segurança Pública do Governo Fe<strong>de</strong>ral (PNSP),<br />
documento lançado pela Secretaria Nacional <strong>de</strong> Segurança Pública (SENASP)<br />
do Ministério da Justiça, <strong>de</strong>dica, <strong>de</strong>ntre os pontos apresentados em seu<br />
conteúdo, boa parte ao universo policial e especialmente à <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>.<br />
Segundo o PNSP, um dos requisitos fundamentais para a implantação<br />
<strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> cultura <strong>de</strong> paz, é a mo<strong>de</strong>rnização das instituições<br />
171
172<br />
“A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
policiais, cuja transformação necessariamente passa pela revisão <strong>de</strong> seus<br />
valores, <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> institucional, <strong>de</strong> sua cultura profissional e <strong>de</strong><br />
seus padrões <strong>de</strong> comportamento.<br />
Dentre os pontos levantados pelo Plano, direcionados<br />
especialmente à <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, é possível <strong>de</strong>stacar:<br />
· qualificação do Policiamento Ostensivo;<br />
· reformulação dos regulamentos disciplinares;<br />
· diminuição dos graus hierárquicos;<br />
· controle rigoroso do uso da força letal (arma <strong>de</strong> fogo);<br />
· redução do efetivo nas funções administrativas.<br />
Traçando um paralelo entre o PNSP, ou seja, a política proposta<br />
nacionalmente no que tange a segurança pública, e as propostas<br />
apresentadas no seminário, é possível perceber, em primeiro lugar, que<br />
muitas das reivindicações e necessida<strong>de</strong>s apontadas no interior da PMERJ,<br />
<strong>de</strong> alguma forma já tinham sido indicadas no documento da SENASP. No<br />
conjunto das propostas que dialogam diretamente com os pontos acima<br />
apresentados po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar:<br />
· criação <strong>de</strong> equivalência dos Cursos <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong><br />
Praças (Soldados, Cabos e Sargentos) e dos Cursos<br />
<strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Oficiais a cursos técnicos (no caso <strong>de</strong><br />
praças) e a curso superior, no caso dos oficiais;<br />
· imposição <strong>de</strong> rígido cumprimento <strong>de</strong> cargas horárias<br />
<strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> formação, <strong>de</strong> modo a acabar com uso<br />
operacional <strong>de</strong> pessoal em formação, salvo em<br />
situações excepcionais ou em funções <strong>de</strong> estágio;<br />
· criação <strong>de</strong> Núcleo <strong>de</strong> Instrução em Defesa Pessoal e<br />
Uso Comedido da Força;<br />
· criação <strong>de</strong> corpo (fixo) <strong>de</strong> Instrutores Civis e <strong>Militar</strong>es,<br />
remunerados através <strong>de</strong> encargos especiais;<br />
· valorização da filosofia e expansão do programa <strong>de</strong><br />
policiamento comunitário;
Haydée Caruso , Luciane Patrício e Elizabete R. Albernaz<br />
· priorização da revisão e reformulação da legislação<br />
referente aos processos administrativos disciplinares<br />
e ao Regulamento Disciplinar da PMERJ, promovendo<br />
a compatibilização com a or<strong>de</strong>m constitucional<br />
(garantias individuais) e com os anseios sociais (pronta<br />
resposta institucional);<br />
· inclusão formal das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe para a<br />
discussão, na assembléia legislativa, do Regulamento<br />
Disciplinar da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>;<br />
· criação <strong>de</strong> instrumentos institucionais <strong>de</strong> controle<br />
efetivo da letalida<strong>de</strong> policial em ocorrências que<br />
resultem em confrontos armados, sejam aqueles<br />
envolvendo a letalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> civis ou <strong>de</strong> policiais. Para<br />
tanto, seria fundamental a criação <strong>de</strong> um banco <strong>de</strong><br />
dados com informações precisas sobre este tipo <strong>de</strong><br />
ocorrências;<br />
· necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhamento psicológico ex officio<br />
do PM envolvido em ocorrências <strong>de</strong> confronto armado<br />
com mortos e/ou feridos;<br />
· criação <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> administração e controle<br />
no uso <strong>de</strong> munições, armamento e viaturas.<br />
É interessante <strong>de</strong>stacar também que muitas foram as propostas<br />
que tinham como objetivo criar instrumentos institucionais internos que<br />
qualificassem o serviço policial. Nesse aspecto, <strong>de</strong>stacam-se os seguintes:<br />
· criação <strong>de</strong> uma Escola <strong>de</strong> Inteligência, que assumiria<br />
toda parte educacional do Sistema <strong>de</strong> Inteligência da<br />
PMERJ, vinculada a Diretoria <strong>de</strong> Ensino e Instrução;<br />
· <strong>de</strong>scentralização das Áreas Integradas <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública (AISPs), tornando-as menores, mais<br />
homogêneas, em maior número. A cada AISP <strong>de</strong>ve<br />
correspon<strong>de</strong>r a área <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> uma Companhia da<br />
PM e a circunscrição <strong>de</strong> uma Delegacia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>;<br />
· utilização do geoprocessamento nas áreas integradas<br />
<strong>de</strong> segurança pública;<br />
173
174<br />
“A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
· utilização <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong> avaliação quantitativos e<br />
qualitativos, que não se restrinjam a apreensão <strong>de</strong><br />
armas, drogas e prisões efetuadas, buscando incorporar<br />
outros indicadores que contemplem outras dimensões<br />
da ação policial;<br />
· integração no mesmo ambiente físico dos mecanismos<br />
<strong>de</strong> atendimento da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, <strong>Civil</strong>, Rodoviária<br />
Fe<strong>de</strong>ral, Corpo <strong>de</strong> Bombeiros <strong>Militar</strong>, entre outros;<br />
· criação, na PMERJ, dos Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />
Ocupacional, Promoção da Saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> Epi<strong>de</strong>miologia<br />
e Estatística;<br />
· criar Programa <strong>de</strong> Vigilância <strong>de</strong> Riscos, para prevenir<br />
e reduzir vitimização <strong>de</strong> policiais (por causas externas<br />
– ferimentos e mortes, em serviço ou folga, intencional<br />
ou aci<strong>de</strong>ntal e por causas internas – problemas <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong>, física ou psicológica);<br />
· criação <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> dados com as informações<br />
<strong>de</strong> todos os policiais <strong>de</strong> forma acessível para todas as<br />
Unida<strong>de</strong>s, visando a integrar as informações <strong>de</strong> diversos<br />
órgãos, hoje <strong>de</strong>scentralizadas;<br />
· valorização e disseminação <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s alternativas<br />
<strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos, que não estejam pautadas<br />
no enfrentamento pontual e repressivo;<br />
· lavratura <strong>de</strong> Termos Circunstanciados pela <strong>Polícia</strong><br />
<strong>Militar</strong>, conforme <strong>de</strong>termina a Lei nº 9099/95.<br />
Por outro lado, é importante ressaltar que muitos foram os pontos<br />
apresentados que evi<strong>de</strong>nciam a necessida<strong>de</strong> da aproximação entre a polícia<br />
e a socieda<strong>de</strong>, seja com a população no dia a dia, seja através <strong>de</strong> convênios<br />
e parcerias com centros <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento, como<br />
universida<strong>de</strong>s e institutos <strong>de</strong> pesquisa. Neste sentido, observa-se a:<br />
· criação <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> estudo na área <strong>de</strong> Inteligência,<br />
<strong>de</strong> modo a fomentar uma discussão sobre inteligência,<br />
fórum no qual participarão o público interno e externo;
Haydée Caruso , Luciane Patrício e Elizabete R. Albernaz<br />
· dinamização do telefone 190 e realização <strong>de</strong><br />
campanhas educativas para o cidadão quanto ao bom<br />
uso do sistema;<br />
· estabelecimento <strong>de</strong> parceria com a imprensa, <strong>de</strong><br />
modo pró ativo;<br />
· reunião sistemática <strong>de</strong> especialistas e pesquisadores<br />
policiais e não-policiais para elaborar indicadores <strong>de</strong><br />
avaliação do trabalho policial;<br />
· realização <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> vitimização a fim <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificar a sensação <strong>de</strong> segurança das pessoas e sua<br />
relação com a imagem da polícia;<br />
· inclusão nos critérios <strong>de</strong> ascensão profissional,<br />
pontuações que valorizem ações policiais voltadas para<br />
a promoção da cidadania e a garantia dos direitos<br />
constitucionais;<br />
· criação <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> segurança cidadã que <strong>de</strong>ve<br />
reconhecer e respeitar o cidadão como sujeito <strong>de</strong><br />
direitos;<br />
· fortalecer os canais <strong>de</strong> cooperação entre a polícia e a<br />
socieda<strong>de</strong>, tais como Conselhos Comunitários <strong>de</strong><br />
Segurança;<br />
· inserção na prática policial da mediação <strong>de</strong> conflitos e<br />
do diálogo com a comunida<strong>de</strong>, viabilizando a sua coparticipação<br />
nas políticas <strong>de</strong> segurança;<br />
· criação <strong>de</strong> estratégias regulares <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong><br />
contas à socieda<strong>de</strong>;<br />
· envolvimento das universida<strong>de</strong>s e centros <strong>de</strong> pesquisa<br />
no processo <strong>de</strong> melhoria da polícia.<br />
E, finalmente, em que pese o esforço <strong>de</strong> construir um conjunto<br />
sugestões para a mo<strong>de</strong>rnização policial militar, muitas foram as propostas<br />
relacionadas a questões mais amplas na agenda <strong>de</strong> segurança pública, cujo<br />
foco principal não seria a PM, mas o sistema <strong>de</strong> uma maneira geral, evi<strong>de</strong>nciando<br />
175
176<br />
“A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
que o processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong> uma instituição policial necessariamente<br />
apontará para questões mais estruturais nesta área. São elas:<br />
· criação <strong>de</strong> uma regulamentação que proíba o<br />
secretário <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> se candidatar a cargos<br />
políticos imediatamente após a sua saída do governo;<br />
· realização efetiva <strong>de</strong> um trabalho integrado entre<br />
estados e municípios, <strong>de</strong> modo a investir nos problemas<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento público;<br />
· integração entre a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> e a <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong>.<br />
Vale lembrar que um passo fundamental para iniciar qualquer<br />
processo <strong>de</strong> mudança é a elaboração <strong>de</strong> um diagnóstico que subsidie a<br />
construção <strong>de</strong> uma política pública. Um diagnóstico que contemple<br />
informações qualificadas e consistentes, que reúna dados quantitativos e<br />
qualitativos. Um bom diagnóstico, com dados confiáveis e elaborado com<br />
rigor científico, é o primeiro passo para a concepção <strong>de</strong> uma política e,<br />
com esta, o planejamento das ações e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> metas claras e <strong>de</strong><br />
indicadores <strong>de</strong> avaliação.<br />
Seguindo o mesmo raciocínio e reconhecendo a importância da<br />
qualificação e elaboração <strong>de</strong> uma pesquisa que indique pontos nevrálgicos<br />
na instituição policial militar, <strong>de</strong>ntre o conjunto <strong>de</strong> propostas incluídas no<br />
documento final do seminário, foi <strong>de</strong>finida uma Ação Preliminar: a elaboração<br />
<strong>de</strong> um censo da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Esta iniciativa<br />
serviria como fonte <strong>de</strong> informação não apenas para a construção <strong>de</strong> uma<br />
nova política <strong>de</strong> pessoal, como também para inaugurar uma cultura <strong>de</strong><br />
valorização e qualificação da informação, reunidos num banco <strong>de</strong> dados<br />
que reflita o universo da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, facilitando assim o planejamento <strong>de</strong><br />
suas ações.<br />
Passado mais <strong>de</strong> um ano, é possível constatar que o censo<br />
institucional, <strong>de</strong>finido como priorida<strong>de</strong> inicial, ainda não foi <strong>de</strong>senvolvido<br />
conforme previsto. Entretanto, algumas das ações começaram a ser<br />
executadas, mesmo que <strong>de</strong> modo pontual, como, por exemplo, a criação<br />
<strong>de</strong> instrumentos institucionais <strong>de</strong> controle da letalida<strong>de</strong> policial e a<br />
reformulação do currículo do curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> oficiais, com vistas a<br />
transformá-lo num curso <strong>de</strong> graduação em segurança pública. Tais ações,
Haydée Caruso , Luciane Patrício e Elizabete R. Albernaz<br />
no entanto, não guardam entre si uma linha <strong>de</strong> trabalho comum <strong>de</strong> maneira<br />
a representar um processo sistêmico <strong>de</strong> mudança institucional.<br />
Bibliografia<br />
ARAÚJO FILHO, Wilson. 2003. Or<strong>de</strong>m pública ou or<strong>de</strong>m unida? Uma análise do curso <strong>de</strong><br />
formação <strong>de</strong> soldados da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> em composição com a política <strong>de</strong> segurança pública<br />
do governo do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. In: Políticas Públicas <strong>de</strong> Justiça Criminal e Segurança<br />
Pública. EDUFF.<br />
BRETAS, Marcos Luiz. 1997. A Guerra das ruas: povo e polícia na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Arquivo Nacional.<br />
FRÜHLING, Hugo. 2003. “Policía Comunitaria y Reforma Policial en América Latina. ¿Cuál<br />
es el impacto?”. Série Documentos do Centro <strong>de</strong> Estudios en Seguridad Ciudadana, Instituto <strong>de</strong><br />
Asuntos Públicos <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong> Chile.<br />
HOLLOWAY, Thomas H. 1997. <strong>Polícia</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Repressão e resistência em uma<br />
cida<strong>de</strong> do século XIX. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Fundação Getúlio Vargas.<br />
KANT DE LIMA, Roberto. 1995. A polícia na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Ed.Forense.<br />
MUNIZ, Jacqueline. 2001. “A Crise <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das <strong>Polícia</strong>s <strong>Militar</strong>es Brasileiras: dilemas<br />
e paradoxos da formação educacional”. Security and Defense Studies Review. Vol. 1. Washington,<br />
DC.<br />
MUNIZ, Jacqueline. Ser Policial é sobretudo uma razão <strong>de</strong> ser. Cultura e cotidiano da <strong>Polícia</strong><br />
<strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Tese <strong>de</strong> Doutoramento em Ciência Política. IUPERJ. 1999.<br />
_______________. 2002. “Recomendações para a Reforma Policial na América Latina”.<br />
PONCIONI, Paula. 2004. Tornar-se policial: a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissional do policial<br />
do estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tese <strong>de</strong> doutoramento em Sociologia, USP.<br />
DA SILVA, Jorge. 2005. Violência e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social: um estudo comparativo sobre a atuação<br />
policial em duas comunida<strong>de</strong>s no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Tese <strong>de</strong> doutoramento, UERJ.<br />
Centro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Segurança Cidadã – CESC, Santiago, Chile.<br />
Diagnóstico Institucional da PMERJ. Viva Rio, 2005. (no prelo)<br />
Plano Nacional <strong>de</strong> Segurança Pública. Secretaria Nacional <strong>de</strong> Segurança Pública/Ministério da<br />
Justiça, 2003.<br />
Seminário “A <strong>Polícia</strong> que queremos! Compartilhando a visão e construindo o futuro”. Relatório<br />
final consolidado. PMERJ, 2006<br />
Notas<br />
1 O relato aqui apresentado foi originalmente apresentado na coletânea Ca<strong>de</strong>rnos A<strong>de</strong>nauer,<br />
Brasil: O que resta a fazer? Vol 3. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2006.<br />
2 Vi<strong>de</strong> exemplos: Projeto “Integração e Gestão da Segurança Pública” (IGESP), <strong>de</strong>senvolvido pelo<br />
Centro <strong>de</strong> Estudos em Criminalida<strong>de</strong> e Segurança Pública (CRISP-UFMG); Formação Integrada<br />
<strong>de</strong> <strong>Policiais</strong> <strong>Militar</strong>es e <strong>Policiais</strong> Civis da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado <strong>de</strong> Pernambuco (PMPE), da<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Paraná (PMPR) e da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(PMERJ), através do Curso <strong>de</strong> Políticas Públicas em Justiça Criminal e Segurança Pública da<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense (UFF); iniciativas <strong>de</strong> interlocução comunitária como os<br />
Grupamentos <strong>de</strong> Policiamento em Áreas Especiais (GPAE-PMERJ), o Grupo Especializado <strong>de</strong><br />
Policiamento em Áreas <strong>de</strong> Risco (GEPAR-PMMG); iniciativas <strong>de</strong> valorização policial como o<br />
“Prêmio Policia Cidadã”, realizado pelo Instituto Sou da Paz.<br />
177
178<br />
“A <strong>Polícia</strong> que queremos”: consi<strong>de</strong>rações sobre o processo <strong>de</strong><br />
reforma da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
3 Projeto financiado pela Fundação Konrad A<strong>de</strong>nauer no período <strong>de</strong> 2005/2006.<br />
4 A PMERJ possui 37502 policiais na ativa e 23 mil inativos. Fonte: PMERJ/PM1-2006.<br />
5 O Conselho Diretor é constituído por integrantes <strong>de</strong> diversos segmentos representativos da<br />
socieda<strong>de</strong> fluminense, tais como: empresários, acadêmicos, jornalistas, li<strong>de</strong>ranças comunitárias,<br />
esportistas, artistas entre outros.<br />
6 Importantes referências <strong>de</strong> estudos sobre a PMERJ são Bretas (1997), Holloway (1997), Muniz<br />
(1999), Araújo Filho (2003), Poncioni (2004), Caruso (2004) e Silva (2005).<br />
7 As reuniões ocorreram na Assessoria <strong>de</strong> Planejamento, Organização e Mo<strong>de</strong>rnização – APOM<br />
sob a coor<strong>de</strong>nação logística do chefe <strong>de</strong>ste setor e coor<strong>de</strong>nação operacional do CEL PM Ubiratan<br />
Ângelo, então Diretor <strong>de</strong> Ensino e Instrução, atual Comandante Geral da corporação.<br />
8 Foi publicada a criação do Grupo <strong>de</strong> Trabalho em Boletim Interno da PMERJ, principal<br />
instrumento <strong>de</strong> comunicação da Instituição.<br />
9 Destaca-se nesta coleção o último volume, publicado após a morte do Cel Cerqueira, e intitulado:<br />
“O futuro <strong>de</strong> uma ilusão: o sonho <strong>de</strong> uma nova polícia”. Esta obra encerra prematuramente a<br />
carreira <strong>de</strong> um dos mais respeitáveis oficiais <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> no Brasil.<br />
10 Os praças da PMERJ (soldados, cabos e sargentos) correspon<strong>de</strong>m a 93% do efetivo da corporação.<br />
Fonte: PM1/PMERJ-2005.<br />
11 Foram consultados policiais médicos e também profissionais civis que atuam na área <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong>.<br />
12 Eixo 01: Pessoal; Eixo 02: Ensino e Instrução; Eixo 03: Inteligência; Eixo 04: Operacional; Eixo<br />
05: Comunicação Social; Eixo 06: Apoio Logístico; Eixo 07: Orçamento e Finanças; Eixo 08:<br />
Saú<strong>de</strong>; Eixo 09: Controle Interno; Eixo 10: Mo<strong>de</strong>rnização Administrativa e Tecnológica e Eixo 11:<br />
Visão do Cliente. Vale <strong>de</strong>stacar que sobre o eixo 11, a proposta era levantar junto à socieda<strong>de</strong><br />
civil sugestões acerca <strong>de</strong> todos os eixos previamente elencados.<br />
13 O en<strong>de</strong>reço eletrônico para acessar o formulário foi www.apoliciaquequeremos.com.br. A<br />
divulgação do mesmo foi realizada através da confecção <strong>de</strong> spots <strong>de</strong> serviço com duração <strong>de</strong> 30<br />
segundos, veiculado pela TV Globo e algumas emissoras <strong>de</strong> TV. Foram recolhidas cerca <strong>de</strong> 5.000<br />
propostas pela internet.<br />
14 Foram formados grupos temáticos compostos, tanto por representantes da socieda<strong>de</strong> civil,<br />
quanto por membros da corporação policial militar. Embora tenham sido concebidos enquanto<br />
grupos mistos, a representativida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> civil em alguns temas foi limitada, bem como<br />
<strong>de</strong> representantes do círculo dos praças.
Comunicação<br />
REFORMA POLICIAL NA VENEZUELA: UMA<br />
EXPERIÊNCIA EM CURSO<br />
Soraya El Achkar*<br />
INTRODUÇÃO<br />
Esta apresentação <strong>de</strong> trabalho preten<strong>de</strong> apresentar a experiência<br />
venezuelana a respeito dos processos <strong>de</strong> reforma policial: propósitos,<br />
plano <strong>de</strong> ação, metodologia <strong>de</strong> trabalho, principais resultados, perspectivas<br />
e reflexões sobre os processos <strong>de</strong> reforma policial na América Latina.<br />
É <strong>de</strong> conhecimento comum que os propósitos <strong>de</strong> reforma policial<br />
estiveram vinculados à idéia <strong>de</strong> melhoras no serviço policial, <strong>de</strong> diminuir<br />
as violações aos direitos humanos, otimizar a contribuição da polícia para<br />
o sistema judicial, <strong>de</strong>senhar instâncias <strong>de</strong> inspeção da polícia e,<br />
fundamentalmente, à expectativa que tem a população <strong>de</strong> reduzir os<br />
<strong>de</strong>litos. Entretanto, os especialistas coinci<strong>de</strong>m em indicar que ainda que<br />
tenham sido gerados processos <strong>de</strong> reforma em quase todos os países da<br />
região, ainda há muito a fazer porque não foram cumpridos os propósitos.<br />
Depois <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> duas décadas <strong>de</strong> reformas policiais na América<br />
Latina, enten<strong>de</strong>mos que é um processo contínuo, cíclico e inclusive<br />
inesgotável, que requer permanentes arranjos a partir <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> longo<br />
prazo e que, além disso, <strong>de</strong>ve ser resultado do consenso social e sempre<br />
estar ajustado às variações na percepção social dos aspectos fundamentais.<br />
Todos os especialistas coinci<strong>de</strong>m em indicar que a reforma policial<br />
implica a formação <strong>de</strong> novas atitu<strong>de</strong>s, aptidões e comportamentos por<br />
parte <strong>de</strong> todos os membros da polícia, que conduzam a uma nova forma<br />
<strong>de</strong> pensar, a novos enfoques e a novos mecanismos <strong>de</strong> feedback para<br />
supervisionar e avaliar objetivamente o <strong>de</strong>sempenho policial. Mas, além<br />
disso, implica um processo <strong>de</strong> mudanças <strong>de</strong> comportamento da população<br />
em geral, dos atores políticos e das autorida<strong>de</strong>s civis. Por isso, os efeitos<br />
<strong>de</strong> qualquer reforma não po<strong>de</strong>rão ser vistos em um prazo tão curto.<br />
Todas as exposições na oficina <strong>de</strong> especialistas na Venezuela a respeito<br />
da reforma policial coinci<strong>de</strong>m em indicar que um processo <strong>de</strong> reforma tem<br />
sucesso, é duradouro e sustentável se convergem três atores chave:<br />
* Licenciada Soraya El Achkar. Red <strong>de</strong> Apoyo por la Justicia y la Paz<br />
VENEZUELA<br />
179
180<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
1. o Estado, mediante uma clara política pública que<br />
trace uma orientação a longo prazo e estabeleça os<br />
compromissos econômicos, políticos e jurídicos para<br />
torná-la sustentável;<br />
2. os órgãos vinculados à segurança pública, que são<br />
parte ativa da reforma e assumem o compromisso e<br />
participam como agentes técnicos em sua<br />
implementação. Os policiais, <strong>de</strong>fensores, fiscais e juízes<br />
<strong>de</strong>vem impulsionar um plano <strong>de</strong> reforma integral <strong>de</strong><br />
todo o sistema <strong>de</strong> segurança pública;<br />
3. a socieda<strong>de</strong>, as suas organizações, as comunida<strong>de</strong>s<br />
locais, que assumem o seu papel <strong>de</strong> participação e<br />
controle, aproveitando os espaços que são gerados.<br />
(El Achkar e Gabaldón; 2006)<br />
Eu acrescentaria que ainda assim não é suficiente que haja participação<br />
dos diferentes atores e sim que ocorram mudanças nas formas culturais<br />
do po<strong>de</strong>r da polícia. E ainda que é evi<strong>de</strong>nte que todo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> polícia<br />
<strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>senhado sobre a base do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado e das políticas<br />
que tenham sido formuladas sobre segurança pública. É <strong>de</strong>finitivamente<br />
inegável que o mo<strong>de</strong>lo contemple dispositivos que irrompam práticas<br />
culturais que geraram um po<strong>de</strong>r da polícia diluído em múltiplas ilegalida<strong>de</strong>s.<br />
Os especialistas asseguram que os processos <strong>de</strong> reforma policial<br />
<strong>de</strong>vem incluir os seguintes componentes: reforma do marco legal para<br />
<strong>de</strong>finir o mandato da polícia; os sistemas <strong>de</strong> organização, funcionamento e<br />
dispersão territorial; infra-estrutura, equipamentos e tecnologia; recursos<br />
humanos; sistema <strong>de</strong> seleção e educação; orçamentos; comunicação e<br />
informação; participação e controle social. Não obstante, nenhuma reforma<br />
po<strong>de</strong> dar resultado e ser sustentável no tempo caso não se consiga<br />
i<strong>de</strong>ntificar as práticas institucionais não formais que foram criando uma<br />
cultura policial, que configura uma particular forma <strong>de</strong> relacionar-se com<br />
o sistema judicial e <strong>de</strong> exercer governança, porque toda mudança só é<br />
possível se é feita a partir <strong>de</strong> mudanças da rotina e se reorientam as práticas<br />
institucionais não formais.<br />
Porém, além disso, é necessário que haja certas condições
Soraya El Achkar<br />
políticas e sociais para que os processos <strong>de</strong> reforma sejam possíveis e<br />
sustentáveis no tempo:<br />
1. um plano <strong>de</strong> ação racional e consensual, que acolha<br />
as aspirações mais sentidas tanto pelos policiais quanto<br />
pela população em geral, assim como o mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong>mocrático a ser construído a partir <strong>de</strong> regras<br />
constitucionais;<br />
2. clara e sustentada vonta<strong>de</strong> pública e orçamentária<br />
para que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das mudanças dos atores<br />
políticos, se possa seguir o plano <strong>de</strong> ação acordado;<br />
3. uma opinião pública que se mantenha pressionando<br />
a reforma, que estimule a vonta<strong>de</strong> política, gere<br />
informação suficiente sobre o processo <strong>de</strong> reforma<br />
para que a população se aproprie do mencionado<br />
processo e promova uma matriz a favor das mudanças<br />
institucionais necessárias;<br />
4. uma equipe <strong>de</strong> trabalho on<strong>de</strong> confluam atores<br />
políticos e pessoal técnico especializado, interno e<br />
externo para a instituição policial, que seja uma equipe<br />
estável, que não se submeta ao vai-e-vem das mudanças<br />
políticas, <strong>de</strong> tal modo que possa ir acumulando<br />
conhecimentos na área;<br />
5. informar permanentemente sobre todo o processo<br />
<strong>de</strong> reforma a opinião pública, os policiais, os outros<br />
componentes do sistema <strong>de</strong> segurança pública, para<br />
que possam ser corrigidas as medidas tomadas (no<br />
caso <strong>de</strong> erro) ou implementadas com maior facilida<strong>de</strong><br />
(no caso <strong>de</strong> acertos);<br />
6. recomenda-se que toda reforma esteja<br />
acompanhada <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> prevenção social que<br />
contribuam para reduzir os graves problemas <strong>de</strong><br />
segurança cidadã sem comprometer o programa <strong>de</strong><br />
minimização da violência e aumento da prestação <strong>de</strong><br />
contas para a polícia.<br />
181
182<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
Asseguraram na oficina <strong>de</strong> especialistas na Venezuela que as<br />
reformas policiais <strong>de</strong>veriam indicar à configuração <strong>de</strong> uma polícia como<br />
um meio <strong>de</strong> força mo<strong>de</strong>rada para a criação <strong>de</strong> alternativas pacíficas,<br />
<strong>de</strong> obediência sobre a base da aceitação social, uma polícia como<br />
instrumento <strong>de</strong> administração e mediação <strong>de</strong> conflitos; em oposição a<br />
qualquer vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da or<strong>de</strong>m social, cuja autorida<strong>de</strong> não é<br />
negociável, o que requer in<strong>de</strong>pendência e, ao mesmo tempo,<br />
subordinação a princípios e regras.<br />
Em todo caso, as reformas policiais continuam sendo um <strong>de</strong>safio<br />
para todos os países da região e ainda que hoje tenhamos conhecimento<br />
acumulado que nos permite pensar em processos <strong>de</strong> reforma <strong>de</strong> forma<br />
mais acertada, é inviável se, em qualquer tentativa que façamos,<br />
primeiro o fazemos com especialistas estrangeiros: segundo, sem<br />
funcionários policiais convencidos e preparados para assumir tal<br />
<strong>de</strong>safio; e por último, sem uma população capaz <strong>de</strong> se mobilizar a<br />
favor da mencionada reforma. Por isso, é tão importante qualquer esforço<br />
que seja feito para:<br />
CONTEXTO<br />
1. gerar espaços <strong>de</strong> diálogo reflexivo com funcionários<br />
e funcionárias policiais da região sobre todas as arestas<br />
da segurança pública e da <strong>de</strong>mocracia, os direitos<br />
humanos, o enfoque <strong>de</strong> gênero, os processos <strong>de</strong><br />
reforma policial, entre outros temas tão importantes<br />
para a promoção <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong> justiça e paz;<br />
2. a criação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s que funcionem <strong>de</strong> forma<br />
coor<strong>de</strong>nada e ensaiem mecanismos <strong>de</strong> articulação com<br />
a socieda<strong>de</strong> civil a favor dos processos da reforma do<br />
setor <strong>de</strong> segurança na região continua, por enquanto,<br />
sendo um <strong>de</strong>safio para a justiça e a paz.<br />
O registro sistemático que as organizações <strong>de</strong> direitos humanos<br />
fizeram durante mais <strong>de</strong> três décadas nos permite afirmar, sem duvidar,<br />
que na Venezuela as corporações policiais e militares violam os direitos<br />
humanos e que estão arraigados mecanismos <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong> que impe<strong>de</strong>m<br />
a justa sanção dos responsáveis por estas violações. Uma evidência disso
são os dados que foram lançados nos últimos 16 anos pelos relatórios <strong>de</strong><br />
PROVEA. Uma média pon<strong>de</strong>rada anual <strong>de</strong> 15 pessoas falecidas<br />
mensalmente nas mãos <strong>de</strong> funcionários policiais 1 .<br />
Pesquisa própria<br />
Soraya El Achkar<br />
Por sua parte, a <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Apoio à Justiça e à Paz (outra das<br />
organizações não-governamentais <strong>de</strong> direitos humanos) aten<strong>de</strong>u e<br />
assessorou durante o qüinqüênio 2000-2005 361 casos on<strong>de</strong> o direito à<br />
vida, à integrida<strong>de</strong> física, à inviolabilida<strong>de</strong> do lar ou à liberda<strong>de</strong> pessoal<br />
foram vulnerados pelos organismos encarregados da segurança pública.<br />
A Assembléia Nacional Constituinte (1999) conseguiu ampliar o<br />
capítulo <strong>de</strong> direitos humanos e garantias constitucionais e o governo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
então, manteve um discurso a favor do respeito aos direitos fundamentais.<br />
No entanto, na prática, não foram impulsionadas as reformas necessárias<br />
em matéria <strong>de</strong> segurança e com relação às instituições policiais para reverter<br />
a violência institucional que atenta contra a dignida<strong>de</strong> humana e enfraquece<br />
o Estado <strong>de</strong> direito.<br />
Através dos casos atendidos na <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Apoio, pô<strong>de</strong> ser realizada<br />
uma pesquisa documental sobre os padrões das violações aos direitos<br />
humanos e os mecanismos <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong> durante o período 1985-1999.<br />
Esta pesquisa, publicada no ano 2004, revela que todas as corporações<br />
<strong>de</strong> segurança (as <strong>de</strong> caráter nacional, estadual e municipal) tiveram<br />
responsabilida<strong>de</strong> nas violações aos direitos humanos. Mais <strong>de</strong> 90% das<br />
vítimas são homens, entre os 15 e os 24 anos, <strong>de</strong> pele morena, resi<strong>de</strong>ntes<br />
em setores populares, com ofícios variados, estudantes, trabalhadores.<br />
183
184<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
Estas violações, cujas causas são muitas vezes <strong>de</strong>sconhecidas, são <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> policiais no exercício <strong>de</strong> suas funções e estes graves<br />
acontecimentos costumam ocorrer na rua ou em centros policiais com<br />
aquiescência <strong>de</strong> funcionários da alta hierarquia.<br />
Os padrões <strong>de</strong> atuação mais comuns, segundo esta pesquisa, são: o<br />
uso <strong>de</strong>sproporcional, indiscriminado, discricionário da força; a negligência<br />
e imperícia no uso das armas <strong>de</strong> fogo; os múltiplos e aberrantes métodos<br />
<strong>de</strong> tortura; as ameaças e a fustigação; a simulação <strong>de</strong> execuções, as<br />
<strong>de</strong>tenções arbitrárias; as invasões ilegais; a <strong>de</strong>mora nas transferências das<br />
pessoas feridas aos centros <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tê-las ferido; os disparos<br />
para o ar; a adulteração dos cartuchos; o porte <strong>de</strong> armas ilegais e <strong>de</strong><br />
entorpecentes. Os funcionários <strong>de</strong> um modo geral, quando fazem estes<br />
procedimentos, não costumam portar sua i<strong>de</strong>ntificação corretamente e,<br />
pelo contrário, cobrem os rostos com capuzes.<br />
O diagnóstico indica que são graves também as conseqüências <strong>de</strong>stas<br />
práticas vexatórias e alu<strong>de</strong>: ao menosprezo pela confiança do público no<br />
Estado <strong>de</strong> direito; ao agravamento do mal-estar social; à redução da eficácia<br />
dos processos judiciais; à separação e ao isolamento da polícia <strong>de</strong> sua<br />
comunida<strong>de</strong>; à <strong>de</strong>formação do conceito <strong>de</strong> aplicação da lei, privando-a <strong>de</strong><br />
toda licitu<strong>de</strong>; ao enfraquecimento das instituições e do sistema<br />
<strong>de</strong>mocrático; ao medo, à raiva, aos <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> vingança no coração das<br />
pessoas, que condicionam o seu comportamento social.<br />
A <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Apoio indicou em uma sistematização publicada no ano<br />
<strong>de</strong> 2004, on<strong>de</strong> se reúne um diálogo entre ativistas <strong>de</strong> direitos humanos e<br />
polícias, que o diagnóstico que foi feito nestes últimos anos, a partitr <strong>de</strong><br />
diferentes setores da socieda<strong>de</strong> e do governo nacional, coinci<strong>de</strong> em<br />
apresentar um serviço <strong>de</strong> polícia incapaz <strong>de</strong> garantir a segurança cidadã e<br />
o livre exercício dos direitos e liberda<strong>de</strong>s fundamentais. O mencionado<br />
diagnóstico se refere a: incapacida<strong>de</strong> estrutural <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação entre as<br />
diferentes corporações <strong>de</strong> segurança pública; falta <strong>de</strong> controle externo<br />
sobre as suas ativida<strong>de</strong>s; confusão dos critérios <strong>de</strong> eficácia e eficiência<br />
com os <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação; militarização em todos os níveis dos serviços<br />
que são essencialmente civis; corrupção e ausência <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong><br />
prestação <strong>de</strong> contas perante a população; ações violentas para o controle<br />
da criminalida<strong>de</strong>; ausência <strong>de</strong> políticas preventivas e <strong>de</strong> pesquisa da<br />
criminalida<strong>de</strong>; uma visão do problema centrado no agente e não na
Soraya El Achkar<br />
instituição; pouca capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reunir informação e fazer análises<br />
estatísticas sobre criminalida<strong>de</strong>;, <strong>de</strong>sdobramento irregular <strong>de</strong> efetivos na<br />
cida<strong>de</strong>, com planos <strong>de</strong> efeito pouco confiáveis; baixos níveis <strong>de</strong> treinamento;<br />
condições precárias <strong>de</strong> trabalho e instabilida<strong>de</strong> no trabalho; regulamentos<br />
internos fora da legalida<strong>de</strong>; uma estrutura gerencial excessivamente rígida;<br />
uma formação militarizada e violenta, que atenta contra os direitos<br />
humanos. Vale dizer que o diagnóstico coloca em evidência o fracasso na<br />
configuração <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> polícia que responda às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong><br />
segurança pública.<br />
Depois da Constituinte <strong>de</strong> 1999, e com a aprovação das primeiras<br />
leis habilitadoras no ano <strong>de</strong> 2001, a socieda<strong>de</strong> venezuelana ficou polarizada<br />
em duas frentes políticas antagônicas e esta polarização, caracterizada<br />
pela radicalização das posturas dos grupos e pela mútua negação e<br />
exclusão, exacerbou os enfrentamentos simbólico-discursivos e físicos,<br />
frente aos quais muitas das corporações <strong>de</strong> segurança não <strong>de</strong>ram<br />
respostas imparciais. A instrumentalização das corporações <strong>de</strong> segurança<br />
por parte dos governos da vez enfraqueceram as instituições policiais,<br />
tirando-lhes a sua função original <strong>de</strong> proteger a cidadania para imporlhes<br />
a tarefa <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o Estado e os interesses <strong>de</strong> setores políticos<br />
ou do governo.<br />
Apesar das muitas tentativas na história da humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diminuir<br />
os níveis <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong> alcançar formas <strong>de</strong> comportamento policial<br />
que não atentem contra a dignida<strong>de</strong> humana, não conseguimos que a polícia<br />
seja uma instituição que respeite os direitos humanos. Vejamos os esforços.<br />
1. O mandamento <strong>de</strong> Deus “amem-se uns aos outros”, que está<br />
sustentado na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar moralmente.<br />
2. A capacida<strong>de</strong> que supostamente, temos, os seres humanos, <strong>de</strong><br />
“auto-controle” ou “exercício <strong>de</strong> autonomia”.<br />
3. O <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> governo <strong>de</strong>mocrático cuja<br />
característica principal é o Estado <strong>de</strong> direito, o qual implica:<br />
a) ter normas que, em teoria, são expressão da vonta<strong>de</strong><br />
popular, evitam a discricionarieda<strong>de</strong>, proporcionam<br />
informações sobre as condutas dos sujeitos em marcos<br />
185
186<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
institucionais e, principalmente, que tenhamos que usar<br />
a violência para resolver nossos conflitos;<br />
b) uma separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res e mecanismos<br />
institucionais para que uns po<strong>de</strong>res controlem os outros;<br />
c) a consagração constitucional da responsabilida<strong>de</strong><br />
administrativa, civil e política das autorida<strong>de</strong>s;<br />
d) a disposição dos direitos humanos no or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico interno e os mecanismos para a sua <strong>de</strong>fesa.<br />
4. A existência da opinião pública que se estabelece como uma<br />
consciência crítica, um tribunal moral contra as violações aos direitos<br />
humanos, que exige aos que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m reverter as políticas, fazer corretivos<br />
institucionais.<br />
5. Os argumentos da razão ou princípios pelos quais se apela para<br />
legislar como são: a não discriminação; o uso a<strong>de</strong>quado e proporcional da<br />
força; o respeito das garantias do <strong>de</strong>tido; a eficácia policial, que <strong>de</strong>ve ser<br />
exercida com respeito ao Direito; a proteção às vítimas; a <strong>de</strong>sobediência<br />
a or<strong>de</strong>ns ilegais e arbitrárias.<br />
No caso venezuelano, nenhum dos esforços anteriores foi suficiente,<br />
como tampouco foi suficiente o trânsito para <strong>de</strong>mocracia com a aprovação<br />
da Constituição <strong>de</strong> 1961, nem uma nova Assembléia Nacional Constituinte<br />
realizada em 1999, na qual é feito um reconhecimento especial do tema<br />
dos direitos humanos em todas as áreas da vida social. Tanto em situações<br />
cotidianas “normais”, como em meio a graves conflitos sociais e políticos,<br />
as instituições encarregadas <strong>de</strong> velar pela proteção da segurança não<br />
respon<strong>de</strong>ram com o critério profissional e ético que se espera <strong>de</strong>las em<br />
regimes <strong>de</strong>mocráticos.<br />
No ano passado (2006), a imprensa nacional revelou um par <strong>de</strong><br />
acontecimentos <strong>de</strong> seqüestros on<strong>de</strong> funcionários policiais, <strong>de</strong> diferentes<br />
corporações, estiveram envolvidos. O primeiro referido a um empresário<br />
muito conhecido <strong>de</strong> nome Filippo Sindoni do estado <strong>de</strong> Aragua, que foi<br />
assassinado, e o segundo caso é o seqüestro, durante mais <strong>de</strong> 40 dias,<br />
dos irmãos Faddoul Diab e do motorista Miguel Rivas, que também foram<br />
encontrados mortos.
REFORMA POLICIAL NA VENEZUELA:<br />
A COMISSÃO<br />
Soraya El Achkar<br />
O Ministro do Interior, o engenheiro Jesse Cahcón, tomou a iniciativa<br />
<strong>de</strong> formar uma ampla comissão <strong>de</strong>dicada à construção <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo<br />
policial e apresentar ao país um caminho para a reforma policial. Esta<br />
comissão era formada por representantes do: Ministério do Interior e da<br />
Justiça, Tribunal Supremo <strong>de</strong> Justiça, Assembléia Nacional, prefeituras e<br />
governos, Defensoria Pública, Ministério Público, Corpo <strong>de</strong> Inquéritos<br />
Científicos Penais e <strong>de</strong> Criminalística, principais universida<strong>de</strong>s com centros<br />
<strong>de</strong> pesquisa na área criminal, igreja, empresariado e grupos <strong>de</strong> direitos<br />
humanos.<br />
O objetivo geral da Comissão para a Reforma Policial foi a construção,<br />
através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> diagnóstico e consulta ampla e participativa,<br />
<strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> polícia para a socieda<strong>de</strong> venezuelana, mediante<br />
um marco jurídico institucional e <strong>de</strong> gestão que permita concebê-la como<br />
um serviço público geral, orientado pelos princípios <strong>de</strong> permanência,<br />
eficiência, extensão, <strong>de</strong>mocracia e participação, controle <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho,<br />
avaliação <strong>de</strong> acordo com processos e padrões <strong>de</strong>finidos e planejamento e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento em função das necessida<strong>de</strong>s nacionais, estatais e<br />
municipais, <strong>de</strong>ntro do marco da Constituição da República Bolivariana da<br />
Venezuela e dos tratados e princípios internacionais sobre proteção dos<br />
direitos humanos.<br />
Esta Comissão <strong>de</strong>finiu alguns princípios <strong>de</strong> trabalho que guiaram o seu<br />
plano <strong>de</strong> ação, o <strong>de</strong>senho das estratégias para a abordagem do problema e da<br />
organização <strong>de</strong> todas as ativida<strong>de</strong>s realizadas. Estes princípios são os seguintes:<br />
a. participação, entendida como a mais ampla, plural e<br />
<strong>de</strong>mocrática consulta <strong>de</strong> todos os setores da vida<br />
nacional para alcançar um acordo fundamental sobre o<br />
novo mo<strong>de</strong>lo que se propõe.<br />
b. imparcialida<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>ndo que nesta tarefa <strong>de</strong>ve<br />
predominar o interesse coletivo, evitando a<br />
subordinação a interesses particulares, o que supõe<br />
que o mo<strong>de</strong>lo policial <strong>de</strong>ve ser entendido como um<br />
assunto <strong>de</strong> Estado.<br />
187
188<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
PROPÓSITOS<br />
c. transparência, entendida como a difusão e publicida<strong>de</strong><br />
dos achados, critérios e propostas, a fim <strong>de</strong> que sejam<br />
amplamente conhecidos e <strong>de</strong>batidos pelos cidadãos e<br />
instâncias públicas e privadas em nível nacional.<br />
d. co-responsabilida<strong>de</strong>, no entendimento <strong>de</strong> que a<br />
segurança e a função policial supõem uma<br />
responsabilida<strong>de</strong> compartilhada entre a socieda<strong>de</strong> civil<br />
e o Estado.<br />
Para alcançar o seu objetivo geral, a Comissão Nacional se propôs<br />
três tarefas fundamentais, que foram cumpridas cabalmente em um lapso<br />
<strong>de</strong> nove (9) meses, com a orientação política e estratégica <strong>de</strong> 16<br />
comissionados, os quais mantiveram 36 sessões <strong>de</strong> trabalho e uma<br />
Secretaria Técnica, que funcionou durante (6) meses, encarregada <strong>de</strong><br />
executar o mandato da Comissão e formada por um grupo <strong>de</strong> 30<br />
funcionários contratados e 50 pessoas contratadas para estudos ou tarefas<br />
específicas:<br />
1. elaborar um diagnóstico geral da situação atual das<br />
corporações policiais no âmbito nacional, regional e<br />
municipal;<br />
2. sugerir um mo<strong>de</strong>lo policial que possa se a<strong>de</strong>quar às<br />
condições sociais, culturais e políticas da Venezuela;<br />
3. sugerir algumas recomendações imediatas que<br />
favoreçam a efetivida<strong>de</strong> no serviço policial, a diminuição<br />
das violações aos direitos humanos e o controle da<br />
gestão policial com foco no <strong>de</strong>senho proposto.<br />
EIXO TRANSVERSAL: A CONSULTA<br />
A construção do mo<strong>de</strong>lo passou, necessariamente, pela consulta<br />
sobre critérios para a <strong>de</strong>finição da função policial, das formas socialmente<br />
aceitáveis para exercê-la, dos pontos fortes e mecanismos mais a<strong>de</strong>quados<br />
para conseguir o seu funcionamento em consonância com as necessida<strong>de</strong>s<br />
da comunida<strong>de</strong>. Nesse sentido, o plano <strong>de</strong> ação esteve articulado com<br />
uma gran<strong>de</strong> consulta nacional, <strong>de</strong>senvolvida mediante mecanismos difusos
(páginas da web, linhas <strong>de</strong> telefone gratuita e caixas físicas) e mecanismos<br />
concentrados (oficinas setoriais, foros temáticos e mesas técnicas), on<strong>de</strong><br />
participaram aproximadamente 70 mil pessoas opinando sobre temas policiais<br />
específicos <strong>de</strong> interesse nacional, regional ou local, durante dois meses<br />
consecutivos. Esta consulta foi acompanhada <strong>de</strong> uma campanha <strong>de</strong> difusão<br />
para que todo o país estivesse informado sobre os mecanismos <strong>de</strong> participação.<br />
Esta consulta esteve orientada segundo 7 eixos temáticos que<br />
facilitaram a discussão sem prejuízo <strong>de</strong> outros tópicos que pu<strong>de</strong>ssem ser<br />
levantados pelos participantes da consulta (El Achkar e Riveros 2007):<br />
Uso da força física<br />
Se algo é próprio da polícia é o fato <strong>de</strong> que esta administra a força<br />
física. Quando se exerce <strong>de</strong> forma proporcional, para proteger as pessoas<br />
diante <strong>de</strong> ameaças violentas e <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos, é um uso justo e a<strong>de</strong>quado da<br />
força. Mas quando se exerce <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sproporcional ou em situações<br />
nas quais não é necessária, estamos diante do uso abusivo da força. Por<br />
isso, a consulta incluiu temas como: a regulação do uso da força por parte<br />
da polícia; os problemas vinculados ao uso da força física; o treinamento<br />
para o uso da força física; o gradualismo e os princípios <strong>de</strong> excepcionalida<strong>de</strong>,<br />
proporcionalida<strong>de</strong> e legalida<strong>de</strong> na aplicação da força.<br />
Corrupção<br />
A corrupção é a obtenção <strong>de</strong> vantagens particulares ou para o grupo<br />
<strong>de</strong> forma ilícita. Ainda que não seja exclusiva da polícia, existe consenso<br />
em que, por múltiplos fatores, os organismos policiais estão muito<br />
corrompidos, e isso se traduz em muitos abusos, não necessariamente<br />
físicos, contra os cidadãos e as cidadãs. Por esse motivo, a consulta incluiu<br />
temas como: a i<strong>de</strong>ntificação das diferentes formas <strong>de</strong> corrupção na polícia;<br />
a relação entre corrupção policial e <strong>de</strong>linqüência; as estratégias, políticas<br />
e estímulos institucionais e comunitários para controlar e repreen<strong>de</strong>r a<br />
corrupção na polícia; as causas da corrupção na polícia; e o encobrimento<br />
como parte da cultural organizacional.<br />
Cultura organizacional<br />
Soraya El Achkar<br />
Assim como nas famílias existem valores, princípios e regras não<br />
escritas que <strong>de</strong>finem e marcam cada uma <strong>de</strong>las, nas instituições existe<br />
189
190<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
uma cultura organizacional, muitas vezes não escrita, mas que tem gran<strong>de</strong><br />
incidência no comportamento <strong>de</strong> seus membros. A cultura organizacional<br />
da polícia foi analisada levando em consi<strong>de</strong>ração temas como: as políticas<br />
<strong>de</strong> disciplina; a supervisão, a obediência e a discricionarieda<strong>de</strong> dos<br />
funcionários e das funcionárias; o sentido <strong>de</strong> camaradagem e o apego<br />
institucional; a autonomia e a permanência diante das mudanças <strong>de</strong> governo.<br />
Carreira policial<br />
Ser policial é uma carreira. Tanto porque é necessário estudar para<br />
exercer essa importante função, quanto porque é possível (com o tempo,<br />
os conhecimentos, a experiência e os méritos) obter melhores cargos e<br />
posições <strong>de</strong>ntro da instituição. Em conseqüência, a consulta contemplou<br />
temas como: as políticas <strong>de</strong> captação, seleção, incorporação e indução;<br />
as políticas <strong>de</strong> reconhecimento, reforços, permanência e fortalecimento<br />
do sentido <strong>de</strong> pertencer à instituição policial; as políticas <strong>de</strong> formação,<br />
treinamento, capacitação e currículo acadêmico; os sistemas <strong>de</strong> proteção<br />
social do pessoal e os seus direitos trabalhistas; as políticas <strong>de</strong> avaliação<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho e promoções; e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> projeção e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento institucional.<br />
Gestão e eficiência<br />
Fazer com que a instituição funcione e que cumpra os seus objetivos<br />
é essencial para toda organização. No caso da polícia, o seu correto<br />
funcionamento implica maior segurança e proteção dos direitos das<br />
pessoas. É por isso que foram incluídos temas como: o aproveitamento<br />
dos recursos; os indicadores para medir a criminalida<strong>de</strong> e avaliar a eficiência<br />
do <strong>de</strong>sempenho policial; a articulação da polícia com o sistema <strong>de</strong> justiça<br />
penal: as capacida<strong>de</strong>s, aptidões, habilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>strezas que constituem o<br />
perfil <strong>de</strong> um funcionário policial; a dotação <strong>de</strong> recursos para o a<strong>de</strong>quado<br />
<strong>de</strong>sempenho da tarefa policial; a continuida<strong>de</strong> administrativa; e o vínculo<br />
com a comunida<strong>de</strong>.<br />
Prestação <strong>de</strong> contas<br />
Toda instituição <strong>de</strong>ve saber se está ou não cumprindo os seus<br />
objetivos e metas. No caso da polícia, trata-se da proteção à população,<br />
sem discriminação <strong>de</strong> qualquer tipo, através <strong>de</strong> diferentes vias. É por isso<br />
que a consulta abarcou: as formas efetivas <strong>de</strong> acompanhamento, avaliação,
diagnóstico e controle; o controle interno e externo; a participação<br />
comunitária na avaliação e no controle policial; a disciplina e as sanções.<br />
Atenção às vítimas<br />
As vítimas po<strong>de</strong>m ser aquelas pessoas afetadas pela <strong>de</strong>linqüência e<br />
aquelas afetadas pela própria atuação policial ina<strong>de</strong>quada. Assim que este<br />
eixo contemplou temas como: o abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r; a compensação e a<br />
in<strong>de</strong>nização às vítimas, a proteção contra retaliações; a mediação e<br />
resolução <strong>de</strong> conflitos; e o tratamento digno e respeitoso às vítimas da<br />
<strong>de</strong>linqüência ou aos afetados pela própria polícia.<br />
Estrutura e competências<br />
Como se organiza e do que se encarrega a polícia é um tema muito<br />
importante no <strong>de</strong>bate. Por isso, foram incluídos aspectos como: a<br />
centralização e a <strong>de</strong>scentralização das competências; a efetivida<strong>de</strong> e a<br />
eficácia <strong>de</strong> cada estrutura organizacional; as competências em situações<br />
normais e excepcionais; a autonomia da gestão e a necessida<strong>de</strong> da<br />
coor<strong>de</strong>nação policial inter-institucional.<br />
Mecanismos <strong>de</strong> consulta<br />
A consulta difusa:<br />
Soraya El Achkar<br />
A consulta difusa esteve dirigida a toda a população e as<br />
contribuições, opiniões e/ou recomendações foram realizadas mediante<br />
perguntas abertas ou <strong>de</strong> seleção, com a participação individual, fluida e<br />
confi<strong>de</strong>ncial. Três mecanismos diferentes coletaram mais <strong>de</strong> 60 mil opiniões<br />
diferentes em todo o território nacional.<br />
Uma página da Web que tinha espaços para fóruns virtuais, outros<br />
para respon<strong>de</strong>r uma pesquisa semi-aberta e espaços para que a Comissão<br />
informasse sobre todas as suas ativida<strong>de</strong>s e os resultados prévios.<br />
Cerca <strong>de</strong> 1000 caixas foram distribuídas em todo o território<br />
nacional (prefeituras, governos, corporações policiais, principais registros,<br />
tabelionatos, bancos, farmácias, centros comerciais, estações <strong>de</strong> metrô,<br />
escritórios do Ministério Público), assim como também foram feitas batidas<br />
especiais nos feriados, com jovens que percorreram os principais centros<br />
191
192<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
comerciais. Os questionários foram publicados durante 15 dias em 3 jornais<br />
<strong>de</strong> circulação nacional e também foram colocados nos centros <strong>de</strong><br />
armazenamento <strong>de</strong> caixas para envio <strong>de</strong> respostas.<br />
As ligações telefônicas funcionaram por duas vias diferentes. As que<br />
entravam por um número gratuito (0-800-Refopol), on<strong>de</strong> as pessoas<br />
podiam respon<strong>de</strong>m a três perguntas fechadas. As <strong>de</strong> saída, que foram<br />
feitas pelo serviço <strong>de</strong> telefonia a mais <strong>de</strong> 40 mil famílias venezuelanas <strong>de</strong><br />
diferentes estratos sociais com perguntas fechadas.<br />
Foi criada uma gran<strong>de</strong> base <strong>de</strong> dados para registrar os resultados<br />
que foram lançados pela consulta difusa, na qual foram <strong>de</strong>senhadas mais<br />
<strong>de</strong> 45 <strong>de</strong>scrições em uma escala <strong>de</strong> 6 valorações diferentes e todas as<br />
papeletas, as mensagens na Web e <strong>de</strong> telefone foram coletadas para po<strong>de</strong>r<br />
conhecer a opinião geral da população sobre as questões consultadas.<br />
Nos mecanismos difusos, a consulta lançou basicamente a) que a<br />
polícia é uma instituição corrupta, b) que é necessário <strong>de</strong>senhar<br />
mecanismos expeditivos e eficientes para a sanção das faltas cometidas<br />
pelos funcionários e c) que os cidadãos po<strong>de</strong>mos cooperar com as<br />
<strong>de</strong>núncias das irregularida<strong>de</strong>s para ajudar a resolver os problemas da <strong>Polícia</strong>.<br />
A consulta concentrada:<br />
Na consulta concentrada trabalhamos com três mecanismos<br />
diferentes: os fóruns regionais, as oficinas setoriais e as mesas técnicas.<br />
O Fórum Temático Regional foi um espaço <strong>de</strong> encontro para a<br />
discussão e o <strong>de</strong>bate entre instituições públicas e privadas sobre os pontos<br />
fortes e fracos do <strong>de</strong>sempenho policial, em sentido amplo e com referência<br />
particular às diversas corporações policiais da região, com o objetivo <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificar áreas <strong>de</strong> intervenção e propostas para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />
policial para o país, diferenciando as características e as proprieda<strong>de</strong>s<br />
gerais das particulares ou específicas em função das condições regionais e<br />
locais do serviço policial. Todos os fóruns realizados foram organizados<br />
com as universida<strong>de</strong>s do país.<br />
A oficina era um espaço <strong>de</strong> reflexão em pequenos grupos que facilita<br />
o <strong>de</strong>bate a partir <strong>de</strong> experiências pessoais e <strong>de</strong> grupo a propósito da<br />
função policial, dos mecanismos <strong>de</strong> controle, das áreas <strong>de</strong> necessária
Soraya El Achkar<br />
intervenção, do mo<strong>de</strong>lo mais <strong>de</strong>sejável para o país e a região em particular.<br />
As oficinas foram convocadas pelas alianças que a Comissão conseguiu<br />
estabelecer em todo o território nacional com governadores e<br />
governadoras, prefeitos e prefeitas, diretores e funcionários <strong>de</strong><br />
corporações da polícia nacional, estadual e municipal, incluindo a Guarda<br />
Nacional, acadêmicos em geral e especialistas no campo, estudantes<br />
universitários, operadores penais (fiscais, juízes, <strong>de</strong>fensores públicos),<br />
representantes da Defensoria Pública, indígenas, estudantes,<br />
transportadores, comunida<strong>de</strong>s populares, camponeses, meninos, meninas<br />
e adolescentes, trabalhadores sexuais e transexuais, transgressores<br />
intervindos pelo sistema e transgressores sem nenhuma intervenção do<br />
sistema penal, empresários e empresárias, sindicatos, familiares <strong>de</strong> vítimas<br />
<strong>de</strong> abusos policiais, trabalhadores organizados e informais, pescadores,<br />
mães <strong>de</strong> setores populares, jovens <strong>de</strong> setores populares e <strong>de</strong> classe média,<br />
organizações sociais e <strong>de</strong> direitos humanos, representantes das principais<br />
igrejas.<br />
A seleção dos grupos não foi arbitrária, respondia a alguns critérios<br />
<strong>de</strong> justiça: a) os grupos que se veriam diretamente afetados pela política a<br />
ser <strong>de</strong>senhada, b) grupos das diferentes regiões do país, c) grupos que<br />
respondiam aos mais diversos setores da vida nacional, d) os grupos<br />
tradicionalmente vulnerados pela ação policial.<br />
De todos os setores consultados, a Comissão Nacional pôs ênfase<br />
especial naqueles setores que se veriam afetados mais diretamente pelo<br />
<strong>de</strong>senho da política, como é o caso dos funcionários civis ou militares em<br />
exercício <strong>de</strong> funções policiais. Estávamos convencidos <strong>de</strong> que estes grupos<br />
contribuiriam significativamente tanto no diagnóstico dos principais e mais<br />
graves problemas, quanto na construção das possíveis fórmulas que<br />
servissem na correção das políticas institucionais.Ee assim foi. Os policiais<br />
que participaram cooperaram abertamente na elaboração <strong>de</strong> um novo<br />
mo<strong>de</strong>lo policial, colocando os elementos-chave no diagnóstico e sugerindo<br />
as recomendações que serviram <strong>de</strong> base para o <strong>de</strong>senho do novo mo<strong>de</strong>lo<br />
policial. Agora estamos seguros <strong>de</strong> que a implementação será um processo<br />
sem maiores resistências, já que os policiais (aos quais lhes correspon<strong>de</strong><br />
principalmente a tarefa <strong>de</strong> implementar) foram partícipes da construção<br />
do novo mo<strong>de</strong>lo.<br />
As mesas técnicas serviram para agrupar os atores chaves e alcançar<br />
acordos mínimos em relação às mudanças normativas e políticas que supõe<br />
193
194<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
o novo marco constitucional e legal em referência a 1) segurança pública<br />
e condições <strong>de</strong> trabalho (benefícios trabalhistas ou socioeconômicos) das/<br />
dos funcionárias/os policiais; 2) um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>sejável <strong>de</strong> regime disciplinar<br />
para as instituições policiais, e 3) melhor mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong><br />
<strong>de</strong> Investigação.<br />
Para o registro <strong>de</strong> toda a informação da consulta concentrada, foram<br />
feitos relatórios por cada oficina setorial e estes foram passados para uma<br />
gran<strong>de</strong> matriz <strong>de</strong> “problemas e propostas” com a sua respectiva<br />
pon<strong>de</strong>ração, segundo os níveis <strong>de</strong> recorrência em cada tema levantado.<br />
Assim po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar os consensos e os nós problemáticos em cada<br />
eixo temático. Eram os nós os que foram sendo discutidos no seio da<br />
Comissão para elaborar fórmulas constitucionais e éticas <strong>de</strong> resolução.<br />
Na consulta concentrada os temas relevantes foram: o uso<br />
<strong>de</strong>sproporcional da força, os múltiplos mecanismos <strong>de</strong> corrupção e <strong>de</strong><br />
impunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro das corporações policiais, a interferência política na<br />
organização policial, a dispersão e improvisação da formação policial, a<br />
instabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho dos funcionários, a ineficiência da gestão das<br />
diferentes corporações <strong>de</strong> segurança, a ausência <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong><br />
participação comunitária no controle da administração e gestão policial, a<br />
atenção imprópria para as vítimas, as condições <strong>de</strong> trabalho injustas.<br />
Oficinas com especialistas<br />
No marco <strong>de</strong>sta consulta, foram organizados dois eventos que<br />
conseguiram convocar mais <strong>de</strong> 25 especialistas - <strong>de</strong>ntro e fora do país –<br />
<strong>de</strong>dicados aos estudos sobre a polícia e sobre os processos <strong>de</strong> reforma,<br />
com a finalida<strong>de</strong> específica <strong>de</strong> analisar, por um lado, as experiências que<br />
tivessem expandido a eficiência, o profissionalismo, a prestação <strong>de</strong> contas<br />
e a avaliação <strong>de</strong> gestão da polícia e, por outro lado, aspectos críticos da<br />
função policial, incluindo o uso da força e os mecanismos <strong>de</strong><br />
acompanhamento e controle.<br />
A Comissão Nacional para a Reforma Policial organizou a consulta<br />
nacional com o propósito <strong>de</strong> coletar informação <strong>de</strong>talhada sobre as práticas<br />
policiais concretas porque o fato <strong>de</strong> saber tanto e com tanto <strong>de</strong>talhe é<br />
uma contribuição para a melhoria do estado atual das coisas, pois só uma<br />
ampla e <strong>de</strong>talhada base <strong>de</strong> informação po<strong>de</strong> favorecer o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong>
Soraya El Achkar<br />
políticas públicas pertinentes, acertadas e com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> corrigir os<br />
projetos institucionais.<br />
É a informação que proporciona os elementos necessários para<br />
que o <strong>de</strong>senho das políticas públicas seja feito <strong>de</strong> forma racional, coerente,<br />
ajustada à realida<strong>de</strong> e com critério <strong>de</strong> correção. A Comissão Nacional<br />
manteve uma reunião com todos os diretores dos meios <strong>de</strong> comunicação<br />
para apresentar o plano <strong>de</strong> trabalho e solicitar-lhes que promovessem<br />
investigações jornalísticas sobre os 8 eixos temáticos da reforma policial,<br />
artigos <strong>de</strong> opinião e colunas permanentes sobre a situação atual da polícia<br />
e as expectativas que sobre ela se tem. Esta solicitação foi feita sob a<br />
consi<strong>de</strong>ração que o escrutínio público comunitário é fundamental em um<br />
sistema <strong>de</strong>mocrático, on<strong>de</strong> as políticas públicas <strong>de</strong>vem respon<strong>de</strong>r às<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>liberadas publicamente e são produto <strong>de</strong> um acordo<br />
nacional. 2<br />
A idéia <strong>de</strong> consultar tem seu apoio nos princípios da <strong>de</strong>mocracia<br />
que, mesmo enten<strong>de</strong>ndo, não são um remédio que sane os males <strong>de</strong> forma<br />
automática. Constitui uma oportunida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve ser aproveitada para<br />
acordar <strong>de</strong>senhos institucionais que respondam às <strong>de</strong>mandas mais sentidas<br />
pelas pessoas. Assim, a consulta nacional sobre a polícia acrescentou um<br />
valor instrumental à <strong>de</strong>mocracia porque permitiu aos cidadãos e cidadãs<br />
a) ter um canal <strong>de</strong> expressão que lhes permitisse conseguir a atenção<br />
requerida às suas <strong>de</strong>mandas; b) a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r uns com os<br />
outros; c) <strong>de</strong>linear os seus valores e priorida<strong>de</strong>s como socieda<strong>de</strong> e d)<br />
<strong>de</strong>senhar as instituições públicas que estarão a serviço <strong>de</strong> todos.<br />
Definitivamente, a Consulta foi um exercício <strong>de</strong> reflexão i<strong>de</strong>o-político<br />
que permitiu que todos os setores expressassem publicamente o que<br />
<strong>de</strong>sejam e valorizam; expusessem os seus argumentos e juízos sobre os<br />
problemas que mais lhes angustiam como comunida<strong>de</strong>; mostrassem os<br />
seus esquemas axiológicos e exigissem atenção a suas <strong>de</strong>mandas.<br />
As reformas policiais <strong>de</strong>vem ser entendidas como um processo<br />
não só <strong>de</strong> reformas institucionais internas das polícias, mas sim como um<br />
processo que promova o ofício da cidadania, enten<strong>de</strong>ndo que este ofício<br />
não é mais que um conhecimento prático vinculado às práticas discursivas<br />
que se constroem essencialmente a partir dos <strong>de</strong>senhos institucionais<br />
estabelecidos. O ofício da cidadania se apren<strong>de</strong>, como se apren<strong>de</strong> o<br />
195
196<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
exercício da <strong>de</strong>mocracia, e para isso é necessário criar as oportunida<strong>de</strong>s<br />
e os mecanismos <strong>de</strong> diálogo e <strong>de</strong>liberação on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>senvolvidos<br />
os juízos morais iniludíveis na construção da comunida<strong>de</strong> política (El Achkar<br />
e Riveros 2007).<br />
O ofício da cidadania é uma prática eticamente boa em si mesma<br />
porque sempre é a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um exercício moral e a execução <strong>de</strong> uma<br />
prática <strong>de</strong> compromisso. Não é um mero status legal, a cidadania se traduz<br />
em práticas políticas que supõe mcerto saber prático-normativo, on<strong>de</strong><br />
se manifesta a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação e <strong>de</strong>liberação a respeito do<br />
bem comum (entendido este não como a soma dos bens privados, mas<br />
sim como o que beneficia o conjunto da socieda<strong>de</strong>), assim como a<br />
capacida<strong>de</strong> para julgar e atuar correspon<strong>de</strong>ntes às realida<strong>de</strong>s do público e<br />
do político e, portanto, o ofício da cidadania constitui uma qualida<strong>de</strong> moral.<br />
Sob esta premissa, a Comissão Nacional para a Reforma Policial assumiu<br />
que a consulta nacional podia ser também um espaço para educar na virtu<strong>de</strong><br />
cívica que implica essa vonta<strong>de</strong> orientada para administrar o bem <strong>de</strong> todos,<br />
nas questões públicas (El Achkar e Riversos 2007).<br />
ESTUDOS DIAGNÓSTICOS<br />
Além da consulta, a Comissão Nacional para a Reforma Policial na<br />
Venezuela realizou vários estudos diagnósticos que permitiram caracterizar<br />
a polícia venezuelana e <strong>de</strong>senhar a primeira base <strong>de</strong> dados sobre as 126<br />
polícias no país.<br />
Os estudos foram os seguintes:<br />
1. um Relatório <strong>de</strong> Autopercepção Policial, realizado sobre a base<br />
<strong>de</strong> 2.217 pesquisas e 8 entrevistas em profundida<strong>de</strong> realizadas com<br />
funcionários policiais e da Guarda Nacional.<br />
2. um Relatório <strong>de</strong> Análise Organizacional dos corpos <strong>de</strong> segurança<br />
do Estado, sobre a base <strong>de</strong> informação obtida em 11 corporações policiais<br />
estatais e 29 municipais.<br />
3. uma pesquisa Nacional <strong>de</strong> Vitimização e Percepção Policial,<br />
aplicada em nível nacional através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> seleção aleatório <strong>de</strong><br />
moradias emuma amostra <strong>de</strong> 6.945 moradias.<br />
4. um Relatório da Formação Policial na Venezuela, com base em
30 institutos <strong>de</strong> formação.<br />
5. um Relatório <strong>de</strong> Análise do Orçamento das Corporações <strong>Policiais</strong><br />
Estatais e Municipais da Venezuela, realizado com base em uma amostra<br />
<strong>de</strong> 18 corporações estaduais e 48 municipais.<br />
6. um inventário <strong>de</strong> normas jurídicas reguladoras das corporações<br />
policiais da Venezuela.<br />
7. um relatório <strong>de</strong> Compromissos Internacionais do Estado com<br />
organismos <strong>de</strong> direitos humanos<br />
8. um relatório <strong>de</strong> caracterização do Corpo Técnico da <strong>Polícia</strong> Judicial<br />
(CICPC)<br />
9. uma pesquisa feita com cada uma das 126 polícias do país com<br />
mais <strong>de</strong> 80 perguntas diferentes.<br />
Toda a informação, tanto da consulta nacional quanto do diagnóstico<br />
institucional <strong>de</strong>ve receber o tratamento necessário para a construção <strong>de</strong><br />
argumentos que não são mais que cápsulas <strong>de</strong> informação que restringem<br />
as <strong>de</strong>cisões discricionárias, arbitrárias ou caprichosas por parte do tomador<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões público e sobre as quais todo o <strong>de</strong>senho institucional <strong>de</strong>ve se<br />
apoiar. Em nosso caso, a Comissão criou os mecanismos <strong>de</strong> participação e<br />
os dispositivos para processar toda a consulta nacional e cruzar variáveis<br />
qualitativas e quantitativas que permitissem <strong>de</strong>senhar uma política pública<br />
ajustada ao diagnóstico participativo, às expectativas <strong>de</strong> todos os setores,<br />
aos acordos e dissensos, às estruturas mais <strong>de</strong>sejáveis e às <strong>de</strong>mandas exigidas.<br />
Caracterização da polícia venezuelana<br />
Soraya El Achkar<br />
Os dados que na continuação são especificados estão amplamente<br />
indicados no relatório <strong>de</strong> caracterização realizado pelo comissionado<br />
professor Andrés Antillano e publicados em “A polícia venezuelana.<br />
Desenvolvimento institucional e perspectivas <strong>de</strong> reforma no início do<br />
terceiro milênio (2007)<br />
O estudo realizado pela Comissão Nacional para a Reforma Policial<br />
indica que, em termos gerais, a polícia venezuelana é uma instituição<br />
ineficiente, que realiza um uso ina<strong>de</strong>quado da força, sem critérios <strong>de</strong><br />
funcionamento unificados, sem mecanismos <strong>de</strong> controle internos e externos<br />
197
198<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
eficientes, que afeta negativamente os setores populares, que carece dos<br />
recursos a<strong>de</strong>quados para melhorar o seu <strong>de</strong>sempenho e garantir aos<br />
funcionários a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus direitos sociais e que é percebida pela<br />
população com <strong>de</strong>sconfiança.<br />
Os dados mostram que na Venezuela existem 126 corporações<br />
policiais: 24 estatais e 99 municipais. Adicionalmente cumprem funções<br />
<strong>de</strong> polícia preventiva ou ostensiva: a Guarda Nacional, o Corpo <strong>de</strong><br />
Investigações Científicas Penais e Criminológicas e o Corpo <strong>de</strong> Guardas<br />
<strong>de</strong> Trânsito Terrestre.<br />
Entre 1990 e 2006, foram criadas 105 novas polícias, o que supõe<br />
um aumento <strong>de</strong> 363,64%. Contamos no país com uma taxa <strong>de</strong> 457,18<br />
funcionários por cem mil habitantes cumprindo funções <strong>de</strong> polícia<br />
ostensiva e, no entanto, não resolvemos os problemas <strong>de</strong> segurança<br />
pública e a distribuição dos funcionários não é a mais a<strong>de</strong>quada. 17 dos<br />
24 estados têm uma taxa menor que o padrão <strong>de</strong> 350,19 por cada<br />
100.000 habitantes.<br />
Os problemas mais importantes:<br />
Pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> normativas que regulam a ativida<strong>de</strong> policial (21 leis<br />
estaduais e 77 <strong>de</strong>cretos e disposições municipais), a doutrina, os manuais<br />
<strong>de</strong> procedimentos, os critérios e mecanismos <strong>de</strong> seleção e entrada.<br />
Uso ineficiente dos recursos policiais disponíveis: do número total<br />
<strong>de</strong> agentes policiais, aproximadamente 11% estão inativos, 10% se<br />
encontram em comissão <strong>de</strong> serviço ou <strong>de</strong> férias no momento <strong>de</strong> coleta<br />
da informação, outros 10% estão <strong>de</strong>stacados em funções administrativas.<br />
Do total <strong>de</strong> agentes operativos, só 52% realizam ativida<strong>de</strong>s<br />
relacionadas à segurança pública (patrulhamento e investigação), enquanto<br />
o resto tem como funções <strong>de</strong>signadas a custódia <strong>de</strong> edifícios, a proteção<br />
a personalida<strong>de</strong>s, o trabalho <strong>de</strong> transporte e logística, entre outras.<br />
Existência <strong>de</strong> muitas polícias dos níveis organizacionais<br />
claramente diferenciados e separados (agentes e oficiais) e um déficit<br />
freqüente <strong>de</strong> gerentes médios e supervisores, além <strong>de</strong> uma cultura<br />
fortemente militarizada que impediu o trânsito para uma polícia<br />
eminentemente civil.
Soraya El Achkar<br />
A subordinação e <strong>de</strong>pendência das polícias aos comandos políticos<br />
é um problema relevante.<br />
O funcionamento da maior parte das polícias <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da <strong>de</strong>signação<br />
orçamentária que realizam os governos e as prefeituras segundo as suas<br />
priorida<strong>de</strong>s (98% <strong>de</strong> seus recursos provêm das contribuições <strong>de</strong>stes<br />
entes), o que faz que as suas ativida<strong>de</strong>s e o <strong>de</strong>senvolvimento estejam<br />
sujeitos à agenda conjuntural do executivo).<br />
70,33% das polícias não contam com manuais <strong>de</strong> procedimentos e<br />
76% não contam com manuais <strong>de</strong> organização, portanto os procedimentos<br />
para a seleção, a entrada, as ascensões e a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> tarefas e funções,<br />
assim como as sanções disciplinares e a aposentadoria são discricionárias<br />
e arbitrárias, <strong>de</strong> acordo com a vonta<strong>de</strong> dos políticos da vez.<br />
O mesmo acontece com o regime disciplinar que se caracteriza<br />
por ser: heterogêneo, discricionário, arbitrário, contraditório com os<br />
princípios legais, como o <strong>de</strong>vido processo e a proporcionalida<strong>de</strong>. Não<br />
costuma haver procedimentos claros para sancionar os policiais e quando<br />
isso é feito, muitas vezes, é inconstitucional.<br />
Números e médias <strong>de</strong> policiais <strong>de</strong>mitidos <strong>de</strong> corpos <strong>de</strong> segurança<br />
que se encontram trabalhando em alguma outra corporação <strong>de</strong> segurança:<br />
754. Funcionários ativos com antece<strong>de</strong>ntes penais: 1.316 (1,7%).<br />
Funcionários ativos têm antece<strong>de</strong>ntes penais por diversos <strong>de</strong>litos, apesar<br />
<strong>de</strong> a maioria dos organismos consi<strong>de</strong>rar a inexistência <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes<br />
como condição para a entrada no organismo.<br />
Os policiais menos formados são aqueles que têm menor patente e<br />
fazem o trabalho <strong>de</strong> supervisão ou <strong>de</strong> contato com as pessoas. Uma<br />
porcentagem alta tem problemas para redigir relatórios e os<br />
procedimentos são <strong>de</strong>clarados nulos, o que aumenta a impunida<strong>de</strong>. Na<br />
formação, a dispersão é expressa na ausência <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong><br />
formação e <strong>de</strong> certificação das instituições. Existem tantos documentos<br />
curriculares como mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> formação policial existentes no país. Os<br />
propósitos da formação variam <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho para outro; assim como<br />
variam os planos <strong>de</strong> estudo, o perfil <strong>de</strong> formatura, os lapsos, a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />
curricular, o título que é outorgado, o enfoque pedagógico, a relação teoriaprática,<br />
o vínculo com a comunida<strong>de</strong>. Com as guardadas exceções, os<br />
199
200<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
enfoques <strong>de</strong> formação são fortemente militarizados.<br />
Muitas polícias não contam com infra-estrutura a<strong>de</strong>quada, carecem<br />
<strong>de</strong> instalações <strong>de</strong> serviços básicos ou <strong>de</strong> espaços necessários para a<br />
ativida<strong>de</strong> policial, como as áreas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção preventiva. Em outros casos,<br />
nem ao menos se conta com se<strong>de</strong> própria. Recursos <strong>de</strong> maior nível<br />
tecnológico (telefones e faxes, acesso à Internet, computadores, software)<br />
são relativamente estranhos ou, quando existem, concentram-se nas se<strong>de</strong>s<br />
principais.<br />
Do mesmo modo, do conjunto <strong>de</strong> armas informadas (mais <strong>de</strong><br />
100.000), aproximadamente 20% são <strong>de</strong>claradas como inoperantes. Em<br />
relação aos veículos, consi<strong>de</strong>ra-se que estão em condições <strong>de</strong> operativida<strong>de</strong><br />
64,95% para as polícias estaduais e 70,17% para as municipais.<br />
Os baixos salários e as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s nas receitas tornam a carreira<br />
policial pouco atraente. A média nacional <strong>de</strong> salário das patentes mais<br />
baixas é <strong>de</strong> Bs. 476.444 mensais (200$USA). O salário médio dos oficiais<br />
<strong>de</strong> patente mais alta é <strong>de</strong> Bs. 1.616.289 (753$USA), o que representa<br />
3,38 vezes mais que o salário médio dos agentes <strong>de</strong> base. O regime <strong>de</strong><br />
segurança social é disperso e heterogêneo. Existem polícias com regimes<br />
próprios, sendo gerada uma situação <strong>de</strong> discriminação entre os<br />
funcionários.<br />
MEDIDAS IMEDIATAS<br />
Consi<strong>de</strong>rando que nenhuma reforma muda o estado da arte <strong>de</strong> forma<br />
imediata, foi <strong>de</strong>cidido recomendar ao governo nacional algumas medidas <strong>de</strong><br />
caráter imediatas, mas que fossem transitórias com relação ao novo mo<strong>de</strong>lo<br />
policial. Assim, essas medidas são um conjunto <strong>de</strong> recomendações aos<br />
po<strong>de</strong>res nacionais, com o objetivo <strong>de</strong> resolver problemas imediatos<br />
relacionados com a efetivida<strong>de</strong> no serviço policial, o controle <strong>de</strong> gestão<br />
policial, as violações aos direitos humanos e a formação policial.<br />
Primeira Resolução (aprovada)<br />
Que é necessário um instrumento legal que previna e controle os<br />
operativos <strong>de</strong> segurança pública, como postos e pontos policiais <strong>de</strong><br />
controle móvel em áreas urbanas, não previstos no <strong>de</strong>creto com força <strong>de</strong><br />
lei <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> segurança cidadã. O Ministério do Interior e <strong>de</strong>
Justiça resolveu estabelecer medidas <strong>de</strong> regulação, controle e supervisão<br />
dos postos e pontos <strong>de</strong> controle policial a fim <strong>de</strong> garantir que as ações<br />
cometidas sejam puníveis nos mencionados postos.<br />
Esta Resolução foi adotada mediante resolução ministerial 189, em<br />
Diário Oficial Nº 38.441 do dia 22 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006. Não obstante, não<br />
é uma publicação oficial que foi suficientemente difundida entre as<br />
corporações policiais, tampouco foram implementados os mecanismos<br />
para a supervisão dos postos móveis.<br />
Segunda Resolução (aprovada):<br />
Consi<strong>de</strong>rando que se requer um instrumento eficaz em matéria<br />
policial, <strong>de</strong> caráter ético e moral que honre a função policial e contribua<br />
para o melhor cumprimento <strong>de</strong> suas funções, ajustado aos princípios<br />
constitucionais em matéria <strong>de</strong> direitos humanos e aos avanços do<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico geral, o Ministério do Interior e Justiça <strong>de</strong>cidiu ditar<br />
um código <strong>de</strong> conduta para os funcionários civis ou militares que cumpram<br />
funções policiais no âmbito nacional, estadual e municipal.<br />
Esta Resolução foi adotada mediante resolução ministerial 364, em<br />
Diário Oficial Nº 38.527 do dia 21 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2006. Este Código<br />
foi <strong>de</strong>senhado em versão • <strong>de</strong> bolso e foram editados 200 mil exemplares<br />
com o propósito <strong>de</strong> serem distribuídos a todos os funcionários civis ou<br />
militares que cumpram funções policiais.<br />
Terceira Resolução (não aprovada)<br />
Soraya El Achkar<br />
Consi<strong>de</strong>rando que o Executivo Nacional, para o cumprimento das<br />
exigências contempladas na Constituição da República Bolivariana e nas<br />
Leis, <strong>de</strong>ve proce<strong>de</strong>r a elaboração <strong>de</strong> um registro integral <strong>de</strong> controle<br />
das armas que se encontram em po<strong>de</strong>r das diferentes Corporações <strong>de</strong><br />
<strong>Polícia</strong> do país em nível nacional. Neste sentido, <strong>de</strong>veria resolver que os<br />
Ministérios do Interior e <strong>de</strong> Justiça e da Defesa procedam realizar um<br />
inventário digitalizado <strong>de</strong> todas as armas corporativas, particulares e<br />
apreendidas, em po<strong>de</strong>r das polícias nacionais, estatais e municipais e<br />
daquelas que estiverem em po<strong>de</strong>r dos funcionários que prestam serviço<br />
nos estabelecimentos penitenciários e nas empresas dos serviços <strong>de</strong><br />
segurança privada.<br />
201
202<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
Esta Resolução também <strong>de</strong>veria contemplar a formação no<br />
espectro contínuo do uso <strong>de</strong> força, especialmente no uso das armas <strong>de</strong><br />
fogo, a partir <strong>de</strong> um enfoque <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
Quarta Resolução (não aprovada)<br />
Consi<strong>de</strong>rando que é necessário sistematizar as Boas Práticas<br />
<strong>Policiais</strong> através <strong>de</strong> um programa permanente e integral, que permita ao<br />
Estado venezuelano o fortalecimento da qualida<strong>de</strong> do serviço policial<br />
nos âmbitos nacional, estadual e municipal, gerando um processo<br />
pedagógico, <strong>de</strong> indagação auto-reflexiva e valoração sobre o acervo <strong>de</strong><br />
conhecimentos e experiências vividas nas instituições policiais, o<br />
Ministério do Interior e da Justiça <strong>de</strong>veria resolver: a criação do programa<br />
permanente <strong>de</strong> certificação das boas práticas policiais.<br />
Esta Resolução teria como objeto a criação do Programa <strong>de</strong><br />
Certificação das Boas Práticas <strong>Policiais</strong>; cuja finalida<strong>de</strong> é incentivar,<br />
reconhecer, promover, fortalecer e difundir os programas, projetos e<br />
estratégias policiais nas áreas <strong>de</strong> recursos humanos, investigação,<br />
tecnologia, <strong>de</strong>strezas, capacitação e interação social que tenham<br />
permitido melhorar os indicadores <strong>de</strong> atuação policial através <strong>de</strong> um<br />
processo <strong>de</strong> avaliação e certificação das boas práticas policiais.<br />
Quinta Resolução (não aprovada)<br />
Consi<strong>de</strong>rando que a ocorrência <strong>de</strong> mortes e outras violações aos<br />
direitos humanos, nos quais participaram funcionários policiais são<br />
inaceitáveis ética e juridicamente e que isso <strong>de</strong>sonra a função policial<br />
como serviço humanitário. Consi<strong>de</strong>rando que a dispersão e incoerência<br />
da normativa que consta contra a legalida<strong>de</strong> e a segurança jurídica<br />
coadjuvam para a falta <strong>de</strong> uniformida<strong>de</strong> e para a carência <strong>de</strong> respostas<br />
a<strong>de</strong>quadas e oportunas para as vítimas <strong>de</strong> violações aos direitos humanos,<br />
o Executivo Nacional <strong>de</strong>veria resolver ditar uma instrução <strong>de</strong> supervisão<br />
dos órgãos policiais.<br />
A Resolução tem como objetivo acentuar a supervisão dos órgãos<br />
policiais mediante instruções que conduzam a que cada um <strong>de</strong>les leve<br />
adiante os procedimentos <strong>de</strong> lei correspon<strong>de</strong>ntes
O MODELO DE POLÍCIA<br />
Com toda a informação recolhida na consulta nacional e com os<br />
estudos diagnósticos, foi <strong>de</strong>senhado um novo mo<strong>de</strong>lo policial para a<br />
Venezuela sob as seguintes consi<strong>de</strong>rações:<br />
O Mo<strong>de</strong>lo policial constitui um conjunto <strong>de</strong> supostos e princípios<br />
sobre a organização <strong>de</strong>sejável da polícia como agência <strong>de</strong> segurança pública.<br />
Os princípios do mo<strong>de</strong>lo são as coor<strong>de</strong>nadas institucionais através das<br />
quais se articula todo o exercício e funcionamento da organização.<br />
Abarca supostos e princípios intra-institucionais, que têm a ver com<br />
a organização, gestão, <strong>de</strong>sempenho e avaliação comuns para os corpos<br />
<strong>de</strong> polícia, e que <strong>de</strong>vem ser aplicados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les. Supostos<br />
e princípios inter-institucionais, que têm a ver com a coor<strong>de</strong>nação,<br />
cooperação, sinergia e acoplamento dos diversos corpos policiais <strong>de</strong>ntro<br />
do marco <strong>de</strong> uma ação convergente para a realização das políticas públicas<br />
<strong>de</strong> segurança cidadã que correspon<strong>de</strong>m à polícia.<br />
Enten<strong>de</strong>-se por polícia uma instituição pública, dotada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
coercitivo imediato, cuja função é individualizar, <strong>de</strong>tectar, restringir e/ou<br />
suprimir condutas previstas como lesivas <strong>de</strong> interesses juridicamente<br />
protegidos e, portanto, submetidas a sanção pública.<br />
O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>finido conta com 8 itens:<br />
Soraya El Achkar<br />
Um primeiro item sobre os Princípios Gerais da polícia venezuelana,<br />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>fine a <strong>Polícia</strong> como uma instituição pública, <strong>de</strong> função in<strong>de</strong>legável,<br />
civil, que opera <strong>de</strong>ntro do marco da Constituição da República Bolivariana<br />
da Venezuela e dos tratados e princípios internacionais sobre proteção<br />
dos direitos humanos, orientada pelos princípios <strong>de</strong> permanência, eficácia,<br />
eficiência, universalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>mocracia e participação, controle <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho e avaliação <strong>de</strong> acordo com processos e padrões <strong>de</strong>finidos,<br />
e submetida a um processo <strong>de</strong> planejamento e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> acordo<br />
com as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro dos âmbitos político-territoriais nos âmbitos<br />
nacional, estadual e municipal.<br />
Um segundo item, que especifica as funções da polícia, on<strong>de</strong> se<br />
indica que a função principal das polícias é expressa nas seguintes ações:<br />
203
204<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
a) garantir o livre exercício dos direitos humanos e as<br />
liberda<strong>de</strong>s públicas;<br />
b) prevenir a prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos;<br />
c) apoiar o cumprimento das <strong>de</strong>cisões da autorida<strong>de</strong><br />
competente;<br />
d) garantir o controle e a vigilância da circulação e o<br />
trânsito terrestre;<br />
e) facilitar a resolução <strong>de</strong> conflitos mediante o diálogo,<br />
a mediação e a conciliação.<br />
Ações que, por mandato constitucional, são coinci<strong>de</strong>ntes entre os<br />
três âmbitos político-territoriaais do po<strong>de</strong>r público nacional, estadual e<br />
municipal. Portanto são competentes para exercê-las tanto a polícia nacional<br />
como as polícias estaduais e municipais.<br />
Um terceiro item sobre a estrutura on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>fine quem realiza a<br />
função policial e as atribuições que correspon<strong>de</strong>m ao Ministro do Interior<br />
e <strong>de</strong> Justiça, aos governadores <strong>de</strong> Estado e aos prefeitos a respeito das<br />
corporações nacionais, estaduais e municipais, respectivamente. Assim<br />
como as atribuições que são próprias dos diretores das diversas<br />
corporações policiais e dos funcionários com responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
comando na relação hierárquica com seus subordinados.<br />
Um quarto item que <strong>de</strong>fine os princípios <strong>de</strong> <strong>de</strong>signação <strong>de</strong><br />
competências da polícia nos âmbitos político-territoriais nacional, estadual<br />
e municipal, os quais são enunciados como concorrência, coor<strong>de</strong>nação,<br />
cooperação e atenção antecipada. Além <strong>de</strong> explicar quatro critérios <strong>de</strong><br />
distribuição <strong>de</strong> competências, a saber: 1) critério <strong>de</strong> territorialida<strong>de</strong>, 2)<br />
critério <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, 3) critério da intensida<strong>de</strong> da intervenção e 4)<br />
critério da especificida<strong>de</strong> da intervenção.<br />
Um quinto item sobre a Carreira policial, que compreen<strong>de</strong> tudo o<br />
que seja relativo às categorias na hierarquia policial, sistema <strong>de</strong> formação,<br />
requisitos para a ascensão, permanência e aposentadoria, incluindo regime<br />
<strong>de</strong> segurança social.<br />
Um sexto item sobre o <strong>de</strong>sempenho policial que compreen<strong>de</strong> tudo
o que seja relativo a pautas <strong>de</strong> comportamento e indicadores <strong>de</strong><br />
rendimento, eficiência, eficácia, uso da força, respeito aos direitos humanos,<br />
meios e recursos disponíveis e, em geral, critérios para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
do trabalho policial <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> limites socialmente aceitáveis.<br />
Um sétimo item, que compreen<strong>de</strong> tudo que seja relativo a<br />
mecanismos <strong>de</strong> controle interno e externo da polícia, regime disciplinar,<br />
assuntos internos, procedimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e correção <strong>de</strong> má prática,<br />
instâncias externas <strong>de</strong> supervisão e auditoria, coor<strong>de</strong>nação governamental<br />
e corregedoria social.<br />
Um oitavo item on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>fine o sistema integrado <strong>de</strong> polícia que<br />
supõe o cumprimento da função policial coinci<strong>de</strong>nte, através do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma estrutura que assegure a gestão e a eficiência<br />
dos corpos policiais mediante o cumprimento <strong>de</strong> princípios e regras<br />
comuns sobre a carreira, o <strong>de</strong>sempenho, os níveis <strong>de</strong> intervenção, as<br />
atribuições e os mecanismos <strong>de</strong> supervisão e controle.<br />
Recomendações Finais da Comissão Nacional para a Reforma<br />
Policial:<br />
Deste conjunto <strong>de</strong> propostas que <strong>de</strong>finem as tarefas centrais para a<br />
construção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong>rivam as seguintes<br />
recomendações imediatas:<br />
1. Elaborar a lei <strong>de</strong> bases e <strong>de</strong>mais normativas que regulam o sistema<br />
integrado <strong>de</strong> polícia e <strong>de</strong>mais leis vinculadas aos corpos policiais, segundo<br />
o previsto no Mo<strong>de</strong>lo proposto. O Executivo Nacional elaborará as linhas<br />
para o <strong>de</strong>senho das políticas <strong>de</strong> segurança pública e os programas gerais<br />
para o controle do <strong>de</strong>lito.<br />
Aspectos <strong>de</strong>stacáveis a incluir na lei:<br />
Soraya El Achkar<br />
a) os princípios organizativos, a gestão e as pautas <strong>de</strong><br />
atuação e avaliação da polícia <strong>de</strong>vem respon<strong>de</strong>r a<br />
critérios estritamente civis;<br />
b) incorporar o controle, or<strong>de</strong>nação da circulação e o<br />
trânsito <strong>de</strong> veículos, assim como a segurança viária para<br />
as funções da polícia nacional, estadual e municipal;<br />
205
206<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
c) adotar uma carreira única e uma escala hierárquica<br />
<strong>de</strong> 9 posições que compreenda: a) alta gerência,<br />
planejamento e avaliação; b) gerência média, <strong>de</strong>senho<br />
<strong>de</strong> operações, supervisão e avaliação e c) nível<br />
operacional;<br />
d) <strong>de</strong>senhar um sistema uniforme <strong>de</strong> condições <strong>de</strong><br />
trabalho e previdência social, <strong>de</strong> acordo com as<br />
particularida<strong>de</strong>s da polícia, a intangibilida<strong>de</strong> e<br />
progressivida<strong>de</strong> dos direitos trabalhistas;<br />
e) adotar um regime disciplinar unificado com relação<br />
a faltas, procedimentos para <strong>de</strong>terminar a<br />
responsabilida<strong>de</strong> e instâncias encarregadas <strong>de</strong> aplicar<br />
as sanções;<br />
f) a <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong>ve estar submetida a mecanismos <strong>de</strong><br />
prestação <strong>de</strong> contas por parte da cidadania;<br />
g) regulamentar as competências da direção <strong>de</strong> assuntos<br />
internos do Comitê Cidadãos <strong>de</strong> Supervisão Policial e<br />
do Auditor Policial, a fim <strong>de</strong> alcançar um sistema<br />
coerente, funcional e racional para o controle da<br />
ativida<strong>de</strong> policial mediante a participação cidadã;<br />
h) estabelecer um mecanismo <strong>de</strong> caráter nacional e<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das polícias que permita processar,<br />
investigar e levar a juízo as violações aos direitos<br />
humanos.<br />
2. Difundir, exigir e supervisionar o cumprimento do código <strong>de</strong><br />
conduta policial.<br />
3. A <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong>ve ser treinada na proteção dos direitos humanos,<br />
conforme a constituição e o sistema internacional <strong>de</strong> proteção; bem como<br />
no uso da força. A segurança privada é subsidiária da polícia e regem para<br />
ela os princípios sobre proteção aos direitos humanos e o uso da força.<br />
4. Implementar medidas para evitar que a <strong>Polícia</strong> suspenda a<br />
prestação do serviço por nenhum motivo.
Soraya El Achkar<br />
5. Adotar critérios <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho policial que levem<br />
em consi<strong>de</strong>ração a relação entre recursos disponíveis e obtenção <strong>de</strong><br />
resultados.<br />
6. As diferentes corporações <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong>vem preparar um plano<br />
anual <strong>de</strong> gestão.<br />
7. Elaborar os protocolos <strong>de</strong> intervenção policial segundo os<br />
critérios <strong>de</strong> territorialida<strong>de</strong>, complexida<strong>de</strong>, intensida<strong>de</strong> e especificida<strong>de</strong><br />
da intervenção aplicáveis a todas as polícias.<br />
8. Desenhar uma política sobre o uso <strong>de</strong> força física que inclua a<br />
aquisição, registro, controle e utilização <strong>de</strong> armamentos e equipamentos<br />
autorizados e homologados. Esta política <strong>de</strong>ve se restringir segundo os<br />
seguintes princípios a: afirmação da vida como um valor supremo<br />
constitucional, o <strong>de</strong>sestímulo ao uso da força como castigo, as escalas<br />
progressivas para o uso da força em função do nível <strong>de</strong> resistência do<br />
cidadão, procedimentos <strong>de</strong> acompanhamento e supervisão <strong>de</strong> seu uso,<br />
treinamento permanente policial e a difusão <strong>de</strong> instruções entre a<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
9. Desenvolver manuais e protocolos para a aplicação <strong>de</strong> escalas<br />
progressivas no uso da força física em função da resistência do cidadão.<br />
10. Adotar um plano para a polícia <strong>de</strong> dotação e manutenção da<br />
capacida<strong>de</strong> operativa que inclua ambientes físicos, unida<strong>de</strong>s móveis,<br />
uniformes e insígnias e tecnologia <strong>de</strong> informação e <strong>de</strong> comunicação.<br />
11. Consolidar a base <strong>de</strong> dados nacional sobre a polícia venezuelana<br />
no âmbito nacional, regional e municipal e acordar critérios <strong>de</strong> unificação<br />
sobre os registros <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> e índices <strong>de</strong> letalida<strong>de</strong> policial.<br />
12. Executar, com a máxima brevida<strong>de</strong> que seja possível, um<br />
inventário digitalizado <strong>de</strong> todas as armas corporativas, particulares e<br />
apreendidas, bem como um registro balístico.<br />
13. Implementar um programa <strong>de</strong> certificação <strong>de</strong> boas práticas<br />
policiais que premie os policiais ou as instituições que adiantem programas<br />
que garantam segurança cidadã e respeitem os direitos humanos.<br />
207
208<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
14. Regular a re-<strong>de</strong>signação em uma ativida<strong>de</strong> compatível com a<br />
sua formação e as necessida<strong>de</strong>s do serviço daqueles funcionários<br />
supostamente incluídos em <strong>de</strong>litos e em faltas graves enquanto se resolve<br />
<strong>de</strong>finitivamente a sua situação.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
O objetivo geral da Comissão para a Reforma Policial em uma fase<br />
II era implantar o novo mo<strong>de</strong>lo policial, mediante um marco jurídico<br />
institucional e <strong>de</strong> gestão que permita conceber a polícia como uma<br />
instituição pública, <strong>de</strong> função in<strong>de</strong>legável, civil, que opera <strong>de</strong>ntro do marco<br />
da Constituição da República Bolivariana da Venezuela e dos tratados e<br />
princípios internacionais sobre proteção dos direitos humanos, orientada<br />
pelos princípios <strong>de</strong> permanência, eficácia, eficiência, universalida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>mocracia e participação, controle <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho e avaliação, <strong>de</strong> acordo<br />
com os processos e os padrões <strong>de</strong>finidos e submetida a um processo <strong>de</strong><br />
planejamento e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro<br />
dos âmbitos político-territoriais nacional, estadual e municipal.<br />
A estratégia central compreendia o acompanhamento ao Ministro<br />
do Interior e da Justiça mediante o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> mecanismos para a<br />
implementação do conjunto <strong>de</strong> recomendações sugeridas pela Comissão,<br />
com o objetivo <strong>de</strong> resolver problemas imediatos relacionados com a<br />
efetivida<strong>de</strong> no serviço policial, o controle <strong>de</strong> gestão policial, as violações<br />
aos direitos humanos e a formação policial.<br />
Foi proposto um plano <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do mo<strong>de</strong>lo articulado<br />
através <strong>de</strong> 5 áreas temáticas fundamentais com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />
padrões aplicáveis a todas as corporações <strong>de</strong> polícia que proceda mediante<br />
a aplicação e avaliação em princípio, <strong>de</strong> mínimas medidas imediatas que<br />
culmine em um sistema <strong>de</strong> certificação policial, acompanhado <strong>de</strong> um<br />
Programa <strong>de</strong> Assistência Técnica para aquelas polícias que não alcancem<br />
os padrões a<strong>de</strong>quados, com o objetivo <strong>de</strong> atingir a sua melhora e, em<br />
caso <strong>de</strong> falha, o seu eventual <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>nciamento e/ou reorganização ou<br />
eliminação.<br />
a) funções e competências: princípios para a<br />
distribuição <strong>de</strong> competências segundo a territorialida<strong>de</strong>,
Soraya El Achkar<br />
complexida<strong>de</strong>, intensida<strong>de</strong> e especificida<strong>de</strong> da<br />
intervenção.<br />
b) carreira policial: Categorias na hierarquia policial,<br />
um sistema <strong>de</strong> formação, requisitos para a ascensão,<br />
permanência e aposentadoria, incluindo um regime <strong>de</strong><br />
previdência social e <strong>de</strong> direitos trabalhistas.<br />
c) prestação <strong>de</strong> contas: Mecanismos <strong>de</strong> controle<br />
interno e externo da polícia, regime disciplinar, assuntos<br />
internos, procedimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e correção <strong>de</strong><br />
má prática, instâncias externas <strong>de</strong> supervisão e<br />
auditoria, coor<strong>de</strong>nação governamental e corregedoria<br />
social.<br />
d) <strong>de</strong>sempenho policial: Pautas <strong>de</strong> comportamento<br />
e indicadores <strong>de</strong> rendimento, eficiência, eficácia, uso<br />
da força, respeito aos direitos humanos, meios e<br />
recursos disponíveis e, em geral, critérios para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do trabalho policial <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> limites<br />
socialmente aceitáveis.<br />
e) uso da força física: Mecanismos para o treinamento,<br />
uso, acompanhamento e supervisão da aplicação da<br />
coerção física por parte da polícia, levando em<br />
consi<strong>de</strong>ração escalas progressivas para o uso da força<br />
em função do nível <strong>de</strong> resistência e oposição do<br />
cidadão, promovendo a difusão <strong>de</strong> instruções entre a<br />
comunida<strong>de</strong>, com o objetivo <strong>de</strong> facilitar a inspeção<br />
social nesta matéria.<br />
Na Venezuela se dão todas as condições para levar adiante uma<br />
reforma policial.<br />
1. Alcançamos um acordo nacional a respeito dos temas da reforma<br />
policial, mediante uma ampla consulta nacional a todos os setores do país.<br />
Todos coinci<strong>de</strong>m em indicar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adiantar uma reforma nas<br />
áreas temáticas levantadas.<br />
2. Os funcionários e funcionárias <strong>de</strong> polícia mostraram (<strong>de</strong> um modo<br />
209
210<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
geral) vonta<strong>de</strong> política para se submeter a um processo <strong>de</strong> reforma policial<br />
e participar ativamente no mencionado processo.<br />
3. O diagnóstico institucional conseguiu esboçar uma caracterização<br />
<strong>de</strong>talhada da polícia venezuelana.<br />
4. Um plano <strong>de</strong> ação a curto, médio e longo prazo para implementar<br />
a reforma policial e algumas medidas imediatas para resolver os problemas<br />
mais graves <strong>de</strong>ntro das instituições policiais.<br />
5. No país existe um grupo <strong>de</strong> especialistas <strong>de</strong>ntro e fora da<br />
aca<strong>de</strong>mia que estão dispostos a acompanhar o processo <strong>de</strong> reforma, e<br />
muitos dos especialistas internacionais se mostraram solidários e<br />
anunciaram a sua disposição em colaborar.<br />
6. Nestes tempos <strong>de</strong> bonança, o país tem suficiente recurso<br />
tecnológico e financeiro para organizar o processo <strong>de</strong> reforma no âmbito<br />
nacional, estadual e municipal.<br />
7. A população está disposta a exercer o direito que lhe dá a<br />
Constituição para <strong>de</strong>senhar as políticas públicas em matéria <strong>de</strong> segurança<br />
e para controlar as instituições públicas como a polícia.<br />
8. Temos uma opinião pública a favor da reforma que estaria disposta<br />
a promovê-la e a criar uma matriz <strong>de</strong> opinião que animasse positivamente<br />
o processo.<br />
Não obstante, existem situações complexas que foram ou são<br />
potencialmente elementos que impe<strong>de</strong>m a Reforma Policial:<br />
1. A reforma policial nunca foi assumida nem pelo Conselho <strong>de</strong><br />
Ministério nem pelo Presi<strong>de</strong>nte da República. Foi uma iniciativa do Ministro<br />
do Interior e <strong>de</strong> Justiça, que não a promoveu no gabinete com a força que<br />
correspondia.<br />
2. Os níveis <strong>de</strong> rotação <strong>de</strong> funcionários nos cargos ministeriais são<br />
muito altos e cada rotação implica começar <strong>de</strong> novo, <strong>de</strong>sconhecendo o<br />
trabalho <strong>de</strong> seu antecessor. Cabe indicar que em 8 anos <strong>de</strong> governo com<br />
o presi<strong>de</strong>nte Hugo Chávez Frías houve 9 Ministros do Interior e <strong>de</strong> Justiça,<br />
e nenhum <strong>de</strong>les <strong>de</strong>u priorida<strong>de</strong> à reforma policial, com exceção do Ministro
Soraya El Achkar<br />
Jesse Chacón, que nomeara a Comissão Nacional para a Reforma policial.<br />
3. Neste momento (2007), estamos em um processo <strong>de</strong> reforma<br />
constitucional (iniciativa presi<strong>de</strong>ncial), assunto que po<strong>de</strong>ria afetar<br />
radicalmente o mo<strong>de</strong>lo policial proposto pela Comissão porque se planejou<br />
revisar a estrutura do território e <strong>de</strong>mais espaços geográficos, assim como<br />
a divisão política (nova geometria do po<strong>de</strong>r); as competências do po<strong>de</strong>r<br />
público nacional, regional e municipal (novo po<strong>de</strong>r comunal); a estruturação<br />
e funções da Força Armada Nacional. Por isso dizemos que é uma<br />
experiência em curso.<br />
4. Algumas das recomendações topam com interesses institucionais<br />
que po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>sviar a reforma policial para não ce<strong>de</strong>r cotas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
que foram conquistadas na estrutura do Estado: 1) A criação da <strong>Polícia</strong><br />
Nacional, como corpo uniforme <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Geral, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Executivo<br />
Nacional, 2) A <strong>de</strong>finição, instalação do sistema integrado <strong>de</strong> polícia e a<br />
criação e ativação do Conselho Geral <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> como máxima instância<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>finição, planejamento e coor<strong>de</strong>nação das políticas públicas <strong>de</strong><br />
segurança cidadã; 3) A eliminação da <strong>Polícia</strong> Metropolitana e do Corpo <strong>de</strong><br />
Vigilância e Trânsito Terrestre em um processo <strong>de</strong> transição que implique<br />
respeito aos direitos humanos trabalhistas. 4) A retirada da Guarda<br />
Nacional das funções <strong>de</strong> segurança cidadã, da formação policial e <strong>de</strong> outros<br />
âmbitos <strong>de</strong> exercício policial; 5) A eliminação dos grupos especiais do<br />
Corpo <strong>de</strong> Investigações Científicas, Penais e <strong>de</strong> Criminalística, e a retirada<br />
<strong>de</strong>sta polícia das tarefas <strong>de</strong> patrulhamento; 6) A restrição às atribuições<br />
dos prefeitos e governadores na vida institucional das polícias (a não<br />
ingerência política).<br />
5. A ausência <strong>de</strong> políticas públicas no âmbito nacional, estadual e<br />
municipal com relação aos temas da segurança pública afetam diretamente<br />
qualquer reforma policial, porque a polícia não é mais que um meio para<br />
alcançar propósitos <strong>de</strong> Estado e <strong>de</strong> governabilida<strong>de</strong> que, neste caso, não<br />
estão claramente <strong>de</strong>finidos.<br />
Não quero terminar sem me referir à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar <strong>de</strong><br />
forma complexa na reforma policial porque esta é apenas a ponta <strong>de</strong> uma<br />
reforma muito mais ampla: a reforma do setor segurança; enten<strong>de</strong>ndo<br />
que a segurança é uma responsabilida<strong>de</strong> pública essencial e necessária<br />
para alcançar níveis aceitáveis <strong>de</strong> vida boa e <strong>de</strong> justa governabilida<strong>de</strong>. Na<br />
211
212<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
Venezuela, a Constituição da República <strong>de</strong>fine a segurança como um direito<br />
humano, uma garantia constitucional on<strong>de</strong> o Estado se responsabiliza pela<br />
proteção das pessoas e comunida<strong>de</strong>s frente a ameaças, vulnerabilida<strong>de</strong>s,<br />
riscos e agressões a vida, integrida<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sfrute <strong>de</strong> seus direitos<br />
e cumprimento <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres. Neste sentido, não é competência<br />
exclusiva da <strong>Polícia</strong>.<br />
Pensar na reforma policial implica, então, empreen<strong>de</strong>r um caminho<br />
<strong>de</strong> 1) múltiplas reformas para mudar o <strong>de</strong>senho institucional do complexo<br />
sistema <strong>de</strong> administração <strong>de</strong> justiça; 2) Integrar no planejamento público<br />
os assuntos vinculados com a segurança. Ou seja, <strong>de</strong>senhar políticas intersetoriais<br />
para assumir um enfoque <strong>de</strong> ação pública integral em matéria <strong>de</strong><br />
segurança cidadã; 3) promover mecanismos <strong>de</strong> difusão sobre a gestão <strong>de</strong><br />
todas as reformas para que toda a socieda<strong>de</strong> civil possa estar informada e<br />
participe ativamente na correção <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>senhos institucionais.<br />
Notas<br />
1 O Relatório anual <strong>de</strong> PROVEA traz um registro estatístico das pessoas vulneradas em seu<br />
direito à vida (entre outros) que nos permitiu estabelecer a média em um período <strong>de</strong> 16 anos<br />
(1988-2006).<br />
2 Cabe indicar que, apesar da campanha para a eleição presi<strong>de</strong>ncial (<strong>de</strong>zembro 2006), os donos<br />
dos meios <strong>de</strong> informação e os candidatos (em geral) respeitaram o acordo <strong>de</strong> evitar que a<br />
Comissão, como uma instância ministerial fosse <strong>de</strong>sprestigiada em uma sorte <strong>de</strong> estratégia do<br />
<strong>de</strong>bate eleitoral.<br />
Referências bibliográficas:<br />
EL ACHKAR Soraya, Gabaldón Luis Gerardo. Comissão Nacional para a Reforma Policial<br />
(2006) Reforma policial. Um olhar <strong>de</strong> fora e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro. Ministério do Interior e da Justiça na<br />
Venezuela.<br />
EL ACHKAR Soraya, Riveros Amaylin. Comissão Nacional para a Reforma Policial (2007). A<br />
consulta Nacional sobre reforma policial na Venezuela. Uma proposta para o diálogo e o consenso.<br />
Ministério do Interior e da Justiça da Venezuela.<br />
EL ACHKAR, Soraya (2000) “Educação em direitos humanos na Venezuela (1983-1999)”<br />
Em: Experiências <strong>de</strong> Educação em direitos humanos na América Latina. Edita o Instituto<br />
Interamericano <strong>de</strong> direitos Humanos. San José <strong>de</strong> Costa Rica.<br />
GABADÓN Luis Gerardo e Antillano Andrés. Comissão Nacional para a Reforma Policial<br />
(2007) A polícia venezuelana. Desenvolvimento institucional e perspectivas <strong>de</strong> reforma no início<br />
do terceiro milênio. Ministério do Interior e da Justiça da Venezuela.<br />
PROVEA (1990-1991) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas,<br />
PROVEA (1991-1992) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (1992-1993) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.
Soraya El Achkar<br />
Caracas.<br />
PROVEA (1993-1994) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (1994-1995) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (1995-1996) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (1996-1997) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (1997-1998) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (1998-1999) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (1999-2000) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (2000-2001) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (2001-2002) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (2002-2003) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
PROVEA (2003-2004) “Situação dos Direitos Humanos na Venezuela. Relatório anual”.<br />
Caracas.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (1985-1993) “Venezuela: Horror e impunida<strong>de</strong>.<br />
Inventário 1”. Caracas.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (1993-1994) “Venezuela: Horror e impunida<strong>de</strong>.<br />
Inventário 1”. Caracas.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (1994-1995) “Venezuela: Horror e impunida<strong>de</strong>.<br />
Inventário 1”. Caracas.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (1995-1996) “Venezuela: Horror e impunida<strong>de</strong>.<br />
Inventário 1”. Caracas.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2000) “Relatório <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s Janeiro<br />
Dezembro 2000” Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2001) “Relatório <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s Janeiro<br />
Dezembro 2001” Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2002) “Relatório <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s Janeiro<br />
Dezembro 2002” Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA LA PAZ (2002) “Relatório sobre a situação dos<br />
direitos civis durante a presidência <strong>de</strong> Hugo Chávez Frías no período 1999-2002. Série <strong>de</strong><br />
Relatórios Nº4. Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2003) “Relatório <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s Janeiro<br />
Dezembro 2003” Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA LA PAZ (2003) “Relatório sobre a situação <strong>de</strong><br />
direitos civis durante a presidência <strong>de</strong> Hugo Chávez Frías no período 1999-2003. Série <strong>de</strong><br />
Relatórios Nº5. Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2004) “1985-1999 Quinze Anos De<br />
Impunida<strong>de</strong> Na Venezuela”. Pesquisa documental. Padrões das violações aos direitos humanos<br />
213
214<br />
Reforma Policial na Venezuela: uma Experiência em Curso<br />
e os mecanismos <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong>. Série <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>rnos Pensar direitos humanos. Nº 7. Caracas,<br />
Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2004) “ Ativistas <strong>de</strong> direitos Humanos e<br />
<strong>Polícia</strong>s em diálogo”. Crônica do encontro para um mútuo aprendizado. Contam Ileana Ruiz<br />
e Soraya El Achkar. Série <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>rnos Pensar direitos humanos. Nº8. Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2004) “Relatório <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s Janeiro<br />
Dezembro 2004” Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2005) “Relatório <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s Janeiro<br />
Dezembro 2005” Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E PELA PAZ (2005) “Três histórias e um caminho<br />
reparador. Relatos soltos <strong>de</strong> três mulheres que reconstruiram noções, experiências e emoções a<br />
partir da dor pela morte injusta <strong>de</strong> seus filhos”, Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E A PAZ (1996) “A história <strong>de</strong> Juan”. Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E A PAZ (1997) “História <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Campos <strong>de</strong> Hurtado”.<br />
Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E A PAZ (1999) “Pela vida e diante da vida”. História <strong>de</strong><br />
vida <strong>de</strong> Ramón Parra.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTIÇA E A PAZ (1999) “Reconstruindo as minhas lutas”. História<br />
<strong>de</strong> vida <strong>de</strong> Luz Ortiz. Caracas, Venezuela.<br />
REDE DE APOIO PELA JUSTICIA E A PAZ (2006) “Impunida<strong>de</strong> na Venezuela 2000-2005”.<br />
Pesquisa documental <strong>de</strong> violações aos direitos humanos e mecanismos <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong>.<br />
Série <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>rnos Pensar direitos humanos. Nº9
Comunicação<br />
A POLÍCIA EM SOCIEDADES PÓS-CONFLITO<br />
Edgardo A. Amaya Cóbar*<br />
INTRODUÇÃO<br />
Um dos temas-chave dos processos <strong>de</strong> pacificação (peace<br />
building), em países que saem <strong>de</strong> períodos <strong>de</strong> conflito, é o<br />
restabelecimento da or<strong>de</strong>m, como pressuposto para a recuperação<br />
da institucionalida<strong>de</strong>. No quadro das ações <strong>de</strong> cooperação internacional<br />
para processos <strong>de</strong> paz, foram <strong>de</strong>senvolvidas diferentes estratégias para<br />
alcançar esse objetivo, a partir <strong>de</strong> tipos e graus <strong>de</strong> intervenção em<br />
diferentes situações conflituosas.<br />
Em processos bélicos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> envergadura, como na guerra<br />
dos Bálcãs ou em diversos conflitos armados na África, on<strong>de</strong> além dos<br />
processos <strong>de</strong> pacificação há, paralelamente, processos <strong>de</strong> construção<br />
<strong>de</strong> estado (state building), foram realizadas intervenções por forças<br />
internacionais militares como uma primeira medida <strong>de</strong> restabelecimento<br />
da or<strong>de</strong>m, seguida <strong>de</strong> posteriores intervenções para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> condições para a nomeação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s que<br />
administrassem a transição. Mas, uma vez iniciada essa trajetória, e<br />
com a paulatina saída do atores militares, nacionais ou internacionais,<br />
permanecia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manutenção da or<strong>de</strong>m. Dessa forma,<br />
verifica-se que o fortalecimento ou <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma força<br />
policial para tais fins é indiscutível.<br />
EL SALVADOR<br />
Regularmente, países que saem <strong>de</strong> amplos conflitos ficam com uma<br />
institucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>bilitada e com pouca capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reverter essa<br />
situação. A cooperação internacional, em diferentes níveis e formas, tem<br />
apoiado os processos <strong>de</strong> pacificação, mediante o envio <strong>de</strong> forças militares<br />
no cumprimento <strong>de</strong> missões <strong>de</strong> paz. Mas, ao mesmo tempo, registrou-se<br />
uma crescente <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> assistência técnica em matéria policial, pelos<br />
<strong>de</strong>safios que já foram assinalados. Diversos países da América Latina na<br />
atualida<strong>de</strong> contribuem com missões <strong>de</strong> paz em diferentes partes do mundo.<br />
Por isso, o conhecimento <strong>de</strong> fatores relacionados à atuação policial em<br />
socieda<strong>de</strong>s pós-conflito é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse para que, eventualmente,<br />
quando tenhamos que participar <strong>de</strong>ssas iniciativas, saibamos assumir alguns<br />
dos <strong>de</strong>safios que aqui são colocados.<br />
* Coor<strong>de</strong>nador da Área <strong>de</strong> Segurança Pública e Justiça Penal da Fundação <strong>de</strong> Estudos para a<br />
Aplicação do Direito (Fespad)<br />
215
216<br />
A polícia em socieda<strong>de</strong>s pós-conflito<br />
CONTEXTOS<br />
Existem casos em que as dimensões dos conflitos fragmentam ou<br />
divi<strong>de</strong>m as socieda<strong>de</strong>s. Assim, parte do processo <strong>de</strong> pacificação requer<br />
a geração <strong>de</strong> medidas que, como premissa para a <strong>de</strong>sativação da<br />
conflagração, garantam a segurança dos integrantes dos grupos em divisão<br />
ou discórdia. Por exemplo, diversos países, como El Salvador ou Ruanda,<br />
tiveram que realizar, em maior ou menor medida, reformas no setor <strong>de</strong><br />
segurança como parte <strong>de</strong> seus respectivos processos <strong>de</strong> paz, para<br />
minimizar a inércia oriunda do período do conflito ou a sua manipulação<br />
por grupos sediciosos remanescentes.<br />
A reforma do setor <strong>de</strong> segurança 1 , inserida em um processo <strong>de</strong><br />
pacificação em socieda<strong>de</strong>s pós-conflito, está orientada para a formação<br />
<strong>de</strong> instituições neutras, ou acima dos interesses que originaram a<br />
dissensão, e capazes <strong>de</strong> administrar os novos tipos <strong>de</strong> conflitos que<br />
surgem nos seus respectivos contextos. Essas mudanças incluem<br />
processos <strong>de</strong> reforma policial que criam novas instituições policiais ou<br />
transformam as já existentes.<br />
Diversas socieda<strong>de</strong>s sob regimes autoritários ou ditatoriais, como<br />
muitos países da América Latina, algumas <strong>de</strong>las precedidas <strong>de</strong> conflitos<br />
armados internos, como no caso salvadorenho, realizaram processos<br />
<strong>de</strong> mudança ou transições políticas, que geraram mudanças institucionais<br />
para <strong>de</strong>smontar as estruturas do Estado anterior e que, geralmente,<br />
buscariam a implantação <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong>mocrático (liberda<strong>de</strong>s civis e<br />
políticas, eleições limpas, competitivas, plurais e periódicas).<br />
No cenário <strong>de</strong> conflitos, ou no Estado autoritário ou pré-transição,<br />
regularmente, o aparelho coercitivo (forças <strong>de</strong> segurança) <strong>de</strong>sempenhou<br />
um papel fundamental como instrumento <strong>de</strong> gestão do po<strong>de</strong>r, tal como<br />
se verifica nos antece<strong>de</strong>ntes da reforma policial em El Salvador.<br />
Uma vez iniciada uma transição política que vise superar esse estado<br />
prévio e que seja orientada para a adoção <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong>mocrático, é<br />
necessário suplantar ou minimizar a influência dos atores autoritários<br />
pré-transição e a potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses em bloquear ou sabotar o<br />
processo, como, por exemplo, através da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle da<br />
população (Cruz 2005: 242). É por isso que a reforma do setor<br />
segurança é um aspecto fundamental da transição, não só pela mudança
<strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na gestão do controle social, mas também pelas<br />
transformações da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> conflito <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong>.<br />
Como parte da <strong>de</strong>smontagem das estruturas pré-transição, a<br />
transformação das forças policiais é um aspecto comum em vários processos<br />
<strong>de</strong> mudança. Tais processos são <strong>de</strong>nominados como reformas policiais.<br />
Mesmo que não se encontre na literatura um esforço exaustivo na<br />
<strong>de</strong>finição do que é uma reforma policial, segundo Candina (2005) essa<br />
teria duas gran<strong>de</strong>s caracterizações: por um lado, seria um conjunto <strong>de</strong><br />
transformações institucionais em padrões normativos e aspectos<br />
organizacionais, para alcançar maior eficiência e eficácia na função policial<br />
em uma socieda<strong>de</strong> concreta. Essa visão estaria mais perto da idéia <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rnização. Em uma segunda abordagem, seria uma linha <strong>de</strong><br />
transformação ou mudança <strong>de</strong> corpos policiais para formas <strong>de</strong> exercício<br />
da função policial, emoldurada na responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática do<br />
respeito ao Estado <strong>de</strong> Direito e aos direitos humanos. É nesse ponto<br />
que a atuação da polícia exerce um papel transcen<strong>de</strong>ntal, como um<br />
instrumento <strong>de</strong> pacificação.<br />
DESAFIOS<br />
Desmilitarização e <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> papéis<br />
Edgardo A. Amaya Cóbar<br />
A literatura sobre os processos <strong>de</strong> reforma do setor segurança e,<br />
em particular, <strong>de</strong> reforma policial em socieda<strong>de</strong>s pós-conflito, são<br />
praticamente unânimes em reconhecer que um procedimento básico é a<br />
separação das funções das Forças Armadas daquelas inerentes à ativida<strong>de</strong><br />
policial, assim como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que as Forças <strong>Policiais</strong> encontremse<br />
sob o comando <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s civis, fora da influência militar.<br />
As razões para a adoção <strong>de</strong>sse critério <strong>de</strong> ação são variadas. Talvez<br />
as <strong>de</strong> maior relevância são as que têm a ver com o papel negativo<br />
protagonizado por forças <strong>de</strong> segurança militarizadas em diversos conflitos<br />
armados, como violadores dos direitos humanos. Mesmo que isso não<br />
implique em uma regra obrigatória, on<strong>de</strong> exista uma relação direta entre<br />
uma coisa e a outra, a experiência histórica ressaltou esse fator e colocou<br />
como uma questão fundamental na hora <strong>de</strong> reformar o setor <strong>de</strong> segurança.<br />
217
218<br />
A polícia em socieda<strong>de</strong>s pós-conflito<br />
Em segundo lugar, temos questões <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação<br />
institucional. Os exércitos têm como missão a <strong>de</strong>fesa da soberania e da<br />
territorialida<strong>de</strong> do Estado, em casos <strong>de</strong> confrontos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta. Por<br />
isso, seus mecanismos <strong>de</strong> intervenção são os apropriados para tais<br />
circunstâncias. Em concordância com sua missão, sua forma <strong>de</strong> atuação<br />
está condicionada pela eliminação <strong>de</strong> ameaças claramente i<strong>de</strong>ntificadas e<br />
que são catalogadas como alvos militares.<br />
Por outro lado, as forças policiais, <strong>de</strong>sdobradas na vida cotidiana da<br />
socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vem enfrentar a complexida<strong>de</strong> da agitação que se manifesta<br />
em diversos espaços e intensida<strong>de</strong>s. Por isso, sua visão do conflito não<br />
po<strong>de</strong> ser taxativa. A polícia se movimenta em um espaço “cinzento” e,<br />
portanto, necessita <strong>de</strong> um padrão e <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> intervenção compatíveis<br />
com o complexo entrecruzado social em que atua. Deve ser consi<strong>de</strong>rado,<br />
além disso, que as pessoas com as quais cotidianamente interage são seus<br />
pares, e não seus inimigos.<br />
Deve se ter em conta que, embora a militarização faça referência a<br />
um tipo <strong>de</strong> relação orgânica entre polícia e forças militares, não se limita a<br />
ela, mas também opera no marco <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s supostamente civis, que<br />
adotam metodologias castrenses <strong>de</strong> organização, <strong>de</strong>sdobramento e<br />
relacionamento com a socieda<strong>de</strong> (Palmieri 1998). Por isso a<br />
<strong>de</strong>smilitarização passa pela adoção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, forma <strong>de</strong><br />
organização e formação civil das forças policiais, baseadas em uma doutrina<br />
<strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> segurança pública, submetidas a autorida<strong>de</strong>s civis e à<br />
auditoria social, como qualquer instituição pública.<br />
Legitimida<strong>de</strong> e credibilida<strong>de</strong><br />
O primeiro gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio que a instituição policial enfrenta em<br />
uma socieda<strong>de</strong> pós-conflito é o da legitimida<strong>de</strong> e respeito por parte <strong>de</strong><br />
todos os atores sociais. Por esse motivo, <strong>de</strong>ve contar com procedimentos<br />
claros <strong>de</strong> respeito aos direitos humanos e <strong>de</strong> aproximação da comunida<strong>de</strong>,<br />
que a diferenciem <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes negativos, como a instrumentalização<br />
<strong>de</strong> forças policiais, em um contexto <strong>de</strong> conflito, para fins <strong>de</strong> perseguição<br />
política e repressão <strong>de</strong> opositores.<br />
No caso <strong>de</strong> Ruanda, uma das medidas adotadas foi a criação, através<br />
<strong>de</strong> um difícil processo, <strong>de</strong> uma força policial composta por elementos<br />
dos antigos bandos oponentes no genocídio. No caso salvadorenho, mesmo
que originalmente tenha sido <strong>de</strong>finida a criação <strong>de</strong> uma polícia<br />
completamente nova, no processo <strong>de</strong> negociação foi estabelecido que as<br />
partes que se enfrentaram teriam uma quota <strong>de</strong> 20% cada uma do plantel<br />
policial previsto no novo corpo, e os 60% restantes seriam <strong>de</strong> pessoal<br />
completamente novo, sem vinculos com o conflito armado 2 .<br />
No caso da reforma policial na Guatemala, <strong>de</strong>pois dos acordos <strong>de</strong><br />
paz <strong>de</strong> 1996, basicamente foi reciclado o antigo pessoal policial, sem um<br />
processo formativo rigoroso prévio 3 . Esse cenário foi posteriormente<br />
consi<strong>de</strong>rado por analistas como causa <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração e do <strong>de</strong>sprestígio<br />
<strong>de</strong> uma polícia com graves problemas <strong>de</strong> violência, abusos e corrupção.<br />
Todas as reformas <strong>de</strong>vem partir <strong>de</strong> estruturas e pessoal existente;<br />
não é uma opção factível realizá-las <strong>de</strong> outra forma, salvo em circunstâncias<br />
excepcionais. Não obstante, a maneira como os antigos agentes <strong>de</strong><br />
segurança são incluídos na reforma <strong>de</strong>ve ser rigorosamente regulada e<br />
verificada, para evitar que violadores <strong>de</strong> direitos humanos ou pessoas <strong>de</strong><br />
antece<strong>de</strong>ntes nocivos contaminem a nova institucionalida<strong>de</strong>.<br />
A imparcialida<strong>de</strong> ou neutralida<strong>de</strong> da força policial, face às<br />
divergências <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> grupos sociais, é indispensável para a<br />
manutenção da or<strong>de</strong>m e para a legitimida<strong>de</strong> social da instituição. A missão<br />
consiste em garantir o respeito aos direitos e às liberda<strong>de</strong>s dos cidadãos<br />
por igual, assim como a intervenção oportuna, profissional e objetiva na<br />
aplicação da lei, <strong>de</strong> maneira indistinta perante os envolvidos.<br />
Violência pós-conflito<br />
Edgardo A. Amaya Cóbar<br />
Outro aspecto que <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado como uma variável<br />
importante nos processos <strong>de</strong> transição pós-conflito ou transições políticas,<br />
é o surgimento <strong>de</strong> novas fontes <strong>de</strong> agitação social, que se traduzem no<br />
aumento do <strong>de</strong>lito, <strong>de</strong>vido ao processo <strong>de</strong> rea<strong>de</strong>quação social que se<br />
encontra em fase <strong>de</strong> adaptação, o que supõe um transe anômico, enquanto<br />
são ajustadas as condições da institucionalida<strong>de</strong>.<br />
Esse aspecto é muito <strong>de</strong>licado, pois gera múltiplos dilemas.<br />
Desenvolver um processo <strong>de</strong> reforma policial em um contexto <strong>de</strong> violência<br />
social e <strong>de</strong>manda cidadã <strong>de</strong> segurança, é um <strong>de</strong>safio sumamente complexo.<br />
Concomitantemente à obrigação <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma instituição policial<br />
profissional, está a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> favorecer o crescimento quantitativo<br />
219
220<br />
A polícia em socieda<strong>de</strong>s pós-conflito<br />
para efeitos <strong>de</strong> cobertura, acima das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> qualificação.<br />
Outra tentação que é enfrentada no contexto que analisamos, é<br />
o do efectismo, isto é, forçar a reação policial <strong>de</strong> controle do <strong>de</strong>lito e,<br />
por essa via, <strong>de</strong>svalorizar o papel policial <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> direitos e<br />
liberda<strong>de</strong>s da cidadania. Seria paradoxal e contraditório a busca da<br />
“(..) or<strong>de</strong>m e da estabilida<strong>de</strong> por meio da involução dos processos<br />
<strong>de</strong>mocráticos e do respeito aos direitos humanos 4 ”.<br />
Esse contexto <strong>de</strong>manda a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong><br />
estratégias orientadas à redução <strong>de</strong> certas variáveis, associadas aos<br />
índices <strong>de</strong>litivos pós-conflitos. Algumas estratégias são <strong>de</strong> nível<br />
superior, tais como aspectos redistributivos e <strong>de</strong> atenção a setores<br />
populacionais necessitados, assim como programas <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong><br />
antigos adversários bélicos e a implementação <strong>de</strong> controles sobre<br />
vetores <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> impacto na violência, como os remanescentes <strong>de</strong><br />
armas circulantes ou grupos renegados do processo <strong>de</strong> pacificação ou<br />
transição, que possam constituir-se em potenciais po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> fato,<br />
que trunquem ou dificultem a transição.<br />
No nível do <strong>de</strong>sdobramento territorial, <strong>de</strong>ve se dar uma<br />
aproximação entre a polícia e a comunida<strong>de</strong>, como um mecanismo<br />
para minimizar ou diminuir as velhas <strong>de</strong>sconfianças mútuas que possam<br />
existir, gerar confiança e promover o reconhecimento mútuo. Uma<br />
parte dos processos <strong>de</strong> pacificação pós-conflito fundamenta-se na<br />
capacida<strong>de</strong> das instituições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r gerar confiança, credibilida<strong>de</strong> e<br />
estabilida<strong>de</strong> na população.<br />
Reforma, ação e inovação<br />
Muitas vezes, as reformas policiais, ou do setor <strong>de</strong> segurança,<br />
em contextos <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> paz ou <strong>de</strong> transições políticas, estão<br />
motivadas por um histórico <strong>de</strong> forças <strong>de</strong> segurança violentas,<br />
<strong>de</strong>scontroladas e corruptas, <strong>de</strong> tal sorte que as propostas <strong>de</strong> reforma<br />
são <strong>de</strong>finidas em oposição a tais antece<strong>de</strong>ntes.<br />
No entanto, não basta, nem é suficiente, somente contar com<br />
uma polícia controlada, com um regime legal progressista e<br />
transparente. As polícias <strong>de</strong>vem ser eficientes e eficazes para pacificar
a socieda<strong>de</strong> da qual fazem parte, e, para isso, necessitam ser dotadas<br />
<strong>de</strong> ferramentas inteligentes <strong>de</strong> intervenção e respostas a <strong>de</strong>mandas<br />
sociais <strong>de</strong> segurança. Isso implica a geração e instalação <strong>de</strong> sistemas<br />
<strong>de</strong> informação, análise e inteligência policial que permitam contar com<br />
um panorama do que acontece na socieda<strong>de</strong> e possibilite ações precisas<br />
e contun<strong>de</strong>ntes.<br />
Tal como o expressa Rachel Neild, ante as experiências anteriores<br />
nesse ponto: “(...) foi comprovado que era mais fácil fundar uma nova<br />
força policial com legitimida<strong>de</strong> política, que com credibilida<strong>de</strong> operacional 5 ”.<br />
E, nessas circunstâncias, a tentação por remilitarizar ou reverter o que foi<br />
realizado é muito forte para <strong>de</strong>terminados atores políticos.<br />
Por outro lado, a formação do recurso humano é fundamental<br />
não só no seu caráter <strong>de</strong>ontológico (valores institucionais e sociais,<br />
em relação aos direitos humanos) mas para o efetivo e correto<br />
<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas tarefas, isto é, formação prática orientada à<br />
solução <strong>de</strong> problemas. Po<strong>de</strong>ria ser feita uma comparação com o futebol:<br />
não basta saber as regras do futebol. É preciso saber jogar, conhecer<br />
a cancha e as jogadas, assim como melhorá-las constantemente, para<br />
manter o nível. “Uma formação policial a<strong>de</strong>quada po<strong>de</strong>, por exemplo,<br />
ajudar a criar quadros policiais partidários <strong>de</strong> uma nova concepção<br />
dos direitos humanos e da li<strong>de</strong>rança civil 6 ”.<br />
A eficiência não é só uma questão referente ao seu mandato<br />
pacificador, mas também diz respeito à sua organização interna e<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gestão.<br />
Transparência e responsabilida<strong>de</strong> institucional<br />
Edgardo A. Amaya Cóbar<br />
Como colocamos anteriormente, existe uma urgente necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> dotar a polícia <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> e credibilida<strong>de</strong> em uma socieda<strong>de</strong><br />
fragmentada. Uma das formas <strong>de</strong> resguardar essa credibilida<strong>de</strong> e<br />
legitimida<strong>de</strong>, é assumindo o controle da função policial no respeito<br />
aos direitos humanos, como um elemento essencial da transparência<br />
institucional. Na medida em que a socieda<strong>de</strong> percebe que a polícia<br />
conta com mecanismos ativos (internos ou externos) para controlar e<br />
investigar feitos irregulares ou violações dos direitos humanos, terá<br />
maiores garantias que não será objeto <strong>de</strong> abusos e, <strong>de</strong>ssa forma, as<br />
possíveis <strong>de</strong>sconfianças serão canalizadas nessa direção.<br />
221
222<br />
A polícia em socieda<strong>de</strong>s pós-conflito<br />
Responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática<br />
Esse, provavelmente, é um <strong>de</strong>safio que não correspon<strong>de</strong> somente<br />
à instituição policial, mas também a suas autorida<strong>de</strong>s civis. A polícia, mesmo<br />
tendo uma <strong>de</strong>pendência orgânica do Po<strong>de</strong>r Executivo, e obe<strong>de</strong>cendo a<br />
suas diretrizes, não <strong>de</strong>veria respon<strong>de</strong>r a agendas particulares do tipo<br />
partidário, ou <strong>de</strong> motivação política, alheias à sua função.<br />
Isso supõe tensões particularmente difíceis frente a certas liberda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>mocráticas, tais como a manutenção da or<strong>de</strong>m em contextos <strong>de</strong> protesto<br />
social. Enquanto, por um lado, possa existir um interesse governamental<br />
em aplacar o clamor popular que <strong>de</strong>sprestigia sua política e, para isso,<br />
intervir policialmente nos protestos, por outro, <strong>de</strong>vemos possa o princípio<br />
policial <strong>de</strong> respeito aos direitos humanos, entre eles, o da livre manifestação<br />
e expressão da socieda<strong>de</strong>.<br />
Nesse sentido, a presença <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> controle institucional<br />
e político (Parlamento), que garantam a transparência da função policial, é<br />
indispensável para resolver ou prever alternativas <strong>de</strong> resposta frente a<br />
essas tensões.<br />
CONCLUSÕES<br />
Antes <strong>de</strong> emitir conclusões, o mais pru<strong>de</strong>nte é fazer uma advertência:<br />
o que aqui foi apresentado é um resumo a partir <strong>de</strong> diversas experiências<br />
e lições aprendidas em variados contextos, com diferentes níveis <strong>de</strong><br />
sucesso ou fracasso. Não existem receitas únicas. As soluções e<br />
intervenções <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> contextos concretos e dos equilíbrios <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r estabelecidos.<br />
Não obstante, existe um consenso em manifestar que, para o sucesso<br />
da pacificação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> pós-conflito, é necessária uma força<br />
policial socialmente legítima, que tenha um efeito <strong>de</strong>monstrativo <strong>de</strong><br />
estabilida<strong>de</strong> e construção <strong>de</strong> institucionalida<strong>de</strong>. E a forma <strong>de</strong> alcançar isso<br />
é através do estabelecimento <strong>de</strong> uma polícia respeitosa dos direitos<br />
humanos, eficiente, eficaz, transparente e <strong>de</strong>mocraticamente responsável,<br />
que atue a serviço <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>.<br />
O êxito do pressuposto anterior está condicionado às limitações
Edgardo A. Amaya Cóbar<br />
próprias <strong>de</strong> cada processo. A presença <strong>de</strong> atores externos (internacionais)<br />
que supram a ausência ou <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> política interna, as<br />
necessida<strong>de</strong>s financeiras e técnicas, e que verifiquem o rigor do processo<br />
<strong>de</strong> implementação e o <strong>de</strong>sempenho da força policial, foi um dos mais<br />
po<strong>de</strong>rosos instrumentos para viabilizar esses processos.<br />
A principal meta a ser alcançada por uma polícia em uma socieda<strong>de</strong><br />
pós-conflito é mostrar-se como um exemplo <strong>de</strong> reconciliação e <strong>de</strong><br />
superação do enfrentamento passado. E, para isso, <strong>de</strong>ve erigir-se como<br />
uma instituição obediente a autorida<strong>de</strong>s civis <strong>de</strong>mocraticamente escolhidas<br />
e imparcial quanto aos diversos atores sociais e políticos com os quais<br />
interage. O estabelecimento <strong>de</strong> uma visão e missão claramente orientadas<br />
pelo respeito aos direitos humanos e pela transparência institucional, são<br />
aspectos basilares para obter credibilida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong> moral ante a<br />
socieda<strong>de</strong>. Mas, igualmente importante, é o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> instituições<br />
atentas às <strong>de</strong>mandas sociais e capazes <strong>de</strong> dar respostas efetivas e eficientes,<br />
que permitam uma pacificação social sustentável.<br />
Notas<br />
1 O setor <strong>de</strong> segurança: “Engloba aquelas instituições públicas com atribuição <strong>de</strong> ‘produzir’<br />
segurança, junto com aquelas que asseguram seu controle <strong>de</strong>mocrático, gerência e supervisão<br />
(…) Deve-se assinalar que isto se refere a um tipo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> como as estruturas do Estado foram<br />
tradicionalmente ajustadas para fornecer segurança pública. Isto po<strong>de</strong> diferir gran<strong>de</strong>mente das<br />
realida<strong>de</strong>s das situações nas quais muitos processos <strong>de</strong> reformas estão sendo levados a cabo. Há,<br />
certamente, aqueles atores como vigilantes, forças <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa civil e companhias <strong>de</strong> segurança<br />
privadas, que são, em certos aspectos, um sintoma do fracasso das instituições do Estado em<br />
fornecer segurança pública, lei e or<strong>de</strong>m (…) Estas não necessariamente <strong>de</strong>vem ser excluídas do<br />
setor <strong>de</strong> segurança, mas colocam perguntas cruciais sobre seu controle e regulação, para assegurar<br />
que po<strong>de</strong>m prestar contas.” Lilly, Damian; Robin Luckham e Michael von Tangen Page.<br />
Governabilidad y reforma <strong>de</strong>l sector seguridad: Un enfoque orientado a metas. Londres,<br />
International Alert, 2002. Pág. 9<br />
2 No caso salvadorenho, o processo <strong>de</strong> incorporação <strong>de</strong> antigos elementos dos corpos <strong>de</strong> segurança<br />
foi objeto <strong>de</strong> duras críticas, <strong>de</strong>vido a seus vínculos com graves violações aos direitos humanos.<br />
Posteriormente, membros <strong>de</strong>sse pessoal participaram <strong>de</strong> graves atos <strong>de</strong> violência política, que<br />
geraram uma crise no processo <strong>de</strong> paz, ver: Costa, Gino. La Policía Nacional <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> El Salvador<br />
(1990-1997), San Salvador, UCA Editores, 1999. Por isso a lição aprendida é que a criação <strong>de</strong><br />
um novo corpo necessita dos melhores e maiores filtros possíveis, para evitar o ingresso <strong>de</strong><br />
elementos nocivos que possam rachar a confiança na nascente polícia.<br />
3 Neild, Rachel. Sosteniendo la reforma: Policía <strong>de</strong>mocrática en América Central. Boletín Enfoque:<br />
seguridad ciudadana, WOLA, Washington, outubro, 2002. Pág. 3<br />
4 Washington Office on Latin América. Desmilitarizar el Or<strong>de</strong>n Público. La Comunidad<br />
Internacional, la Reforma Policial y los Derechos Humanos en Centromérica y Haití. Wola,<br />
Washington, 1996. Pág. 1.<br />
5 Neild, Rachel. Sosteniendo la reforma: Policía <strong>de</strong>mocrática en América Central. Boletín Enfoque:<br />
223
224<br />
A polícia em socieda<strong>de</strong>s pós-conflito<br />
seguridad ciudadana, WOLA, Washington, outubro 2002. Pag. 2.<br />
6 Ibid., Pág. 20.<br />
Bibliografia e Referências<br />
Amaya Cóbar, Edgardo. “Políticas <strong>de</strong> Seguridad en El Salvador 1992-2002”. In: Bayley, John y<br />
Lucía Dammert (Eds.) Seguridad y Reforma Policial en las Américas: Experiencias y <strong>de</strong>safíos,<br />
México, Siglo XXI editores, 2005.<br />
Candina, Azun, 2005. “Carabineros <strong>de</strong> Chile: una mirada histórica a la i<strong>de</strong>ntidad institucional”.<br />
In: Bayley, John y Lucía Dammert (2005) Seguridad y reforma policial en las Américas. Experiencias<br />
y <strong>de</strong>safíos. México, Siglo XXI editores, 2005. Págs. 145-167.<br />
Costa, Gino. La Policía Nacional <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> El Salvador (1990-1997), San Salvador, UCA Editores,<br />
1999.<br />
Cruz, José Miguel. “Violencia, inseguridad ciudadana y las maniobras <strong>de</strong> las élites: la dinámica<br />
<strong>de</strong> la reforma policial en El Salvador”. In: Bayley, John y Lucía Dammert (Coord.) (2005)<br />
Seguridad y reforma policial en las Américas. Experiencias y <strong>de</strong>safíos. México, Siglo XXI editores,<br />
2005, Págs. 239-270.<br />
Lilly, Damian; Robin Luckham y Michael von Tangen Page. Gobernabilidad y reforma <strong>de</strong>l sector<br />
seguridad: Un enfoque orientado a metas. Londres, International Alert, 2002.<br />
Neild, Rachel. Sosteniendo la reforma: Policía <strong>de</strong>mocrática en América Central. Boletín Enfoque:<br />
seguridad ciudadana, Washington, WOLA, outubro, 2002.<br />
Palmieri, “Gustavo. Reflexiones y perspectivas a partir <strong>de</strong> la reforma policial en El Salvador”. En<br />
Revista Pena y Estado Nº 3 Policía y sociedad <strong>de</strong>mocrática, Buenos Aires, Programa<br />
Latinoamericano <strong>de</strong> investigación conjunta en política criminal (PLIC/PC),1998.<br />
Washington Office on Latin America (WOLA). Desmilitarizar el Or<strong>de</strong>n Público: La Comunidad<br />
Internacional, la Reforma Policial y los Derechos Humanos en Centroamérica y Haití. Washington,<br />
WOLA, setembro, 1996.
Relato Policial<br />
A PLATAFORMA DO MODELO DE POLÍCIA<br />
COMUNITÁRIA DE EL SALVADOR<br />
Olga Alfaro <strong>de</strong> Pinto*<br />
EL SALVADOR<br />
Consiste em estabelecer um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> polícia comunitária em El<br />
Salvador, com base em estudos <strong>de</strong> outros mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> sucesso no mundo,<br />
o processo está sendo <strong>de</strong>senvolvido pela Secretaria <strong>de</strong> Relações com a<br />
Comunida<strong>de</strong> da qual sou atualmente chefe.<br />
Meta alcançada até a data: o compromisso e aceitação do diretor<br />
da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> para que seja elaborada a proposta do mo<strong>de</strong>lo e<br />
a sua execução.<br />
Ameaças: A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns chefes se oporem ao processo.<br />
Antece<strong>de</strong>ntes:<br />
A PNC nasce como um acordo político <strong>de</strong>ntro do contexto dos<br />
Acordos <strong>de</strong> Paz em 1992. Seu principal ponto forte é o equilíbrio<br />
<strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> seus integrantes, originários dos setores imersos no<br />
conflito armado em que se privilegiou a participação <strong>de</strong> uma alta<br />
porcentagem <strong>de</strong> profissionais acadêmicos universitários não vinculados<br />
ao conflito <strong>de</strong> níveis superior, executivo e, em alguma medida, básico.<br />
O Acordo Político para a formação da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> é<br />
composto da seguinte forma:<br />
20 % agentes oriundos dos antigos corpos <strong>de</strong> segurança<br />
(polícia, guarda nacional, polícia <strong>de</strong> ‘hacienda’ – corpo<br />
<strong>de</strong> segurança fiscal)<br />
20 % <strong>de</strong> agentes oriundos da guerrilha.<br />
60 % <strong>de</strong> elementos oriundos do setor civil (profissionais<br />
universitários).<br />
Atualmente, a maioria <strong>de</strong> seus agentes, em diversos níveis,<br />
completaram estudos superiores, como por exemplo:<br />
Básico: 60 % aprox. com nível <strong>de</strong> educação superior,<br />
sem título<br />
* Inspetora da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>, Mestre em Direitos Humanos e doutoranda em projetos <strong>de</strong><br />
pesquisa e aplicações em Psicologia e Saú<strong>de</strong> (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Granada-Espanha).<br />
225
226<br />
Plataforma <strong>de</strong>l Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Policía Comunitaria <strong>de</strong> El Salvador<br />
Executivo: 99 % aprox. com nível superior (bacharel)<br />
Superior: 70 % aprox. com nível superior (bacharel)<br />
É importante mencionar que como qualquer polícia do mundo os<br />
recursos são limitados e, no nosso caso, não foi planejada a construção <strong>de</strong><br />
instalações próprias e a renovação dos recursos.<br />
Ao longo dos 14 anos da criação da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> esta vem<br />
sofrendo uma <strong>de</strong>terioração quanto à qualida<strong>de</strong> do serviço policial, além<br />
<strong>de</strong> ter sido questionada por diversos atos <strong>de</strong> corrupção, <strong>de</strong> faltas leves<br />
até gravíssimas (execuções e roubos), e é a socieda<strong>de</strong> civil, os meios <strong>de</strong><br />
comunicação, a empresa privada e as instituições vinculadas aos direitos<br />
humanos que <strong>de</strong>nunciam tais ações.<br />
De <strong>de</strong>ntro, como é o meu caso, como chefe policial, vemos esta<br />
<strong>de</strong>terioração como conseqüência <strong>de</strong> não haver manuais <strong>de</strong> procedimento<br />
<strong>de</strong>finidos, além <strong>de</strong> uma supervisão ina<strong>de</strong>quada e outras situações do tipo,<br />
e nos sentimos impotentes junto a outros chefes policiais diante <strong>de</strong> tal<br />
situação.<br />
No entanto, a raiz <strong>de</strong>sta situação, precisamos iniciar una reengenharia<br />
da Instituição Policial, da qual somos participantes muitos membros da<br />
polícia que temos incidência técnica sobre as mudanças a serem realizadas.<br />
Duas das gran<strong>de</strong>s linhas consi<strong>de</strong>radas para iniciar são as seguintes:<br />
1.- o processo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> um manual <strong>de</strong> polícia<br />
comunitária e o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> polícia comunitária que<br />
estaria sendo colocado em prática durante 2008<br />
2.- um componente essencial é a estratégia <strong>de</strong><br />
conseguir a mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um dos<br />
membros da instituição para assimilar o mo<strong>de</strong>lo e isto<br />
é uma “campanha interna <strong>de</strong>nominada Resgate da<br />
nossa razão <strong>de</strong> ser”.<br />
Em síntese a proposta é:<br />
Fortalecer as estratégias da relação entre polícia e comunida<strong>de</strong>,<br />
com estrito respeito aos direitos humanos e à dignida<strong>de</strong> das pessoas.
Olga Alfaro <strong>de</strong> Pinto<br />
Fica sob responsabilida<strong>de</strong> da Secretaria <strong>de</strong> Relações com a<br />
Comunida<strong>de</strong> (SRCC) e suas unida<strong>de</strong>s, a administração das políticas,<br />
estratégias, planos, programas e mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> prevenção e participação<br />
cidadã, implementados pelas chefaturas das <strong>de</strong>pendências policiais.<br />
Cada Chefe policial <strong>de</strong>ve colaborar e coor<strong>de</strong>nar <strong>de</strong> forma funcional<br />
o trabalho, segundo requerido pela SRCC e suas Unida<strong>de</strong>s.<br />
Cumprir o mandato policial, <strong>de</strong>dicando-se prioritariamente à<br />
resolução dos problemas da comunida<strong>de</strong> numa relação <strong>de</strong> parceria,<br />
participando da prevenção social da violência e <strong>de</strong>linqüência, impulsionando<br />
e/ou acompanhando diversos programas preventivos institucionais, assim<br />
como melhorando a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção à cidadania na <strong>de</strong>núncia e<br />
investigação.<br />
Segundo os Acordos <strong>de</strong> Paz e a Lei Orgânica da <strong>Polícia</strong> Nacional<br />
<strong>Civil</strong>, fica implícito todo o exposto anteriormente, consi<strong>de</strong>rando que se<br />
po<strong>de</strong> avançar para melhorar os serviços policiais em El Salvador.<br />
A resistência a uma <strong>Polícia</strong> Comunitária é por si um <strong>de</strong>safio, um<br />
<strong>de</strong>safio em relação aos que comandam a polícia e <strong>de</strong>safio aos políticos<br />
<strong>de</strong>ste país, no entanto, <strong>de</strong>vido às mudanças causadas pela globalização, a<br />
situação geográfica <strong>de</strong>ste país, a imigração e a exclusão, que a tornaram<br />
violenta e vulnerável, tudo isto contribuiu a que se dê importância a gerar<br />
uma mudança institucional, mostrando que a segurança pública é um<br />
baluarte para a <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> qualquer país.<br />
227
228
PARTE II - POLÍCIA E POLÍCIA<br />
• Caracteriza a polícia na sua instrumentalida<strong>de</strong>. Diz respeito<br />
à organização, conteúdo, gestão e modalida<strong>de</strong>s do trabalho<br />
policial, circunscrevendo a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comando e controle,<br />
comunicação, inteligência e computação (C3IC).<br />
• Reporta-se aos condicionantes políticos, estratégicos,<br />
táticos e logísticos para o <strong>de</strong>senho e o emprego dos<br />
recursos policiais.<br />
• Refere-se aos elementos <strong>de</strong> contorno para a avaliação<br />
da polícia em relação aos seus fins e diante <strong>de</strong> seus meios.<br />
229
230<br />
Artigo<br />
BASES CONCEITUAIS DE MÉTRICAS E PADRÕES<br />
DE MEDIDA DE DESEMPENHO POLICIAL 1<br />
Profa. Dra. Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz *<br />
Prof. Dr. Domício Proença Júnior **<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
Como medir o que a polícia faz? É necessário tratar a questão <strong>de</strong><br />
frente. Buscar refúgio nas perspectivas <strong>de</strong> que a avaliação policial seria um<br />
saber iniciático, vedado a quem não tenha a vivência policial, ou que o<br />
trabalho da polícia se resume a dar insumos ao sistema <strong>de</strong> justiça criminal<br />
e agências <strong>de</strong> assistência social, ou a alguma relação entre efetivos policiais<br />
e populações policiadas, são bálsamos que anestesiam, mas não dão<br />
solução. São insuficientes para avaliar a polícia. Induzem a erros<br />
corporativistas, funcionalistas ou empiricistas que acabam por ignorar o<br />
que é a realida<strong>de</strong> do trabalho policial, chegando a inverter os termos <strong>de</strong><br />
seus sucesso e fracasso. Reduzir a polícia aos resultados pontuais <strong>de</strong> ações<br />
espetaculares ou memoráveis, aos números <strong>de</strong> pessoas e bens apresados,<br />
à convergência com alguma medida <strong>de</strong> proporção <strong>de</strong>mográfica esvazia a<br />
função policial, simplificando-a em cifras progressivamente estéreis. De<br />
tais perspectivas, emerge a falsa impressão <strong>de</strong> que não haveria como<br />
aferir o <strong>de</strong>sempenho policial propriamente dito, ou pior ainda, que o que<br />
a polícia faz, e como faz, é irrelevante em si mesmo. Seria então impossível<br />
formular e, por sua vez, avaliar, qualquer orientação ou política pública<br />
(policy) sobre a polícia [Cusson 1999 cf. Reiner 1996, Sacco 1996, Diedizic<br />
1998 e Walker 2004].<br />
Nada disso se sustenta diante da literatura <strong>de</strong> estudos policiais<br />
[Bayley 1996, Kelling 1996]. Mas mesmo essa literatura reconhece que<br />
medir o que a polícia <strong>de</strong> fato faz é um dos maiores <strong>de</strong>safios contemporâneos<br />
para a Segurança Pública 2 , e isso basta para colocar a sua relevância 3 .<br />
Neste ambiente, compreen<strong>de</strong>-se que vicejem modismos, em que<br />
um ou outro arranjo parcial, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua aplicabilida<strong>de</strong> e valor<br />
* Profesora do Mestrado em direito da Universida<strong>de</strong> Candido Men<strong>de</strong>s. Diretora Científica do<br />
Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Combate ao Crime (IBCC). Consultora da <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Policiais</strong> e Socieda<strong>de</strong><br />
Cvil na América Latina.<br />
** Professor da Coppe/UFRJ, Or<strong>de</strong>m do Mérito da Defesa, Membro do Instituto Internacional <strong>de</strong><br />
Estudos Estratégicos (IISS, Londres) e da Associação Internacional <strong>de</strong> Chefes <strong>de</strong> Policia (IACP,<br />
Leesburg, Va), Diretor Científico do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Combate ao Crime (IBCC).<br />
BRASIL
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
pontual, acabe erigido em fórmula capaz <strong>de</strong> dar conta do <strong>de</strong>sempenho<br />
policial. Isso é particularmente danoso quando indicadores são<br />
transplantados <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> social para outra, sem qualquer atenção<br />
para as circunstâncias, contextos e limites <strong>de</strong> sua aplicação original. Passase<br />
o tempo, por vezes um tempo breve, e a incapacida<strong>de</strong> do modismo da<br />
ocasião acaba levando a um novo modismo. Diversas abordagens úteis<br />
em seus locais e para seus propósitos <strong>de</strong> origem foram <strong>de</strong>struídas pela<br />
implantação apressada, distorcendo o que pu<strong>de</strong>ssem informar e<br />
alimentando um ceticismo quanto à utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer abordagem 4 .<br />
A questão é compreen<strong>de</strong>r que indicadores e abordagens necessitam<br />
<strong>de</strong> inserção mais ampla para que possam contribuir <strong>de</strong> maneira significativa<br />
ao entendimento. Isso expressa, em parte, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se situar um<br />
indicador ou abordagem em termos <strong>de</strong> sua origem, que inclui os elementos<br />
normativos tanto quanto as expectativas e representações sociais do que<br />
seja e para que exista a polícia. Mas expressa <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva que só<br />
se po<strong>de</strong> dar uso, ou apreciar, ou criticar um indicador ou abordagem<br />
quando se tem claro os termos pelos quais eles expressam o entendimento<br />
sobre o que e porque medir.<br />
Esse é o rumo proposto para o presente texto. Estabelecer os termos<br />
pelos quais se po<strong>de</strong> dar conta do que é relevante medir para avaliar o<br />
<strong>de</strong>sempenho policial, compartilhando <strong>de</strong> maneira transparente porque são<br />
estes os termos necessários e suficientes para dar conta da realida<strong>de</strong> da<br />
polícia. Propõe-se estabelecer as bases conceituais das métricas do<br />
<strong>de</strong>sempenho policial, das quais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir padrões<br />
<strong>de</strong> medida que tenham significado, constituindo o substrato conceitual da<br />
apreciação, uso e crítica <strong>de</strong> todo e qualquer indicador ou abordagem.<br />
Para isso, inicia-se pela apresentação da teoria <strong>de</strong> polícia, que<br />
enquadra os fenômenos da realida<strong>de</strong> policial, explicando-os e relacionandoos.<br />
Em seguida, apresentam-se <strong>de</strong> maneira sumária os elementos<br />
conceituais <strong>de</strong> mensuração do <strong>de</strong>sempenho. A isso se segue o corpo<br />
principal da apresentação: a instituição <strong>de</strong> métricas e padrões <strong>de</strong> medida<br />
capazes, necessários e suficientes <strong>de</strong> lidar com o cerne teoricamente<br />
i<strong>de</strong>ntificado do lugar <strong>de</strong> polícia: o exercício autorizado do uso <strong>de</strong> força<br />
sob a lei. Finalmente, apresentam-se algumas consi<strong>de</strong>rações finais sobre<br />
as circunstâncias e a utilida<strong>de</strong> potencial da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliação do<br />
<strong>de</strong>sempenho policial.<br />
231
232<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
2. TEORIA DE POLÍCIA: O MANDATO POLICIAL<br />
Alguns dos mais influentes autores contemporâneos do campo dos<br />
Estudos <strong>Policiais</strong> não elaboraram uma teoria da polícia que buscasse dar<br />
conta do fenômeno policial. Optaram por abordar questões específicas<br />
acerca das práticas policiais. Skolnick [1966] aponta como o dilema entre<br />
lei e or<strong>de</strong>m estrutural e permite compreen<strong>de</strong>r as práticas policiais nas<br />
socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas. Muir Jr. [1977] ambiciona analisar as dinâmicas<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r pela caracterização <strong>de</strong> diferentes tipos-i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> coerção nas<br />
interações entre policiais e cidadãos. Klockars [1985] apresenta a tensão<br />
constitutiva entre práticas ostensivas e investigativas como reveladora da<br />
natureza do trabalho policial. Bayley [1985] propõe uma teorização do<br />
policiamento ao longo da história, em busca <strong>de</strong> uma compreensão dos<br />
diversos mecanismos <strong>de</strong> regulação e controle social. Neocleous [2000b]<br />
teoriza sobre as funções sociais da polícia, enfatizando o seu papel como<br />
um instrumento <strong>de</strong> dominação <strong>de</strong> classes. Rathz [2003] oferece uma<br />
síntese das práticas policiais com relação ao uso da força, afirmando que<br />
uma teoria da polícia, ainda que útil, não é necessária para o entendimento<br />
da ação policial. Feltes [2003] vai mais longe afirmando que inexiste uma<br />
teoria <strong>de</strong> polícia e que seria necessário construí-la. Proença Jr & Muniz<br />
[2006b] <strong>de</strong>sdobram a teoria <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong> Bittner, evi<strong>de</strong>nciando as<br />
implicações do mandato do uso da força nos processos <strong>de</strong> auto-regulação<br />
social, a partir da análise dos experimentos <strong>de</strong> patrulha em Kansas City e<br />
Newark e das greves policiais no Brasil. Todos estes trabalhos dialogam,<br />
<strong>de</strong> maneira direta ou indireta, mais ou menos explícita, com a proposta<br />
<strong>de</strong> Bittner [1974] <strong>de</strong> uma teoria <strong>de</strong> polícia 5 , cujo centro é a conceituação<br />
do mandato policial.<br />
2.1. Conceito e Praxis <strong>de</strong> polícia a partir <strong>de</strong> Bittner<br />
De acordo com Bittner, o mandato autorizativo da polícia é o uso<br />
da força. O conceito <strong>de</strong> polícia correspon<strong>de</strong> à proposição <strong>de</strong> que “a polícia,<br />
e apenas a polícia, está equipada [armada e treinada], autorizada [respaldo<br />
legal e consentimento social] e é necessária para lidar com toda exigência<br />
[qualquer situação <strong>de</strong> perturbação da paz social] em que possa ter que<br />
ser usada a força para enfrentá-la.” [Bittner 1974: 256]. Esta conceituação<br />
<strong>de</strong> polícia preten<strong>de</strong> superar a perspectiva <strong>de</strong> que a dicotomia entre oficial<br />
da lei e oficial da or<strong>de</strong>m explicaria todo o conteúdo do trabalho policial<br />
[Banton 1964], sendo a solução para o clássico dilema entre lei e or<strong>de</strong>m
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
[Skolnick 1966, Muir Jr 1977]. Ao conceituar a polícia como uma realida<strong>de</strong><br />
que compreen<strong>de</strong>, mas não se reduz, às práticas <strong>de</strong> policiamento, Bittner<br />
revela a ilusão empírica, simplista, que equivale “o que as polícias fazem”<br />
ao “porque fazem” e, com isso, “ao que a polícia é”. Expõe como tal lapso<br />
ou relapso do olhar reifica as formas <strong>de</strong>partamentais <strong>de</strong> divisão do trabalho<br />
policial, patrulha e investigação, como expressões necessárias e suficientes,<br />
únicas e últimas do lugar <strong>de</strong> polícia [cf. Bittner 1967, 1970, 1983].<br />
Bittner reconstitui a integralida<strong>de</strong> do trabalho policial dando conta <strong>de</strong><br />
duas dimensões empíricas: o que se espera que a polícia faça e o que ela <strong>de</strong><br />
fato faz. I<strong>de</strong>ntifica o uso da força como o atributo comum que articula as<br />
expectativas sociais em tudo que a polícia é chamada a fazer e o conteúdo<br />
substantivo <strong>de</strong> tudo que a polícia faz. Estabelece, <strong>de</strong>sta forma, a plenitu<strong>de</strong><br />
do mandato policial, <strong>de</strong>limitando conceitualmente o que a polícia é.<br />
Porque a polícia está autorizada a usar da força, e se espera que ela<br />
o faça sempre que isso seja necessário, é que ela é chamada a atuar quando<br />
“algo que não <strong>de</strong>veria estar acontecendo está acontecendo e alguém <strong>de</strong>ve<br />
fazer algo a respeito agora” (Bittner 1974: 249, ênfases no original). Isso<br />
revela porque a polícia po<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a emergências, respaldar a lei,<br />
sustentar a or<strong>de</strong>m pública, preservar a paz social, ou <strong>de</strong>sempenhar<br />
quaisquer outras funções sociais. Esclarece porque as polícias executam<br />
as mais diversas formas ou padrões <strong>de</strong> policiamento. Enfim, explica que a<br />
polícia seja chamada a atuar, e atue, em todas as situações em que a força<br />
possa ser útil.<br />
Por que é a polícia que é chamada quando a força po<strong>de</strong> ser útil? O<br />
que distingue o uso <strong>de</strong> força pela polícia do uso <strong>de</strong> força por quaisquer<br />
outros atores? A polícia é uma resposta ao <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> produzir enforcement<br />
sem que este leve à tirania ou passe a servir interesses particulares. Por<br />
esta razão, o uso <strong>de</strong> força pela polícia tem um propósito político distintivo<br />
e invariante: produzir alternativas pacíficas <strong>de</strong> obediência sob consentimento<br />
social, no Império da Lei. Isto correspon<strong>de</strong> a uma <strong>de</strong>stinação do uso da<br />
força para fins restritos e transparentes, <strong>de</strong> tais maneiras e com tais<br />
controles, que o salvaguar<strong>de</strong> <strong>de</strong> se converter numa ferramenta <strong>de</strong> opressão<br />
ou num instrumento a serviço <strong>de</strong> indivíduos ou grupos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
A natureza política da polícia aqui se revela <strong>de</strong> forma clara e explícita:<br />
a polícia é o instrumento legal e legítimo <strong>de</strong> respaldo pela força dos termos do<br />
233
234<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
contrato social <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> política (polity). A polícia se<br />
interpõe, e se espera que ela se interponha, entre vonta<strong>de</strong>s em oposição ou<br />
interesses em conflito, em qualquer outra situação que ameace a paz social,<br />
arrisque direitos e garantias, ou viole as leis. A polícia é um instrumento <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r, cuja intervenção produz obediência pelo uso apropriado <strong>de</strong> força<br />
sempre que necessário, nos termos e formas da pactuação social. A<br />
autorização socialmente conferida para o uso <strong>de</strong> força pela polícia é objeto<br />
<strong>de</strong> constante negociação na realida<strong>de</strong> social. Ela é processual, ainda que os<br />
seus contornos estejam dados por um consentimento prévio, oriundo do<br />
pacto social, instrumentalizado numa dada forma <strong>de</strong> governança. Esta<br />
autorização social resulta do embate continuado entre as múltiplas dinâmicas<br />
<strong>de</strong> legitimação do mandato policial, as quais se alimentam das representações<br />
sociais acerca da polícia e da lógica-em-uso do fazer policial. A autorização<br />
da polícia para vigiar, intervir e usar <strong>de</strong> força para produzir obediência se<br />
encontra, ela mesma, sob controle coletivo, submetida à aprovação dos<br />
olhares vigilantes dos grupos sociais.<br />
A produção <strong>de</strong> obediência respaldada pelo uso policial <strong>de</strong> força<br />
tem limites, seja em termos <strong>de</strong> sua aplicação, seja em termos do alcance<br />
das soluções que po<strong>de</strong> impor. Isto empresta um caráter pragmático e<br />
finito à solução policial. Se, por um lado, a polícia po<strong>de</strong> impor uma solução<br />
imediata, <strong>de</strong> sua própria lavra, sem admitir atraso, recurso ou recusa, por<br />
outro, toda solução policial é expediente, parcial e finita no tempo. Assistir,<br />
socorrer, dissuadir, comandar, sujeitar, submeter, ou o que quer que a<br />
polícia possa fazer é transiente e provisório. A provisorieda<strong>de</strong> da solução<br />
policial reflete tanto a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> solução dar conta das<br />
causas dos eventos sociais em que a polícia intervém, quanto a inviabilida<strong>de</strong><br />
da sustentação <strong>de</strong> coerção pela força por tempo in<strong>de</strong>terminado.<br />
A solução policial se dirige a situações, conflitos, atos e atitu<strong>de</strong>s. Ela<br />
é uma resposta à sua existência e a seus efeitos, posto que os processos<br />
sociais que os produzem estão aquém do lugar <strong>de</strong> polícia e além do alcance<br />
<strong>de</strong> sua instrumentalida<strong>de</strong>. A solução policial está constrangida pela<br />
legalida<strong>de</strong> e legitimida<strong>de</strong> que conformam o lugar <strong>de</strong> polícia. Isso, a seu<br />
turno, <strong>de</strong>termina as alternativas admissíveis quando a polícia usa <strong>de</strong> força,<br />
exigindo, mo<strong>de</strong>rando, modificando ou proibindo <strong>de</strong>terminadas escolhas<br />
ou possibilida<strong>de</strong>s táticas, <strong>de</strong> maneira que as alternativas <strong>de</strong> obediência que<br />
a polícia po<strong>de</strong> impor sejam pacíficas. A polícia atua com estas regras <strong>de</strong><br />
enfrentamento, estabelecidas para assegurar que os meios não atentem
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
contra os fins, espelhando o pacto social <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> política<br />
(polity) sob o Império da Lei. Porque a solução policial resulta <strong>de</strong> uma<br />
alternativa pacífica <strong>de</strong> obediência sob consentimento social, ela admite<br />
revisão, emenda ou reversão política, legal ou judiciária.<br />
O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre o tipo solução mais a<strong>de</strong>quada a um certo<br />
tipo <strong>de</strong> evento, ou mesmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir agir ou não agir numa <strong>de</strong>terminada<br />
situação, revela que a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão discricionária é a práxis essencial<br />
da polícia. Por sua própria natureza e contexto, a solução policial só po<strong>de</strong><br />
ser produzida através <strong>de</strong> uma abordagem autônoma. A produção da solução<br />
policial, premida pelas circunstâncias e exposta às contingências da vida<br />
social, revela uma temporalida<strong>de</strong> particular, transversal. A solução policial<br />
se dá num tempo presente estendido. Inscreve-se numa sucessão <strong>de</strong><br />
eventos, conexos ou <strong>de</strong>sconexos, contínuos ou <strong>de</strong>scontínuos, envolvendo<br />
dinâmicas multi-interativas, cujas intensida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e conseqüência<br />
impõem a tempestivida<strong>de</strong> do agir para o agente policial. Isto torna<br />
impossível pré-<strong>de</strong>terminar a ação <strong>de</strong> cada policial em cada situação,<br />
precisamente porque os elementos idiossincráticos presentes em uma<br />
situação particular po<strong>de</strong>m constituir o relevo mais importante na solução<br />
policial, e é igualmente impossível conhecê-los até que se revelem <strong>de</strong><br />
maneira concreta, imediata, presente. O conteúdo do que seja a ação<br />
policial não é redutível a um roteiro pré-<strong>de</strong>terminado, nem passível <strong>de</strong><br />
ser dirigido por outrem, nem mesmo afeito a um conjunto rígido <strong>de</strong><br />
princípios normativos. Isso caracteriza o trabalho policial como sendo<br />
profissional no sentido estrito e técnico do termo.<br />
A <strong>de</strong>cisão sobre a forma <strong>de</strong> agir pertence inescapavelmente ao<br />
policial individual, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r discricionário para po<strong>de</strong>r<br />
realizar o seu trabalho. Por conta disso, a ação policial está sujeita à<br />
apreciação política, social ou judicial apenas a posteriori. É diante <strong>de</strong>ste<br />
entendimento que se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r como a iniciativa da ação policial<br />
resulta <strong>de</strong> uma avaliação ad hoc pelo agente policial. Esta avaliação está<br />
sujeita a diretrizes amplas quanto a sua oportunida<strong>de</strong> e iniciativa, quanto a<br />
sua priorida<strong>de</strong> e conteúdo, emanadas da organização policial ou apreendidas<br />
num <strong>de</strong>terminado contexto. Ordinariamente ela se realiza in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> um enquadramento legal prévio.<br />
O po<strong>de</strong>r discricionário da polícia revela-se, então, bem mais amplo<br />
do que a autorização do uso da força [cf. Brooks 2001, por exemplo].<br />
235
236<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
Reporta-se não apenas as oportunida<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> força,<br />
mas alcança a pertinência e a forma <strong>de</strong> toda e qualquer ativida<strong>de</strong> policial,<br />
uma vez que correspon<strong>de</strong> ao exercício da governança, ao exercício da<br />
tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão política na esquina (streetcorner politics). Sem embargo,<br />
o po<strong>de</strong>r discricionário ganha em complexida<strong>de</strong> e latitu<strong>de</strong> quanto mais o<br />
agente policial esteja envolvido com as tarefas <strong>de</strong> policiamento, as quais<br />
estão, por sua visibilida<strong>de</strong>, mais expostas à apreciação e ao controle sociais.<br />
A contrapartida à <strong>de</strong>legação aos policiais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res superiores<br />
aos <strong>de</strong> um cidadão comum, em especial a possibilida<strong>de</strong> do recurso à<br />
coerção pelo uso <strong>de</strong> força, é a apreciação cotidiana dos atores sociais<br />
diante <strong>de</strong> cada fazer <strong>de</strong> polícia. Estes atores reiteram, ou não, sua confiança<br />
na polícia. Como resultado <strong>de</strong>sta apreciação, confere-se, ou não,<br />
legitimida<strong>de</strong>, emprestando ou não credibilida<strong>de</strong> às soluções policiais. Sem<br />
embargo do impacto potencial <strong>de</strong> <strong>de</strong>svios <strong>de</strong> conduta e erros, é esta<br />
apreciação que afere a a<strong>de</strong>rência das regras <strong>de</strong> enfrentamento e dos<br />
procedimentos policiais aos termos presentes do mandato policial, sob<br />
Império da Lei.<br />
A esta altura, é oportuno comentar alguns dos ganhos da posse <strong>de</strong><br />
um conceito <strong>de</strong> polícia. Conceituou-se polícia como sendo quem responda<br />
pelo mandato do uso da força sob consentimento social, no Império da Lei<br />
em uma comunida<strong>de</strong> política (polity). Tal construto permite um<br />
or<strong>de</strong>namento consistente das realida<strong>de</strong>s relacionadas com o uso da força<br />
no interior dos territórios, i<strong>de</strong>ntificando <strong>de</strong> maneira clara quais <strong>de</strong>las<br />
correspon<strong>de</strong>m à polícia, quais não e porque. Esta classificação se faz pela<br />
apreciação das regras <strong>de</strong> enfrentamento, que <strong>de</strong>terminam as alternativas<br />
<strong>de</strong> uso da força. On<strong>de</strong> as regras <strong>de</strong> enfrentamento expressam o conteúdo<br />
do mandato policial, tem-se polícia. Neste caso, o conceito serve para<br />
que se possa apreciar o quanto as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma organização policial<br />
se aproximam ou se afastam do núcleo duro que singulariza o lugar <strong>de</strong><br />
polícia.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista conceitual, qualquer organização que atue, ou<br />
passe a atuar, sob regras <strong>de</strong> enfrentamento que expressem o mandato<br />
policial é <strong>de</strong> facto polícia, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte se esta atuação é permanente,<br />
interina, ou pontual. Isso esclarece os termos pelos quais se po<strong>de</strong> fazer<br />
uso das organizações em um Estado para o cumprimento do mandato<br />
policial, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>stinação formal ou <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
institucional, como é o caso, por exemplo, do uso dos contingentes<br />
militares como polícia em Missões <strong>de</strong> Paz [Diedizic 1998, Hansen 2002]<br />
que seguem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da legitimida<strong>de</strong> da populações que policiam,<br />
mesmo que estrangeiras e sem um idioma em comum [Kelly 1998, Schmidl<br />
1998]. Da mesma forma, revela que organizações <strong>de</strong> força que não atuam<br />
sob regras <strong>de</strong> enfrentamento que expressem o mandato policial não são,<br />
<strong>de</strong> facto, polícias, ainda que possam sê-lo <strong>de</strong> jure, ou realizar uma ou mais<br />
ativida<strong>de</strong>s que emulem o trabalho policial. Neste caso, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> sua<br />
origem doméstica ou externa, caracterizam-se como forças invasoras,<br />
<strong>de</strong> ocupação ou <strong>de</strong> repressão ao dissenso, que sustentam distintas formas<br />
<strong>de</strong> opressão sobre as populações nos territórios em que atuam.<br />
É interessante observar que a conceituação <strong>de</strong> polícia traz consigo<br />
um resultado curioso no que diz respeito ao relacionamento entre o Estado<br />
Democrático <strong>de</strong> Direito e o alcance da ação policial, que contraria o senso<br />
comum. Ao contrário do que se imagina, o círculo virtuoso da polícia<br />
torna-se possível e factível à medida em que avançam os processos <strong>de</strong><br />
constituição, expansão e consolidação dos direitos civis, políticos e sociais.<br />
A garantia dos direitos constituídos e o reconhecimento <strong>de</strong> novos direitos,<br />
difusos ou emergentes, justificam, ampliam, a<strong>de</strong>nsam e atualizam regras<br />
<strong>de</strong> enfrentamento e procedimentos policiais adiante, simultaneamente ou<br />
na esteira <strong>de</strong> sua expressão legal. Ensejam espaços e formas <strong>de</strong> controle e<br />
participação social na administração do Estado, induzindo espaços <strong>de</strong><br />
transparência que propiciam o aperfeiçoamento das práticas policiais. Estas<br />
dinâmicas <strong>de</strong> transformação social vivificam os contornos do mandato<br />
policial, levando a que surjam novas funções e atribuições para as polícias<br />
que, neste contexto, têm cada vez mais o que fazer e insumo para fazê-lo<br />
cada vez melhor.<br />
Assim, não é no chamado “Estado Policial” que se teria uma “era <strong>de</strong><br />
ouro das polícias”. A rigor, o lugar <strong>de</strong> polícia sequer existe em tal Estado,<br />
posto que ele se confun<strong>de</strong> com a própria governança, correspon<strong>de</strong>ndo a<br />
alguma forma <strong>de</strong> tirania. Em tal contexto, o consentimento social, o<br />
Império da Lei, ou ambos, não informam o uso <strong>de</strong> força. O apego a esta<br />
fantasia po<strong>de</strong> alimentar-se da crença <strong>de</strong> que, num “Estado Policial”, as<br />
soluções policiais <strong>de</strong>ixariam <strong>de</strong> ser provisórias e finitas, passando a ser<br />
<strong>de</strong>finitivas e completas, a ponto <strong>de</strong> promover uma socieda<strong>de</strong> quimérica,<br />
sem <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m ou crime. Edifica-se, <strong>de</strong>sta forma, uma falsa nostalgia <strong>de</strong><br />
que quando a polícia po<strong>de</strong> tudo ela é uma polícia melhor.<br />
237
238<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
2.2. Para além <strong>de</strong> Bittner: os efeitos da polícia<br />
Em seus termos originais, Bittner [1974] <strong>de</strong>fine polícia como o<br />
exercício autorizado do uso da força no interior <strong>de</strong> uma dada comunida<strong>de</strong><br />
política. Contudo, não <strong>de</strong>sdobra as implicações <strong>de</strong> sua própria formulação,<br />
cujo mérito é inegável. Não aprecia, <strong>de</strong> modo explícito e conseqüente, o<br />
que seja o uso da força e as formas pelas quais a autorização para o seu<br />
emprego se expressa numa socieda<strong>de</strong>. Tudo se passa como se tomasse<br />
os termos que emprestam singularida<strong>de</strong> ao mandato policial como<br />
realida<strong>de</strong>s presumidas, dadas a priori.<br />
Tal or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> naturalização acaba por ocultar a realida<strong>de</strong> mesma da<br />
práxis policial que sua própria conceituação fez aparecer. Mesmo em textos<br />
posteriores, Bittner [1990b] expressa um entendimento do uso da força<br />
como sendo pura sanção, restrita unicamente ao ato físico, sem<br />
consi<strong>de</strong>ração da utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu potencial. Da mesma forma, num texto<br />
escrito com David Bayley [Bayley & Bittner 1985] contenta-se em anunciar<br />
a autorização social como uma realida<strong>de</strong> auto-referida, abstrata, <strong>de</strong>spida<br />
das representações, expectativas e contextos sociais que lhe emprestam<br />
materialida<strong>de</strong> em termos da confiança pública e da credibilida<strong>de</strong> policial.<br />
Percebe-se como os conteúdos dos dois termos centrais do mandato<br />
policial, uso <strong>de</strong> força e autorização social, ficam aquém da ambição<br />
conceitual da própria formulação teórica <strong>de</strong> Bittner.<br />
Para se compreen<strong>de</strong>r plenamente a práxis policial é necessário dar<br />
conta, por um lado, da integralida<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> força pela polícia, e por<br />
outro, do alcance da autorização social, relacionando-as. Só assim tornase<br />
possível apreciar o <strong>de</strong>sempenho da polícia <strong>de</strong> forma consistente. Tratase,<br />
então, <strong>de</strong> ir além <strong>de</strong> Bittner. Trata-se <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os efeitos da<br />
polícia na comunida<strong>de</strong> política que ela policia, resgatando as inter-relações<br />
entre o que a polícia faz e po<strong>de</strong> fazer, o que ela é ou po<strong>de</strong> ser, à luz do que<br />
se espera e consente que ela seja e faça.<br />
2.2.1. Uso pontencial e concreto da força: a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação<br />
policial 6<br />
No contexto dos relacionamentos humanos, o uso <strong>de</strong> força expressa<br />
uma forma particular <strong>de</strong> produzir coerção. Seus fins são os mesmos que<br />
os <strong>de</strong> qualquer alternativa coercitiva: submeter vonta<strong>de</strong>s, alterando
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
atitu<strong>de</strong>s e influenciando comportamentos <strong>de</strong> indivíduos e grupos. O que a<br />
distingue <strong>de</strong> todas as outras formas coativas são seus meios, os meios <strong>de</strong><br />
força.<br />
Não há como compreen<strong>de</strong>r o uso <strong>de</strong> força como um fenômeno<br />
autônomo, que existe em si mesmo, algo exterior às relações sociais e,<br />
por isso, capaz <strong>de</strong> interrompê-las ou substituí-las. O uso <strong>de</strong> força é um<br />
instrumento a serviço das formas <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, com tudo que<br />
este tem <strong>de</strong> paixões, vonta<strong>de</strong>s e interesses. A alternativa do uso <strong>de</strong> força<br />
expressa um modo particular <strong>de</strong> interação social, tão previsível como<br />
qualquer outro. Neste sentido, o uso <strong>de</strong> força reflete as expectativas<br />
sociais quanto à sua possibilida<strong>de</strong> e conseqüência, conformando sua<br />
experimentação antecipada como um fato possível ou sua vivência como<br />
um ato manifesto. Isto revela a integralida<strong>de</strong> das expressões empíricas do<br />
uso (potencial e concreto) <strong>de</strong> força. Permite compreen<strong>de</strong>r seus efeitos,<br />
sobretudo on<strong>de</strong> a sua manifestação em ato não teve lugar, isto é, on<strong>de</strong> a<br />
apreciação <strong>de</strong> sua potencialida<strong>de</strong> foi suficiente para dobrar vonta<strong>de</strong>s. Este<br />
efeito não é menos uso <strong>de</strong> força porque prescindiu da realização em ato.<br />
Ao contrário, revela-se plenamente uso <strong>de</strong> força ao produzir coerção.<br />
Com o exposto, esclarece-se o universo <strong>de</strong> resultados plausíveis<br />
da práxis policial em termos da utilida<strong>de</strong> da força. O potencial <strong>de</strong> força<br />
explica os efeitos dissuasórios e, em alguma medida, preventivos da<br />
presença da polícia, ou até da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta presença. O concreto<br />
<strong>de</strong> força explica os efeitos repressivos e, em alguma medida, dissuasórios<br />
da ação manifesta da polícia.<br />
Os termos do exercício autorizado do uso da força configuram o rol<br />
<strong>de</strong> alternativas táticas admissíveis para a polícia numa dada comunida<strong>de</strong><br />
política (polity). É, precisamente, a autorização ou consentimento social,<br />
traduzido em a<strong>de</strong>rência social, pactuação política e dispositivos legais,<br />
que dão o conteúdo das regras <strong>de</strong> enfrentamento sob as quais a polícia<br />
executa o seu mandato. Isso é tão mais evi<strong>de</strong>nte e distintivo quanto mais<br />
próximo se está da ação manifesta da polícia, on<strong>de</strong> a oportunida<strong>de</strong> do<br />
concreto <strong>de</strong> força se põe. Uma polícia po<strong>de</strong> estar autorizada ou não a<br />
usar <strong>de</strong>terminados armamentos ou táticas em função das exigências<br />
colocadas pelas regras <strong>de</strong> enfrentamento. Estas po<strong>de</strong>m exigir, modificar,<br />
mo<strong>de</strong>rar ou proibir alternativas <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> força, dando conta das<br />
representações, expectativas e contextos sociais específicos <strong>de</strong> uma polity<br />
239
240<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
em relação à sua polícia. Vê-se, assim, como o uso <strong>de</strong> força que a polícia<br />
faz e po<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do que se espera e consente do que ela seja e<br />
faça. Depen<strong>de</strong>, enfim, da idéia <strong>de</strong> polícia numa comunida<strong>de</strong> política.<br />
2.2.2. A idéia <strong>de</strong> polícia: a expectativa do mandato policial<br />
No processo <strong>de</strong> fabricação simbólica e material da or<strong>de</strong>m social, a<br />
autorização que conforma o mandato policial, emprestando conteúdos<br />
específicos à sua realização, resulta do que uma comunida<strong>de</strong> política, <strong>de</strong><br />
modo mais ou menos tácito, espera, <strong>de</strong>seja e consinta que sua polícia seja<br />
e faça em prol da sustentação da or<strong>de</strong>m social 7 . Isto é o mesmo que<br />
dizer, que o consentimento social que sustenta o lugar <strong>de</strong> polícia reflete<br />
uma idéia <strong>de</strong> polícia elaborada e negociada pelos diversos grupos sociais<br />
que constituem uma dada socieda<strong>de</strong> policiada.<br />
A Idéia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> po<strong>de</strong> ser compreendida como um conjunto diverso<br />
<strong>de</strong> representações e expectativas sociais acerca da polícia, seus papéis e<br />
funções na produção <strong>de</strong> controle social. Refere-se, assim, às percepções<br />
sobre o exercício da coerção pelo uso (potencial e concreto, lembre-se)<br />
<strong>de</strong> força. Trata-se <strong>de</strong> um universo <strong>de</strong> significações associadas a um tipo<br />
particular <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> política as quais se encontram em permanente<br />
construção, ao sabor das experimentações e vivências constituídas nas e<br />
pelas próprias interações entre policiais e <strong>de</strong>mais atores sociais.<br />
Na dimensão da práxis social, a idéia <strong>de</strong> polícia retrata o modo<br />
mesmo como as polícias estão e vão sendo inscritas no imaginário social<br />
<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> ao longo do tempo. Retrata as concepções e vivências<br />
<strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> política sobre a práxis policial. Remete à capacida<strong>de</strong><br />
da <strong>Polícia</strong> (The Police) cumprir o mandato policial, produzindo alternativas<br />
pacíficas <strong>de</strong> obediência pelo uso da força (policing stricto sensu), segundo<br />
as regras sociais do jogo e sob o Império da Lei, <strong>de</strong> acordo com um<br />
<strong>de</strong>terminado conjunto <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> governo (policy) fruto do processo<br />
político (politics).<br />
A idéia <strong>de</strong> polícia articula-se, <strong>de</strong> forma sensível, com os instrumentos<br />
<strong>de</strong> controle e regulação da or<strong>de</strong>m social. Ela estimula, e até mesmo induz,<br />
a busca pelos mecanismos comunitários <strong>de</strong> auto-regulação, que seguem<br />
sendo o recurso primeiro e mais importante a ser esgotado nas dinâmicas<br />
conflituosas. Isto se dá porque as expectativas quanto ao mandato policial
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
e sua práxis orientam as pon<strong>de</strong>rações e escolhas dos atores sociais quanto<br />
aos meios empregáveis e suas conseqüências diante do fim pretendido<br />
por cada um <strong>de</strong>les em seu convívio e no encaminhamento da solução <strong>de</strong><br />
seus problemas. A existência da polícia como uma alternativa <strong>de</strong> produção<br />
<strong>de</strong> coerção passível <strong>de</strong> ser mobilizada por todos motiva mudanças nas<br />
estratégias sociais <strong>de</strong> convivencialida<strong>de</strong> e na administração <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s<br />
em conflito.<br />
A Idéia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> engloba todos os possíveis efeitos que a polícia<br />
po<strong>de</strong> produzir em razão <strong>de</strong> sua existência, da expectativa ou manifestação<br />
<strong>de</strong> sua presença ou ação. Revela e articula os efeitos indutores sobre a<br />
auto-regulação social: os efeitos preventivos quando a polícia não está<br />
fisicamente presente, dissuasivos quando ela se faz presente sem agir, e<br />
repressivos quando ela atua para frustrar ações que atentem contra a paz<br />
social ou violem as leis. Seu alcance po<strong>de</strong> ser visualizado na seguinte<br />
ilustração (Figura 1):<br />
Figura 1. Efeitos da polícia na or<strong>de</strong>m social<br />
Os efeitos da existência da polícia, da presença policial e da ação<br />
policial propriamente dita <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, se subordinam, aos instrumentos<br />
<strong>de</strong> controle da or<strong>de</strong>m social que são estruturalmente anteriores à ação<br />
policial e conformam o contexto <strong>de</strong> sua práxis. Estes mecanismos <strong>de</strong><br />
regulação intergrupais e intragrupais, formais ou informais, diretos ou<br />
indiretos, manifestos ou potenciais, expressam níveis diferenciados e<br />
<strong>de</strong>scontínuos <strong>de</strong> coerção social, constituindo a infra-estrutura do exercício<br />
do mandato policial. É a sua dinâmica que conforma o campo <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong>s dos efeitos policiais, e não a própria polícia. Isto qualifica,<br />
241
242<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
uma vez mais, o caráter intrinsecamente finito e provisório das soluções<br />
policiais na construção da or<strong>de</strong>m social.<br />
A idéia <strong>de</strong> polícia, com tudo que ela significa em termos <strong>de</strong><br />
expectativas e vivências relacionadas à existência da polícia e à execução<br />
do seu mandato, media a aceitabilida<strong>de</strong> e a a<strong>de</strong>são às soluções policiais,<br />
<strong>de</strong>terminando as formas do recurso à força para produzir obediência.<br />
Contextualiza os efeitos preventivos e dissuasórios da presença policial<br />
pelo impacto do uso potencial <strong>de</strong> força, situando a oportunida<strong>de</strong> dos<br />
efeitos repressivos da ação policial pelo uso concreto <strong>de</strong> força. A<br />
pertinência do uso concreto <strong>de</strong> força é um dos fatores que fortalece ou<br />
fragiliza a autorização social da polícia, reforçando ou não a credibilida<strong>de</strong><br />
das soluções policiais.<br />
A idéia <strong>de</strong> polícia tem a sua expressão mais aparente e instrumental<br />
na credibilida<strong>de</strong> policial. A credibilida<strong>de</strong> policial po<strong>de</strong> ser compreendida como<br />
um tipo <strong>de</strong> síntese funcional da idéia <strong>de</strong> polícia, uma forma <strong>de</strong> apreensão do<br />
consentimento social quanto ao exercício autorizado do uso da força no interior<br />
<strong>de</strong> uma dada comunida<strong>de</strong> política, sob o império da lei.<br />
Nas dinâmicas <strong>de</strong> controle e auto-regulação social, a credibilida<strong>de</strong><br />
policial traduz as expectativas coletivas <strong>de</strong> que a polícia virá, se fará<br />
presente, naquelas situações em que se <strong>de</strong>seja que a polícia apresente-se<br />
como uma alternativa necessária, ofertando soluções aceitáveis.<br />
Correspon<strong>de</strong> à percepção <strong>de</strong> que a polícia é capaz <strong>de</strong> cumprir o seu<br />
mandato, respon<strong>de</strong>ndo em cada situação vivida e no conjunto <strong>de</strong> todas as<br />
interações com a socieda<strong>de</strong>, ao que polícia é ou <strong>de</strong>ve ser tanto quanto aos<br />
“por que” e “para que” e “como” fazer polícia.<br />
A credibilida<strong>de</strong> policial instrumentaliza a confiança e a a<strong>de</strong>são sociais<br />
diante da perspectiva do quanto a polícia é uma alternativa equânime e igualitária,<br />
competente para construir soluções diferenciadas e aceitáveis em uma ampla<br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunstâncias, exteriores aos interesses particulares, porém<br />
obedientes ao pacto social e às leis. Em cada solução policial, tem-se ou não o<br />
reforço da credibilida<strong>de</strong> policial, resultante do questionamento cotidiano do<br />
mandato e práticas policiais pelos indivíduos e grupos sociais. É a credibilida<strong>de</strong><br />
policial que mais imediatamente é consi<strong>de</strong>rada quando se chama ou não a<br />
polícia, aceita-se ou não o que ela propõe, acredita-se ou não no que ela faz,<br />
diz que faz, informa ou sugere; quando se contempla a adoção ou não <strong>de</strong><br />
arranjos particulares <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> força.
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
Quando uma polícia <strong>de</strong>sfruta <strong>de</strong> razoável credibilida<strong>de</strong>, passa a<br />
operacionalizar o controle social com um grau <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são tal que a<br />
orientação policial é tomada, e cada vez mais expressa, nos termos<br />
presentes da pactuação social mais ampla. Neste contexto, a ação policial<br />
apresenta uma elevada consonância com os termos e requisitos do mandato<br />
policial. Essa perspectiva tem lugar quando a polícia, <strong>de</strong> maneira<br />
transparente, continuada e, sempre que necessário, explícita, reconhece,<br />
se constrange e adapta aos requisitos cambiantes <strong>de</strong> tal mandato. As regras<br />
<strong>de</strong> enfrentamento, os procedimentos e as práticas policiais tornam-se<br />
cada vez mais conhecidos, compartilhados e apreciados pelos indivíduos<br />
ou grupos. Isto, por sua vez, empresta crescente previsibilida<strong>de</strong> às ações<br />
policiais, ampliando e reforçando a a<strong>de</strong>são social às soluções policiais.<br />
Tem-se, com isso, uma maximização do controle social da polícia.<br />
Em contextos <strong>de</strong> significativa credibilida<strong>de</strong> policial, o questionamento das<br />
ações policiais reveste-se <strong>de</strong> um caráter pedagógico, resultante do acervo<br />
<strong>de</strong> saberes partilhados entre polícia e socieda<strong>de</strong>. Isso instrui tanto os<br />
agentes policiais quanto a comunida<strong>de</strong> sobre o que fundamenta e como se<br />
operacionaliza uma solução policial. Permite a vigência <strong>de</strong> formas <strong>de</strong><br />
controle que se aproximam da responsabilização plena das soluções<br />
policiais e da prestação <strong>de</strong> contas sobre como, e porquê, foram<br />
produzidas. Estabelece-se, assim, um equilíbrio sutil entre a polícia<br />
obediente ao mandato policial e uma comunida<strong>de</strong> que consente em<br />
obe<strong>de</strong>cer sua polícia. Uma alta credibilida<strong>de</strong> policial significa que o público<br />
reconhece sua polícia, e a polícia se reconhece no público.<br />
Quando uma polícia <strong>de</strong>sfruta <strong>de</strong> pouca credibilida<strong>de</strong>, seu papel<br />
indutor no controle social esmaeceu a tal ponto que suas soluções,<br />
quaisquer que sejam, são recebidas com <strong>de</strong>sconfiança antecipada ou<br />
suspeita prévia. Estas soluções são percebidas como alheias aos termos<br />
presentes da pactuação social mais ampla, dissonantes em relação ao que<br />
seja consi<strong>de</strong>rado aceitável em seu conteúdo ou forma. Baixa credibilida<strong>de</strong><br />
amplia e recru<strong>de</strong>sce os níveis <strong>de</strong> resistência à ação policial,<br />
comprometendo os efeitos indutores da polícia em termos <strong>de</strong> resultados<br />
preventivos e dissuasórios, acabando por sobrelevar artificialmente as<br />
soluções repressivas diante <strong>de</strong> qualquer situação que ameace a paz social<br />
ou o cumprimento das leis. Neste contexto, motiva-se a disseminação <strong>de</strong><br />
atitu<strong>de</strong>s intolerantes, discriminatórias e provocativas dos indivíduos em<br />
relação à polícia e da polícia em relação ao público.<br />
243
244<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
Na medida em que a policia torna-se, e sente-se estrangeira aos<br />
olhos <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>, passa a ser ameaçada diante <strong>de</strong> qualquer<br />
questionamento social e, ao mesmo tempo, é percebida como uma ameaça<br />
a esta comunida<strong>de</strong>. A perda <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> policial correspon<strong>de</strong>,<br />
tacitamente, a uma fragilização da autorização social, uma perda <strong>de</strong><br />
legitimida<strong>de</strong> da polícia para exercer o seu mandato. Uma polícia<br />
<strong>de</strong>sautorizada se vê premida ao exercício <strong>de</strong> uma conduta pautada<br />
unicamente pela lei, arriscando-se a impor uma visão intolerante <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
que conflita com a or<strong>de</strong>m social propriamente dita.<br />
Em contextos sociais <strong>de</strong> baixa credibilida<strong>de</strong> policial, aumenta-se o<br />
risco do recurso à força reduzir-se à sua dimensão concreta. Cria-se o<br />
cenário no qual uma polícia <strong>de</strong>sautorizada usa <strong>de</strong> força concreta com mais<br />
freqüência e intensida<strong>de</strong> do que seria oportuno e apropriado. Isto por sua<br />
vez aumenta ainda mais o <strong>de</strong>scrédito e resistência social, incitando mais o<br />
uso concreto <strong>de</strong> força.<br />
É importante assinalar que a rotinização do uso inoportuno ou<br />
inapropriado <strong>de</strong> força evi<strong>de</strong>ncia que uma dada polícia tornou-se menos<br />
capaz do exercício do seu mandato, agregando custos e riscos.<br />
Paradoxalmente, esta situação coloca uma <strong>de</strong>manda crescente sobre os<br />
recursos policiais. A polícia tem que gastar mais tempo e esforço para<br />
atuar em cada evento porque se confronta com resistências prévias e<br />
recru<strong>de</strong>scimentos. Como resultado, a polícia lida com um número menor<br />
<strong>de</strong> eventos, por conta da imobilização por longos períodos dos agentes<br />
policiais em cada atendimento. Demora cada vez mais para aten<strong>de</strong>r<br />
chamados e ten<strong>de</strong> a <strong>de</strong>clinar <strong>de</strong> atendê-los, especialmente nos casos <strong>de</strong><br />
emergência e nos períodos <strong>de</strong> alta <strong>de</strong>manda. Isso reforça a perda <strong>de</strong><br />
credibilida<strong>de</strong> da polícia, na medida exata em que chamá-la <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
produzir resultado.<br />
Quando <strong>de</strong>sconfiança e suspeita da polícia se transformam numa<br />
recusa da solução policial, chega-se a inviabilizar a presença da polícia em<br />
<strong>de</strong>terminados territórios, em certas comunida<strong>de</strong>s, sobretudo aquelas<br />
expostas a alto risco social, as assim chamadas “áreas <strong>de</strong>gradadas”. No<br />
limite, a população po<strong>de</strong> excluir <strong>de</strong>liberadamente as soluções policiais como<br />
uma alternativa aceitável. Neste caso, não tem porque chamar mais a<br />
polícia ou esperar por ela, po<strong>de</strong>ndo mesmo vir a resistir ativamente às<br />
soluções ou, até, à presença policial. Qualquer alternativa <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong>
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
conflitos, violenta ou não, legal ou ilegal, passa a ser preferível ao<br />
envolvimento da polícia. Nestes casos, a polícia passa a ser percebida<br />
como invasora, como força <strong>de</strong> ocupação: ilegítima, ainda que possa estar<br />
legalmente respaldada. Neste contexto, a polícia se vê diante da terrível<br />
situação <strong>de</strong> ser sentida como um instrumento <strong>de</strong> opressão.<br />
Se a credibilida<strong>de</strong> policial cai a tal ponto que se reduz tão somente<br />
à credibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agentes ou equipes policiais individuais, tem-se o<br />
prenúncio do colapso da polícia como o exercício autorizado do uso da<br />
força sob o Império da Lei. A véspera do instante em que po<strong>de</strong> se per<strong>de</strong>r a<br />
expectativa pública <strong>de</strong> que há uma polícia e que ela virá.<br />
Quando a credibilida<strong>de</strong> policial se aproxima <strong>de</strong> tal ponto, po<strong>de</strong> ser<br />
tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais. Exatamente quando a polícia necessitaria <strong>de</strong> toda a presteza<br />
para po<strong>de</strong>r recuperar sua credibilida<strong>de</strong>, é quando ela se revela menos<br />
capaz <strong>de</strong> agir. A redução da autorização social à sua dimensão formal,<br />
protocolar, <strong>de</strong> jure, removeu da polícia a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir a<br />
totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus efeitos pela cristalização <strong>de</strong> uma Idéia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> cujas<br />
expectativas quanto ao mandato policial são inteiramente negativas. A<br />
polícia passa então a ser percebida como um mal, que nem mais se justifica<br />
como necessário, a menos da emergência mais extrema que,<br />
paradoxalmente, se torna mais freqüente porque a solução policial não<br />
está mais disponível como uma alternativa rotineira. Aqui, a polícia po<strong>de</strong><br />
viver a sua hora mais <strong>de</strong>sesperada: é chamada a lidar com um número<br />
cada vez maior <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas requisitando sua intervenção. Isto inclui<br />
chamadas que nunca teriam chegado à polícia, a não ser pela perda da<br />
credibilida<strong>de</strong> policial; chamadas nas quais a simples perspectiva da chegada<br />
da polícia teria sido o bastante. Isto também inclui <strong>de</strong>mandas por reforços<br />
do efetivo policial in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> real, precisamente porque<br />
a presença física, quando não mesmo a ação manifesta do uso <strong>de</strong> força<br />
pela polícia se tornou a única alternativa restante para produzir algum<br />
efeito. Mas é também possível que, muito antes que essa hora chegue, o<br />
público já tenha abandonado a polícia como alternativa, e o apagar das<br />
luzes <strong>de</strong> uma organização policial seja marcada pelo fato <strong>de</strong> que ela não é<br />
mais chamada, e que quando ela se faz presente, é confrontada ou ignorada.<br />
Em todo o processo, num caso ou noutro, a comunida<strong>de</strong> política<br />
ainda mantém uma Idéia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>, que diante da realida<strong>de</strong> do colapso da<br />
credibilida<strong>de</strong> policial, preserva e alimenta um <strong>de</strong>vir. Conquanto julgue que<br />
245
246<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
uma polícia po<strong>de</strong> ser útil e aceite os custos <strong>de</strong> sua reinstituição, po<strong>de</strong><br />
inaugurar, ou refundar, a organização a quem confiar o mandato policial.<br />
Uma vez que se compreenda como a Idéia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> conforma os<br />
contornos e os conteúdos do que polícia é capaz <strong>de</strong> produzir em termos<br />
<strong>de</strong> efeitos sobre a or<strong>de</strong>m social, po<strong>de</strong>-se reapresentar as práticas policiais<br />
em termos teoricamente consistentes. É possível i<strong>de</strong>ntificar o que sejam<br />
os resultados da polícia como expressão da articulação entre as<br />
expectativas do mandato policial e as possibilida<strong>de</strong>s da ação policial. Isto<br />
exclui as outras <strong>de</strong>stinações que sejam dadas, ou atribuídas, ou esperadas<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada polícia, uma vez que elas não pertencem ao lugar <strong>de</strong><br />
polícia stricto sensu. Neste sentido, as assim chamadas “competências<br />
residuais” <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada polícia são atribuições ou papéis adicionais,<br />
variáveis. Elas correspon<strong>de</strong>m a expedientes administrativos ou funcionais<br />
que se utilizam das organizações policiais como po<strong>de</strong>riam se utilizar <strong>de</strong><br />
quaisquer outras organizações <strong>de</strong> regulação social. O esquema abaixo<br />
(Figura 2) dá conta dos relacionamentos entre os efeitos preventivos,<br />
dissuasórios e repressivos da polícia, reinterpretando-os em termos dos<br />
resultados da existência, presença e ação da polícia.<br />
Figura 2. Resultados da ação policial<br />
Tudo o que a polícia faz em termos <strong>de</strong> ação manifesta, com uso <strong>de</strong><br />
força (potencial ou concreto), para interromper, reverter ou anular uma<br />
ação recalcitrante 8 diante da paz social ou do cumprimento às leis<br />
correspon<strong>de</strong> ao resultado geral <strong>de</strong> “frustração da ação”, que compreen<strong>de</strong><br />
os efeitos repressivos e, em alguma medida, dissuasórios da polícia. Quando
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
o uso <strong>de</strong> força potencial, a simples presença, ou a perspectiva da presença,<br />
policial é suficiente para impedir, ou evitar, uma ação recalcitrante, então<br />
isto correspon<strong>de</strong> à “frustração da oportunida<strong>de</strong> da ação”, que compreen<strong>de</strong><br />
os efeitos dissuasórios e, em alguma medida, preventivos da polícia.<br />
A combinação da presença policial com arranjos situacionais, capazes<br />
<strong>de</strong> eliminar ou restringir as próprias oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação recalcitrante,<br />
correspon<strong>de</strong> à “redução antecipada <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação”, que<br />
compreen<strong>de</strong> os efeitos preventivos e, <strong>de</strong> maneira mais ampla, os efeitos<br />
indutores <strong>de</strong> auto-regulação social 9 . Os efeitos preventivos da polícia na<br />
redução <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação po<strong>de</strong>m ser compreendidos como<br />
efeitos associados, uma vez que se inscrevem em processos que se<br />
esten<strong>de</strong>m para além da polícia. Ultrapassam o que po<strong>de</strong> ser atribuído ao<br />
que ela faz ou po<strong>de</strong> fazer. Em termos amplos, eles dizem respeito às<br />
dinâmicas <strong>de</strong> auto-regulação social e aos arranjos situacionais que as<br />
potencializam numa dada comunida<strong>de</strong>, e que envolvem uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
atores e possibilida<strong>de</strong>s, inclusive a polícia. Mais especificamente, reportamse<br />
aos efeitos cumulativos <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> ações policiais (inclusive<br />
dissuasórias e repressivas) e <strong>de</strong> iniciativas individuais e grupais, que se<br />
beneficiam da, mas ultrapassam a presença policial ou sua expectativa,<br />
modificando as condições materiais ou a predisposição <strong>de</strong> atores à<br />
realização <strong>de</strong> ações recalcitrantes. Tal or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> na produção<br />
da prevenção inviabiliza a atribuição <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre um dado<br />
resultado <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação recalcitrante e uma dada<br />
ação policial preventiva. Se por um lado, a polícia tem um papel importante<br />
nas dinâmicas <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, por outro, não é possível<br />
isolar o que seja a sua contribuição em nenhum caso particular.<br />
A forma como as expectativas e representações sobre a polícia, a<br />
Idéia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> que se associa à da existência da <strong>Polícia</strong>, à perspectiva e ao<br />
efeito cumulativo <strong>de</strong> suas ações, referencia, pauta, modifica e sustenta<br />
comportamentos <strong>de</strong> indivíduos e grupos sociais. Serve como um elemento<br />
que media soluções convivenciais em que um ou mais atores modifica<br />
suas atitu<strong>de</strong>s quando consi<strong>de</strong>ra a perspectiva <strong>de</strong> que a polícia po<strong>de</strong> vir a<br />
ser chamada, ou se fazer presente, alterando a dinâmica <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />
contexto ou conflito <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s. Essa ampla varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> resultados,<br />
que tem efeito na ausência da polícia mas como <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua<br />
existência correspon<strong>de</strong> à “indução a auto-regulação” da or<strong>de</strong>m social. Neste<br />
caso, ainda que seja a polícia que se encontra no centro <strong>de</strong>ste processo,<br />
247
248<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
não é possível isolar, e muitas vezes nem i<strong>de</strong>ntificar, o processo pelo qual<br />
se produz esse resultado.<br />
Cada um <strong>de</strong>stes resultados admite uma medida <strong>de</strong> superposição<br />
em termos <strong>de</strong> sua caracterização e causalida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>-se i<strong>de</strong>ntificar os<br />
dois primeiros como resultados diferenciados da presença policial, na<br />
frustração da ação e <strong>de</strong> sua oportunida<strong>de</strong>. No entanto, esta i<strong>de</strong>ntificação<br />
se torna mais difícil à medida em que se consi<strong>de</strong>ram os efeitos preventivos,<br />
os resultados <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e a indução <strong>de</strong> auto-regulação.<br />
Esse recorte inicial, que distingue os resultados em que a presença policial<br />
é certa, po<strong>de</strong>ndo ser isolada como produzindo uma solução policial,<br />
configura o alcance das métricas consi<strong>de</strong>radas a estes resultados.<br />
3. CONCEITO DE DESEMPENHO: EFICÁCIA E COMPETÊNCIA 10<br />
O conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho correspon<strong>de</strong> ao reconhecimento <strong>de</strong><br />
que há dois aspectos a serem consi<strong>de</strong>rados: a situação ou resultado final e<br />
a forma como se produziu esta situação ou resultado. Este último tem<br />
implícito o processo <strong>de</strong> planejamento, preparação e execução que<br />
conformam a ação policial, <strong>de</strong> maneira ampla, a forma como se utilizam<br />
os recursos disponíveis. Esta dualida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> ao entendimento <strong>de</strong><br />
que não seria suficiente aferir o <strong>de</strong>sempenho apenas pelos resultados<br />
obtidos ou pela forma como foram produzidos. Este conceito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho é capaz <strong>de</strong> lidar com esta dualida<strong>de</strong>, e nomeia como eficácia<br />
a produção da situação final <strong>de</strong>sejada, como proficiência a forma <strong>de</strong> obtenção<br />
<strong>de</strong>sta situação, ou seja, a utilização dos recursos policiais disponíveis.<br />
Daí ser possível i<strong>de</strong>ntificar, em termos abstratos, quatro alternativas<br />
para a caracterização do <strong>de</strong>sempenho policial. Os dois primeiros<br />
correspon<strong>de</strong>m ao “melhor” resultado possível e ao “pior” resultado<br />
possível. Em termos absolutos,<br />
(1) o melhor <strong>de</strong>sempenho possível correspon<strong>de</strong> à<br />
obtenção do resultado <strong>de</strong>sejado <strong>de</strong> acordo com o<br />
estado-da-arte das formas <strong>de</strong> ação legal e legítima, sem<br />
mortos ou feridos (baixas zero), sem efeitos colaterais<br />
(danos materiais, por exemplo), com a submissão dos<br />
recalcitrantes sem uso ina<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> força, obtendo<br />
o controle dos locais visados.
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
(2) o pior <strong>de</strong>sempenho possível correspon<strong>de</strong>ria a não<br />
obtenção do resultado <strong>de</strong>sejado, com formas <strong>de</strong> ação<br />
ilegais e ilegítimas, com baixas <strong>de</strong> todos os<br />
recalcitrantes, policiais e civis envolvidos, com extensos<br />
efeitos colaterais, a não-submissão dos recalcitrantes<br />
e sem que se obtenha o controle dos locais visados.<br />
A estes se acrescentam ainda as situações intermediárias, já nos<br />
termos <strong>de</strong>finidos acima,<br />
(3) em que se tem eficácia, mas não proficiência.<br />
(4) em que se tem proficiência, mas não eficácia.<br />
Estes quatro pontos absolutos circunscrevem os termos para a<br />
avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho policial, caracterizando-a como uma análise<br />
conjunta da eficácia e da proficiência, que permite a seguinte ilustração<br />
(Figura 3) dos resultados possíveis <strong>de</strong> serem obtidos, on<strong>de</strong> os números<br />
indicam os extremos <strong>de</strong>scritos e se i<strong>de</strong>ntificam os quartis associados a<br />
altas e baixas eficácias e proficiências.<br />
Figura 3. Eficácia e proficiência<br />
Uma abordagem simplista para a avaliação do <strong>de</strong>sempenho seria a<br />
<strong>de</strong> se tomar uma razão direta entre uma medida <strong>de</strong> eficácia e uma medida<br />
<strong>de</strong> proficiência. Mas esta abordagem é insuficiente, na medida em que<br />
torna impossível comparar o <strong>de</strong>sempenho em duas ações distintas ou<br />
mesmo em ações similares. Isto porque não leva em conta a realida<strong>de</strong> do<br />
trabalho policial, ignorando os elementos que emprestam singularida<strong>de</strong><br />
aos casos reais. Essa simplificação oculta as condições <strong>de</strong> contorno da<br />
249
250<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
ação policial: as exigências legais que circunscrevem o mandato policial, as<br />
consi<strong>de</strong>rações políticas que orientam e qualificam a missão atribuída e a<br />
situação final <strong>de</strong>sejada, as consi<strong>de</strong>rações sociais, logísticas e, eventualmente,<br />
estratégicas, que caracterizam o cenário e o ambiente da ação; a dinâmica<br />
interativa entre os atores envolvidos, especialmente entre recalcitrantes<br />
e policiais; e quaisquer externalida<strong>de</strong>s.<br />
3.1. Eficácia<br />
Eficácia não é sinônimo <strong>de</strong> vitória. Depen<strong>de</strong> da consi<strong>de</strong>ração dos<br />
resultados <strong>de</strong>sejados e da forma como estes resultados são obtidos. O<br />
entendimento corriqueiro <strong>de</strong> que ser eficaz é “vencer” reflete uma visão<br />
marcial, guerreira, que sabota o lugar <strong>de</strong> polícia pela <strong>de</strong>stituição da natureza<br />
política <strong>de</strong> sua ação e, por sua vez, da sua instrumentalida<strong>de</strong>. A polícia não<br />
luta, não luta por lutar, não luta para “vencer”. Ela usa <strong>de</strong> força para produzir<br />
obediência sob consentimento social. Isto significa que os resultados da<br />
ação policial só fazem sentido quando tomados como meios para um<br />
<strong>de</strong>terminado fim, isto é, para a sustentação autorizada da paz social, da<br />
or<strong>de</strong>m pública e das leis. Esta é a única perspectiva que po<strong>de</strong> permitir<br />
compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que maneira a polícia po<strong>de</strong> ser eficaz, pon<strong>de</strong>rando tanto<br />
o resultado que se <strong>de</strong>seja obter quanto as regras <strong>de</strong> enfrentamento policiais,<br />
cujo conteúdo expressa o que está pactuado como legal, politicamente<br />
admissível e consentido pelos cidadãos.<br />
A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> eficácia tem que dar conta <strong>de</strong> dois aspectos: a missão,<br />
que correspon<strong>de</strong> à expressão explícita do resultado <strong>de</strong>sejado no<br />
empreendimento <strong>de</strong> uma dada ação policial, ambicionando aproximar o<br />
objetivo político mais amplo; e o conjunto <strong>de</strong> resultados colaterais ou<br />
associados à maneira como se conduziu a ação.<br />
3.2. Proficiência<br />
Proficiência não é sinônimo <strong>de</strong> capacitação técnica. Depen<strong>de</strong> da<br />
consi<strong>de</strong>ração da práxis policial, à luz <strong>de</strong> seu estado-das-práticas ou mesmo<br />
<strong>de</strong> seu estado-da-arte. O entendimento usual <strong>de</strong> que proficiência é o<br />
atingimento <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho no treinamento,<br />
seja no uso <strong>de</strong> equipamentos ou na a<strong>de</strong>rência a uma doutrina, reflete uma<br />
visão fordista, burocrática, que oculta a discricionarida<strong>de</strong> policial,<br />
<strong>de</strong>squalificando o processo <strong>de</strong>cisório e a própria ação policial. Por exemplo,
eduzir a tarefa policial a “atirar bem” arrisca per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista quando<br />
atirar é oportuno, quando atirar bem é apropriado. A polícia não é uma<br />
linha <strong>de</strong> produção, em que cada policial faz melhor quando obe<strong>de</strong>ce<br />
mecanicamente à fração <strong>de</strong> trabalho que lhe cabe num esquema abstrato,<br />
suposto inteiramente previsível em termos <strong>de</strong> recursos disponíveis e do<br />
inventário <strong>de</strong> soluções imediatamente aplicáveis. Ao contrário, a ação<br />
policial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do juízo e talento dos agentes policiais, <strong>de</strong> sua tomada <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisão rumo à adaptação virtuosa <strong>de</strong> seus saberes, habilida<strong>de</strong>s e recursos<br />
diante da realida<strong>de</strong>, caso a caso. Esta é a única perspectiva que po<strong>de</strong><br />
permitir compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que maneira a polícia po<strong>de</strong> ser proficiente, ao<br />
consi<strong>de</strong>rar como cada ação policial conjuga recursos disponíveis e as<br />
<strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> seu uso oportuno e apropriado num <strong>de</strong>terminado caso, para<br />
um <strong>de</strong>terminado fim, isto é, para ser eficaz.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua a<strong>de</strong>rência ao conjunto <strong>de</strong> práticas<br />
conhecidas, o estado-das-práticas, ou mesmo à melhor prática, best<br />
practice, conhecida, o estado-da-arte, a proficiência não po<strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer à<br />
sua própria lógica. Ela só faz sentido no contexto da busca <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>terminado resultado, isto é, como instrumento da busca por eficácia.<br />
Com esta ressalva, então a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> proficiência tem que dar conta da<br />
apreciação da qualida<strong>de</strong> da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e execução da ação à luz <strong>de</strong><br />
um <strong>de</strong>terminado critério <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência, seja ao estado-das-práticas, seja ao<br />
estado-da-arte.<br />
4. MÉTRICAS E PADRÕES DE MEDIDA DE DESEMPENHO<br />
POLICIAL<br />
Para medir alguma coisa, é preciso antes saber por que uma<br />
<strong>de</strong>terminada medida é útil para um <strong>de</strong>terminado fim, estabelecendo o que<br />
se quer medir. Sabendo o que se quer medir, po<strong>de</strong>-se então consi<strong>de</strong>rar<br />
como medir.<br />
4.1. Métricas e indicadores 11<br />
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
O porque e o que medir são evi<strong>de</strong>ntes quando se trata da medida<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zas físicas elementares. O espaço, por exemplo, é uma vivência<br />
compartilhada por todos os seres humanos. Assim, o porque medir é <strong>de</strong><br />
fácil compreensão. Todos sabem que para ir daqui ali é preciso atravessar<br />
251
252<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
um certo trecho do espaço. Saber o quanto <strong>de</strong> espaço separa cá <strong>de</strong> lá<br />
po<strong>de</strong> ter alguma utilida<strong>de</strong>, e isto permite uma apreensão da distância e a<br />
sua <strong>de</strong>finição como o menor trajeto que vai <strong>de</strong> um ponto a outro,<br />
<strong>de</strong>scartando volteios e <strong>de</strong>svios. Isto permite estabelecer o conceito <strong>de</strong><br />
“extensão” como um padrão <strong>de</strong> medida. Po<strong>de</strong>-se medir a extensão <strong>de</strong><br />
diversas maneiras, seja em linha reta, seja ao longo <strong>de</strong> um caminho. Uma<br />
vez que se tenha estabelecido um padrão <strong>de</strong> medida, é necessário<br />
expressar sua gran<strong>de</strong>za, o que leva a que se escolha uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida.<br />
Uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida natural é o passo. Mas o passo varia <strong>de</strong><br />
pessoa para pessoa, <strong>de</strong> ritmo <strong>de</strong> marcha para ritmo <strong>de</strong> marcha: é uma<br />
unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida tão variável, idiossincrática que compromete os<br />
elementos <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> e precisão que permitem sistematizar e<br />
comparar realida<strong>de</strong>s. Para se obter uma medida mais constante e útil, é<br />
razoável eleger uma unida<strong>de</strong> comum e invariante, universal. No caso do<br />
Sistema Internacional <strong>de</strong> Medidas, tem-se o metro.<br />
As noções geométricas <strong>de</strong> “extensão”, “área” e “volume” expressam<br />
entendimentos conceituais: o espaço que separa dois pontos, a superfície<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado perímetro, o conteúdo <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado recipiente.<br />
Extensão, área, volume são padrões <strong>de</strong> medida qualitativamente distintos<br />
e conceitualmente precisos. A extensão trata do menor caminho entre<br />
dois pontos, não importa em que direção; a área trata da superfície <strong>de</strong> um<br />
perímetro, não importa o seu <strong>de</strong>senho; e o volume trata do conteúdo <strong>de</strong><br />
um recipiente, não importa a sua forma. Este entendimento do espaço<br />
como tridimensional afirma que área po<strong>de</strong> ser expressa como o quadrado<br />
das dimensões que a <strong>de</strong>limitam (medidas como extensões) e que volume<br />
po<strong>de</strong> ser expresso pelo cubo das dimensões que o circunscrevem<br />
(também medidas como extensões). Este relacionamento não é autoevi<strong>de</strong>nte,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma teoria geométrica que o <strong>de</strong>monstre, mesmo<br />
que as qualida<strong>de</strong>s que distinguem extensão, área e volume sejam evi<strong>de</strong>ntes.<br />
Ainda que seja possível estimar extensões, áreas e volumes, é difícil<br />
medir diretamente todas as distâncias, superfícies e conteúdos (<strong>de</strong><br />
recipientes). É possível mensurar um caminho com um bastão graduado,<br />
superpor quadrados <strong>de</strong> uma área conhecida à superfície que se quer medir<br />
ou fracionar um volume que se <strong>de</strong>seja conhecer em pequenos volumes<br />
conhecidos. Mas é mais simples calcular a extensão, a área ou o volume a<br />
partir do conhecimento das dimensões <strong>de</strong> seus contornos, admitindo
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
uma margem <strong>de</strong> erro conhecida. Por outro lado, só o entendimento que<br />
nasce do cálculo resolve problemas <strong>de</strong> erros intuitivos, como aqueles<br />
com que as crianças são familiarizadas: o mesmo volume <strong>de</strong> água num<br />
copo alto, numa tigela, ou numa ban<strong>de</strong>ja. É a partir da compreensão das<br />
bases conceituais que explicam porque medir alguma coisa, estabelecendo<br />
o que medir, que se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que o como medir <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do<br />
<strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong> entendimentos conceituais. É a partir <strong>de</strong>sses que se<br />
estabelecem os padrões <strong>de</strong> medida da extensão, área e volume, para os<br />
quais se po<strong>de</strong> então eleger (<strong>de</strong> fato, arbitrar) unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> medida úteis e<br />
adotar formas práticas <strong>de</strong> mensuração 12 .<br />
Com este preâmbulo, po<strong>de</strong>-se compreen<strong>de</strong>r métrica como o arranjo<br />
conceitual que explica <strong>de</strong> maneira teoricamente consistente o que é relevante<br />
medir. A partir da elaboração <strong>de</strong> uma métrica é que se torna possível<br />
estabelecer padrões <strong>de</strong> medida e, a partir <strong>de</strong>les, unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> medida para<br />
mensurar uma <strong>de</strong>terminada qualida<strong>de</strong>. Essa medida po<strong>de</strong> ser quantitativa<br />
ou qualitativa. No exemplo apresentado, a posse <strong>de</strong> uma métrica do espaço<br />
permite o estabelecimento <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> medida quantitativos: a medida<br />
da distância entre duas cida<strong>de</strong>s, da superfície <strong>de</strong> um terreno ou do<br />
conteúdo <strong>de</strong> uma caixa d’água. A métrica do espaço compreen<strong>de</strong> a utilização<br />
das idéias geométricas para formular padrões <strong>de</strong> medida (quantitativa) da<br />
extensão, da área e do volume afirmando-os como necessários e<br />
suficientes, integrando-os pela adoção <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> medida consistentes<br />
do m, m 2 e m 3 .<br />
Uma vez que se estabeleçam métricas, padrões e unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
medida, é possível medir. Então po<strong>de</strong> se buscar compreen<strong>de</strong>r o significado<br />
das medidas <strong>de</strong> diversas maneiras. Neste processo, que combina análise<br />
e criativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sdobram-se uma ou mais métricas <strong>de</strong> maneira a produzir<br />
resultados analíticos ou <strong>de</strong>scritivos, elaborando indicadores para<br />
<strong>de</strong>terminados fins. Esse é um recurso necessário e útil em função dos<br />
limites da cognição humana.<br />
Por exemplo, qualquer usuário <strong>de</strong> computador experimenta falhas<br />
no funcionamento um <strong>de</strong>terminado software. Estas resultam <strong>de</strong><br />
improprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> programação ou erros <strong>de</strong> processamento. Em diversos<br />
casos, como em sistemas <strong>de</strong> monitoramento médico ou processamento<br />
químico, é importante saber o quão confiável é um <strong>de</strong>terminado software,<br />
porque uma falha po<strong>de</strong> ter conseqüências funestas ou causar gran<strong>de</strong>s<br />
253
254<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
prejuízos. Uma métrica da qualida<strong>de</strong> “confiabilida<strong>de</strong>” associa a interrupção<br />
<strong>de</strong> funcionamento do software, cujo padrão <strong>de</strong> medida é qualitativo, a<br />
“falha”, com o controle do tempo, cujo padrão <strong>de</strong> medida é quantitativo,<br />
medido em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tempo (horas), mensurando o número <strong>de</strong> falhas<br />
por unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo.<br />
A escolha <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida para mensurar a<br />
confiabilida<strong>de</strong> com essa métrica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>seja mensurar e para<br />
que. Um hospital po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que uma métrica como a <strong>de</strong><br />
confiabilida<strong>de</strong> é o “tempo médio entre falhas” (Mean Time Between Failures<br />
- MTBF), porque o que lhe é importante é a ocorrência, ou não, da falha.<br />
Para produzir uma medida da confiabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> software, po<strong>de</strong>-se operar<br />
o software por 2100 horas, acumulando-se o número <strong>de</strong> falhas a cada 300<br />
horas. Nas primeiras 300 horas registram-se duas falhas, o que estabelece<br />
um MTBF <strong>de</strong> 150 horas. Nas horas seguintes, cada levantamento <strong>de</strong> 300<br />
horas produz respectivamente duas, uma, uma, uma, zero e zero falhas.<br />
Com o uso do software ao longo do tempo, po<strong>de</strong>-se então elaborar um<br />
registro que revela que o MTBF do software variou (150, 300, 300, 300,<br />
e mais <strong>de</strong> 600, já que não houve falha em duas períodos <strong>de</strong> 300 horas<br />
sucessivos). Assim, o resultado da medida seria que MTBF médio do<br />
software é <strong>de</strong> 300 horas.<br />
Um indicador correspon<strong>de</strong> à escolha do resultado <strong>de</strong> uma ou mais<br />
métricas para ampliar o entendimento. No exemplo do software, o indicador<br />
“falhas acumuladas ao longo do tempo em períodos <strong>de</strong> medida” sugere<br />
algo que po<strong>de</strong>ria se per<strong>de</strong>r diante da medida “MTBF médio = 300 horas”.<br />
Ele indica que quanto mais tempo se usa o software, mais confiável ele se<br />
torna. Essa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iluminar algo que po<strong>de</strong>ria passar <strong>de</strong>sapercebido<br />
é a gran<strong>de</strong> vantagem <strong>de</strong> se utilizar indicadores. Embora, num senso estrito,<br />
eles não agreguem mais informação sobre a realida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>m vir a<br />
reapresentá-la <strong>de</strong> diversas maneiras, facilitando a cognição <strong>de</strong> aspectos da<br />
realida<strong>de</strong> ou produzindo insights 13 .<br />
A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer indicador ampliar o entendimento ou<br />
produzir insights válidos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da robustez das métricas adotadas. Estas,<br />
a seu turno, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da qualida<strong>de</strong> conceitual <strong>de</strong> seus fundamentos. Só<br />
métricas conceitualmente robustas permitem i<strong>de</strong>ntificar padrões <strong>de</strong><br />
medida consistentes com o que se quer medir, possibilitando escolher<br />
unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> medida compatíveis com o que se preten<strong>de</strong> medir e formas
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
viáveis <strong>de</strong> como se medir (e produzir medidas). Esse percurso po<strong>de</strong> ser<br />
visualizado pelo seguinte esquema:<br />
Figura 4. De métricas a indicadores<br />
O que se segue correspon<strong>de</strong>, como indicado na parte hachurada<br />
da figura acima, à elaboração <strong>de</strong> métricas e padrões <strong>de</strong> medida<br />
conceitualmente robustos. Eles associam a teorização sobre a polícia<br />
com a apreciação conceitual do <strong>de</strong>sempenho em termos <strong>de</strong> eficácia e<br />
proficiência, apresentados anteriormente. Circunscrevem o que se quer<br />
medir pela explicitação do porque sua mensuração é pertinente para a<br />
avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial.<br />
O estágio atual dos estudos policiais ainda não permite a elaboração<br />
<strong>de</strong> métricas capazes <strong>de</strong> mensurar o conjunto dos resultados do trabalho<br />
policial anunciados em nossa construção teórica, em termos das<br />
“expectativas do Mandato Policial”, dos “efeitos da presença policial” e<br />
da “possibilida<strong>de</strong> da ação policial”. Este texto correspon<strong>de</strong> à expressão<br />
<strong>de</strong> uma agenda <strong>de</strong> pesquisa em <strong>de</strong>senvolvimento, e se limita à<br />
consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> métricas e padrões <strong>de</strong> medida capazes <strong>de</strong> mensurar o<br />
que se apresentou mais acima como a “frustração da oportunida<strong>de</strong> da<br />
ação” e a “frustração da ação”.<br />
4.2. Métrica e padrão <strong>de</strong> medida da eficácia<br />
Estabelecer os termos <strong>de</strong> uma métrica para eficácia correspon<strong>de</strong><br />
ao <strong>de</strong>sdobramento dos aspectos da (i) missão e dos (ii) resultados colaterais<br />
e associados em termos <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada forma <strong>de</strong> mensuração. Como<br />
qualquer mensuração, ela se apóia na adoção arbitrária <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />
padrão <strong>de</strong> medida, qualitativo ou quantitativo, que exige a tradução das<br />
dimensões do conceito <strong>de</strong> eficácia em <strong>de</strong>finições operacionais.<br />
255
256<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
(i) Missão policial. A missão policial (M) é <strong>de</strong>finida como<br />
a expressão da situação final <strong>de</strong>sejada pela autorida<strong>de</strong><br />
competente, à luz <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s políticas, quando<br />
<strong>de</strong>termina a realização <strong>de</strong> uma ação policial. Em si<br />
mesma, uma missão admite graus variados <strong>de</strong><br />
expectativas, conteúdos e <strong>de</strong>talhamento, implícitos<br />
ou explícitos. Por isso é útil tratá-la em termos<br />
qualitativos, aferindo exclusivamente o atendimento<br />
<strong>de</strong> seu conteúdo explícito, na produção ou não do<br />
resultado <strong>de</strong>sejado. Assim, a métrica da missão policial<br />
é simplesmente: o seu cumprimento ou nãocumprimento<br />
14 .<br />
(ii) Resultados associados e colaterais. Os resultados<br />
associados e colaterais correspon<strong>de</strong>m à apreciação da<br />
forma pela qual a missão foi cumprida. Em si mesma,<br />
admitiria todo o universo <strong>de</strong> eventos, resultados e<br />
conseqüências, intencionais ou aci<strong>de</strong>ntais, durante e<br />
<strong>de</strong>pois da ação policial. Dada a sua amplitu<strong>de</strong>, é<br />
necessário tratá-los <strong>de</strong> forma analítica, recortando o<br />
processo <strong>de</strong> produção e o resultado da ação, a partir <strong>de</strong><br />
conjuntos <strong>de</strong> variáveis afins, potencialmente presentes<br />
em qualquer ação policial. Estes conjuntos são<br />
agrupados ao redor das variáveis recalcitrante (R),<br />
terreno (T), tempo (T), agentes policiais (P) e o vasto<br />
universo <strong>de</strong> cautelas (C) políticas, sociais e logísticas<br />
que conformam as regras <strong>de</strong> enfrentamento da ação<br />
policial. Reconhece-se que estes conjuntos são<br />
heterogêneos e agrupam variáveis multidimensionais<br />
e <strong>de</strong>scontínuas. Por isso, é útil combinar critérios<br />
qualitativos e quantitativos <strong>de</strong> mensuração, cujas<br />
métricas não existem por si mesmas como ocorre na<br />
missão policial. As métricas relacionadas a resultados<br />
associados e colaterais refletem priorida<strong>de</strong>s políticas<br />
para a ação policial, e se modificam para dar conta<br />
<strong>de</strong>stas mesmas priorida<strong>de</strong>s.<br />
Cabe ressaltar que, quando um <strong>de</strong>terminado resultado associado<br />
ou colateral é parte explícita da situação final <strong>de</strong>sejada pela autorida<strong>de</strong>
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
competente, então ele faz parte da missão policial, e sua métrica passa<br />
ser puramente qualitativa, <strong>de</strong> cumprimento ou não-cumprimento. Com<br />
estes elementos, po<strong>de</strong>-se então expressar a <strong>de</strong>finição operacional <strong>de</strong><br />
eficácia como a combinação da missão atribuída e dos seus resultados<br />
da seguinte forma (Figura 5):<br />
Eficácia = Missão (M) + [Agente <strong>de</strong> <strong>de</strong>sobediência (R) +<br />
Terreno (T) Tempo (T) + Agentes <strong>Policiais</strong> (P) + Cautelas (C)]<br />
Figura 5. Eficácia policial<br />
Isso admite a sua expressão pelo seguinte grafismo:<br />
Eficácia = M+RT 2 PC<br />
Esse grafismo serve como ponto <strong>de</strong> partida ilustrativo para uma<br />
análise <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> das variáveis, e, portanto, do contorno <strong>de</strong> suas<br />
métricas, sustentando a formulação <strong>de</strong> uma tipologia exaustiva <strong>de</strong> todas<br />
as composições <strong>de</strong> eficácia possíveis em termos <strong>de</strong> resultados<br />
<strong>de</strong>sejados e associados. Esta tipologia produz composições <strong>de</strong> eficácia<br />
que não são compatíveis com a ativida<strong>de</strong> policial. Daí ser necessário<br />
restringir o campo das composições <strong>de</strong> eficácia àquelas que são<br />
pertinentes à realida<strong>de</strong> policial. Isto, a seu turno, correspon<strong>de</strong> à<br />
priorização relativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas variáveis na composição <strong>de</strong> eficácia<br />
(RT 2 PC); novamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não estejam presentes (quando então<br />
seriam, por <strong>de</strong>finição, explícitos) na missão policial (M).<br />
Cada um dos resultados associados e colaterais po<strong>de</strong>, ou não,<br />
ser prioritário na ação policial. Não se trata <strong>de</strong> maximizar ou minimizar<br />
a relevância ou a presença <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado resultado associado ou<br />
colateral em si mesmo, mas sim reconhecer que diferentes<br />
preocupações políticas po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminar a importância relativa <strong>de</strong><br />
um resultado sobre os <strong>de</strong>mais. A <strong>de</strong>finição operacional <strong>de</strong> eficácia<br />
incorpora a importância relativa das variáveis, admitindo dois níveis<br />
<strong>de</strong> priorização política para resultados associados ou colaterais: se<br />
são prioritários, aparecem grafados em MAIÚSCULAS, ou se não<br />
são prioritários, aparecem grafados em minúsculas, como indicado<br />
na tabela a seguir.<br />
257
258<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
Resultados<br />
( quanto a..)<br />
Recalcitrante<br />
Terreno<br />
Tempo<br />
Agentes <strong>Policiais</strong><br />
Cautelas<br />
Priorizados<br />
R<br />
T<br />
T<br />
P<br />
C<br />
Priorida<strong>de</strong> Política<br />
Não priorizados<br />
r<br />
t<br />
t<br />
p<br />
c<br />
É importante assinalar que a missão policial, por <strong>de</strong>finição, é sempre<br />
prioritária e, portanto, sempre grafada em maiúsculas e representada por<br />
(M). Isto permite construir uma lista <strong>de</strong> todas as composições <strong>de</strong> eficácia,<br />
pon<strong>de</strong>rando as diferentes priorida<strong>de</strong>s para cada uma das variáveis (RT2PC), produzindo um universo <strong>de</strong> 32 tipos lógicos expresso na tabela a seguir.<br />
5<br />
RTTPC<br />
Número <strong>de</strong> Resultados Priorizados<br />
4 3 2 1<br />
RTTPc RTTpc RTtpc Rttpc<br />
RTTpC RTtPc RtTpc rTtpc<br />
RTtPC RTtpC RttPc rtTpc<br />
RtTPC RtTPc RttpC rttPc<br />
rTTPC RtTpC rTTpc rttpC<br />
RttPC rTtPc<br />
rTTPc rTtpC<br />
rTtPC rtTPc<br />
rTTpC rtTpC<br />
rtTPC rttPC<br />
0<br />
rttpc<br />
Estas 32 composições <strong>de</strong> eficácia correspon<strong>de</strong>m a todos os arranjos<br />
possíveis <strong>de</strong> priorização <strong>de</strong> variáveis, mapeando todas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
resultados associados ou colaterais. Aplica-se, pois, a qualquer situação em<br />
que o uso <strong>de</strong> força seja consi<strong>de</strong>rado, seja ele compatível ou não com o
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
mandato policial. Já as quatro composições assinaladas correspon<strong>de</strong>m<br />
àquelas que dizem respeito à realida<strong>de</strong> policial, cuja caracterização é<br />
apresentada a seguir.<br />
4.2.1. Composições <strong>de</strong> eficácia policial<br />
Quando se consi<strong>de</strong>ra a priorida<strong>de</strong> relativa das variáveis que <strong>de</strong>screvem<br />
resultados associados e colaterais, constata-se que o universo <strong>de</strong> 32<br />
composições <strong>de</strong> eficácia não se aplica <strong>de</strong> maneira integral às ações policiais.<br />
Na composição <strong>de</strong> eficácia policial, as cautelas (C) são sempre<br />
prioritárias e são, usualmente, parte das regras <strong>de</strong> enfrentamento policiais.<br />
Como visto acima, regras <strong>de</strong> enfrentamento são as normas que exigem,<br />
restringem, modificam ou proíbem <strong>de</strong>terminadas alternativas na ação<br />
policial, em função das provisões legais, juízos políticos, dinâmicas sociais,<br />
consi<strong>de</strong>rações logísticas ou mesmo estratégicas. São estes elementos <strong>de</strong><br />
contorno que <strong>de</strong>limitam e contextualizam a ação <strong>de</strong> polícia, uma vez que<br />
emprestam especificida<strong>de</strong> ao mandato policial em cada situação concreta.<br />
Ao se reconhecer que as cautelas são sempre prioritárias, tem-se uma<br />
redução das composições <strong>de</strong> eficácia potencialmente válidas para a realida<strong>de</strong><br />
policial, cujo escopo passa a correspon<strong>de</strong>r aos 16 tipos lógicos on<strong>de</strong> (C)<br />
aparece grafado em maiúsculo.<br />
A preservação dos agentes <strong>Policiais</strong> (P) também é sempre prioritária<br />
na ação policial. O sacrifício <strong>de</strong>liberado <strong>de</strong> policiais não é uma alternativa<br />
política aberta aos planejadores e executores <strong>de</strong> ações policiais. Ao<br />
contrário: não é nem lógico, nem razoável, nem tolerável que o cuidado<br />
para com as vidas dos policiais seja excluído das formas como se planeja<br />
ou executa uma ação policial. Não é lógico, porque a indiferença quanto à<br />
vitimização policial contraria a própria razão <strong>de</strong> ser da polícia como<br />
instrumento <strong>de</strong> proteção contra riscos e perigos que ameacem o público.<br />
Não é razoável, porque uma dúvida quanto à priorida<strong>de</strong> da preservação<br />
dos policiais sabota a coesão e compromete a qualida<strong>de</strong> do serviço policial,<br />
ampliando níveis <strong>de</strong> incerteza, risco e perigo tanto para policiais quanto<br />
para o público. Não é tolerável porque a vida e a saú<strong>de</strong> são direitos<br />
inalienáveis <strong>de</strong> todos os cidadãos, entre estes os policiais. Assim, ainda<br />
que policiais possam, eventualmente, estarem expostos a situações <strong>de</strong><br />
risco e perigo, só se po<strong>de</strong> admitir composições <strong>de</strong> eficácia policial que<br />
saú<strong>de</strong> e segurança ocupacionais dos agentes policiais (P) sejam prioritárias.<br />
259
260<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
Com isso tem-se uma redução das composições <strong>de</strong> eficácia<br />
potencialmente válidas para a realida<strong>de</strong> policial, cujo escopo passa a<br />
correspon<strong>de</strong>r a oito tipos lógicos on<strong>de</strong> as variáveis cautelas (C) e policiais<br />
(P) aparecem grafados em maiúsculo.<br />
O tempo (T) <strong>de</strong> duração numa ação policial é sempre prioritário.<br />
A presteza é um atributo indispensável da ação policial. A natureza mesma<br />
dos problemas nos quais a polícia é chamada a intervir <strong>de</strong>manda sempre<br />
alguma medida <strong>de</strong> urgência em seu encaminhamento e solução por<br />
envolverem níveis diferenciados, objetivos e subjetivos, <strong>de</strong> risco e<br />
perigo. A temporalida<strong>de</strong> da polícia é marcada pelas expectativas sociais<br />
<strong>de</strong> que ela esteja disponível, responda quando acionada e dê conta da<br />
situação quando se fizer presente. Tais representações dizem respeito<br />
à capacida<strong>de</strong> da polícia cumprir o seu mandato e, com isso, sustentar a<br />
idéia <strong>de</strong> polícia. A ação policial, a seu turno, admite uma repartição quanto<br />
à temporalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, em termos da redução antecipada<br />
<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, da frustração <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong> ações que<br />
<strong>de</strong>safiem a paz social, a vigência das leis ou que <strong>de</strong>man<strong>de</strong>m o uso da<br />
força como ferramenta da produção pacífica <strong>de</strong> obediência. São esses<br />
elementos que fazem com que a polícia seja um recurso sempre<br />
disponível e integralmente empenhado em cada momento.<br />
Cada ação policial po<strong>de</strong> durar mais ou menos tempo. Mas cada<br />
ação tem que ser resolvida satisfatoriamente com presteza, para que a<br />
polícia possa se fazer disponível antes, durante ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua ação,<br />
ou para que ela possa agir em outra parte. Por sua própria natureza, a<br />
polícia é um recurso escasso já que os eventos sobre os quais po<strong>de</strong> vir<br />
a ser chamada a atuar po<strong>de</strong>m ser simultâneos, ou <strong>de</strong>scontínuos e<br />
dispersos tanto no espaço quanto no tempo. Em razão disso, qualquer<br />
composição <strong>de</strong> eficácia policial tem que consi<strong>de</strong>rar o atendimento da<br />
presteza da ação policial, priorizando a variável tempo (T). Com isso<br />
tem-se uma redução das composições <strong>de</strong> eficácia potencialmente válidas<br />
para a realida<strong>de</strong> policial, cujo escopo passa a correspon<strong>de</strong>r a quatro<br />
tipos lógicos on<strong>de</strong> as variáveis cautelas (C), policiais (P) e tempo (T)<br />
aparecem grafados em maiúsculo.<br />
A esta altura cabe relembrar o limite das métricas apresentadas<br />
neste artigo. O conjunto das métricas aqui proposto reconhece as<br />
diferentes temporalida<strong>de</strong>s da polícia e seus efeitos. Contudo, seu alcance
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
atual está restrito àqueles resultados em que se po<strong>de</strong> estabelecer, <strong>de</strong><br />
forma mais rigorosa, uma relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre a presença ou<br />
ação policial e a frustração <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s ou ações recalcitrantes. Já<br />
em relação à redução <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ações recalcitrantes e indução<br />
<strong>de</strong> auto-regulação social no tempo, os resultados produzidos pela<br />
presença ou ação policial não po<strong>de</strong>m ser facilmente isolados, uma vez<br />
que estão dissolvidos nos ou mediados pelos efeitos produzidos pelas<br />
ações <strong>de</strong> outros atores sociais que constituem as re<strong>de</strong>s primárias <strong>de</strong><br />
controle e proteção social. Aqui os efeitos produzidos pela polícia se<br />
combinam e, em boa medida, se confun<strong>de</strong>m com as mais diversas práticas<br />
<strong>de</strong> regulação social, o que exigiria trabalhos que consi<strong>de</strong>rassem como<br />
os mais diferentes atores sociais contribuem para a sustentação da or<strong>de</strong>m<br />
pública e sua interação com a polícia 15 . A apresentação teórica realizada<br />
anteriormente i<strong>de</strong>ntificou e relacionou estes fenômenos evi<strong>de</strong>nciando o<br />
potencial <strong>de</strong> se avançar rumo a constituição <strong>de</strong> novos conjuntos <strong>de</strong><br />
métricas que ultrapassam os limites <strong>de</strong>ste artigo.<br />
Não é possível realizar a mesma redução do escopo <strong>de</strong><br />
composições <strong>de</strong> eficácia feitas para as variáveis anteriores no caso da<br />
priorização ou não do terreno (T) e do recalcitrante (R). O controle do<br />
lugar em que se <strong>de</strong>senvolve a ação policial admite uma ampla variação<br />
em termos <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> política. Isto vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
controle total do terreno como parte da missão policial, passando pelo<br />
isolamento provisório exclusivamente durante uma ação policial, até uma<br />
relativa indiferença quanto a situação e controle do lugar. A situação final<br />
do recalcitrante também admite variação <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>: vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma<br />
situação em que a <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> um recalcitrante é a missão policial,<br />
passando por aquela em que o controle do recalcitrante é oportuno ou<br />
temporário, até uma relativa indiferença quanto ao controle do<br />
recalcitrante ao fim da ou mesmo durante a ação policial. Note-se que o<br />
atendimento às normas <strong>de</strong> enfrentamento policial incluem as salvaguardas<br />
relativas a incolumida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os envolvidos na ação policial. A<br />
situação final dos envolvidos é contemplada em termos <strong>de</strong> cautelas (C),<br />
que são sempre prioritárias em ações policiais 16 .<br />
Diante do exposto, chega-se aos quatro tipos <strong>de</strong> composição <strong>de</strong><br />
eficácia policial, que refletem diferentes priorida<strong>de</strong>s relativas ao<br />
recalcitrante (R ou r) e ao terreno (T ou t), grafadas em maiúscula e<br />
minúscula, conforme se vê na tabela a seguir.<br />
261
262<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
Priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Resultados<br />
Recalcitrante<br />
R<br />
R<br />
r<br />
r<br />
Terreno<br />
T<br />
t<br />
T<br />
t<br />
Tempo<br />
<strong>Policiais</strong><br />
Cautelas<br />
TPC<br />
4.2.2. Padrões <strong>de</strong> medida <strong>de</strong> eficácia policial<br />
Detalhamento<br />
Todas as variáveis são prioritárias para a<br />
eficácia da ação policial.<br />
A situação final <strong>de</strong> controle do recalcitrante é<br />
prioritária, mas o controle do lugar on<strong>de</strong> se dá<br />
a ação não é prioritário para a eficácia da ação<br />
policial.<br />
O controle do lugar on<strong>de</strong> se dá a ação é<br />
prioritário, mas a situação final <strong>de</strong> controle do<br />
recalcitrante não é prioritária para a eficácia<br />
da ação policial.<br />
Nem a situação final <strong>de</strong> controle do<br />
recalcitrante nem o controle do lugar são<br />
prioritários para a eficácia da ação policial.<br />
A apreciação da métrica a<strong>de</strong>quada para a missão policial permitiu<br />
i<strong>de</strong>ntificar um padrão <strong>de</strong> medida qualitativo, <strong>de</strong> sucesso ou fracasso,<br />
correspon<strong>de</strong>nte ao cumprimento ou não cumprimento. A i<strong>de</strong>ntificação<br />
das composições <strong>de</strong> eficácia policial permitiu i<strong>de</strong>ntificar os padrões <strong>de</strong> medida<br />
pelos quais mensurar os resultados associados e colaterais da ação policial<br />
em função das suas priorida<strong>de</strong>s políticas. Tem-se com isso cinco<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> padrão <strong>de</strong> medida, que dão conta da mensuração da<br />
eficácia <strong>de</strong> toda e qualquer ação policial relacionadas com a frustração da<br />
oportunida<strong>de</strong> ou da ação recalcitrante.<br />
Em sintonia com o que se encontra exposto nas bases conceituais<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, trata-se agora <strong>de</strong> apreciar as formas pelas quais se po<strong>de</strong><br />
estabelecer o que <strong>de</strong>ve ser medido em termos da proficiência policial.<br />
4.3. Métrica e padrões <strong>de</strong> medida <strong>de</strong> competência policial<br />
Tal como já foi apresentado, a proficiência avalia a qualida<strong>de</strong> do<br />
planejamento e execução <strong>de</strong> ações policiais, que se traduz no uso dos<br />
recursos policiais disponíveis para a produção <strong>de</strong> eficácia. A métrica da
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
proficiência é um agregado, que tem tantos componentes quantos os tipos<br />
<strong>de</strong> recursos policiais disponíveis para as ações <strong>de</strong> frustração da<br />
oportunida<strong>de</strong> ou da ação recalcitrante. Os recursos policiais são também<br />
multidimensionais e variados, sendo útil agrupá-los em conjuntos <strong>de</strong><br />
recursos afins, presentes em qualquer ação policial. Estes conjuntos<br />
correspon<strong>de</strong>m ao suporte e articulação organizacionais, aos equipamentos<br />
e materiais, ao acervo <strong>de</strong> procedimentos, à capacitação <strong>de</strong> indivíduos e<br />
equipes, à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória e à competência policial orientados pela<br />
busca <strong>de</strong> eficácia na ação.<br />
Cada um <strong>de</strong>stes conjuntos admite um breve <strong>de</strong>scritivo. Por suporte<br />
e articulação organizacionais se compreen<strong>de</strong> tudo o que a organização<br />
policial po<strong>de</strong> prover a indivíduos ou equipes policiais, incluindo aí a<br />
distribuição do efetivo policial no espaço e no tempo. O conjunto <strong>de</strong><br />
equipamentos e materiais inclui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fardamento, armamento e munição<br />
até o suprimento <strong>de</strong> ataduras no kit <strong>de</strong> primeiros socorros, passando<br />
pelos instrumentos <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> proteção pessoal, ou o talonário<br />
<strong>de</strong> multas. O acervo <strong>de</strong> procedimentos reporta-se ao conjunto <strong>de</strong><br />
condutas <strong>de</strong> ação, que inclui a aplicação das regras <strong>de</strong> enfrentamento em<br />
diversas circunstâncias particulares, e espelha o saber policial construído<br />
pela experiência coletiva no planejamento e execução da ação policial. A<br />
capacitação <strong>de</strong> indivíduos e equipes refere-se ao resultado dos processos<br />
educacionais que se expressa no preparo para a ação policial. A capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisória correspon<strong>de</strong> às habilida<strong>de</strong>s discricionárias, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir cursos<br />
<strong>de</strong> ação e comandar indivíduos ou equipes policiais. A competência policial<br />
remete aos diferentes perfis dos profissionais <strong>de</strong> polícia envolvidos na<br />
ação. Note-se que estes conjuntos <strong>de</strong> recursos não são nem equivalentes,<br />
nem homogêneos em uma <strong>de</strong>terminada organização policial. Eles são<br />
<strong>de</strong>scontínuos no que se refere à sua distribuição e usos no tempo e no<br />
espaço. Isto significa que em uma mesma organização po<strong>de</strong>m co-existir<br />
diferente disponibilida<strong>de</strong>s, e distintas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso, <strong>de</strong> cada conjunto<br />
<strong>de</strong> recursos. Por exemplo, é possível que todos os agentes policiais<br />
tenham uma arma <strong>de</strong> fogo, mas nem todos estejam capacitados ou tenham<br />
competência policial no seu uso.<br />
Exatamente porque a proficiência busca mensurar a qualida<strong>de</strong> do<br />
uso <strong>de</strong> recursos policiais disponíveis, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas métricas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> uma referência externa à própria ação policial, que po<strong>de</strong> ser a do estadodas-práticas<br />
ou do estado-da-arte no uso <strong>de</strong> cada conjunto <strong>de</strong> recursos<br />
263
264<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
policiais. O estado-das-práticas consiste na best practice (melhor prática)<br />
alcançada por uma <strong>de</strong>terminada organização policial, ou por um<br />
<strong>de</strong>terminado grupo <strong>de</strong> organizações policiais. Já o estado-da-arte consiste<br />
na best practice conhecida pelas organizações policiais, e ten<strong>de</strong> a caminhar<br />
na direção do que seja o limite máximo do que é possível fazer. Em qualquer<br />
organização policial po<strong>de</strong>-se combinar componentes <strong>de</strong> proficiência cujos<br />
padrões <strong>de</strong> medida são ora os do estado-das-práticas, ora os do estadoda-arte.<br />
É possível que as armas <strong>de</strong> fogo disponíveis aos policiais se<br />
aproximem ou coincidam com o estado-da-arte dos armamentos,<br />
enquanto que a capacitação ou competência policial para o seu uso está<br />
distante do estado-das-práticas, sendo um atributo <strong>de</strong> poucos. Vê-se que<br />
os componentes da proficiência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m dos graus <strong>de</strong> atualida<strong>de</strong><br />
profissional <strong>de</strong> uma organização policial em relação aos recursos <strong>de</strong> que<br />
dispõe e da forma como os utiliza.<br />
Isso admite a representação da proficiência policial pelo seguinte<br />
esquema:<br />
Figura 6. Competência policial<br />
Uma vez que a proficiência policial é um meio para a produção da<br />
eficácia, seja porque restringe, seja porque possibilita <strong>de</strong>terminadas<br />
alternativas <strong>de</strong> ação pela disponibilida<strong>de</strong> ou qualida<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> recursos,<br />
torna-se possível circunscrever os termos da proficiência ótima como<br />
referência geral para a conformação <strong>de</strong> métricas.Trata-se <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>sdobramento indispensável para o entendimento pleno dos resultados<br />
produzidos pela presença policial, iluminando sobretudo aquelas situações<br />
aparentemente paradoxais em que a polícia é eficaz sem agir. Tais situações,<br />
tão cotidianas, costumam ser interpretadas como um <strong>de</strong>safio à mensuração,<br />
uma vez que diriam respeito a uma espécie <strong>de</strong> não-fato, <strong>de</strong> não-<br />
acontecimento, pela suposta ausência <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> força.
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
4.3.1. A Proficiência policial ótima<br />
O reconhecimento da existência e a apreciação do que seja a<br />
proficiência ótima explica, e permite mensurar, o resultado das situações<br />
em que a simples presença policial revela-se eficaz. Em outras palavras,<br />
ela <strong>de</strong>screve um uso <strong>de</strong> recursos policiais capaz <strong>de</strong> produzir obediência,<br />
frustrando oportunida<strong>de</strong>s ou ações recalcitrantes, tão-somente pelo uso<br />
potencial <strong>de</strong> força. Nos casos <strong>de</strong> proficiência ótima tem-se a alteração <strong>de</strong><br />
atitu<strong>de</strong>s dos recalcitrantes em razão <strong>de</strong> suas expectativas quanto a própria<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação policial. Os recursos disponíveis indicam uma tal<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> assimetria que conduz ao abandono <strong>de</strong> qualquer forma <strong>de</strong><br />
resistência diante da polícia. Nestes eventos, o uso concreto <strong>de</strong> força não<br />
teve lugar. Diante da perspectiva ou iminência do uso <strong>de</strong> força, o seu<br />
potencial foi suficiente para produzir submissão.<br />
É importante assinalar que a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se obter uma<br />
proficiência ótima <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> tanto da disposição do recalcitrante em<br />
reconhecer a assimetria com a qual se confronta, quanto da capacida<strong>de</strong><br />
da polícia <strong>de</strong> anunciá-la. A proficiência ótima explicita um jogo <strong>de</strong><br />
expectativas entrecruzadas que po<strong>de</strong> admitir alguma medida <strong>de</strong><br />
manipulação, sobretudo por parte da polícia. Há espaço para o blefe policial<br />
pelo anúncio <strong>de</strong> recursos superiores aos disponíveis. Há espaço para a<br />
teatralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus recursos mais proficientes, buscando os benefícios<br />
<strong>de</strong> um efeito-<strong>de</strong>monstração. Há ainda espaço para o impacto da fama ou<br />
reputação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada equipe ou li<strong>de</strong>rança. As possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
manipulação <strong>de</strong> expectativas <strong>de</strong> parte do recalcitrante são mais limitadas,<br />
mas ten<strong>de</strong>m ser mais concretas, girando ao redor do agravamento das<br />
circunstâncias, ou <strong>de</strong> sua simulação. Há espaço para atos ou ameaças que<br />
complexifiquem a ação policial, <strong>de</strong>mandando mais proficiência <strong>de</strong> parte<br />
da polícia para seguir sendo eficaz.<br />
A incapacida<strong>de</strong> ou falta <strong>de</strong> disposição do recalcitrante em<br />
reconhecer a assimetria com que se confronta po<strong>de</strong> frustrar a ocorrência<br />
<strong>de</strong> um resultado que revelaria uma proficiência ótima. Se não se tratou <strong>de</strong><br />
um blefe ou <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>monstração policial, então a assimetria em favor da<br />
polícia irá quase certamente produzir um resultado eficaz. Mas a<br />
proficiência <strong>de</strong>ste resultado já não será ótima, porque ela falhou em<br />
produzir resultado tão somente pelo seu potencial. Por outro lado, a<br />
incapacida<strong>de</strong> ou recusa dos policiais em reconhecer as possibilida<strong>de</strong>s do<br />
265
266<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
uso potencial <strong>de</strong> força po<strong>de</strong> levar ao seu uso concreto, com tudo que isso<br />
se arrisca em termos <strong>de</strong> externalida<strong>de</strong>s, quando ele é simplesmente<br />
supérfluo. Isto se torna ainda mais grave quando a própria organização<br />
policial tem dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e avaliar os efeitos da presença<br />
policial e do uso <strong>de</strong> força potencial, o que estimula o uso concreto <strong>de</strong><br />
força <strong>de</strong> forma equivocada, comprometendo a proficiência policial e, por<br />
sua vez, a eficácia.<br />
É com estas consi<strong>de</strong>rações em mente que se po<strong>de</strong> afirmar a<br />
proficiência ótima como um extremo lógico que é substantivamente real,<br />
e que pauta todas as <strong>de</strong>mais medidas <strong>de</strong> proficiência. O fato <strong>de</strong> que parte<br />
expressiva das oportunida<strong>de</strong>s ou ações recalcitrantes são frustradas pelo<br />
uso potencial <strong>de</strong> força clarifica e explica o que é <strong>de</strong> fato o efeito dissuasório<br />
da presença policial, <strong>de</strong>smistificando-o e operacionalizando-o. Revela a<br />
fragilida<strong>de</strong> do entendimento corrente da dissuasão policial como um<br />
resultado não só in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do que sejam os recursos disponíveis e<br />
das formas <strong>de</strong> seu uso, como também inferior, que correspon<strong>de</strong>ria, nesta<br />
leitura simplista, a uma resposta subalterna diante <strong>de</strong> uma falha das ações<br />
<strong>de</strong> prevenção.<br />
A proficiência ótima reforça a concreção e a viabilida<strong>de</strong> da presteza<br />
policial. Quanto mais situações em que a polícia é chamada a se fazer<br />
presente pu<strong>de</strong>rem ser resolvidas <strong>de</strong> forma eficaz tão-somente pelo uso<br />
potencial da força, mais a polícia ten<strong>de</strong> a se aproximar da meta <strong>de</strong>safiante<br />
<strong>de</strong> manter-se sempre disponível e integralmente empenhada.<br />
A proficiência ótima serve ainda <strong>de</strong> reforço ao entendimento<br />
conceitual <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>sempenho policial só po<strong>de</strong> ser a<strong>de</strong>quadamente<br />
tratado quando consi<strong>de</strong>rado a partir <strong>de</strong> uma análise que leve em conta<br />
tanto as métricas e padrões <strong>de</strong> medidas da eficácia quanto as da proficiência.<br />
E é disso que se trata agora.<br />
4.4. Rumo a avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial: análise conjunta da<br />
eficácia e da competência<br />
A avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial pela análise conjunta da eficácia<br />
e da proficiência implica reconhecer que o estabelecimento <strong>de</strong> métricas<br />
tem o potencial <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finir as formas pelas quais se percebe e enten<strong>de</strong> a<br />
práxis policial 17 . Este é um tema particularmente oportuno porque métricas
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
policiais se aplicam a um campo em que pré-existem práticas estabelecidas<br />
para a <strong>de</strong>scrição, mensuração e avaliação. A instituição <strong>de</strong> métricas<br />
concorre, <strong>de</strong>sta forma, para o reenquadramento dos contornos pelos<br />
quais se apreen<strong>de</strong> o conteúdo e as formas <strong>de</strong> apreciação do fazer policial.<br />
Possibilitam reinterpretar os resultados e as formas da ação policial em<br />
termos <strong>de</strong> análise conjunta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, conforme o esquema abaixo<br />
(figura 7).<br />
Figura 7. Desempenho policial<br />
Pela eficácia dá-se conta da capacida<strong>de</strong> da ação policial <strong>de</strong><br />
produzir o resultado <strong>de</strong>sejado pela autorida<strong>de</strong> competente. A métrica<br />
<strong>de</strong> eficácia da missão (em termos <strong>de</strong> cumprimento ou não<br />
cumprimento) tem o potencial <strong>de</strong> reconfigurar o conteúdo e prática<br />
do comando e controle policial, ao revelar a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
parte a parte. Explicita tanto como a autorida<strong>de</strong> formula, po<strong>de</strong> ou<br />
<strong>de</strong>ve formular, os termos do resultado <strong>de</strong>sejado, quanto como a polícia<br />
se aproxima, po<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>ve se aproximar, da tarefa <strong>de</strong> produzi-los. A<br />
métrica dos resultados associados e colaterais remete diretamente à<br />
especificida<strong>de</strong> policial da ação, explicitando o significado substantivo<br />
dos termos do consentimento social sob o Império da Lei. A estabilida<strong>de</strong><br />
essencial das regras <strong>de</strong> enfrentamento e expectativas sociais quanto à<br />
ação policial permitem reconhecer o caráter distintivo do agir policial.<br />
Explica-se a priorida<strong>de</strong> intrínseca das variáveis cautelas (C), tempo<br />
(T) e agentes policiais (P), <strong>de</strong>smistificando as variáveis terreno (T) e<br />
recalcitrante (R), ao revelá-las passíveis <strong>de</strong> priorização ou não. Que<br />
disso se possa extrair os elementos <strong>de</strong> contorno <strong>de</strong> uma tipologia dos<br />
cinco tipos <strong>de</strong> ação policial, um resultado contra-intuitivo diante da<br />
267
268<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tarefas da polícia, é um benefício que exemplifica o ganho<br />
do estabelecimento <strong>de</strong> métricas. Assim, se po<strong>de</strong> apontar como esta<br />
compreensão da eficácia busca esgotar o significado dos elementos externos<br />
à ação <strong>de</strong> indivíduos ou grupos policiais, seus contextos sociais e os<br />
contornos particulares em uma dada situação.<br />
Pela proficiência se busca esgotar o significado dos elementos<br />
internos à ação <strong>de</strong> indivíduos e grupos policiais, permitindo o<br />
enquadramento sistemático <strong>de</strong> sua habilida<strong>de</strong> no uso <strong>de</strong> recursos. O<br />
que sejam os recursos disponíveis e as formas como se po<strong>de</strong> usá-los<br />
são prévios e concorrentes,e essencialmente distintos da situação<br />
em que a ação policial tem lugar. Pertencem à caracterização <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>terminado indivíduo ou grupo e são, neste sentido, atributos<br />
orgânicos. O recorte adotado para a instituição <strong>de</strong> métricas dá conta<br />
da qualida<strong>de</strong> do uso dos recursos disponíveis na ação policial,<br />
estabelecendo um diálogo entre a forma <strong>de</strong> produção do resultado<br />
da ação e as alternativas disponíveis. Que suas métricas i<strong>de</strong>ntifiquem<br />
como seus padrões <strong>de</strong> medida <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do estado-das-práticas,<br />
ou do estado-da-arte, reflete o rigor <strong>de</strong> uma abordagem que<br />
reconhece a mutabilida<strong>de</strong> contingente dos recursos policiais e das<br />
formas <strong>de</strong> seu uso. Que seja a própria métrica da proficiência que<br />
leve à atualização, não apenas da proficiência, mas principalmente da<br />
própria polícia diante <strong>de</strong> seu mister, é também um resultado contraintuitivo,<br />
que diverge da idéia <strong>de</strong> uma doutrina policial estática das<br />
formas do fazer policial. Ao agrupar os recursos policiais em termos<br />
do suporte e articulação organizacionais, dos equipamentos e<br />
materiais, do acervo <strong>de</strong> procedimentos, da capacitação <strong>de</strong> indivíduos<br />
e equipes, da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória e da competência policial<br />
estabelece-se o arcabouço da escolha consciente <strong>de</strong> focos para a<br />
apreciação e aperfeiçoamento da capacida<strong>de</strong> da polícia <strong>de</strong> se fazer<br />
eficaz. É exatamente a amplitu<strong>de</strong> do seu escopo que explica o seu<br />
potencial <strong>de</strong>scritivo e analítico, tão estreito como um componente<br />
<strong>de</strong>ntre os conjuntos <strong>de</strong> recursos, tão amplo quanto a medida da<br />
própria proficiência global <strong>de</strong> uma dada organização policial.<br />
É na análise conjunta que se estabelece o diálogo entre a realida<strong>de</strong><br />
mensurada e a utilida<strong>de</strong> pretendida pela avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho. É<br />
este diálogo que explica e <strong>de</strong>limita o significado dos dados utilizados,<br />
sua pertinência e utilida<strong>de</strong> para um <strong>de</strong>terminado propósito,<br />
organizacional, político, social. Depen<strong>de</strong> do significado, politicamente
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
<strong>de</strong>terminado e tecnicamente consistente, que se atribui às unida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> medida adotadas e às variações <strong>de</strong> cada medida aferida. Este<br />
significado expressa termos particulares do que o consentimento social<br />
e a vigência das leis permite, espera e aceita da polícia numa dada<br />
comunida<strong>de</strong> política. Isto evi<strong>de</strong>ncia a fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer proposta<br />
universal <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho policial. Isso porque o contexto<br />
social da ação policial atravessa todos os aspectos <strong>de</strong> sua práxis. É<br />
<strong>de</strong>terminante do alcance e da resolução das medidas <strong>de</strong> eficácia (quando<br />
consi<strong>de</strong>ra diferentes priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resultados associados e colaterais)<br />
e <strong>de</strong> proficiência (quando subordina seus padrões <strong>de</strong> medida a estadosda-prática<br />
ou estados-da-arte), e, ainda, das medidas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho.<br />
A análise conjunta tem lugar diante <strong>de</strong> um caso concreto e não<br />
sobre uma abstração. Aqui a questão é distintiva, porque a análise<br />
converte os dados <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada ação em elementos empíricos<br />
pela aplicação das métricas. Essa é precisamente a instância em que a<br />
posse <strong>de</strong> métricas diferencia a análise conjunta <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong><br />
juízo, porque o seu recorte do que é pertinente e o seu enquadramento<br />
<strong>de</strong> como isso se relaciona com os resultados da ação são<br />
conceitualmente robustos. É o que lhe permite criar ou aproveitar<br />
acervos <strong>de</strong> dados, indicadores, resultados <strong>de</strong> outras avaliações, etc.,<br />
sem se furtar da crítica à composição ou conteúdo <strong>de</strong> tais acervos.<br />
Note-se que isso não significa que a análise conjunta comece, ou tenha<br />
que começar, do zero. Ao contrário, ela já tem seus termos gerais das<br />
regras <strong>de</strong> enfrentamento em vigor e, mais amplamente, do que está<br />
estabelecido como a melhor prática <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada polícia. Isso<br />
não exime que, na análise conjunta <strong>de</strong> eficácia e proficiência, tenha-se<br />
um espaço <strong>de</strong> crítica à proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais regras ou práticas.<br />
Nada disso resulta direta ou automaticamente da medida em si.<br />
A análise conjunta, rumo da avaliação do <strong>de</strong>sempenho, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do<br />
tratamento e da contextualização do que se mensura. Em termos<br />
amplos, do como se me<strong>de</strong> tanto quanto do que para que se me<strong>de</strong>.<br />
Como isso é externo às métricas, precisamente porque as usa para<br />
<strong>de</strong>terminados fins, então a questão po<strong>de</strong> então ser colocada em termos<br />
sucintos. A partir das formas <strong>de</strong> que se dispõe para medir, e do que se<br />
<strong>de</strong>seja ao consi<strong>de</strong>rar <strong>de</strong>sempenho policial, o processo <strong>de</strong> análise<br />
conjunta a avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial correspon<strong>de</strong> à i<strong>de</strong>ntificação<br />
dos insumos passíveis <strong>de</strong> coleção e a<strong>de</strong>quados a <strong>de</strong>terminados fins<br />
avaliativos pretendidos.<br />
269
270<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Não existe uma fórmula simples que permita mensurar o<br />
<strong>de</strong>sempenho policial em todas as suas ativida<strong>de</strong>s, em todos os lugares.<br />
Tentativas <strong>de</strong> elaborar algum tipo <strong>de</strong> medidor universal a partir dos<br />
resultados administrativos da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada polícia só tem utilida<strong>de</strong><br />
para os aspectos da organização policial em que ela é semelhante a qualquer<br />
outra organização. Útil como isso possa ser, minimiza, quando não anula,<br />
o que é o cerne distintivo do trabalho policial. Não serve, portanto, para<br />
a elaboração dos termos da avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial. A polícia,<br />
enquanto polícia, tem que ser avaliada em termos do que são os seus<br />
resultados e formas <strong>de</strong> agir, ou se arrisca a ser consi<strong>de</strong>rada por<br />
perspectivas que ignoram sua <strong>de</strong>stinação, dificulda<strong>de</strong>s e realizações.<br />
O estabelecimento <strong>de</strong> métricas para a eficácia e para a proficiência<br />
policiais respon<strong>de</strong> a esta perspectiva, explicitando os termos do porque<br />
se propõe medir o trabalho policial, e o que mensura <strong>de</strong>ste trabalho, pela<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> medida. Assim, estabeleceram-se os termos<br />
<strong>de</strong> mensuração da eficácia policial, <strong>de</strong>finida como a apreciação dos<br />
resultados explicitamente <strong>de</strong>mandados pela autorida<strong>de</strong> competente (a<br />
missão policial, (M)), e dos resultados associados e colaterais à luz dos termos<br />
da autorização social do uso <strong>de</strong> força pela polícia numa comunida<strong>de</strong> política<br />
(polity), sob o Império da Lei, agremiados na consi<strong>de</strong>ração das variáveis<br />
recalcitrante (R), terreno (T), tempo (T), agentes policiais (P) e cautelas<br />
(C) sob as regras <strong>de</strong> enfrentamento policiais. Assim, po<strong>de</strong>-se agora exprimir<br />
o todo das consi<strong>de</strong>rações externas da ação policial em termos da<br />
mensuração <strong>de</strong> seu resultado na forma sintética do grafismo E =<br />
M+RT 2 PC. A apreciação da forma como os estado-das-práticas e estadoda-arte<br />
referencia o uso dos recursos policiais disponíveis edificou o<br />
entendimento <strong>de</strong> proficiência, que dá conta do todo das consi<strong>de</strong>rações<br />
internas, neste sentido orgânicas a indivíduos ou equipes policiais, da ação<br />
policial. A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> conjuntos afins <strong>de</strong> recursos em termos <strong>de</strong><br />
suporte e articulação organizacionais, aos equipamentos e materiais, ao<br />
acervo <strong>de</strong> procedimentos, à capacitação <strong>de</strong> indivíduos e equipes, à<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória e à competência policial orientados pela busca <strong>de</strong><br />
eficácia na ação pauta o processo diferencial <strong>de</strong> aferição da proficiência<br />
numa organização policial.<br />
Com esta perspectiva, po<strong>de</strong>-se recuperar, na consi<strong>de</strong>ração da<br />
avaliação conjunta, os termos que explicam porque se tem tais métricas,
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
subordinando-os a uma <strong>de</strong>stinação específica, o que venha a ser o<br />
propósito <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho. É com isso em<br />
mente que se po<strong>de</strong>m reconhecer os benefícios e limites <strong>de</strong> tal avaliação.<br />
A posse <strong>de</strong> métricas, e <strong>de</strong> um conjunto articulado <strong>de</strong> métricas e padrões<br />
<strong>de</strong> medida construídos sobre o enquadramento teórico da polícia<br />
correspon<strong>de</strong> a um recorte necessário e suficiente para a mensuração, e<br />
daí portanto avaliação, do <strong>de</strong>sempenho policial. Que cada uma <strong>de</strong>stas<br />
métricas seja transparente em sua construção e especificida<strong>de</strong> assegura<br />
que seus termos e resultados permaneçam abertos à crítica, sujeitos aos<br />
mecanismos corretivos do conhecimento científico. Com atenção portanto<br />
ao limites atuais <strong>de</strong> seu alcance e à finitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus elementos, tem-se um<br />
conjunto <strong>de</strong> métricas que dá conta <strong>de</strong> tudo que é relevante no exercício<br />
autorizado do mandato do uso da força sob a lei, on<strong>de</strong> a presença, a ação<br />
ou a perspectiva <strong>de</strong>las po<strong>de</strong> explicar o resultado da ação policial, da solução<br />
policial.<br />
Um ponto importante <strong>de</strong>ste processo é o que correspon<strong>de</strong> ao<br />
entendimento da natureza, conteúdo e alcance das regras <strong>de</strong> enfrentamento.<br />
Quando se compreen<strong>de</strong> que elas expressam <strong>de</strong> forma dinâmica os termos<br />
do pacto social, da própria autorização que <strong>de</strong>termina o mandato policial,<br />
ganha-se uma perspectiva capaz <strong>de</strong> enfrentar a tendência <strong>de</strong> tomá-las como<br />
expressando um tipo qualquer <strong>de</strong> tecnicalida<strong>de</strong> autônoma. Ao se perceber<br />
o seu caráter conformante das escolhas policiais admissíveis, ganha-se a<br />
liberda<strong>de</strong> pela qual compreen<strong>de</strong>r a forma como dialogam, interagem e<br />
articulam a discricionarieda<strong>de</strong> policial. Neste processo, percebe-se ainda<br />
o caráter ilimitado <strong>de</strong> sua competência intrínseca, e o papel que tem no<br />
processo <strong>de</strong> comunicação entre a polícia e a socieda<strong>de</strong> que ela policia, ao<br />
emprestar os elementos <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> termos pactuados que<br />
maximizam a capacida<strong>de</strong> regulatória da própria polícia, ampliando seu papel<br />
no suporte à or<strong>de</strong>m social.<br />
É na articulação entre conteúdos qualificados <strong>de</strong> missão policial,<br />
apoiados neste entendimento das regras <strong>de</strong> enfrentamento como expressão<br />
do consentimento social, e na incidência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados aspectos da<br />
proficiência que servem para produzir eficácia em uma dada polícia que se<br />
po<strong>de</strong> reinterpretar o que sejam os <strong>de</strong>scritivos da “mo<strong>de</strong>rnização policial”.<br />
Mo<strong>de</strong>rnizar adquire o conteúdo <strong>de</strong> um incremento na eficácia ou na<br />
proficiência, seja na qualificação dos termos da missão, seja na melhora da<br />
forma <strong>de</strong> uso dos recursos policiais em prol da eficácia. Mais ainda, explica<br />
como uma e outra são elementos <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão política, à luz do<br />
271
272<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
que sejam o estado presente da Idéia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> e os termos tecnicamente<br />
consistentes <strong>de</strong> melhoria do <strong>de</strong>sempenho policial <strong>de</strong> forma<br />
crescentemente transparente. Isso confronta e expõe o fetichismo <strong>de</strong><br />
incremento <strong>de</strong> efetivos, <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> capital, <strong>de</strong> alcance organizacional,<br />
subordinando-os a finalida<strong>de</strong>s explicitamente conexas ao lugar <strong>de</strong> política<br />
e ao serviço policial para uma socieda<strong>de</strong>.<br />
Com tudo isso, é forçoso reconhecer as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aceitação<br />
<strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho no âmbito das organizações<br />
policiais, porque a vivência <strong>de</strong> praticantes é a principal fonte do<br />
conhecimento sobre o tema. De fato, alguns dos principais autores <strong>de</strong><br />
estudos e trabalhos sintetizam trajetórias vividas mais do que elaborações<br />
<strong>de</strong> ambição conceitual. Avaliações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho neste ambiente <strong>de</strong><br />
conhecimento estão abertas à contestação pela vivência dos avaliados tanto<br />
quanto vulneráveis aos vieses da vivência presente <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>.<br />
Isso é relevante porque avaliações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho se confun<strong>de</strong>m<br />
com o próprio processo <strong>de</strong> avaliação do sucesso ou fracasso, da<br />
proprieda<strong>de</strong> ou improprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> Segurança Pública,<br />
quando <strong>de</strong>veriam servir como insumos para tal avaliação. Quão mais alta<br />
a visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada ação, maior a sua conseqüência política,<br />
e mais arriscado se torna avaliá-la sem o benefício <strong>de</strong> métricas e padrões<br />
<strong>de</strong> medida estabelecidos, praticados e experimentos a priori. Esta<br />
dualida<strong>de</strong> tem efeitos sobre qualquer proposta <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho, porque arrisca contaminar o processo <strong>de</strong> avaliação,<br />
instrumentalizando-o politicamente e levando mesmo ao seu abandono.<br />
Diante <strong>de</strong> um fracasso ou <strong>de</strong> um sucesso problemático, surgem<br />
pressões para que a avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho sirva ao propósito imediato<br />
<strong>de</strong> apoiar a justeza da ação, e, por extensão, a correção da política <strong>de</strong><br />
segurança. Isso correspon<strong>de</strong> a dinâmicas políticas e organizacionais<br />
absolutamente corriqueiras, que não po<strong>de</strong>m ser ignoradas, além <strong>de</strong><br />
expressar os fatores <strong>de</strong> risco e erro <strong>de</strong> qualquer organização orientada<br />
pelo uso <strong>de</strong> força. Mas o risco <strong>de</strong>sse uso político da avaliação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho traz consigo as sementes da <strong>de</strong>struição da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
avaliação. Para que se possa conduzir a avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, é<br />
necessário enquadrá-la <strong>de</strong> tal maneira que esta instrumentalização seja<br />
mantida sobre controle, sob pena que a avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho não<br />
sobreviva muito tempo. On<strong>de</strong> a avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho tem ou adquire
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
este caráter militante, <strong>de</strong> instrumento político <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa inequívoca da<br />
ação governamental ou policial, ela em breve acaba tão irrelevante que<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um argumento, e <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser um argumento acaba sendo<br />
abandonada. O que quer se tenha estabelecido como avaliação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho se reduz a mais um discurso, e o abandono <strong>de</strong> métricas<br />
infensas à politização é um passo lógico, quando então a questão po<strong>de</strong><br />
mesmo reverter a nomear como avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho juízos mais ou<br />
menos militantes que alimentam os processos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong><br />
legitimações. Esta consi<strong>de</strong>ração tem ainda um outro lado: quando tudo o<br />
que se tem para a avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho são juízos <strong>de</strong> valor, não há<br />
como se saber se, quando, e o quanto eles são militantes.<br />
Esta situação justifica a perspectiva <strong>de</strong> que uma avaliação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho capaz <strong>de</strong> pronunciar-se sobre o conteúdo da ação, aferindo<br />
mérito em uma análise pautada por métricas conceitualmente robustas e<br />
transparentes. A avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho cresce em credibilida<strong>de</strong> quando<br />
seus resultados são transparentes, pautados por critérios técnicos que<br />
po<strong>de</strong>m ser conhecidos não apenas pela organização policial, mas pela<br />
socieda<strong>de</strong>. Exatamente por isso, a avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho necessita ser<br />
salvaguardada <strong>de</strong> interferências, porque ten<strong>de</strong> a ser alternadamente bem<br />
recebida e valorada ou mal recebida e con<strong>de</strong>nada pelos atores que são<br />
objeto, ou sofrem as conseqüências da avaliação. Com isso, po<strong>de</strong>-se<br />
elencar os seguintes elementos conclusivos.<br />
Em primeiro lugar, estabelecem-se os parâmetros pelos quais aferir<br />
a proprieda<strong>de</strong> do <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> um caso <strong>de</strong>terminado. Existem bases<br />
objetivas, as métricas, para que se afirme a proprieda<strong>de</strong> ou improprieda<strong>de</strong><br />
do processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão das diversas instâncias organizacionais<br />
envolvidas, seja em termos amplos, da política pública <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública, seja em termos do processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão expressa<br />
numa missão policial, seja em termos da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão discricionária<br />
<strong>de</strong> agentes policias numa situação particular.<br />
Em segundo lugar, estabelecem-se as bases conceituais para o<br />
acompanhamento do <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada organização<br />
policial, seja em termos do conjunto <strong>de</strong> seus agentes e equipes, seja em<br />
termos individuais, ao longo do tempo. Isto permite orientar o processo<br />
<strong>de</strong> preparo quanto aperfeiçoar o emprego, apoiando ainda o processo <strong>de</strong><br />
qualificação e especialização <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s e capacitações, dando rumo e<br />
273
274<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
base a processos <strong>de</strong> auto-aperfeiçoamento em bases conceitualmente<br />
claras: eficácia e proficiência policiais.<br />
Em terceiro lugar, ao permitir medidas <strong>de</strong> eficácia ou proficiência,<br />
permite estabelecer comparações significativas no <strong>de</strong>sempenho em termos<br />
<strong>de</strong> grupamentos úteis quanto a contextos, circunstâncias e situações <strong>de</strong><br />
contorno. Isto serve a uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> processos organizacionais <strong>de</strong><br />
estruturação, priorização e alocação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s e recursos, e ainda aos<br />
elementos motivacionais da emulação e do aprendizado mútuo.<br />
É quando se consi<strong>de</strong>ram estes elementos que se po<strong>de</strong> apontar o<br />
que é a contribuição <strong>de</strong> ruptura do estabelecimento <strong>de</strong> métricas: sua<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emprestar <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> técnica ao processo <strong>de</strong><br />
responsabilização policial. A questão mais ampla da responsabilização<br />
policial ainda aguarda estudos, e só é possível apontar contornos [Muniz<br />
& Proença Jr 2003]. Sem embargo <strong>de</strong> que o tratamento <strong>de</strong>sta questão se<br />
encontra além do alcance <strong>de</strong>ste texto, é inescapável que se aponte como<br />
o apresentado correspon<strong>de</strong> a um insumo crítico para o estabelecimento<br />
<strong>de</strong> uma maior sintonia entre tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e avaliadores, entre<br />
tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e operadores, e entre as organizações policiais e a<br />
população [cf. Manning 1999b].<br />
Assim, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>talhar como métricas e padrões <strong>de</strong> medida<br />
servem diretamente às priorida<strong>de</strong>s políticas e às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> controle<br />
social sobre as polícias. A avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho permite a construção<br />
<strong>de</strong> uma avaliação mérito substantivo da ação e da solução policiais, <strong>de</strong><br />
todo o espectro <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações em que a polícia tem alguma relevância.<br />
Subsidia a <strong>de</strong>finição e a compreensão dos propósitos e limites do<br />
<strong>de</strong>sempenho. Serve para que se possa estabelecer <strong>de</strong> maneira<br />
politicamente conseqüente e tecnicamente robusta as próprias condições<br />
<strong>de</strong> execução do fazer policial.<br />
Notas<br />
1 Este texto se beneficia do trabalho <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvido em conjunto com Mauro Gue<strong>de</strong>s<br />
Mosqueira Gomes (DSc), Érico Esteves Duarte (MSc) e Tiago Cerqueira Campos (MSc), financiado<br />
pelo prêmio do Concurso Nacional <strong>de</strong> Pesquisas Aplicadas da SENASP/MJ em 2005 (Proc. No.<br />
08020.0001500/2003-93, ref. 170-C-6), cujo informe final se encontra disponível no site<br />
www.mj.gov.br/senasp<br />
2 Couper [1983], Whitaker [1996], Bayley [1998], Hoover [1998].<br />
3 Para uma breve introdução ao caso brasileiro, ver Lima [1994], Garotinho et al. [1998], VVAA<br />
[1998], Muniz [2001], Proença Jr & Muniz [2006a].
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
4 Ver Bayley [1994], Bayley & Shearing [1996, 2001], Feltes [2003].<br />
5 Um panorama inicial incluiria Vizzard [1995], Cusson [1999], Manning [1999a], Fielding<br />
[2002], Jones & Newburn [2002], Crank [2003], Feltes [2003], Manning [2004].<br />
6 Esta apresentação expõe resultados baseados em Blumberg [2001], Halberstadt [1994], Heal<br />
[2000], Hunt [1999], Manning [1999c], Mijares et al. [2000], Muniz [1999] e Muniz, Proença<br />
Jr & Diniz[1999].<br />
7 Todas as socieda<strong>de</strong>s humanas, sejam tribais ou complexas, <strong>de</strong>senvolveram, <strong>de</strong> acordo com suas<br />
características históricas e culturais, mecanismos <strong>de</strong> regulação coletiva do comportamento<br />
dos indivíduos, <strong>de</strong> modo a garantir a coesão social na experimentação da diversida<strong>de</strong> humana,<br />
e, com isso, a sua própria possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência e reprodução simbólica e material. A<br />
or<strong>de</strong>m social é uma expressão concreta da operação <strong>de</strong>stes mecanismos <strong>de</strong> coesão. A or<strong>de</strong>m<br />
social é, antes <strong>de</strong> tudo, o entrecruzamento das diversas expectativas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m construídas pelos<br />
mais distintos grupos sociais que compõem uma socieda<strong>de</strong>. A or<strong>de</strong>m social é construída pela<br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> territórios simbólicos, morais, físicos, etc. Se apresenta como cenário do encontro<br />
complexo da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fluxos sociais, dos eventos voláteis e das interações <strong>de</strong>scontínuas.<br />
Ela é a expressão <strong>de</strong> uma gramática ampliada e multicultural que possibilita a experimentação<br />
<strong>de</strong> interesses divergentes e a emergência <strong>de</strong> concepções plurais, <strong>de</strong> percepções distintas e<br />
<strong>de</strong>mandas diversas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e segurança públicas. Cf. Kappeler [2000a, b] e, mais amplamente,<br />
Kappeler [1999], Bayley [1998b].<br />
8 A escolha do termo “recalcitrante”, e por extensão “recalcitrância”, busca circunscrever a<br />
oposição <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> indivíduos diante da paz social, da obediência à leis e o <strong>de</strong>safio ao<br />
comandamento implícito ou explícito <strong>de</strong> agentes policiais. Por um lado, sua adoção busca dar<br />
conta das diversas possibilida<strong>de</strong>s, potenciais ou concretas, <strong>de</strong> conflitos, violações ou violências<br />
nos quais a polícia po<strong>de</strong> vir a ter um papel. Por outro, restringe-se esta caracterização a atos ou<br />
atitu<strong>de</strong>s em um <strong>de</strong>terminado contexto. Desse modo, recusa juízos estigmatizantes e<br />
discriminatórios que incriminam trajetórias, estilos <strong>de</strong> vida ou comportamentos sociais.<br />
9 Ainda que o rumo da apresentação seja original dos autores, prenunciado em Proença Jr &<br />
Muniz [2006b], é oportuno contrastá-lo com Clarke [1992], que se limita ao crime; Chalon et<br />
al [2001], que aponta, corretamente, para o horizonte da governança e Neocleous [2000a] que<br />
situa corretamente o que é a questão central da prevenção.<br />
10 Este texto reconsi<strong>de</strong>ra e avança sobre Gomes [2001], Gomes & Proença Jr [2001] e os termos<br />
do relatório referenciado na nota 1. Dá sentido específico aos elementos <strong>de</strong> enquadramento<br />
propostos (ainda que não especificamente ao <strong>de</strong>sempenho) em Reynolds [1997] e Blanchard<br />
[1998].<br />
11 Esta apresentação se beneficia e atualiza trabalhos anteriores, especialmente Gomes [2001]<br />
e Gomes & Proença Jr [2001], ainda que tome um rumo particular à luz da temática policial.<br />
A discussão <strong>de</strong> métricas e indicadores no campo policial é bem mais fragmentária do que se<br />
po<strong>de</strong>ria imaginar à luz da visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentos como o Compstat, que po<strong>de</strong> ser apreendido<br />
com mais <strong>de</strong>talhe e rigor do que em outras fontes em McDonald [2001, 2002]. Para métricas e<br />
padrões <strong>de</strong> medida, veja-se Burge [1996], com a cautela <strong>de</strong> que o trajeto expositivo <strong>de</strong>ste texto<br />
remete às bases da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mensurar <strong>de</strong> maneira significativa, e não a alguma forma <strong>de</strong><br />
medida pragmaticamente instituída.<br />
12 Em todo processo <strong>de</strong> medida existem consi<strong>de</strong>rações prévias que dão conta da magnitu<strong>de</strong>, da<br />
resolução e da viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se mensurar o que se <strong>de</strong>seja medir, assim como do propósito da<br />
medida, ou seja, a sua utilida<strong>de</strong> social. Os três primeiros aspectos relacionam-se com a questão<br />
da escolha das unida<strong>de</strong>s e escalas <strong>de</strong> medida, que resultam diretamente das métricas adotadas,<br />
subordinando-se aos fins da medida em termos <strong>de</strong> significado, discriminando o que se po<strong>de</strong><br />
275
276<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
medir num <strong>de</strong>terminado momento em função das possibilida<strong>de</strong>s técnicas <strong>de</strong> mensuração ou da<br />
sua relevância. A questão da utilida<strong>de</strong> da medida, do para que medir varia em função dos<br />
interesses e necessida<strong>de</strong>s humanas e tem tratamento explícito nos itens conclusivos do texto.<br />
13 De forma análoga, uma indústria química po<strong>de</strong>ria formular unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> medida que<br />
enfatizassem não a ocorrência da falha, como foi o caso do hospital, mas a extensão do período<br />
<strong>de</strong> falha. Assim, sua unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida <strong>de</strong> confiabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ser o downtime, o tempo pelo<br />
qual a ocorrência da falha interrompe o funcionamento do software. Isso não altera nem a<br />
métrica, nem o padrão <strong>de</strong> medida da confiabilida<strong>de</strong>, mas produz medidas e indicadores distintos<br />
sobre a mesma realida<strong>de</strong>, precisamente porque o propósito da medida é outro.<br />
14 Isto significa que, no conceito <strong>de</strong> eficácia adotado não admite fragmentação da medida <strong>de</strong><br />
obtenção do resultado <strong>de</strong>sejado. Descartam-se, assim, quaisquer abordagens que queiram<br />
expressar o sucesso no cumprimento da missão em termos parciais ou percentuais, com tudo que<br />
isto tem <strong>de</strong> paliativo. Trata-se <strong>de</strong> afirmar <strong>de</strong> maneira inequívoca o caráter polar do sucesso da<br />
missão em termos da produção, ou não, do resultado <strong>de</strong>sejado. Esta postura implica, em si<br />
mesma, numa <strong>de</strong>manda explícita por clareza no que seja a missão <strong>de</strong> parte dos tomadores <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisão. Como seria <strong>de</strong> se esperar, uma <strong>de</strong>finição conceitual expressa num conceito <strong>de</strong> eficácia<br />
traz rigor tanto para o output da ação – o resultado <strong>de</strong>sejado – como para o input: os termos<br />
pelos quais se expressa a missão para uma <strong>de</strong>terminada unida<strong>de</strong> numa <strong>de</strong>terminada ação. É<br />
importante marcar que esta é uma <strong>de</strong>manda conceitualmente <strong>de</strong>rivada para qualquer ação e<br />
não uma questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver-ser administrativo. Sem clareza dos termos da missão, do resultado<br />
<strong>de</strong>sejado, torna-se impossível qualquer perspectiva <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, entre outras<br />
coisas.<br />
15 Linhas <strong>de</strong> pesquisas que <strong>de</strong>senvolvam estudos sobre as representações sociais acerca das<br />
polícias e etnografias sobre as dinâmicas formais e informais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos em uma<br />
dada socieda<strong>de</strong> ou comunida<strong>de</strong>, por exemplo, po<strong>de</strong>m ser muito úteis para a elaboração <strong>de</strong> um<br />
conjunto <strong>de</strong> métricas <strong>de</strong> eficácia capaz <strong>de</strong> lidar com as formas pelas quais uma <strong>de</strong>terminada<br />
ação policial contribui para a redução antecipada <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação recalcitrante, ou<br />
induz à auto-regulação social.<br />
16 É oportuno consi<strong>de</strong>rar, ao se tratar do controle do recalcitrante, o fato <strong>de</strong> que em algumas<br />
circunstâncias a polícia po<strong>de</strong> usar <strong>de</strong> força potencialmente letal para produzir obediência.<br />
Cada país tem dispositivos legais próprios para regulamentar e normatizar estas situações. No<br />
caso brasileiro, excluindo ocasiões em que isso correspon<strong>de</strong> à <strong>de</strong>fesa da vida do policial ou <strong>de</strong><br />
outrem, matar <strong>de</strong>liberadamente um recalcitrante caracteriza-se como assassinato.<br />
17 Veja-se a distância que a consi<strong>de</strong>ração teórica, articulada à teoria <strong>de</strong> medida, estabelece<br />
entre o que se expõe e o rumo <strong>de</strong> Copuper [1983], Cordner et al [1996] e o próprio Cordner<br />
[1996].<br />
Referências<br />
Banton, Michael (1964), The policeman in the community. Basic Books.<br />
Bayley, David H & Bittner, Egon (1989), ‘Learning the Skills of Policing’, Law and Contemporary<br />
Problems, 47: 35—59. now in Roger G. Dunham and Geoffrey P. Alpert, eds., Critical Issues in<br />
Policing – contemporary readings – 4 th edition, 82—106. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press.<br />
Bayley, David H. (1985), Patterns of Policing: A Comparative International Perspective. New<br />
Haven: Rutdgers University Press.<br />
——— (1994), Police for the Future. New York and Oxford: Oxford University Press.<br />
——— (1996). “Measuring Overall Effectiveness” In: Hoover, Larry H (1996): Quantifying<br />
Quality in Policing (PERF): 37-54.
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
——— (1998a), What Works in Policing. New York and Oxford: Oxford University Press.<br />
——— (1998b), ‘Patrol’, in David H. Bayley, ed., What Works in Policing, 26—30. New York<br />
and Oxford: Oxford University Press.<br />
Bayley, David H. and Shearing, C. (1996), ‘The Future of Policing’, Law and Society Review, 30/<br />
3: 585-606.<br />
——— (2001), The New Structure of Policing: <strong>de</strong>scription, conceptualization and research<br />
agenda. Washington, DC: National Institute of Justice.<br />
Bittner, Egon (1967), ‘The Police in Skid Row: a study in peacekeeping’, American Sociological<br />
Review, 32/5: 699—715 now in Egon Bittner (1990), Aspects of Police Work, 131—156. Boston,<br />
Mass: Northeastern University Press.<br />
——— (1970), The Functions of the Police in Mo<strong>de</strong>rn Society: a review of background factors,<br />
current practices, and possible role mo<strong>de</strong>ls. Rockville, MD: Center for the Study of Crime and<br />
Dellinquency. now in Egon Bittner (1990), Aspects of Police Work, 89—232. Boston, Mass:<br />
Northeastern University Press.<br />
——— (1974), ‘Florence Nightingale in pursuit of Willie Sutton: a theory of the police’, in<br />
Herbert Jacobs, ed., The Potential for Reform of Criminal Justice, vol 3. Beverly Hills, CA: Sage.<br />
now in Egon Bittner (1990), Aspects of Police Work, 233—268. Boston, Mass: Northeastern<br />
University Press.<br />
——— (1983), ‘Urban Police’, in Encyclopedia of Crime and Justice. New York: The Free Press.<br />
now in Egon Bittner (1990), Aspects of Police Work, 19-29. Boston, Mass: Northeastern University<br />
Press.<br />
——— (1990a), Aspects of Police Work. Boston, Mass: Northeastern University Press.<br />
——— (1990b), ‘Introduction’, in Egon Bittner, Aspects of Police Work, 3—18. Boston, Mass:<br />
Northeastern University Press.<br />
Blanchard, Benjamin S. (1998), System Engineering Management. New York: John Wyley &<br />
Sons.<br />
Blumberg, Mark (2001), “Controlling Police Use of Deadly Force – assessing two <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s of<br />
progress” in Dunham, Roger G & Alpert, Geoffrey P, ed (2001): Critical Issues in Policing –<br />
contemporary readings. Waveland Press, 4 th Edition: 559-582.<br />
Brooks, Laure Weber (2001), “Police Discretionary Behavior – a study of style” in Dunham, Roger<br />
G & Alpert, Geoffrey P, ed (2001): Critical Issues in Policing – contemporary readings (Waveland<br />
Press, 4 th Edition): 117-131.<br />
Burge, Albert R. (1996). “Test and Evaluation Based on Metrics, Measures, Thresholds and<br />
Indicators” (Publication and Documents (US DoD) ,<br />
11 January 2005.<br />
Chalon, Maurice; Leónard, Lucie; Van<strong>de</strong>rschureren, Franz and Vézina, Clau<strong>de</strong> (2001), Urban<br />
Safety and Good Governance: the role of the police. Nairobi: International Centre for the Prevention<br />
of Crime.<br />
Clarke, Ronald V (1992), “Introduction” in CLARKE, Ronald V, ed (1992): Situational Crime<br />
Prevention: Successful Case Studies. Harrow & Heston: 1-42<br />
Cordner, Gary W. (1996), ‘Evaluating Tactical Patrol’, in Larry T. Hoover, ed., Quatifying Quality<br />
in Policing, 185—206. Washington, D.C.: Police Executive Research Forum (PERF).<br />
Cordner, Gary W.; Gaines, Larry K. and Kappeller, Victor E., eds. (1996), Police Operations:<br />
analysis and evaluation. Cincinnati, OH: An<strong>de</strong>rson Publishing Co.<br />
Couper, David C. (1983). How to Rate Your Local Police. Washington, PERF.<br />
Crank, John P. (2003), ‘Institutional theory of the police: a review of the state of the art’, Policing:<br />
an international journal of police strategies and management, 26/2: 186-207.<br />
277
278<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
Cusson, Maurice (1999), ‘Qu’est-ce que la securité intérieure?’ (What is internal security?),<br />
electronic document, University of Montreal, [crim.umontreal.ca], 22 pages.<br />
Dziedzic, Michael J. (1998), ‘Introduction’ in Robert B Oakley, Michael J Dziedzic and Eliot M<br />
Goldberg, eds., Policing the New World Disor<strong>de</strong>r: peace operations and public security, 3—18.<br />
Washington: National Defense University Press.<br />
Feltes, Thomas (2003), ‚Frischer Wind und Aufbruch zu neuen Ufern? Was gibt es Neues zum<br />
Thema Polizeiforschung und Polizeiwissenschaft?’ (Fresh winds and a <strong>de</strong>parture to new coasts?<br />
What is new in police research and police science?), eletronic document, [www.thomasfeltes.<strong>de</strong>/<br />
Literatur.htm], 9 pages.<br />
Fielding, Nigel G. (2002), ‘Theorizing Community Policing’, British Journal of Criminology, 42:<br />
147—163.<br />
Fletcher, Connie (1990), What Cops Know. New York: Pocket Books.<br />
Garotinho, Anthony et al (1998), Violência e Criminalida<strong>de</strong> no Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Editora Hama.<br />
Gomes, Mauro Gue<strong>de</strong>s F. M. & Proença Jr., Domício (2001), “Tactical Performance Evaluation:<br />
a conceptual framework” ITEA Journal September/October: 16-24.<br />
Gomes, Mauro Gue<strong>de</strong>s F. M. (2001), Método para a obtenção <strong>de</strong> Padrões <strong>de</strong> Medidas <strong>de</strong><br />
Desempenho <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s da Força Terrestre. Tese <strong>de</strong> Doutorado. Rio <strong>de</strong> Janeiro: GEE/PEP/<br />
COPPE/UFRJ.<br />
Halberstadt, Hans (1994), Swat Team: Police Special Weapons and Tactics. Motorbooks<br />
International.<br />
Hansen, A.S. (2002), From Congo to Kosovo: <strong>Civil</strong>ian Police in Peace Operations. London: IISS /<br />
Oxford University Press.<br />
Heal, Charles “Sid” (2000). Sound Doctrine: a tactical primer. New York: Lantern Books.<br />
Hoover, Larry T. (coord.) (1998). Police Program Evaluation. Washington DC: Police Executive<br />
Research Forum and Sam Houston State University.<br />
Hunt, Jennifer (1999) “Police Accounts of Normal Force” (in Kappeler, Victor E, ed (1999): The<br />
Police and Society – touchstone readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 2 nd Edition:<br />
306-324.<br />
Jones, Trevor and Newburn, Tim (2002), “The transformation of policing? un<strong>de</strong>rstanding current<br />
trends in policing systems”, British Journal of Criminology, 42: 120-146.<br />
Kappeler, Victor E et al (2000a) “The Social Construction of Crime Myths” in Kappeler, Victor E<br />
et al (2000): The Mythology of Crime and Criminal Justice. Prospect Heights, Ill.: Waveland<br />
Press: 1-26.<br />
——— (2000b), “Merging Myths and Misconceptions of Crime and Justice” in KAPPELER,<br />
Victor E et al (2000): The Mythology of Crime and Criminal Justice. Prospect Heights, Ill.:<br />
Waveland Press: 297-310.<br />
Kappeler, Victor E., ed. (1999), The Police and Society – touchstone readings, 2 nd Edition.<br />
Prospect Heights, Ill.: Waveland Press.<br />
Kelling, Geroge L (1996) “Defining the bottom line in policing – organizational philosophy and<br />
accountability” in Hoover, Larry H (1996): Quantifying Quality in Policing. Wahsington DC,<br />
PERF: 23-36.<br />
Kelly, Michael J. (1998), ‘Legitimacy and the Public Security Function’ in Robert B Oakley,<br />
Michael J Dziedzic and Eliot M Goldberg, eds., Policing the New World Disor<strong>de</strong>r: peace operations<br />
and public security, 399—432. Washington DC: National Defense University Press.<br />
Klockars, Calr B (1985), The I<strong>de</strong>a of Police. London: Sage.<br />
Lima, Roberto Kant (1994), A <strong>Polícia</strong> da Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora
Jacqueline <strong>de</strong> Oliveira Muniz e Domício Proença Júnior<br />
Forense.<br />
Manning, Peter K (1999a) “Mandate, Strategies and Appearances” in Kappeler, Victor E, ed<br />
(1999): The Police and Society – touchstone readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 2 nd<br />
Edition: 94-122.<br />
——— (1999b) “Economic Rethoric and Policing Reform” in Kappeler, Victor E, ed (1999): The<br />
Police and Society – touchstone readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 2 nd Edition:<br />
446-462.<br />
——— (1999c) “Violence and Symbolic Violence” in Kappeler, Victor E, ed (1999): The Police<br />
and Society – touchstone readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 2 nd Edition: 395-401.<br />
Manning, Peter K. (2004), ‘Some Observations Concerning a Theory of Democratic Policing’<br />
(Draft), Conference on Police Violence, Bochom, Germany, April. 8 pp.<br />
McDonald, Phyllis Parshall (2001), “COP, COMPSTAT, and the New Profissionalism – mutual<br />
support or counterproductivity?” in Dunham, Roger G & Alpert, Geoffrey P, ed (2001): Critical<br />
Issues in Policing – contemporary readings. Prospect Heights, Ill.: Waveland Press, 4 th Edition:<br />
255-277.<br />
——— (2002), Managing Police Operations – implementing the New York Crime Control<br />
Mo<strong>de</strong>l – CompStat New York: Wadsworth.<br />
Mijares, Tomas, McCarthy, Ronald M. & Perkins, David B. (2000). The Management of Police<br />
Specialized Tactical Units. London: Charles C Thomas Pub Ltd.<br />
Muir Jr, William Ker (1977). Police: Streetcorner politicians. Chicago: The University of Chicago<br />
Press.<br />
Muniz, Jacqueline (1999) “Ser policial é sobretudo uma razão <strong>de</strong> ser”. Tese <strong>de</strong> Doutorado. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: IUPERJ.<br />
——— (2001), ‘A Crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das polícias’ (The polices’ i<strong>de</strong>ntity crisis), REDES 2001<br />
Meeting, Washington, DC, electronic document, 42 pp.<br />
Muniz, Jacqueline & Proença Jr, Domício (2003), “Police Use of Force: The Rule of Law and Full<br />
Accountability”, Comparative Mo<strong>de</strong>ls of Accountability Seminar. INACIPE, Ciudad <strong>de</strong> Mexico,<br />
29-30 October, 10 pp.<br />
Muniz, Jacqueline; Proença Jr, Domício; Diniz, Eugenio (1999). Uso da força e ostensivida<strong>de</strong>.<br />
Boletim <strong>de</strong> Conjuntura Política. Belo Horizonte, Departamento <strong>de</strong> Ciência Política, Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
Neocleous, Mark (2000a), ‘Social Police and the Mechanisms of Prevention’, British Journal of<br />
Criminology, 40: 710—726.<br />
——— (2000b), The Fabrication of Social Or<strong>de</strong>r: a critical theory of police power. London: Pluto<br />
Press.<br />
Proença Jr, Domício (2003a), “O enquadramento das Missões <strong>de</strong> Paz (PKO) nas teorias da<br />
guerra e teoria <strong>de</strong> polícia”, in Esteves, Paulo Luiz (org.), 2003. Instituições Internacionais:<br />
Comércio, Segurança e Integração. Belo Horizonte: Editora PUC Minas.<br />
——— (2003b). “Some Consi<strong>de</strong>rations on the Theoretical Standing of Peacekeeping Operations”.<br />
In: Low Intensity Conflict and Law Enforcement 9(3): 1-34. Frank Cass Co.<br />
Proença Jr, Domício. & Muniz, Jacqueline (2006a), “Rumos para a Segurança Pública no Brasil<br />
- o <strong>de</strong>safio do trabalho policial”, in Bartholo, R. e Porto, M.F. Sentidos do Trabalho Humano. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: E-Papers: 257-268.<br />
——— (2006b) “‘Stop or I’ll call the Police!’ The I<strong>de</strong>a of Police, or the effects of police encounters<br />
over time”, British Journal of Criminology 46: 234-257.<br />
Rahtz, Howard (2003), Un<strong>de</strong>rstanding Police Use of Force. Monsey: Criminal Justice Press.<br />
Reiner, Robert (1996) “Processo ou Produto? Problemas <strong>de</strong> avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial<br />
279
280<br />
Bases Conceituais <strong>de</strong> Métricas e Padrões <strong>de</strong><br />
Medida do Desempenho Policial<br />
individual” in Brou<strong>de</strong>r, Jean-Paul, ed (2002): Como reconhecer bom policiamento. São Paulo:<br />
EdUSP: 83-102.<br />
Reynolds, Matthew T. (1997). Test and Evaluation of Complex Systems. John Willey & Sons.<br />
Robinson, Cyril D.; Scaglion, Richard and Olivero, J. Michael (1994), Police in Contradiction: the<br />
evolution of the police function in society. Westport, Conn: Greenwood Press.<br />
Sacco, Vincent F (1996) “Avaliando Satisfação” in BROUDER, Jean-Paul, ed (2002): Como<br />
reconhecer bom policiamento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: EdUSP: 157-174.<br />
Schmidl, Erwin A. (1998), ‘Police Functions in Peace Operations’ in Robert B Oakley, Michael J<br />
Dziedzic and Eliot M Goldberg, eds., Policing the New World Disor<strong>de</strong>r: peace operations and<br />
public security, 19—40. Washington: National Defense University Press.<br />
Skolnick, Jerome H. (1994 [1966]). Justice Without Trial: Law Enforcement in Democratic<br />
Society. New York: Macmillan College Publishing Company, 3 rd ed.<br />
Vizzard, William J. (1995), ‘Reassessing Bittner’s thesis: un<strong>de</strong>rstanding coercion and the police<br />
in light of Waco and the Los Angeles riots’, Police Studies: International Review of Police<br />
Development, 18/3: 1—18.<br />
VVAA (1998) Crime Organizado e Política <strong>de</strong> Segurança Pública no Rio <strong>de</strong> Janeiro, Arché no. 19.<br />
Walker, Samuel (2004), ‘Science and Politics in Police Research: reflections on their tangled<br />
relationship’, The Annals of the American Aca<strong>de</strong>my of Political and Social Science, 593/1: 137—<br />
155.<br />
Whitaker, Gordon P (1996) “What is Patrol Work?” in Cordner, Gary W et al, ed (1996): Police<br />
Operations – analysis and evaluation. Prospect Heights, Ill.: An<strong>de</strong>rson Pub Co.: 55-70.
Comunicação<br />
EXPERIÊNCIAS DE INTERCÂMBIO POSITIVO<br />
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE INDICADORES DE AVALIAÇÃO<br />
DE DESEMPENHO COM A SECRETARIA DE SEGURANÇA CIDADÃ<br />
DO ESTADO DE QUERÉTARO (SSC)<br />
Ernesto López Portillo Vargas *<br />
Ernesto Cár<strong>de</strong>nas Villarello **<br />
ANTECEDENTES<br />
Durante o ano <strong>de</strong> 2005, o Insy<strong>de</strong> concluiu o projeto <strong>de</strong>nominado<br />
Prestação <strong>de</strong> contas em um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gerência policial com a Secretaria <strong>de</strong><br />
Segurança Cidadã do Estado <strong>de</strong> Querétaro 1 . O estudo buscou analisar os<br />
processos da accountability a partir <strong>de</strong> uma perspectiva interna, isto é,<br />
como uma ferramenta útil da gerência policial para empreen<strong>de</strong>r processos<br />
<strong>de</strong> planejamento, controle e avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial.<br />
A problemática e as recomendações <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong>sse estudo foram<br />
analisadas conjuntamente com o titular 2 , os principais chefes na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
comando e as Coor<strong>de</strong>nações da Secretaria, em princípios <strong>de</strong> 2006. O<br />
resultado geral <strong>de</strong>sse intercâmbio foi que se encontrou um bom nível <strong>de</strong><br />
coincidência entre os processos <strong>de</strong> reforma institucional iniciados pela<br />
SSC antes, durante e <strong>de</strong>pois da redação do relatório final, e as propostas<br />
do projeto.<br />
A interseção <strong>de</strong> critérios e opiniões em torno <strong>de</strong> pontos críticos da<br />
problemática e as alternativas <strong>de</strong> solução propostas, não estiveram isentas<br />
<strong>de</strong> críticas ou discordâncias, tampouco os acordos foram produto do<br />
acaso. Do nosso ponto <strong>de</strong> vista, os resultados alcançados <strong>de</strong>rivaram <strong>de</strong><br />
dois fatores-chave que foram se entrelaçando: por um lado, o enfoque<br />
metodológico aplicado ao projeto e, por outro, a disposição para mudança<br />
dos comandantes. Esses fatores, conjuntamente, permitiram abrir uma<br />
nova janela <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> para que um organismo externo à polícia<br />
pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolver um processo <strong>de</strong> acompanhamento institucional,<br />
orientado para a construção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas policial.<br />
Essa nova etapa apenas inicia e caracteriza o contexto em que se situa o<br />
tema <strong>de</strong>sse documento com relação à construção <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong><br />
avaliação do <strong>de</strong>sempenho na SSC.<br />
* Ernesto López Portillo é vice-presi<strong>de</strong>nte e diretor executivo do Instituto para a Segurança e a<br />
Democracia Insy<strong>de</strong>, e consultor internacional em reforma policial.<br />
** Ernesto Cár<strong>de</strong>nas Villarello é pesquisador da área <strong>de</strong> Prestação <strong>de</strong> Contas e Supervisão da<br />
<strong>Polícia</strong> do Insy<strong>de</strong>.<br />
MÉXICO<br />
281
282<br />
Experiências <strong>de</strong> Intercâmbio Positivo<br />
PROBLEMÁTICA<br />
A SSC enfrenta atualmente um processo interno <strong>de</strong> transformação<br />
em várias direções, sustentado em planejamentos estratégicos globais,<br />
que <strong>de</strong>rivam da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conectar, sob uma nova perspectiva, o<br />
tema da reestruturação <strong>de</strong> um sistema interno <strong>de</strong> informação policial que<br />
responda às novas <strong>de</strong>mandas. Esse processo reflete uma das questões<br />
centrais do projeto: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar um controle razoavelmente<br />
eficiente, eficaz e válido que permita avaliar o que fazem e como o fazem,<br />
os elementos e a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comando, no cumprimento <strong>de</strong> suas atribuições.<br />
O problema <strong>de</strong> diagnosticar o que e o como do <strong>de</strong>sempenho policial,<br />
foi abordado pelo projeto por meio da análise dos processos <strong>de</strong> trabalho policial<br />
chamados substantivos, ou seja, aqueles processos que estão diretamente<br />
relacionados com os resultados da operação policial. São os seguintes:<br />
a) os processos <strong>de</strong> supervisão através da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
comando;<br />
b) os procedimentos <strong>de</strong> recepção e gestão da queixa (interna<br />
e cidadã);<br />
c) sistema disciplinar e órgãos internos <strong>de</strong> sua gestão e<br />
controle (Assuntos internos e o Órgão Interno <strong>de</strong> Controle);<br />
d) os procedimentos formais e informais <strong>de</strong> avaliação do<br />
<strong>de</strong>sempenho policial;<br />
e) os sistemas e os fluxos <strong>de</strong> informação que os comportam.<br />
A metodologia para a análise <strong>de</strong> cada processo partiu do critério <strong>de</strong><br />
privilegiar a problematizacão das relações fundamentais entre suas partes, os<br />
efeitos e a exploração das causas que dão lugar a fatores críticos relevantes.<br />
Esses fatores po<strong>de</strong>m ser resumidos nos seguintes enunciados que foram<br />
expostos em <strong>de</strong>talhes no relatório final do projeto, em fins <strong>de</strong> 2005:<br />
a) a supervisão operacional que a SSC realiza através da<br />
ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comando carece <strong>de</strong> controles laterais que lhe<br />
tragam informações seguras sobre o <strong>de</strong>sempenho policial;<br />
b) os procedimentos <strong>de</strong> recepção, controle e gestão <strong>de</strong><br />
queixas carecem <strong>de</strong> controles que, do ponto <strong>de</strong> vista<br />
normativo, concedam exatidão ao processo;
Ernesto López Portillo Vargas e Ernesto Cár<strong>de</strong>nas Villarello<br />
c) os órgãos internos responsáveis pelo controle,<br />
investigação e sanção da conduta policial apresentam uma<br />
estrutura organizacional e mecanismos operativos pouco<br />
a<strong>de</strong>quados para o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas atribuições;<br />
d) coexistem diferentes procedimentos e práticas formais<br />
e informais <strong>de</strong> avaliação do <strong>de</strong>sempenho policial, que atuam<br />
adversamente no nível <strong>de</strong> profissionalização, aprendizagem<br />
e crescimento do pessoal policial;<br />
e) os procedimentos que sustentam o planejamento<br />
operacional policial apresentam problemas <strong>de</strong> concepção<br />
e se observa uma subutilização <strong>de</strong> informações úteis para<br />
a análise estratégica e a avaliação <strong>de</strong> resultados;<br />
f) os sistemas e fluxos <strong>de</strong> informação que dão suporte aos<br />
chamados processos substantivos, não se encontram<br />
<strong>de</strong>vidamente articulados e são subutilizados, já que se<br />
carece <strong>de</strong> um sistema integral <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong> medição<br />
do <strong>de</strong>sempenho.<br />
Esse diagnóstico gerou diversas reações, embora, em meados <strong>de</strong><br />
2006, o reconhecimento e o avanço dos processos internos <strong>de</strong> reforma<br />
na SSC conduzissem à confirmação, por parte da instituição, que as<br />
propostas <strong>de</strong> melhoria sustentadas pelo Insy<strong>de</strong> guardavam uma gran<strong>de</strong><br />
coincidência com os processos, critérios e visões gerais em<br />
<strong>de</strong>senvolvimento na SSC.<br />
Isto não significa que o Insy<strong>de</strong> é responsável direto pelo processo,<br />
realmente existente, <strong>de</strong> transformação interna da polícia <strong>de</strong> Querétaro.<br />
O que po<strong>de</strong> ser afirmado é que, sem dúvida, as iniciativas <strong>de</strong> mudança são<br />
responsabilida<strong>de</strong> direta dos atores institucionais, e <strong>de</strong>las o Insy<strong>de</strong> apenas<br />
tomou conhecimento ou observou durante os últimos meses. Por exemplo,<br />
sobressai o <strong>de</strong>senho das “or<strong>de</strong>ns gerais” como um instrumento relevante<br />
nos processos <strong>de</strong> planejamento e controle operacional; a criação do<br />
“escritório <strong>de</strong> planejamento policial” que vem a cobrir <strong>de</strong>ficiências na<br />
matéria; a colocação em operação <strong>de</strong> um “sistema <strong>de</strong> avaliação policial”<br />
(mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong>senhado com base em indicadores) elaborado<br />
com alto nível técnico e metodológico pelo pessoal da SSC; a<br />
reestruturação orgânica e funcional do Órgão Interno <strong>de</strong> Controle e da<br />
Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Assuntos Internos, que tem como objetivo remediar<br />
283
284<br />
Experiências <strong>de</strong> Intercâmbio Positivo<br />
<strong>de</strong>ficiências nas tarefas <strong>de</strong> controle, investigação, sanção da conduta e<br />
supervisão do <strong>de</strong>sempenho policial, entre outras ações. São essas algumas<br />
das iniciativas concretas mais importantes atualmente em curso na SSC, e<br />
que transcen<strong>de</strong>rão no <strong>de</strong>senvolvimento organizacional da instituição. Essa<br />
experiência, vista no seu conjunto, <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> sua extraordinária relevância<br />
e será necessário consi<strong>de</strong>rá-la em um futuro próximo.<br />
SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS<br />
A conjuntura atual do projeto e sua relação com a instituição<br />
enquadram-se na iniciativa da SSC <strong>de</strong> que o Insy<strong>de</strong> acompanhe o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um Sistema Interno <strong>de</strong> Informação Policial (SIIP).<br />
Essa iniciativa <strong>de</strong>riva, por sua vez, <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> combinação<br />
e análise entre ambas instituições e também coinci<strong>de</strong> com uma das<br />
propostas centrais do projeto: a <strong>de</strong> criar um sistema <strong>de</strong> informação e<br />
monitoramento para o serviço interno da Secretaria 3 . Nesse sentido, a<br />
participação do Insy<strong>de</strong> se coloca em sincronia e atualiza os processos<br />
estratégicos que empreen<strong>de</strong> atualmente a Secretaria.<br />
O primeiro passo que, por sua vez, representa o primeiro problema<br />
por resolver, é <strong>de</strong>finir o objetivo do sistema <strong>de</strong> informação policial:<br />
“O objetivo do SIIP tem como foco garantir que o processo<br />
<strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que realiza a instituição sobre<br />
aspectos-chave <strong>de</strong> sua operação se realize com base em<br />
procedimentos formais, eficientes, eficazes, visíveis e<br />
a<strong>de</strong>quadamente transmitidos, e garanta que as <strong>de</strong>cisões<br />
se enquadram nas normas que regem os direitos e<br />
obrigações dos envolvidos.”<br />
A partir <strong>de</strong>ssa noção, preliminar e sujeita ainda a ser discutida com a<br />
instituição, o projeto <strong>de</strong>fine o papel da informação e do processo <strong>de</strong> tomada<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões na construção <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas policial.<br />
O passo seguinte parte da i<strong>de</strong>ntificação das funções e atribuições<br />
que <strong>de</strong>ve cumprir como sistema <strong>de</strong> informação policial, que se traduzirão<br />
em objetivos específicos Paralelamente, se <strong>de</strong>finem as tarefas imediatas<br />
associadas a essas funções. O quadro abaixo mostra a correlação entre<br />
ambos os processos:
Ernesto López Portillo Vargas e Ernesto Cár<strong>de</strong>nas Villarello<br />
Funções estratégicas que o<br />
SIIP <strong>de</strong>ve cumprir<br />
Desenvolver a base técnica para que<br />
o processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões e<br />
suas conseqüências sejam levadas a<br />
cabo sob princípios <strong>de</strong> transparência,<br />
valida<strong>de</strong> e formalida<strong>de</strong>.<br />
Garantir congruência e eficácia aos<br />
mecanismos internos responsáveis<br />
por gerar, captar, analisar e transmitir<br />
informação policial.<br />
Cumprir com o propósito operacional<br />
<strong>de</strong> ser fornecedor e facilitador <strong>de</strong><br />
informação útil e segura para outras<br />
áreas da SSC.<br />
Constituir-se na principal instância<br />
especializada na administração,<br />
análise e controle <strong>de</strong> informação<br />
policial.<br />
Operar como um mecanismo<br />
estruturado, eficiente, confiável e<br />
passível <strong>de</strong> melhoria, em matéria <strong>de</strong><br />
informação policial.<br />
Desenvolver e operar uma<br />
plataforma <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong><br />
medição do <strong>de</strong>sempenho como<br />
garantia <strong>de</strong> funcionamento e<br />
princípio <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />
Ações concretas para o<br />
sustento e <strong>de</strong>senvolvimento<br />
das funções estratégicas<br />
Definir temas estratégicos<br />
relacionados com a eficiência e a<br />
efetivida<strong>de</strong> no processo <strong>de</strong> tomada<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. Por exemplo:<br />
incidência criminal, conduta e alerta<br />
oportunos, recursos e logística,<br />
supervisão, disciplina e controle<br />
operacional, etc.<br />
Analisar os processos e<br />
microprocessos do trabalho policial<br />
que possibilitem gerar as propostas<br />
<strong>de</strong> melhoria e permitam i<strong>de</strong>ntificar<br />
novas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação<br />
para a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões.<br />
Analisar os fluxos <strong>de</strong> informação,<br />
fortalecer e <strong>de</strong>senvolver as bases <strong>de</strong><br />
dados <strong>de</strong> cada processo <strong>de</strong> trabalho<br />
policial e consolidar a plataforma<br />
tecnológica.<br />
Ajustar, <strong>de</strong>senhar e controlar o<br />
sistema <strong>de</strong> saída <strong>de</strong> informações,<br />
usuários e periodicida<strong>de</strong>, com base<br />
em formatos <strong>de</strong> planilhas<br />
automatizadas, <strong>de</strong> fácil acesso e<br />
interpretação.<br />
Ajustar, re<strong>de</strong>finir ou <strong>de</strong>senvolver<br />
permanentemente o catálogo <strong>de</strong><br />
dados por cada processo <strong>de</strong> trabalho<br />
policial.<br />
Estruturar um sistema <strong>de</strong> indicadores<br />
<strong>de</strong> medição do <strong>de</strong>sempenho alinhado<br />
com os objetivos e com a estratégia<br />
da instituição.<br />
285
286<br />
Experiências <strong>de</strong> Intercâmbio Positivo<br />
Na <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong>ssas tarefas, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong><br />
indicadores para avaliar o <strong>de</strong>sempenho constitui uma das peças-chave na<br />
consolidação do SIIP em seu conjunto. O problema técnico a resolver<br />
quanto à formulação <strong>de</strong> indicadores, nos remete a três aspectos a serem<br />
solucionados: um relacionado com a consistência dos mecanismos <strong>de</strong><br />
captura <strong>de</strong> informação, isto é, o tipo e forma <strong>de</strong> registro; outro relacionado<br />
com a técnica <strong>de</strong> medição das ações ou funções policiais; e outro <strong>de</strong> tipo<br />
conceptual relacionado com a administração, controle e utilida<strong>de</strong> do<br />
sistema <strong>de</strong> indicadores.<br />
Geralmente se distinguem dois tipos <strong>de</strong> indicadores: os <strong>de</strong> processo<br />
e os <strong>de</strong> resultados. Cada um <strong>de</strong>les po<strong>de</strong> ser quantitativo ou qualitativo e<br />
<strong>de</strong>ve estar associado a um objeto ou objetivo previamente <strong>de</strong>finidos em<br />
medidos; Esse objeto “a ser medido” po<strong>de</strong> incluir um amplo espectro,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as percepções cidadãs até a relação custo-benefício no <strong>de</strong>sempenho<br />
policial. O problema técnico é que não é fácil precisar a distinção entre<br />
indicadores <strong>de</strong> “resultados” e <strong>de</strong> “processos”. Está muito relacionada com<br />
as necessida<strong>de</strong>s do usuário, a técnica <strong>de</strong> registro, a fonte provedora <strong>de</strong><br />
informação ou <strong>de</strong> dados, o uso ou interpretação, e, inclusive a composição<br />
particular do seu formato. Na prática, para alguns usuários um indicador<br />
<strong>de</strong> processo po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> fato <strong>de</strong> resultados e vice-versa. Sob esse ponto<br />
<strong>de</strong> vista, o problema se resolve com <strong>de</strong>finições.<br />
Por exemplo, caso se pretenda medir a capacida<strong>de</strong> e o tempo <strong>de</strong><br />
resposta ante a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> serviços policiais em situações <strong>de</strong> emergência,<br />
o tempo <strong>de</strong> resposta será, naturalmente, a variável a medir. Essa variável<br />
estará relacionada ao tempo do ciclo do serviço policial que transcorre,<br />
por exemplo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em que o cidadão solicita por linha<br />
telefônica (066) um serviço <strong>de</strong> emergência (localizado em uma estrada<br />
<strong>de</strong> jurisdição estatal), passando pelo tempo em que essa solicitação se<br />
transforma em uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> intervenção ao comando <strong>de</strong> região, é<br />
convertida em uma or<strong>de</strong>m direta <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> emergência para o oficial<br />
mais próximo, até concretizar-se em um “serviço prestado” com a<br />
presença ou intervenção do oficial <strong>de</strong> polícia no inci<strong>de</strong>nte. Nesse processo,<br />
o ciclo do serviço policial po<strong>de</strong> consumar-se em segundos, minutos ou,<br />
inclusive, em horas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do cenário e <strong>de</strong> fatos circunstanciais.<br />
Os resultados, do ponto <strong>de</strong> vista do cidadão em situação <strong>de</strong><br />
emergência, po<strong>de</strong>m ser excelentes ou péssimos, segundo o papel que ele
Ernesto López Portillo Vargas e Ernesto Cár<strong>de</strong>nas Villarello<br />
<strong>de</strong>sempenha na ocasião. Dessa forma, o <strong>de</strong>sempenho do ciclo do serviço<br />
policial po<strong>de</strong> refletir múltiplos “indicadores”. Por exemplo, o nível <strong>de</strong><br />
coor<strong>de</strong>nação e eficiência que se dá ao longo <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> trabalho<br />
policial é <strong>de</strong> interesse para a gerência policial e po<strong>de</strong>ria ser interpretado<br />
como um indicador <strong>de</strong> processo, e também <strong>de</strong> resultados. O tempo <strong>de</strong><br />
“entrega” <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> emergência e o consumo <strong>de</strong> gasolina po<strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong> interesse para o administrador <strong>de</strong> recursos financeiros da polícia.<br />
E a percepção do cidadão também po<strong>de</strong> estar influenciada por amplas<br />
margens <strong>de</strong> variação, sob <strong>de</strong>terminadas circunstâncias. Nesses termos, a<br />
distinção entre processo e resultado po<strong>de</strong> ser convencional.<br />
O exemplo anterior também amostra uma técnica possível para a<br />
construção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> avaliação do <strong>de</strong>sempenho. A <strong>de</strong>finição das<br />
variáveis a serem medidas em <strong>de</strong>terminado “cenário” é <strong>de</strong>terminante na<br />
composição do “indicador”. A construção <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>los” <strong>de</strong> avaliação para<br />
<strong>de</strong>terminados cenários “<strong>de</strong> atuação policial”, <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, exige<br />
um conhecimento profundo do problema. Em muitos casos, requer uma<br />
exploração <strong>de</strong> informação estatística para reconhecer “padrões” e <strong>de</strong>pois<br />
encontrar a fórmula a<strong>de</strong>quada para medi-lo e solucioná-lo, ou seja, para<br />
aplicá-lo no processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões correspon<strong>de</strong>nte.<br />
Na SSC, o sistema <strong>de</strong> “or<strong>de</strong>ns gerais” se enquadra nessa concepção,<br />
on<strong>de</strong> certas funções e atuações policiais estão previstas e possibilitam sua<br />
medição. Nesse sentido, a distinção mais ou menos forçada entre<br />
indicadores <strong>de</strong> processo e <strong>de</strong> resultados po<strong>de</strong> ficar superada quando a<br />
avaliação se realiza em cenários probabilísticos. O projeto consi<strong>de</strong>ra que<br />
é necessário explorar procedimentos <strong>de</strong> avaliação do <strong>de</strong>sempenho com<br />
base em cenários, sem <strong>de</strong>scartar a priori a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um amplo catálogo<br />
<strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong> resultados e <strong>de</strong> processo, tal e como são conhecidos<br />
na literatura sobre o tema.<br />
A construção e aplicação <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho uma base <strong>de</strong> cenários <strong>de</strong> atuação policial requer algumas<br />
ferramentas. Uma <strong>de</strong>las é dispor <strong>de</strong> um mapa <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong> dois<br />
tipos: básico e estratégico. A distinção entre básico e estratégico, também<br />
é convencional e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do nível em que o indicador contribui para<br />
que sejam alcançados os objetivos estratégicos da instituição.<br />
O problema é <strong>de</strong>finir em que medida contribui um <strong>de</strong>terminado<br />
indicador no cumprimento dos objetivos. A maneira proposta é que sejam<br />
287
288<br />
Experiências <strong>de</strong> Intercâmbio Positivo<br />
analisadas as causas e os efeitos que produz o indicador. Um princípio que<br />
queremos discutir é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construirmos indicadores <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho que relacionem <strong>de</strong> maneira contínua causas e efeitos, até<br />
que se garanta que sejam alcançados <strong>de</strong>terminados objetivos com base<br />
em indicadores <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sempenho”.<br />
A ilustração abaixo mostra o processo <strong>de</strong> alinhamento dos<br />
indicadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho com os objetivos institucionais, no nível e na<br />
profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada.<br />
Police<br />
planner<br />
O diagrama mostra como <strong>de</strong>terminadas áreas <strong>de</strong> ação se <strong>de</strong>finem<br />
pelos seus objetivos estratégicos, táticos, metas, etc, os quais <strong>de</strong>vem ser<br />
alcançados para cumprir com sua atribuição legal. Contudo, cada área <strong>de</strong><br />
ação apresenta <strong>de</strong>terminadas áreas críticas, que se manifestam como causas<br />
<strong>de</strong> ineficiência na busca dos objetivos estratégicos. Os indicadores <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho têm como função medir precisamente as causas e os efeitos<br />
das variáveis críticas que intervêm nos processos <strong>de</strong> trabalho policial.<br />
Essa concepção alinha os indicadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho em função <strong>de</strong><br />
variáveis e áreas críticas, até alcançar, em um enca<strong>de</strong>amento sucessivo <strong>de</strong><br />
causas e efeitos, os objetivos estratégicos propostos pela gerência policial.<br />
Se em curto prazo o Insy<strong>de</strong> conseguir chegar a construir<br />
conjuntamente com a instituição um sistema <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho, a partir <strong>de</strong>ssa perspectiva geral ou <strong>de</strong> alguma maneira similar,<br />
teremos dado um passo mo<strong>de</strong>sto no processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong><br />
experiências para estabelecer um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas no<br />
México.
Ernesto López Portillo Vargas e Ernesto Cár<strong>de</strong>nas Villarello<br />
Notas<br />
1 Na página www.insy<strong>de</strong>.org.mx se po<strong>de</strong>rá obter uma cópia <strong>de</strong>sse estudo com a autorização da<br />
SSC.<br />
2 Os resultados <strong>de</strong>sse projeto contaram com a abertura do Ing. Edgar Mohar Kuri, secretário <strong>de</strong><br />
Segurança Cidadã do estado <strong>de</strong> Querétaro que nos permitiu entrar nas instalações da SSC com<br />
absoluta liberda<strong>de</strong> e confiança.<br />
3 Relatório sobre prestação <strong>de</strong> contas em código <strong>de</strong> gerência policial. Secretaria <strong>de</strong> Segurança<br />
Cidadã do estado <strong>de</strong> Querétaro. Insy<strong>de</strong>. México. 2006. pp. 105 – 119 (inédito)<br />
289
290<br />
Relato Policial<br />
SISTEMA INFORMATIZADO DE<br />
ACOMPANHAMENTO CRIMINAL- SIAC<br />
Marco Antônio Bicalho *<br />
1. ANTECEDENTES<br />
O caso apresentado diz respeito à implantação do Sistema<br />
Informatizado <strong>de</strong> Acompanhamento Criminal - Siac na subárea da 128ª<br />
Companhia da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, com<br />
responsabilida<strong>de</strong> territorial em parte da região leste da capital mineira,<br />
como ferramenta operacional na busca da redução das taxas <strong>de</strong><br />
criminalida<strong>de</strong> violenta, com foco principal nos crimes <strong>de</strong> homicídio (tentado<br />
e consumado).<br />
O Siac é um programa <strong>de</strong> computador <strong>de</strong>senvolvido empiricamente<br />
na se<strong>de</strong> da Fração Policial <strong>Militar</strong> mencionada, durante a minha gestão<br />
como comandante, que trouxe resultados palpáveis no que se refere às<br />
estatísticas criminais, e que hoje passou a ser adotado pelo Comando <strong>de</strong><br />
Policiamento da Capital – CPC como política <strong>de</strong> comando para todas as<br />
companhias com responsabilida<strong>de</strong> territorial <strong>de</strong> Belo Horizonte.<br />
A 128ª Cia PM Especial, localizada à rua Caravelas, 811, bairro<br />
Sauda<strong>de</strong>, no município <strong>de</strong> Belo Horizonte, é responsável pela preservação<br />
da or<strong>de</strong>m pública no espaço territorial ilustrado nos mapas constantes do<br />
anexo “A”.<br />
Para melhor entendimento do projeto <strong>de</strong>senvolvido, que gerou<br />
mudança <strong>de</strong> comportamento dos policiais da Cia nas ações e operações <strong>de</strong><br />
polícia ostensiva ten<strong>de</strong>ntes a assegurar a incolumida<strong>de</strong> das pessoas que resi<strong>de</strong>m<br />
ou transitam na região e do patrimônio público ou particular, é necessário<br />
<strong>de</strong>screver as características da subárea atendida pela 128ª Cia PM:<br />
1.1 - Características e aspectos particulares <strong>de</strong> bairros e aglomerados.<br />
A subárea da 128ª Cia congrega os seguintes bairros: Novo São<br />
Lucas, São Lucas, Santa Efigênia, Novo Santa Efigênia, Paraíso, Baleia,<br />
Pompéia, Esplanada, Sauda<strong>de</strong>, Jardim Pirineus, Jonas Veiga, Vera Cruz,<br />
* Major da Policia militar do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais; Comandante da 128ª Companhia.<br />
BRASIL
Alto Vera Cruz, Granja <strong>de</strong> Freitas, Taquaril e Castanheira.<br />
Marco Antônio Bicalho<br />
Os 16 bairros abrigam diversos aglomerados urbanos, sendo os<br />
principais <strong>de</strong>les: Novo São Lucas, União, Paraíso, Ponta do Navio, Pedreira,<br />
Alto Vera Cruz, Vila da Área e Taquaril.<br />
Abrigando uma população aproximada <strong>de</strong> 150 mil habitantes, sendo<br />
que 60% <strong>de</strong>les resi<strong>de</strong> em aglomerados, verifica-se na subárea uma<br />
diversida<strong>de</strong> significativa <strong>de</strong> comportamentos da população, natureza <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>litos e <strong>de</strong>manda específica <strong>de</strong> policiamento, <strong>de</strong>correntes da forma <strong>de</strong><br />
ocupação e utilização do espaço físico e imobiliário.<br />
Nesse sentido, emergem necessida<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> áreas<br />
resi<strong>de</strong>nciais construídas <strong>de</strong> forma horizontalizada, características dos<br />
bairros Pompéia, Esplanada, Paraíso, Sauda<strong>de</strong>, Vera Cruz, São Lucas, Jardim<br />
Pirineus e Santa Efigênia.<br />
Paralelamente, existem logradouros on<strong>de</strong> concentram-se a<br />
exploração da ativida<strong>de</strong> comercial e empresarial, tornando-os alvo <strong>de</strong> ações<br />
criminosas visando a subtração <strong>de</strong> patrimônio, através das mais diversas<br />
modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lituosas, com <strong>de</strong>staque para os roubos a mão armada em<br />
<strong>de</strong>sfavor <strong>de</strong> estabelecimento comerciais, furtos e roubos a pessoas que<br />
transitam por essas vias, além do arrombamento a residências.<br />
Nos aglomerados e vilas existentes na subárea, verifica-se que a<br />
ocupação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada e a concentração <strong>de</strong> pessoas em espaços físicos<br />
<strong>de</strong> intensa proximida<strong>de</strong>, criam as condições para que sejam afloradas as<br />
<strong>de</strong>savenças, agressões físicas e verbais entre as pessoas, predominando<br />
os <strong>de</strong>litos contra as pessoas ou em <strong>de</strong>sfavor da tranqüilida<strong>de</strong> e da paz<br />
pública.<br />
Outra característica particular dos aglomerados é a infiltração <strong>de</strong><br />
marginais que vislumbram nessas áreas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />
suas ativida<strong>de</strong>s criminosas ou buscar refúgio seguro, <strong>de</strong>vido a dificulda<strong>de</strong><br />
para o exercício <strong>de</strong> policiamento preventivo eficaz nos becos, em razão<br />
da concentração <strong>de</strong> população e moradias, aliadas a uma topografia<br />
aci<strong>de</strong>ntada e ocupação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada do espaço físico, situação que dificulta<br />
o acesso e a locomoção do policiamento.<br />
291
292<br />
Sistema informatizado <strong>de</strong> Acompanhamento Crimilnal- SIAC<br />
De igual sorte, o tráfico <strong>de</strong> drogas utiliza-se <strong>de</strong>sses aglomerados<br />
para estabelecer a sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> armazenamento e distribuição <strong>de</strong> drogas,<br />
estabelecendo em pontos específicos e <strong>de</strong>terminados as conhecidas “bocas<br />
<strong>de</strong> fumo”, <strong>de</strong>stinadas à comercialização ilegal <strong>de</strong> entorpecentes.<br />
É importante <strong>de</strong>stacar que embora a subárea da Cia tenha sob sua<br />
responsabilida<strong>de</strong>, aproximadamente, a 24ª parte <strong>de</strong> toda a extensão<br />
territorial <strong>de</strong> Belo Horizonte, possui dois dos cinco maiores aglomerados<br />
da capital mineira, quais sejam: o Alto Vera Cruz e o Taquaril, cada um<br />
com cerca <strong>de</strong> 35 mil habitantes. Ambos são alvos constantes <strong>de</strong> matérias<br />
jornalísticas, principalmente no que diz respeito à violência urbana.<br />
2. O SURGIMENTO DO SISTEMA<br />
A partir do ano <strong>de</strong> 1999, quando se implementou no Comando <strong>de</strong><br />
Policiamento da Capital o projeto <strong>Polícia</strong> por Resultados, que tinha como<br />
pilares <strong>de</strong> sustentação o emprego do geoprocessamento da criminalida<strong>de</strong>,<br />
interação comunitária, <strong>de</strong>scentralização das ações e avaliação dos<br />
resultados, os esforços operacionais <strong>de</strong> polícia ostensiva <strong>de</strong>veriam ser<br />
convergidos em maior intensida<strong>de</strong> nos locais <strong>de</strong> maior incidência criminal.<br />
Em que pese a lógica da concentração dos esforços on<strong>de</strong> o crime<br />
estava acontecendo ser a<strong>de</strong>quada, percebia-se que ela apenas provocava o<br />
<strong>de</strong>slocamento da atuação criminal para outros locais, consi<strong>de</strong>rando que a<br />
saturação <strong>de</strong> policiamento on<strong>de</strong> já havia ocorrido o crime não prevenia a<br />
sua ocorrência on<strong>de</strong> não havia a concentração <strong>de</strong> policiamento. Além disso,<br />
o fato <strong>de</strong> policiar uma região on<strong>de</strong> a incidência criminal já havia <strong>de</strong>spontado<br />
dava a sensação <strong>de</strong> que a polícia estava sempre um passo atrás do criminoso,<br />
o que causa o sentimento subjetivo <strong>de</strong> insegurança social.<br />
A insuficiência da saturação dos hot spots através <strong>de</strong> ações e operações<br />
policiais, conduziu o Comando da 128ª Cia PM à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar e<br />
melhor conhecer o perfil dos criminosos atuantes na região e suas formas<br />
<strong>de</strong> ação, bem como das vítimas e dos <strong>de</strong>mais fatores que envolvem a prática<br />
do crime.<br />
O recru<strong>de</strong>scimento da violência aliado à necessida<strong>de</strong> cada vez mais<br />
premente <strong>de</strong> se respeitar os direitos humanos e a dignida<strong>de</strong> das pessoas<br />
que sofrem com a violência, principalmente dos moradores dos aglomerados
Marco Antônio Bicalho<br />
que convivem sob constante ameaça dos marginais homiziados nessas<br />
comunida<strong>de</strong>s e da atuação contun<strong>de</strong>nte dos policiais, bem como dos próprios<br />
agentes do crime, passaram a exigir dos organismos policiais ações mais<br />
inteligentes <strong>de</strong> combate a essa violência, <strong>de</strong> forma a reprimir especificamente<br />
o mal feitor, poupando os cidadãos <strong>de</strong> bem.<br />
Essa atuação qualificada e pontual contra as pessoas que realmente<br />
causavam instabilida<strong>de</strong> nesses locais, só seria possível a partir da formação<br />
<strong>de</strong> um banco <strong>de</strong> dados confiável, sobre o qual seria dado tratamento<br />
a<strong>de</strong>quado para utilização pela <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, pela <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong>, pelo Ministério<br />
Público e pelo próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário na formação da convicção no curso<br />
do processo legal.<br />
A busca por conhecimento teve início a partir do trabalho realizado<br />
pelo policiamento velado da 128ª Cia PM, que i<strong>de</strong>alizou um álbum <strong>de</strong><br />
fotografias <strong>de</strong> criminosos, contendo informações sobre suas vidas<br />
pregressas criminais, en<strong>de</strong>reços além <strong>de</strong> outros dados relevantes.<br />
Esse álbum <strong>de</strong> fotografias foi aprimorado e ampliado por militares<br />
do Grupo Tático da Companhia, que passaram a adotar o método <strong>de</strong><br />
fichas criminais digitadas em “Word” e anexadas às fotografias retiradas<br />
<strong>de</strong> jornais e apreendidas quando da prisão <strong>de</strong> marginais. Em muitas<br />
oportunida<strong>de</strong>s, a atualização das fichas era feita <strong>de</strong> forma manuscrita, direto<br />
nas fichas dos criminosos.<br />
Em razão do álbum <strong>de</strong> fotografias ser bastante consistente e conter<br />
um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> fichas, passou a ser utilizado inclusive por policiais<br />
civis quando realizavam investigações na subárea <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> da<br />
128ª Cia PM, bem como por militares <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s Especializadas da PM<br />
como do Batalhão Rotam.<br />
Já no ano <strong>de</strong> 2003, em função do elevado número <strong>de</strong> fichas do<br />
álbum e do volume formado por elas, surgiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informatizálo,<br />
qualificando o dado ali existente, aplicando-se a eles as análises estatísticas<br />
criminais da Cia. Além disso, a análise das fichas permitiu o cruzamento<br />
<strong>de</strong> informações e estruturação das gangues <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas existentes<br />
na região.<br />
O analista <strong>de</strong> geoprocessamento e criminalida<strong>de</strong> da Cia foi <strong>de</strong>safiado<br />
a <strong>de</strong>senvolver um programa <strong>de</strong> computador que pu<strong>de</strong>sse absorver a<br />
293
294<br />
Sistema informatizado <strong>de</strong> Acompanhamento Crimilnal- SIAC<br />
informação contida no fichário e ser utilizada em formato digital por toda<br />
a companhia na atuação contra o crime. Em seu auto-ditatismo e sem<br />
realizar qualquer curso na área <strong>de</strong> informática, o militar <strong>de</strong>senvolveu o<br />
programa em ambiente “Access”, com base em apenas uma tabela, que<br />
passou a ser mais uma ferramenta <strong>de</strong> trabalho para a prisão <strong>de</strong> marginais<br />
conhecidos da região.<br />
Inicialmente, o programa conseguia reunir em cada cadastro <strong>de</strong><br />
indivíduo preso os dados <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação pessoal, fotografia digitalizada,<br />
en<strong>de</strong>reço, características pessoais, Boletins <strong>de</strong> Ocorrências em que tivesse<br />
sido envolvido, armas utilizadas, modus operandi, prontuários e processos<br />
criminais, breve relato das ações e crimes praticados, entre outros dados.<br />
Foi adotada uma nova estrutura <strong>de</strong> organização e funcionamento da<br />
fração, além <strong>de</strong> uma nova rotina <strong>de</strong> trabalho direcionada às ocorrências<br />
<strong>de</strong> crimes violentos, principalmente no que diz respeito aos homicídios<br />
na forma tentada e consumada, assaltos a estabelecimentos comerciais, a<br />
coletivos e a transeuntes, com o objetivo <strong>de</strong> potencializar a qualida<strong>de</strong> dos<br />
serviços prestados pela 128ª Cia PM à comunida<strong>de</strong>.<br />
3. O EMPREGO DO SIAC NA ATIVIDADE OPERACIONAL<br />
Dentro <strong>de</strong>sse conceito, <strong>de</strong>staca-se a eficiente utilização dos recursos<br />
computacionais no combate à criminalida<strong>de</strong>, utilizados da forma abaixo<br />
<strong>de</strong>scrita:<br />
Cada ocorrência <strong>de</strong> crime violento registrada na subárea é lida e<br />
analisada pelo analista <strong>de</strong> inteligência da Cia. Quando o autor é conhecido<br />
e já possui um cadastro no programa <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> dados, as<br />
informações referentes àquela ocorrência são acrescentadas ao cadastro<br />
do marginal, além <strong>de</strong> ser retirada uma fotografia digitalizada e atual que vai<br />
anexa ao mencionado cadastro.<br />
Caso o autor seja <strong>de</strong>sconhecido e foi preso, é aberta uma nova<br />
ficha <strong>de</strong> cadastro e retirada uma fotografia digitalizada por uma câmera<br />
digital que é colocada a disposição especificamente do pessoal do serviço<br />
operacional. Esse cadastro é atualizado todas as vezes que o mesmo<br />
indivíduo envolve-se em ocorrência policial.
Marco Antônio Bicalho<br />
Quando o autor é <strong>de</strong>sconhecido, os dados são registrados em ficha<br />
sem autoria e analisadas informações que possam indicar a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ser algum marginal já cadastrado, e, a partir <strong>de</strong> então, o indivíduo passa<br />
a ser alvo <strong>de</strong> abordagens policiais, na tentativa <strong>de</strong> esclarecimento do crime<br />
praticado.<br />
Essas informações são analisadas e cruzadas pelo agente que opera<br />
o programa, o que lhe permite i<strong>de</strong>ntificar o indivíduos que compõem as<br />
gangues e suas áreas <strong>de</strong> atuação.<br />
As gangues atuantes na região são estruturadas, sendo emitido um<br />
relatório sobre os componentes, funções que exercem, fotografias,<br />
mapeamento da área <strong>de</strong> atuação e histórico <strong>de</strong> suas ações.<br />
Nos casos <strong>de</strong> homicídios tentados e consumados não esclarecidos<br />
no ato do registro da ocorrência, após o lançamento das informações no<br />
banco <strong>de</strong> dados, militares do Grupo Tático retornam ao local para<br />
levantamento <strong>de</strong> novas informações sobre a motivação do crime, autoria<br />
e informações sobre a vida pregressa das vítimas que permitam o seu<br />
esclarecimento.<br />
São emitidos relatórios mensais contendo dados relevantes sobre<br />
os crimes, vítimas e possíveis autores.<br />
Com o esclarecimento dos crimes e i<strong>de</strong>ntificação das gangues, são<br />
feitos contatos com a <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong>, no sentido <strong>de</strong> solicitar empenho daquela<br />
instituição junto ao Po<strong>de</strong>r Judiciário na expedição <strong>de</strong> mandados <strong>de</strong> busca e<br />
apreensão e mandados <strong>de</strong> prisão, acompanhados <strong>de</strong> informações<br />
relevantes e consistentes, com o objetivo <strong>de</strong> sustentar os pleitos e formar<br />
convicção das autorida<strong>de</strong>s judiciárias.<br />
Dado o ótimo relacionamento e o trabalho integrado entre os<br />
policiais militares da 128ª Cia PM e os policiais civis da 6ª Delegacia Distrital,<br />
com subárea <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>nte à fração PM, é muito<br />
comum a solicitação <strong>de</strong> informações sobre marginais e fichas cadastrais<br />
do Siac, por parte do Dr Elias Oscar <strong>de</strong> Oliveira, Delegado Titular da 6ª<br />
DD, para instruir os Inquéritos <strong>Policiais</strong> realizados.<br />
Além <strong>de</strong>sses serviços, o Siac é utilizado como fonte <strong>de</strong> informação<br />
por parte dos policiais que trabalham na ativida<strong>de</strong> operacional (atendimento<br />
295
296<br />
Sistema informatizado <strong>de</strong> Acompanhamento Crimilnal- SIAC<br />
às ocorrências), que imprimem fichas cadastrais <strong>de</strong> pessoas que estejam<br />
sob a custódia <strong>de</strong>sses e as anexam às ocorrências em que o autor é preso<br />
em flagrante, a fim <strong>de</strong> suprir a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária <strong>de</strong> dados ao<br />
receber a ocorrência policial.<br />
Após a expedição dos respectivos mandados, são feitas operações<br />
conjuntas, objetivando a retirada <strong>de</strong> agentes <strong>de</strong> crimes violentos da subárea<br />
<strong>de</strong> atuação da 128ª Cia PM e 6ª DD.<br />
A partir <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005, o banco <strong>de</strong> dados gerenciais sobre os<br />
criminosos atuantes na área <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> da 128ª Cia PM e 6ª DD,<br />
passou por um aperfeiçoamento tecnológico, a fim <strong>de</strong> potencializar a<br />
ferramenta <strong>de</strong> uso operacional.<br />
O trabalho <strong>de</strong>senvolvido pela 128ª Cia PM <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do ano <strong>de</strong><br />
2003, e com a participação da 6ª DD a partir <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2005, tem<br />
surtido bons resultados no que diz respeito ao crescimento do número<br />
<strong>de</strong> mandados <strong>de</strong> busca e apreensão e prisão <strong>de</strong> marginais cumpridos<br />
através <strong>de</strong> operações conjuntas, fornecimento <strong>de</strong> informações para Divisão<br />
<strong>de</strong> Crimes Contra a Vida da <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong>, <strong>de</strong>sestruturação <strong>de</strong> gangues <strong>de</strong><br />
traficantes e homicidas dos aglomerados, i<strong>de</strong>ntificação, cadastramento e<br />
prisão dos principais marginais atuantes na área, através do banco <strong>de</strong> dados<br />
conjunto 128ª Cia e 6ª DD.<br />
Em função dos bons resultados, o trabalho foi apresentado ao Crisp/<br />
UFMG em meados <strong>de</strong> 2004, durante um curso promovido pela Secretaria<br />
Estadual <strong>de</strong> Defesa Social e coor<strong>de</strong>nado pelo professor Cláudio Beato,<br />
como treinamento <strong>de</strong> policiais civis da Delegacia <strong>de</strong> Homicídios e policiais<br />
militares das Cias PM que tinham Grupamentos Especializados em<br />
Policiamento <strong>de</strong> Áreas <strong>de</strong> Risco – Gepar para atuação junto ao programa<br />
Fica Vivo, adotado como política <strong>de</strong> governo do atual Governador do<br />
Estado <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
4. OS PRIMEIROS RESULTADOS<br />
O emprego do Siac aliado a outras ferramentasutilizadas pela<br />
128ª Companhia no enfrentamento à criminalida<strong>de</strong> trouxe resultados<br />
positivos como a redução consi<strong>de</strong>rável das taxas <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>
violenta da região, com <strong>de</strong>staque para os crimes <strong>de</strong> homicídio (tentado<br />
e consumado).<br />
Uma <strong>de</strong>ssas boas ferramentas que se encaixaram ao Siac foi a<br />
instituição do Grupamento Especializado em Policiamento <strong>de</strong> Áreas <strong>de</strong><br />
Risco – Gepar. Trata-se <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> policiais treinados <strong>de</strong>ntro da<br />
doutrina <strong>de</strong> policiamento comunitário e dos direitos humanos, inclusive<br />
com participação do Crisp/UFMG, especificamente para atuarem nos<br />
aglomerados Alto Vera Cruz e Taquaril que se utilizaram do sistema para<br />
realização das prisões qualificadas, direcionadas especificamente aos<br />
criminosos, evitando-se os equívocos e os constrangimentos das pessoas<br />
<strong>de</strong> bem <strong>de</strong>ssas comunida<strong>de</strong>s.<br />
Esse tipo <strong>de</strong> atuação promoveu a melhoria das relações entre polícia<br />
e comunida<strong>de</strong>, com conseqüente aumento da confiança nas instituições<br />
<strong>de</strong> segurança pública, embora ainda não tenhamos atingido a situação i<strong>de</strong>al<br />
nessa relação.<br />
Seguem abaixo alguns dos dados estatísticos relativos aos anos <strong>de</strong><br />
2003 a 2006, que permitem avaliar os resultados obtidos a partir da<br />
implantação do sistema, numa época em que a violência ten<strong>de</strong> a crescer<br />
nas gran<strong>de</strong>s capitais do país, e no resto do mundo.<br />
QUADRO DE INCIDÊNCIA DE<br />
HOMICÍDIO TENTADO<br />
NA SUBÁREA DA 128ª CIA PM<br />
NOS ANOS DE 2003 A 2006<br />
Fonte: 128ª Cia PM<br />
Marco Antônio Bicalho<br />
297
298<br />
Sistema informatizado <strong>de</strong> Acompanhamento Crimilnal- SIAC<br />
QUADRO DE INCIDÊNCIA DE<br />
HOMICÍDIO CONSUMADO<br />
NA SUBÁREA DA 128ª CIA PM<br />
NOS ANOS DE 2003 A 2006<br />
Fonte: 128ª Cia PM<br />
INCIDÊNCIA DE HOMICÍDIOS<br />
MÉDIA MENSAL POR ANO<br />
Fonte: 128ª Cia PM<br />
Como se po<strong>de</strong> verificar nos gráficos acima, houve uma queda<br />
gradual e constante dos crimes <strong>de</strong> homicídio a partir dos anos <strong>de</strong> 2003 e<br />
2004, período em que o Siac passou a ser utilizado e posteriormente<br />
aperfeiçoado, com a mudança <strong>de</strong> rotina e tratamento dado às informações<br />
abstraídas dos Boletins <strong>de</strong> Ocorrências policiais.
5. PERSPECTIVAS<br />
Marco Antônio Bicalho<br />
Com a adoção do sistema pelo Comando <strong>de</strong> Policiamento da Capital<br />
como política <strong>de</strong> comando para todas a companhias com responsabilida<strong>de</strong><br />
territorial <strong>de</strong> Belo Horizonte, o programa ten<strong>de</strong> a ser aperfeiçoado e<br />
utilizado em re<strong>de</strong>, para que todas as companhias da capital possam<br />
compartilhar informações e nutrir o banco <strong>de</strong> dados. Dessa forma,<br />
marginais <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada área que procurem migrar para outra, ao se<br />
sentirem acuados pelas forças policiais não po<strong>de</strong>rão contar com o<br />
anonimato para se homiziarem na nova área.<br />
Outra possibilida<strong>de</strong> é a utilização das informações por parte do<br />
Po<strong>de</strong>r Judiciário para formação <strong>de</strong> convicção no <strong>de</strong>correr dos processos<br />
judiciais, o que já vem ocorrendo no que tange aos marginais atuantes na<br />
subárea da 128ª Cia PM julgados.<br />
299
300<br />
Relato Policial<br />
ANÁLISE DELITIVA E UTILIZAÇÃO DE<br />
FERRAMENTAS PARA A PREVENÇÃO DO DELITO<br />
Ruben Adrian Rodríguez *<br />
Em primeiro lugar e para o <strong>de</strong>senvolvimento do tema, consi<strong>de</strong>ro<br />
interessante apresentam alguns fatores que sem dúvida vão nos localizar<br />
no tempo e no lugar, para enten<strong>de</strong>r a problemática <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>sta área<br />
da província <strong>de</strong> Buenos Aires, na República Argentina, e como é o<br />
funcionamento da Chefia do Departamento <strong>de</strong> Segurança <strong>de</strong> La Matanza,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Ministério <strong>de</strong> Segurança, lugar on<strong>de</strong> cumpro funções como<br />
chefe <strong>de</strong> Operações há seis anos e como chefe do Centro <strong>de</strong><br />
Processamento e Análise da Informação Delitiva <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua criação, em<br />
agosto do ano 2002.<br />
No que se refere à Comarca <strong>de</strong> La Matanza, Área <strong>de</strong><br />
Responsabilida<strong>de</strong> da Chefia Departamental que se encontra localizada na<br />
província <strong>de</strong> Buenos Aires, <strong>de</strong>ntro do setor <strong>de</strong>nominado genericamente<br />
como Gran<strong>de</strong> Buenos Aires, sendo o município mais extenso o urbano já<br />
que conta com uma superfície territorial <strong>de</strong> 323 quilômetros quadrados,<br />
e possui uma população que conforme a estimativas oficiais ronda os 2<br />
milhôes <strong>de</strong> habitantes, pese a que segundo o último censo do ano 2001<br />
realizado pelo In<strong>de</strong>c, La Matanza possui uma população <strong>de</strong> 1.255.288<br />
habitantes, sendo que as apresentações e diferenças surgem diante do<br />
conhecimento <strong>de</strong> que bairros inteiros não foram incluídos.<br />
Com relação aos limites da comarca, a noroeste faz limite com a<br />
cida<strong>de</strong> autônoma <strong>de</strong> Buenos Aires; a sudoeste com as comarcas <strong>de</strong><br />
Cañuelas e Marcos Paz; a su<strong>de</strong>ste com as comarcas <strong>de</strong> Lomas <strong>de</strong> Zamora<br />
e Esteban Echeverría e a noroeste com Marcos Paz, Merlo, Morón e Tres<br />
<strong>de</strong> Febrero.<br />
No concernente à área <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> da Chefia<br />
Departamental, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> março do ano <strong>de</strong> 2005 e <strong>de</strong>ntro das políticas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scentralização implementadas pelo Ministério <strong>de</strong> Segurança, foram<br />
criadas cinco Chefias Distritais: Noroeste, Nor<strong>de</strong>ste, Oeste, Leste e Sul.<br />
Cada uma <strong>de</strong>las conta com entre três e seis <strong>de</strong>pendências policiais<br />
(<strong>de</strong>legacias e <strong>de</strong>stacamentos) sob a sua órbita <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, pelo<br />
que as 22 Delegacias e cinco <strong>de</strong>stacamentos policiais neste novo sistema<br />
* Capitão da Policia da Província <strong>de</strong> Buenos Aires - Chefia do Departamento <strong>de</strong> La Matanza.<br />
ARGENTINA
Ruben Adrian Rodriguez<br />
<strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma direta da Chefia Departamental, passando<br />
a ocupar um cargo <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação e controle das Chefias <strong>de</strong> Distrito,<br />
ostentando a Chefia <strong>de</strong> Delegado (antes Delegado Maior), <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />
<strong>de</strong> forma direta <strong>de</strong> um grupo operativo <strong>de</strong>nominado Grupo <strong>de</strong> Apoio<br />
Departamental, que conta com 60 efetivos e oito unida<strong>de</strong>s móveis policiais,<br />
que é utilizada para efetuar diferentes operativos <strong>de</strong> saturação, em reforço<br />
do pessoal <strong>de</strong> <strong>de</strong>legacias e em serviços especiais diagramados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
Chefia, conforme a problemática que se vá <strong>de</strong>tectando.<br />
O Chefe <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Departamental, em seu caráter <strong>de</strong> Delegado<br />
Chefe, tem entre outras funções a <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar as tarefas com as outras<br />
polícias que convivem no município, Direção Departamental <strong>de</strong><br />
Investigações, Direção <strong>de</strong> Drogas Ilícitas, Direção <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Científica,<br />
Delegação <strong>de</strong> Custódias <strong>de</strong> Pessoas, Objetivos Fixos e Transferências <strong>de</strong><br />
Detidos, Departamento <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Viária, Chefe do Centro <strong>de</strong> Despachos<br />
<strong>de</strong> La Matanza, quem tem a seu cargo o sistema “Call Center 911”. Cada<br />
uma <strong>de</strong>las tem uma <strong>de</strong>pendência direta a uma Superintendência específica,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo a Chefia Departamental da Superintendência <strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nação<br />
Operativa, sob a órbita da Subsecretaria <strong>de</strong> Segurança.<br />
Com os Chefes dos organismos mencionados são realizadas reuniões<br />
mensais sujeitas a um Protocolo <strong>de</strong> Avaliação, nas quais também participam<br />
os chefes Distritais e os chefes <strong>de</strong> Dependência, que conforme as<br />
avaliações que são realizadas antes da reunião pela Chefia Departamental,<br />
<strong>de</strong>vem explicar alguma questão em particular. Por exemplo, com relação<br />
ao aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos. Ou <strong>de</strong> ocorrências <strong>de</strong> relevância pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />
esclarecimento, assim como em muitos casos para comentar o sucesso<br />
<strong>de</strong> alguma investigação ou <strong>de</strong> algum dispositivo <strong>de</strong> segurança implementado<br />
que lhe permitiu uma diminuição significativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos, ou seja, são tratados<br />
tanto os maus resultados obtidos, sendo procuradas alternativas no<br />
planejamento <strong>de</strong> trabalho para melhorar o serviço <strong>de</strong> segurança, assim<br />
como se resgata alguma experiência <strong>de</strong> sucesso para compartilhá-la e ver<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levá-la a efeito em outra jurisdição.<br />
Cada um dos chefes dos elementos mencionados informa ao chefe<br />
<strong>de</strong> Departamento sobre a tarefa <strong>de</strong>senvolvida e os resultados obtidos<br />
durante o mês anterior, já que geralmente são registradas estatísticas<br />
comparativas dos últimos dois meses, relacionando-as com o resto do<br />
ano e igual período do ano anterior. Nas mencionadas reuniões, em muitas<br />
301
302<br />
Análise Delitiva e Utilização <strong>de</strong><br />
Ferramentas para a Prevenção do Delito<br />
ocasiões, também participam os integrantes dos Foros Vicinais e Municipais<br />
<strong>de</strong> Segurança, (cujo funcionamento é regido pela Lei 12.154), os quais<br />
dão uma visão não tão estatística das questões <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> cada jurisdição,<br />
mas, a partir da relação que têm com os vizinhos <strong>de</strong> cada região contribuem<br />
também todas essas ocorrências que não são <strong>de</strong>nunciadas e em muitos<br />
casos os motivos disso, sendo tomadas ações neste sentido para reverter<br />
as questões que po<strong>de</strong>m ser apresentadas, além <strong>de</strong> outras questões <strong>de</strong><br />
mal funcionamento <strong>de</strong> alguma das <strong>de</strong>pendências policiais, para que, neste<br />
caso, tanto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Chefia <strong>de</strong> Distrito como, em última instância, a Chefia<br />
Departamental, sejam tomadas as medidas condizentes para fazer cessar<br />
ou reverter a problemática.<br />
Em relação às cinco Chefias Distritais da Chefia Departamental, as<br />
quais estão a cargo <strong>de</strong> um inspetor (<strong>de</strong>legado inspetor antes da nova<br />
<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> hierarquias) têm como área <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> as<br />
seguintes <strong>de</strong>pendências:<br />
Chefia Distrital Noroeste: Delegacia Noroeste 1ª: San Justo<br />
Delegacia Noroeste 2ª: Ramos Mejía<br />
Delegacia Noroeste 3ª: Villa Luzuriaga<br />
Delegacia Noroeste 4ª: Los Pinos<br />
Delegacia Noroeste 5ª: Don Bosco<br />
Delegacia Noroeste 6ª: Lomas <strong>de</strong> Millón<br />
Delegacia da Mulher.<br />
Chefia Distrital Noroeste: Delegacia Noroeste 1ª: Villa Ma<strong>de</strong>ro<br />
Delegacia Noroeste 2ª: Lomas <strong>de</strong>l Mirador<br />
Delegacia Noroeste 3ª: La Tablada<br />
Delegacia Noroeste 4ª: Tapiales<br />
Destacamento Policial Aldo Bonzi<br />
Delegacia Noroeste 5ª: Mercado Central<br />
Delegacia Noroeste 6ª: Villa Celina<br />
Chefia Distrital Oeste: Delegacia Oeste 1ª: Isidro Casanova<br />
Delegacia Oeste 2ª: San Carlos<br />
Delegacia Oeste 3ª: Rafael Castillo
Ruben Adrian Rodriguez<br />
Destacamento Feminino<br />
Delegacia Oeste 4ª: San Alberto<br />
Chefia Distrital Leste: Delegacia Leste 1ª: Laferrere<br />
Delegacia Leste 2ª: Altos <strong>de</strong> Laferrere<br />
Delegacia Leste 3ª: Ciudad Evita<br />
Chefia Distrital Sul: Delegacia Sul 1ª: González Catan<br />
Destacamento 20 <strong>de</strong> junho<br />
Delegacia Sul 2ª: Virrey <strong>de</strong>l Pino<br />
Destacamento Oro Ver<strong>de</strong><br />
Destacamento Laborato<br />
Delegacia Sul 3ª: Villa Dorrego<br />
No concernente a fatores <strong>de</strong> risco real ou potencial, po<strong>de</strong>-se dizer<br />
que cada distrito apresenta situações diferentes. Como exemplo é citado<br />
o caso da Chefia Distrital Noroeste, cuja característica mais importante é<br />
que se trata <strong>de</strong> uma região <strong>de</strong> elevado po<strong>de</strong>r aquisitivo e a <strong>de</strong> maior<br />
concentração <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s bancárias, centros comerciais, estações férreas,<br />
etc. Por tanto, existe um movimento maior <strong>de</strong> dinheiro e <strong>de</strong>ntro do<br />
contexto da comarca <strong>de</strong> La Matanza, este distrito soma a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
47 entida<strong>de</strong>s bancárias, sobre um total <strong>de</strong> 63 e várias entida<strong>de</strong>s financeiras;<br />
estes pontos mencionados seriam os <strong>de</strong> maior importância entre outros,<br />
já que estamos falando do movimento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s volumes <strong>de</strong> dinheiro.<br />
Ao mencionado soma-se o fato <strong>de</strong> a jurisdição da Seção Distrital<br />
Noroeste 1º San Justo resulta ser o Centro Cívico da Comarca, por tanto é<br />
on<strong>de</strong> se concentram instituições como o Palácio Municipal e suas<br />
Dependências como, por exemplo, a Direção <strong>de</strong> Trânsito, Direção <strong>de</strong> Ação<br />
Social, a Policlínica Central, também está localizado o Prédio do Po<strong>de</strong>r<br />
Judicial, clínicas privadas, se<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sindicatos, etc., tudo o que gera o<br />
aumento <strong>de</strong> pessoas em trânsito veicular e a pé, o que serve <strong>de</strong> cobertura<br />
para aquelas pessoas com condutas mal intencionadas e/ou <strong>de</strong>litivas.<br />
O fato <strong>de</strong> ser cabeça <strong>de</strong> comarca e com todas as repartições<br />
mencionadas implica a concentração assídua <strong>de</strong> organizações políticas e<br />
303
304<br />
Análise Delitiva e Utilização <strong>de</strong><br />
Ferramentas para a Prevenção do Delito<br />
outras não políticas que geralmente, por questões sociais e reclamações,<br />
geram mobilizações no centro da comarca para se manifestar. Este conflito<br />
social em si repercute no pertinente às diagramações sobre o serviço <strong>de</strong><br />
segurança para a prevenção que é planejado, já que tudo isso <strong>de</strong>manda<br />
diariamente a utilização <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pessoal que, respeitando<br />
as garantias constitucionais, <strong>de</strong>ve zelar pela paz e pela segurança social,<br />
empregando-se um gran<strong>de</strong> dispêndio <strong>de</strong> meios humanos e logísticos em<br />
tarefas que não têm muito a ver com a prevenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos.<br />
Do mesmo modo, em escala <strong>de</strong> importância e com quase as<br />
mesmas características mencionadas, segue a Seção Distrital Noroeste<br />
2º Ramos Mejía, sendo estas duas jurisdições policiais on<strong>de</strong> se concentram<br />
a maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos, o que se observa só ao consi<strong>de</strong>rar que<br />
sobre um total <strong>de</strong> 284 veículos subtraídos no mês <strong>de</strong> setembro do ano<br />
em curso em todo o âmbito <strong>de</strong>partamental, 169 ocorreram em jurisdição<br />
da Chefia Distrital <strong>de</strong> tratamento, ou seja, quase 60% das ocorrências.<br />
No distrito mencionado, o índice <strong>de</strong> pobreza <strong>de</strong>s<strong>de</strong> San Justo ao<br />
Leste é <strong>de</strong> 20%, enquanto que o índice <strong>de</strong> indigência é <strong>de</strong> 9%, valores<br />
que são refletidos em quase todas as jurisdições policiais que o compõem,<br />
enquanto que <strong>de</strong> Caminho <strong>de</strong> Cintura ou Rota Provincial Nº 4 ao Oeste<br />
do território ocupado pelas outras quatro distritais a pobreza chega a<br />
75%, enquanto que a indigência chega a 50%, dados estes obtidos na<br />
apresentação do planejamento estratégico para a <strong>de</strong>scentralização <strong>de</strong> La<br />
Matanza em sete mini-municípios;<br />
Diante do exposto, novamente menciono que se <strong>de</strong>stinam recursos<br />
humanos e meios logísticos para a contenção <strong>de</strong> diferentes reclamações<br />
sociais, <strong>de</strong> trabalho, educação, etc., e estes acontecimentos po<strong>de</strong>riam<br />
ser, em algumas ocasiões, <strong>de</strong>tectados e planejados com antecedência e,<br />
em outras, resolvidos com respostas imediatas.<br />
Para não me esten<strong>de</strong>r mais nesta questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m organizativa<br />
interna, La Matanza, conforme o “Plano Diretor <strong>de</strong> Segurança”, em vigência<br />
há mais <strong>de</strong> dois anos, encontra-se dividida em 80 quadrículas,<br />
correspon<strong>de</strong>ndo a cada <strong>de</strong>legacia entre três e seis quadrículas, o que, à<br />
luz dos resultados que se vêm obtendo em algumas regiões, resultam<br />
<strong>de</strong>masiado extensas, o que se observa somente levando em consi<strong>de</strong>ração<br />
que conforme a análise <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos e o perfil que se realizou oportunamente
Ruben Adrian Rodriguez<br />
em cada região, estas foram diagramadas, ficando 75 <strong>de</strong>las com superfícies<br />
que vão <strong>de</strong> um a três quilômetros quadrados e as cinco restantes <strong>de</strong> 10 a<br />
30 quilômetros quadrados, correspon<strong>de</strong>ndo estas últimas às localida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> González Catan e Virrey <strong>de</strong>l Pino, as quais possuem áreas suburbanas.<br />
Sem dúvida, para a conformação das mencionadas quadrículas<br />
também foi necessário levar em consi<strong>de</strong>ração a disposição <strong>de</strong> pessoal e<br />
meios, já que o Plano consiste em que cada uma <strong>de</strong>las se encontre coberta<br />
durante as 24 horas. Minimamente, com uma unida<strong>de</strong> móvel policial, <strong>de</strong><br />
acordo com a problemática existente, o que significa em números contar<br />
com 80 unida<strong>de</strong>s móveis policiais e 160 efetivos por turno, se é<br />
consi<strong>de</strong>rado que a dotação <strong>de</strong> cada patrulha é <strong>de</strong> dois efetivos.<br />
A Chefia Departamental conta na data com 1820 efetivos. Na<br />
mencionada quantida<strong>de</strong> estão incluídos aqueles que se encontram gozando<br />
<strong>de</strong> licença anual por gratificação, licenças médicas, cursos <strong>de</strong> retreinamentos,<br />
<strong>de</strong>sviados <strong>de</strong> serviço com tarefas administrativas, e outras<br />
questões que fazem diminuir consi<strong>de</strong>ravelmente o número <strong>de</strong> efetivos que<br />
cumprem exclusivas tarefas <strong>de</strong> prevenção. Não obstante, levando em<br />
consi<strong>de</strong>ração a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoal a RELAÇÃO POLÍCIA PARA CADA<br />
1000 HABITANTES é <strong>de</strong> 0.91 e levando em consi<strong>de</strong>ração a superfície<br />
territorial <strong>de</strong> 5.63 EFETIVOS POR QUILÔMETRO QUADRADO.<br />
No referente a unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> patrulha, conta-se com 240 veículos,<br />
dos quais em condições <strong>de</strong> uso e funcionamento 190, o resto <strong>de</strong>vido ao<br />
<strong>de</strong>sgaste próprio do uso se encontram radiados <strong>de</strong> serviço e em<br />
reparação.<br />
Todos estes fatores condicionaram a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aumentar a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quadrículas e conseguir criar setores <strong>de</strong> jurisdições em<br />
superfícies menores. Entretanto, o mencionado não significa que as<br />
quadrículas mais extensas sejam aquelas on<strong>de</strong> se cometem maior<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos, pelo contrário, nas quadrículas menores,<br />
coinci<strong>de</strong>ntes estas com gran<strong>de</strong>s centros comerciais, gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s bancárias e financeiras, áreas <strong>de</strong> maior po<strong>de</strong>r aquisitivo, etc.,<br />
são as mais castigadas quando se fala <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>nunciados.<br />
Na valoração estatística se trabalha sobre <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>nunciados, que<br />
são divididos em dois grupos, por um lado os DELITOS QUE PODEM<br />
305
306<br />
Análise Delitiva e Utilização <strong>de</strong><br />
Ferramentas para a Prevenção do Delito<br />
SER PREVENIDOS (homicídios, assaltos, roubos, furtos, violações, piratas<br />
do asfalto, subtração <strong>de</strong> automóveis e <strong>de</strong> animais quadrúpe<strong>de</strong>s) e pelo<br />
outro, os DELITOS NÃO PASSÍVEIS DE PREVENÇÃO, on<strong>de</strong> é envolvido<br />
todo o resto dos <strong>de</strong>litos que <strong>de</strong> alguma forma a polícia não tem mediante<br />
tarefas preventivas forma <strong>de</strong> contra-arrestar as ocorrências (ameaças,<br />
lesões culposas, usurpação <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, fugas <strong>de</strong> lar, aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />
trânsito com feridos, etc.), tudo isso sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrências que conformam o que se <strong>de</strong>nomina comumente<br />
a cifra negra do <strong>de</strong>lito, fatos que são cometidos diariamente e que por<br />
diferentes questões, que neste momento não são motivo <strong>de</strong> análise, não<br />
são <strong>de</strong>nunciadas, mas são tomadas como parâmetros das ocorrências <strong>de</strong><br />
HOMICÍDIO, on<strong>de</strong> sem dúvida a polícia toma conhecimento e intervenção,<br />
e a SUBTRAÇÃO DE AUTOMÓVEIS, nas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> FURTO<br />
AUTOMOTOR (os <strong>de</strong>linqüentes subtraem o veículo estacionado sem<br />
ocupantes na via pública) e ROUBO AUTOMOTOR (é consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>ste tipo, no qual mediante o uso da força física ou ameaça com armas<br />
brancas ou <strong>de</strong> fogo subtraem a unida<strong>de</strong>), neste caso ou tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito<br />
tem-se a certeza da <strong>de</strong>núncia por questões que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a cobrança do<br />
seguro até a recuperação do automóvel. A respeito do HOMICÍDIO fazse<br />
um <strong>de</strong>sdobramento na análise, levando em consi<strong>de</strong>ração principalmente<br />
o HOMICÍDIO EM OCASIÃO DE ROUBO, já que <strong>de</strong> uma média durante<br />
o ano <strong>de</strong> 2006 <strong>de</strong> oito homicídios mensais, um ou dois são em ocasião <strong>de</strong><br />
roubo, o resto são o resultado <strong>de</strong> confrontações familiares, disputas entre<br />
amigos ou vizinhos, e os <strong>de</strong>nominados acertos <strong>de</strong> conta entre grupos<br />
antagônicos, ocorrendo o mesmo com o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> VIOLAÇÃO, on<strong>de</strong> é<br />
feita uma análise diferenciando aqueles que ocorrem no seio familiar ou <strong>de</strong><br />
amiza<strong>de</strong>s e aqueles que ocorrem em via pública, on<strong>de</strong> a vítima geralmente<br />
caminha cedo em direção <strong>de</strong> algum ponto <strong>de</strong> ônibus para ir ao trabalho<br />
ou para estudar, ou regressa tar<strong>de</strong> da noite e aproveitando o isolamento<br />
reinante, é atacada por algum indivíduo, já que nesses momentos aumentam<br />
os riscos, sendo <strong>de</strong>stacado que varia o número <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias mês a mês,<br />
já que por exemplo no mês <strong>de</strong> março do ano em curso foram <strong>de</strong>nunciados<br />
três fatos, cinco em abril, 18 em julho, 10 em agosto. Das quantida<strong>de</strong>s<br />
mencionadas mais <strong>de</strong> 50% se dá no seio familiar, tendo a ver isso<br />
seguramente com questões sociais, culturais e econômicas e a gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> (há mais <strong>de</strong> 100 bairros carentes e assentamentos).<br />
O caso que vou expor durante o curso indica justamente, diante da
Ruben Adrian Rodriguez<br />
realida<strong>de</strong> que se vive nesta parte da província <strong>de</strong> Buenos Aires, mediante<br />
o uso <strong>de</strong> ferramentas tecnológicas, que tipo <strong>de</strong> análises são realizadas<br />
com a elaboração <strong>de</strong> mapas temáticos, que irão <strong>de</strong>terminar um ponto no<br />
espaço, o que geo-referencia um <strong>de</strong>lito, o que tem a ver com pontos<br />
“quentes” (agrupamento <strong>de</strong> vários <strong>de</strong>litos no mesmo lugar), zonas quentes<br />
(agrupamento <strong>de</strong> vários pontos ou <strong>de</strong>litos), <strong>de</strong>litos por quadra, por faixas<br />
<strong>de</strong> horários, por dias da semana, etc. e no que se refere a uma<br />
problemática que afeta em gran<strong>de</strong> parte ao <strong>de</strong>partametno <strong>de</strong> La Matanza,<br />
que é a subtração <strong>de</strong> veículos, diferentes experiências vêm sendo aplicadas.<br />
E apresentação <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> análise e operacional colocado em<br />
prática durante o ano <strong>de</strong> 2003, on<strong>de</strong> nos primeiros meses do ano e até a<br />
efetivação do operação se estava cometendo a subtração <strong>de</strong> quase 800<br />
veículos mensalmente e, mediante o planejamento e colocação em<br />
funcionamento <strong>de</strong> um operativo <strong>de</strong> prevenção em dois meses se conseguiu<br />
reduzir os mencionados índices para 420 veículos, em julho do ano<br />
mencionado, ocorrendo isto em um dos momentos mais críticos <strong>de</strong><br />
insegurança na província <strong>de</strong> Buenos Aires, já que acompanhado da subtração<br />
dos veículos em muitos casos <strong>de</strong> produzia a morte <strong>de</strong> alguma pessoa.<br />
Inclusive em muitas das ocorrências a pessoa falecida resultava ser<br />
integrante <strong>de</strong> alguma força <strong>de</strong> segurança que estando livre <strong>de</strong> serviço e<br />
vestindo roupas <strong>de</strong> civil era abordada por <strong>de</strong>linqüentes para lhe subtraírem<br />
o veículo e diante da resistência do efetivo ou quando os <strong>de</strong>linqüentes se<br />
davam conta <strong>de</strong> sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal sem mediar palavra eram agredidos<br />
com disparos <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo que em várias ocasiões lhe ocasionavam a<br />
morte, só resta mencionar que durante esse ano foram quase 40 efetivos<br />
policiais da província <strong>de</strong> Buenos Aires mortos em enfrentamentos armados,<br />
muitos acompanhando a baixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> subtração <strong>de</strong> veículos. Também<br />
se produziu uma forte diminuição dos <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> homicídios em ocasião<br />
<strong>de</strong> roubo, sendo observado também como a partir da saturação policial<br />
em <strong>de</strong>terminada área, o <strong>de</strong>lito se transferia a outras áreas que antes eram<br />
menos afetadas, o que refletia que só com maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> policiais<br />
nas ruas não se garante a segurança, já que ,como se sabe, existem outros<br />
fatores que influenciam nesta problemática em que nos correspon<strong>de</strong> nos<br />
<strong>de</strong>senvolvermos.<br />
A partir do mês <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>sse mesmo ano foi sancionada a Lei<br />
13.081 que regula o comércio <strong>de</strong> peças <strong>de</strong> automóveis usadas, agências<br />
<strong>de</strong> venda <strong>de</strong> automóveis novos e usados, oficinas mecânicas, agências <strong>de</strong><br />
vans, tapeçaria <strong>de</strong> automóveis, estacionamentos, e qualquer outro<br />
307
308<br />
Análise Delitiva e Utilização <strong>de</strong><br />
Ferramentas para a Prevenção do Delito<br />
comércio que se vincule aos automóveis, os quais <strong>de</strong>veram ser registrados<br />
perante a <strong>de</strong>legacia da jurisdição e habilitar um livro, no qual se registram<br />
os controles que em um prazo que não supere os 20 dias <strong>de</strong>vem ser<br />
inspecionados. Ou seja, têm minimamente um controle mensal e a falta <strong>de</strong><br />
habilitação ou perante irregularida<strong>de</strong>s constatadas, a polícia se encontra<br />
facultada para a prisão, sendo a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação o Ministério <strong>de</strong><br />
Segurança da Província <strong>de</strong> Buenos Aires, on<strong>de</strong> foi gerada uma <strong>de</strong>pendência<br />
<strong>de</strong>nominada Direção Provincial Fiscalizadora do Registro <strong>de</strong> Controle e<br />
Comércio Vinculados à Ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Automóvel.<br />
A modo <strong>de</strong> ilustração <strong>de</strong>ixa-se constância <strong>de</strong> que na data se<br />
encontram registrados perante a polícia 1.100 estabelecimentos<br />
comerciais nesta comarca. A mencionada situação permitiu que fosse<br />
fechada uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>smanches, oficinas mecânicas, e<br />
outros comércios nos quais se <strong>de</strong>senvolviam ativida<strong>de</strong>s ilícitas, o que gerou<br />
uma diminuição significativa em toda a província <strong>de</strong> Buenos Aires, na qual<br />
não esteve alheia a Chefia Departamental, que dos quase 800 veículos<br />
mensais que se subtraíam, no mês <strong>de</strong> fevereiro do ano em curso se chegou<br />
ao número <strong>de</strong> 213, esclarecendo que no momento invocado nas<br />
jurisdições <strong>de</strong> San Justo e Ramos Mejía se tinha uma média <strong>de</strong> 180 veículos<br />
em cada jurisdição, o que a partir <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> análise, com um<br />
diagnóstico apropriado e uma boa administração dos recursos humanos<br />
e logísticos, se conseguiu reduzir.<br />
As mesmas ferramentas a partir <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> padrões e<br />
comportamentos extraídos da base <strong>de</strong> dados on<strong>de</strong> se colocam a totalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>litos do âmbito jurisdicional nos permitiu trabalhar em função <strong>de</strong><br />
outro tipo <strong>de</strong> fatos, e realizar uma melhor administração dos recursos no<br />
momento da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, e como exemplo se apresentam em<br />
PowerPoint trabalhos realizados sobre a subtração <strong>de</strong> automóveis,<br />
violações, drogas, etc. que, por razões técnicas, não são anexados.
Relato Policial<br />
PLANEJAMENTO OPERACIONAL: A EXPERIÊNCIA<br />
NEUQUINA<br />
Rubens Fabian Rebuffo *<br />
SITUAÇÃO DA PROVÍNCIA DE NEUQUÉN<br />
Em primeiro lugar nos localizaremos espacialmente. A experiência<br />
à qual me referirei se <strong>de</strong>senvolve na província <strong>de</strong> neuquén, que está<br />
geograficamente localizada a Noroeste da Patagônia Argentina. A cida<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> pontualmente é realizada esta experiência é a <strong>de</strong> Neuquén, capital<br />
da província <strong>de</strong> mesmo nome.<br />
A província tem uma população aproximada <strong>de</strong> 600 mil habitantes,<br />
dos quais um pouco mais <strong>de</strong> 200 mil resi<strong>de</strong>m na capital, sendo esta a<br />
cida<strong>de</strong> com maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> populacional da província.<br />
A realida<strong>de</strong> socioeconômica é variada, tanto <strong>de</strong>ntro da província<br />
como na própria capital. Tem uma economia dominada pela extração <strong>de</strong><br />
petróleo, gás e com a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s satélites que se<br />
movem entorno <strong>de</strong>sta exploração. Possui áreas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> frutas<br />
em crescimento, do mesmo modo que alguns empreendimentos<br />
turísticos com gran<strong>de</strong>s expectativas em um futuro próximo.<br />
Esta diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas traz uma diversida<strong>de</strong><br />
similar na trama social, interagindo nesta estão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> profissionais<br />
ocupando altos cargos em empresas multinacionais até trabalhadores<br />
subempregados com remunerações somente por cima da linha <strong>de</strong><br />
pobreza. Não <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que na província há quase<br />
7 % <strong>de</strong> <strong>de</strong>socupação.<br />
Esta província, em especial a sua capital, é a receptora <strong>de</strong> uma<br />
gran<strong>de</strong> migração interna, proveniente <strong>de</strong> províncias argentinas,<br />
principalmente as fronteiriças, somando-se, além disso, a República do<br />
Chile. Pessoas estas que se vêem atraídas pelas altas remunerações que<br />
em ocasiões oferece a ativida<strong>de</strong> petroleira, e migram em sua maioria<br />
para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Neuquén em busca <strong>de</strong> um novo e melhor horizonte<br />
que o que vislumbravam em seus lugares <strong>de</strong> origem. Estas expectativas<br />
em muitos casos não são alcançadas e, por isso, estas famílias terminam<br />
* Oficial Principal da <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Neuquén; Formado em Sistema <strong>de</strong> Segurança em Telecomunicação<br />
(I.U.P.F.A); Pós-graduação em Metodologia <strong>de</strong> Investigação (U.N.C.)<br />
ARGENTINA<br />
309
310<br />
Planejamento Operacional: a Experiência Neuquina<br />
vivendo amontoadas em um assentamento ilegal, comumente conhecido<br />
como toma, na periferia da cida<strong>de</strong>, e recebendo ajuda social para po<strong>de</strong>r<br />
subsistir.<br />
Em muitas ocasiões, o panorama <strong>de</strong>scrito no parágrafo anterior é<br />
<strong>de</strong>terminante e funciona como uma situação propícia para que se<br />
<strong>de</strong>senvolvam diversas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lituosas, principalmente as que causam<br />
danos à proprieda<strong>de</strong>.<br />
PANORAMA DE DELITOS DA PROVÍNCIA<br />
Ainda que tenhamos <strong>de</strong>scrito que a situação socioeconômica tem,<br />
em muitos casos, incidência no <strong>de</strong>senvolvimento do <strong>de</strong>lito na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Neuquén, este não é o único fator causal para que se <strong>de</strong>sdobrem ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>lituosas na cida<strong>de</strong>.<br />
Outro dos fatores que agiu como propulsores da ocorrência dos<br />
<strong>de</strong>litos contra a proprieda<strong>de</strong> é o que outorga o bom nível econômico <strong>de</strong><br />
muitos dos habitantes da capital, o que seduz <strong>de</strong>linqüentes forasteiros e<br />
os incentiva a realizarem as suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro da jurisdição <strong>de</strong> Neuquén.<br />
Po<strong>de</strong>mos citar aqui o caso da província vizinha <strong>de</strong> Río Negro, com uma<br />
situação econômica muito mais precária que a <strong>de</strong> Neuquén. Não é raro<br />
ver que parte da migração interprovincial a que nos referíamos no item<br />
anterior, <strong>de</strong>sembarque na província <strong>de</strong> Neuquén com o único objetivo <strong>de</strong><br />
cometer atos ilícitos. Para uma melhor compreensão esclarecemos que a<br />
Província <strong>de</strong> Rio Negro e a <strong>de</strong> Neuquén estão unidas por uma ponte para<br />
trânsito <strong>de</strong> veículos 1 , pela qual com somente andar uns poucos quilômetros<br />
cruzamos <strong>de</strong> uma província à outra.<br />
Referindo-nos às modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>litivas que mais observamos na<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Neuquén, po<strong>de</strong>mos dizer que os Delitos Contra a Proprieda<strong>de</strong><br />
são os que com maior freqüência são suscitados, segundo a estatística <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>litos <strong>de</strong>nunciados no ano <strong>de</strong> 2005, 79,5%: correspon<strong>de</strong> aos <strong>de</strong>litos<br />
contra a proprieda<strong>de</strong>, ficando 19,5% para o resto das modalida<strong>de</strong>s.<br />
Dentro do tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito majoritário mencionado anteriormente,<br />
45% correspon<strong>de</strong> a furto, 40% a roubo, 12% a dano contra a<br />
proprieda<strong>de</strong> particular, e o resto dividido entre outras tipificações dos<br />
<strong>de</strong>litos contra a proprieda<strong>de</strong>.
Rubens Fabian Rebuffo<br />
Se transferirmos a porcentagem para a quantida<strong>de</strong> numérica <strong>de</strong> fatos<br />
<strong>de</strong>nunciados no ano <strong>de</strong> 2005, no âmbito da Direção <strong>de</strong> Segurança <strong>de</strong><br />
Neuquén 2 , temos que 45% correspon<strong>de</strong>m a furto, o que significa um total<br />
<strong>de</strong> 7.381 ocorrências <strong>de</strong>nunciadas, 40% a 6.560 ocorrências e 12% a 1.948<br />
ocorrências, formando um total <strong>de</strong> 15.889 fatos contra a proprieda<strong>de</strong> na<br />
D.S.N.<br />
Mantendo-nos sempre na modalida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>lito contra a proprieda<strong>de</strong>,<br />
nos últimos anos, foi aumentando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />
ocorrência, mas com maior violência e ódio, situação esta que se dá nos<br />
roubos. Para dar um exemplo, em moradias on<strong>de</strong> se perpetrara o ilícito na<br />
ausência <strong>de</strong> seus moradores, além <strong>de</strong> subtrair os elementos escolhidos,<br />
eram produzidos danos nos elementos que não eram levados, ou na própria<br />
moradia, chegando, em alguns casos, inclusive a incendiá-la.<br />
Este tipo <strong>de</strong> comportamento, na maioria dos casos só é atribuível a<br />
uma pessoa que se encontra sob os efeitos <strong>de</strong> drogas ou com as faculda<strong>de</strong>s<br />
mentais alteradas pelo consumo <strong>de</strong> álcool.<br />
Po<strong>de</strong>ríamos atribuir como fator <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador da situação antes<br />
apresentada, que a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Neuquén <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trânsito<br />
para ser na atualida<strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> consumo e comércio <strong>de</strong> drogas proibidas,<br />
tendo um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> viciados em drogas, especialmente na faixa<br />
etária integrada por jovens que vão dos 15 aos 25 anos.<br />
Esta violência, <strong>de</strong>smesurada em alguns fatos, se vê agravada pelo uso<br />
<strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo. Aqui o panorama se complica, já que um jovem<br />
inexperiente, sob o efeito estimulante <strong>de</strong> alguma droga, com uma arma <strong>de</strong><br />
fogo e cometendo um roubo, po<strong>de</strong> terminar como já ocorreu com algum<br />
dos atores no ocorrido: morto.<br />
Realmente, não ajuda a esta situação, a facilida<strong>de</strong> com que se po<strong>de</strong><br />
conseguir uma arma na rua. Além disso, se somamos a isso a falta <strong>de</strong><br />
uma política <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo no âmbito provincial, o<br />
panorama piora.<br />
Tudo que foi anteriormente mencionado contribui para que a<br />
modalida<strong>de</strong> do roubo agravado pelo uso <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo, comumente<br />
<strong>de</strong>nominado roubo com arma, tenha ganho um gran<strong>de</strong> protagonismo <strong>de</strong>ntro<br />
da realida<strong>de</strong> social atual.<br />
311
312<br />
Planejamento Operacional: a Experiência Neuquina<br />
Este tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos violentos contra a proprieda<strong>de</strong> são os que geram<br />
uma crescente sensação <strong>de</strong> insegurança na população, já que os alvos<br />
preferidos <strong>de</strong>ste flagelo, pela rápida disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dinheiro em espécie,<br />
são os comerciantes. Por esta particularida<strong>de</strong>, a ocorrência do fato<br />
<strong>de</strong>lituoso se transmite entre os vizinhos do lugar, gerando uma psicose na<br />
vizinhança, que em ocasiões é aumentada pela influência dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massas. Isto ocorre, principalmente, quando o fato<br />
envolve personagens ou comércios <strong>de</strong> renome <strong>de</strong>ntro da realida<strong>de</strong> social<br />
<strong>de</strong> Neuquén 3 .<br />
APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA<br />
No ano <strong>de</strong> 2005, foram <strong>de</strong>nunciados na jurisdição da Direção <strong>de</strong><br />
Segurança <strong>de</strong> Neuquén um total <strong>de</strong> 850 roubos com arma, isto nos dá<br />
uma média <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> duas ocorrências por dia.<br />
Agora consi<strong>de</strong>remos <strong>de</strong>ntro da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Neuquén uma situação<br />
pontual, ocorrida <strong>de</strong>ntro do âmbito da Direção <strong>de</strong> Segurança <strong>de</strong> Neuquén.<br />
No mesmo ano da jurisdição correspon<strong>de</strong>nte à Delegacia 1ª foram<br />
<strong>de</strong>nunciados 3.736 <strong>de</strong>litos contra a proprieda<strong>de</strong> em suas diferentes<br />
modalida<strong>de</strong>s.<br />
No início <strong>de</strong> 2006 , mudou a chefia <strong>de</strong>sta Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m<br />
Pública, chegando a ela um novo chefe <strong>de</strong>partamental proveniente <strong>de</strong><br />
outra unida<strong>de</strong> com características diferentes, o <strong>de</strong>legado certamente não<br />
<strong>de</strong>sconhecia a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta jurisdição.<br />
Uma vez que se encontrava exercendo a sua nova chefia, e tendo<br />
acesso às estatísticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos do que ali sucedia, tomou conhecimento<br />
<strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> mais <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong> sua nova jurisdição.<br />
Agora, o fato <strong>de</strong> conhecer as cifras do <strong>de</strong>lito lhe daria uma visão<br />
global do problema que enfrentava, mas isto não é suficiente para realizar<br />
um planejamento estratégico <strong>de</strong> seu plano <strong>de</strong> ação. Restavam as seguintes<br />
perguntas: on<strong>de</strong> estavam as áreas quentes 4 da jurisdição? As áreas eram<br />
fixas ou experimentavam uma mudança? Em quais horários e dias da semana<br />
era mais comum que se <strong>de</strong>senvolvesse a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litiva? Em resumo,<br />
como instrumentaria a prevenção?
Estas perguntas sem resposta não são proprieda<strong>de</strong> exclusiva da<br />
Jurisdição da Delegacia 1ª, mas eram apresentadas por todos os Chefes<br />
<strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> capitais. As realida<strong>de</strong>s das diferentes Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m<br />
Pública po<strong>de</strong>m ser diferentes, mas a falta <strong>de</strong> informação sobre os<br />
pormenores da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lituosa é uma constante em todas as jurisdições.<br />
Justamente esta falta <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>talhada é o problema, não se<br />
po<strong>de</strong> pilotar um barco se não se enxerga para on<strong>de</strong> se está indo. Nenhuma<br />
política <strong>de</strong> segurança terá bons resultados se não se sabe como evolui e<br />
muito menos se não po<strong>de</strong> ser avaliada, mas para isto é necessária a<br />
informação diária e <strong>de</strong>talhada do que está ocorrendo na rua.<br />
REDE INTERNA DE DEPARTAMENTOS<br />
Rubens Fabian Rebuffo<br />
Ainda que o problema apresentado no ponto anterior não fosse<br />
<strong>de</strong>sconhecido para as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Investigações, o projeto ao qual nos<br />
referiremos não nasceu para dar solução a esta situação.<br />
A experiência nasceu no âmbito da Superintendência <strong>de</strong> Investigação 5 ,<br />
para cobrir uma necessida<strong>de</strong> interna.<br />
Sob a chefia do comissário inspetor juan carlos lepen, nesse<br />
momento diretor <strong>de</strong> Delitos (atualmente <strong>de</strong>legado geral Superinten<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> Investigações), se começou a trabalhar em um mapeamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos,<br />
e se buscava, principalmente, consignar a localização, o horário, e o tipo<br />
<strong>de</strong> ocorrências para po<strong>de</strong>r compensar justamente a falta <strong>de</strong> informação<br />
atualizada e sistematizada que pa<strong>de</strong>ciam os cinco <strong>de</strong>partamentos<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sua direção: o Departamento Subtração <strong>de</strong> Automotores,<br />
o Departamento <strong>de</strong> Toxicomanias, o Departamento <strong>de</strong> Delitos contra a<br />
Proprieda<strong>de</strong> e Leis Especiais, o Departamento <strong>de</strong> Delitos Econômicos e<br />
o Departamento <strong>de</strong> Segurança Pessoal; todas as unida<strong>de</strong>s operativas <strong>de</strong><br />
investigações, cada uma <strong>de</strong>las especializada em um tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito específico.<br />
Neste ponto, po<strong>de</strong>mos fazer um paralelo entre a problemática, com<br />
relação à falta <strong>de</strong> informação atualizada e sistematizada, que tinha uma<br />
Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linha (Delegacia) e um dos Departamentos <strong>de</strong> Investigações.<br />
Este problema gera, não obstante, um <strong>de</strong>sperdício maior <strong>de</strong> recursos<br />
313
314<br />
Planejamento Operacional: a Experiência Neuquina<br />
para um Departamento <strong>de</strong> Investigações que para uma <strong>de</strong>legacia, agora<br />
trataremos <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r esta situação.<br />
Para seguir com o mesmo exemplo, o da Delegacia 1ª, esta tem uma<br />
jurisdição claramente <strong>de</strong>limitada, <strong>de</strong>ntro da qual essa unida<strong>de</strong> é a responsável<br />
pelo que ali acontece, e nenhuma outra unida<strong>de</strong> jurisdicional, por exemplo,<br />
a Delegacia 2ª vai operar <strong>de</strong>ntro da Jurisdição da 1ª. Esta situação territorial<br />
nos assegura que não vai haver duplicação <strong>de</strong> tarefas, ou falta <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação<br />
em alguma ação que se <strong>de</strong>senvolva na Jurisdição.<br />
No entanto, com os Departamentos <strong>de</strong> Investigação esta situação<br />
<strong>de</strong> superposição <strong>de</strong> tarefas ou falta <strong>de</strong> organização po<strong>de</strong>ria ocorrer e,<br />
<strong>de</strong> fato, em muitos casos ocorre. Explicaremos isso com um simples<br />
exemplo para que a situação apresentada seja mais bem entendida; não<br />
é algo <strong>de</strong>sconhecido que as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos se cruzam entre si,<br />
que um carro roubado seja pago a seu “levantador” 6 com drogas; isso<br />
não é nada novo ou raro <strong>de</strong> encontrar. Neste caso interviriam os<br />
Departamentos <strong>de</strong> Roubo <strong>de</strong> Automóveis e <strong>de</strong> Toxicomanias.<br />
Esta situação é gerada, pois, diferentemente <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>legacia,<br />
um Departamento <strong>de</strong> Investigações não tem jurisdição, trabalha em todo<br />
o âmbito territorial da província.<br />
Pois bem, continuemos com o mesmo caso hipotético; o<br />
Departamento <strong>de</strong> Automotores investiga o ladrão e o comprador, já<br />
que lhe compete a repressão <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litiva relacionada ao roubo<br />
e ao <strong>de</strong>smanche ilegal <strong>de</strong> automóveis. A investigação montada em torno<br />
<strong>de</strong> estes dois <strong>de</strong>linqüentes necessita <strong>de</strong> meios humanos e técnicos,<br />
recursos que todos sabemos que são escassos.<br />
Ocorre que o Departamento <strong>de</strong> Toxicomanias também está<br />
investigando estes dois indivíduos, já que em diferentes escalas ambos<br />
estão comercializando e distribuindo entorpecentes. Os meios humanos<br />
e materiais requeridos para esta investigação são agora disponibilizados<br />
pelo Departamento <strong>de</strong> Toxicomanias.<br />
Aqui é on<strong>de</strong> são duplicados os esforços e são <strong>de</strong>sperdiçados<br />
recursos, com o agravante <strong>de</strong> que, em muitos casos, esta falta <strong>de</strong><br />
coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>lata uma ou ambas as investigações, jogando fora talvez<br />
meses <strong>de</strong> trabalho.
Rubens Fabian Rebuffo<br />
A solução que foi pensada para terminar com esta falta <strong>de</strong> processo<br />
na informação, foi a <strong>de</strong> interligar os cinco <strong>de</strong>partamentos por meio <strong>de</strong><br />
uma re<strong>de</strong> informática, que contaria com um servidor on<strong>de</strong> se classificaria<br />
e armazenaria a informação. A implementação técnica <strong>de</strong>sta ferramenta<br />
não era <strong>de</strong>masiado complicada, já que quatro dos cinco <strong>de</strong>partamentos<br />
se encontravam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mesmo quarteirão postal, e o quinto<br />
<strong>de</strong>partamento seria vinculado através <strong>de</strong> uma conexão sem fio. Seriam<br />
necessários cinco computadores que cumpririam a função <strong>de</strong> terminal e<br />
o servidor central <strong>de</strong> dados que antes mencionamos. Como vemos, a<br />
implementação não requereria gran<strong>de</strong>s investimentos econômicos.<br />
Quanto ao software, foi utilizada uma plataforma G.I.S. 7 , dado que<br />
esta solução nos permitia não só armazenar a informação em bases <strong>de</strong><br />
dados, mas também geo-referenciá-la em um ponto do mapa, ou seja,<br />
dar ao roubo uma coor<strong>de</strong>nada espacial.<br />
Como já sabemos, para que se <strong>de</strong>senvolva a ocorrência <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>lito, os <strong>de</strong>linqüentes e seus objetivos, já sejam as vítimas ou as suas<br />
proprieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>vem coexistir por um período na mesma localização.<br />
Este componente temporal-espacial é essencialmente informação<br />
e neste caso a mais importante, o quando e on<strong>de</strong> ocorreu o fato. A este<br />
dado <strong>de</strong>veremos acrescentar toda outra informação periférica que<br />
podamos coletar, tudo isto nos ajudará mais tar<strong>de</strong> a realizar uma análise<br />
indispensável para que a investigação tenha sucesso.<br />
Como vemos, ter esta ferramenta sem contar com a informação<br />
para processar e analisar resultaria inútil, já que não teríamos a matéria<br />
prima, e sem ela nunca conseguiríamos um produto final.<br />
O inconveniente nos é apresentado nesta etapa, na captura da<br />
informação para o seu processo. Em uma primeira instância, é realizada<br />
a carga <strong>de</strong> dados <strong>de</strong> forma manual, conseguindo a informação dos fatos<br />
ocorridos na semana, e <strong>de</strong>sta forma a informação estava atrasada quase<br />
uma semana.<br />
Este sistema começou a ser utilizado nos diferentes<br />
Departamentos <strong>de</strong> Investigações, não só pelo componente gráfico que<br />
dava o mapeamento para a análise, mas também pela contribuição <strong>de</strong><br />
informação em si, que, ao ser colocada no sistema, era selecionada e por<br />
315
316<br />
Planejamento Operacional: a Experiência Neuquina<br />
tanto processada. Deste modo, a informação é muito mais útil e operacional<br />
para a sua utilização.<br />
Este sistema começou a ter transcendência <strong>de</strong>ntro da Força, pelo que<br />
muitos oficiais, chefes e superiores começaram a se interessar por ele.<br />
Apesar <strong>de</strong> seu atraso <strong>de</strong> quase uma semana, alguns chefes <strong>de</strong> unida<strong>de</strong><br />
começaram a solicitar, em forma <strong>de</strong> colaboração, que lhes fosse realizado um<br />
“diagnóstico” <strong>de</strong> sua jurisdição, e em muitos casos isso lhes ajudou a fazer<br />
uma reintegração <strong>de</strong> seu sistema <strong>de</strong> prevenção. Recor<strong>de</strong>mos que as <strong>de</strong>legacias<br />
estão sob a chefia <strong>de</strong> uma superintendência diferente da <strong>de</strong> Investigações, a<br />
<strong>de</strong> Segurança, e que esta ferramenta <strong>de</strong> análise tinha sido criada para ser<br />
utilizada em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da Superintendência <strong>de</strong> Investigações.<br />
Como alternativa, e para erradicar a carga manual <strong>de</strong> dados, se começou<br />
a trabalhar no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um sistema para po<strong>de</strong>r capturar a<br />
informação do fato <strong>de</strong>lituoso, diretamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a unida<strong>de</strong> Policial. Em um<br />
primeiro momento se pensou nos cinco <strong>de</strong>partamentos, <strong>de</strong>pois se começou<br />
a consi<strong>de</strong>rar a inclusão das <strong>de</strong>legacias.<br />
O sistema consistia em capturar o registro da <strong>de</strong>núncia da ocorrência<br />
que vinha a radicar o cidadão para a <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> sua jurisdição, da qual se<br />
extrairiam os campos com os dados mais importantes para realizar uma<br />
investigação, como horários, armas, meios <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong>, características físicas<br />
dos <strong>de</strong>linqüentes, etc.<br />
Esta <strong>de</strong>núncia seria feita on-line e lhe facilitaria ao oficial <strong>de</strong> Serviço o<br />
trabalho já que estaria utilizando um sistema padronizado, que lhe diria passo<br />
a passo quais são as perguntas mais importantes a apresentar à vítima, segundo<br />
o fato <strong>de</strong>lituoso que viesse <strong>de</strong>nunciar.<br />
Assim foi como a notícia sobre a existência <strong>de</strong>sta ferramenta chegou<br />
ao âmbito governamental, e o então Ministro <strong>de</strong> Segurança se interessou pela<br />
mesma.<br />
Uma vez que se observou o seu funcionamento, <strong>de</strong>cidiu-se que<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento se estendia não só às Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Investigações,<br />
mas a todas as Unida<strong>de</strong>s <strong>Policiais</strong> da área da capital em uma primeira<br />
etapa, para logo estendê-lo a toda a província.
Rubens Fabian Rebuffo<br />
Foi a partir <strong>de</strong> então que se começou a trabalhar no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do sistema para aperfeiçoar o registro da <strong>de</strong>núncia<br />
on-line, com a conseguinte captura <strong>de</strong> informação indispensável para a<br />
investigação.<br />
Aqui o novo inconveniente se apresentava na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
comunicar mediante algum sistema os 22 pontos dispersos na geografia<br />
da capital, correspon<strong>de</strong>ntes às diferentes Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Pública.<br />
Tempos <strong>de</strong>pois, a polícia <strong>de</strong> Neuquén adquiriu um novo sistema<br />
<strong>de</strong> comunicações baseado no Trunking Digital, e começou a instalação<br />
e implementação <strong>de</strong>ste sistema na capital <strong>de</strong> Neuquén. Este novo<br />
sistema nos ofereceria a solução para obter a comunicação necessária<br />
<strong>de</strong> todas as Unida<strong>de</strong>s <strong>Policiais</strong>, conseguindo assim o funcionamento<br />
em paralelo do mapeamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos e a <strong>de</strong>núncia on-line.<br />
Atualmente, o <strong>de</strong>senvolvimento informático já está muito<br />
avançado e se está realizando uma prova operativa com a Delegacia<br />
1ª, graças a uma situação geográfica, dada pela proximida<strong>de</strong> da mesma<br />
à localização da Superintendência <strong>de</strong> Investigações, foi realizada uma<br />
vinculação física entre ambas as Unida<strong>de</strong>s através <strong>de</strong> cabo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>.<br />
Mesmo que esta vinculação seja muito recente para avaliar<br />
resultados, se espera que estes sejam positivos, situação que<br />
seguramente melhorará quando termine <strong>de</strong> ser implementado na capital<br />
o sistema Trunking, o qual possibilitará com a interconexão das Unida<strong>de</strong>s<br />
a coleta da totalida<strong>de</strong> da informação acerca dos fatos ocorridos em<br />
Neuquén Capital, sendo projetado em um futuro esten<strong>de</strong>r esta situação<br />
a toda a província.<br />
Notas<br />
1 Neuquén-Cipolletti, ambas as cida<strong>de</strong>s conformam a primeira área metropolitana da Patagônia,<br />
separadas pelo rio Neuquén, mas unidas por uma ponte viária e outra ferroviária. Cipolletti,<br />
pertenecente à província <strong>de</strong> Río Negro, tem agroindústrias e usinas frigoríficas. Neuquén possui<br />
indústrias diversificadas e é um importante centro comercial. Ambas estão ligadas pela estrada<br />
nacional 22 e pelo corredor ferroviário <strong>de</strong> Ferrosur Roca S.A<br />
2 Divisão Jurisdicional realizada pela <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Neuquén, integrada pela totalida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Neuquén Capital, juntamente com as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Centenario, Plottier e El Chañar, que se<br />
encontram geograficamente próximas da Capital. Por suas siglas D.S.N.<br />
3 Po<strong>de</strong>mos citar como exemplo, para ilustrar esta situação, o <strong>de</strong>saparecimento do comerciante<br />
Julio Venegas em 06/10/2006, um fato que teve uma gran<strong>de</strong> difusão jornalística <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o segundo<br />
317
318<br />
Planejamento Operacional: a Experiência Neuquina<br />
dia <strong>de</strong> ocorrência da mesma, suspeitando-se que seu <strong>de</strong>saparecimento foi <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado a partir<br />
<strong>de</strong> um roubo, já que <strong>de</strong>sapareceu juntamente com seu veículo. Na data, nem Venegas nem o<br />
veículo utilitário no qual se <strong>de</strong>slocava foram encontrados.<br />
4 Área geográfica que apresenta um nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos ou <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m mais elevado que a média da<br />
Jurisdição.<br />
5 A Superintendência <strong>de</strong> Investigações é uma das três superintendências que conformam o<br />
organograma da polícia <strong>de</strong> Neuquén, as outras duas são a Superintendência <strong>de</strong> Segurança e a<br />
Superintendência <strong>de</strong> Apoio e Serviços.<br />
6 Nome com o qual é conhecido no ambiente <strong>de</strong>lituoso a pessoa que se <strong>de</strong>dica especificamente<br />
a roubar o veículo. Geralmente são jovens, e o único que fazem é roubá-lo e conduzi-lo até o<br />
comprador, que paga um preço insignificante em comparação ao valor do veículo.<br />
7 Por suas siglas em inglês Sistemas <strong>de</strong> Informação Geográfica
Relato Policial<br />
A APLICAÇÃO DE ESTRATÉGIAS SIMILARES DE<br />
SEGURANÇA EM DUAS ÁREAS COM RESULTADOS<br />
DIFERENTES<br />
Luis Alberto Pacheco *<br />
Gostaria <strong>de</strong> tratar, neste trabalho, da utilização <strong>de</strong> táticas preventivas<br />
implementadas em duas áreas policiais diferentes, mas no mesmo estado,<br />
que geraram resultados diferentes. Trata-se das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> La Morita<br />
e Tejerías do Estado <strong>de</strong> Aragua.<br />
De um modo geral, ao começar a dirigir uma <strong>de</strong>legacia policial, o<br />
oficial que a administra <strong>de</strong>ve conhecer a problemática <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos da área,<br />
as características da população e a geografia que a configura, a fim <strong>de</strong> criar<br />
planos e estratégias <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s requeridas<br />
pela comunida<strong>de</strong>, sempre sujeitas ao cumprimento do marco legal e<br />
respeitando os princípios que regem os direitos humanos.<br />
La Morita é uma comunida<strong>de</strong> localizada ao leste da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maracay,<br />
<strong>de</strong>ntro do município <strong>de</strong> Francisco Linares Alcántara, com 32.321 habitantes,<br />
segundo o último censo do ano <strong>de</strong> 1991, e com uma superfície <strong>de</strong> 9,8<br />
Quilômetro quadrados. Com o tempo, esta comunida<strong>de</strong> se converteu e<br />
uma área urbana, ainda que persistam alguns assentamentos agrícolas <strong>de</strong><br />
plantações <strong>de</strong> mandioca e banana. Passa, pelo povoado, uma importante<br />
artéria viária, a auto-estrada Regional do Centro, uma das principais vias do<br />
país para o transporte <strong>de</strong> matéria prima <strong>de</strong> muitas empresas.<br />
VENEZUELA<br />
Existem várias agências bancárias, centros comerciais e gran<strong>de</strong>s<br />
lojas <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamentos. Na região também nasceram alguns bairros por<br />
invasões <strong>de</strong> terrenos baldios. A produção <strong>de</strong>sta área está distribuída em<br />
todos os níveis (primário, secundário e terciário), a economia existente é<br />
formal e informal, o que <strong>de</strong>nota diariamente constante mobilização <strong>de</strong><br />
dinheiro em todos os níveis. As pessoas foram muito participativas e<br />
estiveram dispostas a <strong>de</strong>senvolver programas e ativida<strong>de</strong>s comunitárias<br />
que favoreciam o bem comum. Os políticos não utilizaram a polícia como<br />
um instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, pelo contrário, <strong>de</strong>ixavam-se assessorar e era a<br />
polícia que orientava as políticas <strong>de</strong> segurança pública.<br />
* Subcomissário do Corpo <strong>de</strong> Segurança e Or<strong>de</strong>m Pública do estado <strong>de</strong> Aragua, chefe da Comisaria<br />
policial <strong>de</strong> Magdaleno.<br />
319
320<br />
Aplicação <strong>de</strong> estratégias similares <strong>de</strong> Segurança em<br />
duas áreas com diferentes resultados<br />
Tejerías, por sua vez, está localizada na área oeste do estado <strong>de</strong><br />
Aragua. Tem uma população <strong>de</strong> 34.084 habitantes e uma superfície <strong>de</strong><br />
112 Quilômetros quadrados. Faz limite com o estado <strong>de</strong> Miranda ao norte,<br />
com El Concejo ao sul, com a auto-estrada Regional do Centro ao leste e,<br />
ao oeste, com o estado <strong>de</strong> Miranda. Tejerías é consi<strong>de</strong>rada uma cida<strong>de</strong><br />
industrial já que ali se encontra uma gran<strong>de</strong> parte das usinas <strong>de</strong><br />
processamento <strong>de</strong> matéria prima e seu relevo é montanhoso. Está mais<br />
distante da capital e é uma ponte <strong>de</strong> acesso entre os estados <strong>de</strong> Aragua e<br />
Miranda, o que permite que os <strong>de</strong>linqüentes escapem facilmente das<br />
autorida<strong>de</strong>s estatais. Mesmo sendo Tejerías uma região agroindustrial, não<br />
<strong>de</strong>nota muita mobilização <strong>de</strong> dinheiro como em La Morita, pois só há<br />
três agências bancárias que são somente sucursais. As pessoas não tiveram<br />
muita disposição para participar dos assuntos que a todos correspon<strong>de</strong>m<br />
e os políticos utilizaram a polícia como um instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
Os problemas mais graves tanto em La Morita quanto em Tejerías<br />
eram a escassa presença policial naqueles setores não asfaltados e poucos<br />
serviços públicos, além do patrulhamento nulo nas comunida<strong>de</strong>s com becos<br />
e calçadas, bem como nas áreas comerciais. A maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
ocorria nos colégios, <strong>de</strong>ntro das instalações e em torno das mesmas,<br />
entre os quais po<strong>de</strong>m ser citados: a) roubos (com armas <strong>de</strong> fogo, armas<br />
brancas), b) venda e distribuição <strong>de</strong> substâncias entorpecentes e<br />
psicotrópicas, c) lesões, d) enfrentamentos entre facções, e) furto <strong>de</strong><br />
veículos, f) violência familiar, g) porte ilícito <strong>de</strong> armas e distribuição ilegal.<br />
As pessoas tinham medo <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>núncias junto às instituições policiais<br />
por temor <strong>de</strong> que a informação vazasse e também pelo alto índice <strong>de</strong><br />
maus-tratos por parte <strong>de</strong> alguns funcionários aos moradores da região.<br />
As áreas montanhosas <strong>de</strong> Tejerías eram usadas, freqüentemente, como<br />
local <strong>de</strong> liberação <strong>de</strong> cadáveres.<br />
Quando fui <strong>de</strong>signado como chefe da <strong>de</strong>legacia policial tanto <strong>de</strong> La<br />
Morita como <strong>de</strong> Tejerías, comecei fazendo: 1) um estudo sobre a jurisdição<br />
da área, 2) uma pesquisa, tipo sondagem sobre as solicitações das<br />
comunida<strong>de</strong>s na área <strong>de</strong> segurança e 3) uma revisão das <strong>de</strong>núncias efetuadas<br />
pelos particulares na <strong>de</strong>legacia para medir: a) os tipos mais freqüentes <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>litos, b) a recorrência das <strong>de</strong>núncias, c) os lugares <strong>de</strong> maior auge <strong>de</strong>litivo<br />
e d) os níveis <strong>de</strong> confiabilida<strong>de</strong> das pessoas com relação à polícia. Os<br />
resultados produzem oito <strong>de</strong>núncias por mês e somente duas haviam sido<br />
solucionadas mediante atos conciliatórios. O resto das <strong>de</strong>núncias não refletia
Luis Alberto Pacheco<br />
nenhuma medida tomada. A informação fornecida pelas pessoas, na pesquisa,<br />
refletia uma cifra <strong>de</strong> aproximadamente 80% <strong>de</strong> vitimização. Era evi<strong>de</strong>nte<br />
que as pessoas não confiavam na polícia e portanto não <strong>de</strong>nunciava.<br />
Os propósitos em ambos os casos foram:<br />
1. alcançar a diminuição <strong>de</strong> pelo menos 30% dos <strong>de</strong>litos<br />
cometidos na área policial entre os quais po<strong>de</strong>mos<br />
mencionar: a organização <strong>de</strong> facções armadas, a venda<br />
e distribuição <strong>de</strong> drogas, especialmente nos grupos<br />
educativos, o seqüestro <strong>de</strong> veículos e o roubo <strong>de</strong><br />
estabelecimentos comerciais;<br />
2. aumentar a confiança da população na polícia para<br />
diminuir o nível <strong>de</strong> vitimização;<br />
3. promover os valores institucionais da polícia como<br />
a honestida<strong>de</strong>, a responsabilida<strong>de</strong>, o respeito pelos<br />
direitos humanos.<br />
As estratégias implementadas em ambos os casos se concentraram<br />
nas exigências da comunida<strong>de</strong> em matéria <strong>de</strong> segurança pública. Algumas<br />
estratégias estiveram orientadas para a polícia para melhorar a eficiência<br />
no serviço e outras para a comunida<strong>de</strong>, para garantir segurança e aumentar<br />
os níveis <strong>de</strong> confiança.<br />
As estratégias internas em ambos os casos foram as seguintes:<br />
- reconstruir a memória institucional da polícia para<br />
resgatar o espírito corporativo;<br />
- reconhecer os méritos dos funcionários e funcionárias<br />
segundo as boas práticas policiais no mês;<br />
- <strong>de</strong>senhar um plano educativo para melhorar as práticas<br />
policiais e o tratamento com o público, levando em<br />
consi<strong>de</strong>ração os princípios <strong>de</strong> atuação policial e o<br />
código <strong>de</strong> conduta para funcionários encarregados <strong>de</strong><br />
cumprir e fazer cumprir a lei;<br />
- organização da seção <strong>de</strong> operações e criação <strong>de</strong><br />
estatísticas para o planejamento <strong>de</strong> dispositivos <strong>de</strong><br />
segurança.<br />
321
322<br />
Aplicação <strong>de</strong> estratégias similares <strong>de</strong> Segurança em<br />
duas áreas com diferentes resultados<br />
As estratégias externas em ambos os casos foram as seguintes:<br />
- setorização da região para o patrulhamento contínuo;<br />
- coor<strong>de</strong>nar conjuntamente com os lí<strong>de</strong>res da<br />
comunida<strong>de</strong>, um plano <strong>de</strong> ação para o patrulhamento<br />
segundo as necessida<strong>de</strong>s indicadas por estes;<br />
- criação do patrulhamento motorizado na área<br />
comercial com mecanismos <strong>de</strong> supervisão, on<strong>de</strong> os<br />
comerciantes participam;<br />
- fazer um censo das motocicletas que circulavam na<br />
área policial;<br />
- a criação da brigada ciclística para patrulhar os<br />
caminhos estreitos;<br />
- a criação da brigada juvenil integrada por crianças e<br />
adolescentes da região policial, com o fim <strong>de</strong> orientálos<br />
no exercício da cidadania;<br />
- reuniões periódicas com os mais diversos setores da<br />
vida local e com os Conselhos Comunitários para<br />
<strong>de</strong>tectar as necessida<strong>de</strong>s sobre segurança pública e<br />
<strong>de</strong>senhar as estratégias conjuntamente;<br />
- a organização <strong>de</strong> eventos esportivos e culturais com<br />
os jovens <strong>de</strong> diferentes escolas da região educativa para<br />
diminuir os níveis <strong>de</strong> violência juvenil; maratonas,<br />
futebol, concursos <strong>de</strong> cartazes, exposições com temas<br />
históricos, <strong>de</strong>sfiles;<br />
- <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> operações conjuntas com outras<br />
instituições do Estado e do sistema <strong>de</strong> administração<br />
<strong>de</strong> justiça para a supervisão <strong>de</strong> centros <strong>de</strong> reparação<br />
mecânica, estacionamentos, lojas <strong>de</strong> bebidas e espaços<br />
para o ócio;<br />
- oficinas <strong>de</strong> formação cidadã, luta contra as drogas,<br />
violência familiar, direitos humanos;<br />
- visitas às comunida<strong>de</strong>s para conhecer os problemas<br />
mais freqüentes referentes à violência familiar;<br />
- ações cívicas em centros hospitalares e instituições
As metas alcançadas:<br />
para crianças especiais;<br />
- limpeza do mato nos lugares públicos;<br />
- no caso <strong>de</strong> Tejerías, foi implementada uma estratégia<br />
adicional referida à criação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação<br />
via telefônica, direta e confi<strong>de</strong>ncial, para a formulação<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias.<br />
No caso <strong>de</strong> La Morita conseguimos:<br />
1. diminuir o índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüência em até 30% em<br />
comparação com o ano anterior, em especial a violência<br />
familiar;<br />
2. houve um aumento <strong>de</strong> até 75% das <strong>de</strong>núncias,<br />
realizadas perante a polícia por diferentes motivos. De<br />
fato, como aumentou a confiança das pessoas na polícia,<br />
conseguimos <strong>de</strong>scobrir uma mulher jovem que<br />
permaneceu amarrada a uma cama por mais <strong>de</strong> 15 anos<br />
contra a sua vonta<strong>de</strong>;<br />
3. a comercialização ilegal <strong>de</strong> armas foi minimizada, já<br />
que graças às <strong>de</strong>núncias se conseguiu <strong>de</strong>smantelar um<br />
grupo <strong>de</strong> fabricantes <strong>de</strong> carregadores para FAL;<br />
4. as <strong>de</strong>núncias por violações dos direitos humanos<br />
foram minimizadas a “zero”, <strong>de</strong> acordo com a<br />
informação do escritório da Defensoria Pública;<br />
5. conseguiu-se estabelecer contato direto com os<br />
estudantes dos níveis <strong>de</strong> educação básica e secundária;<br />
6. em la Morita, conseguiu-se a assistência massiva <strong>de</strong><br />
cidadãos às reuniões para o planejamento da segurança<br />
pública.<br />
No caso <strong>de</strong> Tejerías logramos:<br />
Luis Alberto Pacheco<br />
1. em comparação ao ano anterior, o índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
diminuiu somente 5%, especificamente nos casos <strong>de</strong><br />
323
324<br />
Aplicação <strong>de</strong> estratégias similares <strong>de</strong> Segurança em<br />
duas áreas com diferentes resultados<br />
furtos e roubos a estabelecimentos comerciais;<br />
2. foi possível instalar a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação com a<br />
participação <strong>de</strong> somente 35 pessoas;<br />
3. semelhantemente ao ano anterior, só foram<br />
apreendidas oito armas <strong>de</strong> fogo.<br />
Por que em situações similares, implementando estratégias<br />
equivalentes, os resultados são diferentes?<br />
Pensei em vários assuntos:<br />
1. talvez, a participação das pessoas seja um assunto<br />
chave para garantir a segurança pública. Em uma região<br />
policial as pessoas participaram mais que na outra.;<br />
2. talvez a ingerência dos partidos políticos e dos<br />
governantes da vez também influa. Se o governante se<br />
<strong>de</strong>ixa assessorar e não se imiscui diretamente nos níveis<br />
<strong>de</strong> comando (como costumava ocorrer em La Morita)<br />
é mais fácil alcançar o objetivo da segurança. O<br />
exemplo mais claro é que <strong>de</strong>tínhamos pessoas com<br />
objetos provenientes do <strong>de</strong>lito e com poucos minutos<br />
recebíamos chamadas telefônicas <strong>de</strong> pessoas influentes,<br />
em sua maioria do meio político, solicitando a liberda<strong>de</strong><br />
imediata;<br />
3. talvez a disposição geográfica <strong>de</strong> Tejería não<br />
favorecesse a efetivida<strong>de</strong> do patrulhamento policial por<br />
ser uma área montanhosa, on<strong>de</strong> as casas estavam<br />
localizadas em áreas muito estreitas, vias que, em sua<br />
maioria, impediam a passagem dos veículos para realizar<br />
o trabalho;<br />
4. talvez não po<strong>de</strong>r superar os vícios do passado<br />
perpetrados pela polícia impediu que em Tejerías os<br />
comerciantes não <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> exigir que a polícia se<br />
<strong>de</strong>dicasse exclusivamente à proteção dos negócios;<br />
5. talvez o trabalho preventivo com os jovens (eventos<br />
esportivos, oficinas <strong>de</strong> formação, encontros entre
Luis Alberto Pacheco<br />
escolas com mais <strong>de</strong> 90% da população estudantil da<br />
região) facilitou que em La Morita diminuísse o índice<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>litos no entorno dos colégios;<br />
6. talvez a relação com os estudantes lograda em La<br />
Morita e não em Tejerías tenha facilitado uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
informação a respeito dos problemas juvenis que<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> processada se convertia em novos<br />
procedimentos policiais;<br />
7. talvez a resistência das pessoas com o novo Código<br />
Orgânico Processual Penal também teria influenciado.<br />
Antes a pessoa era mantida <strong>de</strong>tida até <strong>de</strong>monstrar a<br />
sua inocência e agora não é possível fazê-lo e, além<br />
disso, foram incorporados princípios <strong>de</strong> direitos<br />
humanos na atuação policial;<br />
8. talvez seja a falta <strong>de</strong> legislação especial para a sanção<br />
<strong>de</strong> faltas menores.<br />
Vocês dirão: por que, em contextos semelhantes, aplicando<br />
estratégias comuns, os resultados foram diferentes?<br />
325
Relato Policial<br />
A COMISARÍA DE CRUZ BLANCA: UMA<br />
EXPERIÊNCIA DE GESTÃO POLICIAL<br />
Julio Diaz Zulueta *<br />
A província <strong>de</strong> Cruz Blanca está localizada 150 km ao Norte <strong>de</strong><br />
Lima. É composta dos distritos Santa María e Hualmay Província <strong>de</strong><br />
Huaura, aproximadamente com uma população <strong>de</strong> 40 mil moradores por<br />
distrito. Quem subscreve foi incorporado na comisaría <strong>de</strong> Cruz Blanca<br />
no dia 07 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
ANOS 2002-2003<br />
I. Primeira parte<br />
A. Que qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço prestava-se ao cidadão<br />
A situação era muito difícil. A população não aceitava a <strong>Polícia</strong>. O<br />
primeiro a ser feito foi um DIAGNÓSTICO do problema. Encontrou-se<br />
o seguinte:<br />
· mals-tratos ao público <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a porta <strong>de</strong> entrada;<br />
· <strong>de</strong>mora na entrega <strong>de</strong> cópias autenticadas do<br />
en<strong>de</strong>reço, sobrevivência e outros;<br />
· não havia resposta imediata aos chamados <strong>de</strong> auxílio<br />
da população;<br />
· diante <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> qualquer ilícito, insinuavase<br />
que não havia gasolina, papel e outros;<br />
· não eram aceitas <strong>de</strong>núncias fora do horário <strong>de</strong><br />
expediente;<br />
· além disso, no dia 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2001, o cidadão<br />
Jenard Lee Rivera morreu na cela da Comisaría.<br />
Centenas <strong>de</strong> moradores ro<strong>de</strong>aram e jogaram pedras<br />
na <strong>de</strong>pendência policial. Quase chegaram a <strong>de</strong>struí-la.<br />
Esse foi o pior momento, que antece<strong>de</strong>u ao início da<br />
gestão;<br />
* Major da <strong>Polícia</strong> Nacional do Peru - PNP. Participante do VI Mestrado em Administração da<br />
Escola Superior <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> - Esupol<br />
326<br />
PERU
B. Diagnóstico criminal<br />
Julio Diaz Zulueta<br />
· concluiu-se que o serviço prestado na mencionada<br />
comisaría era <strong>de</strong> má qualida<strong>de</strong> e que a população não queria<br />
<strong>de</strong>nunciar porque não obtinha nenhum resultado positivo.<br />
· havia gangues <strong>de</strong> jovens que causavam, diariamente,<br />
danos materiais à proprieda<strong>de</strong> pública e privada nos<br />
distritos <strong>de</strong> Hualmay e Santa Maria, da província <strong>de</strong><br />
Huacho;<br />
· cometiam-se arrombamentos da proprieda<strong>de</strong> pública<br />
e privada utilizando diversas armas <strong>de</strong> fogo, o que era<br />
feito em bandos;<br />
· as pessoas eram assaltadas na saída <strong>de</strong> suas residências<br />
ou na via pública. Eram bandos conhecidos na jurisdição;<br />
· drogas eram comercializadas no varejo em diversos<br />
setores.<br />
C. Infra-estrutura, logística e pessoal da Comisaría <strong>de</strong> Cruz Blanca<br />
· como conseqüência da morte do cidadão Jenard Lee<br />
Rivera, milhares <strong>de</strong> moradores provocaram danos<br />
materiais à Comisaría <strong>de</strong> Cruz Blanca, quebrando 25<br />
luminárias e ocasionando <strong>de</strong>struições no interior;<br />
· havia máquinas <strong>de</strong> escrever em mal estado e um<br />
computador avariado. Inclusive algumas máquinas <strong>de</strong><br />
escrever eram <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> dos policiais;<br />
· havia algumas portas <strong>de</strong>struídas, especialmente<br />
aquela que conduzia aos banheiros do dormitório do<br />
pessoal <strong>de</strong> praças, sendo que dois <strong>de</strong>les estavam<br />
doentes com sinusite;<br />
· quanto aos meios <strong>de</strong> transporte, havia duas viaturas e<br />
duas motos em estado regular;<br />
· o pessoal policial <strong>de</strong>signado era apenas <strong>de</strong> 23<br />
efetivos. Não havia pessoal suficiente para efetuar o<br />
serviço <strong>de</strong> rua.<br />
327
328<br />
A Comisaría <strong>de</strong> Cruz Blanca: uma Experiência <strong>de</strong> Gestão Policial<br />
D. Organização da população<br />
A população não havia sido organizada, embora existissem, em<br />
outros distritos, os programas <strong>de</strong> “Juntas <strong>de</strong> Vizinhos”, “Vizinho Vigilante”<br />
e “Policiamento Juvenil”.<br />
Solução ao ponto “A”<br />
MUDANÇAS PARA RECAPTURAR A CONFIANÇA DA<br />
POPULAÇÃO<br />
MUDANÇA DE ATITUDE DO POLICIAL E SERVIÇO DE<br />
QUALIDADE AO CIDADÃO.<br />
· BOM ATENDIMENTO AO MORADOR DESDE O<br />
INGRESSO NA COMISARÍA. Ofereceram-se palestras<br />
permanentes todos os dias, meia hora antes da or<strong>de</strong>m unida,<br />
a fim <strong>de</strong> sensibilizar o pessoal, motivá-lo e capacitá-lo.<br />
· ENTREGA IMEDIATA E DOMICÍLIO DE CÓPIAS<br />
AUTENTICADAS (MUDANÇAS INTERNAS DE PESSOAL).<br />
Foi aproveitado, por exemplo, o policiamento em viaturas<br />
para entregar esses documentos, especialmente para os<br />
aposentados.<br />
· RESPOSTA OPORTUNA AO CHAMADO DE AUXÍLIO<br />
DA POPULAÇÃO. Toda chamada <strong>de</strong> auxílio da população<br />
tinha resposta imediata e eficaz.<br />
· CUMPRIU-SE COM A OBRIGAÇÃO DE QUE TODO<br />
TRÂMITE FOSSE GRATUITO. A honestida<strong>de</strong> era cbrada com<br />
o exemplo dado pelo comisário, administrando bem os<br />
poucos recursos. Mesmo os policiais em geral e a população<br />
participavam como fiscalizadores.<br />
· ATENDIMENTO DURANTE AS 24 HORAS. Como sempre<br />
<strong>de</strong>veria ter sido.<br />
Solução ao ponto “B”<br />
· Trabalhou-se profissionalmente, apreen<strong>de</strong>ndo os criminosos<br />
mais perigosos da área com ajuda e informação da população.
· As gangues foram reduzidas a zero, ao conseguir organizar<br />
a população on<strong>de</strong> estavam envolvidos os pais e vizinhos do<br />
mesmo, recebendo palestras e mais controle sobre os filhos.<br />
· Foram colocadas guaritas e viaturas diante dos pontos <strong>de</strong><br />
droga e a população foi organizada e capacitada no programa<br />
“Vizinho Vigilante”; com estas ações não se permitia a<br />
expansão do varejo <strong>de</strong> drogas.<br />
Solução ao ponto “C”<br />
INFRA-ESTRUTURA<br />
Os governos locais, empresários e a população em geral<br />
colaboraram para obter a infra-estrutura geral da comisaría <strong>de</strong> Cruz Blanca,<br />
por um total <strong>de</strong> s/ 180 mil, cento oitenta mil soles 1 ($ 60 mil sessenta mil<br />
dólares). Isso aconteceu ao ser comprovada a verda<strong>de</strong>ira mudança <strong>de</strong><br />
atitu<strong>de</strong> e profissionalismo que <strong>de</strong>monstraram os policiais nos anos 2002 e<br />
2003.<br />
LOGÍSTICA<br />
· No dia 26 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2002, por conta da mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> e<br />
profissionalismo dos efetivos policiais, foi <strong>de</strong>signada uma outra viatura e<br />
duas motos Honda 700cc.; foi implementada tecnologia <strong>de</strong> ponta com<br />
quatro computadores Pentium IV e outros artefatos.<br />
· Foi adquirida uma central <strong>de</strong> rádio, a fim <strong>de</strong> estar interconectada<br />
com a população que adquiriu walkies talkies. A comunicação se tornou<br />
mais fluida entre população e polícia.<br />
PESSOAL<br />
Foram <strong>de</strong>signados mais oito efetivos, totalizando 31.<br />
Solução ao ponto “D”<br />
Julio Diaz Zulueta<br />
· O comisário, uma vez que mudou atitu<strong>de</strong> do pessoal policial,<br />
o que <strong>de</strong>morou três semanas, começou a visitar bairro a<br />
bairro, caminhou casa a casa, conversando com os vizinhos<br />
e lhes pedindo colaboração na nova gestão policial.<br />
329
330<br />
A Comisaría <strong>de</strong> Cruz Blanca: uma Experiência <strong>de</strong> Gestão Policial<br />
· A população, ao se convencer da verda<strong>de</strong>ira mudança da<br />
polícia <strong>de</strong> sua jurisdição, não duvidou em aceitar a<br />
capacitação e composição dos Programas <strong>de</strong> “Juntas <strong>de</strong><br />
Vizinhos” e “Vizinho Vigilante” e em apoiar a polícia na<br />
prevenção, informação e apoio social. No total, foram<br />
formadas 748 Juntas <strong>de</strong> Vizinhos nos anos 2002 e 2003,<br />
uma das mais numerosas e reais do Peru, que perduram<br />
até hoje.<br />
II. Segunda parte<br />
A. Criação e imaginação<br />
· O “VIZINHO VIGILANTE” CONTROLA SUAS<br />
VIATURAS DURANTE AS RONDAS NOTURNAS<br />
(CADERNO DE CONTROLE). Esta atitu<strong>de</strong> outorgou muita<br />
confiança à população para participar na prevenção e ajudar<br />
à polícia, vigiando e informando sobre fatos criminosos <strong>de</strong><br />
sua jurisdição e fiscalizando e/ou controlando as viaturas.<br />
· O TELEFONE DO COMISARIO FICA DISPONÍVEL<br />
PARA A POPULAÇÃO TODA. As pessoas não acreditavam<br />
que o Comisario lhes <strong>de</strong>sse o número do seu telefone<br />
pessoal e, ainda mais, que aten<strong>de</strong>sse a qualquer hora e que<br />
suas chamadas fossem resolvidas com prontidão e<br />
eficiência. Isto <strong>de</strong>u muita mais confiança e estes tornaramse<br />
os melhores aliados da polícia.<br />
· VIATURAS QUE CONDUZEM PACIENTES AO<br />
HOSPITAL. É suficiente ligar para a Comisaría pedindo<br />
auxílio sobre algum aci<strong>de</strong>nte ou doente grave. A viatura<br />
dirigia-se ao local e conduzia o paciente ao hospital mais<br />
próximo. Estávamos unidos, o passado não estava nem na<br />
lembrança.<br />
· CÓPIAS AUTENTICADAS ENTREGUES A DOMICÍLIO.<br />
Não era difícil levar os atestados <strong>de</strong> en<strong>de</strong>reço ao domicílio<br />
dos aposentados e, para aqueles que iam à comisaría, lhe<br />
era entregue na hora.
B. Aliados da Comisaría<br />
· Prefeitos<br />
· Empresários<br />
· O clero<br />
· A população em geral<br />
C. Êxitos mais relevantes<br />
Essas medidas restabeleceram a confiança e cimentaram o contato<br />
com a população. A partir disso, a gestão acumulou vários êxitos. Entre eles:<br />
· apreensão <strong>de</strong> bandos <strong>de</strong> assaltantes, recuperação <strong>de</strong><br />
armamentos e <strong>de</strong> dinheiro (30 mil novos soles), conseguidas<br />
graças a chamadas telefônicas dos vizinhos;<br />
· criação <strong>de</strong> 748 Juntas <strong>de</strong> Vizinhos;<br />
· redução a 95% <strong>de</strong> faltas e crimes;<br />
· controle por parte da população do trabalho diário da <strong>Polícia</strong>;<br />
· rondas mistas <strong>de</strong> cidadãos e policiais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as 18h até as<br />
2h, incluindo os feriados;<br />
· transparência total na administração <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong>signados<br />
à Comisaría;<br />
· constante fortalecimento das Juntas <strong>de</strong> Vizinho;<br />
· os prefeitos distritais <strong>de</strong> Santa María e Hualmay se integraram<br />
ao comitê cívico;<br />
· conseguiu-se a entrega <strong>de</strong> casacos impermeáveis, lanternas,<br />
apitos, alarmas elétricas e outros, por parte dos prefeitos;<br />
· orçamento participativo:<br />
Santa Maria s/. 60.000.<br />
Hualmay s/. 40.000.<br />
Julio Diaz Zulueta<br />
331
332<br />
A Comisaría <strong>de</strong> Cruz Blanca: uma Experiência <strong>de</strong> Gestão Policial<br />
· doação <strong>de</strong> terreno para juntas <strong>de</strong> vizinhos:<br />
Santa Maria 500 m 2<br />
Hualmay 700 m 2<br />
· entrega <strong>de</strong> 16 módulos rolantes para jovens em risco, doados<br />
pela Igreja Luterana da Suécia;<br />
· 300 fontes <strong>de</strong> emprego.<br />
CONCLUSÕES<br />
O conjunto <strong>de</strong> esforços significou que a comisaría <strong>de</strong> Cruz Blanca,<br />
em Huacho, fosse premiada como a melhor comisaría do ano. A lição<br />
fundamental <strong>de</strong> sua experiência foi compreen<strong>de</strong>r a importância do labor<br />
do Comissário como li<strong>de</strong>rança local da polícia. O Comissário <strong>de</strong>ve obter,<br />
cultivar e manter o apóio ativo da cidadania. Para que isso aconteça, a<br />
polícia <strong>de</strong>ve ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança e converter o conceito <strong>de</strong> polícia<br />
comunitária na ferramenta e no meio <strong>de</strong> conseguir uma eficaz estratégia<br />
<strong>de</strong> segurança cidadã.<br />
Nota<br />
1 O sol é a moeda nacional do Peru. (N.T.)
Relato Policial<br />
A APLICAÇÃO DE PLANO DE PREVENÇÃO DE<br />
DELITOS EM TRÊS MUNICÍPIOS GUATEMALTECOS<br />
Edwin Chipix *<br />
IDENTIFICAÇÃO GERAL<br />
O plano ficou a cargo da Divisão Multicultural da Subdireção Geral<br />
<strong>de</strong> Prevenção do Delito da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> Guatemala, e foi<br />
executado simultaneamente em três municípios localizados em diferentes<br />
regiões <strong>de</strong> Guatemala: San Juan Olintepeque, Quetzaltenango, Santa Cruz<br />
Verapaz, Alta Verapaz e San Gaspar Chajul, Quiche, durante o ano <strong>de</strong><br />
2006, com participação <strong>de</strong> atores fe<strong>de</strong>rais, estaduais, municipais e locais,<br />
tanto do setor governamental quanto do não governamental.<br />
Os municípios abordados foram escolhidos após um diagnóstico<br />
baseado em critérios tais como: índice <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> e violência,<br />
vonta<strong>de</strong> dos governos locais para apoiar os processos, nível <strong>de</strong><br />
organização cidadã. As fontes <strong>de</strong> informação, metodologias e estratégias<br />
utilizadas para o diagnóstico foram diversas com o fim <strong>de</strong> ter um foco<br />
multidisciplinar e multisetorial.<br />
JUSTIFICATIVA<br />
A criminalida<strong>de</strong> e a violência que afetam atualmente a socieda<strong>de</strong> na<br />
Guatemala criaram em sua população uma grave percepção <strong>de</strong> insegurança,<br />
promovida pelo aumento dos atos violentos que afetam o mais sagrado<br />
dos direitos da pessoa humana, o direito à vida. Nos registros da <strong>Polícia</strong><br />
Nacional <strong>Civil</strong>, os homicídios, a partir do início do atual século,<br />
apresentaram uma flutuação ascen<strong>de</strong>nte, em 2000 o registro <strong>de</strong> mortes<br />
causadas por armas brancas e <strong>de</strong> fogo era <strong>de</strong> 2664, enquanto que em<br />
2005 o registro aumentou para 10.578.<br />
GUATEMALA<br />
Embora seja certo que a maioria dos atos violentos são registrados<br />
no perímetro da metrópole, talvez pelas dificulda<strong>de</strong>s socioeconômicas, em<br />
nível nacional cada vez mais estados são atingidos pelo surgimento <strong>de</strong> grupos<br />
juvenis que se <strong>de</strong>dicam a cometer assaltos, extorsões e tráfico <strong>de</strong> drogas.<br />
* Subcomissário da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>.<br />
333
334<br />
A aplicação <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Prevenção <strong>de</strong> Delitos<br />
em três municípios guatemaltecos<br />
Diante <strong>de</strong>ste fenômeno, diversos setores da socieda<strong>de</strong>, em geral,<br />
<strong>de</strong>mandam das forças públicas <strong>de</strong> segurança ações imediatas para<br />
combater o clima <strong>de</strong> insegurança e vulnerabilida<strong>de</strong>, que afeta o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento econômico, social e político das diversas comunida<strong>de</strong>s.<br />
OBJETIVOS<br />
O objetivo geral do plano era formular, <strong>de</strong>senvolver e promover<br />
políticas e ações institucionais preventivas e inclusivas dirigidas para a<br />
diminuição dos fatores que propiciam o <strong>de</strong>lito, sobre a base do<br />
conhecimento, reconhecimento e respeito ao caráter plural da socieda<strong>de</strong><br />
na Guatemala. Para isso <strong>de</strong>finimos três objetivos específicos: 1) Fortalecer<br />
funcional e profissionalmente o pessoal policial <strong>de</strong>stinado às subestações<br />
policiais localizadas nos municípios abordados, 2) Facilitar o diálogo,<br />
aproximação e confiança entre os diferentes atores locais, entre eles a<br />
própria <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>, para a ação conjunta em favor da prevenção<br />
do <strong>de</strong>lito como parte <strong>de</strong> sua segurança cidadã e 3) Desenvolver ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> sensibilização e orientação para promover a participação e organização<br />
comunitária.<br />
Em outras palavras, o que pretendíamos como <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>,<br />
<strong>de</strong> acordo a nossas capacida<strong>de</strong>s humanas e logísticas, era aten<strong>de</strong>r as<br />
<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> segurança dos moradores dos municípios escolhidos, mas<br />
sob um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> segurança, a segurança pública cidadã.<br />
Neste caso, se enten<strong>de</strong> como segurança pública cidadã a<br />
participação ativa da cidadania na prevenção do <strong>de</strong>lito, a partir do respeito<br />
<strong>de</strong> sua cultura, seu território, seus costumes, com planos não impostos,<br />
mas <strong>de</strong>senhados pela própria comunida<strong>de</strong>.<br />
EXECUÇÃO<br />
Uma vez escolhidos os municípios, teve início a socialização do<br />
plano entre os atores estratégicos locais, entre eles: o prefeito municipal,<br />
o chefe da subestação policial, representantes <strong>de</strong> organizações não<br />
governamentais e lí<strong>de</strong>res comunitários, com o fim <strong>de</strong> chegar a um acordo<br />
<strong>de</strong> entendimento e vonta<strong>de</strong> entre os atores para apoiar e participar<br />
ativamente do <strong>de</strong>senvolvimento do plano. Entre os compromissos
Edwin Chipix<br />
assumidos pelos atores institucionais estratégicos estava o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações e estratégias tanto em nível interno como<br />
externo.<br />
Manifestado o interesse dos atores, aten<strong>de</strong>ndo às especificida<strong>de</strong>s<br />
sócio-culturais <strong>de</strong> cada região, foi acordada uma data para a inauguração<br />
pública do plano em nível municipal, a qual foi realizada conforme o<br />
programado.<br />
Embora houvesse presença <strong>de</strong> diversos atores, sua participação e<br />
envolvimento não eram equilibrados, alguns esperavam que os <strong>de</strong>mais<br />
começassem a trabalhar para só <strong>de</strong>pois se envolver, do contrário preferiam<br />
esperar, então as ativida<strong>de</strong>s começaram a sobrecarregar a divisão policial<br />
a cargo.<br />
Houve acordos condicionantes, um <strong>de</strong>les, adquirido por parte da<br />
<strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>, era a troca e aumento do pessoal policial no município,<br />
o que, embora tenha sido prometido pelo chefe policial regional, não foi<br />
cumprido por questões burocráticas, que na realida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ramos, se<br />
<strong>de</strong>ve à falta <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> política e <strong>de</strong>svalorização da participação cidadã na<br />
prevenção do <strong>de</strong>lito.<br />
Pelo lado do prefeito municipal estava a promessa <strong>de</strong> melhorar as<br />
instalações da subestação policial e facilitar os recursos logísticos<br />
necessários para o <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> capacitação,<br />
sensibilização e orientação que, sobre a participação e organização cidadã<br />
em favor da prevenção do <strong>de</strong>lito, se <strong>de</strong>senvolveriam com os diferentes<br />
atores e setores da jurisdição municipal.<br />
Por seu lado, os atores não governamentais incluíram <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
seus programas processos <strong>de</strong> diálogo, capacitação, sensibilização e<br />
orientação sobre temas dirigidos à prevenção do <strong>de</strong>lito.<br />
No <strong>de</strong>correr do tempo, o plano ia dando resultados, embora não<br />
<strong>de</strong> acordo aos objetivos programados, o pessoal policial, embora não<br />
contasse com pessoal suficiente, estava sendo capacitado para oferecer<br />
um serviço mais profissional e social, os professores, alunos e lí<strong>de</strong>res<br />
comunitários receberam sensibilização e orientação para a participação e<br />
organização comunitária, até finalizar o período <strong>de</strong> execução.<br />
335
336<br />
A aplicação <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Prevenção <strong>de</strong> Delitos<br />
em três municípios guatemaltecos<br />
RESULTADOS OBTIDOS<br />
Com a implementação do plano o nível <strong>de</strong> confiança entre a polícia<br />
e a comunida<strong>de</strong> melhorou consi<strong>de</strong>ravelmente, as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> atos <strong>de</strong>litivos<br />
aumentaram e os casos <strong>de</strong> violência e criminalida<strong>de</strong> diminuíram levemente.<br />
Em geral, os objetivos não foram alcançados conforme o planificado,<br />
mas não por isso <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um sucesso para a equipe <strong>de</strong> trabalho que<br />
ficou a cargo do plano.<br />
LIÇÕES APRENDIDAS<br />
O entendimento <strong>de</strong> que a diminuição dos níveis <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> e<br />
violência que atualmente afetam as socieda<strong>de</strong>s latino-americanas somente<br />
po<strong>de</strong> ser resultado do esforço conjunto entre as instituições <strong>de</strong> polícia e<br />
as comunida<strong>de</strong>s, mas para isso é indispensável que as instituições que têm<br />
a seu cargo o uso legítimo da força pública adotem sistemas <strong>de</strong> segurança<br />
mais inclusivos e comunicativos, superando toda atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> autoritarismo<br />
e repressão, próprias das épocas sociais históricas <strong>de</strong> controle social<br />
exclusivo.<br />
A execução do plano também permitiu à equipe <strong>de</strong> trabalho<br />
compreen<strong>de</strong>r as complexida<strong>de</strong>s, obstáculos e <strong>de</strong>safios para a<br />
implementação <strong>de</strong> programas dirigidos ao fortalecimento da segurança<br />
pública cidadã, entre elas as que a seguir são brevemente <strong>de</strong>scritas:<br />
· é necessário unificar critérios entre os atores<br />
estratégicos sobre os alcances conceptuais da<br />
segurança pública cidadã e da prevenção do <strong>de</strong>lito;<br />
· os planos e estratégias <strong>de</strong>vem ser elaborados pelos<br />
atores locais, segundo suas necessida<strong>de</strong>s e<br />
características sócio-culturais;<br />
· um plano, mesmo que municipal, <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ter<br />
compromissos em nível estadual, regional e fe<strong>de</strong>ral;<br />
· as instituições, especialmente as <strong>de</strong> serviço publico,<br />
<strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer políticas públicas claras para que a
participação <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>legados seja institucional e<br />
pouco individualizada;<br />
· o <strong>de</strong>sconhecimento sobre segurança pública cidadã e<br />
a <strong>de</strong>svalorização das ações para a prevenção do <strong>de</strong>lito,<br />
em nível <strong>de</strong> comandos superiores, fragilizam a<br />
legitimida<strong>de</strong> e o reconhecimento social da polícia;<br />
· existem espaços legais para a participação cidadã;<br />
· os problemas <strong>de</strong> insegurança são multicausais, por<br />
isso <strong>de</strong>vem ser abordados <strong>de</strong> forma multidisciplinar.<br />
Edwin Chipix<br />
337
338<br />
Relato Policial<br />
CHEFIA E LIDERANÇA POLICIAL: O CASO DA<br />
PROVÍNCIA CONSTITUCIONAL DE CALLAO-LIMA<br />
Eduardo Guillermo Arteta Izarnótegui *<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Antes do ano <strong>de</strong> 2003, perpetuava-se na chefia <strong>de</strong> Segurança<br />
Cidadã da <strong>Polícia</strong> Nacional do Callao uma visão da função policial<br />
condicionada aos recursos existentes, que se distanciava das<br />
inovações e dos enfoques estratégicos. Muitos chefes <strong>de</strong> polícia<br />
consi<strong>de</strong>ravam que suas gestões no âmbito policial da província do<br />
Callao teriam sido frutíferas, apesar da ausência <strong>de</strong> propostas novas<br />
sobre segurança cidadã.<br />
O que preten<strong>de</strong>mos explicar, é que a experiência nos<br />
<strong>de</strong>monstrou que, graças à globalização, mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e tecnologia,<br />
ou seja, à aplicação do marketing da <strong>Polícia</strong> Nacional do Peru (PNP)<br />
no Callao, foram alcançadas mudanças significativas, como veremos<br />
mais adiante. Nesse sentido, enten<strong>de</strong>mos o marketing da PNP como<br />
as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> criação e promoção <strong>de</strong> serviços ao cidadão, graças<br />
aos quais se pô<strong>de</strong> estabelecer uma melhor visão sobre a cidadania e,<br />
<strong>de</strong>ssa forma, satisfazer seus <strong>de</strong>sejos e necessida<strong>de</strong>s da melhor<br />
maneira.<br />
Nosso único intento é transmitir as experiências <strong>de</strong> nosso<br />
Comando, assinalando a interessante implementação, durante o<br />
período 2003–2004, do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão da Chefia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> do<br />
Callao, quando foi posto em prática o “Conceito Global Marketing<br />
<strong>de</strong> Relações”, cujos resultados se refletem em haver conseguido<br />
estabelecer relações <strong>de</strong> longo prazo com o Governo Regional do<br />
Callao e com as Municipalida<strong>de</strong>s, os quais impulsionaram um agressivo<br />
plano estratégico <strong>de</strong> luta contra a <strong>de</strong>linqüência, com resultados <strong>de</strong><br />
melhoria da imagem institucional, os quais serão apresentados no<br />
<strong>de</strong>correr do presente trabalho.<br />
* Coronel da <strong>Polícia</strong> Nacional do Peru - PNP, mestre em Administração, diretor da Central <strong>de</strong><br />
Operações <strong>Policiais</strong> da Direção Geral.<br />
PERU
2 DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA DE INSEGURANÇA CIDADÃ NA<br />
PROVÍNCIA CONSTITUCIONAL DO CALLAO<br />
2.1 Antece<strong>de</strong>ntes<br />
Eduardo Guillermo Arteta Izarnótegui<br />
O problema da Segurança Cidadã é um tema <strong>de</strong> interesse nacional,<br />
portanto, <strong>de</strong> natureza regional e local. É, <strong>de</strong>sta forma, preocupação do<br />
Governo Central, dos Governos Regionais e dos Governos Locais. Todos<br />
esses atores <strong>de</strong>veriam fazer parte <strong>de</strong> um sistema nacional <strong>de</strong> segurança<br />
cidadã que permitisse oferecer um nível a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> segurança e amparo<br />
à população.<br />
A segurança cidadã, especialmente nas principais cida<strong>de</strong>s do país,<br />
se transformou no aspecto <strong>de</strong> principal preocupação da cidadania. A<br />
percepção <strong>de</strong> insegurança não só se relaciona com o aumento da violência<br />
e da <strong>de</strong>linqüência, mas tem a ver com a pouca confiança que tem o cidadão<br />
na capacida<strong>de</strong> das entida<strong>de</strong>s do Estado encarregadas <strong>de</strong> garantir sua<br />
segurança.<br />
Com o objetivo <strong>de</strong> enfrentar essa situação, as autorida<strong>de</strong>s nacionais<br />
iniciaram processos <strong>de</strong> consulta, dirigidos à reforma das instituições<br />
públicas encarregadas da segurança cidadã e ao planejamento <strong>de</strong> uma<br />
operação orientada ao apoio <strong>de</strong> iniciativas locais <strong>de</strong> prevenção. Nessa<br />
tarefa, inclui-se também a busca pelo fortalecimento da capacida<strong>de</strong><br />
institucional para a elaboração e implantação <strong>de</strong> políticas eficientes e eficazes<br />
<strong>de</strong> segurança cidadã, que tenham uma resultante voltada para a redução<br />
da violência e da criminalida<strong>de</strong> que vêm afetando o país.<br />
O tema da Segurança Cidadã é uma política <strong>de</strong> Estado, on<strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>staca expressamente a erradicação da violência e o fortalecimento<br />
do civismo e da segurança cidadã. A <strong>Polícia</strong> Nacional do Peru é parte<br />
fundamental na corrente do Estado para controlar e prevenir a violência e<br />
criminalida<strong>de</strong>. No entanto, nossa instituição tem uma série <strong>de</strong> limitações.<br />
Segundo a análise realizada pela Comissão Especial <strong>de</strong> Reestruturação<br />
da <strong>Polícia</strong> Nacional, entre essas limitações se encontram o ina<strong>de</strong>quado<br />
uso dos recursos, altos níveis <strong>de</strong> corrupção, mecanismos <strong>de</strong> prestação<br />
<strong>de</strong> contas pouco eficientes, falta <strong>de</strong> abertura com a comunida<strong>de</strong>, más<br />
relações com os Governos Regionais e uma marcada <strong>de</strong>sconfiança do<br />
cidadão em relação à polícia.<br />
339
340<br />
Chefia e Li<strong>de</strong>rança Policial: O caso da província constitucional <strong>de</strong> Callao-Lima<br />
No caso do Governo Regional do Callao, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> reiteradas<br />
reuniões <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação, por iniciativa da chefia <strong>de</strong> Segurança Cidadã do<br />
Callao, foi instaurado, no dia 13 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2004, o Conselho<br />
Regional <strong>de</strong> Segurança Cidadã da Província Constitucional do<br />
Callao, constituído pelas principais autorida<strong>de</strong>s da província.<br />
Nesse contexto, a Chefia <strong>de</strong> Segurança Cidadã da <strong>Polícia</strong> Nacional do<br />
Callao tem como primordial objetivo apoiar o <strong>de</strong>senvolvimento regional<br />
integral sustentável, colaborando na promoção dos investimentos públicos<br />
e privados, bem como na geração <strong>de</strong> empregos, além <strong>de</strong> garantir o exercício<br />
pleno dos direitos e da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus habitantes.<br />
2.2 Percepção da insegurança e ações<br />
Por tais consi<strong>de</strong>rações, e nos termos da lei N°. 27933, que regula<br />
o sistema nacional <strong>de</strong> segurança cidadã, foi programado um conjunto <strong>de</strong><br />
ações a favor da Instituição Policial, uma vez que a província do Callao<br />
tornara-se a quarta cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maior índice <strong>de</strong>litivo em nível nacional.<br />
Os níveis <strong>de</strong> violência na província vinham lesando o or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, a convivência pacífica e as liberda<strong>de</strong>s cidadãs, fazendo com que a<br />
vizinhança chalaca 1 , e especialmente a imprensa, com suas publicações<br />
jornalísticas, reclamassem às autorida<strong>de</strong>s, face à falta <strong>de</strong> segurança nas ruas.<br />
A socieda<strong>de</strong> civil e as organizações sociais, culturais e políticas<br />
exigiram das autorida<strong>de</strong>s uma ação contun<strong>de</strong>nte contra a <strong>de</strong>linqüência,<br />
ante a gravida<strong>de</strong> da insegurança cidadã motivada pela falta <strong>de</strong> emprego,<br />
pobreza extrema, aglomeração populacional, crises <strong>de</strong> valores, condutas<br />
obscenas, o <strong>de</strong>sapego do cidadão por temas <strong>de</strong> interesse comum e a<br />
corrupção, cenário esse no qual as manifestações mais nefastas são a<br />
<strong>de</strong>linqüência comum, o crime organizado e o clima <strong>de</strong> violência latente.<br />
Essa situação motivou o Comando da <strong>Polícia</strong> Nacional do Callao,<br />
após prévio diagnostico da situação da <strong>de</strong>linqüência, a buscar conseguir o<br />
apoio necessário para enfrentar a luta contra a insegurança cidadã. E foi o<br />
Governo Regional do Callao quem estabeleceu as primeiras bases <strong>de</strong><br />
apoio à Instituição Policial e evi<strong>de</strong>nciou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuir para a<br />
diminuição dos níveis <strong>de</strong> insegurança, mediante o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
ações <strong>de</strong> prevenção à criminalida<strong>de</strong> e à violência.
3 PROBLEMÁTICA DO SERVIÇO PRESTADO PELA PNP (2002)<br />
3.1 Quanto à segurança e à tranqüilida<strong>de</strong> cidadã:<br />
a) falta <strong>de</strong> uma a<strong>de</strong>quada racionalização do pessoal;<br />
b) necessida<strong>de</strong> e repotencialização dos Planos <strong>de</strong><br />
Patrulhamento;<br />
c) falta <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação com os Governos Locais e Regionais;<br />
d) falta <strong>de</strong> uma a<strong>de</strong>quada participação da população civil<br />
organizada;<br />
e) falta <strong>de</strong> avaliação nas <strong>de</strong>legacias do Callao;<br />
f) necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> remo<strong>de</strong>lar as análises estatísticas e <strong>de</strong><br />
inteligência.<br />
3.2 Quanto à problemática do pessoal policial:<br />
a) insuficiente número <strong>de</strong> policiais para enfrentar o problema<br />
da <strong>de</strong>linqüência;<br />
b) dispersão <strong>de</strong> esforços no tratamento do problema da<br />
insegurança cidadã;<br />
c) necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicar rotativida<strong>de</strong> ao pessoal.<br />
3.3 Quanto à problemática do aspecto logístico da polícia do Callao:<br />
a) necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar com maiores meios <strong>de</strong> transporte;<br />
b) necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar com equipamentos (rádio<br />
transmissor-receptor e outros).<br />
3.4 Quanto à problemática da infra-estrutura:<br />
Eduardo Guillermo Arteta Izarnótegui<br />
Apresentação dos projetos a serem consi<strong>de</strong>rados, para<br />
aprovação <strong>de</strong> parte do Governo Regional do Callao.<br />
341
342<br />
Chefia e Li<strong>de</strong>rança Policial: O caso da província constitucional <strong>de</strong> Callao-Lima<br />
4. APROXIMAÇÃO COM A COMUNIDADE<br />
(ANO 2003)<br />
A Chefia da <strong>Polícia</strong> Nacional do Callao, durante a gestão realizada<br />
entre os anos 2003 e 2004, ao observar o alto índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüência e<br />
não encontrar alternativas viáveis para fazer frente ao quadro que<br />
atravessava, realizou um diagnóstico da situação <strong>de</strong> insegurança. Constatouse<br />
que, dos fatos <strong>de</strong>lituosos contra entida<strong>de</strong>s comerciais, empresas<br />
públicas e privadas, turistas, comerciantes e transeuntes em geral, ocorriam<br />
em maior volume <strong>de</strong>litos e faltas contra o patrimônio, nas suas diversas<br />
modalida<strong>de</strong>s (assalto e roubo, roubo qualificado, furto, seqüestrosrelâmpagos<br />
2 , escape 3 , e cogote 4 , maquinazo 5 , entre outros), e que os<br />
<strong>de</strong>linqüentes atuam em bandas organizadas, portando armas <strong>de</strong> fogo e/ou<br />
armas brancas. Verificou-se, ainda, que a maior incidência <strong>de</strong>ssas<br />
ocorrências encontrava-se na jurisdição do distrito do Callao, <strong>de</strong> acordo<br />
com as estatísticas assinaladas pela <strong>Polícia</strong> Nacional do Peru.<br />
O problema do tráfico e consumo <strong>de</strong> drogas no distrito do Callao,<br />
possui índices alarmantes pela sua complicada forma <strong>de</strong> negociação,<br />
especialmente na modalida<strong>de</strong> do micro-comercialização <strong>de</strong> pasta base,<br />
cloridrato <strong>de</strong> cocaína e maconha, para o qual os <strong>de</strong>linqüentes utilizam a<br />
via pública, interior <strong>de</strong> domicílios e centros <strong>de</strong> diversões. Tal aspecto<br />
torna cada vez mais complexa a intervenção policial, situação essa agravada<br />
pelo fato <strong>de</strong>sses elementos utilizarem menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, mulheres em<br />
extrema pobreza e, em menor número, maus elementos das instituições<br />
encarregadas <strong>de</strong> sua repressão, que lhes facilitam a ilícita ativida<strong>de</strong>. Quanto<br />
ao transporte, constata-se que os traficantes utilizam veículos maiores e<br />
menores para a transferência e/ou comercialização da droga.<br />
Observa-se, <strong>de</strong> forma alarmante, o aumento do número <strong>de</strong> gangues<br />
no distrito do Callao, formadas por jovens <strong>de</strong> ambos os sexos, que atuam<br />
em grupos e se <strong>de</strong>dicam a cometer <strong>de</strong>litos e faltas contra o patrimônio.<br />
Ocasionalmente, essas gangues se enfrentam em via pública com objetos<br />
contun<strong>de</strong>ntes e perfuro-cortantes, causando inquietu<strong>de</strong> e aflição na<br />
população, com o subseqüente dano à proprieda<strong>de</strong>.<br />
A primeira estratégia <strong>de</strong> aproximação com a comunida<strong>de</strong> foi o<br />
acordo firmado com a municipalida<strong>de</strong> provincial do Callao, on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> reuniões <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação, foram estabelecidas as condições necessárias
Eduardo Guillermo Arteta Izarnótegui<br />
para a instauração da or<strong>de</strong>m e da segurança. Tomou-se como plano piloto<br />
um quadrante compreendido entre os quarteirões que têm como vias<br />
principais Apurímac, Marco Polo, Sáenz Peña e Contralmirante Villar,<br />
executando operações <strong>de</strong> segurança comunitária, erradicação <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
e faltas <strong>de</strong> maior incidência (assaltos, roubos, arrebatos 6 , microcomercialização<br />
<strong>de</strong> drogas), realizando um intenso patrulhamento,<br />
motorizado em apoio à área <strong>de</strong> vigilância do policial comunitário e<br />
utilizando veículos policiais, e/ou municipais, proporcionando, <strong>de</strong>ssa forma,<br />
segurança total na área consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> alto risco.<br />
As ativida<strong>de</strong>s realizadas foram direcionadas visando pôr em prática:<br />
a) o Plano Piloto <strong>de</strong> Segurança Cidadã, no quadrante<br />
acima referido;<br />
b) a divisão do quadrante em áreas <strong>de</strong> vigilância,<br />
composta por doze (12) quadras, <strong>de</strong>signando pessoal<br />
policial e municipal <strong>de</strong> forma permanente;<br />
c) a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> um veículo e <strong>de</strong> meios <strong>de</strong><br />
comunicação às áreas <strong>de</strong> vigilância;<br />
As áreas <strong>de</strong> vigilância foram estabelecidas nas seguintes quadras:<br />
a) Marco Polo - Buenos Aires – Guisse – Apurímac;<br />
b) Marco Polo – Colón – Guisse - Buenos Aires;<br />
c) Marco Polo – Sáenz Peña – Guisse – Colón;<br />
d) Guisse - Buenos Aires – Saloom – Apurímac;<br />
e) Guisse – Colón – Saloom – Buenos Aires;<br />
f) Guisse – Sáenz Peña – Saloom – Colón;<br />
g) Saloom – Buenos Aires – Cocrhane – Apurímac;<br />
h) Saloom – Colón – Cocrhane – Buenos Aires;<br />
i) Saloom – Sáenz Peña – Cocrhane – Colón;<br />
j) Cocrhane – Buenos Aires – R. Villar – Apurímac;<br />
l) Cocrhane – Colón – R. Villar – Buenos Aires;<br />
m) Cocrhane – Sáenz Peña – R. Villar – Colón.<br />
343
344<br />
Chefia e Li<strong>de</strong>rança Policial: O caso da província constitucional <strong>de</strong> Callao-Lima<br />
Foram efetuados levantamentos <strong>de</strong> dados reais sobre todos os<br />
elementos <strong>de</strong> segurança e integrantes da comunida<strong>de</strong>, que vivem ou<br />
trabalham em cada área, assim como dos veículos que nelas permanecem.<br />
Realizaram-se visitas policiais, <strong>de</strong>vidamente registradas, aos vizinhos <strong>de</strong><br />
cada área <strong>de</strong> vigilância, para perguntar sobre seus anseios em matéria <strong>de</strong><br />
segurança. Da mesma forma, promoveu-se a organização <strong>de</strong> juntas <strong>de</strong><br />
vizinhos e clubes infanto-juvenis para participação sistematizada em<br />
ativida<strong>de</strong>s esportivas, culturais e comunitárias, organizadas pela <strong>Polícia</strong><br />
Nacional e pela Municipalida<strong>de</strong>.<br />
A Organização do Plano Piloto compreen<strong>de</strong>u:<br />
a) quadrante: 12 quadras<br />
b) áreas <strong>de</strong> vigilância: 12<br />
c) unida<strong>de</strong> motorizada: 01 veículo <strong>de</strong> patrulha<br />
d) pessoal policial: 02 por turno<br />
e) telefonia celular: 12 equipamentos<br />
Foram divulgados, pelos meios <strong>de</strong> comunicação, materiais <strong>de</strong><br />
propaganda relacionados às normas legais que se encontram vigentes,<br />
com relação à or<strong>de</strong>m pública e ao bom uso das ruas.<br />
Foram realizadas instruções sobre a forma <strong>de</strong> agir em relação às<br />
pessoas que cometam atos anti-sociais, conduzindo-as às <strong>de</strong>legacias para<br />
o registro da ocorrência, por intermédio dos policiais <strong>de</strong>signados para<br />
cada área <strong>de</strong> vigilância.<br />
Emitiram-se, também, orientações para erradicar das ruas as<br />
pessoas que se encontrem ingerindo bebidas alcoólicas em via pública,<br />
exercendo o meretrício, a mendicância, o comércio informal, etc.<br />
Dotaram-se com telefonia celular todas as áreas <strong>de</strong> vigilância e grupos<br />
especiais <strong>de</strong> prevenção e repressão ao <strong>de</strong>lito.<br />
Foram planejadas operações <strong>de</strong> filtro policial que permitiam a<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> pessoas à margem da lei, verificando por telefone os<br />
antece<strong>de</strong>ntes e a existência <strong>de</strong> mandatos <strong>de</strong> prisão.<br />
Todas as pessoas que cumpriram tarefas <strong>de</strong> apoio ao sistema <strong>de</strong><br />
segurança foram preparadas e capacitadas.
Eduardo Guillermo Arteta Izarnótegui<br />
Outros aspectos:<br />
a) atribuiu-se uma cre<strong>de</strong>ncial emitida pela <strong>Polícia</strong><br />
Nacional às pessoas que colaboraram nessas tarefas,<br />
estabelecendo programas <strong>de</strong> estímulo à participação<br />
da vizinhança;<br />
b) estimulou-se, por intermédio dos policiais<br />
comunitários, em sua respectiva área <strong>de</strong> vigilância, a<br />
participação <strong>de</strong> jovens em ativida<strong>de</strong>s comunitárias,<br />
esportivas, culturais e <strong>de</strong> prevenção do consumo<br />
in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> drogas, organizados da seguinte forma,<br />
- cada área <strong>de</strong> vigilância possuía núcleos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />
(10) jovens.<br />
- doze (12) núcleos formavam uma equipe <strong>de</strong><br />
trabalho, cuja assessoria esteve a cargo <strong>de</strong> um<br />
oficial <strong>de</strong> polícia; as reuniões <strong>de</strong>stes grupos eram<br />
realizadas nos sábados e domingos, entre as 10h<br />
e 14hs.<br />
Obrigações assumidas pela <strong>Polícia</strong> Nacional do Callao:<br />
a) nomeação <strong>de</strong> pessoal policial <strong>de</strong> acordo com a<br />
disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus efetivos no quadrante on<strong>de</strong> foi<br />
posto em execução o Plano Piloto <strong>de</strong> Segurança Cidadã;<br />
b) <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> um veículo policial <strong>de</strong> forma<br />
permanente ao quadrante compreendido por doze (12)<br />
áreas <strong>de</strong> vigilância, nas doze (12) quadras selecionadas;<br />
c) centralização e processamento <strong>de</strong> um banco <strong>de</strong><br />
dados sobre os elementos <strong>de</strong> segurança e integrantes<br />
da comunida<strong>de</strong> que trabalham e moram nas áreas <strong>de</strong><br />
vigilância;<br />
d) supervisão e estabelecimento dos procedimentos a<br />
serem empregados nas visitas realizadas aos vizinhos<br />
<strong>de</strong> cada área <strong>de</strong> vigilância para verificar os anseios em<br />
matéria <strong>de</strong> segurança cidadã;<br />
e) total colaboração na organização <strong>de</strong> juntas <strong>de</strong> vizinhos<br />
e clubes infanto-juvenis;<br />
345
346<br />
Chefia e Li<strong>de</strong>rança Policial: O caso da província constitucional <strong>de</strong> Callao-Lima<br />
f) emprego do Escritório <strong>de</strong> Inteligência e do<br />
“Esquadrão Ver<strong>de</strong>”, para que executem as apreciações<br />
e intervenções nas áreas críticas assinaladas;<br />
g) programação <strong>de</strong> operações policiais <strong>de</strong>ntro do<br />
quadrante selecionado;<br />
h) entrega das cre<strong>de</strong>nciais às pessoas reconhecidas<br />
como integrantes das juntas <strong>de</strong> vizinhos;<br />
i) incentivo à participação dos jovens em ativida<strong>de</strong>s<br />
comunitárias, esportivas, culturais e <strong>de</strong> prevenção ao<br />
consumo in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> drogas;<br />
j). coor<strong>de</strong>nação com a municipalida<strong>de</strong> do Callao para o<br />
intercâmbio <strong>de</strong> informação e o apoio tecnológico e<br />
logístico necessário para o sucesso do Plano Piloto <strong>de</strong><br />
Segurança Cidadã.<br />
Obrigações assumidas pela municipalida<strong>de</strong> do Callao:<br />
a) divulgação do Plano Piloto <strong>de</strong> Segurança Cidadã à<br />
população do distrito do Callao.<br />
b) apoio com pessoal do município nos assuntos<br />
próprios <strong>de</strong> sua competência.<br />
c) apoio à Divisão Provincial da <strong>Polícia</strong> do Callao, com<br />
meios tecnológicos, logísticos e econômicos para o<br />
sucesso da operação.<br />
d) colaboração com pessoal capacitado para a<br />
organização <strong>de</strong> juntas <strong>de</strong> vizinhos e clubes infantojuvenis.<br />
Nota<br />
1 Designa-se chalaca àquele que é natural da Província do Callao<br />
2 Esta modalida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>nominada no Peru <strong>de</strong> secuestro al paso<br />
3 Vulgarmente conhecida no Brasil como “saidinha bancária”<br />
4 Modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> roubo no qual o infrator golpeia ou ameaça com objeto perfurante o pescoço da<br />
vítima<br />
5 Modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> roubo no qual o infrator golpeia a vítima com a coronha do revólver, ou, por<br />
extensão, com qualquer objeto contun<strong>de</strong>nte.<br />
6 Enten<strong>de</strong>-se o arrebato no Peru como sendo o roubo rápido <strong>de</strong> relógio, carteira, telefone, celular,<br />
e outros bens similares, conduzidos pela vítima durante um <strong>de</strong>slocamento.
Relato Policial<br />
A VIOLÊNCIA CONTRA OS POLICIAIS: PERCEBER,<br />
PROBLEMATIZAR E ATUAR (?)<br />
Martim Cabeleira <strong>de</strong> Moraes Júnior *<br />
INTRODUÇÃO<br />
A relevância do tema está principalmente em dois pontos: 1º A<br />
discrepância entre as conseqüências das violências sofridas pelos policiais<br />
e a ausência da discussão <strong>de</strong> tais atos na comunida<strong>de</strong> acadêmica brasileira.<br />
2º A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se construir políticas <strong>de</strong> segurança pública que<br />
abranjam todos os aspectos que envolvem o tema “polícia”.<br />
No que se refere à importância para a proposta do curso enten<strong>de</strong>se<br />
que o caso apresentado é gerador <strong>de</strong> reflexão sobre os <strong>de</strong>safios (ainda<br />
não enfrentados na sua plenitu<strong>de</strong>) <strong>de</strong> melhorias reais nos órgãos <strong>de</strong><br />
segurança pública. O assunto proposto traz: <strong>de</strong>safio, inovação, atualida<strong>de</strong>,<br />
total convergência aos princípios <strong>de</strong>mocráticos e dos Direitos Humanos,<br />
bem como está <strong>de</strong>senvolvido no “eixo temático polícia e polícia”, uma<br />
vez que trata <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> percepção, controle e melhorias internas<br />
nos órgãos policiais.<br />
CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA<br />
Sempre que se trata <strong>de</strong> violência, se faz necessária a <strong>de</strong>limitação do<br />
conceito, muito embora se reconheça que a questão do conceito <strong>de</strong> violência<br />
ainda não tenha sido enfrentada <strong>de</strong> maneira consi<strong>de</strong>rada satisfatória.<br />
Neste sentido, por todas as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceituação, para tratar<br />
<strong>de</strong> tal tema se escolheu a <strong>de</strong>finição apresentada por YVES MICHAUD como<br />
a mais a<strong>de</strong>quada à discussão proposta.<br />
Segundo MICHAUD (1989, p. 10) ocorre violência quando: “[...]<br />
numa situação <strong>de</strong> interação, um ou vários atores agem <strong>de</strong> maneira direta ou<br />
indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em<br />
graus variáveis, seja em sua integrida<strong>de</strong> física, seja em sua integrida<strong>de</strong><br />
moral[...]”.<br />
Oficial da Brigada <strong>Militar</strong> do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Licenciado em Direito, especialista<br />
em segurança cidadã e mestre em Sociologia.<br />
BRASIL<br />
347
348<br />
A violência contra os policiais: perceber, problematizar e atuar(?)<br />
Definida a violência, resta compreen<strong>de</strong>r-se que existem formas<br />
específicas <strong>de</strong> violência que, contidas no conceito geral apresentado,<br />
possuem características que as distinguem em subtipos ou espécies a<br />
serem analisadas isoladamente para fins <strong>de</strong> percepção no cenário <strong>de</strong><br />
atuação das polícias.<br />
Para abordagem inicial do tema serão apresentados três tipos<br />
<strong>de</strong> violência, com indicadores e exemplos, para caracterizar as formas<br />
<strong>de</strong> violência contra policiais que não estão nas pautas <strong>de</strong> discussões<br />
em geral, sejam acadêmicas ou <strong>de</strong> outros círculos sociais.<br />
Como primeiro tipo específico <strong>de</strong> violência e sua aplicação ao<br />
tema apresenta-se NILO ODÁLIA (1991), quando trata da violência<br />
original. A violência original, concebida como “Agressão física que atinge<br />
diretamente o homem tanto naquilo que possui, seu corpo, seus bens,<br />
quanto naquilo que mais ama, seus amigos, sua família” (ODALIA, 1991,<br />
p. 9), atinge os policiais <strong>de</strong> várias maneiras, pois nos trabalhos <strong>de</strong><br />
policiamento ou investigação criminal, a agressão física é um risco<br />
iminente, quando não acontece, está para acontecer, contra o policial,<br />
contra os seus bens, ou contra aqueles que lhe são caros (familiares,<br />
amigos e colegas). Esta violência, embora esteja no ambiente <strong>de</strong> atuação<br />
dos policiais, é percebida geralmente como “violência policial” e quase<br />
nunca se evi<strong>de</strong>ncia os danos físicos e emocionais sofridos pelos policiais.<br />
Como indicadores da violência do ambiente <strong>de</strong> atuação policial<br />
tem-se: registros <strong>de</strong> mortes e ferimentos <strong>de</strong> policiais em serviço ou<br />
em razão da função;doenças físicas ou psíquicas adquiridas em<br />
conseqüência do sofrimento da presença ou do sofrimento <strong>de</strong> violências<br />
(alcoolismo, doenças mentais, etc.).<br />
Como exemplo <strong>de</strong> tal violência veja-se a publicação: “Sujeitos e<br />
instituições: modos <strong>de</strong> cuidar e tratar” (2002, p. 36):<br />
Em levantamento realizado pelo Departamento <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento <strong>de</strong> Recursos Humanos da Secretaria da Justiça e da<br />
Segurança do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, em 2000, observou-se<br />
um quadro preocupante, indicando números expressivos relacionados<br />
ao adoecimento psíquico dos trabalhadores <strong>de</strong> segurança pública do
Martim Cabeleira <strong>de</strong> Moraes Júnior<br />
estado. Dentre as formas <strong>de</strong> sofrimento mais citadas, estão os casos<br />
<strong>de</strong> drogadição e alcoolismo, violência familiar e nas ruas, casos <strong>de</strong><br />
insônia, úlcera, <strong>de</strong>pressão grave, levando, em algumas situações, ao<br />
suicídio ou tentativas.<br />
Em segundo lugar vem o tipo específico <strong>de</strong> violência chamada<br />
violência simbólica, assim <strong>de</strong>signada por BORDIEU e PASSERON (1975),<br />
significando a aquela que se mostra nas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ou seja, a<br />
violência que, embora ocorra abertamente, encontra mecanismos que<br />
tornam sua problematização camuflada por uma falsa conclusão que está<br />
tudo em or<strong>de</strong>m. A violência simbólica, no contexto policial está muito<br />
ligada ao que a imprensa divulga sobre ações da polícia.<br />
Neste caso a principal agressão vem dos meios <strong>de</strong> comunicação<br />
social (jornais, telejornais, reportagens em geral), que tratam resultados<br />
<strong>de</strong> ações policiais <strong>de</strong> maneira sensacionalista, inclusive pré-julgando<br />
fatos, quando <strong>de</strong>screvem como culpados alguns policiais sem nem<br />
sequer haver investigação ou processo criminal.<br />
São indicadores da violência dos meios <strong>de</strong> comunicação:<br />
publicações sensacionalistas <strong>de</strong> fotos e divulgação <strong>de</strong> fatos sem citação<br />
<strong>de</strong> hipóteses diversas sobre o caso; ausência <strong>de</strong> ações judiciais pelas<br />
instituições policiais por danos sofridos por agentes, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong><br />
notícias sobre suas ações.<br />
Em terceiro lugar cita-se o caso da violência institucional, que,<br />
embora não esteja caracterizada por autores consagrados, da maneira<br />
como se faz neste artigo, está promovida pelo Estado ou pela própria<br />
instituição policial, no momento em que os policiais sofrem uma<br />
enorme pressão para ter sucesso em todas as suas ações, punindo-se<br />
a menor margem <strong>de</strong> erro. Pelos <strong>de</strong>mais policiais, que hostilizam aquele<br />
que cometeu algum erro, mesmo antes <strong>de</strong> saber se realmente houve<br />
um erro, ou se foi praticado intencionalmente. Havendo neste sentido,<br />
uma pressão muito gran<strong>de</strong> sobre as ações policiais, sem, contudo, se<br />
estabelecer contrapartidas quaisquer para compensar estes fatores.<br />
São indicadores <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> violência: sinais <strong>de</strong> hostilização<br />
dos colegas por ações <strong>de</strong> outros policiais; transferências <strong>de</strong> policiais<br />
por ações consi<strong>de</strong>radas legítimas.<br />
349
350<br />
A violência contra os policiais: perceber, problematizar e atuar(?)<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Apesar <strong>de</strong> existirem outros tipos <strong>de</strong> violência a que estão sujeitos<br />
os policiais, para fins <strong>de</strong> apresentação inicial do tema a concentração será<br />
nas três espécies apontadas.<br />
No Brasil são raros os estudos sobre vitimização policial, como o<br />
realizado por Jaqueline Muniz (1998).<br />
Os poucos trabalhos que abordam o tema o fazem consi<strong>de</strong>rando a<br />
violência física tão somente.<br />
Tanto as instituições policiais quanto seus componentes, encontramse,<br />
<strong>de</strong> certa maneira maltratadas, uma vez que pouco se discute sobre as<br />
formas mais sutis <strong>de</strong> violência que causam o sofrimento no trabalho<br />
(tomando emprestado o termo <strong>de</strong> Dejours).<br />
Também se preten<strong>de</strong> que o tema “violência policial” sempre seja<br />
tratado <strong>de</strong> forma contextualizada, levando-se em consi<strong>de</strong>ração tanto o<br />
contexto teórico, quanto o metodológico e o <strong>de</strong> suporte fático, para que<br />
não se construa um discurso fragmentado para um fenômeno com<br />
profundas raízes sociais.<br />
A busca aqui é por uma progressão dialética, on<strong>de</strong> cada tese possa<br />
originar novas antíteses e sínteses, as quais servirão como novas teses,<br />
seguindo um ciclo evolutivo <strong>de</strong> pensamentos e práticas em prol do bem<br />
estar social, conforme já <strong>de</strong>scrito no artigo anterior sobre o tema.<br />
Referências Bibliográficas<br />
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório Final da Comissão<br />
Especial <strong>de</strong> Segurança Pública, 2003.<br />
BORDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Francisco Alves, 1975.<br />
DORNELLES, O que é crime (Coleção primeiros passos). São Paulo: Brsiliense, 2ª Edição, 1992.<br />
DÜRKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. Martin Claret. São Paulo. 2002.<br />
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA.<br />
Sujeitos e instituições: modos <strong>de</strong> cuidar e tratar. Programa <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental para os trabalhadores<br />
da segurança púbica – uma visão cartográfica. Gráfica da UFRGS. 2002<br />
MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo. Ática, 1989.<br />
MUNIZ, Jaqueline. Mapeamento da vitimização <strong>de</strong> policiais no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Ministério da<br />
Justiça. 1998.
Martim Cabeleira <strong>de</strong> Moraes Júnior<br />
_______________. Ser policial é, sobretudo uma razão <strong>de</strong> ser - Cultura e Cotidiano<br />
da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Tese <strong>de</strong> Doutorado. Rio <strong>de</strong> Janeiro. IUPERJ, 1999.<br />
ODALIA, Nilo. O que é violência (Coleção primeiros passos). São Paulo: Brsiliense, 6ª Edição,<br />
1991.<br />
SILVA, Jorge da. O controle da criminalida<strong>de</strong> e segurança pública na nova or<strong>de</strong>m constitucional.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Forense, 2ª edição, 2ª Tiragem. 1999.<br />
SKOLNICK, Jerome H. “Nova polícia: Inovações na polícia <strong>de</strong> seis cida<strong>de</strong>s norte-americanas /<br />
Jerome H. Skolnick, David H. Bayley; tradução <strong>de</strong> Geraldo Gerson <strong>de</strong> Souza. – São Paulo, 2001.<br />
– (Série <strong>Polícia</strong> e Socieda<strong>de</strong>; n. 2)<br />
SOUZA, Herbert José <strong>de</strong>. Como se faz análise <strong>de</strong> conjuntura. 21ª edição. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />
Vozes. 2000.<br />
WEBER, Max, Ensaios <strong>de</strong> Sociologia.2ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar,1971.<br />
351
352<br />
Relato Policial<br />
A FORMAÇÃO POLICIAL: UM DESAFIO<br />
DEMOCRÁTICO<br />
Comissária Aimara Aguilar *<br />
A Constituição da República estabelece que todos os órgãos <strong>de</strong><br />
segurança cidadã são <strong>de</strong> caráter civil e outorga ao po<strong>de</strong>r público estatal e<br />
municipal a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar corporações policiais e encarregar-se <strong>de</strong><br />
sua formação. Na atualida<strong>de</strong> existem na Venezuela 126 corporações <strong>de</strong><br />
polícia, segundo o levantamento <strong>de</strong> informação da Comissão Nacional<br />
para a Reforma Policial.<br />
Soraya El Achkar e Humberto Gonzalez (2007) fizeram um estudo<br />
sobre a formação policial: perspectiva histórica e realida<strong>de</strong> atual, resenhado<br />
nos trabalhos da Comissão Nacional para a Reforma Policial. Este estudo<br />
apresenta a seguinte caracterização geral:<br />
No país temos cinco mo<strong>de</strong>los diferentes <strong>de</strong> formação policial:<br />
1. Mo<strong>de</strong>lo Universitário PM, representado basicamente<br />
pela <strong>Polícia</strong> Metropolitana, porque tem tido uma ênfase<br />
especial no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong><br />
formação universitária para oficiais com en<strong>de</strong>reços <strong>de</strong><br />
extensão em 10 estados do país, oferecendo tanto a<br />
Licenciatura em Ciências <strong>Policiais</strong>, como o Técnico<br />
Superior em <strong>Polícia</strong> Preventiva.<br />
2. Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Educação Regional, o qual representa as<br />
seis Escolas Regionais <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do<br />
Ministério do Interior e da Justiça, encarregadas <strong>de</strong><br />
formar agentes e oficiais das diferentes regiões do país.<br />
3. Mo<strong>de</strong>lo dos estados, o qual representa os centros e<br />
programas <strong>de</strong> formação policial <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência<br />
estadual e cuja missão social é basicamente formar,<br />
essencialmente, agentes das polícias do estado<br />
correspon<strong>de</strong>nte.<br />
4. Mo<strong>de</strong>lo Municipal, o qual representa os centros e<br />
programas <strong>de</strong> formação policial <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência<br />
* Comissária do Corpo <strong>de</strong> Segurança e Or<strong>de</strong>m Pública do Estado Aragua – CSOPEA, chefe <strong>de</strong><br />
operações da região policial Maraca e Este.<br />
VENEZUELA
Comissária Aimara Aguilar<br />
estadual e cuja missão social é basicamente formar aos<br />
agentes das polícias do município correspon<strong>de</strong>nte.<br />
5. Mo<strong>de</strong>lo Privado, o qual representa as organizações<br />
privadas que <strong>de</strong>senvolveram iniciativas <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />
agentes.<br />
Cada mo<strong>de</strong>lo e sistema tem: a) requisitos <strong>de</strong> ingresso e mecanismo<br />
<strong>de</strong> seleção próprios (alguns atentam contra os direitos civis como o direito<br />
a pertencer a agrupações políticas); b) uma escala hierárquicas em rankings<br />
que vão <strong>de</strong> dois a 19; c) um regime interno <strong>de</strong>terminado (interno, semi<br />
interno e externo); d) uma lógica organizativa que estabelece o nível <strong>de</strong><br />
autonomia (a <strong>de</strong>pendência po<strong>de</strong> ser do governo estadual, da polícia, po<strong>de</strong><br />
ser autônoma ou completamente alheia às instancias políticas, como é o<br />
caso das iniciativas do setor privado); e) uma concepção sobre a educação<br />
policial (militarizada, civil, instrumental, fragmentada, inconsistente); f) um<br />
orçamento que dá ou não estabilida<strong>de</strong> (discricionarieda<strong>de</strong>); g) uma<br />
capacida<strong>de</strong> instalada específica para gerar processos <strong>de</strong> formação (algumas<br />
com se<strong>de</strong>s próprias, outras sem se<strong>de</strong> próprias) e h) com conteúdos<br />
curriculares próprios (muitas não têm um <strong>de</strong>senho curricular como tal).<br />
O estudo assinala que no país temos 113 instituições policiais que<br />
formam a seus aspirantes e 13 que não têm processo <strong>de</strong> formação. No<br />
entanto, os requisitos <strong>de</strong> ingresso exigem que estejam formados em outras<br />
instituições policiais.<br />
El Achkar e González (2007) assinalam que <strong>de</strong>stas 113 polícias que<br />
formam a seus funcionários, as modalida<strong>de</strong>s são múltiplas:<br />
1. Com centros próprios: 41 polícias têm centros próprios<br />
e estáveis com uma série <strong>de</strong> assinaturas e um regime <strong>de</strong> estudo<br />
<strong>de</strong>terminado que mais adiante <strong>de</strong>talharemos. Esta cifra<br />
representa 33,3% das polícias do país. Nesta modalida<strong>de</strong>, a<br />
porcentagem do total <strong>de</strong> instituições policiais que forma a<br />
seus funcionários é <strong>de</strong> 36,28%. Quer dizer que 63,7% das<br />
instituições policiais não contam com centros próprios, nem<br />
com capacida<strong>de</strong> suficiente para a formação <strong>de</strong> seus<br />
funcionários.<br />
2. Sem centros próprios, mas com características variadas:<br />
353
354<br />
A formação policial: um <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>mocrático<br />
a) 35 instituições preparam cursos segundo as<br />
necessida<strong>de</strong>s e requerimentos <strong>de</strong> ingresso do novo<br />
pessoal policial. Esta cifra equivale a 28,45% do total<br />
das instituições policiais do país. Nesta modalida<strong>de</strong> a<br />
porcentagem do total <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>s que formam seus<br />
funcionários é <strong>de</strong> 30,97%.<br />
b) 13 instituições preparam cursos próprios, mas,<br />
além disso, enviam os aspirantes a outros centros, seja<br />
para complementar a formação, seja para aumentar a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso (misto). Esta cifra equivale a<br />
10,56% do total <strong>de</strong> instituições policiais do país. Nesta<br />
modalida<strong>de</strong> a porcentagem do total <strong>de</strong> polícias que<br />
formam seus funcionários é <strong>de</strong> 11,50%.<br />
c) 9 instituições preparam cursos próprios, mas, além<br />
disso, recebem aspirantes <strong>de</strong> outros centros que<br />
estejam preparados em assuntos policiais (Misto). Esta<br />
cifra equivale a 7,31% do total <strong>de</strong> instituições policiais<br />
do país. Nesta modalida<strong>de</strong>, a porcentagem do total <strong>de</strong><br />
polícias que formam a seus funcionários é <strong>de</strong> 7,96%.<br />
d) 37 instituições policiais enviam todos os seus<br />
aspirantes a outros centros ou programas <strong>de</strong> formação<br />
policial por que não têm cursos próprios. Isso equivale<br />
a 30,74% do total <strong>de</strong> polícias do país: 30,08%. Nesta<br />
modalida<strong>de</strong> o percentual do total <strong>de</strong> polícias que<br />
formam a seus funcionários é <strong>de</strong> 32,74%.<br />
Nesta lógica, on<strong>de</strong> cada governador po<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre sua polícia,<br />
fui <strong>de</strong>signada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997 para me <strong>de</strong>dicar à área da formação <strong>de</strong> polícias<br />
e gostaria <strong>de</strong> apresentar minha experiência para que possamos pensar<br />
juntos qual é a concepção mais correta para a formação <strong>de</strong> um policial<br />
para a <strong>de</strong>mocracia.<br />
Eu tinha o mandato <strong>de</strong> graduar os estudantes em seis meses, os<br />
quais recebiam as aulas no Comando Geral numa modalida<strong>de</strong> teóricoprática<br />
e em um regime semi-interno. Aos dois meses, o governador<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> ingressar a um grupo adicional com a or<strong>de</strong>m expressa <strong>de</strong> graduálos<br />
em quatro meses. Mais adiante, as promoções III, IV, V e VI se
Comissária Aimara Aguilar<br />
graduaram com a mesma dinâmica. Estes grupos engrossaram as cifras<br />
<strong>de</strong> funcionários e funcionárias policiais. De 1.200 policiais no estado Aragua,<br />
em 1997, passaram a dois mil homens e mulheres com autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
polícia em 1998. Este processo foi interrompido e se retomou no ano<br />
2001 por várias razões: 1) a socieda<strong>de</strong> estava reclamando mais policiais,<br />
maior eficiência; 2) a pirâmi<strong>de</strong> organizacional estava invertida. Havia mais<br />
oficiais que pessoal <strong>de</strong> base.<br />
A <strong>de</strong>cisão foi pôr em marcha um plano <strong>de</strong> formação policial<br />
acelerado em convênio com: 1) A Escola <strong>de</strong> Formação Policial, vinculada<br />
ao Ministério do Interior e da Justiça, com se<strong>de</strong>s próprias; 2) A Escola <strong>de</strong><br />
Segurança e Or<strong>de</strong>m Pública da Guarda Nacional e com algumas comisarias<br />
em particular. Estes cursos conseguiram aumentar em 120% o pessoal<br />
policial no estado Aragua.<br />
Todos os cursos foram improvisados e nunca se fez um <strong>de</strong>senho<br />
único, pensando na função policial e o perfil da polícia. Em todos se<br />
apresentavam os mesmos problemas, a saber:<br />
1. O ingresso: Os requisitos e procedimentos são<br />
discricionais. Algumas vezes aplicam provas<br />
psicotécnicas, prova <strong>de</strong> rendimento físico, exame<br />
médico. Outras provas são realizadas pelo aspirante<br />
fora da instituição e que se <strong>de</strong>sconhece sua veracida<strong>de</strong><br />
(exames <strong>de</strong> rotina, exame psicológico, odontológico).<br />
Os documentos que se exigem para o ingresso não<br />
são verificados por nenhuma <strong>de</strong>pendência da polícia<br />
(título educacional, comprovante <strong>de</strong> residência,<br />
certificado <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes, entre outras). Não se<br />
realizam provas <strong>de</strong> conhecimento geral. Nem a altura,<br />
nem a ida<strong>de</strong> são elementos consi<strong>de</strong>rados na hora <strong>de</strong><br />
fazer a seleção. Muitos ingressam apadrinhados por<br />
funcionários e funcionárias oficiais ou por contato<br />
político.<br />
2. Número <strong>de</strong> aspirantes/nível acadêmico. Em<br />
ocasiões, tem se realizado cursos com 450<br />
participantes com diferentes níveis acadêmicos,<br />
inclusive alguns não alcançam o mínimo exigido<br />
355
356<br />
A formação policial: um <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>mocrático<br />
(bacharelado);<br />
3. Continuida<strong>de</strong>: A falta <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> na formação<br />
é um sério problema por que não há exigências<br />
acadêmicas para que o funcionário possa ascen<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>ntro da instituição.<br />
4. Espaço físico: A formação se realiza em espaços<br />
não a<strong>de</strong>quados para o treinamento requerido, pois em<br />
alguns lugares nem sequer existem áreas <strong>de</strong>sportivas<br />
nem espaços para o treinamento <strong>de</strong> tiro e em ocasiões<br />
estão amontoados nos dormitórios, salas <strong>de</strong> aula,<br />
refeitórios, entre outros.<br />
5. Perfil dos professores. Os professores não têm<br />
nível acadêmico, não têm componente pedagógico,<br />
muitos não têm domínio do tema sobre os direitos<br />
humanos e muito menos das áreas vinculadas com a<br />
ação policial.<br />
6. Transversalida<strong>de</strong> dos direitos humanos: até<br />
agora os direitos humanos são uma disciplina, mas não<br />
foram transversalizados em todas as outras disciplinas<br />
nas quais po<strong>de</strong>m ser tratados.<br />
7. Crescimento pessoal. Nem sempre se agrega nos<br />
programas <strong>de</strong> formação o aspecto do crescimento<br />
pessoal, porém é muito importante para que ele crie<br />
sentido <strong>de</strong> pertencimento e seja coerente entre o que<br />
diz, o que sente e suas ações.<br />
8. Recursos. Um dos maiores problemas que enfrenta<br />
a formação é a falta <strong>de</strong> recursos para a) o salário digno<br />
para professores, b) a aquisição <strong>de</strong> equipamentos<br />
didáticos e telemáticos, c) a atualização <strong>de</strong> tecnologia,<br />
d) bibliotecas, e) salões ou locais <strong>de</strong> simulação (abertos<br />
ou fechados) que façam mais vivencial e prática a<br />
formação baseada em experiências, f) a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong><br />
equipamento policial.<br />
9. Estágios. Os estágios se realizam em comisarias,
Comissária Aimara Aguilar<br />
mas quando os aspirantes começam a trabalhar se dão<br />
conta que tudo o que apren<strong>de</strong>ram na escola não serve<br />
<strong>de</strong> nada, por que há códigos <strong>de</strong> comportamento que<br />
<strong>de</strong>vem ser respeitados porque, do contrário, serão<br />
expulsos do grupo. Os aspirantes vêem um mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> polícia que não é precisamente exemplar. Nas<br />
comisarias não há vocação <strong>de</strong> formação com os<br />
aspirantes.<br />
10. A militarização. Existem diversos regimes <strong>de</strong><br />
permanência, mas em geral fazem um regime interno,<br />
com saídas nos fins <strong>de</strong> semana. Herdamos das<br />
corporações militares uma disciplina vista <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
ridicularização, a tortura e os vexames. A militarização<br />
do enfoque pedagógico só ensina a obe<strong>de</strong>cer e acatar<br />
or<strong>de</strong>ns e não dialogar, discutir, <strong>de</strong>liberar, resolver<br />
conflitos por via da negociação.<br />
Muitos <strong>de</strong>stes problemas <strong>de</strong>vem ser resolvidos, como asseguram<br />
El Achkar e González (2007), por via da padronização nacional com uma<br />
lei que unifique critérios em torno <strong>de</strong> uma matriz curricular (a qual <strong>de</strong>ve<br />
ajustar-se ao novo mo<strong>de</strong>lo policial): fundamentos, propósitos, conteúdos,<br />
enfoque pedagógico, plano <strong>de</strong> estudo, carga horária, modalida<strong>de</strong>, sistema<br />
<strong>de</strong> avaliação, corpo docente, materiais educativos, centros <strong>de</strong> formação,<br />
regime e modalida<strong>de</strong> educativa. Padronização também dos requisitos <strong>de</strong><br />
ingresso e dos mecanismos e processos <strong>de</strong> seleção do pessoal policial.<br />
Assinalam nossos autores <strong>de</strong> referência que a polícia é uma instituição<br />
pública e civil, orientada pelos princípios <strong>de</strong> permanência, eficiência,<br />
universalismo, <strong>de</strong>mocracia e participação, controle <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho e<br />
avaliação <strong>de</strong> acordo com processos e padrões <strong>de</strong>finidos e submetida a<br />
um processo <strong>de</strong> planificação e <strong>de</strong>senvolvimento em função das<br />
necessida<strong>de</strong>s nacionais, estaduais e municipais, <strong>de</strong>ntro do marco da<br />
Constituição Nacional e dos Tratados e Princípios Internacionais sobre a<br />
proteção dos direitos humanos. Nesse sentido, a formação <strong>de</strong>ve apontar<br />
a formação <strong>de</strong> um policial que assuma estes princípios institucionais <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
sua própria prática. Em conseqüência, a escola policial há <strong>de</strong> refletir a<br />
nova cultura policial, tanto em sua filosofia e regulamentos, como na relação<br />
cotidiana e nas regras informais (2007).<br />
357
358<br />
A formação policial: um <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>mocrático<br />
Para concluir, quero reformular a pergunta com vocês para pensar<br />
um pouco na formação policial. Qual é o melhor sistema <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />
um policial para o exercício da função pública <strong>de</strong> segurança cidadã em<br />
uma <strong>de</strong>mocracia?<br />
Referências bibliográficas<br />
GABADÓN Luis Gerardo y Antillano Andrés. Comisión Nacional para la Reforma Policial<br />
(2007) La policía venezolana. Desarrollo institucional y perspectivas <strong>de</strong> reforma al inicio <strong>de</strong>l<br />
tercer milenio. Ministerio <strong>de</strong> Interior y Justicia en Venezuela.<br />
EL ACHKAR Soraya e GONZALEZ Humberto Comisión Nacional para la Reforma Policial<br />
(2007). La formación policial: perspectiva histórica y realidad actual. Ministerio <strong>de</strong> Interior y<br />
Justicia en Venezuela.
Relato Policial<br />
O ENFOQUE DE GÊNERO NA FORMAÇÃO DA<br />
POLÍCIA NACIONAL DA NICARÁGUA<br />
Elizabeth Rodriguez Obando *<br />
I. INTRODUÇÃO<br />
NICARÁGUA<br />
O enfoque <strong>de</strong> gênero na <strong>Polícia</strong> Nacional tem sido uma ferramenta <strong>de</strong><br />
análise das diversas formas <strong>de</strong> discriminação e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero,<br />
permitindo tomar <strong>de</strong>cisões na gestão institucional, nos orientado em direção<br />
a uma mudança, a transformação profunda nas relações <strong>de</strong> homens e mulheres<br />
no interior da nossa instituição policial e na prestação <strong>de</strong> serviços policiais. É<br />
uma mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> diante da vida, em nível pessoal e trabalhista.<br />
O enfoque <strong>de</strong> gênero na <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong> Nicarágua está<br />
orientado pra potencializar as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus recursos humanos,<br />
em função <strong>de</strong> garantir sua plena participação em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições e<br />
oportunida<strong>de</strong>s entre homens e mulheres no âmbito interno e, ao mesmo<br />
tempo, continuar transformando condutas, atitu<strong>de</strong>s e práticas no trabalho<br />
policial em relação aos serviços prestados à socieda<strong>de</strong> nicaragüense.<br />
Por isso, o propósito principal <strong>de</strong> expor o caso <strong>de</strong> eqüda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
gênero no sistema <strong>de</strong> formação policial é que sirva <strong>de</strong> experiência a outras<br />
instituições policiais da área centro-americana para aumentar o contingente<br />
feminino na polícia. Esta é a experiência que a <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong> Nicarágua<br />
<strong>de</strong>nominou EXPERIÊNCIA DEMONSTRATIVA.<br />
II. RESENHA DO ENFOQUE DE GÊNERO NA POLÍCIA NACIONAL<br />
A <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong>cidiu incorporar o enfoque <strong>de</strong> gênero por estar<br />
convencida <strong>de</strong> sua justiça e reconhecer os benefícios para a mo<strong>de</strong>rnização<br />
institucional. O papel da mulher, em condições <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> em relação<br />
ao homem, é um elemento vital para a mo<strong>de</strong>rnização da instituição, neste<br />
processo i<strong>de</strong>ntificamos fatores que o facilitaram:<br />
· Abertura e <strong>de</strong>cisão do Estado-Maior Nacional<br />
· Abertura <strong>de</strong> chefes (as), que se comprometeram e<br />
participaram das mudanças propostas.<br />
* Inspetora <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>, diretora da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>.<br />
359
360<br />
O Enfoque <strong>de</strong> Gênero na Formação da Policia Nacional da Nicarágua<br />
· Vonta<strong>de</strong> institucional e pessoal <strong>de</strong> estar sempre<br />
abertos à auto-reflexão e à mudança, a fim <strong>de</strong> avançar<br />
no fortalecimento institucional<br />
· Iniciativa e envolvimento das mulheres da <strong>Polícia</strong><br />
Nacional.<br />
· Desenvolvimento alcançado pelo movimento <strong>de</strong><br />
mulheres na Nicarágua.<br />
III. ANTECEDENTES DO CASO:<br />
Em 1990 se iniciam os primeiros passos a partir <strong>de</strong> inquietu<strong>de</strong>s na<br />
polícia Nacional e aten<strong>de</strong>ndo as <strong>de</strong>mandas particulares <strong>de</strong> segurança humana<br />
das mulheres no país.<br />
Entre 1990 e 1993, as mulheres policiais se tornaram promotoras<br />
<strong>de</strong> iniciativas e propuseram ao Estado-Maior Nacional que o problema da<br />
violência intra-familiar fosse abordada na Instituição, com métodos <strong>de</strong><br />
prevenção e atenção direta. Surgem, assim, em 1993. as Delegacias da<br />
Mulher e da Criança (DMC) como resultado dos esforços conjuntos entre<br />
o Instituto Nicaragüense da Mulher (INIM), a <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Mulheres contra a<br />
Violência e a <strong>Polícia</strong> Nacional, aten<strong>de</strong>ndo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar os<br />
riscos específicos que para sua segurança implica ser mulher e aten<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
forma diferenciada suas <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> segurança cidadã.<br />
O processo <strong>de</strong> incorporação do enfoque <strong>de</strong> gênero na prestação<br />
dos serviços policiais tem início com a Lei 228 da <strong>Polícia</strong> Nacional em seu<br />
Artigo 21 que estabelece um contexto jurídico e legal à atuação policial na<br />
atenção à violência intra-familiar e sexual mediante a institucionalização<br />
das Delegacias da Mulher e da Criança.<br />
Mas é somente em 1996 que se assume formalmente o enfoque <strong>de</strong><br />
gênero como uma perspectiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e mudança <strong>de</strong><br />
consciência <strong>de</strong> gênero em nossa Instituição Policial<br />
IV. CASO ¨EXPERIÊNCIA DEMONSTRATIVA:<br />
O sistema <strong>de</strong> formação policial que contribui para o<br />
fortalecimento da Segurança Cidadã do país, formando as e os aspirantes
com base em competências que garantam sua clara vocação como<br />
servidores públicos. De fato, a Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> ¨Walter Mendoza<br />
Martínez, Instituto <strong>de</strong> Estudos Superiores da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong> Nicarágua<br />
foi uma das primeiras instâncias envolvidas no país no trabalho institucional<br />
<strong>de</strong> gênero.<br />
4.1. Causas da diminuição da entrada feminina<br />
Em 2000, 11.3% do total <strong>de</strong> forças que entraram na Aca<strong>de</strong>mia<br />
eram mulheres. Em 2001, mediante a implementação <strong>de</strong> uma ação<br />
afirmativa (curso básico exclusivo para mulheres), alcançou-se 26.7%.<br />
Em 2002, caiu 20.3% e em 2003 caiu novamente mais 17.4%. Esta<br />
tendência implicou uma diminuição do pessoal policial feminino nos<br />
seguintes anos.<br />
Causas da diminuição: Primeiro: o aumento do nível acadêmico<br />
requerido para entrar, embora não tenha afetado no número <strong>de</strong> aspirantes<br />
com um nível acadêmico superior, afetou a entrada das mulheres, não porque<br />
as mulheres não tivessem o nível acadêmico requerido, mas porque este<br />
nível representa uma oportunida<strong>de</strong> para as mulheres <strong>de</strong> procurar outras<br />
carreiras mais ¨a<strong>de</strong>quadas¨ para as mulheres e com menos risco. Segundo:<br />
a vigência <strong>de</strong> esquemas <strong>de</strong> gênero enraizados na socieda<strong>de</strong> nicaragüense.<br />
4.2. Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança:<br />
A <strong>Polícia</strong> Nacional da Nicarágua assumiu o enfoque <strong>de</strong> gênero não<br />
apenas por ser um direito humano, mas porque o consi<strong>de</strong>ra uma estratégia<br />
para a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais justa e <strong>de</strong>senvolvida.<br />
4.3. Fases da experiência <strong>de</strong>monstrativa:<br />
Elizabeth Rodriguez Obando<br />
As fases que foram <strong>de</strong>senvolvidas nesta experiência:<br />
1. Fase <strong>de</strong> Diagnóstico: i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> brechas <strong>de</strong> gênero<br />
no processo convocatório, seleção e verificação <strong>de</strong> pessoal.<br />
2. Fase <strong>de</strong> Sensibilização e Capacitação dos recursos<br />
humanos envolvidos no processo. Capacitação para os<br />
recursos humanos em temas relativos à equida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />
3. Fase Técnica para a melhora dos processos <strong>de</strong> entrada na<br />
Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>.<br />
361
362<br />
O Enfoque <strong>de</strong> Gênero na Formação da Policia Nacional da Nicarágua<br />
3.1. Campanha publicitária que transmitisse a idéia que<br />
o trabalho policial po<strong>de</strong> ser exercido por homens e<br />
mulheres, e que, além disso, também é uma carreira<br />
profissional como outras.<br />
3.2. Incorporação <strong>de</strong> novos instrumentos psicológicos<br />
que permitam conhecer melhor o perfil dos e das<br />
aspirantes, e po<strong>de</strong>r avaliar se coinci<strong>de</strong> com o perfil<br />
requerido para ser polícia.<br />
3.3. Realização do processo <strong>de</strong> verificação sem<br />
preconceitos <strong>de</strong> gênero, o qual requer capacitação <strong>de</strong><br />
recursos humanos e <strong>de</strong> gênero.<br />
4. Fase no processo <strong>de</strong> formação:<br />
4.1. Formação <strong>de</strong> equipe multidisciplinar<br />
4.2. Acompanhamento psicosocial aos/às estudantes<br />
do curso básico na Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>.<br />
4.3. Realização <strong>de</strong> dinâmicas <strong>de</strong> grupos para facilitar<br />
sua adaptação.<br />
4.4. Realização <strong>de</strong> oficinas sobre auto-estima e<br />
li<strong>de</strong>rança.<br />
4.4. Breve explicação da experiência<br />
Produto da diminuição da entrada do pessoal feminino na<br />
Instituição Policial, i<strong>de</strong>ntificado na etapa <strong>de</strong> diagnóstico, observou-se<br />
que um dos aspectos-chave era o pessoal envolvido no processo <strong>de</strong><br />
seleção, que com freqüência reproduzia inconscientemente esquemas<br />
sociais <strong>de</strong> gênero que incidiam nas <strong>de</strong>cisões institucionais.<br />
Um caso claro é o que acontecia na etapa <strong>de</strong> verificação, on<strong>de</strong><br />
se apresentavam situações <strong>de</strong>svantajosas para as mulheres. Por<br />
exemplo, se o oficial verificador perguntava pelo comportamento <strong>de</strong><br />
uma aspirante na comunida<strong>de</strong> e as pessoas diziam que era mãe solteira<br />
e/ou tinha um trabalho informal como, por exemplo, ven<strong>de</strong>dora <strong>de</strong><br />
loteria, o oficial anotava em sua ficha que esta pessoa não era uma boa
mãe por que <strong>de</strong>ixava seu filho (a) sob o cuidado <strong>de</strong> outras pessoas,<br />
que não tinha boa reputação por não ter uma relação estável, portanto<br />
não era recomendável para entrar na polícia. No entanto, no caso dos<br />
homens nunca se registrou um caso parecido.<br />
4.5. Estratégias chave para o sucesso<br />
4.6. Situação atual:<br />
Elizabeth Rodriguez Obando<br />
4.5.1. Li<strong>de</strong>rança do Estado–Maior Nacional da <strong>Polícia</strong><br />
4.5.2. Envolvimento das principais autorida<strong>de</strong>s nas<br />
áreas envolvidas, Divisão <strong>de</strong> Pessoal, Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong><br />
<strong>Polícia</strong>, Relações Publicas, GTZ.<br />
4.5.3. Li<strong>de</strong>rança e compromisso das mulheres<br />
policiais.<br />
Com esta experiência se estabeleceram mudanças nos<br />
procedimentos e na meta <strong>de</strong> recrutamento <strong>de</strong> mulheres para 2004,<br />
estabelecendo uma meta <strong>de</strong> recrutamento para a entrada na Aca<strong>de</strong>mia<br />
<strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> 30 %. Nos últimos três anos, após colocar em prática<br />
esta experiência, os resultados para a entrada na Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong><br />
Walter Mendoza Martínez Instituto <strong>de</strong> Estudos Superiores da <strong>Polícia</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Nicarágua tem sido a seguinte: em 2004, 33%, em 2005,<br />
31% e, em 2006, 26%. Como é possível observar no ultimo ano houve<br />
um variante <strong>de</strong> 4%, mesmo assim, nos três anos foi possível manter a<br />
meta proposta <strong>de</strong> 30% na entrada no curso básico da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong><br />
<strong>Polícia</strong>.<br />
É importante mencionar que 2006 foi o ultimo ano do curso<br />
básico <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> realizado, e, nesse mesmo, ano se empreen<strong>de</strong>u uma<br />
nova etapa dos processos <strong>de</strong> formação policial, no qual se implementou<br />
o Curso Técnico Médio Policial, que traz mudanças positivas em termos<br />
<strong>de</strong> conteúdo, metodologia e tempo <strong>de</strong> realização. O curso para entrada<br />
na <strong>Polícia</strong> Nacional eleva seu nível em função da prestação <strong>de</strong> um serviço<br />
cada vez melhor à comunida<strong>de</strong>.<br />
Atualmente, em relação ao Curso Técnico Policial, que tem uma duração<br />
<strong>de</strong> um ano letivo, a entrada <strong>de</strong> mulheres no curso se mantém em 25%.<br />
363
364<br />
O Enfoque <strong>de</strong> Gênero na Formação da Policia Nacional da Nicarágua<br />
V. LIÇÕES APRENDIDAS<br />
· O sucesso <strong>de</strong>sta experiência e a li<strong>de</strong>rança do Estado-Maior provam<br />
que se há vonta<strong>de</strong> política no primeiro nível hierárquico da instituição é<br />
possível realizar mudanças com sucesso.<br />
· A eficiência <strong>de</strong> trabalhar em equipes interdisciplinares trouxe<br />
consigo experiências, aprendizagem e resultou em <strong>de</strong>cisões importantes<br />
no processo.<br />
· É imprescindível sempre trabalhar a parte educativa que sensibiliza<br />
os seres humanos <strong>de</strong> que somos capazes <strong>de</strong> realizar mudanças e melhoras.<br />
· Este tipo <strong>de</strong> experiência não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> curto prazo ou pontual,<br />
e <strong>de</strong>ve ser sustentável.<br />
· A Instituição não é uma ilha, somos parte <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
persistem os preconceitos <strong>de</strong> gênero e se queremos incidir no interior<br />
da mesma temos que levar em conta como a nossa socieda<strong>de</strong> se coloca<br />
no tema.
Artigo<br />
CONTROLES INTERNOS POLICIAIS OU COMO A<br />
POLÍCIA VIGIA A POLÍCIA.<br />
Ernesto López Portillo Vargas *<br />
e Verónica Martínez Solares **<br />
“… in this respect, police brutality is like police corruption – there<br />
may be some rotten apples, but usually the barrel itself is rotten.” 1<br />
“…creating effective disciplinary systems within the police should be<br />
a first- or<strong>de</strong>r priority.” 2<br />
Durante a segunda meta<strong>de</strong> do século XX o controle do<br />
comportamento policial foi consi<strong>de</strong>rado um dos temas fundamentais<br />
para garantir um <strong>de</strong>sempenho profissional e respeitoso dos direitos<br />
humanos por parte dos oficiais. Recentes perspectivas teóricas<br />
sugerem que os controles efetivos somente são possíveis <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
sistemas complementares, internos e externos, que <strong>de</strong>vem propiciar<br />
a aprendizagem, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um esquema institucional on<strong>de</strong> o princípio<br />
<strong>de</strong> accountability tem um papel operativo e organizador amplo. 3<br />
Hoje é possível encontrar esquemas complexos a respeito das<br />
modalida<strong>de</strong>s e categorias do controle policial, embora a teoria<br />
coincida em <strong>de</strong>signar-lhes <strong>de</strong> forma direta um valor essencial para a<br />
contenção <strong>de</strong> abusos, e indireta para o <strong>de</strong>senvolvimento e o<br />
crescimento institucional. Uma vez que as atribuições da polícia a<br />
tornam um instrumento do exercício do monopólio legítimo da força<br />
do Estado, os controles sobre ela para evitar <strong>de</strong>svios adquirem um<br />
valor crítico em um regime <strong>de</strong>mocrático e <strong>de</strong> direito.<br />
I. INTRODUÇÃO 4<br />
Cada vez mais a literatura relacionada à polícia enfoca as áreas<br />
problemáticas da conduta policial, especialmente a corrupção e o abuso<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Tal aproximação não é uma casualida<strong>de</strong>. Embora seja verda<strong>de</strong><br />
que gran<strong>de</strong> parte da literatura da primeira meta<strong>de</strong> do século passado teve<br />
como interesse primordial uma aproximação histórica para logo avançar<br />
* Presi<strong>de</strong>nte fundador do Instituto para a Segurança e a Democracia –www.insy<strong>de</strong>.org.mx- e<br />
consultor internacional em reforma policial<br />
** candidata a doutora em direito pelo Instituto <strong>de</strong> Investigações Jurídicas da Universida<strong>de</strong><br />
Nacional Autônoma do México<br />
MÉXICO<br />
365
366<br />
Controles internos policiais ou como a polícia vigia a polícia.<br />
sobre o âmbito normativo, pouco a pouco, um maior número <strong>de</strong> pesquisas<br />
começou a focar não só o papel e as funções da polícia, vistas a partir <strong>de</strong><br />
estruturas formais, mas também a cultura, as estratégias, os <strong>de</strong>svios, a<br />
ética e o controle policial (tanto da polícia como instituição, como da<br />
conduta <strong>de</strong> seus elementos) e, como conseqüência, sua reforma<br />
institucional com uma perspectiva invariavelmente <strong>de</strong>mocrática (Bayley,<br />
2001, Okudzeto, 2005).<br />
Esse processo, <strong>de</strong> acordo com Kelling e More (Newburn, 2005:88-<br />
108) atravessa três etapas: a era política, a era da reforma e a era da<br />
solução comunitária <strong>de</strong> conflitos. No entanto, apesar dos avanços<br />
<strong>de</strong>mocráticos na etapa <strong>de</strong> reforma e inclusive na última, dois elementos<br />
não per<strong>de</strong>m sua valida<strong>de</strong> e, pelo contrário, ganham cada vez maior<br />
importância: o entendimento e a análise da má conduta policial, seja por<br />
corrupção ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e, <strong>de</strong> maneira mais recente e crescente, as<br />
formas <strong>de</strong> controlá-la (Okudzeto, 2005; Varenik, 2005; Neild, s/a).<br />
A resposta às <strong>de</strong>núncias e queixas por má conduta policial teve, até<br />
a segunda meta<strong>de</strong> do século passado, um retorno informal. O relatório<br />
da Royal Commission on the Police, produto do <strong>de</strong>bate realizado entre<br />
1959 e 1964 (Marshall em Newburn, 2005: 624), no Reino Unido, colocou<br />
sobre a mesa a pergunta fundamental sobre "… como e para quem a<br />
polícia <strong>de</strong>ve prestar contas <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>?", o que <strong>de</strong>rivou numa<br />
"estrutura tripartida" <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas (Chief Constable, the Home<br />
Office, and the Police Authority, modificado pelo Police Reforms Act 2002<br />
que criou a In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Police Compalints Commission). E do outro lado,<br />
a McCone Commission -1965- (Neild, s/a) em Los Angeles, Estados<br />
Unidos, após os distúrbios dos anos 60 "…propôs a criação <strong>de</strong> um<br />
mecanismo interno <strong>de</strong> verificação".<br />
O surgimento <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> controle é uma reação natural<br />
diante dos abusos policiais e da corrupção. É produto, assim, da<br />
<strong>de</strong>mocratização <strong>de</strong> todas as estruturas da autorida<strong>de</strong> estatal, incluindo o<br />
lado mais exposto dos regimes autoritários: a polícia.<br />
A preocupação pelo controle da ativida<strong>de</strong> policial teve seu reflexo<br />
jurídico internacional no Código <strong>de</strong> Conduta para Funcionários<br />
encarregados <strong>de</strong> Fazer Cumprir a Lei <strong>de</strong> 1979 (artigo 8 c), para ser<br />
ratificada posteriormente nos Princípios Básicos Sobre o Uso da Força e
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares<br />
<strong>de</strong> Armas <strong>de</strong> Fogo pelos Funcionários Encarregados <strong>de</strong> Fazer Cumprir a<br />
Lei (1990, especial atenção ao número 25).<br />
Como po<strong>de</strong>mos observar, as idéias do controle (accountability<br />
policial) e <strong>de</strong> sua implementação efetiva são novas. Como todo processo,<br />
está marcado por sucessos e fracassos, sobretudo no que se refere a sua<br />
implementação nas diversas estruturas, sistemas e estratégias <strong>de</strong> operação.<br />
Latu sensu, os controles policiais estão divididos em externos e<br />
internos –sobre o qual falaremos mais adiante - (Gareth, 2005; Neild, s/<br />
a; Varenik, 2005; Cano, s/a) e esses, por sua vez, em formais e informais<br />
(ver figura 1).<br />
De qualquer maneira, há quase meio século da idéia do controle e<br />
da prestação <strong>de</strong> contas, a maquinaria policial e a dos órgãos encarregados<br />
<strong>de</strong> fazer cumprir a lei apresentam problemas para a construção <strong>de</strong> uma<br />
teoria <strong>de</strong> accountability <strong>de</strong>mocrática, em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>vido à diversida<strong>de</strong><br />
das instituições, mecanismos, processos e procedimentos; mas também<br />
<strong>de</strong>vido aos múltiplos <strong>de</strong>safios que <strong>de</strong>vem enfrentar na prática e que, apesar<br />
<strong>de</strong> bases legais sólidas, as impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> funcionar a<strong>de</strong>quadamente (Punch,<br />
2003; Skolnick e Fyfe em Newburn, 2005;) tanto no que se refere ao<br />
<strong>de</strong>sempenho quanto à conduta policial, especialmente em países sob<br />
transição <strong>de</strong>mocrática ou em situação <strong>de</strong> pós-conflito (Gareth, 2005:2,<br />
Cano, s/a; Caparini, 2003; Call, 2003, O’neill, 2005).<br />
A história dos esforços em <strong>de</strong>senvolver a noção <strong>de</strong> accountability<br />
na polícia tem dois capítulos: a primeira e a segunda meta<strong>de</strong> do século<br />
XX. Na primeira meta<strong>de</strong> tais esforços se caracterizaram por ser<br />
conjunturais e, geralmente, como conseqüência <strong>de</strong> comissões temporárias<br />
formadas para enfrentar um escândalo. As recomendações que surgiam<br />
não eram acompanhadas <strong>de</strong> mecanismos que forçassem sua aplicação,<br />
que revisassem ou que guiassem sua implementação. O impacto era<br />
portanto limitado. Constituía um ciclo: escândalo, criação <strong>de</strong> uma comissão,<br />
implementação ina<strong>de</strong>quada das mudanças propostas, ressurgimento do<br />
problema, novo escândalo e assim sucessivamente.<br />
“This pattern persists today: Rodney King’s public beating led to<br />
careful findings by the Christopher Commission, 5 followed by the LAPD’s<br />
questionable effort to fix the problems, and ten years later, the massive<br />
367
368<br />
Controles internos policiais ou como a polícia vigia a polícia.<br />
Ramparts scandal which in many ways was more harmful to the police<br />
and the criminal justice in Los Angeles 1 (Varenik 2006).<br />
No entanto, no final da década <strong>de</strong> 60, segundo o autor, começaram<br />
os esforços para a criação <strong>de</strong> mecanismos permanentes <strong>de</strong> accountability,<br />
primeiro através <strong>de</strong> controles externos, focados no recebimento e, em<br />
alguns casos, na investigação <strong>de</strong> queixas cidadãs contra a polícia. Ao longo<br />
do tempo, os limites dos controles externos se tornaram evi<strong>de</strong>ntes nas<br />
ca<strong>de</strong>ias internas do comando policial, mas a lição ficou clara: era necessário<br />
criar mecanismos permanentes <strong>de</strong> accountability para garantir a atenção<br />
necessária aos problemas associados ao controle policial. Há um acúmulo<br />
<strong>de</strong> aprendizagem importante, em particular durante os últimos 30 anos.<br />
Varenik apresenta um conjunto <strong>de</strong> lições, entre elas:<br />
Para alcançar mo<strong>de</strong>los sustentáveis <strong>de</strong> accountability, a polícia <strong>de</strong>ve<br />
ser sujeito e objeto dos processos <strong>de</strong> reforma. Devemos conseguir que a<br />
polícia assuma um papel que garanta o sucesso das reformas por meio <strong>de</strong><br />
sistemas apropriados <strong>de</strong> controle e prestação <strong>de</strong> contas.<br />
Focar exclusivamente casos é um meio ineficiente para acabar com<br />
a má conduta policial ou promover boas práticas. O argumento é simples:<br />
as más condutas da polícia têm por trás aspectos institucionais fundamentais<br />
(a seleção, o treinamento, os incentivos, a cultura policial, a supervisão,<br />
etc.), que <strong>de</strong>vem ser abordados mediante estratégias <strong>de</strong> maior impacto.<br />
Na prática, accountability requer múltiplos mecanismos, internos e<br />
externos, relacionados por meio <strong>de</strong> sistemas que permitam sua<br />
complementação.<br />
A relevância <strong>de</strong> tal complementação é extraordinária, porque um<br />
sistema <strong>de</strong>sequilibrado <strong>de</strong> controles internos e externos po<strong>de</strong>, em vez <strong>de</strong><br />
fortalecer, <strong>de</strong>bilitar alguns <strong>de</strong>les ou ambos.<br />
“Although we have emphasized here the importance of <strong>de</strong>veloping<br />
internal mechanisms it’s also necessary to un<strong>de</strong>rline that these mechanisms<br />
will function better if they’re subject to a constructive regimen of review,<br />
audit, analysis and constructive input. Sadly, it’s probable in any force<br />
that cases will arise in which the internal system does not function as we<br />
would like and where it will be necessary to have the external capacity to
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares<br />
ensure investigation, resolution and communication to the public and the<br />
police. If there is one indisputable truth arising from long experience in<br />
this area, it’s that we need to strike a healthy balance between ultimately<br />
ensuring the primary role of internal mechanisms in controlling police<br />
conduct and maintaining vibrant external mechanisms whose scrutiny and<br />
pressure will act as a spur on the police to keep the house in or<strong>de</strong>r”<br />
(Varenik 2006).<br />
As implicações <strong>de</strong> accountability incluem percepção, investigação,<br />
vigilância e análise da conduta, seja boa ou má, e a imposição das<br />
conseqüências necessárias para que o oficial e a instituição como um todo<br />
assimilem na prática as lições <strong>de</strong> sua experiência. Isso implica, por um<br />
lado, o sistema disciplinar –punição e prêmios- porém, muito mais<br />
importante é a construção <strong>de</strong> sistemas sólidos <strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong> informação e<br />
análise, <strong>de</strong> comunicação e gestão estratégica, <strong>de</strong> maneira que as políticas,<br />
o treinamento, os valores e os comandos das instituições policiais se<br />
reflitam na prática <strong>de</strong> todo o pessoal. Essa perspectiva centraliza o princípio<br />
<strong>de</strong> accountability, como uma plataforma que garante o controle, o<br />
escrutínio e a responsabilida<strong>de</strong> da polícia pelas ações que realiza. Mas vai<br />
além e abrange o valor da aprendizagem como um processo para a melhora<br />
contínua e a manutenção <strong>de</strong> um diálogo que seja transparente, informado<br />
e mutuamente respeitoso entre a polícia e os promotores <strong>de</strong> instituições<br />
policiais que respeitam os direitos (Varenik 2006).<br />
Trata-se <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>r a idéia que consi<strong>de</strong>ra apenas um treinamento<br />
eficiente e um bom pessoal como os melhores instrumentos para minimizar<br />
os riscos associados à função policial, para pensar em instituições que<br />
revisam e analisam suas práticas, comunicam seus resultados e somam<br />
conseqüências a suas conclusões, e assim garantem boas práticas nas ruas.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma combinação: normas e políticas claras com processos <strong>de</strong><br />
revisão e <strong>de</strong>cisão que permitam à instituição orientar melhor a seus oficiais.<br />
Os indicadores que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> revisão e<br />
análise fortalecem a estrutura <strong>de</strong> accountability porque permitem uma<br />
melhor avaliação sobre como os indivíduos, as unida<strong>de</strong>s e a instituição em<br />
seu conjunto se comportam. (Varenik 2006).<br />
A seguir faremos uma <strong>de</strong>scrição e breve análise dos <strong>de</strong>nominados<br />
controles internos policiais (CIP), também conhecidos como accountability<br />
ou supervisão interna, não sem antes ressaltar que qualquer mecanismo<br />
369
370<br />
Controles internos policiais ou como a polícia vigia a polícia.<br />
eficaz <strong>de</strong> vigilância reforça uma ativida<strong>de</strong> policial efetiva e respeitosa, já<br />
que favorece a cooperação com a cidadania e diminui a violação dos direitos<br />
fundamentais.<br />
II. DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS CONTROLES INTERNOS<br />
DA POLÍCIA (CIP).<br />
De acordo com Bayley (em Varenik, 2005: 31-sigs.), as modalida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> controle po<strong>de</strong>m ser vistas da seguinte maneira:<br />
Figura 1.<br />
A amplitu<strong>de</strong> estrutural fica reduzida à <strong>de</strong>finição proporcionada por<br />
diversos autores dos CIP. Neild (s/a) os <strong>de</strong>fine como aqueles que "em<br />
linhas gerais, regulam e orientam as ativida<strong>de</strong>s cotidianas da instituição,<br />
tratam casos particulares <strong>de</strong> abuso, e po<strong>de</strong>m colaborar na análise e<br />
transformação <strong>de</strong> procedimentos e sistemas administrativos e reguladores
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares<br />
para refinar a capacida<strong>de</strong> policial, melhorar seu <strong>de</strong>sempenho e eficiência,<br />
e elevar sua conduta ética."<br />
Varenik (2005:32) assinala que "accountability interna é a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma corporação <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong> investigar a má conduta <strong>de</strong><br />
seus próprios agentes, e sua capacida<strong>de</strong> para examinar e controlar seu<br />
uso da força, atributo que o diferencia <strong>de</strong> outras entida<strong>de</strong>s civis."<br />
Para Caparini (2003:5), a forma <strong>de</strong> controle interno, o autocontrole<br />
policial, "refere-se à socialização dos oficiais <strong>de</strong> polícia e à interiorização<br />
das normas e da ética policial <strong>de</strong>mocrática através do treinamento,<br />
educação, “níveis <strong>de</strong> profissionalização”, o exemplo dado pelos oficiais<br />
mais antigos, e a cultura <strong>de</strong>ntro da organização policial, mais<br />
amplamente."<br />
Call (2003:9), por seu lado, afirma que os mecanismos internos<br />
<strong>de</strong> vigilância "incluem qualquer unida<strong>de</strong> interna que investiga ou relata as<br />
infrações cometidas pelo pessoal <strong>de</strong> polícia (por exemplo, “Unida<strong>de</strong>s<br />
Disciplinares”, “Assuntos Internos”, etc)."<br />
Para a International Advisory Commission of the Commonwealth<br />
Human Rights Initiative (Okudzeto, 2005:60, no mesmo sentido Gareth,<br />
2005), dois mecanismos <strong>de</strong>finem a accountability interna:<br />
o ambiente disciplinar, construído em base ao aparato<br />
formal para reprimir e censurar a má conduta policial<br />
e pela cultura informal que prevalece na instituição e<br />
a relativamente nova técnica do controle gerencial do<br />
<strong>de</strong>sempenho policial, através da configuração dos<br />
objetivos e da análise estatística (indicadores <strong>de</strong> gestão<br />
e qualida<strong>de</strong>).<br />
A informação que <strong>de</strong>riva dos indicadores <strong>de</strong> disciplina policial<br />
(information managment systems ou sistemas <strong>de</strong> “early warning”) são<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância na medida que proporcionam elementos para a<br />
prevenção da má conduta, o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> seleção,<br />
capacitação, atualização, premiação e promoção <strong>de</strong> agentes, assim como<br />
<strong>de</strong> punições; e, claro, a melhora institucional, tanto na resposta às<br />
<strong>de</strong>mandas cidadãs quanto nos procedimentos internos <strong>de</strong> controle.<br />
371
372<br />
Controles internos policiais ou como a polícia vigia a polícia.<br />
Características<br />
De acordo com Neild (s/a), as características gerais são as seguintes:<br />
· são mecanismos administrativos (Caparini, 2003)<br />
· estão estabelecidos nas leis orgânicas da polícia,<br />
regulamentos disciplinares, regulamentos operativos ou<br />
códigos <strong>de</strong> ética (nesse sentido, Alemika e Chukwuma,<br />
2003)<br />
· são regidos por leis nacionais e internacionais, inclusive<br />
a jurisprudência (princípio básico da legalida<strong>de</strong>, rule of<br />
law ou due process, ver Okudzeto, 2005:53)<br />
· regulam processos disciplinares (Neild, s/a; Varenik,<br />
2005:32; Caparini 2003:5, Call, 2003:9; Okudzeto,<br />
2005:60; Gareth, 2005)<br />
· as regras não são consistentes: infrações menores/<br />
infrações graves; centralizada/<strong>de</strong>scentralizada (Neild,<br />
s/a)<br />
· po<strong>de</strong>m ser verticais (disciplina exercida por linha <strong>de</strong><br />
comando) ou horizontais (mecanismos internos<br />
especializados em disciplina –ouvidorias gerais,<br />
unida<strong>de</strong>s disciplinares ou <strong>de</strong> controle e <strong>de</strong>partamentos<br />
<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> profissional); centralizados,<br />
<strong>de</strong>scentralizados ou <strong>de</strong> criação discricionária.<br />
No entanto, existem elementos chave para seu bom funcionamento:<br />
· vonta<strong>de</strong> política (Neild, s/a; Alemika e Chukwuma,<br />
2003: 52)<br />
· li<strong>de</strong>rança (Neild, s/a; Bayley, 2001:20 6 ; US Department<br />
of Justice, 2001:11; Okudzeto, 2005:63, 65)<br />
· in<strong>de</strong>pendência (Neild, s/a; O’neill, 2005:7)<br />
· confiabilida<strong>de</strong> (Neild, s/a; Varenik, 2005:41)<br />
· transparência (Cano, s/a, Neild, s/a, Varenik, 2005;<br />
Okudzeto, 2005:65, 66)
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares<br />
· objetivos imparciais (US Department, 2001:8, Varenik,<br />
2005: 41; Okudzeto, 2005:66)<br />
· eficiência (O’neill, 2005:7)<br />
· baseados no princípio <strong>de</strong> segurança jurídica (Neild, s/<br />
a, Varenik: 2005:41)<br />
· conta com pessoal idôneo e bem capacitado,<br />
profissional (Neild, s/a, Okudzeto, 2005:66)<br />
· baseados num sistema gerencial idôneo (Okudzeto,<br />
2005:66)<br />
Alguns elementos que dificultam o bom funcionamento dos CIP<br />
Varenik (2005) i<strong>de</strong>ntifica um ponto central no registro da<br />
informação: qualida<strong>de</strong>, constância e sistematização. Neild (s/a), por sua<br />
vez, aponta o alto hermetismo e confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong> nos processos como<br />
duas barreiras relacionadas à informação (especialmente pela fragilida<strong>de</strong><br />
do controle <strong>de</strong>vido ao número <strong>de</strong> casos, sobre os tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia,<br />
nome e cargo do oficial, estado da investigação ou julgamento, coesão e<br />
proporção da punição. A qualida<strong>de</strong> da informação é necessária na prevenção<br />
<strong>de</strong> abusos: análise <strong>de</strong> dados para i<strong>de</strong>ntificar padrões, qualida<strong>de</strong> da gestão<br />
policial e a administração da força e práticas operativas nocivas.)<br />
Por sua vez, Okudzeto (2005:53-56), i<strong>de</strong>ntifica os seguintes pontos<br />
fracos na prática:<br />
· estruturas hierárquicas rígidas<br />
· problemas na implementação, especialmente os<br />
relativos à cultura institucional particular (falta <strong>de</strong><br />
vonta<strong>de</strong>, processos obscuros, manipulação da evidência)<br />
· li<strong>de</strong>rança<br />
· regulamentação imprecisa sobre a gravida<strong>de</strong> das faltas<br />
· secrecy ou código do silêncio<br />
· os problemas da investigação e uso da informação<br />
373
374<br />
Controles internos policiais ou como a polícia vigia a polícia.<br />
Os cinco valores básicos são (Okudzeto, 2005:66):<br />
· clareza nos objetivos da organização<br />
· transparência<br />
· visibilida<strong>de</strong> e respeito aos limites da ativida<strong>de</strong> policial<br />
· responsabilida<strong>de</strong>. Cada membro é pessoalmente<br />
fiscalizável em relação a suas ações<br />
· empo<strong>de</strong>ramento. A tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>ve ser<br />
baseada na prática.<br />
"O abuso policial po<strong>de</strong> ser corrigido eficazmente com uma<br />
dupla estratégia: por um lado, a punição dos indivíduos responsáveis<br />
por abusos e, por outro, a correção das fraquezas institucionais ou<br />
<strong>de</strong> uma prática policial nociva. O primeiro requer que as autorida<strong>de</strong>s<br />
judiciais e policiais estejam dispostas a investigar e punir o crime. O<br />
segundo po<strong>de</strong> ser alcançado através <strong>de</strong> uma ampla gama <strong>de</strong><br />
medidas, como uma boa capacitação ou a reforma <strong>de</strong> regulamentos<br />
e a adoção <strong>de</strong> novos mo<strong>de</strong>los policiais como aqueles chamados<br />
“community policing” (polícia comunitária)."<br />
III. MODELOS DE CIP<br />
Os CIP são convencionalmente vistos como uma medida contra a<br />
corrupção e os abusos policiais, e como sistema <strong>de</strong> aperfeiçoamento<br />
profissional, conceito dominante a respeito <strong>de</strong> todo mecanismo <strong>de</strong><br />
accountability.<br />
"A responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo governo é manter uma polícia<br />
sob accountability. Mas é responsabilida<strong>de</strong> dos policiais<br />
assegurarem que os sistemas internos garantam disciplina, bom<br />
<strong>de</strong>sempenho e um bom ambiente na ativida<strong>de</strong> policial.<br />
Convencionalmente, os sistemas internos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m quase<br />
exclusivamente da investigação policial <strong>de</strong> outros policiais. Sua<br />
eficiência reflete o grau <strong>de</strong> compromisso da polícia em manter<br />
os mais altos níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções." (Okudzeto,<br />
2005:60).
Varenik (2005:55-60) proporciona um mo<strong>de</strong>lo genérico muito<br />
didático:<br />
· admissão<br />
· processamento<br />
· disposição<br />
· revisão<br />
Para Okudzeto (2005:52) o sistema interno, ao lidar com a má<br />
conduta séria, se divi<strong>de</strong> em quatro partes:<br />
· queixa<br />
· investigação<br />
· audiência<br />
· apelação<br />
Ambos os autores coinci<strong>de</strong>m no conteúdo do processo (Okudzeto,<br />
2005; Varenik, 2005; Neild, s/a).<br />
acesso<br />
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares<br />
Figura 2.<br />
375
376<br />
Controles internos policiais ou como a polícia vigia a polícia.<br />
Existem duas formas <strong>de</strong> lidar com as queixas (Neild, s/a):<br />
· ofensas menores. Investigadas pelo imediato superior<br />
hierárquico<br />
· ofensas sérias. Geralmente são investigadas por<br />
agências fora da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comando tais como uma<br />
unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigação interna <strong>de</strong>ntro da organização<br />
policial, comitês disciplinares ad-hoc, compostos por<br />
oficiais policiais mais antigos; ou por agências externas.<br />
Todos seguem as regras do <strong>de</strong>vido processo.<br />
Relação entre os CIP e os Controles Externos<br />
Os CIP e os controles externos não são exclu<strong>de</strong>ntes nem<br />
contraditórios, pelo contrário, ambos são importantes, necessários e<br />
complementares (Bayley, 1985: 158, Call, 2003:9, O’neill, 2005:7; Alemita<br />
e Chukwuma, 2003:56). A experiência <strong>de</strong>monstra que sem mecanismos<br />
externos é muito provável que os internos tenham absoluta<br />
discricionarieda<strong>de</strong> para <strong>de</strong>terminar quais assuntos são suscetíveis <strong>de</strong><br />
investigação e quais não, o que po<strong>de</strong> ser complicado, especialmente<br />
quando se trata da violação dos direitos humanos, como casos <strong>de</strong> tortura<br />
ou execuções extrajudiciais.<br />
Para Bayley (1985:177-178, também Neild, s/a), em princípio os<br />
controles internos são preferíveis por três razões:<br />
· estão mais bem informados que os externos;<br />
· po<strong>de</strong>m ser mais minuciosos, completos e extensivos;<br />
· po<strong>de</strong>m ser mais variados, sutis e diferenciados.<br />
A questão sobre a dificulda<strong>de</strong> da confiança resi<strong>de</strong> em que nesse<br />
tipo <strong>de</strong> controle é a polícia que se investiga a si própria (Alemita e<br />
Chukwuma, 2003:55; ), o que po<strong>de</strong> acarretar numa investigação simplista<br />
e incompleta; em muitos aspectos, reascen<strong>de</strong> o velho conflito sobre "quem<br />
vigia o vigilante", basicamente por três motivos (Neild, s/a): falta <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />
política, li<strong>de</strong>rança fraca e uma longa tradição repressora (militar e política),<br />
especialmente na América Latina.
Os sistemas <strong>de</strong> controle externos são complementares aos CIP<br />
(Gareth, 2005: 3,8, Call, 2003:9; Newham, 2000.). Em todo caso, parece<br />
que estes são os que contam com os melhores instrumentos para lidar<br />
efetiva e rapidamente com os problemas <strong>de</strong> má conduta e tomar ações<br />
para emendá-las. Por sua vez, os controles externos são outra fonte<br />
receptora <strong>de</strong> queixas e <strong>de</strong>núncias e supervisionam não apenas a ação<br />
policial, mas também a própria ação dos CIP (Neild, s/a).<br />
O sucesso ou fracasso da relação entre ambos resi<strong>de</strong> nas dinâmicas <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> ambos os tipos <strong>de</strong> controle, ou seja, entre os <strong>de</strong>partamentos<br />
<strong>de</strong> polícia, a socieda<strong>de</strong> civil e as instituições <strong>de</strong> segurança em si.<br />
Em muitos sentidos, as <strong>de</strong>ficiências dos CIP foram compensadas pelos<br />
controles externos (Cano s/a), como as agências <strong>de</strong> Direitos Humanos,<br />
mas esses não po<strong>de</strong>riam funcionar sem a cooperação dos CIP, em gran<strong>de</strong><br />
medida porque colaboram proporcionando, basicamente, informação.<br />
De qualquer forma, o inegável é que a informação que geram ambos<br />
os meios <strong>de</strong> controle contribue para a melhora da conduta, tanto<br />
institucional como a dos oficiais: políticas <strong>de</strong> mudança e recomendações,<br />
ações corretivas e <strong>de</strong> reforma, em qualquer etapa do recrutamento ou<br />
seleção para a promoção ou punição.<br />
CIP e <strong>de</strong>mocracia<br />
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares<br />
"O policiamento <strong>de</strong>mocrático está baseado na idéia <strong>de</strong> uma<br />
polícia protetora dos direitos dos cidadãos e vigilante da lei, enquanto<br />
garante a segurança <strong>de</strong> todos por igual." 7<br />
Dentro das teorias constitucionalistas, alcançar um Estado Social e<br />
Democrático <strong>de</strong> Direito (Díaz, 1979:29; Croswell e Baltasar, 1996:137)<br />
significa concretizar fundamentalmente, embora não <strong>de</strong> forma exclusiva,<br />
os seguintes princípios:<br />
· império da lei: lei como expressão da vonta<strong>de</strong> geral.<br />
· divisão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res: legislativo, executivo e judicial.<br />
· legalida<strong>de</strong> da administração: atuação segundo a lei e<br />
controle judicial suficiente.<br />
377
378<br />
Controles internos policiais ou como a polícia vigia a polícia.<br />
· direitos e liberda<strong>de</strong>s fundamentais: garantia jurídicoformal<br />
e efetiva realização material<br />
Tais princípios ganham uma importância maior ainda quando se trata<br />
do uso do monopólio da coerção legítima, monopólio que a polícia ostenta<br />
diante da socieda<strong>de</strong>. Como conseqüência, os Estados têm a obrigação <strong>de</strong><br />
implementar medidas especiais no uso da mesma, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> que<br />
sua ação <strong>de</strong>ve estar baseada nos interesses da socieda<strong>de</strong> que protegem e<br />
não nos interesses dos políticos ou dos próprios da instituição.<br />
Os CIP se tornam assim um dos instrumentos fundamentais na<br />
consolidação <strong>de</strong>mocrática das instituições toda vez que inci<strong>de</strong>m a vonta<strong>de</strong><br />
policial do autocontrole. É uma das características <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> policial<br />
<strong>de</strong>mocrática (são uma base no sistema <strong>de</strong> pesos e contrapesos que<br />
caracteriza todo sistema <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> governabilida<strong>de</strong>), uma das<br />
maneiras que permite lidar com a má conduta institucional e que, portanto,<br />
gera resultados (Okudzeto, 2005: 27).<br />
"Todo sistema <strong>de</strong> accountability que funcione bem está<br />
baseado, sobretudo, em mecanismos, processos e procedimentos<br />
<strong>de</strong> controle interno. Os sistemas <strong>de</strong> disciplina confiáveis, assim como<br />
os apropriados níveis <strong>de</strong> treinamento e supervisão, e sistemas <strong>de</strong><br />
monitoramento, avaliação e histórico <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, assim como<br />
registro <strong>de</strong> informação criminal, criam o aparato necessário que<br />
mantém o nível da ativida<strong>de</strong> policial no alto."<br />
"É possível i<strong>de</strong>ntificar elementos-chave numa estrutura legal sólida<br />
para uma ativida<strong>de</strong> policial <strong>de</strong>mocrática e para a accountability da polícia.<br />
Estes são:<br />
· o irrestrito respeito aos direitos humanos na <strong>de</strong>finição<br />
dos <strong>de</strong>veres policiais<br />
· procedimentos claros <strong>de</strong> supervisão e controles<br />
<strong>de</strong>mocráticos<br />
· sistemas disciplinares internos fortes, a<strong>de</strong>quados e<br />
justos<br />
· cooperação entre os mecanismos internos e externos<br />
<strong>de</strong> accountability policial
IV. CONCLUSÕES<br />
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares<br />
· pelo menos uma unida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que receba as<br />
queixas a respeito da conduta policial<br />
· supervisão multipartidária sobre a polícia através dos<br />
órgãos colegiados, como parlamentos, legislaturas ou<br />
conselhos locais<br />
· interação obrigatória entre a polícia e a cidadania"<br />
Mais do que conclusões, nessa reflexão final queremos lançar um<br />
conjunto <strong>de</strong> questionamentos que aten<strong>de</strong>m a uma preocupação central:<br />
alcançar a eficiência e legitimida<strong>de</strong> dos controles policiais, internos e<br />
externos, em instituições policiais cronicamente fracas, como é o caso<br />
freqüentemente na América Latina, parece um <strong>de</strong>safio extraordinariamente<br />
complexo; e mais ainda, na medida que a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> institucional da polícia<br />
tem sido um fator funcional a seu caráter autoritário intrínseco, estabelecer<br />
controles po<strong>de</strong> supor processos enormes <strong>de</strong> reconstrução na polícia,<br />
que incluem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua base doutrinária até seus instrumentos operativos<br />
mais específicos. Por isso, perguntamos para o <strong>de</strong>bate:<br />
· Como direcionar os policiais a uma autêntica apropriação da idéia<br />
<strong>de</strong> que os controles os fortalecem, não os <strong>de</strong>bilitam, quando operam<br />
num contexto institucional que propicia, explora e tolera o abuso?<br />
· Como propiciar um alinhamento <strong>de</strong> expectativas entre a polícia e<br />
os cidadãos, <strong>de</strong> forma que os controles funcionem como instrumentos<br />
reguladores capazes <strong>de</strong> resultar em benefícios recíprocos?<br />
· Como introduzir o instrumental técnico necessário para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento institucional dos controles internos na polícia, quando<br />
não há experiência nem conhecimento a respeito?<br />
· Que método ou métodos seguir para incentivar dinâmicas <strong>de</strong><br />
aprendizagem no interior da polícia, em prol do controle <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho?<br />
· É possível impulsionar a reforma institucional para construir<br />
controles eficientes sem precisar <strong>de</strong>senvolver uma leitura aprofundada e<br />
informada da cultura policial?<br />
379
380<br />
Controles internos policiais ou como a polícia vigia a polícia.<br />
· Como induzir na socieda<strong>de</strong> civil organizada os incentivos<br />
necessários para habilitá-la como contrapeso e controle externo da polícia<br />
quando a socieda<strong>de</strong> muitas vezes propicia o abuso policial?<br />
· Como induzir nos órgãos do Estado (legislativo, po<strong>de</strong>r judicial,<br />
ombudsman) um processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> ferramentas para o controle<br />
externo da polícia?<br />
· No terreno policial operativo, como operar a mudança <strong>de</strong><br />
esquemas estratégicos e táticos historicamente intuitivos e governados<br />
principalmente por controles informais a esquemas técnicos controlados<br />
por plataformas formais <strong>de</strong> controle?<br />
Notas<br />
1 Este texto foi elaborado para discussão no curso Questões Contemporâneas da Ação Policial:<br />
Desafios para a América Latina. Curso <strong>de</strong> Li<strong>de</strong>rança para o Desenvolvimento Institucional<br />
Policial, realizado entre 6 e 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2006 na se<strong>de</strong> da ONG Viva Rio, Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Brasil. É uma plataforma básica e <strong>de</strong>scritiva sobre os controles internos da polícia no fórum<br />
internacional. Está previsto discutir a valida<strong>de</strong> da teoria frente à experiência policial concreta<br />
por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates com os policiais que participem do curso, oriundos <strong>de</strong> cinco países (Argentina,<br />
Brasil, Colômbia, Chile e México.<br />
2 Bayley, 2001:40. Neste Sentido Neild (s/a) <strong>de</strong>staca que as CIP <strong>de</strong>vem ser criados e entrar em<br />
operação na primeira etapa no processo da reforma policial.<br />
3 O Instituto para a Segurança e a Democracia mantém uma ampla discussão interna sobre o<br />
conceito e os alcances do termo accountabilty, assim como sobre sua melhor tradução para o<br />
espanhol, no contexto temático da reforma policial <strong>de</strong>mocrática.<br />
4 Este texto foi elaborado para discussão no curso Questões Contemporâneas da Ação Policial:<br />
Desafios para a América Latina. Curso <strong>de</strong> Li<strong>de</strong>rança para o Desenvolvimento Institucional<br />
Policial, realizado entre 6 e 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2006 na se<strong>de</strong> da ONG Viva Rio, Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Brasil. É uma plataforma básica e <strong>de</strong>scritiva sobre os controles internos da polícia no fórum<br />
internacional. Está previsto discutir a valida<strong>de</strong> da teoria frente à experiência policial concreta<br />
por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates com os policiais que participem do curso, oriundos <strong>de</strong> cinco países (Argentina,<br />
Brasil, Colômbia, Chile e México).<br />
5 O relatório está disponível em http://www.parc.info/reports/pdf/chistophercommision.pdf<br />
6 O papel do diretor <strong>de</strong> polícia é consi<strong>de</strong>rado como "… the key to changing any aspect of<br />
policing."<br />
7 Okudzeto, 2005:24<br />
Referência Bibliográfica<br />
Alemika, E.E.O., Chukwuma, I.C., ed. (2003). <strong>Civil</strong>ian Oversight and Accountability of Police in<br />
Nigeria. Lagos: Centre for Law Enforcement Education (CLEEN).<br />
Bayley, David H. (1985). Patterns of Policing. New Brunswick, N.J: Rutgers University Press.<br />
Bayley, David H. (2001). Democratizing the police abroad: what to do and how to do it.
Ernesto López Portillo Vargas e Verónica Martínez Solares<br />
Washington: U.S. Department of Justice, National Institute of Justice.<br />
Call, Charles T. (2003). Challenges in Police Reform: promoting effectiveness and accountability.<br />
NY: International Peace Aca<strong>de</strong>my.<br />
Cano, Ignacio (s/a), Police Oversight in Brazil.<br />
Caparini, Marina (2002). Police reform: issues and experiences. Fifth International Security<br />
Forum, Zurich, 14-16 October.<br />
Crosswell Arenas, Mario, Baltasar Samayoa, Salomón (1996). “Estado <strong>de</strong> Derecho y Procuración<br />
<strong>de</strong> Justicia”, em Crónica Legislativa, ano V, Nueva Época, no. 8, abril-maio, México.<br />
Díaz, Elías (1979). Estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho y sociedad contemporánea. Madrid: Editorial Cua<strong>de</strong>rnos<br />
para el Diálogo.<br />
Naval, Claire, Salgado Juan (2006). Irregularida<strong>de</strong>s, abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r y maltrato en el Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral. La relación <strong>de</strong> los agentes policiales y <strong>de</strong>l Ministerio Público con la población. México:<br />
Fundar, centro <strong>de</strong> análisis e investigación.<br />
Neild, Rachel. (s/a). Controles internos y órganos disciplinarios policiales. Serie Temas y Debates<br />
en la Reforma <strong>de</strong> la Seguridad Pública. Una guía para la sociedad civil. Washington, DC: WOLA.<br />
Newburn, Tim, ed. (2003). The handbook of Policing. UK: Willian Publishing.<br />
Newburn, Tim, ed. (2005). Policing key readings. UK: Willian Publishing.<br />
Newham, Gareth (2000). Towards Un<strong>de</strong>rstanding and Combating Police Corruption, en Crime<br />
and Conflict. No. 19, pp. 21-25, outono, 2000. Africa do Sul: Centre for the Study of Violence and<br />
reconciliation.<br />
Newham, Gareth (2002). Tackling Police Corruption in South Africa. Africa do Sul: Centre for<br />
the Study of Violence and reconciliation.<br />
Newham, Gareth (2005). Internal Police Systems for Officer Control: A strategic focus area for<br />
improving civilian oversight and police accountability in South Africa. Africa do Sul: Centre for<br />
the Study of Violence and reconciliation.<br />
O’neill, William G (2005). Police reform in port-conflicts societies: what we know and what we<br />
still need to know. NY: International Peace Aca<strong>de</strong>my<br />
Okudzeto, Sam, chair (2005). CHIR’s relatório 2005. Police accountability: too important to<br />
neglect, to urgent to <strong>de</strong>lay. India: International Advisory Commission of the Commonwealth<br />
Human Rights Initiative.<br />
Punch, Maurice (2003). Rotten Orchards: “Pestilence”, Police Misconduct and System Failure.<br />
UK. Routledge, Policing and Society, 2003, Vol. 13, No. 2. pp. 171-196.<br />
Samual e Alpert (2000). Police Accountability: Establishing an Early Warning System.<br />
International City/County Management Association (ICMA) inquiry Sernice. Vol. 32, no. 8.<br />
Agosto 2000.<br />
Us. Department of Justice (2001). Principles for promoting police integrity. Examples of promising<br />
police practices and policies.<br />
Varenik, Robert O. coord. (2005) Accountability. Sistemas policiales <strong>de</strong> rendición <strong>de</strong> cuentas.<br />
Estudio internacional comparado. México: Centro <strong>de</strong> Investigación y Docencia Económicas e<br />
Instituto para la Seguridad y la Democracia.<br />
Varenik, Robert O. (2006) Toward the best possible police: basic i<strong>de</strong>as in accountability. Inédito.<br />
381
382<br />
Comunicação<br />
MECANISMOS E PROCEDIMENTOS DE CONTROLE<br />
INTERNO<br />
UM OLHAR DA ARGENTINA<br />
Santiago Veiga * e Ignacio Romano **<br />
INTRODUÇÃO<br />
Nos últimos anos, <strong>de</strong>vido à explosão do fenômeno da criminalida<strong>de</strong>,<br />
têm surgido muitas críticas às forças policiais e <strong>de</strong> segurança na Argentina<br />
e na região; vinculadas em sua maioria à corrupção, pouco profissionalismo,<br />
limitações na sua capacida<strong>de</strong> operativa, e manipulação política das mesmas.<br />
Uma situação como essa gerou uma forte <strong>de</strong>manda social sobre as<br />
autorida<strong>de</strong>s públicas para que façam as reformas necessárias para elevar<br />
os níveis <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do serviço policial; <strong>de</strong>manda que em alguns casos<br />
foi recebida e transformada em ações –não sempre mantidas ao longo do<br />
tempo- e em outros motivou simples mudanças externas nos gabinetes<br />
ministeriais ou na gestão das instituições policiais.<br />
De alguma forma, pela primeira vez em muito tempo, surgiu na<br />
Argentina a consciência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar com as instituições<br />
envolvidas em favor <strong>de</strong> uma melhora no rendimento policial diante da<br />
evidência <strong>de</strong> que os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> gestão vigentes das polícias não geravam<br />
resultados capazes <strong>de</strong> combater o problema da insegurança.<br />
Enquanto a gama <strong>de</strong> fatores associados ao aumento da criminalida<strong>de</strong><br />
–do tipo socioeconômico, <strong>de</strong>mográfico-cultural e institucional, mais o<br />
efeito acelerador da violência das drogas e as armas <strong>de</strong> fogo - operavam<br />
sobre a realida<strong>de</strong>, as ativida<strong>de</strong>s criminosas –em alguns casos com a ajuda<br />
da tecnologia- adotaram um comportamento mais dinâmico para maximizar<br />
seus lucros e minimizar os riscos. As instituições policiais, enquanto isso,<br />
procuraram livrar-se <strong>de</strong> um esquema rígido, burocrático e vertical para<br />
acompanhar <strong>de</strong> perto as mutações do crime, o que em alguns casos<br />
pu<strong>de</strong>ram cumprir. Novas modalida<strong>de</strong>s criminosas <strong>de</strong>mandam soluções<br />
complexas e integrais, que vão além da questão policial e que <strong>de</strong> jeito<br />
nenhum po<strong>de</strong>m ser reduzidas a botar mais polícias nas ruas ou comprar<br />
mais viaturas. No que se refere estritamente à questão policial, a solução<br />
* Lic. em Ciências Políticas, Mestre em Políticas Públicas e Diretor Executivo Fundação FUNDAR<br />
** Lic. em Ciências Políticas e Advogado<br />
ARGENTINA
inclui uma gestão mais eficaz e eficiente por parte dos operadores do<br />
sistema, o que supõe –imediatamente- contar com os meios humanos e<br />
materiais necessários para esse fim.<br />
Nos parágrafos seguintes se procurará apresentar diversas<br />
ferramentas <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> gestão policial, incluindo o controle interno.<br />
Posteriormente serão apresentados os <strong>de</strong>safios impostos a esse tipo <strong>de</strong><br />
mecanismos e, por último, se procurará apresentar as razões pelas quais<br />
dificilmente será possível melhorar o rendimento policial sem a vonta<strong>de</strong><br />
política dos tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão para pôr à disposição das instituições<br />
policiais e <strong>de</strong> segurança as condições materiais, mecanismos e incentivos<br />
para <strong>de</strong>sempenhar eficazmente sua função.<br />
MECANISMOS DE CONTROLE INTERNO<br />
Assuntos Internos<br />
Santiago Veiga e Ignacio Romano<br />
Todo mecanismo <strong>de</strong> controle interno nas forças <strong>de</strong> segurança tem<br />
por objetivo verificar se o pessoal, em todo os níveis, cumpre com as<br />
obrigações gerais em sua posição <strong>de</strong> policial, e mais especificamente se<br />
trabalha com eficiência para cumprir com os objetivos impostos pela sua<br />
função, da vigilância fixa numa esquina até a direção <strong>de</strong> uma<br />
Superintendência.<br />
Talvez o método <strong>de</strong> controle mais tradicional nas polícias seja o<br />
trabalho <strong>de</strong> investigação realizado pelas áreas <strong>de</strong> Assuntos Internos. Estas<br />
trabalham normalmente com base na investigação <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias sobre<br />
<strong>de</strong>sempenho ruim, corrupção, <strong>de</strong>scumprimento dos <strong>de</strong>veres como<br />
funcionário público, abusos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> etc., mas, surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />
em poucos casos são analisadas estatísticas <strong>de</strong> procedimentos ou resultados<br />
obtidos sobre os objetivos assinalados. Em geral, não é realizada uma<br />
avaliação <strong>de</strong> rendimento ou produtivida<strong>de</strong> para premiar os bons policiais,<br />
mas somente se procura caçar os culpados. Ou seja, o trabalho <strong>de</strong> Assuntos<br />
Internos procura gerar dissuasão e castigo, mas não incentiva o bom<br />
<strong>de</strong>sempenho.<br />
Qualquer polícia que já tenha trabalhado nas ruas e próximo aos<br />
problemas sabe que, para esse sistema <strong>de</strong> controle quem se esforça por<br />
combater o crime e consegue controlá-lo em sua jurisdição provavelmente<br />
383
384<br />
Mecanismos e procedimentos <strong>de</strong> controle interno<br />
Um olhar da Argentina<br />
terá que enfrentar diversas acusações 1 por abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>,<br />
confiscações ilegais etc. Esse tipo <strong>de</strong> acusações, quando injustas,<br />
constituem, no esquema tradicional, manchas na carreira pessoal que põem<br />
em dúvida a integrida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> do efetivo, como também sua<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascensão <strong>de</strong>ntro da organização; incentivando ao mesmo<br />
tempo uma política da “omissão” e pouca intervenção nos conflitos para<br />
os quais supostamente a polícia foi <strong>de</strong>signada. Os mecanismos tradicionais<br />
<strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> assuntos internos sobre o pessoal policial normalmente<br />
não são capazes <strong>de</strong> distinguir nesses casos quem efetivamente abusa <strong>de</strong><br />
sua autorida<strong>de</strong> e quem atua profissionalmente, chegando inclusive a arriscar<br />
sua própria vida para proteger a comunida<strong>de</strong>.<br />
O que foi exposto não implica negar a existência da corrupção policial<br />
e a participação <strong>de</strong> alguns policias em ativida<strong>de</strong>s criminais –sendo o<br />
narcotráfico uma das preferidas- por ação ou omissão. No entanto,<br />
Assuntos Internos também não funciona bem nesses casos, já que as cúpulas<br />
das instituições geralmente só permitem que se investigue superficialmente<br />
para cumprir formalida<strong>de</strong>s, às vezes por conivência e outras para evitar<br />
escândalos que afetem a instituição. Vi<strong>de</strong> as experiências <strong>de</strong> policiais<br />
honestos que investigam a corrupção interna e terminam sendo ameaçados,<br />
com suas carreiras relegadas e, inclusive, per<strong>de</strong>m a vida por represálias<br />
ou suas famílias são ameaçadas.<br />
O Desafio <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> alerta precoce para Controle Interno<br />
Seguindo algumas recomendações, as instituições policiais da região<br />
<strong>de</strong>veriam avançar em sistemas <strong>de</strong> alerta precoce – combinados com os<br />
mecanismos <strong>de</strong> assuntos internos - que aju<strong>de</strong>m a i<strong>de</strong>ntificar<br />
antecipadamente aqueles policiais com problemas <strong>de</strong> conduta no<br />
<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções; <strong>de</strong>senhar mecanismos <strong>de</strong> intervenção com<br />
esses policiais para conseguir mudanças <strong>de</strong> conduta positivas; reduzir os<br />
casos graves <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> assuntos internos; elevar os níveis <strong>de</strong> controle<br />
e prestação <strong>de</strong> contas da instituição policial; e melhorar a imagem policial<br />
com a comunida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> uma queda nas reclamações e <strong>de</strong>núncias<br />
por <strong>de</strong>sempenho ruim.<br />
Um mecanismo <strong>de</strong> alerta precoce como o proposto <strong>de</strong>veria servir<br />
como uma gran<strong>de</strong> base <strong>de</strong> dados para ser consultada pelos supervisores<br />
e comandos hierárquicos da força policial para i<strong>de</strong>ntificar aqueles policiais
Santiago Veiga e Ignacio Romano<br />
cuja conduta é problemática e, se seguirem nessa linha, possivelmente se<br />
envolverão em casos mais graves manchando ainda mais a já <strong>de</strong>sprestigiada<br />
imagem policial. Esse sistema <strong>de</strong> procedimento administrativo, além <strong>de</strong><br />
permitir i<strong>de</strong>ntificar os agentes cuja performance ou <strong>de</strong>sempenho resulte<br />
em possíveis problemas, <strong>de</strong>veria permitir também uma intervenção<br />
apropriada –na forma <strong>de</strong> conselhos ou treinamento- para reverter esse<br />
tipo <strong>de</strong> falhas. Desse modo, o sistema <strong>de</strong> alerta precoce funcionaria como<br />
um alarme que possibilita à mesma força policial intervir antecipadamente<br />
e evitar que o policial se coloque numa situação na qual <strong>de</strong>va receber<br />
sanções disciplinares formais ou se envolva em processos penais.<br />
Esse sistema <strong>de</strong>veria contar também, no mínimo, com três fases<br />
<strong>de</strong> ação, <strong>de</strong> acordo à seguinte or<strong>de</strong>m:<br />
Em primeiro lugar, um processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> agentes policiais<br />
para participar do programa. De acordo com os indicadores <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho que forem <strong>de</strong>terminados serão i<strong>de</strong>ntificados agentes policiais<br />
com problemas <strong>de</strong> conduta leves. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reclamações e <strong>de</strong>núncias<br />
que recebe um agente policial por parte dos cidadãos num <strong>de</strong>terminado<br />
período <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong>ve ser um indicador prioritário. No entanto, <strong>de</strong>verá<br />
ser utilizada uma combinação <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho e não<br />
unicamente as reclamações dos cidadãos.<br />
Em segunda instância, um processo <strong>de</strong> intervenção com o agente.<br />
Uma vez i<strong>de</strong>ntificado o agente policial cuja conduta seja problemática,<br />
será efetuada a intervenção com o agente para que este possa corrigir seu<br />
comportamento. A intervenção <strong>de</strong>verá consistir sempre numa medida<br />
não disciplinari. A estratégia básica <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong>verá combinar<br />
dissuasão, educação e do treinamento. Por meio da dissuasão, os agentes<br />
que forem sujeitos da intervenção modificarão seu comportamento ao<br />
perceber a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser castigados. Por meio da educação e o<br />
treinamento, se ajudará os a gentes que participem do programa a melhorar<br />
seu <strong>de</strong>sempenho profissional. A primeira intervenção po<strong>de</strong> consistir numa<br />
avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho pelo oficial imediatamente superior. Além disso,<br />
<strong>de</strong>vem ser implementados cursos <strong>de</strong> treinamento para quem participe<br />
do programa, os quais <strong>de</strong>vem incluir temas como atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação,<br />
importância do respeito no tratamento com o público, técnicas verbais e<br />
alternativas ao uso da força, respeito pela diversida<strong>de</strong> cultural e integrida<strong>de</strong><br />
e ética. Um treinamento baseado nos diversos cenários possíveis é uma<br />
385
386<br />
Mecanismos e procedimentos <strong>de</strong> controle interno<br />
Um olhar da Argentina<br />
forma efetiva <strong>de</strong> comunicar e internalizar os temas que <strong>de</strong>vem ser<br />
transmitidos. No caso <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar conveniente, po<strong>de</strong> aplicar--se<br />
assistência psicológica.<br />
Por último, a terceira etapa supõe o monitoramento posterior dos<br />
agentes que participaram do programa. Esse monitoramento <strong>de</strong>verá ser<br />
feito pelo oficial imediatamente superior (supervisor) ao agente que<br />
participou do programa. A performance do agente <strong>de</strong>verá ser monitorada<br />
por um período <strong>de</strong> 36 meses após a conclusão do programa.<br />
Entre as variáveis que <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas como indicadores<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>sses sistemas <strong>de</strong> alerta precoce po<strong>de</strong>m ser incluídas<br />
as reclamações e <strong>de</strong>núncias dos cidadãos; históricos <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> arma <strong>de</strong><br />
fogo, históricos <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> força, <strong>de</strong>mandas civis, <strong>de</strong>mandas penais,<br />
perseguições em alta velocida<strong>de</strong>, danos causados às viaturas, quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> infrações <strong>de</strong> trânsito, suspensões (medidas disciplinares recebidas),<br />
prêmios e ascensões recentes, etc. Tais indicadores <strong>de</strong>vem ser medidos<br />
por um <strong>de</strong>terminado período <strong>de</strong> tempo e com relativa periodicida<strong>de</strong>. Os<br />
agentes policiais cujos registros estiverem fora dos parâmetros normais<br />
<strong>de</strong>terminados estarão suscetíveis a ingressar na fase <strong>de</strong> intervenção do<br />
programa <strong>de</strong> alerta precoce.<br />
O fato <strong>de</strong> um agente policial ter um número <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong><br />
entradas nesses indicadores no sistema não <strong>de</strong>verá significar, por si só,<br />
que esse agente esteja tendo problemas <strong>de</strong> conduta. São alertas, e o<br />
supervisor imediato <strong>de</strong>verá analisar o caso em questão para <strong>de</strong>terminar<br />
se o agente <strong>de</strong>ve participar do programa ou não.<br />
Outro ponto relevante para que sistemas como o proposto sejam<br />
eficientes é que a base <strong>de</strong> dados do sistema sirva apenas para tais fins. O<br />
acesso ao sistema <strong>de</strong>ve ser protegido e restringido unicamente aos<br />
responsáveis pelo mesmo. Além disso, <strong>de</strong>ve-se facilitar aos civis registrar<br />
reclamações e <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> condutas problemáticas por parte do pessoal<br />
policial, o que supõe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar as mesmas por todos os<br />
meios disponíveis, inclusive a <strong>de</strong>núncia pessoal, por correio, telefone, fax<br />
ou e-mail, garantindo também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazê-lo mantendo o direito<br />
ao anonimato. Também <strong>de</strong>verá ser disponibilizado um formulário <strong>de</strong><br />
reclamação sem que a apresentação do mesmo seja exclu<strong>de</strong>nte, para dar<br />
início ao trâmite.
A implementação <strong>de</strong> sistemas como o exposto evi<strong>de</strong>ncia o interesse<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada instituição policial em prevenir comportamentos<br />
ina<strong>de</strong>quados <strong>de</strong> seus membros, aumentar a transparência <strong>de</strong> sua gestão e<br />
melhorar as relações com a comunida<strong>de</strong>.<br />
POLÍCIA ORIENTADA A RESULTADOS<br />
Produtivida<strong>de</strong> e Mesuração <strong>de</strong> Resultados<br />
Santiago Veiga e Ignacio Romano<br />
Des<strong>de</strong> meados dos anos 90 e com um forte incentivo a partir da<br />
experiência do COMSTAT implementada na Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova York,<br />
começaram a surgir em algumas instituições policiais experiências <strong>de</strong><br />
introdução <strong>de</strong> ferramentas <strong>de</strong> gestão mo<strong>de</strong>rna que permitem medir e<br />
analisar os resultados obtidos. O ponto inicial consiste em <strong>de</strong>finir quais<br />
serão os indicadores a ser consi<strong>de</strong>rados; logo como será obtida a<br />
informação <strong>de</strong> forma regular (<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> captura padrão<br />
<strong>de</strong> informação) e, finalmente, como os resultados serão analisados e<br />
interpretados. Isso <strong>de</strong>u início a <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s integradas <strong>de</strong> dados,<br />
conectando unida<strong>de</strong>s policiais (via Internet, microondas, trunking digital,<br />
etc), gerando aplicativos <strong>de</strong> recolhimento <strong>de</strong> informação estandardizados,<br />
e a formação <strong>de</strong> áreas ou equipes <strong>de</strong> análise e processamento da<br />
informação.<br />
As primeiras experiências <strong>de</strong> sistematizar e processar a informação<br />
na Argentina têm origem nas áreas <strong>de</strong> investigação policial, para trabalhar<br />
na inteligência criminal. Logo, a utilização das re<strong>de</strong>s foi expandida às chefias<br />
regionais <strong>de</strong> operações, para planificação dos serviços <strong>de</strong> segurança<br />
jurisdicionais, e finalmente estão começando a ser utilizadas em algumas<br />
<strong>de</strong>pendências administrativas, tanto nas províncias como no Governo<br />
Fe<strong>de</strong>ral. Da informação especializada disponível, apenas nesses últimos<br />
casos -particularmente no Governo Nacional (Ministério do Interior) e<br />
no da província <strong>de</strong> Buenos Aires (Ministério <strong>de</strong> Segurança)- a informação<br />
recolhida através das re<strong>de</strong>s é utilizada para controle <strong>de</strong> resultados sobre<br />
as forças <strong>de</strong> segurança. É lamentável que ainda existam dúvidas sobre<br />
quais <strong>de</strong>vam ser os indicadores <strong>de</strong> gestão policial, e principalmente, quais<br />
resultados são bons e quais são ruins. O problema ao analisar a informação<br />
é sempre <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazê-lo em combinação com uma série <strong>de</strong> fatores<br />
associados. Por exemplo, não tem sentido castigar um Chefe Regional<br />
387
388<br />
Mecanismos e procedimentos <strong>de</strong> controle interno<br />
Um olhar da Argentina<br />
porque aumentou a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>nunciados em sua jurisdição<br />
(como indicador isolado), já que po<strong>de</strong> ser conseqüência <strong>de</strong> uma melhora<br />
no trabalho, através da aproximação com a comunida<strong>de</strong> e geração <strong>de</strong><br />
resultados concretos, que resulte num aumento da confiança dos cidadãos<br />
e, em conseqüência, num aumento da <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos. Esse tipo <strong>de</strong><br />
indicadores <strong>de</strong>ve ser contrastado por uma pesquisa <strong>de</strong> vitimização, por<br />
exemplo, como forma <strong>de</strong> dimensionar a representativida<strong>de</strong> das estatísticas<br />
criminais.<br />
Outro erro ao analisar a informação é a alocação <strong>de</strong> cada vez mais<br />
recursos em <strong>de</strong>terminadas zonas problemáticas, utilizando como único<br />
indicador um mapa <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>nunciados. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
<strong>de</strong>nunciados em uma área não necessariamente indica uma gravida<strong>de</strong> maior<br />
da situação que justifique <strong>de</strong>sviar recursos escassos na mesma. Zonas<br />
com menor quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos em números absolutos po<strong>de</strong>m<br />
apresentar <strong>de</strong>litos muito mais violentos e graves, que <strong>de</strong>mandam fortalecer<br />
a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta na jurisdição.<br />
Por último, é importante mencionar que a análise <strong>de</strong> informação<br />
pelas polícias argentinas é realizada através <strong>de</strong> uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
plataformas (software) entre as quais algumas <strong>de</strong> origem internacional<br />
convivem com as <strong>de</strong>senvolvidas <strong>de</strong>ntro das forças policiais. Os aplicativos<br />
incluem programas específicos para inteligência criminal, mapeamento do<br />
<strong>de</strong>lito, bases <strong>de</strong> dados específicas, gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comando e sistemas <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> impressões digitais (AFIS). Nessa etapa, os avanços se<br />
concentram em <strong>de</strong>pendências centrais ou regionais, embora seja possível<br />
<strong>de</strong>tectar as primeiras tentativas <strong>de</strong> aproximar essas ferramentas às unida<strong>de</strong>s<br />
jurisdicionais menores para que os chefes das <strong>de</strong>legacias, por exemplo,<br />
possam planejar seus serviços com melhor informação em favor <strong>de</strong> uma<br />
maior produtivida<strong>de</strong>, aplicando seu conhecimento do terreno, diferente<br />
dos informes que chegam prontos das <strong>de</strong>pendências centrais.<br />
RESULTADOS E MARCO DE INCENTIVOS<br />
Esse trabalho não po<strong>de</strong> ser concluído sem refletir sobre um fator<br />
freqüentemente ignorado na Argentina, e certamente em toda a região.<br />
Quando se analisam os mecanismos <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> resultados, geralmente<br />
se faz referência a sistemas <strong>de</strong>senhados para impor sanções a quem não
Santiago Veiga e Ignacio Romano<br />
cumpre as <strong>de</strong>terminações i<strong>de</strong>ais, que geralmente não são muito claras.<br />
No entanto, aqui se esquece <strong>de</strong> mencionar o que, em qualquer organização<br />
privada, resulta numa variável relacionada <strong>de</strong> maneira iniludível: os recursos<br />
humanos da organização.<br />
Dificilmente po<strong>de</strong>-se sancionar um policial por não cumprir uma<br />
função para a qual não está preparado e nem sequer tem os meios materiais.<br />
A ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> problemas observados na Argentina é a seguinte: baixa<br />
remuneração, profissão sem prestígio e <strong>de</strong> risco, que não é atrativa para<br />
os jovens argentinos, o que faz com que as forças policiais diminuam os<br />
requisitos <strong>de</strong> ingresso para po<strong>de</strong>r ter candidatos. As <strong>de</strong>ficiências <strong>de</strong><br />
formação inicial não são corrigidas pela capacitação pobre recebida na<br />
hora <strong>de</strong> entrada e ao longo da carreira, seguido da falta <strong>de</strong> vocação, já que<br />
com os altos índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, muitos jovens argentinos ingressam<br />
nas forças policiais por ser a única oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho. Esses novos<br />
policiais são colocados nas ruas com poucos meses <strong>de</strong> treinamento, <strong>de</strong>vem<br />
comprar até o uniforme <strong>de</strong>vido aos poucos recursos materiais em suas<br />
unida<strong>de</strong>s ou a um estado <strong>de</strong>ficiente, salários próximos à linha <strong>de</strong> pobreza<br />
que os obrigam a trabalhar até 16 horas por dia em serviços <strong>de</strong> polícia<br />
adicional, que não respeitam o <strong>de</strong>scanso nem a vida familiar, nem oferecem<br />
oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação profissional adicional.<br />
Diante <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> se contrapõem as expectativas dos<br />
argentinos, <strong>de</strong> comparar nossos policiais com os dos EUA, França ou<br />
Espanha, e o choque <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s é evi<strong>de</strong>nte. Sempre se comenta com<br />
indignação que um policial feriu inocentes num confronto, ou atropelou<br />
uma pessoa durante uma perseguição, ou simplesmente que os policiais<br />
“não fazem nada”. Não se ignora nem se preten<strong>de</strong> justificar os maus policiais<br />
–que existem em toda organização-, mas agir bem nas condições <strong>de</strong>scritas,<br />
resulta claramente um <strong>de</strong>safio adicional.<br />
Como conclusão, me parece oportuno reproduzir uma conversa<br />
recente com um policial, que apesar <strong>de</strong> se colocar sobre a média e <strong>de</strong> ter<br />
recebido treinamento em diversos lugares do mundo, me disse: “Há alguns<br />
anos, resolvemos um caso <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> reféns sem vítimas inocentes, embora<br />
dois dos nossos tinham sido feridos. Após receber uma medalha, fui enviado a<br />
minha casa durante seis meses para me recuperar, durante os quais, como<br />
não pu<strong>de</strong> fazer serviços adicionais, meu salário ficou reduzido à meta<strong>de</strong>. Só<br />
quatro anos <strong>de</strong>pois me pagaram o seguro por uma quantia irrisória (menos <strong>de</strong><br />
389
390<br />
Mecanismos e procedimentos <strong>de</strong> controle interno<br />
Um olhar da Argentina<br />
80 dólares), e se tivesse morrido era pouco mais <strong>de</strong> dois salários básicos.<br />
Depois disso, antes <strong>de</strong> fazer alguma coisa na rua, penso duas vezes, porque<br />
se alguma coisa acontece, minha família ficará abandonada e a instituição<br />
não fará nada por ela.”<br />
Nota<br />
1 É prática comum na Argentina que os <strong>de</strong>tidos <strong>de</strong>nunciem os policiais que os <strong>de</strong>tiveram com a<br />
esperança <strong>de</strong> que o processo seja anulado e as causas anuladas por supostas falhas e abusos dos<br />
policiais no procedimento. Por outro lado, o policial que trabalha nos escritórios, em funções<br />
administrativas, não é afetado por esse problema e po<strong>de</strong> cumprir seu trabalho sem medo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>núncias. Assim, quando se comparam históricos profissionais sempre é beneficiado quem<br />
exerce uma função administrativa, afastado da tarefa propriamente policial.
Relato Policial<br />
“ORDENS GERAIS” PARA O CONTROLE INTERNO<br />
NO ESTADO DE QUERÉTARO<br />
Luis Gabriel Salazar Vázquez *<br />
INTRODUÇÃO<br />
Na polícia, existem diversos sistemas ou mecanismos <strong>de</strong> controle,<br />
sendo que, em geral, <strong>de</strong>ntre <strong>de</strong>stes sistemas predominam aqueles coercitivos,<br />
seja por meio da norma legal que vige e regula todo servidor público, seja <strong>de</strong><br />
caráter interno da própria corporação. Estes, em algumas ocasiões, mais que<br />
mecanismos <strong>de</strong> regulação e controle, são instrumentos <strong>de</strong> manipulação para<br />
a repressão, abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e até corrupção interna , e muitas poucas vezes<br />
são utilizados para benefício da própria polícia, seja por <strong>de</strong>sconhecimento ou<br />
por não ser conveniente apelar a eles por represálias posteriores.<br />
Até hoje, ao menos no Estado <strong>de</strong> Querétaro, <strong>de</strong>sconheço se tem<br />
existido <strong>de</strong>ntro das legislaturas encarregadas <strong>de</strong> fazer as leis pessoas com os<br />
conhecimentos necessários do fazer policial, o que traz como conseqüência<br />
a criação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namentos que não só <strong>de</strong>samparam o próprio policial dos<br />
benefícios sociais mais elementares, mas que também são incongruentes com<br />
a tarefa e as situações que enfrenta a polícia na rua, o que repercute no abuso<br />
<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e violação dos direitos humanos, entre outros fatores. Assim,<br />
<strong>de</strong>pois do erro, busca-se sua reparação com o remédio original, ou seja, a<br />
criação <strong>de</strong> outra lei ou or<strong>de</strong>namento, convertendo a função policial em um<br />
jogo vicioso entre a criação <strong>de</strong> leis e a “imaginação policial” para realizar seu<br />
trabalho, seja em benefício <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong> ou para seu prejuízo.<br />
Durante os 10 anos em serviço ativo como policial, esta é a primeira<br />
ocasião em que se trata <strong>de</strong> implementar uma série <strong>de</strong> políticas internas, com<br />
as quais se preten<strong>de</strong> regular, homologar e estabelecer critérios <strong>de</strong> operação.<br />
Estas ditas políticas têm sido chamadas <strong>de</strong> “Or<strong>de</strong>ns Gerais”, começaram a<br />
valer no 17 <strong>de</strong> julho do presente ano e ainda não tem projetado o objetivo<br />
previsto; longe disso, vive-se em um estado <strong>de</strong> confusão e <strong>de</strong>scontrole na<br />
operação. No entanto, são o primeiro mecanismo <strong>de</strong> controle que tenta a<br />
regulação da atuação policial com uma visão <strong>de</strong> rua, para o benefício e proteção<br />
do cidadão e do próprio policial.<br />
* Criminólogo, Comandante da <strong>Polícia</strong> Turística do Estado <strong>de</strong> Querétaro.<br />
MÉXICO<br />
391
392<br />
“Or<strong>de</strong>ns Gerais” para o controle interno no Estado <strong>de</strong> Querétaro<br />
DESENVOLVIMENTO<br />
Durante o segundo semestre <strong>de</strong> 2005, foram dadas a conhecer<br />
por meio <strong>de</strong> um curso-oficina, as “Or<strong>de</strong>ns Gerais”. O curso-oficina teve<br />
uma duração <strong>de</strong> dois dias, com uma carga horária <strong>de</strong> 16 horas e foi<br />
ministrado por um grupo <strong>de</strong> advogados contratados pela Secretaria <strong>de</strong><br />
Segurança Cidadã <strong>de</strong> Querétaro.<br />
As primeiras novas or<strong>de</strong>ns gerais foram as seguintes:<br />
1.- disposições gerais;<br />
2.- protocolos <strong>de</strong> comunicação;<br />
3.- operação do veículo policial (crp);<br />
4.- patrulhamento;<br />
5.- apreensão <strong>de</strong> veículos por infração <strong>de</strong> trânsito;<br />
6.- translado e <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> veículos;<br />
7.- motoristas sob a influência <strong>de</strong> drogas ou álcool;<br />
8.- operação do veículo policial (crp) emergência;<br />
9.- perseguições.<br />
Contudo, durante o <strong>de</strong>senvolvimento do curso-oficina foram<br />
vertidas diversas opiniões por parte <strong>de</strong> maioria dos colegas da corporação,<br />
ressaltando seu <strong>de</strong>scontentamento com a aplicação das mesmas por<br />
consi<strong>de</strong>rá-las inoperantes.<br />
Essa reação é comum na polícia quando se trata <strong>de</strong> mudar a forma<br />
<strong>de</strong> operar ou <strong>de</strong> implementar novos procedimentos. Algumas <strong>de</strong>clarações<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>saprovação carecem <strong>de</strong> fundamentos lógicos e têm uma forte<br />
conotação <strong>de</strong> rebeldia por quebrarem o que se “vinha fazendo” que, em<br />
ocasiões, tem um viés para a corrupção. No entanto, muitas opiniões e<br />
críticas vertidas são justificáveis e dignas <strong>de</strong> atenção, já que têm um<br />
fundamento baseado na experiência do serviço. Lamentavelmente, nesta<br />
ocasião, essas opiniões pertinentes não foram levadas em conta para o<br />
enriquecimento e viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas Or<strong>de</strong>ns Gerais, que aplicará o policial<br />
em seu serviço diário.
O que foi exposto anteriormente até hoje ficou <strong>de</strong> manifesto, ao se<br />
continuar operando com uma combinação do que anteriormente se vinha<br />
fazendo e o que está se preten<strong>de</strong>ndo implementar e que, a consi<strong>de</strong>ração<br />
própria e com base na minha experiência, se não for corrigido em breve,<br />
per<strong>de</strong>rá o objetivo proposto, ou bem começarão práticas discrecionais<br />
conforme a situação apresentada na rua.<br />
Atualmente, continua-se trabalhando na criação e formação <strong>de</strong> novas<br />
“Or<strong>de</strong>ns Gerais”, sendo que, nesta segunda fase, tenho tido a honra <strong>de</strong><br />
participar na equipe que trabalha nelas, o que me permitiu ter uma idéia<br />
mais ampla das mesmas e do seu objetivo. No entanto, consi<strong>de</strong>ro que se<br />
tem <strong>de</strong>scuidado como estas ditas or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong>vem impactar no pessoal para<br />
gerar sua motivação, credibilida<strong>de</strong> e sua correta aplicação <strong>de</strong> forma<br />
voluntária, sob uma disciplina positiva e com a aceitação e visão <strong>de</strong> um<br />
novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> operação e não <strong>de</strong> forma forçada, além <strong>de</strong> criar um<br />
mecanismo <strong>de</strong> avaliação quanto à viabilida<strong>de</strong> da aplicação das primeiras<br />
or<strong>de</strong>ns e as subseqüentes.<br />
Uma possível solução, à guisa <strong>de</strong> proposta, é a <strong>de</strong> criar um comitê<br />
interno, formado por representantes do pessoal operativo no nível <strong>de</strong><br />
comando, bem como diretivo, na criação <strong>de</strong> projetos inerentes ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da função policial, o que gerará a credibilida<strong>de</strong> e<br />
compromisso com o projeto a ser <strong>de</strong>senvolvido, além <strong>de</strong> confiança e<br />
pertença com a instituição, para conseguir uma melhor qualida<strong>de</strong> no serviço<br />
e, sobretudo, a incorporação da visão e missão institucional que se<br />
materializa no serviço diário com o qual a polícia brinda o cidadão; mas,<br />
sobretudo, a aceitação nos procedimentos empregados não só para o<br />
combate profissional à criminalida<strong>de</strong>, mas na atuação e atendimento do<br />
policial com sua comunida<strong>de</strong> e com ele mesmo.<br />
É por isso que se preten<strong>de</strong> criar um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atuação<br />
operacional, como é o caso aqui exposto, <strong>de</strong>vendo-se trabalhar <strong>de</strong> maneira<br />
interdisciplinar, envolvendo a maioria dos atores inerentes à matéria.<br />
CONCLUSÃO<br />
Luis Gabriel Salazar Vázquez<br />
Plasmar uma série <strong>de</strong> políticas para a operação não é um trabalho<br />
fácil, que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um elemento só para sua integração, como<br />
po<strong>de</strong>ria ser a experiência na rua do próprio policial, pois cada caso é<br />
393
394<br />
“Or<strong>de</strong>ns Gerais” para o controle interno no Estado <strong>de</strong> Querétaro<br />
particular e único e é vivido <strong>de</strong> modo pessoal. É sabido por todo policial<br />
que nem sempre os problemas se vão manifestar em iguais circunstâncias<br />
àquelas que um colega viveu. Da mesma forma, <strong>de</strong>ixar a criação <strong>de</strong> leis e<br />
políticas nas mãos <strong>de</strong> pessoas alheias à realida<strong>de</strong> operacional po<strong>de</strong> convertêlas<br />
em instrumentos inaplicáveis e alheios a qualquer realida<strong>de</strong>.<br />
A criação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> atuação operacional, congruentes e<br />
enriquecidas no teórico e no prático, po<strong>de</strong> se converter em um mecanismo<br />
idôneo <strong>de</strong> controle operacional que propicie o respeito à legalida<strong>de</strong> em<br />
seus procedimentos, bem como dotar o policial <strong>de</strong> um respaldo institucional<br />
que lhe garanta uma maior segurança no exercício <strong>de</strong> suas funções.<br />
A própria polícia tem sido parte importante na quebra das re<strong>de</strong>s<br />
que ligam a ela mesma à sua comunida<strong>de</strong>, pelos métodos ilegais e que<br />
violam os direitos humanos elementares do cidadão; por sua vez, a própria<br />
comunida<strong>de</strong> não quer e não acredita que valha a pena <strong>de</strong>positar a confiança<br />
e credibilida<strong>de</strong> que algum dia já <strong>de</strong>positou nela. Criar novas re<strong>de</strong>s que<br />
aproximem a polícia <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong> tem sido um dos objetivos da<br />
atual administração; no entanto, não se po<strong>de</strong> pedir à socieda<strong>de</strong> que mu<strong>de</strong><br />
a visão que atualmente tem <strong>de</strong> sua polícia sem antes iniciar uma mudança<br />
integral da própria polícia e dos métodos empregados até agora.
Relato Policial<br />
ASSÉDIO SEXUAL NA POLÍCIA NACIONAL CIVIL<br />
DA GUATEMALA<br />
Rosa María Juárez Aristondo *<br />
No dia 05 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2005, a agente da PNC (<strong>Polícia</strong> Nacional<br />
<strong>Civil</strong>) Estela María Salomé Pérez (nomes fictícios, para guardar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
da vítima) <strong>de</strong>nunciou no Setor <strong>de</strong> Direitos Humanos da Inspetoria Geral<br />
da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> da Guatemala que há um ano vem sofrendo<br />
problemas no trabalho com o <strong>de</strong>legado da PNC Leopoldo Hurtado<br />
Buenafé (nome fictício), chefe <strong>de</strong> uma Unida<strong>de</strong> Operativa da PNC da<br />
Guatemala, e que é vítima <strong>de</strong> assédio sexual por parte <strong>de</strong>ste Delegado,<br />
que pe<strong>de</strong> para que ela vá a sua sala e para que não use meias, pois gosta<br />
das suas pernas e quer beijar-lhe o corpo e constantemente a convida<br />
para sair para comer e a outros lugares. Quando esta não aceitou, tomou<br />
represálias contra a vítima até o ponto <strong>de</strong> transferi-la para o Departamento<br />
<strong>de</strong> Mazatenango, a 200 quilômetros da capital, afetando-a econômica,<br />
moral e familiarmente. O Regulamento disciplinar da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>,<br />
contido no Acordo Governativo 420-2003 <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2003<br />
estabelece: Artigo 20. São infrações graves as seguintes: 18) Insinuar ou<br />
assediar <strong>de</strong> forma freqüente com propostas <strong>de</strong> natureza sexual pessoal<br />
subordinado ou que esteja sob custodia. O Artigo 22 regula: “São infrações<br />
muito graves as seguintes: 16) A reincidência em insinuar ou assediar em<br />
forma freqüente com propostas <strong>de</strong> natureza sexual o pessoal subalterno<br />
ou que esteja sob custodia”.<br />
Hurtado Buenafé, <strong>de</strong>legado da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>, foi <strong>de</strong>stituído<br />
pelo tribunal disciplinar <strong>de</strong> Quetzaltenango por ter cometido uma falta<br />
muito grave: assédio sexual contra uma subalterna. A agente María Salomé<br />
Pérez neste processo, como vítima, conseguiu através dos órgãos<br />
controladores da polícia (Inspetoria Geral) que se fizesse justiça em seu<br />
caso. As conseqüências mencionadas as conseqüencias mencionadas fazem<br />
com que os <strong>de</strong>mais agentes policiais consi<strong>de</strong>rem que diante <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />
falta grave e muito grave (assédio), não haverá impunida<strong>de</strong> institucional<br />
embora se trate <strong>de</strong> um alto chefe policial.<br />
76% dos agentes da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> reconhecem que <strong>de</strong>ntro<br />
da instituição é habitual o assédio sexual. Só 10% dos policiais são<br />
* Subcomissária <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, Chefe da Divisão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Policia Nacional <strong>Civil</strong>.<br />
GUATEMALA<br />
395
396<br />
Assédio sexual na <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> da Guatemala<br />
mulheres, o que faz com que sejam mais vulneráveis ao assédio <strong>de</strong> seus<br />
companheiros. Mas nenhum agente consi<strong>de</strong>rou nunca que isto podia ser<br />
motivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>stituição.<br />
A <strong>de</strong>stituição se produziu em 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>ste ano. Hurtado Buenafé,<br />
comissário <strong>de</strong>stinado ao Gabinete da <strong>Polícia</strong>, <strong>de</strong>ixou seu cargo na <strong>Polícia</strong> Nacional<br />
<strong>Civil</strong> por or<strong>de</strong>m do tribunal disciplinar. “Quando leram a sentença con<strong>de</strong>natória,<br />
não podia acreditar. Nunca pensou que uma simples agente ganharia o caso”,<br />
afirmou Verónica Godoy, que serviu como testemunha <strong>de</strong> honra para verificar<br />
a correta aplicação do regulamento interno da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>.<br />
A vítima levava vários meses tolerando os contínuos abusos do <strong>de</strong>legado.<br />
Segundo a própria sentença, Hurtado Buenafé lhe pedia que fosse sem meias<br />
ao trabalho para ver suas pernas, a retinha em seu gabinete, elogiava suas<br />
qualida<strong>de</strong>s físicas e lhe pedia que mantivesse relações íntimas. Como Salome<br />
Pérez nunca aceitou suas propostas, o assediador promoveu sua transferência<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>legacia. Uma vez que a agente sempre tinha realizado trabalho<br />
administrativo, a mudança para uma unida<strong>de</strong> operativa supunha um gran<strong>de</strong><br />
prejuízo para ela, por isso a mesma <strong>de</strong>cidiu apresentar a <strong>de</strong>núncia. Só um<br />
policial a ajudou em seu esforço, seu marido.<br />
Várias <strong>de</strong> suas colegas <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>clararam diante do tribunal a seu<br />
favor, mas nenhum colega homem. Tanto a vítima como suas colegas sofreram<br />
forte pressão por parte <strong>de</strong> vários <strong>de</strong>legados durante o tempo que durou o<br />
processo.<br />
“Para nós, o mais importante é a mensagem que foi transmitida aos<br />
outros policiais, pois o assédio sexual para eles é parte do cotidiano”, comenta<br />
Godoy. No ano passado, a Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Gênero da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> só<br />
recebeu oito <strong>de</strong>núncias por assédio sexual e nenhuma <strong>de</strong>las teve resultado.<br />
“O que ajudou muito neste caso foi a <strong>de</strong>cisão do investigador da P.N.C. e a da<br />
vítima. Nunca <strong>de</strong>u um passo atrás apesar das ameaças”, afirmou Godoy.<br />
Em novembro <strong>de</strong> 2003, grupos da socieda<strong>de</strong> civil e organizações<br />
internacionais acordaram com o Ministério <strong>de</strong> Governo o novo regulamento<br />
disciplinar da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>. Nele se incluiu pela primeira vez como<br />
falta grave o acosso sexual, apesar do ato não ser tipificado como <strong>de</strong>lito na<br />
guatemala.<br />
“Este foi o ponto mais polêmico que tivemos que discutir com os<br />
<strong>de</strong>legados; a negociação quase ficou paralisada por isso”, comentou
Eleonora Muralles, <strong>de</strong> familiares e amigos contra o <strong>de</strong>lito e o seqüestro.<br />
No final <strong>de</strong> 2004, se constituíram os três tribunais disciplinares que até o<br />
momento vêm promovendo a <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong> vários policiais. No entanto,<br />
nunca, até agosto <strong>de</strong> 2005, tinha afetado um <strong>de</strong>legado. 1<br />
Visão policial sobre eqüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero<br />
Rosa María Juárez Aristondo<br />
O Ministério <strong>de</strong> Governo, implementou o projeto <strong>de</strong> fortalecimento<br />
institucional da <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> que inclui o projeto <strong>de</strong> investigação<br />
multiétnica e <strong>de</strong> gênero.<br />
Neste sentido, no Acordo sobre Fortalecimento do Po<strong>de</strong>r <strong>Civil</strong> o<br />
Governo da República se compromete a “tomar medidas correspon<strong>de</strong>ntes<br />
a fim <strong>de</strong> propiciar que as organizações <strong>de</strong> caráter político e social adotem<br />
políticas específicas ten<strong>de</strong>ntes a alentar e favorecer a participação da mulher<br />
como parte do processo <strong>de</strong> fortalecimento do po<strong>de</strong>r civil.” (AFPC número<br />
59, inciso b). A <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> adotou o enfoque <strong>de</strong> gênero em sua<br />
organização para propiciar condições <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e eqüida<strong>de</strong> entre<br />
homens e mulheres na instituição, já que as mulheres têm convivido<br />
historicamente em condições <strong>de</strong> ineqüida<strong>de</strong> em relação aos homens.<br />
A incorporação do enfoque <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma instituição<br />
tem três dimensões: 1) no âmbito interno, para garantir a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong>s para homens e mulheres, 2) no âmbito externo, na<br />
prestação <strong>de</strong> serviços a todos os setores da população, e 3) na prevenção<br />
do <strong>de</strong>lito especialmente em casos <strong>de</strong> violência intra-familiar e sexual. 2<br />
O enfoque <strong>de</strong> gênero na <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> é um conceito que<br />
promove a igualda<strong>de</strong> nas condições trabalhistas e na prestação <strong>de</strong> serviços<br />
com o pessoal feminino e masculino que integra a instituição. Este enfoque<br />
estabelece as formas <strong>de</strong> relações que <strong>de</strong>vem se dar entre o pessoal policial,<br />
que <strong>de</strong>vem fundamentar-se no respeito mútuo, tanto profissional como<br />
humano. Isso é uma condição indispensável para o <strong>de</strong>sempenho<br />
institucional normal e o cumprimento eficiente das funções que <strong>de</strong>ve<br />
<strong>de</strong>sempenhar a polícia para o bem-estar e segurança da socieda<strong>de</strong>. 3<br />
Sem a participação das mulheres conscientes <strong>de</strong> seus direitos e<br />
capacida<strong>de</strong>s nos diferentes níveis da instituição policial, a segurança seguirá<br />
sendo concebida <strong>de</strong> forma parcial, a partir da problemática e perspectiva<br />
dos homens, e em função <strong>de</strong>la se priorizaram <strong>de</strong>terminados problemas<br />
397
398<br />
Assédio sexual na <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> da Guatemala<br />
que afetam nossa socieda<strong>de</strong>, ignorando-se os problemas urgentes que<br />
enfrenta a população feminina cotidianamente. 4<br />
Os Acordos <strong>de</strong> Paz valorizam a função das mulheres na socieda<strong>de</strong><br />
ao reconhecer as importantes contribuições que historicamente têm dado<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento do país: “O Governo se compromete a<br />
impulsionar campanhas <strong>de</strong> difusão e programas educativos no âmbito<br />
nacional encaminhados a conscientizar a população sobre o direito das<br />
mulheres a participar ativa e <strong>de</strong>cididamente no processo <strong>de</strong> fortalecimento<br />
do po<strong>de</strong>r civil, sem nenhuma discriminação e com plena igualda<strong>de</strong>, tanto<br />
das mulheres do campo como das mulheres da cida<strong>de</strong>”. 5 Os Acordos <strong>de</strong><br />
Paz obrigam o Estado a promover a eliminação <strong>de</strong> toda forma <strong>de</strong><br />
discriminação contra as mulheres. Estabelecem também a responsabilida<strong>de</strong><br />
do Estado <strong>de</strong> velar para que os direitos e as necessida<strong>de</strong>s das mulheres<br />
sejam satisfeitas num contexto <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong>, que se fomente sua<br />
participação social, política e cidadã, seu acesso ao trabalho e a proprieda<strong>de</strong><br />
da terra, assim como todo tipo <strong>de</strong> serviços básicos; re<strong>de</strong>finam a função e<br />
as responsabilida<strong>de</strong>s do Estado em relação às mulheres, se<br />
comprometendo a propiciar a eqüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />
Na <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>, as estatísticas <strong>de</strong> 2001, revelam que as<br />
mulheres policiais constituíam apenas 10%, mantendo esta porcentagem<br />
até 2005, do total da força policial; mas sua participação nos comandos<br />
médios e nas escalas superiores se reduz a 0.28%, estando a maioria<br />
vinculada à escala básica da carreira policial. A <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> tarefas a<br />
mulheres policiais respon<strong>de</strong> a padrões socioculturais que seguem<br />
remetendo a mulher a um papel tradicional <strong>de</strong> tarefas subalternas ou<br />
administrativas em <strong>de</strong>trimento da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que participem dos<br />
níveis diretivos e da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. 6<br />
Notas<br />
1 Publicação <strong>de</strong> Prensa Libre <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2005.<br />
2 Projeto equida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, pág. 6.<br />
3 Gabinete <strong>de</strong> Equida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Gênero da PNC/MINUGUA, A discriminação e o assédio atentam<br />
contra a dignida<strong>de</strong> da mulher, pág. 45.<br />
4 Relatório <strong>de</strong> Verificação, Ob, Cit; pág. 7.<br />
5 MINUGUA, Processo <strong>de</strong> negociação da paz na Guatemala, pág. 347.<br />
6 Relatório <strong>de</strong> Verificação, Ob. Cit; pág. 20.
PARTE III - POLÍCIA E SOCIEDADE<br />
• Refere-se às finalida<strong>de</strong>s da polícia, expressas nos arranjos<br />
e interações com a socieda<strong>de</strong>. Compreen<strong>de</strong> os processos<br />
<strong>de</strong> pacto social para produção da coerção autorizada,<br />
explorando as bases e dinâmicas <strong>de</strong> consentimento social e<br />
suas formas <strong>de</strong> legitimação.<br />
• Enfatiza os expedientes e mecanismos <strong>de</strong> controle e<br />
participação social como instrumentos <strong>de</strong> sustentação do<br />
mandato policial.<br />
• Empresta os contornos para a <strong>de</strong>finição política dos<br />
termos da responsabilização policial, informando os limites<br />
exteriores da pertinência, proprieda<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>quação,<br />
oportunida<strong>de</strong> e suficiência da ação policial.<br />
399
400
Artigo<br />
PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA PREVENÇÃO<br />
DO CRIME NA AMÉRICA LATINA<br />
DE QUE PARTICIPAÇÃO FALAMOS? 1<br />
Lucía Dammert *<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
A participação comunitária na prevenção do crime ocupou um lugar<br />
central nas políticas públicas <strong>de</strong> segurança na América Latina. Esta situação<br />
configurou-se, principalmente, pela forte tendência <strong>de</strong> crescimento dos<br />
crimes <strong>de</strong>nunciados, da violência neles utilizada, do medo do cidadão, e<br />
da aparente dificulda<strong>de</strong> governamental para enfrentar tais problemáticas.<br />
Neste sentido, as políticas <strong>de</strong> participação buscam estimular o apoio do<br />
cidadão e aumentar a legitimida<strong>de</strong> das instituições encarregadas do controle<br />
e da prevenção da criminalida<strong>de</strong>.<br />
Neste contexto, reformularam-se os pilares das políticas públicas<br />
dirigidas a reduzir o crime, os quais certamente incluem a relação entre a<br />
polícia e a comunida<strong>de</strong>. Assim sendo, a comunida<strong>de</strong> adquiriu um papel<br />
mais relevante nas políticas voltadas a diminuir a violência e a criminalida<strong>de</strong>.<br />
Como conseqüência disso, apresentou-se no plano discursivo uma<br />
mudança do paradigma da segurança pública, para a segurança <strong>de</strong>mocrática<br />
ou segurança cidadã, o que na prática se traduziu na busca <strong>de</strong> uma maior<br />
participação comunitária nas políticas <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong> uma melhor relação<br />
com a polícia. Naturalmente, a serieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes esforços apresenta<br />
diversos matizes nacionais. Em alguns casos, a importância da participação<br />
ficou na retórica <strong>de</strong> políticos e administradores públicos, enquanto que<br />
em outros casos formularam-se estratégias <strong>de</strong> participação que<br />
efetivamente buscam envolver a população. Um exemplo recente é o<br />
Plano Nacional <strong>de</strong> Prevenção do Crime, da Argentina, que conseguiu<br />
estabelecer uma estratégia <strong>de</strong> participação da comunida<strong>de</strong> local nas áreas<br />
on<strong>de</strong> foi implementado.<br />
Assim, partimos da hipótese que as políticas <strong>de</strong> participação cidadã<br />
possuem três objetivos específicos: em primeiro lugar, melhorar a<br />
normalmente <strong>de</strong>sgastada relação entre a comunida<strong>de</strong> e a polícia, com a<br />
esperança <strong>de</strong> consolidar um vínculo <strong>de</strong> trabalho comum, on<strong>de</strong> a<br />
comunida<strong>de</strong> participe da prevenção da criminalida<strong>de</strong> e respal<strong>de</strong> a ação<br />
* Diretora do Programa Segurança e Cidadania - FLACSO Chile<br />
CHILE<br />
401
402<br />
Participação comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
policial. Em segundo lugar, se preten<strong>de</strong> fortalecer as re<strong>de</strong>s sociais<br />
existentes sob a presunção <strong>de</strong> que isto permitirá o <strong>de</strong>senvolvimento e<br />
a consolidação do capital social. Embora existam diversas<br />
interpretações do conceito <strong>de</strong> capital social, neste artigo tomamos a<br />
<strong>de</strong>finição emitida por Putnam (1993), quando estabelece o que é capital<br />
social 2 local, o que se transformaria em uma estratégia central <strong>de</strong><br />
prevenção da violência. Finalmente, essas políticas <strong>de</strong> participação<br />
ten<strong>de</strong>m a consolidar um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização que atribui aos<br />
municípios um papel cada vez mais ativo na formulação e implementação<br />
das ditas estratégias.<br />
O objetivo <strong>de</strong>ste artigo é analisar as políticas públicas <strong>de</strong><br />
prevenção comunitária do crime, ou seja, aquelas experiências <strong>de</strong><br />
participação comunitária que são geradas pelo governo. Enfocamos,<br />
principalmente, os <strong>de</strong>safios e problemas que interferem no seu<br />
<strong>de</strong>senvolvimento para a obtenção dos objetivos específicos<br />
anteriormente mencionados. Especificamente, procura-se <strong>de</strong>linear a<br />
estreita relação existente entre as políticas <strong>de</strong> participação comunitária<br />
e as instituições policiais, bem como a potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais políticas<br />
na consolidação e, inclusive, na criação <strong>de</strong> capital social. Desta maneira,<br />
analisa-se o papel do po<strong>de</strong>r público na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> novas estratégias<br />
frente à insegurança, baseadas na participação comunitária. 3<br />
O presente artigo divi<strong>de</strong>-se em três seções. Em primeiro lugar<br />
são apresentados os principais conceitos, temas e problemas da<br />
participação comunitária na prevenção do crime. Dessa análise se<br />
<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>m os questionamentos e os <strong>de</strong>safios principais a este tipo<br />
<strong>de</strong> iniciativa. A segunda seção apresenta uma análise comparativa <strong>de</strong><br />
três casos, nos quais se procura dar resposta à problemática local da<br />
falta <strong>de</strong> segurança. No primeiro caso, em Córdoba, na Argentina, o<br />
governo estadual aprovou uma importante reforma policial que foi unida<br />
à estratégia <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> JUNTAS DE VIZINHOS. Por outro<br />
lado, em São Paulo, a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> adotou a filosofia da polícia<br />
comunitária e, paralelamente, impulsionou a organização <strong>de</strong><br />
CONSELHOS DE SEGURANÇA municipais ou <strong>de</strong> bairro. No terceiro<br />
caso, aborda-se a experiência do Chile, on<strong>de</strong> o governo encontra-se<br />
implementando uma política <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> CONSELHOS<br />
COMUNAIS DE SEGURANÇA, sendo a participação da polícia ainda<br />
limitada. Finalmente, a última parte <strong>de</strong>ste artigo apresenta algumas
conclusões, fruto das experiências analisadas.<br />
2. CONCEITOS, TEMAS E PROBLEMAS DA PARTICIPAÇÃO<br />
COMUNITÁRIA<br />
Lucía Dammert<br />
Nas últimas décadas se evi<strong>de</strong>nciou uma notável mudança na forma<br />
como se aborda a prevenção do crime no mundo. Atualmente o controle<br />
do crime não é mais visto como uma tarefa única e exclusiva das instituições<br />
públicas, transformando-se em mais uma tarefa difusa e fragmentada em<br />
mãos <strong>de</strong> diversas instituições públicas, <strong>de</strong> organizações nãogovernamentais<br />
e da comunida<strong>de</strong> em geral. Desta maneira, a<br />
responsabilida<strong>de</strong> pelo problema do crime transladou-se da esfera<br />
governamental para a pública.<br />
No centro <strong>de</strong>sta mudança <strong>de</strong> paradigma, Crawford (1997) vislumbra<br />
três conceitos sobre os quais as principais políticas públicas foram<br />
construídas: prevenção, comunida<strong>de</strong> e parceria (partnerships). Estes<br />
conceitos são também centrais na <strong>de</strong>finição das políticas <strong>de</strong> segurança na<br />
América Latina e, apesar <strong>de</strong> sua importância, carecem <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição<br />
conceitual clara que permita sua utilização em estratégias que envolvam<br />
perspectivas sociais e i<strong>de</strong>ológicas diferentes. A seguir, será apresentado<br />
um breve <strong>de</strong>bate sobre as características principais <strong>de</strong>stes conceitos em<br />
políticas públicas <strong>de</strong> prevenção do crime.<br />
Em primeiro lugar, a prevenção, <strong>de</strong>finida como “as políticas, medidas<br />
e técnicas, fora dos limites <strong>de</strong> sistema <strong>de</strong> justiça penal, dirigidas à redução<br />
das diversas classes <strong>de</strong> danos produzidos por atos <strong>de</strong>finidos pelo Estado”<br />
(Van Dijk, 1990), se consolidou como uma estratégia eficaz e eficiente na<br />
diminuição do crime. O reconhecimento da importância da prevenção foi<br />
concomitante ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> interpretações da criminalida<strong>de</strong> que<br />
enfatizam os fatores <strong>de</strong> risco (Dammert 2001; De Roux, 1994; Crawford,<br />
1997). Desta maneira, as medidas que buscam prevenir o aumento <strong>de</strong><br />
tais fatores (por exemplo, o consumo <strong>de</strong> álcool e o porte <strong>de</strong> armas) são<br />
consi<strong>de</strong>radas centrais na diminuição não só dos <strong>de</strong>litos, mas também da<br />
sensação <strong>de</strong> insegurança do cidadão.<br />
Por sua vez, o conceito <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> transformou-se em um dos<br />
mais utilizados em política pública. Especialmente na área da prevenção<br />
do crime, o interesse pela comunida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser explicado a partir das<br />
diversas posturas que explicam a relação entre crime e comunida<strong>de</strong>. Assim,<br />
por exemplo, a consolidação da comunida<strong>de</strong> é vista como um processo<br />
403
404<br />
Participação comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
ligado à diminuição do crime e das oportunida<strong>de</strong>s para cometer <strong>de</strong>litos, à<br />
<strong>de</strong>fesa frente a outros grupos ou à formação <strong>de</strong> um espaço social<br />
homogêneo e, portanto, seguro. Apesar da amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
conceitualização, é impossível <strong>de</strong>sprezar sua importância e centralida<strong>de</strong><br />
nas políticas públicas, assim como sua profunda vinculação com a prevenção<br />
do crime.<br />
Finalmente, a parceria apresenta-se como uma estratégia <strong>de</strong> ação<br />
necessária para enfrentar o crime. A bibliografia põe ênfase na formação<br />
<strong>de</strong> associações entre diversas agências estatais (Crawford, 1997) e as<br />
funções que esta parceria po<strong>de</strong> ter, assim como suas conseqüências sobre<br />
o crime. Além disso, é também relevante analisar a parceria entre a<br />
comunida<strong>de</strong> e os organismos públicos na busca <strong>de</strong> melhorias para o<br />
problema criminal, pois, <strong>de</strong>sta forma, a comunida<strong>de</strong> é envolvida diretamente<br />
na concepção e <strong>de</strong>senvolvimento das iniciativas preventivas.<br />
Este chamado à participação da comunida<strong>de</strong> em tarefas <strong>de</strong><br />
prevenção e na formação <strong>de</strong> parcerias evi<strong>de</strong>nciou-se, particularmente,<br />
em duas estratégias governamentais: reforma policial e consolidação <strong>de</strong><br />
espaços <strong>de</strong> participação comunitária.<br />
Reforma policial e polícia comunitária: características <strong>de</strong> um<br />
processo complexo<br />
A polícia comunitária é uma das estratégias <strong>de</strong> mudança policial que<br />
foi implementada majoritariamente no mundo com o claro objetivo <strong>de</strong><br />
“respon<strong>de</strong>r aos abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, à falta <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong>, à baixa confiança<br />
da população e às dúvidas sobre a legitimida<strong>de</strong> da polícia” (Crawford,<br />
1997). Os programas <strong>de</strong> polícia comunitária distinguem-se por três<br />
características principais: vigilância a pé e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> pessoal <strong>de</strong>dicado<br />
a <strong>de</strong>terminadas áreas geográficas, o estabelecimento <strong>de</strong> parcerias na<br />
prevenção do crime e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> consulta<br />
cidadã sobre os problemas locais mais importantes (Trojanowicz e<br />
Bucqueroux, 1998; Goldstein, 1998).<br />
Esta ampla caracterização da polícia comunitária ocasionou a<br />
implementação <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> diversas índoles, sob o mesmo rótulo.<br />
Desta maneira, nos encontramos com experiências que ficam em um<br />
extremo caracterizado pela geração <strong>de</strong> uma mudança brusca e rápida,<br />
como a reforma da polícia <strong>de</strong> Buenos Aires, que gerou controvérsias e
Lucía Dammert<br />
resistências internas às transformações propostas. No outro extremo<br />
estão os casos on<strong>de</strong>, por diversos motivos, entre os quais se <strong>de</strong>stacam a<br />
inércia, a falta <strong>de</strong> compreensão <strong>de</strong> seus princípios básicos e a reação<br />
institucional frente às mudanças, se adota a retórica da polícia comunitária,<br />
sem gerar nenhuma mudança significativa (Trojanowicz e Bucqueroux,<br />
1998). Desta forma, é evi<strong>de</strong>nte que o termo polícia comunitária per<strong>de</strong>u<br />
seu conteúdo inicial e transformou-se em uma categoria <strong>de</strong> um valor<br />
principalmente simbólico.<br />
Na América Latina, a partir da década <strong>de</strong> 1980, teve início um <strong>de</strong>bate<br />
geral sobre o papel da polícia e da comunida<strong>de</strong> na prevenção da<br />
criminalida<strong>de</strong>. O retorno à <strong>de</strong>mocracia em países como Argentina, Brasil<br />
e Chile, fez transparecer a necessida<strong>de</strong> das polícias experimentarem<br />
transformações que lhes inserissem nesse regime político (Frühling, 2001a;<br />
González, 1998; Oliveira e Tiscornia, 1998). A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reforma<br />
se fez mais evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>vido à constatação <strong>de</strong> uma atuação corrupta e<br />
violenta <strong>de</strong> membros da instituição policial, especialmente na Argentina e<br />
no Brasil, que não apenas envolvia cobranças in<strong>de</strong>vidas por parte dos<br />
agentes policiais, mas também o envolvimento com outros <strong>de</strong>litos. Além<br />
disso, o aumento da criminalida<strong>de</strong> e da sensação <strong>de</strong> insegurança gerou<br />
uma reflexão sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aumentar a eficácia policial.<br />
Perante as <strong>de</strong>mandas dos cidadãos, as instituições policiais colocaram<br />
como principal tema a carência <strong>de</strong> infra-estrutura e do pessoal necessário<br />
para controlar a <strong>de</strong>linqüência. No entanto, a última década <strong>de</strong>monstra um<br />
aumento no investimento público em infra-estrutura policial em<br />
praticamente todos os países da região. Assim, por exemplo, no período<br />
1990-96 os recursos <strong>de</strong>stinados aos Carabineiros e à <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong><br />
Investigações do Chile cresceram 93.3% (Oviedo, 2000). Da mesma<br />
forma, a <strong>de</strong>spesa total da <strong>Polícia</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Argentina passou <strong>de</strong> 488 milhões<br />
<strong>de</strong> dólares em 1993 para 734 milhões em 2000 4 .<br />
Essa situação <strong>de</strong>monstrou claramente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processos<br />
<strong>de</strong> reforma da polícia, os quais, em alguns casos, recebem a <strong>de</strong>nominação<br />
<strong>de</strong> polícia comunitária. Nesses processos, i<strong>de</strong>ntifica-se a incidência das<br />
três características principais da polícia comunitária, analisadas<br />
anteriormente. Verifica-se a presença <strong>de</strong> um claro discurso dirigido para<br />
a consolidação da prevenção como estratégia central da atuação policial.<br />
Da mesma forma, é ressaltada a relevância da intensificação da participação<br />
comunitária, <strong>de</strong>stacando a centralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu papel na diminuição do<br />
405
406<br />
Participação comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
crime e da sensação <strong>de</strong> insegurança. Por sua vez, observa-se também o enfoque<br />
dado ao estabelecimento <strong>de</strong> parcerias entre a polícia e a comunida<strong>de</strong>.<br />
Participação comunitária em prevenção<br />
A participação comunitária em temas <strong>de</strong> segurança está ligada a dois<br />
tipos <strong>de</strong> iniciativas. A primeira refere-se às que nascem por iniciativa do governo<br />
e da instituição policial, que se aproximam da população como estratégia para<br />
melhorar sua imagem, bem como para estabelecer esferas <strong>de</strong> cooperação na<br />
prevenção do crime. Um exemplo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> organização são os Comitês<br />
<strong>de</strong> Proteção Cidadã do Chile, que se <strong>de</strong>senvolvem a partir <strong>de</strong> uma política<br />
expressa <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> espaços comunitários <strong>de</strong> avaliação, proposta e<br />
implementação <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> prevenção (Araya Moya, 1999; Paz Cidadã).<br />
Por outro lado, há associações comunitárias que nascem da preocupação<br />
dos próprios cidadãos que, carentes <strong>de</strong> resposta dos organismos públicos,<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m se organizar <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Exemplo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />
organização é o Plano Vizinhos Unidos do bairro <strong>de</strong> Saavedra, em Buenos<br />
Aires (Smulovitz, 2001). Embora estes tipos i<strong>de</strong>ais sirvam para explicar o<br />
fenômeno da participação comunitária, raramente se apresentam na sua versão<br />
pura, configurando-se, normalmente, em casos intermédios, on<strong>de</strong> as duas<br />
formas <strong>de</strong> iniciativas aparecem mescladas.<br />
Sobretudo na América Latina, as iniciativas governamentais para<br />
intensificar a participação comunitária na prevenção do crime estiveram ligadas<br />
a mudanças nas instituições policiais e à criação <strong>de</strong> organismos <strong>de</strong>dicados à<br />
sua organização. Neste sentido, a análise dos casos propostos permite<br />
i<strong>de</strong>ntificar as características centrais das políticas <strong>de</strong> participação comunitária<br />
na América Latina, assim como suas limitações e <strong>de</strong>safios.<br />
3. ANÁLISE COMPARATIVA<br />
Esta análise comparativa preten<strong>de</strong> ressaltar as contribuições <strong>de</strong>stas<br />
experiências e a relação <strong>de</strong>stas com as políticas <strong>de</strong> participação comunitária<br />
na prevenção do crime na América Latina.<br />
Retomando o <strong>de</strong>bate conceitual exposto na segunda seção, os casos<br />
estudados apresentam variações na forma como se encaram os três<br />
conceitos centrais: prevenção, parceria e comunida<strong>de</strong>. Uma primeira
Lucía Dammert<br />
característica comum aos casos analisados é o interesse dos funcionários<br />
governamentais e da direção das instituições policiais por uma mudança<br />
na forma tradicional <strong>de</strong> aplicação das políticas <strong>de</strong> segurança. Como<br />
observamos, esta preocupação tem suas raízes no aumento do crime e<br />
da sensação <strong>de</strong> insegurança em todos os contextos, apesar da significativa<br />
variação entre eles.<br />
Desta maneira, o conceito prevenção é posto no primeiro plano da<br />
discussão política, como uma forma <strong>de</strong> enfrentar estas problemáticas e,<br />
sobretudo, <strong>de</strong> diminuir a constante cobrança do cidadão por medidas<br />
efetivas contra o crime. Neste sentido, a prevenção aparece como uma<br />
forma <strong>de</strong> envolver a comunida<strong>de</strong> nos problemas <strong>de</strong> segurança, aos quais<br />
se confere uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causas.<br />
Esta situação torna-se evi<strong>de</strong>nte nos casos estudados, já que todas<br />
as instituições policiais estabelecem como objetivo central a prevenção<br />
do crime e a relação com a comunida<strong>de</strong>, mesmo quando a capacitação<br />
relacionada a estes temas é escassa (ver tabela 1). As instituições policiais<br />
dos três casos compartilham características comuns. A partir da década<br />
<strong>de</strong> 1990, enfrentaram a problemática da segurança do cidadão com um<br />
discurso que, por um lado, põe ênfase na prevenção e na participação<br />
comunitária, e , por outro, no aumento <strong>de</strong> pessoal e na aquisição <strong>de</strong><br />
tecnologia. Outro aspecto a ser consi<strong>de</strong>rado, nos casos <strong>de</strong> São Paulo e<br />
Córdoba, é a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança do cidadão em relação aos policiais,<br />
assim como seu passado repressor e autoritário, que inclui um ingrediente<br />
importante à análise <strong>de</strong>sta preocupação com a relação com a comunida<strong>de</strong>,<br />
o que se configura diferente no Chile, on<strong>de</strong> os Carabineiros contam com<br />
um maior apoio e confiança da população.<br />
Por outro lado, observa-se que em todos os casos diversas<br />
estratégias <strong>de</strong> comunicação foram iniciadas para transmitir a mensagem<br />
<strong>de</strong> uma polícia mais próxima da comunida<strong>de</strong>. No caso <strong>de</strong> São Paulo, isto é<br />
evi<strong>de</strong>nte até mesmo no nome proposto para a reforma policial. Por sua<br />
vez, em Córdoba e no Chile, embora não se tenha adotado uma política<br />
<strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Comunitária, foram propostas no primeiro caso mudanças<br />
institucionais relacionadas a este tipo <strong>de</strong> estratégia, e <strong>de</strong>senvolveu-se, no<br />
segundo uma intensa campanha na mídia sobre novas estratégias<br />
operacionais, que estabelecem um vínculo maior entre Carabineiros e a<br />
comunida<strong>de</strong> (ver tabela 2).<br />
407
408<br />
Participação comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
Esta mudança no discurso público das polícias, que incorpora a<br />
participação do cidadão, tem como causa principal a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
repensar estratégias preventivas que respondam à <strong>de</strong>manda cidadã e lhe<br />
outorguem legitimida<strong>de</strong> institucional (no caso <strong>de</strong> Brasil e Argentina). No<br />
entanto, a <strong>de</strong>finição do vínculo da polícia com os grupos <strong>de</strong> vizinhos ainda<br />
não está clara, o que apresenta um grave risco: as expectativas criadas na<br />
comunida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m exce<strong>de</strong>r os objetivos policiais e, portanto, aumentar<br />
a lacuna entre ambos os grupos.<br />
Nos três casos analisados se introduz um discurso público próximo<br />
ao da polícia comunitária. Mas Córdoba 5 é a única experiência on<strong>de</strong> se<br />
evi<strong>de</strong>ncia uma mudança estrutural da instituição. Os outros dois casos<br />
mantêm instituições militarizadas, hierárquicas e com altos níveis <strong>de</strong><br />
autonomia em relação a outros atores institucionais e sociais. Cabe fazer<br />
a ressalva que em São Paulo o plano <strong>de</strong> polícia comunitária envolve<br />
treinamento e capacitação específicos para toda a instituição.<br />
Paralelamente à colocação em prática <strong>de</strong> mudanças institucionais<br />
ou operacionais que buscam vincular a polícia à comunida<strong>de</strong>, foram<br />
impulsionadas políticas que têm como principal objetivo estabelecer<br />
relações entre a comunida<strong>de</strong> e as instituições governamentais <strong>de</strong> controle.<br />
Desta forma, as políticas <strong>de</strong> participação comunitária na prevenção do<br />
crime tomaram especial relevância na última década na área das<br />
organizações sociais. No entanto, coincidimos com Crawford (1997),<br />
quando coloca em dúvida as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> longo prazo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />
estratégia, ao explicitar que “o crime por si mesmo po<strong>de</strong> não ser o foco<br />
mais apropriado sobre o qual organizar comunida<strong>de</strong>s abertas, tolerantes<br />
e inclusivas. Pelo contrário, é mais provável que gere maior resistência e<br />
exclusão. A configuração <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s tolerantes, <strong>de</strong> suas instituições<br />
e <strong>de</strong> suas estruturas <strong>de</strong>ve ser conduzida sob discussões e focos que sejam<br />
realmente integradores” (Crawford, 1997).<br />
Apesar do reconhecimento das limitações da organização<br />
comunitária na prevenção do crime, é preciso ressaltar alguns dos seus<br />
aspectos positivos. Em primeiro lugar, nas experiências analisadas<br />
apresenta-se uma clara presença do cidadão nas reuniões dos conselhos<br />
propostos, embora tal participação tenda a diminuir, o que não exclui o<br />
interesse e o envolvimento <strong>de</strong> um setor da população nestas iniciativas.<br />
Da mesma forma, ainda que no caso <strong>de</strong> São Paulo a participação direcione-
Lucía Dammert<br />
se quase que exclusivamente para temas <strong>de</strong> segurança, em Córdoba as<br />
reuniões dos conselhos permitiram o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> campanhas <strong>de</strong><br />
educação sobre violência familiar, consumo <strong>de</strong> álcool etc. No Chile, ainda<br />
não é possível avaliar os resultados, já que o processo encontra-se em<br />
fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dos diagnósticos locais.<br />
Neste sentido, talvez um dos principais achados <strong>de</strong>sta análise seja a<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> participação comunitária que se evi<strong>de</strong>ncia nas políticas<br />
implementadas. Todas envolvem um ator (polícia ou governo) que organiza,<br />
convoca e constitui um núcleo cidadão <strong>de</strong> participação. No caso <strong>de</strong> São<br />
Paulo e Chile, os membros dos CONSEG e dos Conselhos Comunais são<br />
convidados a participarem <strong>de</strong> acordo com a “representativida<strong>de</strong>” e<br />
“interesse” que possuem na comunida<strong>de</strong>, constituindo um board ou<br />
diretório <strong>de</strong> vizinhos, que se reúne periodicamente para avaliar a<br />
problemática do bairro ou do município, o que é apresentado como uma<br />
política <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira participação. Trata-se <strong>de</strong> uma participação cidadã<br />
com tarefas <strong>de</strong>finidas (<strong>de</strong>stacar os principais problemas, apoiar as ações<br />
policiais), que <strong>de</strong>ixa um espaço pequeno para as iniciativas que po<strong>de</strong>riam<br />
ser apresentadas pelos vizinhos.<br />
Tais medidas mostram, então, que a participação cidadã é<br />
compreendida como a administração <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> investimento (no<br />
caso do Chile), a geração <strong>de</strong> diagnósticos e a avaliação <strong>de</strong> ações públicas,<br />
não incluindo um papel ativo do cidadão na proposta, na concepção e na<br />
colocação em prática <strong>de</strong> políticas, programas e projetos comunitários.<br />
Mesmo que em todos os casos esteja presente a vonta<strong>de</strong> política <strong>de</strong> ouvir<br />
a voz do cidadão, os mecanismos pelos quais esta <strong>de</strong>manda popular é<br />
canalizada não estão claramente <strong>de</strong>finidos.<br />
Face ao exposto, argumentamos que é necessário refletir sobre a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar um novo significado à participação e <strong>de</strong> ampliar o<br />
papel do cidadão. Quando este se vê restringido e as propostas e<br />
reclamações do público não são canalizadas a<strong>de</strong>quadamente, a presença<br />
comunitária diminui e, portanto, limitam-se as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sucesso<br />
das políticas <strong>de</strong> prevenção. Por isso, a etapa <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong>stas políticas<br />
é fundamental para não “<strong>de</strong>sgastar” o interesse do cidadão. Neste sentido,<br />
o fortalecimento do conceito <strong>de</strong> parceria é indispensável na re<strong>de</strong>finição<br />
<strong>de</strong>stas políticas. Isto é, reconsi<strong>de</strong>rar o processo <strong>de</strong> participação comunitária<br />
na prevenção do crime, outorgando um papel central às necessida<strong>de</strong>s<br />
409
410<br />
Participação comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
comunitárias e enten<strong>de</strong>r que a preocupação pelo tema criminal <strong>de</strong>ve ser<br />
um tema importante na agenda <strong>de</strong> trabalho, mas não exclu<strong>de</strong>nte, para<br />
<strong>de</strong>sta maneira não transformar a participação em formas <strong>de</strong> conseguir<br />
segurança privada e melhorar o espaço local, mas sim como espaço para<br />
que sejam abordadas questões mais amplas e igualmente relacionadas com<br />
as problemáticas sociais, como a violência na família e a toxicomania, entre<br />
outras.<br />
Finalmente, é preciso ressaltar que o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>stas<br />
políticas marca um momento importante na <strong>de</strong>finição das políticas <strong>de</strong><br />
segurança e do papel da comunida<strong>de</strong> neste processo. Por isso, é preciso<br />
manter uma postura <strong>de</strong> constante revisão das estratégias <strong>de</strong> ação, com o<br />
fim <strong>de</strong> gerar uma experiência bem-sucedida <strong>de</strong> participação comunitária<br />
na prevenção do crime, que colabore em consolidar a construção da<br />
cidadania nos países do Cone Sul.<br />
Tabela 1. Caracterização da instituição policial<br />
Divisão entre oficiais e tropa<br />
Existência <strong>de</strong> polícia<br />
comunitária<br />
Tarefas que <strong>de</strong>sempenha<br />
Existência <strong>de</strong> centro <strong>de</strong> análise<br />
<strong>de</strong> informação<br />
Dependência governamental<br />
Números <strong>de</strong> membros<br />
(aprox.)<br />
Área <strong>de</strong> atuação<br />
Capacitação em trabalho com a<br />
comunida<strong>de</strong><br />
Existência <strong>de</strong> um centro <strong>de</strong><br />
análise sobre o tema<br />
Fonte: Elaboração própria, 2001.<br />
São Paulo<br />
Sim<br />
Sim<br />
Prevenção<br />
Sim<br />
Governador<br />
do Estado<br />
80.000<br />
Nacional<br />
Sim<br />
Sim<br />
Santiago<br />
Sim<br />
Não<br />
Prevenção<br />
Sim<br />
Ministério<br />
da Defesa<br />
35.000<br />
Nacional<br />
Pouca<br />
Sim<br />
Córdoba<br />
Não<br />
Sim<br />
Prevenção e<br />
investigação<br />
Não<br />
Ministério<br />
<strong>de</strong> Governo<br />
11.000<br />
Provincial<br />
Mínima<br />
Não
Tabela 2. Caracterização dos<br />
processos <strong>de</strong> mudança<br />
institucional policial<br />
Ano <strong>de</strong> início<br />
Inclui participação<br />
comunitária<br />
Modificação da estrutura<br />
policial<br />
Inclui polícia comunitária<br />
Melhoria da base <strong>de</strong><br />
informação estatística<br />
Autor do programa<br />
Patrulha a pé<br />
Coor<strong>de</strong>nação com políticas<br />
<strong>de</strong> participação comunitária<br />
Existência <strong>de</strong> controle<br />
externo<br />
Avaliações <strong>de</strong>senvolvidas<br />
(a) Faz referência ao plano quadrante<br />
Fonte: Elaboração própria, 2001.<br />
São Paulo<br />
1995<br />
Sim<br />
Não<br />
Sim<br />
Sim<br />
<strong>Polícia</strong><br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Santiago (a)<br />
2000<br />
Não<br />
Não<br />
Não<br />
Sim<br />
<strong>Polícia</strong><br />
Não<br />
Sim<br />
Em<br />
processo<br />
Não<br />
Lucía Dammert<br />
Córdoba<br />
1999<br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Não<br />
<strong>Polícia</strong>/Governo<br />
Sim<br />
Não<br />
Não<br />
Não<br />
411
412<br />
Participação comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
Tabela 3. Caracterização <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> participação comunitária<br />
Organismo encarregado<br />
Organismo encarregado do<br />
setor<br />
Coor<strong>de</strong>nação com a polícia<br />
Área <strong>de</strong> influência<br />
Formação <strong>de</strong> associações <strong>de</strong><br />
vizinhos<br />
Avaliações <strong>de</strong>senvolvidas<br />
Desenvolvimento <strong>de</strong><br />
campanhas educativas<br />
Desenvolvimento <strong>de</strong> suporte<br />
técnico para as políticas<br />
Desenvolvimento <strong>de</strong><br />
indicadores para o<br />
monitoramento das políticas<br />
Convocatória aberta à<br />
comunida<strong>de</strong><br />
Existe avaliação<br />
Fonte: Elaboração própria, 2001.<br />
4. CONCLUSÕES<br />
São Paulo<br />
<strong>Polícia</strong><br />
<strong>Militar</strong><br />
<strong>Polícia</strong><br />
<strong>Militar</strong><br />
Sim<br />
Estadual<br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Não<br />
Não<br />
Sim<br />
Santiago<br />
Ministério do<br />
Interior<br />
Prefeitura e<br />
Ministério do<br />
Interior<br />
Sim<br />
Nacional<br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Não<br />
Não<br />
Córdoba<br />
Ministério<br />
<strong>de</strong> Governo<br />
Ministério<br />
<strong>de</strong> Governo<br />
Pouca<br />
Provincial<br />
Sim<br />
Sim<br />
Sim<br />
Não<br />
Não<br />
Sim<br />
Não<br />
O objetivo central <strong>de</strong>ste artigo foi apresentar e analisar três políticas<br />
<strong>de</strong> prevenção comunitária do crime na Argentina, no Brasil e no Chile.<br />
Nestes países, o crescimento das taxas <strong>de</strong> crimes registrados e a sensação<br />
<strong>de</strong> insegurança, assim como as limitações dos atores estatais para<br />
solucionar o problema, colocou em primeiro plano a estratégia <strong>de</strong><br />
participação comunitária como resposta alternativa a esta situação. Em<br />
todos os casos, as políticas são <strong>de</strong>stinadas, principalmente, a melhorar a
elação entre a polícia e a comunida<strong>de</strong>, a consolidar ou criar re<strong>de</strong>s sociais<br />
e a diminuir a sensação pública <strong>de</strong> insegurança.<br />
É necessário ressaltar que as políticas analisadas fazem parte <strong>de</strong><br />
uma primeira geração <strong>de</strong> políticas sociais relacionadas com a segurança,<br />
cujo ator principal não é a polícia. Neste sentido, sua importância central<br />
é evi<strong>de</strong>nte no dimensionamento do papel da comunida<strong>de</strong> em temas como<br />
a segurança, o crime e a prevenção. Apesar <strong>de</strong>sta notável característica,<br />
estas políticas apresentam também uma série <strong>de</strong> limitações e <strong>de</strong>safios<br />
que superam suas realida<strong>de</strong>s locais. Portanto, sua análise e <strong>de</strong>bate são <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> na hora <strong>de</strong> formular e avaliar o que ocorre em outros<br />
países da região e o que po<strong>de</strong> ser realizado futuramente.<br />
As políticas <strong>de</strong> prevenção comunitária do crime são imprescindíveis<br />
para gerar um rompimento com a tendência crítica atual. No entanto,<br />
diversas mudanças <strong>de</strong>vem ser previamente efetivadas para que seja<br />
alcançado sucesso nesse caminho. Em linhas gerais, há quatro gran<strong>de</strong>s<br />
temáticas que <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas. Em primeiro lugar, uma mudança<br />
na estrutura policial que acompanhe o crescente papel da comunida<strong>de</strong> na<br />
prevenção. Depois, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma maior integração e coor<strong>de</strong>nação<br />
entre os organismos públicos <strong>de</strong>dicados ao tema, assim como com aqueles<br />
que estão envolvidos em questões afins. Em terceiro lugar, é imperativo<br />
ampliar o papel da comunida<strong>de</strong>, convertendo-a em parte central das ações<br />
preventivas locais e, portanto, atribuindo-lhe po<strong>de</strong>r para propor<br />
alternativas <strong>de</strong> solução a temáticas específicas. Finalmente, os pontos<br />
anteriores só po<strong>de</strong>rão ser alcançados caso se consoli<strong>de</strong> o papel ativo do<br />
governo local.<br />
Participação e estrutura policial<br />
Lucía Dammert<br />
A probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucesso das políticas <strong>de</strong> participação para a<br />
prevenção tem uma estreita relação com o papel da polícia em tais<br />
estratégias. A realização <strong>de</strong> mudanças institucionais é central para alcançar<br />
uma maior in<strong>de</strong>pendência na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões dos comandos locais:<br />
in<strong>de</strong>pendência que po<strong>de</strong> incentivar os chefes <strong>de</strong> <strong>de</strong>legacias a implementar<br />
propostas locais, já que evita trâmites burocráticos lentos e complicados.<br />
Em uma instituição hierárquica, muitas vezes autoritária, como a polícia, a<br />
mudança costuma ser um processo <strong>de</strong> longo prazo, on<strong>de</strong> se requer um<br />
bom planejamento das áreas envolvidas, assim como dos objetivos que se<br />
<strong>de</strong>seja alcançar.<br />
413
414<br />
Participação comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
A mudança da cultura institucional <strong>de</strong>ve estar entre as primeiras<br />
priorida<strong>de</strong>s, já que a bibliografia analisada em países <strong>de</strong>senvolvidos conclui<br />
que a resistência da polícia à mudança e que a cultura institucional<br />
(hierárquica, militarizada e autônoma) são os principais obstáculos para<br />
alcançar políticas bem-sucedidas <strong>de</strong> prevenção e participação. Além disso,<br />
é necessário implementar um currículo <strong>de</strong> capacitação dos membros da<br />
polícia que inclua trabalho com a comunida<strong>de</strong>, solução <strong>de</strong> problemas,<br />
mediação <strong>de</strong> conflitos e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> projetos, para dar resposta<br />
a um maior número <strong>de</strong> situações críticas.<br />
Além disso, é necessário <strong>de</strong>finir a relação que a polícia estabelece<br />
com as organizações comunitárias. A implementação <strong>de</strong> estratégias policiais<br />
com ênfase na participação comunitária colocou em evidência a carência<br />
<strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong> ação entre os membros do binômio polícia-comunida<strong>de</strong>.<br />
Integração e coor<strong>de</strong>nação interinstitucional<br />
Um dos maiores riscos que estas políticas enfrentam é o <strong>de</strong>sânimo<br />
e a <strong>de</strong>sconfiança da população, que po<strong>de</strong> não estar disposta a participar<br />
em um esforço sem ver uma pronta solução <strong>de</strong> seus problemas<br />
comunitários. Igualmente, a falta <strong>de</strong> compromisso real das instituições<br />
públicas para apoiar estas estratégias gera uma diminuição da participação<br />
e <strong>de</strong>sconfiança quanto às iniciativas do setor público. Neste sentido, é<br />
prioritário gerar uma re<strong>de</strong> interinstitucional <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>stas<br />
políticas, que diminua a duplicação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e coor<strong>de</strong>ne as ações <strong>de</strong><br />
diversos organismos públicos no tema. Caso não seja realizada uma<br />
verda<strong>de</strong>ira transformação dos serviços por parte do Estado, o que neste<br />
caso significa uma melhora palpável na atenção ao cidadão nas <strong>de</strong>legacias,<br />
tribunais e <strong>de</strong>mais organismos relacionados com a segurança, será muito<br />
difícil alcançar o compromisso da comunida<strong>de</strong>, freqüentemente <strong>de</strong>bilitado<br />
por <strong>de</strong>ficientes experiências <strong>de</strong> participação.<br />
Ampliação do papel do cidadão<br />
As iniciativas analisadas são um excelente ponto <strong>de</strong> partida para<br />
impulsionar a participação do cidadão em uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas que<br />
envolvem a segurança: o uso dos espaços públicos, as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> contenção<br />
para jovens, a gestão <strong>de</strong> projetos e a formulação <strong>de</strong> políticas públicas. É<br />
necessário aprofundar a participação nestas, permitindo a somatória <strong>de</strong><br />
atores e lí<strong>de</strong>res comunitários <strong>de</strong> diversos âmbitos e a comunida<strong>de</strong> em
geral. Esta abertura <strong>de</strong>ve estar ligada a uma flexibilização dos regulamentos<br />
estabelecidos para cada uma das experiências <strong>de</strong> participação.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, a busca <strong>de</strong> financiamento próprio soma um notável<br />
problema naquelas comunida<strong>de</strong>s empobrecidas nas quais seus habitantes<br />
colaboram com seu tempo como recurso principal. Desta maneira, o<br />
Estado <strong>de</strong>ve garantir os fundos necessários para que estas iniciativas<br />
tenham assegurado seu <strong>de</strong>senvolvimento no tempo. Finalmente, é preciso<br />
<strong>de</strong>sestimular a estigmatização do “outro”, do “<strong>de</strong>linqüente”, do “esquisito”,<br />
já que o problema da segurança cidadã é um tema que envolve a todos e<br />
on<strong>de</strong> não é possível estimular a divisão e a estigmatização social. Desta<br />
maneira, é importante encorajar a participação do cidadão consi<strong>de</strong>rado<br />
diferente, cuja visão das necessida<strong>de</strong>s e problemas da comunida<strong>de</strong> é<br />
essencial para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> políticas públicas bem-sucedidas.<br />
Em resumo, as associações comunitárias necessitam assegurar sua<br />
representativida<strong>de</strong> ao incorporar organizações e indivíduos interessados<br />
na temática. Neste sentido, transforma-se em ação central o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estruturas e processos que assegurem a participação<br />
total da comunida<strong>de</strong>.<br />
Gestão local e prevenção comunitária<br />
Lucía Dammert<br />
A particularida<strong>de</strong> da temática da segurança cidadã permite e requer<br />
uma ênfase local na formulação e implementação <strong>de</strong> políticas comunitárias.<br />
Embora os contextos <strong>de</strong> aumento da criminalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sensação <strong>de</strong><br />
insegurança sejam similares em diversos países, é evi<strong>de</strong>nte que os motivos<br />
<strong>de</strong>sta situação são diversos e multidimensionais em cada cida<strong>de</strong> ou bairro.<br />
Desta maneira, os governos locais <strong>de</strong>vem assumir um papel <strong>de</strong> protagonista,<br />
não só nas políticas nacionais ou estaduais <strong>de</strong> prevenção, mas também na<br />
própria formulação <strong>de</strong> políticas locais. Esta estratégia tem o potencial para<br />
influir diretamente sobre os problemas locais, assim como para captar maior<br />
atenção da comunida<strong>de</strong>, que se sente parte do problema e <strong>de</strong> suas soluções.<br />
Referências Bibliográficas<br />
Araya Moya, J. (1999), “Experiencias <strong>de</strong> participación ciudadana en la prevención local <strong>de</strong>l<br />
<strong>de</strong>lito. Exitos y dificulta<strong>de</strong>s”. Ca<strong>de</strong>rnos CED, N. 30, CED, Santiago.<br />
Crawford, A. (1997), The Local Governance of Crime: Appeals to Community and Partnerships,<br />
Clarendon Press, Oxford.<br />
Dammert, L. (2001), La geografía <strong>de</strong>l crimen en las principales ciuda<strong>de</strong>s argentinas: diagnóstico<br />
y perspectivas. Artigo apresentado no VI Seminario Internacional <strong>de</strong> la Red Iberoamericana <strong>de</strong><br />
415
416<br />
Participação comunitária na prevenção do crime na América Latina<br />
Investigadores sobre Globalización y Territorio. Rosario, Argentina.<br />
Dammert, L e Malone, M. (2001), “Inseguridad y temor en Argentina: El impacto <strong>de</strong> la confianza<br />
en la policía y la corrupción sobre la percepción ciudadana <strong>de</strong>l crimen. Desarrollo Económico.<br />
Buenos Aires, Argentina.<br />
Dammert, L. (2000) “Violencia Criminal y Seguridad Pública en América Latina: La Situación en<br />
Argentina.” Serie Políticas Sociales N.43. CEPAL, Santiago <strong>de</strong> Chile<br />
De Roux, G. (1994), “ Ciudad y violencia en América Latina” Em: Ciudad y violencias en América<br />
Latina. Programa <strong>de</strong> Gestión Urbana, Quito.<br />
Durston, J. (2000), ¿Qué es capital social comunitario? Serie Políticas Sociales N. 38. CEPAL,<br />
Santiago.<br />
Fajnzylber, P. (1997), What causes crime and violence? Banco Mundial, Washington, DC.<br />
Frühling, H. (2001a), Police and Society in transitional countries: the case of Latin America. Artigo<br />
apresentado no Workshop Internacional organizado pelo Danish Centre for Human Rights. (mimeo)<br />
Goldstein, H. (1998) Problem Oriented Policing. Ac Graw Hill, Nueva York.<br />
Moser, C. e Holland R. (1997), Urban poverty and violence in Jamaica. BID. Washington DC.<br />
Olivera A. e Tiscornia S. (1998), “Estructuras y Prácticas <strong>de</strong> las policías en la Argentina. Las re<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> la ilegalidad”. Em: Frühling H. (edit), Control Democrático <strong>de</strong>l Mantenimiento <strong>de</strong> la Seguridad.<br />
Centro <strong>de</strong> Estudios para el Desarrollo, Santiago.<br />
Oviedo, E. (2000), “Santiago, violencia, <strong>de</strong>litos e inseguridad”. SUR, (mimeo)<br />
Paz Ciudadana (2000a), “Plan Comuna Segura”. Em: Hechos. Fundación Paz Ciudadana, Santiago.<br />
Putnam, R. (1993), Making <strong>de</strong>mocracy work: Civic traditions in Mo<strong>de</strong>rn Italy. Princeton University<br />
Press, Princeton.<br />
Smulovitz, C. (2001), “Policiamiento Comunitario en Argentina, Brasil y Chile: Lecciones <strong>de</strong> una<br />
Experiencia Incipiente”.Apresentado ao Grupo <strong>de</strong> Trabajo sobre Seguridad Ciudadana do Woodrow<br />
Wilson International Center for Scholars.<br />
Trojanowicz, R. e Bucqueroux, B. (1998), Community Policing: How to get Started. An<strong>de</strong>rson, Ohio.<br />
Van Dijk, J. (1999), “Crime Prevention Policy: current state and prospects” Em: Kaiser, G y Albrecht<br />
H. Crime and criminal policy in Europe. Criminological research report, vol. 43. Freiburg.<br />
Notas<br />
1 O presente artigo é uma versão resumida do texto <strong>de</strong> mesmo título, publicado pelo Centro <strong>de</strong><br />
Estudos do Desenvolvimento, Santiago (2003). www.policiaysociedad.org<br />
2 São as instituições, relações e normas que dão corpo à qualida<strong>de</strong> e à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interações<br />
sociais. Diversos estudos enfatizaram este conceito e sua relação com o crime. Assim, por<br />
exemplo, um recente estudo concluiu que “as comunida<strong>de</strong>s com pouco ou <strong>de</strong>ficiente capital<br />
social <strong>de</strong>veriam ser mais suscetíveis à violência” (BID, 1999). Para maiores <strong>de</strong>talhes, ver:<br />
Durston, 2000; Fajnzylber, 1997.<br />
3 É importante mencionar a existência <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> participação em prevenção do crime<br />
que foram impulsionadas pela comunida<strong>de</strong>, sem participação governamental. Para maiores<br />
<strong>de</strong>talhes, ver: Smulovitz, 2001.<br />
4 Informação da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Segurança Cidadã, Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires, Argentina.<br />
5 As mudanças institucionais aprovadas em janeiro <strong>de</strong> 2001 ainda não foram implementadas na<br />
sua totalida<strong>de</strong>, motivo pelo qual não é possível avaliar o sucesso <strong>de</strong>sta política.
Artigo<br />
A BUSCA POR DIREITOS: POSSIBILIDADES E<br />
LIMITES DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA<br />
DEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO<br />
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda *<br />
INTRODUÇÃO<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma discussão sobre a participação da socieda<strong>de</strong><br />
civil na busca por direitos e sua relação com a <strong>de</strong>mocratização<br />
estatal, processo que é sempre marcado por conflitos. Inicialmente,<br />
tomou-se por referência a conjuntura sócio-histórica <strong>de</strong> construção<br />
da cidadania no Brasil, em comparação com outros países da América<br />
Latina, ressaltando as tradições políticas autoritárias e<br />
patrimonialistas, que representam obstáculos à <strong>de</strong>limitação do<br />
espaço público como um campo <strong>de</strong> relações fora do contexto privado.<br />
Por fim, discutem-se as características dos Conselhos Comunitários<br />
<strong>de</strong> Segurança como um instrumento <strong>de</strong> ampliação da participação<br />
social, para problematizar seus limites e possibilida<strong>de</strong>s, tomando<br />
por base a experiência do Rio <strong>de</strong> Janeiro, e sua contribuição na<br />
construção <strong>de</strong> políticas públicas.<br />
Uma socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser analisada a partir <strong>de</strong> dois aspectos<br />
aparentemente opostos, os fatores <strong>de</strong> manutenção da or<strong>de</strong>m social,<br />
relacionados às tradições, e suas forças <strong>de</strong> transformação, relacionadas à<br />
mudança social. Seja qual for a abordagem, é preciso reconhecer que os<br />
conflitos são inerentes e necessários às socieda<strong>de</strong>s, já que são sistemas<br />
abertos <strong>de</strong> interações individuais, organizacionais e institucionais.<br />
Atualmente, tem sido comum críticas e cobranças relativas à falta<br />
<strong>de</strong> mobilização e participação da socieda<strong>de</strong> em contextos variados. Mas<br />
o que isso realmente significa? Será que vivemos um momento <strong>de</strong> total<br />
individualização <strong>de</strong>struidora, cuja priorida<strong>de</strong> é a busca <strong>de</strong> dinheiro a<br />
qualquer preço, ou estamos diante <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los diferenciados sobre o<br />
que é participar da vida social? Que temas mobilizam hoje os indivíduos?<br />
Pretendo levantar algumas questões sobre a participação da<br />
socieda<strong>de</strong> na busca por direitos e sua relação com a <strong>de</strong>mocratização estatal,<br />
* Diretora-Presi<strong>de</strong>nte do Instituto <strong>de</strong> Segurança Pública, professora da Universida<strong>de</strong><br />
Candido Men<strong>de</strong>s e doutora em Antropologia (USP)<br />
BRASIL<br />
417
418<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
processo que tanto po<strong>de</strong> ser influenciado por conflitos provocados pelas<br />
mudanças, quanto por conflitos advindos da manutenção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los e<br />
práticas sociais. Não se trata, portanto, <strong>de</strong> uma reflexão sobre a história<br />
dos movimentos sociais 1 , mas sim sobre as possibilida<strong>de</strong>s e limites da<br />
mobilização social na construção do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito.<br />
Parte-se do pressuposto <strong>de</strong> que o Estado po<strong>de</strong> ter a pretensão<br />
tanto <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar, quanto <strong>de</strong> comandar as relações entre os diferentes<br />
grupos (Velho, 1995). Portanto, a <strong>de</strong>mocracia não <strong>de</strong>ve ser compreendida<br />
como um processo evolutivo, posto que não se realiza unicamente na<br />
existência <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> garantias institucionais e formais, mas como<br />
uma forma para administrar os conflitos entre sujeitos, em face <strong>de</strong> lógicas<br />
distintas vigentes nos sistemas sociais.<br />
Nesse sentido, a <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong>veria propiciar o reconhecimento<br />
<strong>de</strong> que cada experiência <strong>de</strong> classe/grupo/categoria produz uma visão <strong>de</strong><br />
mundo, e que essas visões constituem a riqueza das socieda<strong>de</strong>s. Somente<br />
assim, po<strong>de</strong>-se pensar que a <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong>ve garantir o respeito às<br />
diferenças individuais e à pluralida<strong>de</strong>, como um estímulo à criação <strong>de</strong><br />
espaços para a participação <strong>de</strong> sujeitos cada vez mais receptivos.<br />
É necessário esclarecer que a idéia <strong>de</strong> sujeito não representa aqui o<br />
sinônimo <strong>de</strong> indivíduo, mas sim a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pessoa ou grupo <strong>de</strong><br />
atuar e modificar seu meio social mais do que ser <strong>de</strong>terminado por ele.<br />
Inspirada em Alain Touraine (apud Ga<strong>de</strong>a & Scherer-Warren, 2005),<br />
consi<strong>de</strong>ro que o conceito <strong>de</strong> sujeito social 2 é mais a<strong>de</strong>quado para pensar<br />
o contexto da América Latina, do que o conceito <strong>de</strong> classe social 3 , que<br />
apresenta escassa verificação empírica e pouca utilida<strong>de</strong> para compreen<strong>de</strong>r<br />
essa diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cenários.<br />
A CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS DE DIREITOS E A BUSCA POR<br />
DEMOCRATIZAÇÃO<br />
Para melhor compreen<strong>de</strong>r como o sujeito interfere na sua realida<strong>de</strong><br />
é importante ressaltar algumas experiências sócio-políticas recentes que<br />
influenciaram o <strong>de</strong>bate sobre a <strong>de</strong>mocratização no mundo:<br />
· as lutas políticas contra o socialismo autoritário que<br />
marcaram a Europa Oriental, a partir <strong>de</strong> meados da<br />
década <strong>de</strong> 1970;
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
· a crise do Estado <strong>de</strong> Bem-estar Social dos países<br />
capitalistas <strong>de</strong>senvolvidos, a partir da década <strong>de</strong> 1980;<br />
· as transições latino-americanas <strong>de</strong> ditaduras militares para<br />
governos <strong>de</strong>mocráticos, a partir do fim da década <strong>de</strong> 1970.<br />
Vários autores consi<strong>de</strong>ram que os anos 70 representaram o<br />
ressurgimento da socieda<strong>de</strong> civil 4 em oposição ao Estado autoritário, porém<br />
é preciso compreen<strong>de</strong>r como esses processos foram distintos nos países<br />
da América Latina. Naquela época, o <strong>de</strong>bate foi marcado por estudos que<br />
compreendiam a América Latina como uma realida<strong>de</strong> dual, dividida em uma<br />
face mo<strong>de</strong>rna e outra atrasada, cuja ótica era o estudo das elites e dos<br />
processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Por outro lado, havia uma visão anti-estado<br />
nos movimentos sociais, <strong>de</strong>vido à oposição ao regime militar.<br />
É somente na década <strong>de</strong> 80 que começa a se intensificar a produção<br />
acadêmica sobre os movimentos sociais, o que coinci<strong>de</strong> com o que Ruth<br />
Cardoso (2004) chama <strong>de</strong> período da institucionalização dos movimentos.<br />
Assim, o contexto político da “re<strong>de</strong>mocratização” possibilitou o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> relação entre os movimentos, as<br />
agências públicas e os partidos políticos. Um outro fator importante para<br />
a compreensão dos movimentos sociais, no Brasil 5 , está relacionado com<br />
a influência da Teologia da Libertação 6 , que mobilizou e engajou camadas<br />
pobres da população na busca por justiça social.<br />
Avzriter & Costa (2004) afirmam que, nos últimos anos, o <strong>de</strong>bate<br />
sobre a participação da socieda<strong>de</strong> civil se processou em consonância<br />
com o <strong>de</strong>bate mundial sobre o tema, <strong>de</strong> modo que a construção <strong>de</strong> uma<br />
“teoria da socieda<strong>de</strong> civil latino-americana” e seus usos analíticos<br />
ocorreram num contexto <strong>de</strong> uma interpretação sociológica da<br />
<strong>de</strong>mocratização e das novas <strong>de</strong>mocracias 7 .<br />
Já Aldo Panfichi e Paula Valeria Muñoz Chirinos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a<br />
socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>ve ser entendida como uma esfera social autônoma do<br />
Estado, sendo uma construção social relativamente nova na América Latina.<br />
Propõem uma <strong>de</strong>finição flexível <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> civil, como “uma esfera <strong>de</strong><br />
ação intermediária, situada entre o Estado e as famílias, em que grupos e<br />
associações <strong>de</strong> indivíduos se organizam <strong>de</strong> maneira autônoma e voluntária<br />
com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e ampliar a vigência <strong>de</strong> seus direitos, valores<br />
e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, bem como para exercer controle e fiscalizar a ação das<br />
autorida<strong>de</strong>s políticas” (2002: 305).<br />
419
420<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
Entretanto, Alberto Olvera consi<strong>de</strong>ra problemático falar <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> civil, pois na realida<strong>de</strong> temos um conjunto diverso, heterogêneo<br />
e plural <strong>de</strong> atores sociais, instituições e práticas. Para ele, a socieda<strong>de</strong> civil<br />
seria a correlação <strong>de</strong> “um sistema legal e institucional que estabelece,<br />
protege e atualiza os direitos cidadãos; um conjunto <strong>de</strong> movimentos sociais<br />
e <strong>de</strong> associações civis que são social, política e i<strong>de</strong>ologicamente<br />
heterogêneos; uma cultura política ancorada numa diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espaços<br />
públicos, favorável à tolerância e ao respeito mútuo e inclinada a uma<br />
relação crítica com o Estado e o mercado” (2002:352).<br />
O que há <strong>de</strong> consenso neste <strong>de</strong>bate é que não se po<strong>de</strong> i<strong>de</strong>alizar a<br />
socieda<strong>de</strong> civil, já que ela é resultado <strong>de</strong> um processo histórico. E, no<br />
caso da América Latina, observa-se o predomínio do impacto <strong>de</strong> reformas<br />
econômicas neoliberais 8 , <strong>de</strong> experiências autoritárias, <strong>de</strong> uma frágil<br />
<strong>de</strong>mocratização e da ausência <strong>de</strong> separação entre o interesse público e o<br />
privado no exercício do po<strong>de</strong>r.<br />
Consi<strong>de</strong>ro mais a<strong>de</strong>quada a proposta analítica <strong>de</strong> Panfichi e Chirinos<br />
(op. cit.), pois permite contemplar <strong>de</strong> modo mais amplo a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
grupos em conflito, possibilitando a pesquisa sobre a participação <strong>de</strong> grupos<br />
conservadores, muitas vezes esquecidos nas investigações 9 .<br />
Segundo José Murilo <strong>de</strong> Carvalho (2003), alguns fatos foram<br />
relevantes no cenário político brasileiro no processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização,<br />
a saber: a aprovação da Constituição “mais liberal e <strong>de</strong>mocrática” que o<br />
país já teve, em 1988, que adotou o princípio geral da <strong>de</strong>mocracia<br />
participativa; o restabelecimento <strong>de</strong> vários procedimentos <strong>de</strong>mocráticos<br />
formais e abertura a novas forças políticas; e a primeira eleição direta para<br />
presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1960, em 1989, provocando uma ampliação dos direitos<br />
políticos numa escala inédita no país. Destaca, também, o Movimento dos<br />
Sem-Terra (MST) como um avanço que resultou da re<strong>de</strong>mocratização do<br />
país, pois representou a incorporação à vida política <strong>de</strong> uma parcela da<br />
população tradicionalmente excluída pela força do latifúndio. Embora<br />
reconheça que os métodos utilizados po<strong>de</strong>m tangenciar a ilegalida<strong>de</strong> (invasão<br />
<strong>de</strong> terras públicas ou não cultivadas), José Murilo <strong>de</strong> Carvalho acha que os<br />
mesmos <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados legítimos em função da lentidão histórica<br />
dos governos em resolver o problema agrário no país.<br />
Outro indicador do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização das relações entre<br />
socieda<strong>de</strong> e Estado seria o surgimento <strong>de</strong> organizações não-
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
governamentais, porque provocam a ampliação da participação social no<br />
diagnóstico, encaminhamento e solução <strong>de</strong> problemas sociais. Neste<br />
processo é possível se observar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong><br />
“empo<strong>de</strong>ramento” que levam os atores da socieda<strong>de</strong> civil organizada a se<br />
perceberam como sujeitos sociais, ou seja, é a busca por direitos que<br />
possibilita que a cidadania se enraíze nas práticas sociais.<br />
No entanto, a <strong>de</strong>mocratização da esfera política não contribuiu para<br />
a resolução <strong>de</strong> problemas econômicos (<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>semprego), bem<br />
como <strong>de</strong> problemas sociais (educação, saú<strong>de</strong> e saneamento), observandose<br />
também um agravamento da situação que ameaça aos direitos civis<br />
(segurança individual e pública) com o crescimento das violências e da<br />
criminalida<strong>de</strong> em todo o país.<br />
No caso do Brasil, a luta contra o autoritarismo e a transição para a<br />
<strong>de</strong>mocracia, mesmo reunindo diversos setores, contribuiu para uma visão<br />
homogeneizada da socieda<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong>ixando marcas no <strong>de</strong>bate teórico e<br />
político. Uma das conseqüências <strong>de</strong>ste processo é a existência <strong>de</strong> uma<br />
tradição cultural ambígua em relação à <strong>de</strong>mocracia, já que o autoritarismo<br />
influenciou práticas da vida cotidiana e das relações do po<strong>de</strong>r estatal com<br />
a população, em especial, as que se referem ao tipo <strong>de</strong> industrialização e<br />
urbanização, ou seja, aos processos <strong>de</strong> remoção e reassentamento das<br />
populações, marcados por práticas exclu<strong>de</strong>ntes.<br />
Deste modo, o retorno às instituições formais <strong>de</strong>mocráticas não<br />
produziu o encaminhamento a<strong>de</strong>quado pelo Estado dos problemas da<br />
exclusão e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social, suscitando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituição<br />
<strong>de</strong> práticas sociais mais <strong>de</strong>mocráticas, que <strong>de</strong>marcassem melhor a<br />
separação entre a socieda<strong>de</strong> civil e o Estado, visando à ampliação e ao<br />
aprofundamento do controle do Estado pela socieda<strong>de</strong>.<br />
A década <strong>de</strong> 1980 foi marcada pela re<strong>de</strong>finição da noção <strong>de</strong> cidadania,<br />
empreendida pelos movimentos sociais e por outros setores, na busca<br />
por uma socieda<strong>de</strong> mais igualitária, baseada no reconhecimento dos<br />
membros como sujeitos portadores <strong>de</strong> direitos. Para Evelina Dagnino<br />
(2004), a radicalização da noção <strong>de</strong> cidadania representa a reavaliação do<br />
conceito 10 , que tem como dimensão positiva sua relação com uma<br />
concepção <strong>de</strong> justiça redistributiva. A cidadania radical é entendida como<br />
uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> política, e não apenas um estatuto legal que se refere a um<br />
ser passivo <strong>de</strong> direitos, que goza da proteção da lei (Mouffe,1992). Esta<br />
421
422<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
concepção <strong>de</strong> cidadania rejeita a idéia do universalismo do público em<br />
oposição ao domínio privado. Sendo assim, não é mais possível se dizer<br />
“aqui terminam os meus <strong>de</strong>veres como cidadão e começa minha liberda<strong>de</strong><br />
como indivíduo!”, já que essas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s existem em permanente tensão.<br />
Portanto, a criação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva do cidadão <strong>de</strong>mocrata <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
das formas pelas quais cada socieda<strong>de</strong> vivencia esta experiência. Para<br />
enten<strong>de</strong>r a cidadania radical é preciso respon<strong>de</strong>r à seguinte pergunta: o<br />
que é ser cidadão na minha socieda<strong>de</strong>?<br />
A década <strong>de</strong> 1990 se iniciou regida pela adoção <strong>de</strong> ajustes estruturais<br />
provocados por políticas neoliberais, que implicaram em dificulda<strong>de</strong>s<br />
significativas no ritmo da <strong>de</strong>mocratização, cujos efeitos foram o agravamento<br />
das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e econômicas, bem como as influências sobre a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilização e organização política da socieda<strong>de</strong> civil.<br />
A dimensão positiva <strong>de</strong>ste contexto foi a transformação nas relações<br />
entre Estado e socieda<strong>de</strong> civil que, segundo Evelina Dagnino (2002),<br />
<strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> antagonismo, confronto e oposição <strong>de</strong>clarada, para<br />
assumir uma postura <strong>de</strong> negociação, <strong>de</strong> atuação conjunta.<br />
Outras duas conseqüências <strong>de</strong>sse processo seriam a “revitalização”<br />
da socieda<strong>de</strong> civil, ou seja, o aumento do associativismo, a emergência <strong>de</strong><br />
movimentos sociais organizados, a reorganização partidária, e a<br />
<strong>de</strong>mocratização do Estado, <strong>de</strong>senhando o seguinte cenário político:<br />
· a redução do papel do Estado como fonte <strong>de</strong> direitos<br />
e <strong>de</strong> participação;<br />
· o <strong>de</strong>slocamento da idéia <strong>de</strong> nação como fonte da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva;<br />
· o surgimento <strong>de</strong> organismos políticos e burocráticos<br />
supranacionais;<br />
· o cidadão se torna cada vez mais um “consumidor”,<br />
afastado <strong>de</strong> preocupações políticas e dos problemas<br />
coletivos;<br />
· o surgimento <strong>de</strong> organizações não-governamentais11 que estão voltadas para o interesse público;<br />
· a formulação e execução <strong>de</strong> políticas publicas<br />
alternativas e <strong>de</strong>mocráticas, que tentam romper os<br />
vícios do paternalismo e clientelismo.
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
A isso se soma um progressivo enfraquecimento e transformação<br />
das formas tradicionais <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> interesses, <strong>de</strong> representação<br />
política e solidarieda<strong>de</strong>s vigentes durante o século XX. Na Argentina, no<br />
Chile, na Colômbia e no Peru este processo tem sido observado pela<br />
crise dos sindicatos, pelo enfraquecimento dos partidos políticos, pela<br />
transformação das formas <strong>de</strong> filantropia e a mudança dos projetos políticos<br />
que enfatizavam a classe operária como ator principal da construção da<br />
cidadania. Em contrapartida, observa-se o surgimento <strong>de</strong> novas formas<br />
<strong>de</strong> associação e organização da socieda<strong>de</strong> civil como reação a novas formas<br />
<strong>de</strong> dominação, tais como, a superexploração dos recursos naturais e<br />
<strong>de</strong>struição do meio ambiente 12 , os movimentos contra o autoritarismo, o<br />
racismo e a discriminação <strong>de</strong> gênero 13 , que buscam a constituição <strong>de</strong> uma<br />
política <strong>de</strong> direitos humanos 14 (Alvarez et al, 2000; Dagnino, 2002).<br />
No México, observa-se uma agenda diferenciada <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas da<br />
socieda<strong>de</strong> civil em busca da governabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, que foi<br />
fortemente <strong>de</strong>terminada por outros fatores, em especial, a centralida<strong>de</strong><br />
das disputas pela <strong>de</strong>mocracia eleitoral, a resistência do regime autoritário<br />
às iniciativas civis <strong>de</strong> reforma nas áreas trabalhista, agrária, social e direitos<br />
indígenas, com baixa participação da Igreja Católica no <strong>de</strong>bate, e a<br />
implantação <strong>de</strong> uma política econômica neoliberal (Olvera, 2002).<br />
De modo geral, observa-se que o associativismo predominante dos<br />
anos 90 não <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> mobilização <strong>de</strong> massas, tradicionalmente composta<br />
a partir <strong>de</strong> núcleos <strong>de</strong> militantes que se <strong>de</strong>dicam a uma causa, mas sim <strong>de</strong><br />
processos <strong>de</strong> mobilizações pontuais, realizados a partir do atendimento a<br />
um apelo feito por alguma entida<strong>de</strong>, fundamentado em objetivos<br />
humanitários.<br />
Assim, o novo associativismo, também chamado <strong>de</strong> participação<br />
cidadã, é mais propositivo e menos reivindicativo, sendo baseado numa<br />
concepção ampla <strong>de</strong> cidadania, que não se restringe ao direito ao voto,<br />
mas reconhece o direito à vida. Baseia-se, portanto, numa concepção <strong>de</strong><br />
cultura cidadã, fundada em valores éticos universais e impessoais, em uma<br />
concepção <strong>de</strong>mocrática radical, e em ações e regras mínimas<br />
compartilhadas que geram sentido <strong>de</strong> pertencimento, facilitam a<br />
convivência urbana e asseguram o respeito à diversida<strong>de</strong>. Envolve também<br />
o reconhecimento <strong>de</strong> direitos e os <strong>de</strong>veres do cidadão, on<strong>de</strong> os <strong>de</strong>veres<br />
se articulam à idéia <strong>de</strong> civilida<strong>de</strong>, diferentemente da concepção neoliberal<br />
<strong>de</strong> cidadania que exclui a valorização dos direitos.<br />
423
424<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
CIDADÃO X ESTADO: OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE<br />
ESPAÇOS PÚBLICOS<br />
A ênfase atual na radicalização da cidadania ressalta a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se pensar as condições básicas da existência da socieda<strong>de</strong> civil, ou seja,<br />
a vigência <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> direitos, e suas conseqüências no que se refere<br />
à construção <strong>de</strong> espaços públicos.<br />
O conceito <strong>de</strong> espaço público tem sido utilizado com múltiplos<br />
sentidos, sendo a base da teoria crítica 15 . Em função do escopo <strong>de</strong>ste<br />
trabalho, não será possível traçar a trajetória do conceito, cabe apenas<br />
ressaltar sua relação com o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização.<br />
Para Habermas (1984), a esfera pública é um espaço <strong>de</strong> mediação<br />
legal entre os po<strong>de</strong>res públicos, a socieda<strong>de</strong> política, a socieda<strong>de</strong> civil e a<br />
mídia, que gera um espaço <strong>de</strong> discussão livre e racional do exercício da<br />
autorida<strong>de</strong> política. Esta visão do espaço público, separado da esfera<br />
privada e do Estado, tem sido fortemente criticada por reduzir as relações<br />
sociais a uma mera troca <strong>de</strong> argumentos racionais.<br />
Daniel Cefaï (2002) questiona o caráter estático do conceito <strong>de</strong><br />
espaço público, que não daria conta da dramaticida<strong>de</strong> dos conflitos. Sugere<br />
a retomada do conceito <strong>de</strong> arena pública pelo duplo sentido da palavra,<br />
ou seja, a arena significa um lugar <strong>de</strong> combate e um lugar <strong>de</strong> performances.<br />
O autor enfatiza a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise das práticas para que o significado<br />
<strong>de</strong> “público” <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser pensado como um organismo social ou político,<br />
e passe a ser concebido como uma forma estranha <strong>de</strong> vida coletiva que<br />
emerge em torno <strong>de</strong> um problema ao mesmo tempo em que o constitui.<br />
Assim, os atores individuais, organizacionais e institucionais se<br />
engajam em um esforço coletivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição e <strong>de</strong> controle da situação<br />
percebida como problemática. Eles exprimem, discutem e julgam opiniões;<br />
i<strong>de</strong>ntificam os problemas; entram nas disputas; configuram os jogos <strong>de</strong><br />
conflito, resolvem crises e realizam compromissos. Os atores se apropriam<br />
da coisa pública <strong>de</strong> modo que ela <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser monopólio do Estado, sem<br />
que se torne um bem particular.<br />
Tanto os conceitos <strong>de</strong> espaço público quanto o <strong>de</strong> arena pública<br />
apresentam limitações para pensar a socieda<strong>de</strong> brasileira, tendo em vista<br />
que ambos tomam como referência socieda<strong>de</strong>s em que a cidadania e o
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
respeito aos direitos do cidadão foram contemplados não apenas no plano<br />
das normas, leis e regras, mas também está presente em diferentes<br />
dimensões da vida social.<br />
Tal cenário não po<strong>de</strong> ser observado no Brasil, já que há uma<br />
<strong>de</strong>sarticulação entre a esfera pública 16 e o espaço público 17 (Cardoso <strong>de</strong><br />
Oliveira, 2002), revelada pela ausência efetiva <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong>mocráticos,<br />
muito embora exista hoje uma clara hegemonia da idéia/princípio da<br />
igualda<strong>de</strong> como um valor no plano dos discursos. Em outras palavras, a<br />
<strong>de</strong>sarticulação entre a esfera e o espaço públicos opõe o discurso jurídicopolítico<br />
em favor da igualda<strong>de</strong> às interações cotidianas, que priorizam<br />
uma perspectiva hierárquica, caracterizando o que Roberto Kant <strong>de</strong> Lima<br />
chama <strong>de</strong> o “paradoxo legal brasileiro” (1995).<br />
Como conseqüência <strong>de</strong>sse processo, po<strong>de</strong>-se observar a<br />
prevalência, no Brasil, <strong>de</strong> uma discriminação cívica, entendida como um<br />
padrão abrangente <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito a direitos e <strong>de</strong> agressão à cidadania<br />
(Cardoso <strong>de</strong> Oliveira, 2004).<br />
Uma outra conseqüência é a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar o domínio<br />
público como o espaço universal “<strong>de</strong> interação social <strong>de</strong> indivíduos<br />
diferentes mas iguais” (Kant <strong>de</strong> Lima, 2001:109). Ao contrário, o domínio<br />
público é entendido como aquele que é controlado pelo Estado, <strong>de</strong> acordo<br />
com “suas” regras, e que po<strong>de</strong> ser apropriado particularizadamente. A<br />
socieda<strong>de</strong> é concebida como uma estrutura <strong>de</strong> segmentos <strong>de</strong>siguais e<br />
complementares, representando uma idéia <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> substantiva,<br />
associada à semelhança e não à diferença entre as pessoas. O cidadão é<br />
quase um intruso, que normalmente não conhece o “seu” lugar, que é<br />
longe do Estado. Assim, o cidadão está sempre em oposição ao Estado e<br />
vice-versa.<br />
Neste mo<strong>de</strong>lo, a idéia <strong>de</strong> conflito aparece como uma <strong>de</strong>sarrumação<br />
da or<strong>de</strong>m, que põe em risco a estrutura social, em conseqüência, a<br />
resolução <strong>de</strong> conflitos não representa a solução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que<br />
incomodam, mas a sua manutenção <strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>nada.<br />
O conflito como um obstáculo é o oposto à idéia vigente nos<br />
movimentos sociais contemporâneos, segundo o qual o conflito é o<br />
pressuposto da or<strong>de</strong>m social e sua resolução representa a construção <strong>de</strong><br />
uma nova or<strong>de</strong>m, que, ao eliminar as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, mantém as diferenças.<br />
425
426<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
“A diferença, aqui, é associada à idéia <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> formal 18 , ao direito <strong>de</strong><br />
ser diferente” (Kant <strong>de</strong> Lima, 2001:117). Nesta ótica, os direitos não<br />
correspon<strong>de</strong>m às garantias inscritas nas leis e nas instituições, e sim ao<br />
modo pelo quais as relações sociais se estruturam 19 .<br />
Constitui-se, então, num gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio pensar os espaços públicos,<br />
nos termos propostos por Evelina Dagnino, ou seja, como instâncias que<br />
“visam promover o <strong>de</strong>bate amplo no interior da socieda<strong>de</strong> civil sobre<br />
temas/interesses até então excluídos <strong>de</strong> uma agenda pública” (2002: 10),<br />
e que po<strong>de</strong>m se constituir em espaços <strong>de</strong> ampliação e <strong>de</strong>mocratização da<br />
gestão estatal, na medida em que se observa a implantação <strong>de</strong> conselhos,<br />
fóruns, câmaras setoriais, orçamentos participativos, etc. Estas<br />
experiências po<strong>de</strong>riam constituir espaços <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma dimensão<br />
pública na socieda<strong>de</strong> brasileira, distinta da regulação estrita do Estado ou<br />
do mercado, que po<strong>de</strong>riam fortalecer a consolidação <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong><br />
direitos, por meio do exercício efetivo da <strong>de</strong>mocracia.<br />
Estes “encontros” entre a socieda<strong>de</strong> civil e o governo po<strong>de</strong>m<br />
contribuir para a <strong>de</strong>mocratização dos espaços públicos se funcionarem<br />
“como esforços <strong>de</strong> controle social do Estado, visando à maior transparência<br />
e publicização das políticas públicas 20 , assim como à participação efetiva na<br />
sua formulação <strong>de</strong> setores da socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> outras formas<br />
<strong>de</strong> acesso a espaços <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão” (Dagnino, 2002: 11).<br />
O <strong>de</strong>safio não é pequeno, tendo em vista que, no Brasil, há diversos<br />
obstáculos a serem superados, dos quais <strong>de</strong>staco:<br />
· a superação da perspectiva <strong>de</strong> que direitos sejam<br />
apenas garantias inscritas na lei e nas instituições;<br />
· a reestruturação do Estado brasileiro, com a<br />
transformação <strong>de</strong> sua tradição <strong>de</strong> patrimonialismo e<br />
clientelismo;<br />
· a revisão do papel do cidadão, que cada vez mais se<br />
torna um mero consumidor, afastado <strong>de</strong> preocupações<br />
políticas e dos problemas coletivos;<br />
· a ina<strong>de</strong>quação dos órgãos encarregados da segurança<br />
pública e da justiça para o cumprimento <strong>de</strong> sua função,<br />
numa perspectiva <strong>de</strong>mocrática;
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
· o fim da divisão em classes no que se refere à garantia<br />
dos direitos civis: os <strong>de</strong> primeira classe (doutores); os<br />
<strong>de</strong> segunda classe (os cidadãos simples) – que estão<br />
sujeitos aos rigores e aos benefícios da lei; e os <strong>de</strong><br />
terceira classe (os “elementos”), ou ignoram seus<br />
direitos ou os têm sistematicamente <strong>de</strong>srespeitados<br />
por outros cidadãos, pelos governos e pela polícia.<br />
Há que se consi<strong>de</strong>rar que se não há a garantia da igualda<strong>de</strong> jurídica<br />
dos cidadãos, não há como se pensar em direitos civis no Brasil enquanto<br />
vigorar a idéia <strong>de</strong> que uns são mais iguais que outros. Do mesmo modo,<br />
não será possível se pensar na construção <strong>de</strong> um espaço público<br />
<strong>de</strong>mocrático, que seja fundado na representação plural dos interesses.<br />
Nesse sentido, acredito que o <strong>de</strong>safio po<strong>de</strong> ser pesando sob<br />
três perspectivas.<br />
1. As <strong>de</strong>mandas por direitos ocorrem num cenário<br />
complexo, on<strong>de</strong> as diferentes tradições políticas têm<br />
gerado modos peculiares <strong>de</strong> combinar elementos<br />
participativos e autoritários. Assim, po<strong>de</strong> ser possível<br />
compreen<strong>de</strong>r como as políticas populistas foram<br />
capazes <strong>de</strong> impulsionar gran<strong>de</strong>s mobilizações<br />
populares, abrir espaço para as classes trabalhadoras<br />
e implantar alguns direitos sociais, ao mesmo tempo<br />
em que proporcionava a subordinação da classe<br />
trabalhadora, <strong>de</strong> modo clientelista, às elites políticas.<br />
2. Como o retorno à <strong>de</strong>mocracia, e seus efeitos,<br />
po<strong>de</strong>m conviver com um universo <strong>de</strong> violências<br />
extremas (Peralva, 2000)? A esta questão não se po<strong>de</strong><br />
apresentar respostas simplistas (pobreza,<br />
<strong>de</strong>sorganização familiar, etc.). Somente será possível<br />
avançar neste <strong>de</strong>bate se reconhecermos a confluência<br />
<strong>de</strong> dois problemas: a formação <strong>de</strong> uma confitualida<strong>de</strong><br />
urbana, marcada por uma busca dos sujeitos por um<br />
lugar no mundo, e a inabilida<strong>de</strong> das instituições diante<br />
das exigências da <strong>de</strong>mocracia.<br />
3. Se a mobilização da socieda<strong>de</strong> civil organizada po<strong>de</strong><br />
significar a conquista <strong>de</strong> direitos, e não <strong>de</strong> privilégios,<br />
427
428<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
representando a ressignificação das relações públicoprivado,<br />
que levarão à superação do padrão<br />
oligárquico, autoritário e patrimonialista, que têm<br />
marcado a socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />
FAZENDO A DEMOCRACIA COM AS PRÓPRIAS MÃOS?<br />
A utilização <strong>de</strong> conselhos como instrumento <strong>de</strong> ampliação da<br />
participação social não é um fenômeno novo e está associada a diferentes<br />
discursos. Nos chamados grupos políticos “<strong>de</strong> esquerda”, os conselhos<br />
são apresentados como ferramentas que possibilitam a transformação social,<br />
voltada para a <strong>de</strong>mocratização das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Como exemplo,<br />
po<strong>de</strong>mos relembrar as comissões internas <strong>de</strong> fábricas, <strong>de</strong>fendidas por<br />
Antonio Gramsci ([1919]1981) como a base da auto-organização operária.<br />
Já os discursos políticos ditos “liberais” apresentam os conselhos<br />
como mecanismos <strong>de</strong> colaboração entre os diferentes setores da socieda<strong>de</strong>,<br />
já que estimulariam o ativismo associativo, como um espaço societário <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>liberação e <strong>de</strong>cisão. A <strong>de</strong>mocracia estaria diretamente relacionada à<br />
participação política e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma cultura cívica 21 ,<br />
proporcionando a neutralização do privatismo e ampliação da visibilida<strong>de</strong><br />
da esfera pública, favorecendo a transparência e a inteligibilida<strong>de</strong>. Deste<br />
modo, uma socieda<strong>de</strong> civil formada por associações que respeitem esses<br />
princípios funcionaria como um “amortecedor” para as pressões e<br />
cooptações <strong>de</strong> setores não organizados da socieda<strong>de</strong>, cujos resultados<br />
seriam a redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s civis e da vulnerabilida<strong>de</strong> dos grupos<br />
sociais excluídos.<br />
Para Hannah Arendt (1999), o sistema <strong>de</strong> conselhos seria um<br />
resultado espontâneo <strong>de</strong> todas as revoluções e pós-guerras do mundo<br />
oci<strong>de</strong>ntal, fruto da própria experiência da ação política. Já para Habermas<br />
(1997), os conselhos exemplificariam a esfera pública como uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> conteúdos, tomadas <strong>de</strong> posições e opiniões. Para tanto,<br />
seria necessário o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma cultura cívica, que fosse<br />
representativa dos princípios <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> e que<br />
estimulasse a construção <strong>de</strong> dispositivos <strong>de</strong> participação social. Ressaltase<br />
que essas visões são limitadas, pois possuem implícita a idéia <strong>de</strong> que o<br />
indivíduo somente ligado à vida associativa seria capaz <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões<br />
e assumir responsabilida<strong>de</strong>s.
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
Por sua vez, a abordagem das Ciências Sociais acerca dos conselhos,<br />
a partir dos anos 90, tem enfatizado a noção <strong>de</strong> governança <strong>de</strong>mocrática<br />
como a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação entre instituições governamentais,<br />
agentes do mercado e atores sociais visando a ampliação da participação<br />
social nos processos <strong>de</strong>cisórios das políticas públicas 22 . A preocupação<br />
<strong>de</strong> cientistas sociais está não apenas na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> governar, mas na<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inclusão e participação social como elementos básicos<br />
do exercício da cidadania.<br />
Assim, os conselhos são consi<strong>de</strong>rados como uma possível forma<br />
<strong>de</strong> governo horizontal, ou seja, <strong>de</strong> um sistema on<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r não vem <strong>de</strong><br />
cima ou <strong>de</strong> baixo, on<strong>de</strong> as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r são resultado <strong>de</strong> interações<br />
e controles múltiplos e recíprocos.<br />
Consi<strong>de</strong>rando que o fenômeno associativo é multidimensional, é<br />
necessário privilegiar sua dimensão microssocial para observar como são<br />
construídas as formas <strong>de</strong> intervenção capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver dimensões<br />
cívicas e <strong>de</strong>mocráticas, colocando em cheque posturas clientelistas ou<br />
corporativas.<br />
Os dados que embasam esta reflexão são provenientes do trabalho<br />
<strong>de</strong> (re) organização dos Conselhos Comunitários <strong>de</strong> Segurança (CCS) 23 ,<br />
criados formalmente pelo artigo 182, § 2 o , da Constituição Estadual do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> 05 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1989. Os CCS são canais <strong>de</strong><br />
participação popular <strong>de</strong> caráter consultivo, organizados por uma diretoria<br />
eleita, que discute e cobra soluções para os problemas relativos à segurança<br />
da sua área. Aos policiais cabe o papel <strong>de</strong> prestar contas e respon<strong>de</strong>r às<br />
<strong>de</strong>mandas. Caracteriza-se por ser um encontro com relações formalizadas,<br />
ou seja, é regulado por uma legislação específica, com objetivos, funções<br />
e procedimentos razoavelmente <strong>de</strong>finidos, além <strong>de</strong> possuir um caráter<br />
permanente ou estável.<br />
A sua implantação se <strong>de</strong>u a partir <strong>de</strong> 1999 por meio <strong>de</strong> uma<br />
resolução da Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Segurança Pública, tendo sido<br />
reestruturado em 2005 24 , como parte <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> aproximação<br />
entre socieda<strong>de</strong> civil e Estado para a melhoria da segurança pública 25 .<br />
Além da <strong>de</strong>mocracia participativa, o programa abrange uma perspectiva<br />
da abordagem gerencial, que se baseia, teoricamente, na premissa da<br />
<strong>de</strong>scentralização, no controle <strong>de</strong> resultados e não <strong>de</strong> procedimentos, na<br />
competição administrada e no controle social direto.<br />
429
430<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista teórico, o discurso da participação popular no<br />
<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> políticas públicas tem servido para questionar o padrão<br />
centralizador, autoritário e exclu<strong>de</strong>nte que historicamente tem marcado as<br />
relações entre as agências estatais e seus beneficiários, buscando articular a<br />
“<strong>de</strong>mocratização do processo com a eficácia dos resultados” (Dagnino,<br />
2002: 47). Assim, a socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria exercer um papel mais efetivo na<br />
fiscalização da qualida<strong>de</strong> dos serviços públicos e po<strong>de</strong>ria imprimir uma lógica<br />
mais <strong>de</strong>mocrática na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alocação <strong>de</strong> recursos.<br />
Para Boaventura <strong>de</strong> Sousa Santos (2006), a luta pelo controle<br />
<strong>de</strong>mocrático do Estado é hoje uma das mais <strong>de</strong>cisivas na crítica aos<br />
mo<strong>de</strong>los vigentes <strong>de</strong> regulação social. Ele <strong>de</strong>nomina “novíssimo movimento<br />
social” o processo <strong>de</strong> reinvenção <strong>de</strong>mocrática do Estado, que <strong>de</strong>ve<br />
estimular novas formas <strong>de</strong> cidadania, coletiva e não apenas individual;<br />
incentivar a autonomia e combater a <strong>de</strong>pendência burocrática; personalizar<br />
e localizar as competições interpessoais e coletivas, ao invés <strong>de</strong> sujeitálas.<br />
Esta abordagem implica em que o Estado <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar legítimas<br />
não só as reivindicações que visam ao atendimento às necessida<strong>de</strong>s básicas,<br />
mas também aquelas que visam à transformação social emancipatória,<br />
que permita alterar as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sigual em relações <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong> partilhada (Santos, 2005).<br />
No Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1996, a legislação em vigor, preconiza que o<br />
recebimento <strong>de</strong> recursos pelos municípios para as áreas sociais está<br />
condicionado à existência <strong>de</strong> conselhos gestores (Gohn, 2000). No que<br />
diz respeito à segurança, o condicionamento <strong>de</strong> liberação <strong>de</strong> verbas<br />
somente começou em 2003, com a criação do Sistema único <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública (Susp), que cobra a implantação <strong>de</strong> Conselhos Comunitários <strong>de</strong><br />
Segurança. Tal exigência po<strong>de</strong> comprometer a perspectiva <strong>de</strong> reinvenção<br />
<strong>de</strong>mocrática, na medida em que a obrigatorieda<strong>de</strong> seja reinterpretada<br />
como uma formalida<strong>de</strong> burocrática.<br />
Este enfoque <strong>de</strong>limita os Conselhos Comunitários <strong>de</strong> Segurança<br />
como uma variação <strong>de</strong> conselhos gestores <strong>de</strong> políticas públicas, peças<br />
essenciais no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização, universalização e<br />
<strong>de</strong>scentralização das políticas sociais. Geralmente, são ligados às políticas<br />
públicas estruturadas em sistemas nacionais. Embora, nem sempre tenham<br />
caráter obrigatório, funcionam como fóruns públicos <strong>de</strong> captação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mandas e negociação <strong>de</strong> interesses específicos dos diversos grupos e
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
como forma <strong>de</strong> ampliar a participação dos segmentos com menos acesso<br />
ao aparelho <strong>de</strong> Estado.<br />
A dimensão comunitária representa que o objetivo dos Conselhos<br />
é “servir <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas da comunida<strong>de</strong> junto<br />
às elites políticas locais, numa relação que renova a tradicional relação<br />
clientelista entre Estado e socieda<strong>de</strong>” (Tatagiba, 2002: 53-54). Assim, a<br />
principal característica do conselho comunitário seria o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
mobilização e pressão sem, no entanto, ter um caráter <strong>de</strong>liberativo.<br />
Os conselhos gestores <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong>vem funcionar como<br />
espaços públicos com composição plural e paritária, cujos instrumentos<br />
privilegiados <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos são o diálogo e a publicida<strong>de</strong>, que<br />
os diferencia <strong>de</strong> instâncias políticas on<strong>de</strong> imperam as trocas <strong>de</strong> favores e<br />
a cooptação pelo po<strong>de</strong>r público.<br />
Em muitos casos, os conselhos gestores funcionam como instâncias<br />
<strong>de</strong>liberativas com competência legal para formular políticas e fiscalizar a<br />
sua implementação. No Brasil, quando um conselho tem funções<br />
<strong>de</strong>liberativas com respeito às políticas públicas, suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>vem ter<br />
forma <strong>de</strong> resolução e <strong>de</strong>vem ser publicadas em diário oficial para ter<br />
valida<strong>de</strong>.<br />
Salienta-se que a discussão sobre a função <strong>de</strong>liberativa dos conselhos<br />
<strong>de</strong>ve levar em consi<strong>de</strong>ração alguns fatos que complexificam esta função, a<br />
saber: o baixíssimo grau <strong>de</strong> participação social e representativida<strong>de</strong> dos<br />
movimentos sociais; as concepções oportunistas, que encaram os<br />
conselhos como instrumentos para realização <strong>de</strong> objetivos particulares<br />
(lícitos ou ilícitos); a (não) capacitação dos conselheiros; a publicida<strong>de</strong> e<br />
fiscalização das ações dos conselhos.<br />
De qualquer modo, as reuniões <strong>de</strong> um conselho <strong>de</strong>vem ser abertas<br />
à comunida<strong>de</strong>, mesmo que não tenha direito a voto. É necessário ainda<br />
que cada conselho elabore seu regimento interno que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aprovado,<br />
<strong>de</strong>ve ser submetido ao Po<strong>de</strong>r Executivo para aprovação 26 .<br />
No caso específico dos Conselhos Comunitários <strong>de</strong> Segurança há<br />
dois obstáculos que merecem ser ressaltados antes <strong>de</strong> discutir os limites<br />
e alcances <strong>de</strong>sta experiência. O primeiro correspon<strong>de</strong> ao fato <strong>de</strong> que<br />
estes conselhos têm sido criados, no Brasil, por força <strong>de</strong> instrumentos<br />
431
432<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
legais relacionados à distribuição <strong>de</strong> recursos públicos, e não por uma<br />
<strong>de</strong>manda <strong>de</strong> movimentos sociais 27 . E o segundo tem a ver com a dimensão<br />
<strong>de</strong> que o que é público não é entendido como algo da coletivida<strong>de</strong>, mas<br />
algo que não tem dono, algo que é apropriado particularizadamente e<br />
controlado pelo Estado (Kant <strong>de</strong> Lima 1997; Miranda 2000 e 2005).<br />
Por outro lado, a implantação <strong>de</strong> Conselhos Comunitários <strong>de</strong><br />
Segurança é uma experiência que <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>senvolvida e analisada, porque<br />
ele po<strong>de</strong> constituir um espaço público <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate entre interesses<br />
diferenciados, levando à construção <strong>de</strong> consensos e à formulação <strong>de</strong><br />
agendas que venham a se tornar públicas e objeto <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração por<br />
parte do Estado. Embora o vínculo com o Estado permaneça, observa-se<br />
uma dimensão que enfatiza a organização e o fortalecimento dos próprios<br />
atores da socieda<strong>de</strong> civil e <strong>de</strong> sua articulação, e a <strong>de</strong>mocratização das<br />
instituições <strong>de</strong> segurança, tradicionalmente mais refratárias à interação<br />
com a população.<br />
PORTAS ABERTAS PARA A COMUNIDADE: ENCONTROS E<br />
DESENCONTROS DOS CONSELHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA<br />
Ao pensar o Conselho Comunitário <strong>de</strong> Segurança como um mecanismo<br />
<strong>de</strong> participação da socieda<strong>de</strong> civil, preten<strong>de</strong>u-se discutir se os princípios<br />
inovadores dos conselhos gestores po<strong>de</strong>m se tornar práticas políticas<br />
inovadoras. Embora haja poucos estudos voltados ao tema 28 , é possível se<br />
<strong>de</strong>linear uma análise comparativa sobre os limites e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste<br />
espaço público. Esta avaliação não permite verificar os resultados <strong>de</strong>sta ação,<br />
apenas possibilita a discussão sobre a valida<strong>de</strong> do CCS como um fórum <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>bates entre atores diferentes, que se vêem como <strong>de</strong>siguais.<br />
A falta <strong>de</strong> pesquisas empíricas sobre os CCS não permite verificar<br />
qual tem sido sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s políticas, ou<br />
seja, se <strong>de</strong> fato tem provocado um avanço qualitativo para a <strong>de</strong>mocracia<br />
(Kerstenetzky, 2003). Por outro lado, as pesquisas sobre a participação<br />
da socieda<strong>de</strong> civil brasileira em outros espaços públicos têm <strong>de</strong>monstrado<br />
que o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>mocrática não é linear, e sim contraditório,<br />
setorial e fragmentado (Dagnino, 2002).<br />
Reconhecer essas limitações é uma das condições necessárias para<br />
tornar o conselho eficaz. É preciso também compreen<strong>de</strong>r que a sua
composição <strong>de</strong>ve ser heterogênea, <strong>de</strong>ve estimular o respeito à diferença<br />
e à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir a<strong>de</strong>sões em torno <strong>de</strong> projetos específicos.<br />
Quadro: Limites e possibilida<strong>de</strong>s dos Conselhos como espaço público<br />
<strong>de</strong>mocrático<br />
Limites<br />
Possibilida<strong>de</strong>s<br />
Dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reverter a centralida<strong>de</strong> A existência do Conselho já é uma<br />
e o protagonismo do Estado na importante vitória na luta pela<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> políticas e priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocratização dos processos <strong>de</strong><br />
sociais.<br />
<strong>de</strong>cisão. Desempenha uma função<br />
pedagógica, a reinvenção <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong><br />
sociabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática.<br />
A obrigatorieda<strong>de</strong> da parida<strong>de</strong>: a A busca pelo equilíbrio <strong>de</strong>ve ser<br />
igualda<strong>de</strong> numérica entre os construída no cotidiano das práticas e<br />
representantes da socieda<strong>de</strong> e do das articulações dos conselhos, já que a<br />
governo não é suficiente para garantir diversida<strong>de</strong> possibilita várias interações<br />
o equilíbrio das <strong>de</strong>cisões<br />
e <strong>de</strong>liberações.<br />
Há resistência das organizações sociais A criação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e<br />
em reconhecer as <strong>de</strong>mais como mobilização social em torno <strong>de</strong> temas<br />
representações legítimas.<br />
específicos <strong>de</strong>ve intensificar os canais <strong>de</strong><br />
comunicação entre as organizações.<br />
Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> das ações<br />
por parte do Estado, bem como da<br />
incorporação do princípio da<br />
<strong>de</strong>scentralização.<br />
Existência <strong>de</strong> vínculo frágil entre os<br />
representantes governamentais e os<br />
órgãos <strong>de</strong> origem. Geralmente<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m suas opiniões pessoais, e não<br />
as posições discutidas com as suas<br />
instituições.<br />
Falta <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> dos conselheiros,<br />
governamentais e não-governamentais,<br />
para uma atuação mais ativa no diálogo<br />
<strong>de</strong>liberativo.<br />
Dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicitação <strong>de</strong><br />
interesses, do reconhecimento da<br />
existência e legitimida<strong>de</strong> dos conflitos<br />
e das trocas <strong>de</strong> idéias como instrumento<br />
<strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
É preciso qualificar os movimentos e as<br />
entida<strong>de</strong>s, combinando conteúdos<br />
técnicos com políticos, visando o<br />
enfrentamento da dificulda<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong><br />
assumir uma negociação com o Estado,<br />
que também precisa se capacitar e rever<br />
suas práticas.<br />
A presença <strong>de</strong> câmaras técnicas cumpre<br />
a função <strong>de</strong> estudar/aprofundar temas<br />
que vão legitimar as intervenções e<br />
posições assumidas no Conselho.<br />
433
434<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
As ações estão mais voltadas para sua<br />
própria estruturação do que para a<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> diretrizes e a discussão <strong>de</strong><br />
políticas.<br />
Há gran<strong>de</strong> recusa do Estado em<br />
partilhar as <strong>de</strong>cisões.<br />
Baixa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação,<br />
pressão e mobilização dos setores<br />
organizados da socieda<strong>de</strong> civil.<br />
Tendência <strong>de</strong> “burocratização” e <strong>de</strong> se<br />
transformar em instâncias <strong>de</strong> projeção<br />
<strong>de</strong> propostas particulares.<br />
Dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar a capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>liberativa dos conselhos.<br />
Formular políticas públicas significa<br />
estabelecer as diretrizes norteadoras e<br />
<strong>de</strong>finir as priorida<strong>de</strong>s a partir das<br />
necessida<strong>de</strong>s da população.<br />
A autonomia dos conselhos está<br />
vinculada à sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mobilização.<br />
É preciso criar uma correlação <strong>de</strong> forças<br />
favorável no âmbito da socieda<strong>de</strong> civil.<br />
A pauta <strong>de</strong>ve ser construída<br />
coletivamente. As atas <strong>de</strong> reunião não<br />
são meros procedimentos burocráticos,<br />
mas um instrumento importante no<br />
acompanhamento das <strong>de</strong>cisões e <strong>de</strong><br />
reconhecimento dos conselheiros a<br />
respeito <strong>de</strong> suas ações.<br />
O sucesso do conselho po<strong>de</strong> se dar no<br />
controle social do Estado ou na eficiente<br />
vocalização das <strong>de</strong>mandas aos órgãos<br />
públicos.<br />
O quadro acima apresenta uma série <strong>de</strong> situações comuns ao<br />
funcionamento <strong>de</strong> um Conselho Comunitário <strong>de</strong> Segurança, que tanto<br />
po<strong>de</strong>m ser interpretadas como um sinal <strong>de</strong> insucesso, quanto como<br />
características do processo <strong>de</strong> interação <strong>de</strong>mocrática entre agentes do<br />
Estado e representantes da socieda<strong>de</strong> civil, numa situação <strong>de</strong> correlação<br />
<strong>de</strong> forças <strong>de</strong>sigual.<br />
Reconhecer este fato é fundamental apara compreen<strong>de</strong>r que uma<br />
das maiores dificulda<strong>de</strong>s das experiências participativas é construir<br />
mecanismos capazes <strong>de</strong> minorar os efeitos das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s. Nos CCS a<br />
intolerância à diferença é uma questão freqüente, seja como uma intolerância<br />
observada nos diferentes grupos da socieda<strong>de</strong> civil, seja nas representações<br />
recíprocas das relações entre a socieda<strong>de</strong> civil e as organizações policiais,<br />
ou mesmo das relações entre as diferentes organizações estatais.<br />
No primeiro caso, observa-se que, em áreas cuja presença<br />
predominante é <strong>de</strong> representantes das classes média e/ou alta, são comuns
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
os comportamentos e discursos que visam ao isolamento e à exclusão dos<br />
grupos mais pobres, com uma clara estigmatização dos moradores <strong>de</strong> favela.<br />
É comum a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> que o policiamento seja direcionado a locais específicos<br />
para aten<strong>de</strong>r a interesses particulares (“meu prédio”, “meu negócio”, “minha<br />
casa”, “minha rua”). É comum também o discurso: “eu pago os meus impostos,<br />
portanto o Estado tem a obrigação...”. Essa postura revela uma representação<br />
da cidadania não como processo <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres, mas como uma via <strong>de</strong><br />
mão única, na qual o “cidadão” ao pagar os impostos teria todos os direitos<br />
ilimitados, legitimando assim pedidos ilegais 29 . Nas áreas on<strong>de</strong> há o<br />
predomínio <strong>de</strong> moradores <strong>de</strong> favelas o problema é outro: teme-se o abuso<br />
<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, o “pé na porta”, discute-se também o fato <strong>de</strong> que o morador<br />
que participa <strong>de</strong> um CCS po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um informante da polícia,<br />
um X-9, o que põe a sua vida em risco. Neste caso, há uma enorme<br />
dificulda<strong>de</strong> em se perceber este espaço como um local <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas por<br />
serviços ou <strong>de</strong> reivindicações <strong>de</strong> direitos.<br />
No segundo caso, observa-se por parte dos representantes da<br />
socieda<strong>de</strong> civil (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da classe social) um discurso ambíguo: ao mesmo<br />
tempo em que se reclama que a polícia é violenta e corrupta, é solicitado que<br />
os policiais ajam “com pulso”, que resolvam “rapidamente” os problemas,<br />
pois este seria o único serviço disponível para a solução dos crimes e da<br />
<strong>de</strong>linqüência. Por sua vez, a ambigüida<strong>de</strong> também se faz presente no discurso<br />
policial. Há um grupo <strong>de</strong> policiais que realiza as reuniões, mas <strong>de</strong>squalifica o<br />
Conselho como um espaço para resolução <strong>de</strong> problemas, consi<strong>de</strong>rando-o<br />
como mera fonte <strong>de</strong> contatos, um evento necessário para ampliar o seu<br />
conjunto <strong>de</strong> informantes, bem como para “conhecer” pessoas que po<strong>de</strong>rão<br />
ajudar numa futura troca <strong>de</strong> favores. Um outro grupo simplesmente não<br />
concorda com a idéia e não realiza os encontros, ou só aceita fazer reuniões<br />
com grupos <strong>de</strong> representantes <strong>de</strong> prestígio político e/ou financeiro, explicitando<br />
a idéia <strong>de</strong> que esses espaços seriam uma estratégia <strong>de</strong> relações públicas para<br />
a polícia. Uma pequena minoria compreen<strong>de</strong> plenamente o significado do<br />
Conselho, mas se vê amarrada sem saber ao certo como implementá-lo,<br />
face aos diversos obstáculos.<br />
E, no terceiro caso, há a explicitação das rivalida<strong>de</strong>s entre as forças<br />
policiais estaduais (<strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> e <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong>), com o “jogo <strong>de</strong> empurra”<br />
das atribuições. Quando por alguma razão (pessoal ou institucional), não<br />
há este problema, é comum que as hostilida<strong>de</strong>s se voltem para as guardas<br />
municipais, on<strong>de</strong> existem, ou ainda para o Judiciário, sendo comum também<br />
435
436<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
que outros órgãos públicos se tornem o bo<strong>de</strong> expiatório na disputa pela<br />
culpa <strong>de</strong> não resolver os problemas. Salienta-se que não se discute as<br />
responsabilida<strong>de</strong>s das instituições, o que seria absolutamente legítimo num<br />
regime <strong>de</strong>mocrático, mas a culpa, ou seja, a intencionalida<strong>de</strong> da não atuação<br />
dos funcionários. Por isso, é muito comum o recurso aos argumentos da<br />
falência ou falta <strong>de</strong> recursos materiais do Estado, que ameniza a omissão<br />
dos funcionários.<br />
Reconhecer que as relações que se estabelecem entre os diferentes<br />
grupos participantes dos conselhos são sempre tensas, permeadas por<br />
conflitos, que crescem ou reduzem na medida em que as <strong>de</strong>cisões são<br />
compartilhadas entre as partes envolvidas, é fundamental para a construção<br />
da <strong>de</strong>mocracia.<br />
Esta constatação não é uma obvieda<strong>de</strong> porque é comum as<br />
representações que concebem a socieda<strong>de</strong> civil como um “pólo <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>”<br />
e os agentes do Estado como “encarnação do mal”. Esquece-se que ambos<br />
po<strong>de</strong>m oferecer resistências ao processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização.<br />
Os agentes do Estado po<strong>de</strong>m manifestar concepções políticas<br />
resistentes à <strong>de</strong>mocratização, pois po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r posições tecnoburocráticas;<br />
po<strong>de</strong>m temer a instabilida<strong>de</strong> dos projetos e a falta <strong>de</strong> recursos;<br />
po<strong>de</strong>m agir sem transparência, com lentidão, ineficiência e “burocratização”.<br />
Já os representantes da socieda<strong>de</strong> civil po<strong>de</strong>m ter dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
conviver com uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atores e <strong>de</strong> reconhecê-los como<br />
interlocutores legítimos; po<strong>de</strong>m apresentar práticas autoritárias e<br />
conservadoras; po<strong>de</strong>m não ter qualificação (técnica e política); po<strong>de</strong>m<br />
reproduzir o acesso privilegiado aos recursos do Estado; po<strong>de</strong>m<br />
prejudicar a rotativida<strong>de</strong> das representações; po<strong>de</strong>m prejudicar o trabalho<br />
<strong>de</strong> mobilização da população; po<strong>de</strong>m não ser representativos.<br />
A constituição do CCS como um espaço público pressupõe que<br />
estas contradições sejam confrontadas, para que a partilha efetiva do po<strong>de</strong>r<br />
represente a construção <strong>de</strong> uma cultura mais <strong>de</strong>mocrática.<br />
É preciso enten<strong>de</strong>r, ainda, que os conflitos a serem enfrentados na<br />
área <strong>de</strong> segurança são <strong>de</strong> diversas or<strong>de</strong>ns e que a explicitação dos mesmos<br />
é necessária para que não prevaleçam soluções simplistas e genéricas.<br />
Em toda e qualquer socieda<strong>de</strong> há coisas proibidas, portanto sempre<br />
haverá indivíduos que romperão os padrões estabelecidos. É preciso que a
ação do Estado não esteja voltada apenas para este fato, mas sim que busque<br />
administrar e reduzir o impacto das transgressões na vida social, que po<strong>de</strong>:<br />
· levar à auto<strong>de</strong>struição daqueles que as cometem;<br />
· gerar violência física, seja quem for o agente e o alvo;<br />
· afetar a or<strong>de</strong>m social e política.<br />
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
É certo que os Conselhos Comunitários <strong>de</strong> Segurança não<br />
resolverão todos estes problemas. Então, será possível pensá-los como<br />
um espaço que po<strong>de</strong> ajudar a reduzir a vulnerabilida<strong>de</strong> dos grupos que<br />
<strong>de</strong>le participam? Para isso é fundamental aumentar a sua capilarida<strong>de</strong> social,<br />
sem a qual os conselhos são levados ao isolamento e à <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>.<br />
A composição plural e heterogênea, com representação da<br />
socieda<strong>de</strong> civil e do governo em diferentes formatos, po<strong>de</strong> transformar<br />
os conselhos em instâncias <strong>de</strong> negociação <strong>de</strong> conflitos entre diferentes<br />
grupos e interesses, ou seja, como um campo <strong>de</strong> disputas políticas, <strong>de</strong><br />
conceitos e processos, <strong>de</strong> significados e resultantes políticos. Os conselhos<br />
po<strong>de</strong>m funcionar como canais importantes <strong>de</strong> participação coletiva, se<br />
possibilitarem a criação <strong>de</strong> uma cultura política <strong>de</strong> inclusão, <strong>de</strong> relações<br />
políticas entre agentes do Estado e cidadãos, que introduzem lógicas<br />
distintas <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> coletiva e <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> direitos na formulação<br />
e gestão das políticas públicas.<br />
Muitas <strong>de</strong>ssas limitações dos CCS estão relacionadas ao contexto<br />
adverso em que diversos conselhos foram implantados no Brasil - <strong>de</strong><br />
esvaziamento das responsabilida<strong>de</strong>s públicas do Estado, <strong>de</strong> <strong>de</strong>squalificação<br />
das instâncias <strong>de</strong> representação coletivas, <strong>de</strong> fragmentação do espaço<br />
público e <strong>de</strong> <strong>de</strong>spolitização da política - processos que fragilizam a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> civil exercer pressão direta sobre os rumos da<br />
ação estatal. Outras dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correm da própria lógica <strong>de</strong><br />
estruturação das políticas públicas na socieda<strong>de</strong> e da natureza da<br />
intervenção estatal nesse campo.<br />
A questão da fragmentação das políticas sociais tem sido um tema<br />
recorrente, tanto nas análises dos estudiosos quanto na prática dos seus<br />
operadores. As políticas sociais obe<strong>de</strong>cem à lógica da setorização, que<br />
recorta o social em partes estanques sem comunicação e articulação, torna<br />
os problemas sociais autônomos em relação às causas estruturais que os<br />
437
438<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
produzem, segmentando o atendimento das necessida<strong>de</strong>s sociais. Em<br />
conseqüência, traz sérias dificulda<strong>de</strong>s para a ação pública dirigida à<br />
implementação <strong>de</strong> políticas redistributivas que tenham impacto na qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vida e no alargamento dos direitos <strong>de</strong> cidadania.<br />
Todos esses elementos colocam em xeque a efetivida<strong>de</strong> das políticas<br />
públicas e seus impactos na melhoria das condições <strong>de</strong> vida da população.<br />
Trata-se, no entanto, <strong>de</strong> um tema complexo que envolve, <strong>de</strong> um lado, os<br />
<strong>de</strong>terminantes políticos relacionados à lógica <strong>de</strong> intervenção do Estado<br />
em uma dada or<strong>de</strong>nação societária com base em conjunturas específicas<br />
e, por outro lado, o aparato institucional organizado para enfrentá-las.<br />
Como conclusão, o que importa é consi<strong>de</strong>rar que os conselhos<br />
criados no âmbito das políticas <strong>de</strong> segurança acompanham a lógica que<br />
rege essas instituições, voltadas para ações específicas no seu campo <strong>de</strong><br />
intervenção. E que, a maioria dos conselhos tem <strong>de</strong> enfrentar resistências<br />
do aparato governamental, para se instalar e obter reconhecimento como<br />
espaço institucional legítimo, e resistências da socieda<strong>de</strong> civil, que não<br />
compreen<strong>de</strong> o significado do que é ser cidadão.<br />
Contudo, a multiplicação acelerada dos conselhos, a dinâmica própria<br />
<strong>de</strong> funcionamento <strong>de</strong> cada um e o envolvimento com pautas específicas<br />
contribuem, mesmo que involuntariamente, para manter a fragmentação<br />
e a segmentação das políticas públicas, dificultando, em última instância, o<br />
enfrentamento da lógica que estrutura a ação estatal e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
produzir respostas satisfatórias. É nesse contexto que se impõe a tarefa<br />
<strong>de</strong> discutir como os CCS po<strong>de</strong>m funcionar como mecanismos <strong>de</strong><br />
articulação entre os agentes públicos e a socieda<strong>de</strong> no planejamento e<br />
gestão das políticas, que assim, po<strong>de</strong>rão ser chamadas <strong>de</strong> políticas públicas<br />
<strong>de</strong> segurança.<br />
Notas<br />
1 Os movimentos sociais são ações sociais <strong>de</strong> caráter sócio-político e cultural, cujos processos<br />
sociais criam i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, revelando formas distintas <strong>de</strong> indivíduos e grupos se organizar e<br />
expressar suas <strong>de</strong>mandas. Assim, indivíduos que antes estavam dispersos e <strong>de</strong>sorganizados ao se<br />
integrarem a grupos para manifestar seus pleitos, passam a compartilhar um sentimento <strong>de</strong><br />
pertencimento social. Na prática, observam-se diferentes estratégias que variam da <strong>de</strong>núncia,<br />
passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, etc.) até às pressões<br />
indiretas (lobby, promoção <strong>de</strong> ações judiciais, etc.). Na atualida<strong>de</strong>, observa-se a composição <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>s sociais, que po<strong>de</strong>m ser locais, regionais, nacionais e internacionais, sendo comum a<br />
utilização dos meios <strong>de</strong> comunicação (Gohn, 2003).
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
2 O sujeito social é entendido como o processo <strong>de</strong> disputas no espaço político e social para<br />
proteger a memória, a liberda<strong>de</strong> e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural, que caracterizam os movimentos<br />
sociais.<br />
3 O conceito <strong>de</strong> classe social foi a base <strong>de</strong> múltiplas correntes e expressões da esquerda para<br />
explicar os problemas e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a organização da classe operária na América Latina. Olvera<br />
(2006) <strong>de</strong>staca o modo pelo qual esta abordagem contribuiu para criar uma cultura política<br />
autoritária, em função do que consi<strong>de</strong>ra uma idéia leninista da centralida<strong>de</strong> dos partidos como<br />
instâncias dirigentes das organizações sociais, bem como a transformação <strong>de</strong> algumas pautas<br />
reivindicatórias em assuntos sem importância, em especial, a <strong>de</strong>manda por direitos civis <strong>de</strong><br />
grupos minoritários.<br />
4 A socieda<strong>de</strong> civil po<strong>de</strong> ser representada por vários tipos <strong>de</strong> movimentos sociais, setores da<br />
socieda<strong>de</strong> com níveis <strong>de</strong> organização mais frágeis (usuários <strong>de</strong> serviços públicos), partidos políticos,<br />
universida<strong>de</strong>s, ONG, igrejas, etc.<br />
5 No Brasil, o final da década <strong>de</strong> 70 e parte dos anos 80 foram marcados por movimentos sociais<br />
contra o regime militar, dos quais <strong>de</strong>staco os comitês <strong>de</strong> anistia, as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> familiares dos<br />
<strong>de</strong>saparecidos na ditadura, as Comissões <strong>de</strong> Justiça e Paz, a Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil e a<br />
Associação Brasileira <strong>de</strong> Imprensa. A partir <strong>de</strong> 1990, começaram a surgir outras formas <strong>de</strong><br />
organização popular institucionalizadas, como fóruns <strong>de</strong> luta pela moradia, pela reforma urbana.<br />
Outros movimentos que surgiram foram os <strong>de</strong> mulheres, homossexuais, afro-brasileiros, jovens,<br />
indígenas, funcionários públicos e ecologistas. Sobre a história dos movimentos sociais, ver Gohn<br />
(2004).<br />
6 A influência da Teologia da Libertação também foi observada no Peru, em El Salvador, na<br />
Guatemala e na Nicarágua.<br />
7 Ver, entre outros, Alvarez et al (2000) Avritzer (1996); Dagnino, (2002); Olvera (1999) e<br />
(2003).<br />
8 O neoliberalismo econômico propaga a idéia da mundialização das trocas, reforçando a<br />
supremacia do mercado, o que <strong>de</strong>ixa o Estado em segundo plano. A globalização dos mercados<br />
<strong>de</strong> consumo traz várias conseqüências: o fim <strong>de</strong> barreiras alfan<strong>de</strong>gárias beneficia as gran<strong>de</strong>s<br />
potencias econômicas; a <strong>de</strong>sregulamentação da legislação impõe limites à exploração capitalista,<br />
coloca os trabalhadores numa situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> frente ao capital; a privatização <strong>de</strong><br />
empresas estatais e a perda <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> controle da economia pelos estados nacionais; a<br />
concentração crescente <strong>de</strong> capital nas gran<strong>de</strong>s multinacionais e a redução do número <strong>de</strong><br />
trabalhadores regulamentados; a distribuição cada vez mais <strong>de</strong>sigual e injusta das riquezas; o<br />
avanço crescente da tecnologia representa um aumento do <strong>de</strong>semprego e uma redução dos<br />
salários (Santana & Ramalho, 2003).<br />
9 Evelina Dagnino (2002) tem <strong>de</strong>monstrado em suas pesquisas que a socieda<strong>de</strong> civil está formada<br />
por uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atores, o que inclui os conservadores, com formatos distintos (sindicatos,<br />
associações, re<strong>de</strong>s, etc.), e uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas e projetos políticos, com várias formas <strong>de</strong><br />
relação com o Estado. Um bom exemplo <strong>de</strong> pesquisa sobre grupos conservadores po<strong>de</strong> ser visto em<br />
Crapanzano (1985), retratando as representações da minoria branca na África do Sul.<br />
10 Um marco para análise do conceito <strong>de</strong> cidadania é Marshall (1967), cujo significado está<br />
vinculado diretamente ao estabelecimento <strong>de</strong> direitos, em especial, aos direitos civis, que<br />
representavam a sua base formal. Sua abordagem rompeu com a noção clássica <strong>de</strong> cidadania<br />
política, que dava <strong>de</strong>staque ao voto como elemento fundamental da participação dos indivíduos<br />
nos processos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Posteriormente, Marshall foi criticado por Gid<strong>de</strong>ns (1982) por sua<br />
abordagem evolutiva e homogeneizadora dos direitos. Tal crítica também foi feita por Evelina<br />
Dagnino (2004), que ressalta como fato negativo a idéia <strong>de</strong> um processo civilizatório implícito ao<br />
439
440<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
conceito <strong>de</strong> cidadania. Para superar este problema, a autora <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />
sejam contextualizadas as noções <strong>de</strong> direitos, da relação público/privado, <strong>de</strong> representação e <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong> civil. Isso é necessário para enfatizar a dimensão histórica e cultural da cidadania,<br />
que é <strong>de</strong>finida por conflitos reais. Ver também Appadurai (1994).<br />
11 Uma visão homogênea e amorfa do terceiro setor contribui para difundir a idéia dicotômica <strong>de</strong><br />
que este se constitui num pólo <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>, em oposição ao Estado, que é um inimigo a ser<br />
enfrentado. Para uma discussão sobre o papel do terceiro setor, ver Santos (2006).<br />
12 Com relação ao meio ambiente, observa-se a maior diferença <strong>de</strong> abordagens entre os países.<br />
13 No caso dos feminismos, observa-se conflitos num campo plural que buscava transformar a<br />
situação das mulheres na socieda<strong>de</strong>, relegadas ao espaço familiar e excluídas da vida pública,<br />
que tem sido marcada por um dilema, manter sua autonomia ou articular-se com o Estado. Ver<br />
Bonacchi & Groppi (1995).<br />
14 Em geral, as primeiras organizações foram formadas por familiares e amigos <strong>de</strong> vítimas, como<br />
algumas tinham vinculação com partidos políticos <strong>de</strong> esquerda e foram acusadas <strong>de</strong> subversão,<br />
porque se opunham ao regime militar.<br />
15 A teoria crítica representa um conjunto <strong>de</strong> teorias reflexivas que visam a emancipação e o<br />
esclarecimento para enfrentar a ciência positivista. A teoria crítica estava preocupada com a<br />
reforma social e política. Ver Lallement (2004).<br />
16 A esfera pública é tomada como “o universo discursivo on<strong>de</strong> normas, projetos e concepções <strong>de</strong><br />
mundo são publicizadas e estão sujeitas ao <strong>de</strong>bate público” à la Habermas (Cardoso <strong>de</strong> Oliveira,<br />
2002: 12).<br />
17 O espaço público po<strong>de</strong> ser entendido como “o campo <strong>de</strong> relações situadas fora do contexto<br />
doméstico ou da intimida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> as interações sociais efetivamente têm lugar” (Cardoso <strong>de</strong><br />
Oliveira, 2002, p. 12), ou ainda como “o espaço físico <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do Estado a ser utilizado<br />
pela coletivida<strong>de</strong>” (Kant <strong>de</strong> Lima, 2001:106).<br />
18 Sobre o conceito jurídico <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> ver também Amorim et al (2005).<br />
19 No caso brasileiro, as relações sociais expressam uma gran<strong>de</strong> confusão entre direitos e privilégios.<br />
Ver Kant <strong>de</strong> Lima (2004).<br />
20 A análise <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong>ve buscar explicar quando e porque elas se modificam, bem<br />
como compreen<strong>de</strong>r como uma <strong>de</strong>cisão política modifica o ambiente. Ver Santos (1994).<br />
21 Alexis <strong>de</strong> Tocqueville e Robert Putnam, apud Kerstenetzky (2003).<br />
22 Santos Junior, Ribeiro & Azevedo (2004); Silva (2005).<br />
23 Assumi a direção do Instituto <strong>de</strong> Segurança Pública em 2004, quando começou este projeto,<br />
que contou com a participação <strong>de</strong> policiais (tenente coronel da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> Robson Silva;<br />
tenente coronel da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> Paulo Augusto <strong>de</strong> Souza Teixeira; major da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong><br />
Alexandre Campos), <strong>de</strong> cientistas sociais (Marcella Beraldo <strong>de</strong> Oliveira, Mestre em Antropologia;<br />
Fábio Reis Motta, Mestre em Antropologia) e <strong>de</strong> bacharel em direito (Marcus Vinicius da Paixão<br />
Veloso), além <strong>de</strong> estagiárias <strong>de</strong> direito, ciências sociais, história e comunicação social (Marianne<br />
Ximenes Apoliano, Isabella Trinda<strong>de</strong> Menezes, Juliana Lopes Latini, Marina Schnei<strong>de</strong>r, Marcelle<br />
Rodrigues Ribas, Marcella <strong>de</strong> Mello Morais <strong>de</strong> Souza, Bianca Soares Carl).<br />
24 A reestruturação foi feita a partir <strong>de</strong> um diagnóstico dos problemas dos Conselhos Comunitários<br />
<strong>de</strong> Segurança e da realização <strong>de</strong> dois Fóruns, on<strong>de</strong> foram discutidos os seguintes pontos:<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilização das comunida<strong>de</strong>s; divulgação ampla e rodízio das reuniões;<br />
institucionalização dos Conselhos; maior participação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> órgãos municipais e<br />
estaduais nas reuniões; intercâmbio e integração entre os Conselhos; organização <strong>de</strong> pautas e<br />
estabelecimento <strong>de</strong> calendários fixos para as reuniões. Ver Resolução SSP nº 781, <strong>de</strong> 08 <strong>de</strong> agosto<br />
<strong>de</strong> 2005 e Teixeira (2006).
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
25 No Rio <strong>de</strong> Janeiro também existe o “Café Comunitário”, que foi criado oficialmente em 19 <strong>de</strong><br />
maio <strong>de</strong> 2003, pela Resolução da Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública no. 629. Funciona como um<br />
encontro menos formalizado entre a polícia e a socieda<strong>de</strong>, cuja organização cabe à polícia<br />
militar, possuindo formatos mais flexíveis com objetivos, funções e procedimentos variáveis e<br />
permeáveis às correlações <strong>de</strong> forças vigentes em cada caso, principalmente no que se refere aos<br />
atores envolvidos. A informalida<strong>de</strong> do encontro dificulta a participação dos agentes do Estado,<br />
que não sejam policiais (diferentes níveis do Executivo, o Legislativo e as agências estatais<br />
específicas), que não se vêem “obrigados” a participar. Com relação à dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> participação<br />
da socieda<strong>de</strong> civil, geralmente seus representantes alegam não se sentir à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrar em<br />
unida<strong>de</strong>s das polícias.<br />
26 Com relação aos integrantes dos conselhos, com exceção dos membros do Conselho Tutelar, a<br />
função <strong>de</strong> conselheiro não <strong>de</strong>ve ser remunerada por ser <strong>de</strong>finida como ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “relevância<br />
pública”. Este ponto é altamente polêmico entre os conselheiros, já que os mais pobres afirmam<br />
não po<strong>de</strong>r arcar com as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> locomoção e alimentação.<br />
27 Por isso não po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> conselho popular. É preciso distinguir também o conselho<br />
comunitário do conselho <strong>de</strong> notáveis, que se caracteriza pela presença exclusiva <strong>de</strong> especialistas,<br />
como é o caso do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça.<br />
28 Gal<strong>de</strong>ano (2007); Hussein (2007); Sento Sé (2005); Silva (2005).<br />
29 É comum que seja solicitada a retirada <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> mendigos e “meninos <strong>de</strong> rua” das vias<br />
públicas, prisões ilegais ou ainda o extermínio <strong>de</strong>sses grupos.<br />
Referências Bibliográficas<br />
ALVAREZ, Sonia; DAGNINO, Evelina & ESCOBAR, Arturo (org.). Cultura e política nos movimentos<br />
sociais latino-americanos: novas leituras. Belo Horizonte: UFMG, 2000.<br />
APPADURAI, Arjun. Disjunção e diferença na economia cultural global. FEATHERSTONE, Mike<br />
(coord.). Cultura Global: Nacionalismo, globalização e mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Petropólis: Vozes, 1994.<br />
AMORIM, Maria Stella; KANT DE LIMA, Roberto & MENDES, Regina Lúcia Teixeira. Ensaios sobre<br />
a Igualda<strong>de</strong> Jurídica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juris, 2005.<br />
ARENDT, Hannah. Crises da República. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.<br />
AVRITZER, Leonardo & COSTA, Sérgio. Teoria Crítica, Democracia e Esfera Pública: Concepções e Usos<br />
na América Latina. DADOS – Revista <strong>de</strong> Ciências Sociais, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 47, 4, 2004, p. 703-728.<br />
AVRITZER, Leonardo. A Moralida<strong>de</strong> da Democracia. São Paulo/Belo Horizonte, Perspectiva/Editora<br />
da UFMG, 1996.<br />
BONACCHI, Gabriella & GROPPI, Ângela (org.) O dilema da cidadania: direitos e <strong>de</strong>veres das<br />
mulheres. São Paulo: UNESP, 1995.<br />
CARDOSO, Ruth. A trajetória dos movimentos sociais. In: DAGNINO, Evelina (org). Anos 90: política<br />
e socieda<strong>de</strong> no Brasil. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.<br />
CARDOSO DE OLIVEIRA, Luis Roberto. Racismo, direitos e cidadania. Estudos Avançados, São Paulo,<br />
18, 50, 2004, p. 81-93.<br />
CARDOSO DE OLIVEIRA, Luis Roberto. Direito legal e insulto moral — Dilemas da cidadania no<br />
Brasil, Quebec e EUA. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Relume Dumará, 2002.<br />
CARVALHO, José Murilo <strong>de</strong>. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio <strong>de</strong> Janeiro: <strong>Civil</strong>ização<br />
Brasileira, 2003.<br />
441
442<br />
A Busca por Direitos: Possibilida<strong>de</strong>s e Limites da<br />
Participação Social na Democratização do Estado<br />
CEFAÏ, Daniel. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche prgamatiste.<br />
CEFAÏ, D. & JOSEPH, I. (org.) L’Heritage du prgamatisme: conflits d’urbanité et épreuves <strong>de</strong><br />
civisme. Coloque <strong>de</strong> Cerisy, Editions <strong>de</strong> L’ Aube, 2002.<br />
CRAPANZANO, Vincent. Waiting: the Whites of South Africa. New York: Random House, 1985.<br />
DAGNINO, Evelina (org). Anos 90: política e socieda<strong>de</strong> no Brasil. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.<br />
DAGNINO, Evelina (org.). Socieda<strong>de</strong> civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.<br />
GADEA, Carlos & SCHERER-WARREN, Ilse. A contribuição <strong>de</strong> Alain Touraine para o <strong>de</strong>bate sobre<br />
sujeito e <strong>de</strong>mocracia latino-americanos. Revista Sociologia e Política, Curitiba, 25, nov. 2005, p.39-<br />
45.<br />
GALDEANO, Ana Paula. Representações da violência e da segurança pública em São Paulo: o que<br />
pensam, querem e fazem os participantes <strong>de</strong> Conselhos Locais <strong>de</strong> Segurança. VII Reunião <strong>de</strong><br />
Antropologia do Mercosul, Porto Alegre/RS, 23-27 julho 2007.<br />
GIDDENS, Anthony. Profiles and critiques in social theory. London: Macmillan, 1982.<br />
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos.<br />
São Paulo: Loyola, 2004.<br />
GOHN, Maria da Glória. (org). Movimentos Sociais no Início do Século XXI. Petrópolis: Vozes,<br />
2003.<br />
GOHN, Maria da Glória. O papel dos conselhos gestores na gestão urbana. In: Repensando a<br />
Experiência Urbana da América Latina: Questões, Conceitos e Valores. Buenos Aires: Clacso,<br />
2000.<br />
GRAMSCI, Antonio & BORDIGA, Ama<strong>de</strong>o. Conselhos <strong>de</strong> Fábrica. São Paulo: Brasiliense, 1981.<br />
HABERMAS, Jürgen. Direito e <strong>de</strong>mocracia: entre facticida<strong>de</strong> e valida<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1997.<br />
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Investigações quanto a uma categoria<br />
da socieda<strong>de</strong> burguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Tempo Brasileiro,1984.<br />
HUSSEIM, Saima. In war, those who die are not innocent: human rights implementation, policing<br />
and public security reform in Rio <strong>de</strong> Janeiro, Brazil. Amsterdam: Rozemberg, 2007.<br />
KANT DE LIMA, Roberto. Direitos Civis e Direitos Humanos: uma tradição judiciária pré-republicana?<br />
São Paulo em Perspectiva, São Paulo, SP, v. 18, p. 49-59, 2004.<br />
KANT DE LIMA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: o dilema brasileiro no espaço público.<br />
GOMES, Laura Graziela; BARBOSA, Lívia & DRUMMOND, José Augusto. Carnavais, malandros e<br />
heróis, 20 anos <strong>de</strong>pois. 2ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV, 2001.<br />
KANT DE LIMA, Roberto. <strong>Polícia</strong> e exclusão na cultura judiciária. Revista <strong>de</strong> Sociologia da USP, São<br />
Paulo, v.9, n.1 p. 169-183, maio 1997.<br />
KANT DE LIMA, Roberto. A <strong>Polícia</strong> da Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro: Seus Dilemas e Paradoxos. (2ª<br />
ed.). Rio <strong>de</strong> Janeiro, Forense, 1995.<br />
KERSTENETZKY, Celia Lessa. Sobre associativismo, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>mocracia. Revista Brasileira<br />
<strong>de</strong> Ciências Sociais, vol. 18, n. 53, out. 2003, p.131-180.<br />
LALLEMENT, Michel. História das idéias sociológicas: <strong>de</strong> Parsons aos contemporâneos. Petrópolis:<br />
Vozes, 2004.<br />
MARSHALL, T. H. (1967) Cidadania, Classe Social e Status. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar.<br />
MIRANDA, Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong>. Arquivo público: um segredo bem guardado. Antropolítica, v.17,
Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Miranda<br />
p.123 - 149, 2005.<br />
MIRANDA, Ana Paula Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong>. Cartórios: on<strong>de</strong> a tradição tem registro público. Antropolítica, v.8,<br />
p.59 - 75, 2000.<br />
MOUFFE, Chantal (org.) Dimensions of radical <strong>de</strong>mocracy. London: Verso, 1992.<br />
PERALVA, Angelina. Violencia e <strong>de</strong>mocracia: o paradoxo brasileiro. São Paulo: Paz e Terra, 2000.<br />
OLVERA, Alberto J. La heterogeneidad <strong>de</strong> la sociedad civil y <strong>de</strong>l Estado en America Latina y sus<br />
efectos sobre la innovación <strong>de</strong>mocrática. III Congreso <strong>de</strong> la Asociación Latinoamericana <strong>de</strong> Ciencia<br />
Política, Campinas / SP, 4-6 setembro 2006.<br />
OLVERA, Alberto J. (org.). Sociedad <strong>Civil</strong>, Esfera Pública y Democratización en América Latina:<br />
México. México, Xalapa: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica/Universidad Veracruzana, 2003.<br />
OLVERA, Alberto J. Socieda<strong>de</strong> civil e governabilida<strong>de</strong> no México. DAGNINO, Evelina (org.). Socieda<strong>de</strong><br />
civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.<br />
OLVERA, Alberto J. Los Modos <strong>de</strong> Recuperación Contemporánea <strong>de</strong> la I<strong>de</strong>a <strong>de</strong><br />
Sociedad <strong>Civil</strong>. Olvera, A.J. (org.) La Sociedad <strong>Civil</strong>. De la Teoría a la Realidad. México:<br />
El Colegio <strong>de</strong> México, 1999.<br />
PANFICHI, Aldo & CHIRINOS, Paula Valeria Muñoz. Socieda<strong>de</strong> civil e governabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática<br />
nos An<strong>de</strong>s e no Cone Sul: uma visão panorâmica na entrada do século XXI. DAGNINO, Evelina (org.).<br />
Socieda<strong>de</strong> civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.<br />
SANTANA, Marco Aurélio & RAMALHO, José Ricardo (org). Além da fábrica: trabalhadores, sindicatos<br />
e a nova questão social. São Paulo: Boitempo, 2003.<br />
SANTOS, Boaventura <strong>de</strong> Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo:<br />
Cortez, 2006.<br />
SANTOS, Boaventura <strong>de</strong> Sousa. Os novos movimentos sociais. Leher, Roberto & Setúbal, Mariana.<br />
Pensamento crítico e movimentos sociais. São Paulo: Cortez, 2005.<br />
SANTOS JUNIOR, Orlando A.; RIBEIRO, Luiz Cesar <strong>de</strong> Q. & AZEVEDO, Sergio (orgs.). Governança<br />
<strong>de</strong>mocrática e po<strong>de</strong>r local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Revan, 2004.<br />
SANTOS, Wan<strong>de</strong>rley Guilherme. Cidadania e Justiça: A política social na or<strong>de</strong>m brasileira. 3ed. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1994.<br />
SENTO-SÉ, João Trajano & FERNANDES, Otair. A criação do Conselho Comunitário em Segurança <strong>de</strong><br />
São Gonçalo. SENTO-SÉ, João Trajano (org.) Prevenção da violência: o papel das cida<strong>de</strong>s. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: <strong>Civil</strong>ização Brasileira, 2005. (Segurança e cidadania, 3).<br />
SILVA, Carla Eichler <strong>de</strong> Almeida. Participação <strong>de</strong>mocrática em nível local: a experiência dos<br />
conselhos comunitários <strong>de</strong> segurança pública. Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em Ciência Política,<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, Niterói, 2005.<br />
TATAGIBA, Luciana. Os conselhos gestores e a <strong>de</strong>mocratização das políticas públicas no Brasil.<br />
DAGNINO, Evelina (org.). Socieda<strong>de</strong> civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.<br />
TEIXEIRA, Paulo Augusto Souza. Guia prático para participantes dos conselhos comunitários <strong>de</strong><br />
segurança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Instituto <strong>de</strong> Segurança Pública, 2006. (Série Conselhos Comunitários <strong>de</strong><br />
Segurança, vol. 2).<br />
VELHO, Gilberto. “A <strong>de</strong>mocracia não prescin<strong>de</strong> da cidadania cultural” In: O Encontro: um olhar<br />
sobre a cultura, o cidadão e a empresa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ayuri Editorial/SENAI, 1995.<br />
443
444<br />
Comunicação<br />
RELAÇÃO POLÍCIA-COMUNIDADE<br />
ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DO PLANO QUADRANTE NO CHILE<br />
Javiera Diaz *<br />
No Chile não existe um programa <strong>de</strong> polícia comunitária. No entanto,<br />
nos últimos anos, Carabineros do Chile levaram a cabo esforços dirigidos a<br />
estabelecer uma política institucional que incorporasse um trabalho<br />
coor<strong>de</strong>nado e orientado para a comunida<strong>de</strong>. Neste marco, a estratégia<br />
emblemática é o Plano Quadrante <strong>de</strong> Segurança Preventiva, que é<br />
implementado atualmente em 71 municípios 1 do país. No entanto, em vários<br />
territórios não se obteve êxito em uma implementação completa e,<br />
adicionalmente, a forma <strong>de</strong> aplicação tem sido diversa em cada um dos<br />
contextos.<br />
Lamentavelmente, a inexistência <strong>de</strong> avaliações e monitoramento do<br />
plano impe<strong>de</strong> fazer uma leitura <strong>de</strong> seus resultados e impactos. Entretanto,<br />
é relevante revisar alguns antece<strong>de</strong>ntes gerais <strong>de</strong> sua implementação, dados<br />
extraídos a partir da aplicação <strong>de</strong> questionários cidadãos a respeito do<br />
trabalho policial comunitário e um caso <strong>de</strong> aplicação do plano que nos<br />
permita realizar uma leitura mais profunda do mesmo, como também<br />
visualizar suas forças e <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s.<br />
O objetivo <strong>de</strong>sta comunicação é apresentar brevemente a<br />
experiência do Plano Quadrante e propiciar um <strong>de</strong>bate a respeito <strong>de</strong> seus<br />
objetivos, metodologia e implementação que permita refletir a outras<br />
instituições policiais da América Latina sobre o papel policial na comunida<strong>de</strong><br />
e com a comunida<strong>de</strong>.<br />
ANTECEDENTES<br />
A partir da década <strong>de</strong> 80, na América Latina, iniciou-se um <strong>de</strong>bate<br />
sobre o papel da polícia e da comunida<strong>de</strong> na prevenção da criminalida<strong>de</strong>.<br />
O retorno à <strong>de</strong>mocracia em gran<strong>de</strong> parte dos países do Cone Sul, entre<br />
eles Chile, Brasil e Argentina, manifestou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementar<br />
mudanças nas polícias (Dammert, 2003; Frühling, 2001a; González, 1998;<br />
Oliveira y Tiscornia, 1998). As necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reformas se relacionavam<br />
principalmente com a evidência <strong>de</strong> ações corruptas e violentas <strong>de</strong> membros<br />
parte da instituição da população policial com (Dammer, a ação policial.<br />
2003), e uma crescente <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong><br />
* Pesquisadora FLACSO-Chile, licenciada em psicologia e mestre em criminologia crítica, prevenção<br />
e segurança social da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pádua – Itália.<br />
CHILE
Por outro lado, a mudança <strong>de</strong> ênfase da segurança nacional à<br />
segurança interna, e o aumento da sensação <strong>de</strong> insegurança da população<br />
gerou uma reflexão, que se mantém na atualida<strong>de</strong>, sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
aumentar a eficiência policial.<br />
Diante das novas <strong>de</strong>mandas, tanto no nível do Estado como no da<br />
cidadania, as instituições policiais justificaram a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar<br />
mudanças, principalmente <strong>de</strong>vido à carência <strong>de</strong> infraestrutura e pessoal<br />
necessários para controlar a criminalida<strong>de</strong> e a violência (Dammert, 2003).<br />
Não obstante, se constatou um forte aumento no orçamento das polícias<br />
no continente, e, no caso do Chile, isto é particularmente evi<strong>de</strong>nte ao<br />
observar-se o aumento experimentado pelo orçamento dos Carabineros<br />
<strong>de</strong> Chile (Ver Gráfico 1).<br />
Gráfico 1. Orçamento <strong>de</strong> Carabineros <strong>de</strong> Chile 1990-2006 (moeda<br />
nacional)<br />
Fonte: Subsecretaria <strong>de</strong> Carabineros <strong>de</strong> Chile, 2006<br />
Javiera Diaz<br />
É relevante <strong>de</strong>stacar que nos anos 90 se constatou uma forte falta<br />
<strong>de</strong> infra-estrutura, dotação e equipamento que justificavam em gran<strong>de</strong><br />
medida os investimentos realizados.<br />
O gráfico anterior nos mostra que em um período <strong>de</strong> 16 anos, o<br />
orçamento dos Carabineros aumentou em 186%, chegando a alcançar os<br />
321 milhões <strong>de</strong> pesos (US$ 625 milhões) em 2006.<br />
Este aumento orçamentário se traduziu, por sua vez, em um<br />
445
446<br />
Relação <strong>Polícia</strong>-Comunida<strong>de</strong>: Análise da experiência do Plano Quadrante<br />
aumento na dotação (aumento <strong>de</strong> pessoal <strong>de</strong> 31% entre 1989 e 2006) e<br />
em investimento na infra-estrutura.<br />
Gráfico 2. Evolução do pessoal efetivo dos Carabineros <strong>de</strong> Chile<br />
1989-2006<br />
Fonte: Subsecretaria <strong>de</strong> Carabineros <strong>de</strong> Chile, 2006<br />
Gráfico 3. Aumento da frota veicular em nível nacional dos<br />
Carabineros 2000-2006<br />
Fonte: Subsecretaria <strong>de</strong> Carabineros <strong>de</strong> Chile, 2006<br />
DESCRIÇÃO DO PLANO QUADRANTE<br />
Carabineros do Chile puseram em marcha no ano 2000 um<br />
programa orientado a melhorar a relação entre polícia e comunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>nominado Plano Quadrante <strong>de</strong> Segurança Preventiva, o qual se
Javiera Diaz<br />
circunscreve em todo um processo <strong>de</strong> mudança e mo<strong>de</strong>rnização<br />
institucional iniciado na década <strong>de</strong> 90. Esta iniciativa teve como objetivo<br />
fundamental fortalecer os laços <strong>de</strong> confiança com a população, através <strong>de</strong><br />
um programa <strong>de</strong> vigilância orientado à solução e prevenção dos problemas<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong>.<br />
Para tal efeito, o território jurisdicional <strong>de</strong> cada Comisaria 2 se<br />
subdividiu em setores chamados quadrantes, que correspon<strong>de</strong> ao<br />
território <strong>de</strong> vigilância <strong>de</strong> um contingente específico <strong>de</strong> policiais. Um<br />
quadrante compreen<strong>de</strong> aproximadamente 1 quilômetro quadrado,<br />
equivalente a 64 quarteirões e cerca <strong>de</strong> 12 mil pessoas. Cabe assinalar<br />
que esta <strong>de</strong>limitação não é arbitrária, sendo que está fixada <strong>de</strong> acordo<br />
com variáveis qualitativas e quantitativas. As variáveis quantitativas fazem<br />
referência ao <strong>de</strong>senho urbano da zona, quer dizer, à extensão e<br />
características do território e quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas resi<strong>de</strong>ntes. No<br />
entanto, as variáveis qualitativas se referem a características como o tipo<br />
<strong>de</strong> população que ali habita, ativida<strong>de</strong>s que realizam, se é uma zona<br />
resi<strong>de</strong>ncial ou comercial, se existem lugares arriscados e o tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
que com maior freqüência ocorrem neste lugar.<br />
Cada quadrante está sob a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>legado e três<br />
sub<strong>de</strong>legados, cuja função é aten<strong>de</strong>r às solicitações da população e receber<br />
as <strong>de</strong>núncias. Mas a estas funções se agrega uma com características<br />
inovadoras com respeito à tradicional tarefa da polícia: os encarregados<br />
também <strong>de</strong>vem participar <strong>de</strong> reuniões sobre segurança cidadã e receber<br />
capacitação em ativida<strong>de</strong>s comunitárias e atendimento do público.<br />
Quanto à <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> recursos materiais, a mesma também está<br />
relacionada com as características dos quadrantes, segundo as quais se<br />
<strong>de</strong>termina o tipo <strong>de</strong> vigilância: motorizada, em veículo ou a pé.<br />
Para uma eficiente distribuição dos recursos, tanto humanos como<br />
materiais, se classificam os quadrantes <strong>de</strong> acordo com “níveis” relacionados<br />
a um cenário específico <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüência, tipo e graduação da mesma. Os<br />
níveis <strong>de</strong>terminados são:<br />
· nível 1: freqüência <strong>de</strong>litiva baixa;<br />
· nível 2: freqüência <strong>de</strong>litiva intermediária;<br />
· nível 3: freqüência média;<br />
· nível 4: freqüência alta<br />
447
448<br />
Relação <strong>Polícia</strong>-Comunida<strong>de</strong>: Análise da experiência do Plano Quadrante<br />
Deste modo, <strong>de</strong> acordo com o nível em que se classifica o quadrante,<br />
são <strong>de</strong>stinados as chamadas Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Vigilância Equivalentes (U.V.E.),<br />
as quais expressam um valor que <strong>de</strong>termina o tipo <strong>de</strong> recurso, ou seja,<br />
quanto maior seja o nível <strong>de</strong> freqüência <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos em um quadrante, maior<br />
a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> U.V.E. que se lhe <strong>de</strong>stinam. Este sistema objetiva não só<br />
melhorar a eficiência na <strong>de</strong>stinação dos recursos <strong>de</strong> Carabineros em uma<br />
gran<strong>de</strong> zona urbana compreendida por muitos quadrantes, mas também<br />
a flexibilida<strong>de</strong> no uso <strong>de</strong> recursos, posto que um quadrante po<strong>de</strong><br />
reclassificar-se em outro nível, conforme mu<strong>de</strong>m suas características.<br />
É comum a todos os quadrantes a duração do serviço, que consiste<br />
em três turnos <strong>de</strong> oito horas, a quais seis horas correspon<strong>de</strong>m ao<br />
<strong>de</strong>slocamento em patrulhas e duas horas <strong>de</strong> plantão na se<strong>de</strong>. Entretanto, a<br />
freqüência das rondas também é <strong>de</strong>terminada pelo nível ao qual pertence o<br />
quadrante.<br />
Os objetivos específicos do plano são:<br />
· potencializar a vigilância policial preventiva, em termos <strong>de</strong><br />
uma maior e progressiva <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> recursos humanos e<br />
logísticos, com os meios disponíveis e com aqueles adicionais<br />
que <strong>de</strong> forma paulatina se incorporem à instituição;<br />
· dinamizar a gestão operacional para dar resposta oportuna<br />
e eficaz às <strong>de</strong>mandas da comunida<strong>de</strong>;<br />
· dispor e empregar os meios institucionais, traduzidos em<br />
Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vigilância Equivalentes, em harmonia com o<br />
perfil <strong>de</strong> cada quadrante. Isso significa rea<strong>de</strong>quar os meios<br />
e aumentar a cobertura da vigilância policial preventiva,<br />
conforme o nível <strong>de</strong> risco assinalado.<br />
· melhorar a gestão preventiva <strong>de</strong> cada quadrante, uma vez<br />
que existindo um carabinero responsável pelo mesmo, este<br />
obtenha uma progressiva i<strong>de</strong>ntificação com os vizinhos e a<br />
zona a seu encargo.<br />
· Fazer com que a comunida<strong>de</strong> reconheça a “seus<br />
carabineros”, sentindo-os comprometidos, acessíveis,<br />
encomendadas<br />
francos e profissionais no exercício das funções<br />
Adicionalmente, o Plano Quadrante implicou a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong><br />
recursos específicos para sua implementação a partir do ano 1999, tal<br />
como se expressa a seguir.
Gráfico 4. Investimentos no Plano Quadrante, 1999-2006<br />
Fonte: Subsecretaria <strong>de</strong> Carabineros <strong>de</strong> Chile, 2006<br />
PLANO QUADRANTE E A COMUNIDADE<br />
Alguns dados sistematizados pela Encuesta Nacional <strong>de</strong> Seguridad<br />
Ciudadana (ENSC) 3 dos anos 2003-2005 nos permitem ter uma<br />
perspectiva preliminar do impacto que este teve na comunida<strong>de</strong>, através<br />
da analise <strong>de</strong> alguns indicadores que se <strong>de</strong>screvem a seguir.<br />
1. Conhecimento do Plano<br />
Javiera Diaz<br />
Como antece<strong>de</strong>nte à analise <strong>de</strong>ste indicador temos que Carabineros<br />
do Chile, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo do programa, investiu recursos na difusão do<br />
mesmo. Por outro lado, gran<strong>de</strong> parte dos municípios nos quais se aplica,<br />
contribuiu com a difusão do plano com campanhas conjuntas e recursos<br />
para a geração <strong>de</strong> panfletos informativos e outros materiais entregues à<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Neste sentido, um componente fundamental do Plano Quadrante<br />
foi o comunicacional, pois só através da difusão é possível envolver a<br />
comunida<strong>de</strong> no trabalho preventivo realizado pela polícia.<br />
Contudo, segundo os resultados das ENSC, ainda existe uma<br />
importante porcentagem <strong>de</strong> pessoas que <strong>de</strong>sconhece o programa e seus<br />
objetivos, apesar <strong>de</strong> que nos dois anos <strong>de</strong> aplicação do questionário, esta<br />
porcentagem diminuiu.<br />
449
450<br />
Relação <strong>Polícia</strong>-Comunida<strong>de</strong>: Análise da experiência do Plano Quadrante<br />
Gráfico 5. Sabe no que consiste o Plano Quadrante?<br />
Fonte: Encuesta Nacional <strong>de</strong> Seguridad Ciudadana 2003 y 2005<br />
2. Funcionamento do Plano Quadrante em nível local<br />
Outro indicador interessante <strong>de</strong> se analisar, ainda mais <strong>de</strong>cisivo<br />
a respeito das capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> difusão, é o conhecimento que as<br />
pessoas têm sobre a aplicação do plano em seu bairro. O<br />
conhecimento do plano po<strong>de</strong>ria estar influenciado pela proximida<strong>de</strong><br />
com o mesmo e por seu efetivo funcionamento em <strong>de</strong>terminados<br />
territórios.<br />
Gráfico 6. Sabe se o Plano Quadrante é aplicado em seu bairro?<br />
Fonte: Encuesta Nacional <strong>de</strong> Seguridad Ciudadana 2003 y 2005
Apesar do referido anteriormente, só 31% dos entrevistados sabia<br />
em 2005 se o Plano Quadrante se aplicava em seu bairro, porcentagem<br />
bem menor a 54% que sabia em que o plano consistia, no mesmo ano.<br />
Similar é a porcentagem <strong>de</strong> pessoas que sabe da existência do<br />
<strong>de</strong>legado <strong>de</strong> quadrante, como se po<strong>de</strong> observar no gráfico 7.<br />
Gráfico 7. Sabe se em seu bairro existe um <strong>de</strong>legado?<br />
Fonte: ENSS 2003 y 2005<br />
3. Aprovação da vigilância implementada pelo plano<br />
Javiera Diaz<br />
O programa contempla como <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suas principais medidas<br />
intensificar a vigilância policial, através <strong>de</strong> rondas periódicas, no<br />
território <strong>de</strong>signado, as quais, embora tenham se pensado no começo<br />
como uma patrulha a pé, na prática são em sua maioria patrulhas<br />
motorizadas e em veículo.<br />
Embora este fato pu<strong>de</strong>sse ser avaliado como uma <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> do<br />
plano, pois não se conseguiria uma efetiva proximida<strong>de</strong> com a<br />
comunida<strong>de</strong>, os resultados lançados pelos questionários <strong>de</strong> segurança<br />
cidadã indicam que as pessoas preferem o policiamento motorizado,<br />
a viatura e inclusive o helicóptero, pois lhes transmite maior sensação<br />
<strong>de</strong> segurança que as rondas a pé dos policiais.<br />
451
452<br />
Relação <strong>Polícia</strong>-Comunida<strong>de</strong>: Análise da experiência do Plano Quadrante<br />
Gráfico 8. Que tipo <strong>de</strong> vigilância policial lhe dá maior sensação <strong>de</strong><br />
segurança?<br />
Fonte: Encuesta Nacional <strong>de</strong> Seguridad Ciudadana 2003 y 2005<br />
4. Avaliação do trabalho com a comunida<strong>de</strong><br />
Segundo um questionário realizado pela própria instituição no ano<br />
<strong>de</strong> 2003, em relação a 30 tarefas realizadas pela polícia, o trabalho<br />
comunitário <strong>de</strong> Carabineros não foi bem avaliado pelos cidadãos (20%<br />
lhe <strong>de</strong>u uma avaliação negativa). Uma situação mais negativa se apresentou<br />
em relação ao trabalho policial com vizinhos, o qual teve 39% <strong>de</strong><br />
reprovação.<br />
O CASO DA COMUNA DE PEDRO AGUIRRE CERDA 4<br />
A comuna (município) <strong>de</strong> Pedro Aguirre Cerda, localizada no setor sul<br />
da Região Metropolitana, utilizou <strong>de</strong> maneira muito criativa a metodologia do<br />
Plano Quadrante, incorporando-a ao trabalho municipal no marco do Programa<br />
Comunida<strong>de</strong> Segura 5 . Esta iniciativa apresentou <strong>de</strong>safios importantes ao<br />
trabalho policial e da própria comunida<strong>de</strong> que até agora têm sido assumido<br />
com êxito e tomados como referência para reformas ao trabalho no marco<br />
do Programa Comunida<strong>de</strong> Segura<br />
O contexto <strong>de</strong>sta iniciativa é uma mudança na forma <strong>de</strong> execução e<br />
distribuição orçamentária do Comunida<strong>de</strong> Segura, que passou a ser um<br />
programa que distribuía 90% <strong>de</strong> seus recursos através <strong>de</strong> fundos concusables<br />
com a comunida<strong>de</strong>, a ser executado em 90% pelo Conselho Municipal <strong>de</strong>
Javiera Diaz<br />
Segurança Cidadã 6 . Isto implicou em que as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinação dos fundos<br />
passassem por uma institucionalida<strong>de</strong> presidida pelo prefeito, mas composta<br />
por membros e representantes da comunida<strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong> esta mudança<br />
buscar assegurar o bom uso dos fundos, em benefício <strong>de</strong> toda a comunida<strong>de</strong>,<br />
e não só <strong>de</strong> grupos específicos, não podia ser assegurada apenas pelo fato <strong>de</strong><br />
convidar os representantes da comunida<strong>de</strong> ao conselho; <strong>de</strong>veria gerar-se<br />
uma instância anterior ao conselho que assegurasse a legitimida<strong>de</strong> dos<br />
representantes.<br />
Para alcançar o objetivo referido, a equipe do programa Comunida<strong>de</strong><br />
Segura do município gerou uma estratégia utilizando a metodologia <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s<br />
abertas, que, por sua vez tomava a metodologia <strong>de</strong> Carabineros em relação<br />
à divisão territorial da comuna em quadrantes (quatro quadrantes). Esta divisão<br />
tinha por objetivo organizar a comunida<strong>de</strong> em relação ao pertencimento a<br />
um território e envolver policiais no trabalho comunitário, na i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />
problemáticas e <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> prevenção psico-social e situacional para cada<br />
quadrante, os quais po<strong>de</strong>riam ser levados ao Conselho Local e financiados<br />
pelo Comunida<strong>de</strong> Segura.<br />
O funcionamento real da estratégia se traduziu em reuniões mensais<br />
com todas as organizações sociais do território. Embora no início os Carabineros<br />
não participassem (só assistiam esporadicamente e se enviava um policial<br />
diferente a cada reunião), se conseguiu somar a instituição ao projeto como<br />
convocante das reuniões, com assistência permanente junto com a unida<strong>de</strong><br />
preventiva do município (Programa Previene 7 e Comunida<strong>de</strong> Segura).<br />
Assim, cada quadrante tem seu próprio representante no conselho,<br />
legitimando-se como território organizado e interinstitucional.<br />
Finalmente, para fazer operacional a participação dos representantes<br />
do quadrante no conselho, se <strong>de</strong>senhou um instrumento <strong>de</strong> priorização <strong>de</strong><br />
projetos para cada quadrante, pelo qual se trabalha com mapas georeferenciados<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>litos proporcionados por Carabineros. O resultado da<br />
priorização <strong>de</strong>ve ser legitimado pelas organizações sociais do território e<br />
logo a Secplan transforma as iniciativas propostas em projetos viáveis.<br />
Os principais êxitos <strong>de</strong>sta iniciativa têm sido a geração <strong>de</strong> um vínculo<br />
comunitário com organizações sociais, um forte vínculo institucional com as<br />
polícias e um intercâmbio <strong>de</strong> apoio social entre o município, as organizações<br />
sociais e as polícias.<br />
453
454<br />
Relação <strong>Polícia</strong>-Comunida<strong>de</strong>: Análise da experiência do Plano Quadrante<br />
ELEMENTOS CRÍTICOS PARA O DEBATE<br />
1. Desenho e objetivos: O <strong>de</strong>senho do plano está centrado no melhoramento<br />
do trabalho policial com base nos recursos disponíveis, embora não se observe<br />
uma planificação do trabalho e priorização <strong>de</strong> ações em relação às realida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> cada território, o que impediu, por sua vez, gerar metodologias ou mo<strong>de</strong>los<br />
<strong>de</strong> avaliação do processo, resultado e impacto.<br />
Isto, por sua vez, tem incidência na <strong>de</strong>signação e uso <strong>de</strong> recursos,<br />
pois, ao não haver <strong>de</strong>lineamentos claros dos objetivos específicos <strong>de</strong> cada<br />
plano, não é possível realizar uma distribuição conforme os recursos.<br />
Perguntas para o <strong>de</strong>bate<br />
– Que elementos <strong>de</strong>veriam estar na base do <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> um plano<br />
<strong>de</strong> trabalho policial comunitário e participativo?<br />
– Que tipos <strong>de</strong> objetivos <strong>de</strong>veria pleitear um plano <strong>de</strong> trabalho<br />
policial comunitário e como po<strong>de</strong>m ser constatados, medidos e avaliados?<br />
– Quem <strong>de</strong>ve realizar o monitoramento e a avaliação?<br />
2- Metodologia: O patrulhamento não é necessariamente uma metodologia<br />
<strong>de</strong> trabalho para a aproximação com a comunida<strong>de</strong>, sendo melhor <strong>de</strong>finida<br />
como uma ativida<strong>de</strong> que intenta obter certos resultados, como por exemplo,<br />
a <strong>de</strong>tenção por flagrante. Nesse sentido, seria importante incorporar um<br />
conjunto <strong>de</strong> ferramentas metodológicas aplicáveis no plano, com seus<br />
respectivos objetivos, ativida<strong>de</strong>s e indicadores, os quais po<strong>de</strong>riam ser<br />
aplicados e adaptados a diferentes contextos locais.<br />
Perguntas para o <strong>de</strong>bate<br />
– Qual é a diferença entre objetivos, estratégias, ferramentas <strong>de</strong><br />
trabalho, ativida<strong>de</strong>s e indicadores?<br />
– Os objetivos da polícia são os mesmos objetivos da comunida<strong>de</strong>,<br />
da política <strong>de</strong> segurança local ou central?<br />
– Como se integram estes diferentes níveis em um plano gerido<br />
pela instituição policial?<br />
3. Capacitação: O plano não <strong>de</strong>fine claramente o que implica uma
aproximação com a comunida<strong>de</strong> e um trabalho em conjunto com os<br />
cidadãos na prevenção do <strong>de</strong>lito, o que na prática tem implicado em que<br />
isto se entenda gerar ativida<strong>de</strong>s recreativas, <strong>de</strong>sportivas, assistir a reuniões<br />
com vizinhos, convidar às crianças a conhecer as <strong>de</strong>pendências policiais,<br />
entre outras muitas ativida<strong>de</strong>s que, apesar <strong>de</strong> contribuir a melhora para a<br />
relação polícia-comunida<strong>de</strong>, não necessariamente apontam para gerar<br />
mo<strong>de</strong>los participativos e preventivos conjuntos. Esta falência está<br />
<strong>de</strong>terminada, em gran<strong>de</strong> medida, pela falta <strong>de</strong> preparação na temática<br />
comunitária, na ausência <strong>de</strong> um enfoque <strong>de</strong>finido que novamente diferencia<br />
o enfoque dos objetivos e ativida<strong>de</strong>s que permitam concretizá-los.<br />
Perguntas para o <strong>de</strong>bate<br />
– É necessário capacitar as polícias para o trabalho com a comunida<strong>de</strong>?<br />
– Todas as experiências e ativida<strong>de</strong>s servem?<br />
– Como se po<strong>de</strong>riam avaliar os distintos efeitos das ações?<br />
– Que ações po<strong>de</strong>riam ter mais êxito e por quê?<br />
4. Retroalimentação da comunida<strong>de</strong>: O plano, ao não ter sido avaliado,<br />
carece <strong>de</strong> elementos que lhe permitam melhorar certos aspectos e<br />
potencializar outros. Para isto é fundamental conhecer a opinião e avaliação<br />
que realiza a comunida<strong>de</strong> envolvida no plano, não só a partir <strong>de</strong> questionários<br />
nacionais, mas também através <strong>de</strong> diálogos locais que permitam aprofundar<br />
na realida<strong>de</strong> local.<br />
Perguntas para o <strong>de</strong>bate<br />
Javiera Diaz<br />
– É possível instalar um dispositivo <strong>de</strong> monitoramento permanente,<br />
por parte da comunida<strong>de</strong>, à implementação <strong>de</strong> um programa?<br />
– Como se po<strong>de</strong> envolver a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma pró-ativa e não<br />
só <strong>de</strong>mandante junto às polícias?<br />
5. Plano como parte <strong>de</strong> uma política local em diferentes níveis: O<br />
Plano Quadrante, apesar <strong>de</strong> ter sido incorporado na política nacional <strong>de</strong><br />
segurança cidadã, tem in<strong>de</strong>pendência em relação a outros programas das<br />
autorida<strong>de</strong>s locais e regionais. Este po<strong>de</strong> ser um elemento positivo,<br />
enquanto outorga autonomia nas ações; porém, per<strong>de</strong> força ao não se<br />
integrar com outras estratégias <strong>de</strong>senvolvidas no âmbito local.<br />
455
456<br />
Relação <strong>Polícia</strong>-Comunida<strong>de</strong>: Análise da experiência do Plano Quadrante<br />
Perguntas para o <strong>de</strong>bate<br />
- Quais são os benefícios concretos que proporciona a coor<strong>de</strong>nação<br />
interinstitucional nos planos executados pelas polícias?<br />
- É possível integrar os planos e estratégias a objetivos transversais<br />
em nível local, regional ou nacional?<br />
Notas<br />
1 NT: os municípios, no Chile, são <strong>de</strong>nominados por Comuna. Logo, quando pertinente, utilizaremos<br />
esta <strong>de</strong>signação, particularmente quando o contexto fizer menção ao termo comunida<strong>de</strong>.<br />
2 NT: Uma Comisaría se distingue por servir <strong>de</strong> se<strong>de</strong> a uma polícia que se ocupa <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
investigativas ostensivas, na maioria dos países do Cone Sul. No Brasil, diferentemente, as<br />
<strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia civil abrigam profissionais que se ocupam das investigações criminais,<br />
enquanto os batalhões <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> são se<strong>de</strong>s dos profissionais que cuidam do policiamento<br />
preventivo e ostensivo. Por isso, a categoria foi mantida no original.<br />
3 NT: Questionário Nacional <strong>de</strong> Segurança Cidadã.<br />
4 Este capítulo foi redigido com base nas informações proporcionadas pelo Secretário Técnico do<br />
município, Abraham Abugattas.<br />
5 Programa preventivo pertencente ao Ministério do Interior e aplicado em diversos municípios do<br />
país que apresentam problemas <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> importantes. Sua execução é coor<strong>de</strong>nada em<br />
nível local pelo município.<br />
6 Composto por autorida<strong>de</strong>s municipais, policiais, representantes da socieda<strong>de</strong> civil e do mundo<br />
privado, entre outros.<br />
7 Programa <strong>de</strong> prevenção do consumo <strong>de</strong> drogas do Conselho Nacional <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong><br />
Entorpecentes (Conace), implementado no nível municipal.<br />
Referências Bibliográficas<br />
Dammert, Lucia (2003). El gobierno <strong>de</strong> la seguridad en Chile 1973-2003. In: Dammert, (org)<br />
Seguridad ciudadana: experiencias y <strong>de</strong>safíos. Red 14 URB-AL, Valparaíso, Chile<br />
Frühling, Hugo (2001) Las estrategias policiales frente a la inseguridad ciudadana en Chile. In:<br />
Frühling, Hugo y Candina, Azun (org) Policía, Sociedad y Estado. Mo<strong>de</strong>rnización y reforma<br />
policial en América <strong>de</strong>l Sur. CED, Santiago<br />
Ministerio <strong>de</strong>l Interior Chile (2006). Informe anual <strong>de</strong> estadísticas nacionales y regionales. In:<br />
www.interior.cl<br />
Carabineros <strong>de</strong> Chile (2006). Sitio web: www.carabineros.cl
Comunicação<br />
GRUPO ESPECIALIZADO EM ÁREAS DE RISCO (GEPAR)<br />
OS DILEMAS DE UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA DE PREVENÇÃO<br />
E CONTROLE DE TRÁFICO DE DROGAS E HOMICÍDIOS EM<br />
FAVELAS VIOLENTAS EM BELO HORIZONTE, BRASIL.<br />
Elenice <strong>de</strong> Souza *<br />
INTRODUÇÃO<br />
Uma das inovações da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais é a criação do<br />
Grupo Especializado <strong>de</strong> Policiamento em Áreas <strong>de</strong> Risco, o Gepar específico<br />
das unida<strong>de</strong>s com responsabilida<strong>de</strong> territorial, as companhias <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>.<br />
Esse grupo, criado em 2005, foi implementado para atuar preventivamente<br />
em favelas da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte, capital do estado <strong>de</strong> Minas Gerais,<br />
on<strong>de</strong> o tráfico <strong>de</strong> drogas e o crime <strong>de</strong> homicídios foram i<strong>de</strong>ntificados como<br />
sendo problemas crônicos. Atualmente o Gepar tem sido criado também<br />
nas <strong>de</strong>mais favelas da região metropolitana e em todo o estado <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais. Inspirado no Grupo <strong>de</strong> Policiamento em Áreas Especiais (Gepae),<br />
<strong>de</strong>senvolvido pela <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro no ano <strong>de</strong> 2000, o Gepar<br />
conjuga estratégias <strong>de</strong> polícia comunitária, o policiamento orientado para<br />
solução <strong>de</strong> problemas, e a repressão qualificada como ferramentas essenciais<br />
para o controle e prevenção da criminalida<strong>de</strong>, restituição da paz e qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vida em comunida<strong>de</strong>s carentes.<br />
O Gepar é por <strong>de</strong>finição um policiamento pró-ativo, <strong>de</strong> repressão<br />
qualificada, que atua <strong>de</strong> forma permanente e diuturna em comunida<strong>de</strong>s<br />
específicas (Doutrina do Gepar, 002/05 – CG). Neste sentido, esse grupo<br />
especializado se diferencia do policiamento mais tradicional direcionado<br />
para o atendimento reativo a chamadas <strong>de</strong> emergência, e das ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> polícia <strong>de</strong>senvolvidas pelos grupos <strong>de</strong> operações especiais e táticas <strong>de</strong><br />
cunho essencialmente repressivo e esporádico.<br />
Atuar <strong>de</strong> forma pró-ativa e através da repressão qualificada significa<br />
que as ações do Gepar <strong>de</strong>vem ser pautadas num diagnóstico prévio da<br />
criminalida<strong>de</strong> local, constantemente atualizado a partir do uso, troca, e análise<br />
sistemática <strong>de</strong> informação entre os policiais integrantes do grupo, dos policiais<br />
<strong>de</strong> inteligência e das seções <strong>de</strong> análise criminal e estatística das companhias<br />
<strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, a qual cada Gepar faz parte. Os resultados <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>vem ser, assim, avaliados e monitorados <strong>de</strong> forma continuada. Além disso,<br />
* Elenice <strong>de</strong> Souza, mestre em Sociologia pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais, Brasil, e<br />
doutoranda em Justiça Criminal e Criminologia, pela Rutgers – State University of New Jersey, USA.<br />
É pesquisadora do Centro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Criminalida<strong>de</strong> e Segurança Pública da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Minas Gerais e professora dos Estudos Técnicos promovidos por essa instituição <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005.<br />
BRASIL<br />
457
458<br />
Grupo Especializado em Áreas <strong>de</strong> Risco (GEPAR)<br />
o Gepar <strong>de</strong>ve procurar não apenas conhecer e enten<strong>de</strong>r a dinâmica do<br />
tráfico <strong>de</strong> drogas e dos homicídios na base territorial em que atua,<br />
i<strong>de</strong>ntificando indivíduos infratores, mapeando gangues criminosas e seus<br />
integrantes, mas também conhecer a comunida<strong>de</strong> local mais ampla, sua<br />
organização social e características sócio-<strong>de</strong>mográficas, seus membros, e<br />
suas principais <strong>de</strong>mandas.<br />
Ao conjugar as ações pró-ativa e <strong>de</strong> repressão qualificada, o Gepar<br />
procura reconstruir no imaginário social da população marginalizada das<br />
favelas a idéia <strong>de</strong> uma polícia próxima às comunida<strong>de</strong>s carentes; uma polícia<br />
que conhece e é conhecida pela população local; uma polícia para proteger<br />
e servir; uma polícia que tem no uso inteligente da informação, na mediação<br />
<strong>de</strong> conflitos, na solução <strong>de</strong> problemas da comunida<strong>de</strong>, e no uso legal da<br />
força os principais instrumentos para solução <strong>de</strong> conflitos.<br />
O GEPAR E O PROGRAMA FICA VIVO!<br />
A idéia inicial <strong>de</strong> se criar o Gepar pela <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais<br />
coinci<strong>de</strong> com um período das primeiras discussões entre essa instituição<br />
e o Centro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Criminalida<strong>de</strong> e Segurança Pública da Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (Crisp/UFMG), sobre a concepção <strong>de</strong> uma<br />
estratégia inovadora <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> homicídio capaz <strong>de</strong> intervir no<br />
problema crônico das mortes envolvendo jovens principalmente em favelas<br />
on<strong>de</strong> o tráfico <strong>de</strong> drogas foi instalado. Essas discussões foram<br />
concretizadas na realização <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> iniciativa do Crisp<br />
<strong>de</strong>nominado Fica Vivo! Esse projeto mobiliza não apenas a polícia, mas a<br />
comunida<strong>de</strong>, e vários órgãos do governo do estado e do Município.<br />
O Fica Vivo! sustenta-se em três gran<strong>de</strong>s pilares: (1) gestão coor<strong>de</strong>nada<br />
envolvendo as várias agências do sistema <strong>de</strong> Defesa Social e outros órgãos do<br />
governo; (2) ações <strong>de</strong> proteção social direcionadas para jovens entre 12 e 24<br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> envolvidos ou não com a criminalida<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> oficinas <strong>de</strong><br />
arte, cultura, esporte, lazer e profissionalizantes e, o (3) Grupo <strong>de</strong> Intervenção<br />
Estratégica, composto por representantes das polícias estaduais: <strong>Militar</strong> e <strong>de</strong><br />
Investigação; da <strong>Polícia</strong> Fe<strong>de</strong>ral; da Promotoria Pública, e do po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
Além disso, participam <strong>de</strong>sse grupo os representantes do sistema prisional.<br />
Assim, o grupo <strong>de</strong> intervenção estratégica tem como principal objetivo promover<br />
a integração entre essas várias instituições, dando celerida<strong>de</strong> aos processos<br />
judiciais principalmente <strong>de</strong> indivíduos infratores contumazes e envolvidos em<br />
gangues ao nível <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o programa Fica Vivo! está presente.
Busca também avaliar e monitorar <strong>de</strong> forma conjunta os resultados das ações<br />
judiciais e das polícias no controle e prevenção do crime.<br />
O Gepar foi criado <strong>de</strong> forma incipiente com a primeira experiência<br />
<strong>de</strong> implementação do Fica Vivo! no Morro das Pedras em 2002 (Beato,<br />
2002; 2003). Com o sucesso <strong>de</strong>sse projeto na redução dos homicídios e<br />
sua conseqüente institucionalização como um dos principais programas<br />
<strong>de</strong> prevenção e controle <strong>de</strong> homicídios do governo do estado <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais, o Gepar passou a ser criado em todas as comunida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> esse<br />
programa foi instalado. A associação direta com esse programa e com<br />
que o Gepar tornasse parte integrante do Grupo <strong>de</strong> Intervenção Estratégica<br />
do Fica Vivo! além <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um papel central como catalisador das<br />
<strong>de</strong>mandas da comunida<strong>de</strong> e elo fundamental entre as ações <strong>de</strong> proteção<br />
social <strong>de</strong>sse programa e as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> polícia comunitária.<br />
Em agosto <strong>de</strong> 2005, as diretrizes do Gepar são <strong>de</strong>finidas a partir<br />
da instrução no. 002/05 – CG, que regula a criação e emprego do Gepar<br />
como um recurso estratégico fundamental da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> na prevenção<br />
e controle do tráfico <strong>de</strong> drogas e homicídios.<br />
OS POLICIAIS DO GEPAR<br />
Elenice <strong>de</strong> Souza<br />
O Gepar reúne policiais voluntários, com no mínimo um ano <strong>de</strong><br />
experiência em ativida<strong>de</strong> operacional, <strong>de</strong>vendo permanecer no grupo por<br />
um período mínimo <strong>de</strong> dois anos. Esses policiais são treinados pela Aca<strong>de</strong>mia<br />
<strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> num curso com duração <strong>de</strong> 40 horas que abrange diversas<br />
disciplinas entre elas: direitos humanos aplicados à ativida<strong>de</strong> policial; polícia<br />
comunitária; mobilização comunitária; prevenção e controle <strong>de</strong> drogas, entre<br />
outras. Além disso, os policiais ingressam num curso especial promovido<br />
pelo Crisp/UFMG <strong>de</strong>nominado Estudos Técnicos. Esse curso é direcionado<br />
para os representantes das diversas instituições que integram o Grupo <strong>de</strong><br />
Intervenção Estratégica do Fica Vivo! que reúne: policiais do Gepar, policiais<br />
da <strong>Polícia</strong> Investigativa, policiais da Delegacia Especializada <strong>de</strong> Homicídios,<br />
além <strong>de</strong> ter como convidados profissionais do Ministério Público e do Po<strong>de</strong>r<br />
Judiciário. Esse curso treina esses profissionais no uso da metodologia <strong>de</strong><br />
solução <strong>de</strong> problemas; no tratamento, uso, e troca <strong>de</strong> informações para<br />
fins <strong>de</strong> planejamento estratégico e monitoramento das ativida<strong>de</strong>s que serão<br />
<strong>de</strong>senvolvidas pelo grupo <strong>de</strong> intervenção estratégica ao nível <strong>de</strong> cada<br />
comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o programa Fica Vivo! é implementado (Estudos Técnicos,<br />
2005). Além <strong>de</strong>sse curso, os policiais do Gepar também participam do<br />
459
460<br />
Grupo Especializado em Áreas <strong>de</strong> Risco (GEPAR)<br />
curso <strong>de</strong> Gestores Comunitários promovido pela Secretaria <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, on<strong>de</strong> junto com <strong>de</strong>mais representantes<br />
da comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> atuam <strong>de</strong>senvolvem um plano <strong>de</strong> segurança local.<br />
De acordo com a Instrução do Gepar no. 002/05 – CG, em termos<br />
<strong>de</strong> estrutura o Gepar é distribuído geralmente em três guarnições, cada qual<br />
composta por três policiais que atuam por turno <strong>de</strong> oito horas. Essas<br />
guarnições estão sob o comando <strong>de</strong> um tenente e são submetidas <strong>de</strong> forma<br />
regular ao controle e acompanhamento operacional e administrativo. Os<br />
policiais do Gepar são equipados com instrumentos típicos da ativida<strong>de</strong> policial<br />
militar, tais como colete à prova <strong>de</strong> bala, armamento <strong>de</strong> porte, pistola .40,<br />
rádios transmissores, algemas, bastão tipo tonfa, entre outros. Além disso,<br />
por ser a geografia das favelas e aglomerados bastante irregular, com terreno<br />
<strong>de</strong> topografia aci<strong>de</strong>ntada, o Gepar utiliza viatura Troler, ou camionetes. Isso<br />
permite que os policiais possam cobrir uma área territorial que<br />
tradicionalmente era impossível <strong>de</strong> ser policiada.<br />
A presença diária dos policiais do Gepar nas comunida<strong>de</strong>s das favelas<br />
on<strong>de</strong> a polícia só entrava para atendimento <strong>de</strong> ocorrências emergenciais, e<br />
operações repressivas esporádicas, tem <strong>de</strong>spertado à primeira vista<br />
curiosida<strong>de</strong> e estranhamento mútuo entre policiais e população local, muitas<br />
vezes pautado por preconceitos <strong>de</strong> ambos os lados. Entretanto, é no cotidiano<br />
das relações entre polícia e comunida<strong>de</strong> que os olhares <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança mútua<br />
são substituídos por olhares <strong>de</strong> expectativa <strong>de</strong> confiança mútua. Os policiais<br />
passam pouco a pouco a ser percebidos pela população como policiais do<br />
Gepar, e diferentes dos outros tipos <strong>de</strong> polícia, com a função <strong>de</strong> proteger e<br />
servir a comunida<strong>de</strong>. Nesse processo, também os membros da comunida<strong>de</strong><br />
passam a se tornar familiares aos olhos dos policiais, sendo percebidos não<br />
apenas como aqueles que acionam as chamadas <strong>de</strong> emergências, mas como<br />
parceiros na produção da segurança pública local.<br />
OS DESAFIOS DO GEPAR<br />
Um dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios do Gepar tem sido o <strong>de</strong> construir sua<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social como parte integrante da comunida<strong>de</strong> local, <strong>de</strong>senvolver<br />
sua ativida<strong>de</strong> tanto preventiva quanto repressiva, alcançando assim a<br />
legitimida<strong>de</strong> por parte da população.<br />
Um dos problemas enfrentados pelos policiais do Gepar é a<br />
expectativa social <strong>de</strong> que uma policia próxima da comunida<strong>de</strong> é uma polícia
Elenice <strong>de</strong> Souza<br />
mais “boazinha”, que “passa a mão na cabeça <strong>de</strong> bandido”. <strong>Policiais</strong><br />
reclamam que a aproximação com a comunida<strong>de</strong> cria na população a<br />
expectativa <strong>de</strong> que a polícia terá um comportamento mais conivente, certa<br />
cumplicida<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> alguns pequenos <strong>de</strong>litos. Em geral, isso tem gerado<br />
a quebra <strong>de</strong> confiança <strong>de</strong> parte da população em relação aos policiais<br />
quando esses agem <strong>de</strong> forma repressiva. Assim, é comum ouvir relatos<br />
<strong>de</strong> policiais do tipo:<br />
“Uma senhora que me chamava para tomar café na casa<br />
<strong>de</strong>la com certa freqüência mudou seu comportamento<br />
comigo <strong>de</strong>pois que o filho <strong>de</strong>la foi preso por estar envolvido<br />
com crime. Ela não me convida mais para o café e quando<br />
passo por perto ela faz que não me conhece.” (<strong>de</strong>poimento<br />
<strong>de</strong> policial do Gepar, 2007).<br />
Esse tipo <strong>de</strong> comportamento <strong>de</strong> alguns moradores das áreas on<strong>de</strong><br />
o Gepar é implementado é relatado também por li<strong>de</strong>ranças comunitárias,<br />
tal como é <strong>de</strong>monstrado num <strong>de</strong>poimento abaixo:<br />
“Aqui no bairro, os jovens costumam pilotar motos sem<br />
documento e a polícia aborda esses meninos e acaba<br />
apreen<strong>de</strong>ndo as motos. A população fica com raiva da polícia<br />
e não enten<strong>de</strong> que a polícia embora seja da comunida<strong>de</strong> tem<br />
que reprimir ações fora da lei.” (<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança<br />
comunitária em encontro comunitário realizado em 2007).<br />
Outra dificulda<strong>de</strong> enfrentada pelos policiais do Gepar é o sentimento<br />
<strong>de</strong> medo e <strong>de</strong>sconfiança que geralmente a população <strong>de</strong> favelas e aglomerados<br />
tem em relação à polícia. A entrada da polícia nessas comunida<strong>de</strong>s<br />
tradicionalmente foi pautada por ações repressivas, que acabavam em algumas<br />
situações por extrapolar a legalida<strong>de</strong>, resultando em violência e abuso <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong>. Com isso, a presença do Gepar em algumas comunida<strong>de</strong>s não<br />
tem sido percebida à primeira vista com bons olhos, sendo acompanhada<br />
por reclamações e questionamentos por parte da população em relação à<br />
polícia. Isso também é explicado pelo próprio <strong>de</strong>sconhecimento que a<br />
comunida<strong>de</strong> tem da polícia, da sua função, e <strong>de</strong> como <strong>de</strong>ve agir. Isso é evi<strong>de</strong>nte<br />
nos primeiros encontros promovidos pela própria polícia em parceria com o<br />
Fica Vivo! para apresentação dos policiais do Gepar para a comunida<strong>de</strong> local.<br />
Dúvidas sobre a legalida<strong>de</strong> das abordagens policiais, sobre a necessida<strong>de</strong> ou<br />
não <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> mandados judiciais para busca e apreensão e prisão<br />
<strong>de</strong> pessoas, além <strong>de</strong> questionamentos quanto se a ação do Gepar será<br />
461
462<br />
Grupo Especializado em Áreas <strong>de</strong> Risco (GEPAR)<br />
semelhante a dos outros tipos <strong>de</strong> polícia que aten<strong>de</strong>m ocorrências na favela<br />
são freqüentes. A gran<strong>de</strong> expectativa nesse caso por parte da população é<br />
que a polícia respeite a população.<br />
Por fim um dos maiores dilemas tem sido a aproximação clara e<br />
visível do Gepar como parceiro direto do programa <strong>de</strong> prevenção Fica<br />
Vivo! Essa é uma situação que tem gerado muitas discussões. Como o<br />
programa é aberto a jovens envolvidos com a criminalida<strong>de</strong>, a parceria<br />
com a polícia po<strong>de</strong> ser vista por esses jovens com gran<strong>de</strong> suspeita. Assim,<br />
coloca-se em dúvida a relação <strong>de</strong> confiança construída com os técnicos e<br />
trabalhadores do programa. Esses po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificados como X9, ou<br />
informantes da polícia. Uma das conseqüências disso é colocar em xeque<br />
a viabilida<strong>de</strong> e sucesso do programa em atingir os jovens que buscam no<br />
programa uma saída do mundo do crime, colocando também em risco os<br />
profissionais do próprio programa.<br />
A criação do Gepar tem assim trazido à tona vários dilemas sobre a<br />
relação entre polícia, comunida<strong>de</strong>, e programas <strong>de</strong> prevenção. A solução<br />
para esses <strong>de</strong>safios parece ser sem dúvida reforçar um conceito <strong>de</strong> polícia<br />
que supere a idéia dicotômica <strong>de</strong> que a função da polícia se resume em<br />
proteger a população or<strong>de</strong>ira e reprimir os fora da lei. Mais do que isso, o<br />
conceito <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong>ve incluir a idéia <strong>de</strong> que a polícia tem um importante<br />
papel enquanto representante da lei e da or<strong>de</strong>m em dissuadir o<br />
comportamento violento, mediando conflitos e promovendo a mudança<br />
do comportamento dos jovens envolvidos com a criminalida<strong>de</strong> a partir do<br />
incentivo e participação em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> proteção social e comunitária que<br />
incluam esses jovens como públicos alvo. Desta maneira, a polícia se torna<br />
um elo importante entre os jovens fora da lei, a justiça e a proteção social.<br />
Referencia Bibliográfica<br />
Beato, Cláudio Filho (2002) Programa <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Homicídios – FICA VIVO! Centro <strong>de</strong><br />
Estudos <strong>de</strong> Criminalida<strong>de</strong> e Segurança Pública, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais, Brasil.<br />
_________________ (2003) Homici<strong>de</strong> Control Project in Belo Horizonte. CRISP – Study<br />
Center on Crime and Public Safety, Fe<strong>de</strong>ral University of Minas Gerais, www.crisp.ufmg.br.<br />
Estudos Técnicos (2005). Centro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Criminalida<strong>de</strong> e Segurança Pública, Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
Instrução 002/05, Comando Geral da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
Souza, Elenice <strong>de</strong> (2007) Relatórios Estudos Técnicos. CRISP – Centros <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Criminalida<strong>de</strong><br />
e Segurança Pública, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
_______________ (1999). <strong>Polícia</strong> Comunitária: Avaliação <strong>de</strong> um Programa <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública em Belo Horizonte, Minas Gerais. www.crisp.ufmg.br
Comunicação<br />
UMA POLÍTICA ALTERNATIVA DE SEGURANÇA<br />
COM PARTICIPAÇÃO SOCIAL: A EXPERIÊNCIA DE<br />
PORTO ALEGRE<br />
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
“...paz sem voz não é paz, é medo...” (Rappa)<br />
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS<br />
O presente texto visa subsidiar o Curso <strong>de</strong> Li<strong>de</strong>rança Policial para<br />
o Desenvolvimento Institucional do Projeto ‘<strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Policiais</strong> e Socieda<strong>de</strong><br />
<strong>Civil</strong> na América Latina’ e trata da problemática da participação social na<br />
construção e no controle <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> prevenção e enfrentamento à<br />
violência e à criminalida<strong>de</strong>, tanto no que se refere a uma abordagem das<br />
políticas <strong>de</strong> atuação da polícia, strito senso, quanto <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> maior<br />
amplitu<strong>de</strong> que contemplem uma intervenção mais estrutural.<br />
A problemática central é a relevância <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> participação<br />
social no contexto da segurança pública, respon<strong>de</strong>ndo aos questionamentos<br />
da necessida<strong>de</strong>, importância, oportunida<strong>de</strong> do envolvimento da<br />
comunida<strong>de</strong>, tanto na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s, quanto na construção e<br />
controle das políticas públicas nesta área.<br />
As temáticas propostas pelo texto serão <strong>de</strong>senvolvidas a partir do<br />
<strong>de</strong>bate teórico realizado no Núcleo Violência, Segurança e Direitos<br />
Humanos da Guayí 1 e da experiência vivida na Administração Popular <strong>de</strong><br />
Porto Alegre no último mandato, particularmente na gestão da Secretaria<br />
Municipal <strong>de</strong> Direitos Humanos e Segurança Urbana (2003/2004) e no<br />
acompanhamento sistemático do Conselho Municipal e dos Fóruns<br />
Regionais <strong>de</strong> Justiça e Segurança (2004/2007).<br />
O texto se propõe a tratar o tema em seis momentos. O primeiro<br />
aborda a transformação da violência e da criminalida<strong>de</strong> nos dias <strong>de</strong> hoje.<br />
O segundo analisa as políticas <strong>de</strong> segurança implementadas pelos governos<br />
do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> sua concepção e prática e a sua crise atual pela<br />
incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar o problema. O terceiro formula, a partir <strong>de</strong><br />
uma análise mais <strong>de</strong> fundo do crescimento da violência e da criminalida<strong>de</strong>,<br />
* Socióloga - Coor<strong>de</strong>nadora da Guayí<br />
** Oficial Superior da Reserva da Brigada <strong>Militar</strong>/RS - coor<strong>de</strong>nador do Núcleo Violência, Segurança<br />
e Direitos Humanos da Guayí<br />
BRASIL<br />
463
464<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> políticas mais abrangentes <strong>de</strong> prevenção e enfrentamento<br />
da violência, que sejam articuladas e que dêem conta da totalida<strong>de</strong> e da<br />
complexida<strong>de</strong> do problema. No quarto momento recuperamos a<br />
experiência do processo participativo em Porto Alegre do ponto <strong>de</strong> vista<br />
<strong>de</strong> sua importância teórica, política e programática e <strong>de</strong> sua prática social<br />
concreta, seu significado, avanço e limites. No quinto, a partir da recuperação<br />
da realização <strong>de</strong> duas experiências, buscamos verificar em que medida o<br />
processo <strong>de</strong> participação contribuiu com a efetivação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong><br />
prevenção e enfrentamento da violência na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre. Por fim,<br />
no sexto momento, avaliamos os limites, alcance, resistências, obstáculos e<br />
avanços efetivos constatados na realização <strong>de</strong>stas experiências.<br />
2. O CONTEXTO ATUAL DA VIOLÊNCIA<br />
Nos dias <strong>de</strong> hoje, o crime está disseminado, presente na normalida<strong>de</strong><br />
da vida cotidiana <strong>de</strong> qualquer segmento e em qualquer espaço, realizado,<br />
em geral, sem planejamento, a qualquer hora, <strong>de</strong> acordo com a<br />
oportunida<strong>de</strong> que aparece e, cada vez mais, com emprego da violência<br />
física, do uso da arma <strong>de</strong> fogo e freqüente requinte <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong>. O<br />
assassinato, o tráfico <strong>de</strong> drogas, roubo à mão armada e suas variáveis,<br />
como o seqüestro relâmpago, estão no centro da criminalida<strong>de</strong>, cujos<br />
autores e as vítimas são predominantemente jovens. Se há criminosos<br />
profissionais, há também um contingente <strong>de</strong> jovens que, a partir <strong>de</strong> uma<br />
dada circunstância e oportunida<strong>de</strong>, buscando uma perspectiva <strong>de</strong> vida,<br />
resolvem praticar o crime.<br />
Na raiz do problema, como gran<strong>de</strong>s impulsionadores <strong>de</strong>ste<br />
processo, estão os empreendimentos criminosos, organizados em escala<br />
internacional, reproduzindo (ou sustentando) um pequeno número <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s cartéis criminosos dominando todo o processo <strong>de</strong> acumulação<br />
<strong>de</strong> capital ilegal e, para tanto, organizado em nível mundial, operando<br />
localmente, estruturado em macro atacado, atacado e varejo e utilizando,<br />
nas diversas etapas <strong>de</strong> execução (varejo), pequenos grupos locais. A<br />
realização <strong>de</strong>stes negócios se dá numa gran<strong>de</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> varejo que opera<br />
em nossas cida<strong>de</strong>s, muitas vezes se <strong>de</strong>sdobrando e/ou sustentando outras<br />
ativida<strong>de</strong>s ilícitas, mas principalmente disseminando armas e uma cultura<br />
<strong>de</strong> violência que passam a agravar os crimes <strong>de</strong> menor potencial ofensivo<br />
bem como os conflitos pessoais e <strong>de</strong> grupos.
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
Nos países com gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social e pobreza, como o nosso,<br />
essa re<strong>de</strong> encontra solo fértil para estruturação <strong>de</strong> seus negócios a partir<br />
do aliciamento barato <strong>de</strong> seguimentos “<strong>de</strong>scartáveis” da população – uma<br />
espécie <strong>de</strong> exército <strong>de</strong> reserva do crime que tem na a<strong>de</strong>são a este uma<br />
estratégia <strong>de</strong> sobrevivência. A omissão histórica do Estado e a exclusão <strong>de</strong><br />
parcelas crescentes da população, situação histórica e estrutural em países<br />
como o Brasil, que se agrava muito com o mo<strong>de</strong>lo neoliberal, implantado<br />
na década <strong>de</strong> 90 passada, criam as condições para que o crime prospere<br />
como forma <strong>de</strong> sobrevivência, <strong>de</strong> ascensão social (mesmo que para muito<br />
poucos) e como uma alternativa <strong>de</strong> vida (e <strong>de</strong> morte).<br />
Não se trata, portanto, apenas <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> dimensões (e<br />
com conseqüências) materiais, mas também da construção <strong>de</strong> valores e<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, da constituição <strong>de</strong> regras e <strong>de</strong> esferas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> uma<br />
dimensão social mais profunda. No mundo do mercado em que tudo,<br />
inclusive a força do trabalho, se transforma em mercadoria e on<strong>de</strong> às<br />
pessoas são reduzidas à condição <strong>de</strong> consumidoras (e, em algumas<br />
circunstâncias, a objeto do consumo) vale quem tem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
consumir, o que <strong>de</strong>scarta uma parcela consi<strong>de</strong>rável da população. No<br />
entanto, o mundo do mercado e seus meios <strong>de</strong> comunicação transmitem<br />
no cotidiano o apelo <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> que não é real para a gran<strong>de</strong> maioria<br />
e que, permanentemente, <strong>de</strong>sperta <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong> inclusão<br />
que não têm forma <strong>de</strong> se realizar, alimentando a frustração e reproduzindo<br />
a exclusão <strong>de</strong> amplos segmentos, principalmente os jovens, muitos dos<br />
quais, vão a<strong>de</strong>rir às re<strong>de</strong>s do crime como busca <strong>de</strong> uma alternativa não<br />
apenas <strong>de</strong> renda e <strong>de</strong> consumo, mas <strong>de</strong> pertencimento, <strong>de</strong> inclusão e <strong>de</strong><br />
reconhecimento (mesmo pela negativa).<br />
Este quadro se insere na realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apartheid social existente em<br />
nosso país, on<strong>de</strong> os problemas <strong>de</strong> violência, miséria e insegurança são<br />
endêmicos e fazem parte, juntamente com a fragmentação e a<br />
<strong>de</strong>sarticulação social, <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong> dominação e reprodução do<br />
mo<strong>de</strong>lo existente, on<strong>de</strong> também o Estado, ao longo da nossa história,<br />
tem sido violador <strong>de</strong> direitos.<br />
Além disto, o Estado, como <strong>de</strong>tentor do monopólio da violência,<br />
muitas vezes <strong>de</strong>monstra não ter o controle da violência, da corrupção e<br />
da impunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas próprias esferas, não conseguindo, através<br />
<strong>de</strong> suas diversas instituições com competência nesta área, incidir mais<br />
465
466<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
efetivamente no combate e na prevenção à violência junto à socieda<strong>de</strong>, o<br />
que evi<strong>de</strong>ncia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> controle e <strong>de</strong> prevenção<br />
da violência do Estado pela própria socieda<strong>de</strong>.<br />
O que temos visto é que o Estado tem sido incapaz <strong>de</strong> combater o<br />
crime organizado <strong>de</strong> forma mais efetiva. Em algumas situações, torna-se<br />
seu refém ou sócio quando a re<strong>de</strong> do crime se estabelece com relações<br />
com segmentos da elite política e/ou econômica. Em outras, torna-se<br />
impotente e <strong>de</strong>spontencializado para o combate ao crime (mesmo o do<br />
varejo) <strong>de</strong>vido à a<strong>de</strong>são a este <strong>de</strong> segmentos das polícias e/ou outras<br />
instituições, invertendo assim a lógica <strong>de</strong> ação dos agentes públicos. Esta<br />
situação, em seu conjunto, gera uma lógica <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong>, que estimula e<br />
reforça o crime, perpetuando e agravando a incapacida<strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong><br />
combatê-lo, seja no atacado ou no varejo. Também gera uma insegurança<br />
que se agrava no conjunto da socieda<strong>de</strong>, bem como favorece o sentido<br />
<strong>de</strong> falta <strong>de</strong> alternativa para os segmentos que vivem e/ou sobrevivem na<br />
relação com o crime, facilitando a a<strong>de</strong>são a estes, ou gerando um<br />
sentimento <strong>de</strong> conformismo e adaptação ou ainda, no outro extremo,<br />
justificando a “justiça com as próprias mãos”.<br />
Neste contexto, a violência passa a ser uma escolha, não só na<br />
relação com o crime, mas também na vivência do cotidiano, na resolução<br />
das diferenças e dos conflitos que são normais e acontecem em todos os<br />
níveis das relações sociais (trânsito, trabalho, lazer, família, vizinhança).<br />
3. POLÍTICAS DE SEGURANÇA: CONCEPÇÃO TRADICIONAL<br />
A percepção tradicional da segurança pública representa um<br />
obstáculo para obtermos resultados mais satisfatórios em relação ao<br />
problema, limitando a discussão do mesmo às esferas da justiça e da polícia,<br />
passando <strong>de</strong>spercebidas ou <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas as <strong>de</strong>mais dimensões <strong>de</strong>ste<br />
grave problema social.<br />
Historicamente, a escolha da criminalida<strong>de</strong> e da violência tem sido<br />
atribuída, fundamentalmente, à dimensão individual, como <strong>de</strong>svio<br />
comportamental e <strong>de</strong>sajuste social, tendo como solução o condicionamento<br />
do comportamento, através <strong>de</strong> ações repressivas. Se isto era suficiente,<br />
em uma época em que o crime era pontual e uma exceção, na atualida<strong>de</strong>,<br />
com a massificação e banalização da violência e o crescimento significativo
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado da criminalida<strong>de</strong>, esta estratégica é inoperante e incapaz<br />
<strong>de</strong> enfrentar o problema.<br />
Na prática, as conseqüências - condutas criminosas e violentas -<br />
são consi<strong>de</strong>radas como responsáveis pelo problema. Desta maneira, sem<br />
preocupação <strong>de</strong> refletir sobre o motivo que faz com que um número<br />
cada vez maior <strong>de</strong> pessoas pratique <strong>de</strong>litos e agressões aos seus<br />
semelhantes, o único caminho visualizado é o sistema <strong>de</strong> justiça e polícia,<br />
com o fortalecimento da vigilância e da punição.<br />
Essa percepção traz três <strong>de</strong>corrências para a visualização e o<br />
enfrentamento da problemática da violência em sua totalida<strong>de</strong>. A primeira,<br />
é que os organismos da justiça e polícia responsáveis pelo problema, têm<br />
a compreensão <strong>de</strong> que as soluções nessa área são <strong>de</strong> sua responsabilida<strong>de</strong><br />
exclusiva, sendo os cidadãos receptores passivos dos serviços. A segunda,<br />
é que a prevenção somente é concebida a partir do condicionamento do<br />
comportamento pela ação da justiça e da polícia, sem consi<strong>de</strong>rar a relação<br />
com outras políticas públicas. E, a terceira, é que a socieda<strong>de</strong> pouco ou<br />
nada se apropriou do tema, que sempre foi responsabilida<strong>de</strong> das<br />
autorida<strong>de</strong>s especializadas, dificultando qualquer forma <strong>de</strong> participação,<br />
avaliação e cobrança, resultando no afastamento da comunida<strong>de</strong> da<br />
discussão das políticas <strong>de</strong> segurança e da interação com os organismos<br />
responsáveis pela prestação <strong>de</strong> serviço nessa área, pois, com esta<br />
percepção, o assunto <strong>de</strong>ve se restringir aos profissionais <strong>de</strong> polícia e justiça,<br />
sendo meramente uma intervenção técnica.<br />
Neste contexto, qualquer reflexão sobre o sistema <strong>de</strong> justiça e<br />
polícia mostra que o mesmo é uma caricatura daquilo que é <strong>de</strong>scrito na<br />
nossa legislação. Na prática funciona com muita fragilida<strong>de</strong>, com cada<br />
organismo atuando quase que isoladamente, estabelecendo intervenções<br />
fragmentadas e com um baixo nível <strong>de</strong> auxílio mútuo, além <strong>de</strong> distanciado<br />
da realida<strong>de</strong> das comunida<strong>de</strong>s. Entre as evidências da situação, po<strong>de</strong>-se<br />
citar a inexistência <strong>de</strong> uma base <strong>de</strong> dados única, a falta <strong>de</strong> coincidência<br />
entre as áreas <strong>de</strong> atuação dos órgãos, bem como com a divisão<br />
administrativa dos municípios, e a ausência <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação do sistema.<br />
Sua atuação traz evidências da violência, arbitrarieda<strong>de</strong>, corrupção,<br />
amadorismo e <strong>de</strong> uma seletivida<strong>de</strong> dominada pelos estigmas e pelos<br />
preconceitos. Sua baixa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respostas às <strong>de</strong>mandas do cotidiano<br />
que, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, está representada por 1,4 milhões <strong>de</strong> inquéritos<br />
policiais parados nas Delegacias <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>; por 20 mil mandados <strong>de</strong> prisão<br />
467
468<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
a serem cumpridos; pela remessa <strong>de</strong> somente 42% dos inquéritos policiais<br />
abertos em um ano à justiça; pelas 3,6 mil perícias aguardando solução<br />
por mais <strong>de</strong> ano e inviabilizando o processo penal; pela manifestação do<br />
Ministério Público <strong>de</strong> que, por ano, somente consegue <strong>de</strong>nunciar 17%<br />
dos inquéritos analisados, estimulando assim todo um processo <strong>de</strong><br />
impunida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> mostrar com muita clareza a <strong>de</strong>fasagem do sistema.<br />
4. POLÍTICAS DE SEGURANÇA: CONCEPÇÃO ALTERNATIVA<br />
A construção <strong>de</strong> formas alternativas para o tratamento da<br />
problemática da violência e da criminalida<strong>de</strong> passa pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
percebê-la diferentemente do que tem sido a compreensão tradicional,<br />
analisando a mesma no seu conjunto e com todos os elementos que a<br />
compõem. Assim, uma política alternativa <strong>de</strong> segurança precisa ser<br />
composta, no mínimo, por três elementos estruturantes.<br />
O primeiro <strong>de</strong>les é a construção <strong>de</strong> um outro patamar <strong>de</strong><br />
funcionamento do sistema <strong>de</strong> justiça e polícia, qualificado, respeitoso,<br />
a<strong>de</strong>quado, integrado, complementar, e submetido à participação e controle<br />
da comunida<strong>de</strong>, contemplando suas duas dimensões – tanto individual <strong>de</strong><br />
cada ente, quanto coletiva como sistema.<br />
Na dimensão especifica <strong>de</strong> cada ente, por <strong>de</strong>senvolver capacida<strong>de</strong><br />
técnica apurada, gestão qualificada, incorporação <strong>de</strong> tecnologia e boas<br />
condições <strong>de</strong> trabalho, e, além disso, possibilitar, em todas as etapas da<br />
intervenção, reconhecimento das diferenças e das diversida<strong>de</strong>s sociais,<br />
garantindo os direitos individuais e o respeito à dignida<strong>de</strong> das pessoas,<br />
reagindo contra os preconceitos e os estigmas, colocando no centro da<br />
atuação a atenção aos cidadãos (ãs) e que o uso da força e da violência legal,<br />
seja judicioso, necessário, legítimo, não reproduzindo a violência criminosa.<br />
Nesta dimensão, ainda é necessária uma a<strong>de</strong>quação mais rigorosa às finalida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> cada instituição, potencializando sua ação, superando a impotência e a<br />
impunida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>riva da incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta.<br />
Na dimensão coletiva do sistema, <strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar pelo menos<br />
três aspectos. 1) Mesmo no âmbito da intervenção <strong>de</strong> cada ente, o<br />
funcionamento como sistema potencializa a capacida<strong>de</strong> individual <strong>de</strong><br />
resposta a partir do compartilhamento <strong>de</strong> informações, da elaboração <strong>de</strong><br />
diagnósticos conjuntos, da sintonia das ações, atribuindo mais qualida<strong>de</strong><br />
ao processo como um todo. 2) O nosso sistema jurídico-institucional
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
tem um <strong>de</strong>senho on<strong>de</strong> os entes possuem funções complementares que,<br />
mesmo tendo limitações, <strong>de</strong>vem funcionar <strong>de</strong> forma integrada, com alto<br />
grau <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong> entre as ativida<strong>de</strong>s planejadas e os serviços<br />
cotidianos prestados, com áreas geográficas <strong>de</strong> atuação coinci<strong>de</strong>ntes, banco<br />
<strong>de</strong> dados único, inteligência e formação básica unificada, com sincronia<br />
entre as ações e os processos <strong>de</strong>senvolvidos, consi<strong>de</strong>rando todos os níveis<br />
públicos e comunitários. 3) Além da intervenção específica <strong>de</strong> cada ente<br />
<strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar que, para o enfrentamento <strong>de</strong> alguns problemas, são<br />
necessárias intervenções em conjunto, <strong>de</strong>senvolvidas a partir da elaboração<br />
<strong>de</strong> diagnósticos específicos para cada situação (espacial, temporal ou<br />
temática), orientadas em uma metodologia que contemple um<br />
planejamento sustentado no exercício <strong>de</strong> inteligência estratégica, voltado<br />
para o tratamento das incidências recorrentes e executado <strong>de</strong> forma<br />
integrada e complementar.<br />
Os outros dois elementos estruturantes <strong>de</strong> uma política alternativa<br />
<strong>de</strong> segurança <strong>de</strong>correm da constatação <strong>de</strong> que, se a escolha da violência e<br />
da criminalida<strong>de</strong> tem uma dimensão individual, atualmente, pela sua<br />
disseminação e recorrência, torna-se um problema social grave, não<br />
po<strong>de</strong>ndo mais ser tratado com a lógica anterior, apenas no âmbito das<br />
ações <strong>de</strong> polícia e justiça. É necessário o reconhecimento da sua dimensão<br />
social, do contexto em que está inserida, passando a ser compreendida<br />
como um problema bem mais complexo que envolve socialização,<br />
formação <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>, pertencimento, reconhecimento,<br />
oportunida<strong>de</strong>s e inclusão. Neste âmbito a estratégia central é a articulação<br />
<strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> prevenção.<br />
Assim, o segundo elemento estruturante <strong>de</strong>sta política alternativa<br />
<strong>de</strong> segurança - ações e políticas sociais -, <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado em uma<br />
dimensão geográfica e comunitária específica, relacionada a diagnósticos<br />
<strong>de</strong>talhados do espaço a ser consi<strong>de</strong>rado, contemplando um processo<br />
coor<strong>de</strong>nado, focado e sincronizado, caracterizado pela participação <strong>de</strong><br />
todos os segmentos, buscando trabalhar os problemas específicos<br />
i<strong>de</strong>ntificados. Este método <strong>de</strong>ve ter uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir uma<br />
intervenção integrada, permeando a execução das diferentes políticas<br />
sociais com a prevenção e o enfrentamento do problema, possibilitando<br />
resultados concretos no campo da inclusão material e social, da promoção<br />
<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s legítimas, melhorias das condições ambientais e <strong>de</strong> vida.<br />
Além do que, o método <strong>de</strong>ve potencializar os pontos críticos da execução<br />
das políticas públicas universais, como o abandono da infância, a evasão<br />
469
470<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
escolar, a gravi<strong>de</strong>z na adolescência, a drogadição, as medidas sócioeducativas,<br />
a violência doméstica, a progressão da pena e a reincidência.<br />
O terceiro elemento estruturante <strong>de</strong> uma política alternativa <strong>de</strong><br />
segurança consiste na participação social, representada, tanto pelo<br />
envolvimento e organização coletivas para discutir problemas locais e<br />
encaminhar lutas e interesses comuns, romper com o isolamento e ocupar<br />
coletivamente espaços públicos, estimular a coesão e a construção <strong>de</strong> pactos<br />
<strong>de</strong> convivência, <strong>de</strong>finir estratégias <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos e das insatisfações<br />
através <strong>de</strong> meios não-violentos, quanto também, pela participação na<br />
construção <strong>de</strong> diagnósticos, <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s, monitoramento e<br />
avaliação dos projetos da segurança pública e no controle social.<br />
Assim, uma forma alternativa <strong>de</strong> tratar a segurança passa pela<br />
compreensão ampliada da idéia <strong>de</strong> prevenção, on<strong>de</strong> somamos as ações<br />
repressivas da justiça e da polícia, que queremos a<strong>de</strong>quadas e qualificadas,<br />
com as ações preventivas - políticas sociais, urbanas e comunitárias, voltadas<br />
para a harmonia e fortalecimento da coletivida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>safio aqui tem<br />
outra lógica: quais as políticas que uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve adotar para diminuir<br />
o número <strong>de</strong> pessoas a fazerem escolhas pelas condutas criminosas e/ou<br />
violentas. Neste sentido, uma política alternativa <strong>de</strong> segurança precisa<br />
contemplar, no mínimo, estes três elementos estruturantes: ações <strong>de</strong> polícia<br />
e justiça, articulação e integração <strong>de</strong> políticas públicas e as ações <strong>de</strong><br />
envolvimento da comunida<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> uma intervenção focalizada,<br />
integrada, sincrônica e coor<strong>de</strong>nada.<br />
5. PORTO ALEGRE: A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO<br />
DE POLÍTICAS PÚBLICAS.<br />
Em Porto Alegre, no período <strong>de</strong> 1989-2004, durante as gestões da<br />
Administração Popular, se <strong>de</strong>senvolveu um processo <strong>de</strong> participação social,<br />
fruto do acúmulo dos movimentos sociais e comunitários e do<br />
compromisso do governo. Esta experiência foi gestada a partir da discussão<br />
do orçamento público e das priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> investimentos do município,<br />
avançando para a estruturação do Orçamento Participativo, com ciclo<br />
anual e permanente <strong>de</strong> funcionamento, <strong>de</strong> 32 Conselhos Municipais<br />
Setoriais, Conferências Municipais Temáticas e Congressos da Cida<strong>de</strong>.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento e a estruturação <strong>de</strong>ste sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia<br />
participativa significaram efetivamente um processo <strong>de</strong> socialização da
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
política, com a superação das distâncias entre governantes e governados,<br />
com a criação dos espaços <strong>de</strong>mocráticos <strong>de</strong> participação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão,<br />
consolidação <strong>de</strong> uma nova esfera pública não governamental, <strong>de</strong> elaboração<br />
<strong>de</strong> políticas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, <strong>de</strong> fiscalização e controle do orçamento e da<br />
gestão. .Uma experiência <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia que, mais além dos mecanismos<br />
formais herdados do liberalismo, promoveu formas participativas e diretas,<br />
mais amplas, mais profundas e mais autênticas, mais do que uma mera<br />
representação, tendo uma dimensão <strong>de</strong> participação direta e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>liberação, on<strong>de</strong> o sistema político abre mão das suas prerrogativas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisão em favor da afirmação da participação popular. Este processo<br />
teve o mérito <strong>de</strong> romper com a lógica da relação do Estado com a<br />
população no Brasil, via <strong>de</strong> regra, caracterizada pelo afastamento e<br />
autoritarismo, bem como pelo paternalismo, populismo e a<br />
instrumentalização da participação popular.<br />
Por outro lado, esta experiência fomentou a auto-organização social<br />
como elemento fundamental <strong>de</strong> socialização da política, numa participação<br />
ativa e <strong>de</strong>liberação coletiva na construção <strong>de</strong> um novo po<strong>de</strong>r, on<strong>de</strong> os<br />
excluídos passam a ser sujeitos <strong>de</strong> sua própria história. Este processo formou<br />
uma geração <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças comunitárias e sociais nesta nova perspectiva,<br />
capilarizou iniciativas <strong>de</strong> organização e ações comunitárias, integrou<br />
segmentos e regiões, constituindo i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, enraizamento e solidarieda<strong>de</strong>.<br />
Outra dimensão importante <strong>de</strong>sta experiência <strong>de</strong>mocrática é que o<br />
impacto do orçamento participativo na redistribuição dos recursos<br />
públicos a favor dos grupos sociais mais carentes e no estabelecimento<br />
<strong>de</strong> novos critérios <strong>de</strong> justiça na distribuição dos investimentos, bem como<br />
os processos <strong>de</strong> elaboração das políticas públicas nas mais diferentes áreas,<br />
mudaram a face da cida<strong>de</strong>, num movimento criativo <strong>de</strong> superação da lógica<br />
<strong>de</strong> exclusão social e política, na construção <strong>de</strong> direitos, <strong>de</strong> políticas<br />
compensatórias e afirmativas, enfrentando o preconceito e a discriminação,<br />
contemplando a diversida<strong>de</strong>, o respeito às diferenças, a solidarieda<strong>de</strong>, e a<br />
exigência <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> justiça social com pluralismo político e cultural.<br />
Por fim, salientamos como um dos resultados <strong>de</strong>sta experiência, o<br />
acúmulo no sentido da construção <strong>de</strong> uma nova hegemonia política. A<br />
ampliação e o aprofundamento do processo participativo produziram novas<br />
práticas e novas relações que mudaram a vida da cida<strong>de</strong> e dos cidadãos.<br />
Produziram também novos valores e novas sínteses, numa dinâmica que<br />
se renovou e se enriqueceu, afirmando mecanismos políticos que<br />
471
472<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
garantiram a participação, o diálogo, a formação, a partilha, a socialização<br />
da informação e dos investimentos, a apropriação e a construção <strong>de</strong><br />
conhecimento, o controle crescente do po<strong>de</strong>r. Com certeza, um processo<br />
curto do ponto <strong>de</strong> vista histórico, com contradições e limites. Mas uma<br />
experiência corajosa, alternativa e radical, como semente <strong>de</strong> uma nova<br />
socieda<strong>de</strong> baseada na participação, na solidarieda<strong>de</strong> e na justiça social.<br />
Uma <strong>de</strong>mocracia conscientizadora e transformadora <strong>de</strong> si mesma, uma<br />
mostra <strong>de</strong> que um outro mundo é possível.<br />
6. A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E A SEGURANÇA EM PORTO ALEGRE<br />
É na seqüência <strong>de</strong>sta história que, a partir <strong>de</strong> 2001, no início da quarta<br />
gestão da administração popular, o tema da segurança passou a ser<br />
incorporado como uma política a ser <strong>de</strong>senvolvida também como<br />
responsabilida<strong>de</strong> do município, o que resultou em um diagnóstico e<br />
articulações iniciais, bem como algumas ações. Ao final <strong>de</strong> 2002 foi criada a<br />
Secretaria Municipal <strong>de</strong> Direitos Humanos e Segurança Urbana (SMDHSU),<br />
fruto <strong>de</strong> duas Conferências Municipais <strong>de</strong> Direitos Humanos e da experiência<br />
acumulada no município no tratamento do tema da violência.<br />
Dando conseqüência ao processo participativo na apropriação e no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> prevenção da violência, durante o<br />
ano <strong>de</strong> 2003, foi realizado um roteiro <strong>de</strong> seminários e plenárias nas 16<br />
regiões do Orçamento Participativo, culminando com a elaboração do<br />
Plano Municipal <strong>de</strong> Segurança Urbana e a formulação e estruturação <strong>de</strong><br />
um Sistema Municipal <strong>de</strong> Proteção Social, constituído do Conselho<br />
Municipal e sua re<strong>de</strong>, com os 16 Fóruns Regionais e os Conselhos<br />
Comunitários <strong>de</strong> Justiça e Segurança, nas regiões da cida<strong>de</strong>.<br />
Duas ações realizadas a partir do Plano Municipal são objetos <strong>de</strong>ste<br />
texto, pois tratam especificamente do tema da participação social em um<br />
projeto <strong>de</strong> prevenção à violência e segurança – o Conselho Municipal <strong>de</strong><br />
Justiça e Segurança e sua re<strong>de</strong> - e a intervenção localizada junto à<br />
comunida<strong>de</strong> do Loteamento Cavalhada. Cada experiência está relatada<br />
separadamente, sem, contudo, obe<strong>de</strong>cer à or<strong>de</strong>m cronológica.<br />
O Sistema Municipal <strong>de</strong> Proteção Social<br />
O Conselho Municipal, os Fóruns Regionais <strong>de</strong> Justiça e Segurança<br />
e os Conselhos Comunitários foram criados por lei municipal em janeiro
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
<strong>de</strong> 2003 (Lei 487, 14Jan03), como espaços <strong>de</strong> articulação dos órgãos<br />
públicos e comunitários na análise da temática, elaboração <strong>de</strong> diagnósticos,<br />
e na busca das soluções mais a<strong>de</strong>quadas para o enfrentamento e a prevenção<br />
à violência, nos níveis municipal, regional e local, na perspectiva <strong>de</strong> uma<br />
metodologia <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> problemas. Sua estrutura e organização<br />
foram posteriormente <strong>de</strong>finidas a partir <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> discussão<br />
com a comunida<strong>de</strong>. Este <strong>de</strong>bate ocorreu durante o ano <strong>de</strong> 2003 e <strong>de</strong>finiu<br />
a regulamentação da Lei, sendo concluído em março <strong>de</strong> 2004, quando foi<br />
instalado o Conselho Municipal e sua re<strong>de</strong> dos 16 Fóruns Regionais.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista da distribuição geográfica, o Sistema Municipal<br />
<strong>de</strong> Proteção social busca estabelecer uma capilarida<strong>de</strong> em toda a cida<strong>de</strong>,<br />
através do Conselho Municipal <strong>de</strong> Justiça e Segurança e sua re<strong>de</strong> que é<br />
composta por 16 Fóruns Regionais, um em cada região do Orçamento<br />
Participativo e, ainda nestas regiões, a disseminação dos Conselhos<br />
Comunitários <strong>de</strong> Justiça e Segurança.<br />
A finalida<strong>de</strong> básica do Conselho é constituir-se em um espaço que:<br />
a) estimule a articulação dos organismos judiciais, policiais, sociais e<br />
comunitários no <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança pública no<br />
município; b) represente um espaço permanente <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate, fiscalização e<br />
avaliação das questões referentes ao tema; c) garanta a participação<br />
comunitária para encaminhar problemas, solicitações, sugestões, avaliação<br />
<strong>de</strong> projetos públicos e prestação <strong>de</strong> contas; e, d) sirva <strong>de</strong> canal <strong>de</strong><br />
comunicação com os órgãos públicos para <strong>de</strong>mandar serviços e<br />
providências. Sua composição tem um representante comunitário <strong>de</strong><br />
cada Fórum Regional, representantes dos órgãos municipais, dos órgãos<br />
estaduais, da <strong>Polícia</strong> Fe<strong>de</strong>ral, do Ministério Público, <strong>de</strong> organizações nãogovernamentais.<br />
Os Fóruns Regionais consistem em uma extensão<br />
regionalizada do Conselho tendo uma composição semelhante, sendo<br />
integrado por 13 representantes comunitários da região, eleitos em<br />
assembléias, realizadas a cada dois anos, sendo um dos 13 indicados como<br />
representante no Conselho Municipal.<br />
A participação dos organismos públicos do estado, da união e dos<br />
<strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res e das organizações não-governamentais <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> um<br />
processo <strong>de</strong> articulação e negociação organizado pelo governo municipal,<br />
culminando com a assinatura <strong>de</strong> um protocolo formalizando a a<strong>de</strong>são.<br />
Nesta articulação, duas instâncias não aceitaram participar, o Po<strong>de</strong>r<br />
Judiciário, que alegou incompatibilida<strong>de</strong> com a lei da magistratura e a<br />
473
474<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
Defensoria Pública do Estado que, mesmo reconhecendo o mérito e<br />
importância da política, alegou <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> quadros.<br />
Este período inicial <strong>de</strong> construção do Sistema é dividido em duas<br />
fases distintas. A primeira <strong>de</strong>las, durante 2003 e 2004, foi <strong>de</strong> implantação<br />
através <strong>de</strong> intensos movimentos <strong>de</strong> articulação e mobilização, tantos dos<br />
órgãos públicos, como da comunida<strong>de</strong>, na estruturação <strong>de</strong> cada instância,<br />
trazendo como resultado, ao final <strong>de</strong> 2004, o funcionamento ordinário mensal<br />
do Conselho Municipal e <strong>de</strong> seus Fóruns Regionais. Este esforço foi<br />
coor<strong>de</strong>nado e impulsionado pela SMDHSU, conformando aos poucos o<br />
que <strong>de</strong>ve ser o papel do município na segurança urbana, num processo <strong>de</strong><br />
construção coletiva com participação institucional e comunitária,<br />
consi<strong>de</strong>rando pesquisas, diagnósticos, produções teóricas e acadêmicas,<br />
em sintonia com o <strong>de</strong>bate nacional dos municípios sobre esta problemática,<br />
com as iniciativas do governo Lula, e com acompanhamento <strong>de</strong> experiências<br />
internacionais. Portanto, existiu uma <strong>de</strong>liberação, uma intencionalida<strong>de</strong> do<br />
governo da Administração Popular em, ao assumir a problemática da<br />
segurança como responsabilida<strong>de</strong> sua, fazê-lo <strong>de</strong> forma a romper com os<br />
limites da política tradicional, buscando a construção <strong>de</strong> um novo paradigma<br />
que, integrando todos os responsáveis pela questão que exercem suas<br />
atribuições no município, com a participação da comunida<strong>de</strong>, sustentasse<br />
um processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma política alternativa que superasse os<br />
limites e os estrangulamentos atuais das políticas <strong>de</strong> segurança. Para isto,<br />
contávamos com a extraordinária experiência participativa <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
na elaboração <strong>de</strong> políticas públicas e com o acúmulo produzido na área da<br />
segurança pelo governo popular no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong> 1999 a 2002.<br />
A partir <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2005, com uma nova gestão na administração<br />
municipal, eleita no ano anterior, esta política ingressa numa segunda fase.<br />
Mesmo que o novo prefeito (José Fogaça, eleito pelo PPS, atualmente no<br />
PMDB para concorrer à reeleição), em alguns eventos públicos, tenha<br />
manifestado a importância e o ineditismo das linhas <strong>de</strong> intervenção do<br />
Plano Municipal, em especial o Conselho e Fóruns Regionais <strong>de</strong> Justiça e<br />
Segurança, e que seu governo tenha o compromisso <strong>de</strong> manter, pois<br />
consi<strong>de</strong>ra políticas <strong>de</strong> Estado, a prática tem sido muito diferente. Percebese<br />
um claro retrocesso, pela carência <strong>de</strong> uma concepção clara e pela<br />
realização <strong>de</strong> uma execução caricata, bem como pela <strong>de</strong>sestruturação da<br />
Secretaria, enquanto gestora pública responsável pelas políticas <strong>de</strong> direitos<br />
humanos e segurança urbana, consi<strong>de</strong>rando como único elemento da
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
política municipal <strong>de</strong> segurança a Guarda Municipal, representando uma<br />
versão local da polícia.<br />
Em relação ao Conselho Municipal e sua re<strong>de</strong>, existe um total<br />
<strong>de</strong>scaso, tanto do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> enfraquecer o apoio técnico e<br />
administrativo, quanto pela da falta <strong>de</strong> discussão, nestes espaços, dos<br />
projetos e suas priorida<strong>de</strong>s e das prestações <strong>de</strong> contas, além <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar totalmente o Plano Municipal aprovado e as <strong>de</strong>cisões da 1ª<br />
Conferência Municipal <strong>de</strong> Segurança Urbana (realizada pelo Conselho<br />
Municipal em maio <strong>de</strong> 2006). Esta situação foi se agravando com o passar<br />
do tempo neste período <strong>de</strong> 2005/2007, a ponto <strong>de</strong>, no primeiro semestre<br />
<strong>de</strong> 2007, ocorrer um movimento <strong>de</strong> conselheiros comunitários para<br />
garantir o funcionamento do sistema, que elaborou carta-<strong>de</strong>núncia,<br />
provocando sessão pública na Câmara <strong>de</strong> Vereadores e audiências no<br />
Ministério Público Estadual e Fe<strong>de</strong>ral, além do encaminhamento <strong>de</strong><br />
documento ao Ministério da Justiça.<br />
Esta situação permite <strong>de</strong>stacar que, <strong>de</strong>ntre os limites e obstáculos<br />
à instituição e ao funcionamento <strong>de</strong> um sistema como este, três questões<br />
são centrais. A primeira <strong>de</strong>las é que a ação do po<strong>de</strong>r público é fundamental<br />
para a efetivação <strong>de</strong>sta política. Seu comprometimento e sua participação,<br />
tanto na articulação do processo, quanto na construção e validação<br />
permanente <strong>de</strong>stes espaços como fóruns privilegiados para discutir seus<br />
projetos, <strong>de</strong>finir priorida<strong>de</strong>s, fazer as prestações <strong>de</strong> contas <strong>de</strong>vidas,<br />
consi<strong>de</strong>rando-o como um espaço permanente <strong>de</strong> diálogo com a<br />
comunida<strong>de</strong>, são condições necessárias para o <strong>de</strong>senvolvimento das ações<br />
nesta área. Mas em Porto Alegre, neste momento, acontece ao contrário.<br />
O po<strong>de</strong>r público municipal está capitaneando a <strong>de</strong>sconstituição do<br />
processo. A fala do prefeito <strong>de</strong> que “são políticas <strong>de</strong> Estado” não resiste<br />
à lógica hegemônica <strong>de</strong> uma gestão tradicional do Estado e das políticas<br />
tradicionais <strong>de</strong> segurança pública.<br />
A segunda questão central para a afirmação <strong>de</strong>sta proposta é que o<br />
po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong>ve ser fiador, perante à comunida<strong>de</strong>, da nova possibilida<strong>de</strong><br />
representada por esta nova construção, possibilitando assim a superação,<br />
por parte da comunida<strong>de</strong>, dos limites do senso comum que consi<strong>de</strong>ram<br />
o enfrentamento da violência e da criminalida<strong>de</strong> somente a partir da<br />
intervenção da polícia e da justiça, o que inibe a participação e dificulta a<br />
atuação voltada à prevenção e a construção <strong>de</strong> um plano integrando as<br />
<strong>de</strong>mais políticas públicas e ações sociais no processo da prevenção. Se<br />
475
476<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
isto foi um importante elemento impulsionador da primeira fase da<br />
construção do Sistema <strong>de</strong> Proteção Social, agora, a situação é invertida. A<br />
comunida<strong>de</strong> pressiona o po<strong>de</strong>r público municipal para assumir suas<br />
responsabilida<strong>de</strong>s legais frente ao processo, inclusive <strong>de</strong>nunciando-o e<br />
recorrendo à outras esferas institucionais.<br />
Por fim, a terceira questão que se coloca como um elemento<br />
insubstituível para efetivação do Sistema <strong>de</strong> Proteção Social é a necessida<strong>de</strong><br />
da experimentação. Somente a partir do funcionamento concreto <strong>de</strong>sta<br />
engrenagem é que po<strong>de</strong> haver a integração das instituições, a participação<br />
da comunida<strong>de</strong>, a socialização <strong>de</strong> informações, a elaboração coletiva, a<br />
construção <strong>de</strong> acordos, constituindo capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre os<br />
processos, <strong>de</strong> monitorar e avaliar as ações. Apenas o funcionamento efetivo<br />
po<strong>de</strong>rá mostrar contradições e limites a serem superados. Portanto, a<br />
experimentação é um requisito à consolidação do sistema, que só tem<br />
sentido se, com seu funcionamento, conseguir incidir no enfrentamento e<br />
na prevenção à violência vividos em nossa cida<strong>de</strong>.<br />
Hoje, no entanto, temos uma participação dos organismos públicos<br />
<strong>de</strong> muito baixa qualida<strong>de</strong>, pois, além do quadro <strong>de</strong> ausências freqüentes e<br />
significativas, inclusive <strong>de</strong> alguns órgãos municipais que há meses não<br />
comparecem, os que comparecem não se dispõem a privilegiar esta<br />
instância como um espaço <strong>de</strong> construção e controle <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong><br />
segurança, tendo uma participação meramente formal. E, a participação<br />
comunitária, que se esforça para garantir a consolidação do Conselho e<br />
sua re<strong>de</strong>, mas com muitas dificulda<strong>de</strong>s.<br />
Com certeza, a situação que vivemos hoje não possibilita que a generosa<br />
experiência participativa <strong>de</strong> Porto Alegre fecun<strong>de</strong>, com sua energia e seu<br />
potencial criativo, a construção <strong>de</strong> uma esfera pública mais ousada que, a<br />
exemplo do acontecido em muitas outras áreas, possa respon<strong>de</strong>r ao<br />
enfrentamento dos problemas da violência e da segurança, contribuindo para<br />
melhores condições <strong>de</strong> vida na cida<strong>de</strong>, para a garantia <strong>de</strong> direitos, para a<br />
afirmação da <strong>de</strong>mocracia como método <strong>de</strong> construção das políticas e para a<br />
afirmação <strong>de</strong> sujeitos como condição para a <strong>de</strong>mocracia. Mas esta construção<br />
é um processo em aberto, portanto, uma história a ser continuada.<br />
Intervenção localizada no Loteamento Cavalhada<br />
O Plano Municipal <strong>de</strong> Segurança Urbana previa, como uma <strong>de</strong> suas
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
Linhas <strong>de</strong> Intervenção, as intervenções localizadas que consistiam no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong> prevenção e enfrentamento à<br />
violência, com uma metodologia a<strong>de</strong>quada para intervenção em<br />
comunida<strong>de</strong>s em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social e submetidas a<br />
processos <strong>de</strong> violência e criminalida<strong>de</strong>, com o objetivo <strong>de</strong> alterar<br />
significativamente a situação, criando capacida<strong>de</strong> comunitária <strong>de</strong> resistência<br />
e construção <strong>de</strong> alternativas. Para tanto foram escolhidas oito<br />
comunida<strong>de</strong>s, uma <strong>de</strong> cada região <strong>de</strong> planejamento da cida<strong>de</strong>, com os<br />
critérios acima e com histórias emblemáticas que simbolizam a<br />
problemática, sendo o Loteamento Cavalhada uma <strong>de</strong>stas áreas.<br />
O Loteamento Cavalhada é resultado <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong><br />
assentamento <strong>de</strong> famílias oriundas <strong>de</strong> ocupações irregulares, possuiu 584<br />
casas, com aproximadamente três mil pessoas, caracterizando uma<br />
comunida<strong>de</strong> jovem e <strong>de</strong> baixa renda e escolarida<strong>de</strong>. No Loteamento há<br />
uma presença significativa e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r público, pois além das<br />
novas casas, no seu interior existe escola municipal, posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da família,<br />
creche comunitária, módulo <strong>de</strong> esporte, módulo da assistência social,<br />
incubadora <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> renda e uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> triagem <strong>de</strong> lixo reciclável,<br />
operada por uma cooperativa <strong>de</strong> catadores <strong>de</strong> moradores do local.<br />
Em junho <strong>de</strong> 2002, o loteamento apresentava a seguinte<br />
caracterização: 1) Dois grupos criminosos, compostos majoritariamente<br />
por jovens integrantes da comunida<strong>de</strong>, disputavam os espaços, havendo<br />
brigas e tiroteios freqüentes, varejo do tráfico <strong>de</strong> drogas e <strong>de</strong> armas, o<br />
que dividia o loteamento, literalmente, em duas partes distintas; 2) Os<br />
problemas <strong>de</strong> violência entre os dois grupos criminosos estavam colocando<br />
em colapso todos os serviços públicos ali existentes: a escola operava<br />
com 50% <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong>, o módulo do esporte e o da assistência<br />
social foram <strong>de</strong>sativados, o Posto <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da Família ameaçava fechar, a<br />
incubadora foi <strong>de</strong>sativada, a creche apresentava constantes <strong>de</strong>predações<br />
e furtos e a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> triagem apresentava dificulda<strong>de</strong> no seu<br />
funcionamento: 3) A comunida<strong>de</strong> fragmentada e fragilizada, submetida à<br />
lógica imposta pelos grupos criminosos, <strong>de</strong>monstrava muito medo, não<br />
apresentando condições para qualquer reunião ou ação, pelo menos nos<br />
limites do loteamento, ou em ativida<strong>de</strong>s públicas, sendo que igual medo<br />
apresentavam os servidores públicos municipais para realizarem suas<br />
ativida<strong>de</strong>s naquele espaço. A Associação <strong>de</strong> Moradores estava totalmente<br />
<strong>de</strong>sarticulada; 4) Havia conflito do loteamento com o entorno, produzido,<br />
477
478<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
no primeiro momento, pelo preconceito com as condições sociais <strong>de</strong><br />
vulnerabilida<strong>de</strong> da comunida<strong>de</strong> e sua origem, uma vez que a região é<br />
integrada por comunida<strong>de</strong>s bem <strong>de</strong>senvolvidas e com um bom nível<br />
socioeconômico e, num segundo momento, pelo agravamento da violência<br />
que extrapolava os limites do loteamento, como os tiros disparados nas<br />
disputas entre gangues. Além do que, gran<strong>de</strong> parte dos roubos e furtos<br />
da região passava a ser atribuída àqueles moradores, sendo que estas<br />
notícias estavam ocupando pauta da mídia da cida<strong>de</strong>.<br />
Esta caracterização tem uma peculiarida<strong>de</strong> importante a ser<br />
consi<strong>de</strong>rada, pois contraria a afirmação <strong>de</strong> que a violência e o crime se<br />
alastram on<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r público e seus serviços não estão presentes. Neste<br />
loteamento, os serviços públicos e seus equipamentos estavam presentes<br />
em uma proporção consi<strong>de</strong>rável e <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong> e, mesmo assim, a<br />
comunida<strong>de</strong> ficou à mercê <strong>de</strong> uma pequena representação <strong>de</strong> criminosos, a<br />
partir do que, os serviços foram um a um, sendo atingidos. Isto permite<br />
consi<strong>de</strong>rar que é insuficiente somente oferecer as condições e os serviços<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. As execuções <strong>de</strong> políticas públicas precisam dialogar e ter<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r ao contexto no qual estão inseridas - no caso, a<br />
violência. Além disto, <strong>de</strong>vem estar sintonizadas e articuladas com a execução<br />
das políticas <strong>de</strong> segurança na região, bem como estimular o fortalecimento<br />
das relações comunitárias e das organizações da comunida<strong>de</strong>.<br />
Assim o governo municipal, em julho <strong>de</strong> 2002, resolveu promover<br />
uma intervenção para restabelecer condições <strong>de</strong> convivência e comunida<strong>de</strong><br />
no local e restabelecer o oferecimento pleno da prestação do serviço<br />
público. Esta intervenção ocorreu antes da criação da Secretaria Municipal<br />
<strong>de</strong> Direitos Humanos e Segurança Urbana em <strong>de</strong>corrência da situação<br />
peculiar <strong>de</strong> violência que a comunida<strong>de</strong> vivia. Seu acúmulo foi importante<br />
para a criação da secretaria e para a elaboração do Plano Municipal <strong>de</strong><br />
Segurança Urbana. A experiência aqui relatada ocorreu entre agosto <strong>de</strong><br />
2002 e <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2004.<br />
A questão da segurança, em seus primeiros passos no município,<br />
era então responsabilida<strong>de</strong> da Secretaria <strong>de</strong> Governo Municipal, que<br />
coor<strong>de</strong>nou o processo que, portanto, contou com uma certa capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> centralização do governo. Iniciou com a formação <strong>de</strong> uma Gerência<br />
Ampliada específica para articular e realizar as ativida<strong>de</strong>s dos diversos<br />
órgãos do município com interface na comunida<strong>de</strong>. As ações planejadas<br />
contavam quatro eixos: 1º - ações sistêmicas que potencializavam os
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
serviços; 2º - mobilização e envolvimento da comunida<strong>de</strong>; 3º - ações<br />
coletivas <strong>de</strong> oferecimento <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, geração trabalho e renda,<br />
esporte, cultura e lazer; e, 4º - articulação <strong>de</strong> parcerias institucionais. O<br />
plano <strong>de</strong> intervenção do governo municipal foi organizado em três etapas:<br />
ações emergenciais, ações a médio prazo e ações a longo prazo.<br />
Duas medidas efetivaram as ações emergenciais: uma articulação<br />
com as policias, em especial a Brigada <strong>Militar</strong> que realizava o policiamento<br />
ostensivo na região; e, ações do governo municipal, que tinham o objetivo<br />
<strong>de</strong> mobilizar e envolver a comunida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> criar as condições para a<br />
superação do medo nas ações coletivas em vias públicas.<br />
A Brigada <strong>Militar</strong>, a partir da articulação, planejou e executou por<br />
um período <strong>de</strong> dois meses, o policiamento ostensivo com viaturas<br />
permanentes durante 24 horas por dia, o que <strong>de</strong> imediato inibiu o trânsito<br />
em público <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo, além <strong>de</strong> inviabilizar o comércio criminoso<br />
ali instalado e, após, manteve um policiamento direcionado <strong>de</strong> acordo<br />
com as avaliações que iam sendo feitas. Durante este período as ativida<strong>de</strong>s<br />
policiais na região originaram a prisão <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças criminosas dos dois<br />
grupos e <strong>de</strong>sarticulou a organização do comércio ilegal local. A <strong>Polícia</strong><br />
<strong>Civil</strong> não participou do processo, pois o <strong>de</strong>legado responsável pela<br />
<strong>de</strong>legacia regional na época solicitou, como condição, que a prefeitura<br />
fosse parceira para obter, junto ao po<strong>de</strong>r judiciário, mandato <strong>de</strong> busca e<br />
apreensão para as 584 casas do loteamento, o que, evi<strong>de</strong>ntemente, estava<br />
fora <strong>de</strong> questão. Se o <strong>de</strong>legado não conseguia cumprir com sua<br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer investigação, a prefeitura não seria parceira na<br />
violação <strong>de</strong> direitos básicos daqueles cidadãos. A ação da Brigada foi<br />
monitorada e avaliada durante sua execução, pois não queríamos reproduzir<br />
a violência contra a comunida<strong>de</strong>, que muitas vezes acontece quando a<br />
polícia faz este tipo <strong>de</strong> operações. Cabe ressaltar aqui, que a ação da<br />
Brigada <strong>Militar</strong> foi em consonância com os propósitos da intervenção<br />
planejada pela prefeitura, o que nos <strong>de</strong>monstra o potencial que existe<br />
para ações conjuntas, planejadas e executadas em conjunto, com o mesmo<br />
objetivo, on<strong>de</strong> cada um dos órgãos cumpre o seu papel, permitindo um<br />
avanço na qualida<strong>de</strong> do resultado, na afirmação <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong> cidadania<br />
para as comunida<strong>de</strong>s envolvidas.<br />
Paralelamente à ação da Brigada, o governo municipal planejou um<br />
conjunto <strong>de</strong> ações que tinham o objetivo <strong>de</strong> romper com a situação que<br />
estava posta e envolver a comunida<strong>de</strong>, fortalecendo-a enquanto coletivo.<br />
479
480<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
Estas ações contemplaram a oferta <strong>de</strong> serviços públicos em via pública,<br />
na primeira fase, com intensida<strong>de</strong> e concentração, principalmente<br />
ocupando as vias principais do loteamento com a oferta <strong>de</strong> diversos<br />
serviços na área da saú<strong>de</strong>, educação, cultura, esporte, assistência social,<br />
regularizações <strong>de</strong> documentação, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s, como<br />
cultos ecumênicos, campanhas temáticas específicas, abertura da escola<br />
nos finais <strong>de</strong> semana, contato com pessoas na rua e visitas dos agentes<br />
municipais às residências, levantamentos <strong>de</strong> opiniões e atualização do<br />
cadastramento da habitação. Com os jovens foram estimulados diversos<br />
processos temáticos através <strong>de</strong> oficinas semanais, a partir da escola, on<strong>de</strong><br />
foram escolhidos pelos próprios jovens os temas da rádio comunitária,<br />
capoeira, dança, grafite.<br />
O primeiro resultado, alcançado ao final do mês inicial <strong>de</strong>stas medidas,<br />
foi o envolvimento <strong>de</strong> parcela da comunida<strong>de</strong> nas ativida<strong>de</strong>s o que possibilitou<br />
a realização <strong>de</strong> reuniões comunitárias no próprio loteamento, junto à escola,<br />
envolvendo a comunida<strong>de</strong>, a Gerência Ampliada e outras organizações<br />
públicas, como a Brigada <strong>Militar</strong>. Destas reuniões resultou um plano <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s que contemplou a formação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s (Mutirão da<br />
Praça, Mutirão da Limpeza, Clubes <strong>de</strong> Mães e Conselho da Praça) e<br />
comissões (Praça, Jornal, Segurança, Direitos Humanos).<br />
Na seqüência, com reuniões periódicas e sistemáticas, o plano <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong> continuou a ser executado, monitorado e avaliado. Entre as ações<br />
concretizadas estão: a organização da praça, a edição <strong>de</strong> dois jornais sobre<br />
a história do loteamento, oficinas diversas, renovação da direção da<br />
Associação dos Moradores, <strong>de</strong>bate e votação pública para escolha dos<br />
nomes das ruas do loteamento, encaminhamento do projeto com os<br />
nomes <strong>de</strong> ruas para a Câmara <strong>de</strong> Vereadores, mutirão da limpeza, eventos<br />
culturais e temáticos, processo <strong>de</strong> oficinas para a juventu<strong>de</strong>, grupo <strong>de</strong><br />
geração <strong>de</strong> renda das mulheres, a partir do clube <strong>de</strong> mães, pesquisa sobre<br />
os moradores e atualização do cadastro do Departamento Municipal <strong>de</strong><br />
Habitação, exposição <strong>de</strong> produtos produzidos e feiras <strong>de</strong> artesanatos,<br />
ampliação da Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Triagem (gerando 24 novos postos <strong>de</strong> trabalho),<br />
e, por fim, <strong>de</strong>senvolvimento da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> macro drenagem e a<br />
pavimentação das ruas.<br />
Ao final <strong>de</strong>ste período, as avaliações realizadas mostravam uma<br />
melhoria significativa das condições <strong>de</strong> vida do loteamento, o fortalecimento
Helena Bonumá * e Luiz Antônio Brenner Guimarães **<br />
da comunida<strong>de</strong> e a redução das manifestações da violência e da criminalida<strong>de</strong>,<br />
além do que os grupos criminosos estavam <strong>de</strong>sarticulados. Entre os pontos<br />
<strong>de</strong>stacados, estão: a reorganização e o fortalecimento da Associação <strong>de</strong><br />
Moradores, a criação do Clube <strong>de</strong> Mães e um grupo <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> trabalho<br />
e renda participando em uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia solidária; retorno da<br />
normalida<strong>de</strong> dos serviços públicos; a violência na comunida<strong>de</strong> saiu das notícias<br />
da mídia; a comunida<strong>de</strong> passou a ter a auto-gestão da creche comunitária;<br />
redução das ativida<strong>de</strong>s do tráfico e <strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> armas; redução dos<br />
conflitos violentos e das ocorrências policiais; os espaços públicos sendo<br />
ocupados com maior intensida<strong>de</strong> e coletivamente; diminuição da evasão<br />
escolar; diminuição da <strong>de</strong>predação dos prédios públicos e comunitários;<br />
renovação da capacida<strong>de</strong> da escola; confiança maior na circulação nos espaços<br />
públicos; rompimento da divisão física do loteamento estabelecida pelos<br />
grupos em conflito.<br />
Algumas questões importantes, que foram tratadas no processo da<br />
intervenção, ficaram pen<strong>de</strong>ntes, pois, pela sua complexida<strong>de</strong>, requeriam<br />
um tempo mais prolongado <strong>de</strong> atenção, oportunida<strong>de</strong> que não tivemos,<br />
para articulações interinstitucionais e acúmulos que permitissem avanços<br />
mais significativos. Trata-se do cumprimento das medidas sócio-educativas,<br />
do melhor acompanhamento do problema da evasão escolar, da<br />
drogadição dos jovens, da gravi<strong>de</strong>z na adolescência, das ações do Conselho<br />
Tutelar (que se negou a participar do processo), da violência doméstica e<br />
do problema do acompanhamento das progressões <strong>de</strong> medidas penais e<br />
dos egressos do sistema penitenciário. Acreditamos que o investimento<br />
nestas questões num espaço maior <strong>de</strong> tempo teria trazido resultados<br />
significativos ao processo.<br />
Hoje, o governo municipal não mantém a metodologia <strong>de</strong> ação da<br />
forma que havia sido concebida neste processo e, se é verda<strong>de</strong> que muitas<br />
das coisas construídas na intervenção se mantém, como é o caso da<br />
Associação dos Moradores, Grupo <strong>de</strong> Geração <strong>de</strong> Renda, gestão<br />
comunitária da creche, e os índices <strong>de</strong> violência não voltaram àquele<br />
patamar do início da intervenção, a problemática da violência foi retomada<br />
em certa medida e não há forma coletiva e articulada <strong>de</strong> enfrentamento à<br />
ela. Sendo emblemático <strong>de</strong> paradigma na execução das políticas públicas,<br />
a primeira medida do governo municipal atual foi construir um muro em<br />
torno da escola que só aten<strong>de</strong> à própria comunida<strong>de</strong>.<br />
481
482<br />
Uma Política Alternativa <strong>de</strong> Segurança com Participação Social:<br />
a Experiência <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A complexida<strong>de</strong> do contexto contemporâneo da violência e a falência<br />
das políticas públicas tradicionais <strong>de</strong> segurança no seu enfrentamento criam<br />
a necessida<strong>de</strong> da busca <strong>de</strong> políticas alternativas, que contemplem os vários<br />
elementos que compõe este grave problema social. Assim, por um lado,<br />
é preciso dar um outro patamar <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e inteligência às ações <strong>de</strong><br />
polícia e justiça, capaz <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas atuais. E, por outro<br />
lado, é preciso agregar a estas ações a prevenção através das políticas<br />
públicas <strong>de</strong> inclusão e organização social e também das ações <strong>de</strong><br />
participação social.<br />
A participação social em uma política alternativa <strong>de</strong> segurança po<strong>de</strong><br />
ser efetivada através <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> integração entre as esferas institucionais<br />
e governamentais e comunitárias, na afirmação <strong>de</strong> uma nova esfera pública<br />
on<strong>de</strong> realmente ocorra o <strong>de</strong>bate e as <strong>de</strong>liberações relativas aos projetos<br />
nesta área (priorida<strong>de</strong>s, monitoramento, avaliação e prestação <strong>de</strong> contas)<br />
e o controle social das ações governamentais na execução das políticas.<br />
Sem que isto secundarize a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que estes órgãos com<br />
competência na área <strong>de</strong> justiça e polícia tenham sua esfera <strong>de</strong> planejamento<br />
e <strong>de</strong>cisão própria, que precisa ser efetiva a partir da relação com o<br />
processo mais amplo. E, também, através das ações coletivas da própria<br />
comunida<strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong> fortalecer a coesão e organização social em<br />
torno dos seus problemas comuns e <strong>de</strong> suas lutas, na busca <strong>de</strong> pactos <strong>de</strong><br />
convivências mais solidários e justos.<br />
Por fim, cabe <strong>de</strong>stacar que o principal limite à participação social<br />
em uma política <strong>de</strong> segurança é constituído pelo grau <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scomprometimento e falta <strong>de</strong> envolvimento do po<strong>de</strong>r público em<br />
cumprir a sua parcela <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> na estruturação e no<br />
funcionamento <strong>de</strong>stes mecanismos.<br />
Nota<br />
1 Guayí, Democracia, Participação e Solidarieda<strong>de</strong> (www.guayi.org.br)
Relato Policial<br />
CARABINEROS DO CHILE COMO<br />
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA NO CONTEXTO<br />
DO CONFLITO MAPUCHE<br />
Hernando Hevia Hinojosa *<br />
Por Mandato Constitucional, conforme o artigo 90 da Constituição<br />
Política da República, compete aos Carabineiros do Chile, como Força <strong>de</strong><br />
Or<strong>de</strong>m, velar pela or<strong>de</strong>m pública e segurança pública interna, em todo o<br />
território da República.<br />
Por sua vez, o artigo 1° do Regulamento <strong>de</strong> Organização dos<br />
Carabineiros do Chile, assinala que essa é uma instituição policial, profissional,<br />
técnica e <strong>de</strong> caráter militar, cuja finalida<strong>de</strong> básica é a vigilância e a manutenção<br />
da segurança e da or<strong>de</strong>m pública em todo o território da República.<br />
Para o cumprimento <strong>de</strong> seus objetivos, os Carabineiros do Chile exercem<br />
as seguintes funções: preventiva, <strong>de</strong> controle da or<strong>de</strong>m pública, educativa, <strong>de</strong><br />
comodida<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> social e <strong>de</strong> integração nacional.<br />
Face ao exposto, se po<strong>de</strong> concluir que cabe à instituição tudo o<br />
que estiver relacionado com a prevenção e com a or<strong>de</strong>m pública, em<br />
todo o território nacional, com competência, <strong>de</strong>ssa forma, em todo<br />
conflito que altere a paz e a tranqüilida<strong>de</strong> da cidadania.<br />
I. BREVE RESENHA HISTÓRICA E GÊNESE DO CONFLITO<br />
Produzida a <strong>de</strong>nominada “pacificação mapuche”, no ano <strong>de</strong> 1981, o<br />
governo do Chile <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> dar um impulso à zona recém integrada ao<br />
território nacional, para o que entrega terras a chilenos e colonos europeus,<br />
com o intuito <strong>de</strong> que estes últimos, com a necessida<strong>de</strong> que tinham <strong>de</strong> se<br />
estabelecer e a riqueza <strong>de</strong> um terreno fértil, conseguissem integrar e<br />
equiparar a região com o resto do país.<br />
Também entrega terras a comunida<strong>de</strong>s mapuches da área, mediante<br />
um Título <strong>de</strong> Merced, que, em muitos casos, com o passar do tempo, é<br />
* Tenente-Coronel dos Carabineros do Chile.<br />
CHILE<br />
483
484<br />
Carabineros do Chile como garantia da or<strong>de</strong>m<br />
pública no contexto do conflito mapuche<br />
vendido aos colonos, reduzindo-se suas proprieda<strong>de</strong>s e ficando com terrenos<br />
<strong>de</strong> pouco valor, o que os leva à pobreza. Por outro lado, a exploração<br />
indiscriminada da terra por parte dos colonos, a tornou imprópria para a<br />
agricultura, motivo pelo qual foram vendidas a empresas transnacionais,<br />
que semeiam a zona com espécies exóticas (pinus e eucaliptos).<br />
A pobreza e a pouca possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> progredir em terrenos erodidos<br />
e <strong>de</strong> baixo valor que essas comunida<strong>de</strong>s possuíam, já em princípios dos<br />
anos 90, origina o surgimento <strong>de</strong> organizações mapuches que começam<br />
um processo <strong>de</strong> reivindicação territorial, mediante o uso <strong>de</strong> métodos<br />
pacíficos, e <strong>de</strong>pois mais radicais, que terminavam em graves alterações da<br />
or<strong>de</strong>m pública, o que obrigou a intervenção dos Carabineiros do Chile.<br />
II. CONFLITO INDÍGENA EM RELAÇÃO À ORDEM PÚBLICA E AO<br />
SISTEMA JUDICIAL<br />
Dando cumprimento ao mandato constitucional e legal, os<br />
Carabineiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do conflito, tiveram que atuar, em princípio,<br />
em um cenário on<strong>de</strong> as comunida<strong>de</strong>s ingressavam pacificamente em<br />
prédios reivindicados, sobressaindo o diálogo e negociação com a<br />
autorida<strong>de</strong>, com nossa instituição no centro das conversações e muitas<br />
vezes sendo seu elo <strong>de</strong> ligação, propiciando o entendimento.<br />
Devido à <strong>de</strong>mora em chegar às soluções, toda vez que a recémcriada<br />
Corporação <strong>de</strong> Desenvolvimento Indígena (Conadi) dava os primeiros<br />
passos no seu processo <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> terras, as organizações mostravamse<br />
intransigentes, incitando as comunida<strong>de</strong>s a pressionarem <strong>de</strong> forma mais<br />
violenta, originando enfrentamentos com a polícia, mediante o uso <strong>de</strong><br />
voleadoras, pedras, focos <strong>de</strong> incêndio, molotov e tiros <strong>de</strong> escopetas.<br />
Tal quadro levou a uma atuação conjunta com juízes do sistema antigo,<br />
os quais inicialmente não tiveram um papel central, o que mudou com os fiscais<br />
do Ministério Público e a chegada do novo processo penal, que proporcionou<br />
mais respaldo para a atuação dos Carabineiros, conseguindo controlar<br />
juridicamente o conflito, buscando fazer prevalecer o Estado <strong>de</strong> Direito.<br />
Por outro lado, isso levou a uma rea<strong>de</strong>quação sistemática dos<br />
procedimentos em terreno e à implementação a<strong>de</strong>quada dos recursos<br />
humanos e materiais, com nova tecnologia, roupa apropriada, veículos,<br />
helicópteros, etc.
III. CURSOS DE AÇÃO DESENVOLVIDOS PELA INSTITUIÇÃO<br />
PARA CONTROLAR E REDUZIR O CONFLITO<br />
Cumprindo as funções da instituição, foram postos em execução<br />
diferentes e novos cursos <strong>de</strong> ação, que permitissem evitar o conflito,<br />
sem ter <strong>de</strong> chegar ao enfrentamento, tais como:<br />
· interação direta com as comunida<strong>de</strong>s em locais <strong>de</strong> conflito,<br />
on<strong>de</strong> são <strong>de</strong>senvolvidas ações para <strong>de</strong>tectar carências em<br />
áreas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, educação, serviços básicos <strong>de</strong> água e<br />
eletricida<strong>de</strong>, emprego, melhorias <strong>de</strong> estradas e pontes,<br />
buscando ser o intermediário com a autorida<strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>nte que solucionará tais <strong>de</strong>ficiências. A solução<br />
<strong>de</strong>ssas necessida<strong>de</strong>s acalma a situação, tirando uma variável<br />
do conflito;<br />
· <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> operações cívicas nas comunida<strong>de</strong>s<br />
mapuches, com profissionais da instituição, médicos,<br />
<strong>de</strong>ntistas, veterinários, técnicos eletrônicos, etc;<br />
· capacitação do pessoal, por parte <strong>de</strong> diferentes<br />
organizações externas, em temas como “ Técnicas em<br />
resolução <strong>de</strong> conflitos interétnicos”, “direitos humanos e<br />
povos originários” , “gestão intercultural” e “língua<br />
mapuche”;<br />
· gestão junto às empresas florestais, principais oponentes<br />
do povo mapuche no seu processo reivindicativo, para a<br />
implementação <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> emprego <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra<br />
mapuche nas suas diferentes tarefas, com o objetivo <strong>de</strong> ter<br />
um sustento econômico com a remuneração, e, por outro<br />
lado, <strong>de</strong>svinculá-los <strong>de</strong> organizações que os levam por<br />
caminhos violentos para alcançar seus objetivos.<br />
IV CONCLUSÃO<br />
Hernando Hevia Hinojosa<br />
“A experiência adquirida durante os últimos tempos, com as<br />
estratégias implementadas, conhecimento policial, trabalho <strong>de</strong> inteligência<br />
e implementação <strong>de</strong> engenhosos rumos <strong>de</strong> ação para reduzir o conflito,<br />
tem obtido resultados bem-sucedidos, conseguindo manter a situação<br />
sob controle”.<br />
485
486<br />
Relato Policial<br />
O MUNICÍPIO DE RESTINGA SECA E AS<br />
RELAÇÕES DE SUA POPULAÇÃO COM A POLÍCIA<br />
CIVIL EM CONTRAPONTO AOS REGISTROS<br />
POLICIAIS REALIZADOS<br />
Jun Sukekava *<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
No momento em que a sensação <strong>de</strong> insegurança se alastra em todas<br />
as comunida<strong>de</strong>s, principalmente em razão da divulgação sensacionalista<br />
<strong>de</strong> fatos policiais ocorridos nos gran<strong>de</strong>s centros urbanos, a repercussão<br />
<strong>de</strong>ssa sensação ocorre em maior grau nas pequenas comunida<strong>de</strong>s, ainda<br />
mais se ocorre um <strong>de</strong>lito violento que vitima um dos seus componentes.<br />
O fato <strong>de</strong> a vítima ser conhecida, com história, familiares na comunida<strong>de</strong>,<br />
introjeta na população a sensação <strong>de</strong> ser a próxima vítima da violência.<br />
Em municípios pequenos, on<strong>de</strong> é quase sempre <strong>de</strong>ficitário o número<br />
<strong>de</strong> policiais, quando ocorre esse tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, ou mesmo para fazer frente<br />
às <strong>de</strong>mandas das ocorrências policiais corriqueiras, torna-se imprescindível<br />
que a polícia se torne parceira da comunida<strong>de</strong>; com os policiais perfeitamente<br />
integrados com ela, ensinando-a que a segurança pública <strong>de</strong>ve ser<br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos e não apenas dos órgãos policiais.<br />
O caso ora em exame refere-se ao município <strong>de</strong> Restinga Seca,<br />
localizado na região central do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, com uma<br />
área territorial <strong>de</strong> 961,80 km 2 , com uma população <strong>de</strong> 17.492 habitantes,<br />
sendo que <strong>de</strong>stes, cerca <strong>de</strong> 40% da população vive na área rural 1 . Entre<br />
os dois lados mais distantes do município – Jacuí e localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São José<br />
– há uma distância <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 70 quilômetros, o que dificulta os trabalhos<br />
<strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Judiciária, que necessita <strong>de</strong> bastante tempo para fazer as<br />
intimações ou diligências nesses locais.<br />
Para agravar a situação, nos últimos anos, ocorreu o pedido <strong>de</strong><br />
concordata por parte do maior empregador do município – uma fábrica<br />
<strong>de</strong> móveis <strong>de</strong>mitiu cerca <strong>de</strong> 300 empregados; operando, atualmente, com<br />
133 empregados, incluindo aqueles que trabalham no setor administrativo<br />
- gerando um grave problema social na cida<strong>de</strong>, o que sempre traz reflexos<br />
nos trabalhos policiais2 .<br />
* Delegado <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> do Município <strong>de</strong> Restinga Seca.<br />
BRASIL
Jun Sukekava<br />
Nos últimos anos houve um aumento significativo <strong>de</strong> ocorrências<br />
policiais, enquanto o efetivo da <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> no período diminui pela meta<strong>de</strong>,<br />
em razão <strong>de</strong> transferências, aposentadorias e exonerações 3 .<br />
Em 2002, foram registradas 753 ocorrências policiais; em 2003<br />
foram registradas 837; em 2004 foram registradas um 1024; em 2005<br />
foram registradas 970; em 2006 foram registradas 1128 ocorrências<br />
policiais e neste ano, até o mês <strong>de</strong> julho já há 733 ocorrências policiais<br />
registradas. Nesse período, o efetivo da <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> diminuiu pela meta<strong>de</strong>,<br />
uma vez que já trabalhou com um efetivo <strong>de</strong> seis policiais e, atualmente,<br />
conta com três, além da autorida<strong>de</strong> policial.<br />
Embora o número <strong>de</strong> boletins <strong>de</strong> ocorrência não seja parâmetro<br />
para aferir os índices <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> ante a ausência <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong><br />
vitimização, como bem apontou ROLIM (2006, p. 257), nota-se que há<br />
um aumento significativo do registro <strong>de</strong> ocorrências policiais após o<br />
período em que ocorreu <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> trabalhadores<br />
na indústria. E, ainda que não se possa atribuir a isso o aumento da violência<br />
no município ou aumento da confiança da população nos órgãos policiais,<br />
o certo é que isso acarreta aumento <strong>de</strong> trabalho a estes, notadamente à<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong>, que precisa formalizar os boletins <strong>de</strong> ocorrência com fatos<br />
criminosos em inquéritos policiais.<br />
Não se po<strong>de</strong> atribuir nesse caso uma relação <strong>de</strong> causa e efeito, que<br />
certamente <strong>de</strong>mandaria um trabalho <strong>de</strong> pesquisa mais específico, o que<br />
não é o caso do presente trabalho, mas é sintomático afirmar que o<br />
aumento das ocorrências policiais <strong>de</strong>u-se em <strong>de</strong>litos contra o patrimônio.<br />
Segundo CANO e SOARES, citados por CERQUEIRA (2003), “se<br />
po<strong>de</strong>ria distinguir as diversas abordagens sobre as causas do crime em cinco<br />
grupos: a) teorias que tentam explicar o crime em termos <strong>de</strong> patologia<br />
individual; b) teorias centradas no homo economicus, isto é, no crime como<br />
ativida<strong>de</strong> racional <strong>de</strong> maximização do lucro; c) teorias que consi<strong>de</strong>ram o crime<br />
como subproduto <strong>de</strong> um sistema social perverso ou <strong>de</strong>ficiente; d) teorias<br />
que enten<strong>de</strong>m o crime como conseqüência da perda <strong>de</strong> controle e da<br />
<strong>de</strong>sorganização social na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna e e) correntes que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />
explicações do crime em função <strong>de</strong> fatores situacionais ou <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s.”<br />
Ora, certamente que o <strong>de</strong>semprego em massa causado<br />
abruptamente gera ao longo do tempo ao menos algumas das condições<br />
que favorecem a existência do crime, consi<strong>de</strong>rando que há uma perda do<br />
487
488<br />
O Município <strong>de</strong> Restinga Seca e as Relações <strong>de</strong> sua População com a<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> em Contraponto aos Registros <strong>Policiais</strong> Realizados<br />
po<strong>de</strong>r aquisitivo da família (homo economicus) e, conseqüentemente, há<br />
maior <strong>de</strong>sagregação familiar (<strong>de</strong>sorganização social na socieda<strong>de</strong> mor<strong>de</strong>rna)<br />
e, além disso, a ociosida<strong>de</strong> leva à oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cometimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
(fatores situacionais ou <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s).<br />
Para PEZIN (1986) há uma correlação positiva entre urbanização,<br />
pobreza e <strong>de</strong>semprego em relação a crimes contra o patrimônio.<br />
Mesmo com todos esses problemas, a população tem tido com a<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> uma relação <strong>de</strong> compreensão e apoio, o que se po<strong>de</strong> traduzir da<br />
votação do último Orçamento Participativo ocorrido em 2006, em que foram<br />
votadas diversas propostas e a compra <strong>de</strong> equipamentos para investigação<br />
(filmadoras, pistolas, gravadores) obteve a segunda maior votação, ficando<br />
atrás apenas da compra <strong>de</strong> equipamentos para o Corpo <strong>de</strong> Bombeiros 4 .<br />
Acreditamos que essa compreensão se <strong>de</strong>va ao comportamento<br />
adotado pela <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> participar à população as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> falta<br />
<strong>de</strong> pessoal e, muitas vezes, até <strong>de</strong> material, como ocorre em muitos lugares<br />
do país, sempre prestando conta dos trabalhos <strong>de</strong>senvolvidos e inserção<br />
dos policiais em várias instâncias da comunida<strong>de</strong>, sempre ressaltando o<br />
papel que cabe a elas <strong>de</strong> auxílio e prevenção da segurança pública.<br />
Não apenas isso, mas no dia-a-dia, o trabalho da <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> é<br />
beneficiado <strong>de</strong>ssa relação <strong>de</strong> confiança, já que o Serviço <strong>de</strong> Investigação<br />
recebe inúmeras <strong>de</strong>núncias anônimas que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>vidamente<br />
averiguadas, têm sido <strong>de</strong> extrema importância na resolução <strong>de</strong> crimes<br />
sem autoria. Também as intimações dos moradores <strong>de</strong> locais distantes<br />
são feitos através <strong>de</strong> convocação pelo rádio e somente em alguns casos<br />
especialíssimos estes não comparecem para prestar as suas <strong>de</strong>clarações.<br />
Não preten<strong>de</strong> esse trabalho <strong>de</strong>monstrar que os trabalhos <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong><br />
Judiciária no município resolveram o problema da criminalida<strong>de</strong> ou mesmo<br />
apresentaram elevadas taxas <strong>de</strong> elucidação dos crimes sem autoria <strong>de</strong>finida,<br />
aliás, <strong>de</strong>ve ser igual ou muito parecido com as taxas <strong>de</strong> elucidação dos<br />
locais com o mesmo perfil. Todavia, o fato <strong>de</strong> colocar a comunida<strong>de</strong> como<br />
parceira da polícia faz com que essa taxa <strong>de</strong> atrito não seja mais um fator<br />
para aumentar a <strong>de</strong>sconfiança da população em relação a ela e que encare<br />
a resolução do problema como seu também, daí porque os apelos dos<br />
policiais têm encontrado eco junto à população.
Jun Sukekava<br />
2. O RELACIONAMENTO ENTRE A POLÍCIA CIVIL E AS DEMAIS<br />
INSTITUIÇÕES<br />
Essa relação <strong>de</strong> confiança foi construída com a população através<br />
do relacionamento harmonioso com as outras instituições, principalmente<br />
com o Po<strong>de</strong>r Judiciário, Ministério Público e Brigada <strong>Militar</strong>, em que há<br />
auxílio mútuo entre os seus integrantes e apesar das in<strong>de</strong>pendências<br />
institucionais <strong>de</strong> cada um, as tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões mais sérias, como, por<br />
exemplo, pedidos <strong>de</strong> prisão preventiva, internação <strong>de</strong> adolescentes e outras<br />
medidas cautelares são sempre feitas através <strong>de</strong> prévia conversação.<br />
Evita-se, <strong>de</strong>sse modo, que os organismos encarregados da repressão<br />
à criminalida<strong>de</strong> passem para a população que há uma “disputa <strong>de</strong> beleza”,<br />
on<strong>de</strong> se torna muito comum a afirmação <strong>de</strong> que “polícia pren<strong>de</strong> e o Judiciário<br />
solta”, ou ainda que a autorida<strong>de</strong> policial ou o representante do Ministério<br />
Público convoque uma entrevista coletiva para informar que vai pedir a<br />
prisão preventiva do suspeito e o juiz – e toda a população, inclusive o<br />
suspeito – toma conhecimento <strong>de</strong>sse fato pela mídia.<br />
O relacionamento com a Brigada <strong>Militar</strong> também é bastante<br />
harmonioso, on<strong>de</strong> as duas corporações se auxiliam sempre e o número<br />
reduzido <strong>de</strong> policiais civis é compreendido pelos componentes daquela<br />
corporação, principalmente, no período noturno e em finais <strong>de</strong> semana,<br />
quando os agentes permanecem em casa, em escala <strong>de</strong> sobreaviso, o que<br />
faz com que os casos <strong>de</strong> prisão em flagrante <strong>de</strong>morem algum tempo para<br />
serem atendidos e é sempre motivo <strong>de</strong> tensão entre as corporações,<br />
principalmente nas cida<strong>de</strong>s do interior do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />
Também há a participação dos policiais em associações, conselhos<br />
comunitários, clubes e sempre que possível é programada palestras em<br />
clubes, escolas ou outros locais <strong>de</strong> reuniões sobre temas atuais relacionados<br />
à segurança pública – violência doméstica, atos infracionais dos adolescentes<br />
-, em que é sempre ressaltada a eficácia do controle social sobre a<br />
prevenção da criminalida<strong>de</strong>, tendo como paradigma duas pequenas<br />
comunida<strong>de</strong>s quilombolas on<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> serem comunida<strong>de</strong>s carentes<br />
é raríssima a intervenção policial naqueles locais e, quando acontece,<br />
geralmente, <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> menor potencial ofensivo, o caso é resolvido antes<br />
mesmo do envio do termo circunstanciado ao Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
De modo não voluntário, as práticas da <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> no município vêm<br />
ao encontro às teses da <strong>Polícia</strong> Comunitária, qual seja, a relação <strong>de</strong> confiança<br />
489
490<br />
O Município <strong>de</strong> Restinga Seca e as Relações <strong>de</strong> sua População com a<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> em Contraponto aos Registros <strong>Policiais</strong> Realizados<br />
entre esta e os cidadãos, como <strong>de</strong>staca ROLIM (2006), citando um dos<br />
principais documentos norte-americanos sobre policiamento comunitário:<br />
“A confiança é o valor que sublinha e vincula os componentes<br />
das parcerias comunitárias para a resolução <strong>de</strong> problemas. A<br />
fundação da confiança irá permitir que a polícia estruture um<br />
forte relacionamento com a comunida<strong>de</strong>, o que irá produzir<br />
conquistas sólidas. Sem a confiança entre a polícia e a cidadania,<br />
um policiamento efetivo é impossível.” 5<br />
3. CONCLUSÃO<br />
O momento atual, no qual a sensação <strong>de</strong> insegurança atinge a todos<br />
torna imperioso que a questão <strong>de</strong> segurança pública não fique restrita<br />
apenas às instituições encarregadas da repressão (polícias, ministério<br />
público, po<strong>de</strong>r judiciário e sistema penitenciário), ou seja, não seja tratada<br />
apenas pelo viés repressor. É preciso, como afirma GUIMARÃES (2003)<br />
que seja ensinado para a socieda<strong>de</strong> enxergar o conjunto das causas que<br />
geram a violência e, com isso, estabelecer a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar as<br />
melhores soluções, evitando-se a concentração em partes isoladas do<br />
sistema e que é geradora <strong>de</strong> incompreensão e solução ina<strong>de</strong>quada.<br />
Quando a atuação da polícia visa a <strong>de</strong>monstrar aos cidadãos a<br />
importância <strong>de</strong>les na prevenção da criminalida<strong>de</strong>, com o fortalecimento<br />
das medidas <strong>de</strong> controle social (escola, família, igreja, comunida<strong>de</strong>) ou<br />
mesmo na resolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos com informações, tal parceria é<br />
extremamente proveitosa em favor <strong>de</strong> todos, uma vez que firma uma<br />
relação antes e <strong>de</strong>pois do evento criminoso.<br />
Embora não haja pesquisa nesse sentido, a partir do momento <strong>de</strong><br />
implementação <strong>de</strong>ssas práticas, a imagem dos policiais perante a<br />
comunida<strong>de</strong> não sofreu mudança <strong>de</strong> opinião 6 e, pelo contrário, a maioria<br />
dos casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos graves (homicídios, latrocínios, estupros, roubos)<br />
sem autoria foram solucionados e os autores presos, sendo quase a<br />
totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les através <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias anônimas feitas pelos cidadãos, o<br />
que, <strong>de</strong> certa forma, torna-os co-responsáveis por estes atos.<br />
É difícil modificar o senso comum da população <strong>de</strong> que é preciso<br />
buscar alternativas para o combate à violência e criminalida<strong>de</strong> e que apenas<br />
a repressão, ainda mais com o bombar<strong>de</strong>io midiático quase que diário <strong>de</strong><br />
uma imprensa sensacionalista que prega somente essa alternativa, mas
Jun Sukekava<br />
quando há cooperação dos policiais com a comunida<strong>de</strong> e vice-versa tal<br />
situação acaba sendo contornada.<br />
É preciso, contudo, que a falta <strong>de</strong> elementos humanos não seja<br />
obstáculo para que também esse trabalho <strong>de</strong> repressão, quando necessário,<br />
não seja feito. O problema <strong>de</strong> conscientização da população só será frutífero<br />
quando não houver passionalida<strong>de</strong> com relação ao tema.<br />
O trabalho nesse sentido será longo e haverá algumas idas e vindas e<br />
somente se dará com a participação dos policiais agindo como propagadores<br />
<strong>de</strong>ssa idéia através <strong>de</strong> palestras, entrevistas e inserção na socieda<strong>de</strong> e, em<br />
locais on<strong>de</strong> há pouco efetivo <strong>de</strong>sses profissionais, tendo a população como<br />
parceira, até servindo como informante. Não é o i<strong>de</strong>al, mas é o primeiro passo.<br />
Notas<br />
1 Conforme dados estatísticos contidos em www.fee.tche.br<br />
2 A indústria em questão pediu concordata e reduziu drasticamente a sua produção, com<br />
<strong>de</strong>missão <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 2/3 dos seus empregados, tendo tal fato ocorrido no ano <strong>de</strong> 2004.<br />
3 Dados extraídos dos arquivos da DP <strong>de</strong> Restinga Seca<br />
4 No ano <strong>de</strong> 2006 a proposta para obtenção <strong>de</strong> equipamentos para a <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong> obteve o<br />
segundo lugar e, neste ano, em votação realizada no dia 22/08/2007, embora sem campanha<br />
com pedido <strong>de</strong> apoio ou mesmo esclarecimento por parte dos policiais e com pouca divulgação<br />
por parte dos organizadores a compra <strong>de</strong> equipamentos para a Policia <strong>Civil</strong> ficou em quarto<br />
lugar, atrás <strong>de</strong> propostas regionais na área <strong>de</strong> educação, saú<strong>de</strong> e esportes<br />
5 Bureau of Justice Assistance, “Un<strong>de</strong>rstanding Community Policing: A Framework for Action”.<br />
Monografia, Community Policing Consortium, EUA, agosto <strong>de</strong> 1994.<br />
6 ROLIM (2006, 100) cita pesquisa realizada em 2000, pelo Ilanud, em São Paulo, em que,<br />
embora a população consi<strong>de</strong>rasse a experiência dos policiais comunitários como mais educados,<br />
mais prestativos, menos violentos, menos corruptos, também eram menos eficientes.<br />
Referências Bibliográficas<br />
1. CANO, I.SOARES, G. D., As Teorias sobre a causa da criminalida<strong>de</strong>, Rio <strong>de</strong> Janeiro: IPEA, 2002,<br />
mimeo.<br />
2. GUIMARÃES, Luiz A. Brenner, Prefeitura <strong>de</strong> Porto Alegre e a Segurança Urbana: uma<br />
forma alternativa e cidadã <strong>de</strong> construir soluções para a segurança, Porto Alegre, Prefeitura<br />
Municipal, 2003, p. 69.<br />
3. PEZIN, L. Criminalida<strong>de</strong> Urbana e Crise Econômica, São Paulo: IPE/USP, 1986.<br />
ROLIM, Marcos, A síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança pública no<br />
Século XXI/Marcos Rolim, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar Ed., Oxford, Inglaterra: Uiversity of Oxford,<br />
Centre for Brazilian Studies, 2006.<br />
3.www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/resumo/pop impressao<br />
mun.php?malha=nao&nomemunicipio=...23/08/2007<br />
Dados <strong>de</strong> arquivos <strong>de</strong> mapas estatísticos mensais da DP <strong>de</strong> Restinga Seca – RS referentes ao número<br />
<strong>de</strong> ocorrências mensais registradas na DP e as chanceladas registradas na Brigada <strong>Militar</strong>.<br />
491
492<br />
Relato Policial<br />
ESTRATÉGIAS DE APROXIMAÇÃO À COMUNIDADE NO<br />
DISTRITO DE VILLA EL SALVADOR, PERU<br />
Lucas Nuñez Córdova *<br />
O distrito <strong>de</strong> Villa El Salvador (VES), cuja população se aproxima<br />
aos 400 mil habitantes, é um dos distritos com maior reconhecimento,<br />
não só no Peru, mas também no contexto internacional, ao ter sido laureado<br />
com as premiações “Príncipe <strong>de</strong> Astúrias” e “Mensageiro da Paz”, ambas<br />
em 1987. Em ambas as ocasiões pelo fato do mesmo ser um povo<br />
empreen<strong>de</strong>dor e solidário, que tem primado pelo compromisso e pela<br />
organização da vizinhança. No entanto, na década <strong>de</strong> 80 e a meados da<br />
década <strong>de</strong> 90, esta organização da vizinhança foi diminuída e atemorizada<br />
pelo execrável terrorismo que atingiu o país por quase 15 anos. É assim<br />
que o distrito foi cenário dos mais execráveis atentados terroristas tais<br />
como, por exemplo, o atentado contra a Comisaría 1 do distrito, que<br />
produziu a morte <strong>de</strong> policiais e civis e a <strong>de</strong>struição do local policial, e o<br />
assassinato da reconhecida lí<strong>de</strong>r da vizinhança, Maria Elena Moyano. Esta<br />
situação facilitou o incremento da violência urbana gerada pela criminalida<strong>de</strong><br />
comum e as gangues, bem como pelo consumo ilegal <strong>de</strong> drogas.<br />
Nos anos 1999, 2000 e até março <strong>de</strong> 2001, trabalhei como<br />
Comisario <strong>de</strong> VES e, após interagir com a população e diversas autorida<strong>de</strong>s,<br />
pu<strong>de</strong> realizar um diagnóstico sobre os fatores que incidiam na problemática<br />
da insegurança no distrito, particularmente no tema da violência urbana, e<br />
da estratégia que usamos para combater esse dramático problema.<br />
FATORES QUE INCIDIAM NA PROBLEMÁTICA DA INSEGURANÇA<br />
CIDADÃ NO DISTRITO DE VES<br />
· As diferenças entre o partido do governo e o governo local<br />
representado por um outro partido político, longe <strong>de</strong><br />
harmonizar e articular esforços para enfrentar a criminalida<strong>de</strong>,<br />
embaçavam ou diminuíam o pouco trabalho que era feito.<br />
· As diferentes autorida<strong>de</strong>s do distrito, como são a<br />
prefeitura, o governo da <strong>Polícia</strong> Nacional e os outros<br />
representantes das instituições do Estado, agiam <strong>de</strong> maneira<br />
* Comandante na Policia Nacional do Peru - PNP, Mestre em Administração e Ciências <strong>Policiais</strong>.<br />
Atua na Direção Contra o Terrorismo - DIRCOTE.<br />
PERU
Lucas Nuñez Córdova<br />
isolada sem uma concepção clara sobre como enfrentar a<br />
criminalida<strong>de</strong> e sobre como melhorar os níveis <strong>de</strong> segurança.<br />
· A autorida<strong>de</strong> municipal, particularmente o prefeito e seus<br />
vereadores (do mesmo partido político) não apoiavam o<br />
trabalho na área <strong>de</strong> segurança cidadã que <strong>de</strong>senvolvia a<br />
Comisaría. Por outro lado era absoluto o compromisso das<br />
organizações sociais para coadjuvar com o trabalho nesse<br />
sentido; como é o caso da Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Mulheres <strong>de</strong> Villa<br />
El Salvador, o Clube <strong>de</strong> Mães e do Vaso <strong>de</strong> Leche.<br />
· Não existia nenhuma pesquisa <strong>de</strong> vitimização no distrito que<br />
nos permitisse medir os diferentes tipos criminais ocorridos<br />
no distrito; bem como a subnotificação (cifra oculta).<br />
· Não existia um registro dos fatos criminosos e menos<br />
ainda uma análise estatística sobre a criminalida<strong>de</strong> no<br />
distrito, nem existia um mapa cronológico e geográfico<br />
das ocorrências criminais.<br />
· As li<strong>de</strong>ranças da vizinhança representantes da população<br />
não tinham nenhuma participação nem protagonismo nas<br />
tarefas <strong>de</strong> segurança cidadã e ainda menos tinham sido<br />
chamadas para enfrentar o problema da violência urbana.<br />
Entendia-se que o problema da criminalida<strong>de</strong> era uma função<br />
e responsabilida<strong>de</strong> policial; quer dizer, existia um DIVÓRCIO<br />
ENTRE A AUTORIDADE E O CIDADÃO. Este<br />
distanciamento foi mais manifesto durante os anos <strong>de</strong> violência<br />
terrorista, que afastou ainda mais a polícia <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>.<br />
· As autorida<strong>de</strong>s do distrito estavam contaminadas por<br />
disputas políticas e <strong>de</strong>senvolviam suas funções <strong>de</strong> acordo<br />
com as instruções <strong>de</strong> instâncias superiores, o que<br />
obstaculizava o <strong>de</strong>senvolvimento sério e técnico <strong>de</strong> cada<br />
organismo ao mesmo tempo que impossibilitava o trabalho<br />
conjunto e a consecução <strong>de</strong> objetivos claros.<br />
· Não existia iniciativa e, ainda por cima, havia um<br />
<strong>de</strong>sinteresse das autorida<strong>de</strong>s locais em enfrentar esta<br />
problemática. Estes se concentravam em outras tarefas,<br />
que, embora fossem importantes para a comunida<strong>de</strong>, não<br />
o eram mais do que o tema <strong>de</strong> segurança cidadã.<br />
493
494<br />
Estratégias <strong>de</strong> aproximação à Comunida<strong>de</strong> no<br />
Distrito <strong>de</strong> Villa El Salvador, Peru<br />
· Falta <strong>de</strong> uma legislação imperiosa acor<strong>de</strong> e coerente para<br />
articular os esforços do Estado, na qual se estabelecesse<br />
como requisito sine qua non a participação da socieda<strong>de</strong><br />
organizada.<br />
· Quanto à problemática da Comisaría, havia carência <strong>de</strong><br />
efetivos policiais, unida<strong>de</strong>s móveis, equipamentos <strong>de</strong><br />
comunicação e outros meios que garantissem uma a<strong>de</strong>quada<br />
logística para melhorar o rendimento policial, bem como<br />
um local a<strong>de</strong>quado para abrigar dignamente os membros<br />
policiais.<br />
· Em outras palavras, não existia o menor indicador <strong>de</strong> se<br />
trabalhar no âmbito <strong>de</strong> uma política pública para enfrentar<br />
o fenômeno da violência urbana e diminuir gradativamente<br />
os índices <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>.<br />
ATIVIDADES REALIZADAS PELA A COMISARÍA DE VES NO<br />
PERÍODO 1999- 2001.<br />
· Em primeiro lugar, se orientou e trabalhou arduamente<br />
para traçar pontes <strong>de</strong> aproximação com a população,<br />
contando para este projeto com o valioso apoio <strong>de</strong><br />
li<strong>de</strong>ranças da vizinhança como: Efraín Sanchez Saldaña<br />
(atualmente Tenente Alcal<strong>de</strong> do distrito), Quintiliano Olivas<br />
Ponce (atualmente Regidor do distrito), os quais junto com<br />
suas polícias, se juntaram ao trabalho <strong>de</strong> integrar a população<br />
com sua autorida<strong>de</strong> policial.<br />
· O Comisário e o pessoal policial participaram das diferentes<br />
reuniões covocadas pelos cidadãos, nas quais era analisado o<br />
problema da insegurança cidadã <strong>de</strong> seus respectivos bairros.<br />
· Foram compostos e juramentados 1.200 conselhos <strong>de</strong><br />
cidadãos, nos sete setores que abrangem o distrito. Foram<br />
entregues a seus integrantes suas respectivas cre<strong>de</strong>nciais por<br />
parte da Comisaría, as quais contavam com coor<strong>de</strong>nadores<br />
e com um coor<strong>de</strong>nador distrital. Nesse período, foi eleito<br />
Efraín Sánchez, atualmente autorida<strong>de</strong> municipal.<br />
· Outra das estratégias <strong>de</strong>senvolvidas para aproximar a<br />
polícia da sua população foi potencializar o esporte no
Lucas Nuñez Córdova<br />
distrito, instituindo-se no dia 29 <strong>de</strong> agosto, o “Dia da<br />
Bicicleta em Villa el Salvador”, cujo objetivo era criar uma<br />
jornada <strong>de</strong> reaproximação entre país e filhos, irmãos, amigos<br />
e a família <strong>de</strong> VES em geral. Alcançou-se uma maior interação<br />
e aproximação com a população. Em ambos os anos, houve<br />
uma participação <strong>de</strong> 2.000 ciclistas; para esse propósito<br />
contou com a colaboração <strong>de</strong> diferentes meios <strong>de</strong><br />
comunicação local, obtendo um gran<strong>de</strong> impacto na<br />
população. A <strong>Polícia</strong> Nacional envolveu a suas diferentes<br />
unida<strong>de</strong>s especializadas como são as Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Emergência, <strong>de</strong> Trânsito, Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cães, a Banda <strong>de</strong><br />
Músicos.<br />
· Na frente da Comisaría se instalou um palanque, com a<br />
presença do Comando Policial, os micro-empresários <strong>de</strong><br />
Villa El Salvador e os coor<strong>de</strong>nadores setoriais do distrito, a<br />
fim <strong>de</strong> realizar o sorteio <strong>de</strong> brin<strong>de</strong>s entre os participantes,<br />
sendo premiados os participantes <strong>de</strong> menor e maior ida<strong>de</strong><br />
e simbolicamente os microempresários que apostaram<br />
nessa ativida<strong>de</strong> doando uma série <strong>de</strong> presentes os mesmos<br />
que foram entregues aos que ganharam o sorteio. Deve<br />
ser apontado que, na atualida<strong>de</strong>, a ativida<strong>de</strong> esportiva,<br />
particularmente o Dia da Bicicleta que foi instituído no<br />
distrito no dia 29 <strong>de</strong> agosto, não está sendo realizada.<br />
· Durante a gestão também foi gerada e integrada a<br />
participação do Instituto Peruano do Esporte, com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um torneio <strong>de</strong> futebol no distrito,<br />
durante os meses <strong>de</strong> janeiro e fevereiro (aproveitando as<br />
férias escolares e os meses do verão). Para tanto, foi<br />
conseguido o apoio policial requerido e, para tal, foi<br />
contratada a organização <strong>de</strong> vizinhos existente.<br />
· Foram chamados os microempresários do distrito para<br />
que assumissem um papel mais dominante no tema da<br />
segurança cidadã. Com o apoio do setor privado, foram<br />
adquiridos oito equipamentos <strong>de</strong> alarmes e sirenes, cuja<br />
ativação diante <strong>de</strong> um iminente ou eventual perigo, po<strong>de</strong><br />
ser feito com controle remoto e a uma distância <strong>de</strong> 140<br />
metros. Estes equipamentos, na sua maioria, estão<br />
localizados em parques ou quadras esportivas dos bairros<br />
495
496<br />
Estratégias <strong>de</strong> aproximação à Comunida<strong>de</strong> no<br />
Distrito <strong>de</strong> Villa El Salvador, Peru<br />
que apresentavam maior incidência criminosa. Por sua vez,<br />
a população foi organizada e capacitada para organizar<br />
“rondas mistas”, compostas por cidadãos e policiais. Esta<br />
aliança permitiu lutar frontalmente contra a criminalida<strong>de</strong>,<br />
o que levou a que nos anos <strong>de</strong> 1999 e 2000 a Comisaría<br />
Villa El Salvador fosse escolhida como a mais operacional<br />
<strong>de</strong> Lima e Callao, conseguindo diminuir os níveis <strong>de</strong><br />
insegurança e melhorar a aceitação cidadã.<br />
· Este trabalho permitiu que no ano 2002, a Comisaría <strong>de</strong><br />
Villa El Salvador fosse premiada como a melhor Comisaría<br />
do Peru, <strong>de</strong> forma tal que os integrantes em seu conjunto<br />
fossem premiados pelo Ministério do Interior e o alto<br />
Comando Policial com uma gratificação econômica <strong>de</strong> 100<br />
mil dólares.<br />
· A experiência em Villa El Salvador foi um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
aproximação cidadã para <strong>de</strong>finir políticas institucionais <strong>de</strong><br />
<strong>Polícia</strong> Comunitária e <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> cidadãos. Nesse<br />
sentido, foi potencializado o trabalho <strong>de</strong> composição e<br />
capacitação das Juntas <strong>de</strong> Vizinhos nas diversas Comisarías<br />
<strong>de</strong> Lima e Callao.<br />
CONCLUSÃO DA EXPERIÊNCIA NA VILLA EL SALVADOR<br />
A organização <strong>de</strong> vizinhos existente no distrito <strong>de</strong> Villa El Salvador,<br />
que tem sido reconhecida como uma das organizações sociais mais sólidas<br />
e pujantes do Peru, foi a base angular para a composição <strong>de</strong> mil e duzentas<br />
Juntas <strong>de</strong> Vizinhos que cumpriram um papel chave na luta contra a<br />
insegurança cidadã. A organização <strong>de</strong> vizinhos constitui um potencial<br />
impon<strong>de</strong>rável para <strong>de</strong>senvolver programas e ações conjuntas com a<br />
autorida<strong>de</strong>, que garantam um trabalho sério e sustentado para diminuir<br />
os índices <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> no distrito e consequentemente melhorar a<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> sua população.<br />
Nota<br />
1 N.T. O termo comisaría é mantido no original em espanhol. Refere-se às unida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>scentralizadas <strong>de</strong> trabalho da polícia. Da mesma forma, o termo comisarío refere à autorida<strong>de</strong><br />
responsável por essas unida<strong>de</strong>s.
Relato Policial<br />
ESTAÇÃO DE POLÍCIA MODELO<br />
Marlon Esteban *<br />
Institucionalmente, a partir da criação da Nova <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong>,<br />
em 1997, em concordância com um dos Convênios dos Acordos <strong>de</strong> Paz,<br />
tentou-se concretizar a idéia <strong>de</strong> uma Instituição Mo<strong>de</strong>lo, que garantisse a<br />
segurança cidadã, tendo como referência uma Delegacia Mo<strong>de</strong>lo.<br />
Esta idéia encontrou muitas dificulda<strong>de</strong>s para florescer em sua<br />
capacida<strong>de</strong> máxima; o sonho teve início com a construção <strong>de</strong> um edifício<br />
para hospedar o pessoal policial na zona 7, e <strong>de</strong>pois no Terminal zona 4 da<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Guatemala, os quais resultaram ser contra-producentes <strong>de</strong>vido<br />
ao trabalho na área metropolitana ser totalmente diferente do trabalho em<br />
zonas urbanas e rurais <strong>de</strong>partamentais (estaduais), o que dificultou a<br />
adaptação do pessoal no seu círculo <strong>de</strong> ação. Embora a infra-estrutura tenha<br />
sido a<strong>de</strong>quada, não foi possível conciliá-la com pessoal capacitado que<br />
pu<strong>de</strong>sse cumprir com a missão que lhes fora encomendada. Na atualida<strong>de</strong>,<br />
se <strong>de</strong>nomina “<strong>de</strong>legacia mo<strong>de</strong>lo” a unida<strong>de</strong> policial que se encontra<br />
funcionando no município <strong>de</strong> Villa Nueva, a qual também enfrenta o problema<br />
<strong>de</strong> contar com pessoal não capacitado o suficiente para <strong>de</strong>sempenhar tarefas<br />
numa unida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria servir como mo<strong>de</strong>lo para outras.<br />
Com base numa resenha histórica, na minha condição <strong>de</strong> oficial<br />
subalterno, com a firme crença <strong>de</strong> que faço parte da coluna vertebral da<br />
Instituição Policial, iniciei em 2006 o projeto <strong>de</strong> dar vida a uma Subestação<br />
Mo<strong>de</strong>lo, a qual estaria localizada num dos municípios do <strong>de</strong>partamento<br />
(estado) <strong>de</strong> Izabal, lugar propício para colocar em prática o plano <strong>de</strong><br />
trabalho, <strong>de</strong>vido à sua semelhança com o âmbito social on<strong>de</strong> me <strong>de</strong>senvolvi<br />
como pessoa. Dita subestação compreendia, entre suas funções, a<br />
aproximação com a comunida<strong>de</strong>, para o qual foram empregados diversos<br />
processos, como a organização dos moradores da comunida<strong>de</strong>. Neste<br />
caso, a classificação foi feita por setores como, por exemplo, adultos,<br />
jovens, crianças, <strong>de</strong>ntro dos quais existe o gênero feminino que, por cultura,<br />
<strong>de</strong> alguma maneira, é consi<strong>de</strong>rado um grupo vulnerável, o que significa<br />
que <strong>de</strong>ve ter um tratamento especial para aten<strong>de</strong>r à diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
problemas aos quais fica exposto em seu convívio diário. Assim foram<br />
colocados em prática os planos <strong>de</strong> prevenção situacional e social, com o<br />
que era cumprido com a participação <strong>de</strong> todo o conjunto <strong>de</strong>ssa<br />
* Oficial Segundo da Policia Nacional <strong>Civil</strong> – Subchefe da Área Metropolitana – Seção <strong>de</strong> Delitos<br />
Contra a Vida, Subdireção Geral <strong>de</strong> Investigação Criminal.<br />
GUATEMALA<br />
497
498<br />
Estação <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Mo<strong>de</strong>lo<br />
comunida<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado o bem-estar do pessoal policial como<br />
parte da engrenagem polícia-socieda<strong>de</strong>, que se baseia em “estar bem para<br />
servir bem”. Inicia-se assim o convencimento através do diálogo com os<br />
subalternos para que os meios logísticos obtidos por parte da instituição<br />
fossem otimizados ao máximo com o fim <strong>de</strong> realizar serviços produtivos<br />
e sem a presença <strong>de</strong> um policial com uma postura não a<strong>de</strong>quada à função<br />
que <strong>de</strong>sempenha. Da mesma forma, no edifício on<strong>de</strong> funcionavam as<br />
instalações se coor<strong>de</strong>nou do jeito mais viável, o conserto dos serviços<br />
básicos (água potável, energia elétrica, instalações do banheiro), com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que as pessoas se sentissem confortáveis no lugar <strong>de</strong> trabalho<br />
e também por ser o lugar on<strong>de</strong> moram. A intenção era incentivar o<br />
sentimento do pessoal policial <strong>de</strong> se sentirem pessoas integradas na<br />
socieda<strong>de</strong> e no Estado da Guatemala, principiando, com isto, o<br />
fortalecimento dos Direitos Humanos <strong>de</strong> nossos agentes e, como<br />
conseqüência, dos cidadãos em geral.<br />
No entanto, <strong>de</strong>vido à situação Institucional e <strong>de</strong> superação pessoal<br />
profissional, não me foi possível cumprir com todos os objetivos traçados,<br />
já que no final <strong>de</strong> 2006, me candidatei e participei do curso <strong>de</strong> ascensão<br />
ao grau imediato superior -neste caso o grau hierárquico <strong>de</strong> Oficial<br />
Terceiro - e no início do ano atual, ascendi ao grau hierárquico <strong>de</strong> Oficial<br />
Segundo <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>; situação que para mim, implicou na transferência <strong>de</strong><br />
meu local <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> forma obrigatória a uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legacia, o<br />
que impediu a conclusão do projeto <strong>de</strong> uma Subestação Policial Mo<strong>de</strong>lo.<br />
Sem cair no fanatismo, no meu sentimento institucional policial,<br />
encontra-se viva a chama <strong>de</strong> que, em tempos futuros, e enquanto tenha a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar superando-me institucionalmente, po<strong>de</strong>rei<br />
concluir meu objetivo <strong>de</strong> ter uma unida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
da <strong>de</strong>nominação que seja (estação, <strong>de</strong>legacia, divisão, subdireção), e para<br />
alcançá-lo terei que implementar processos para seleção <strong>de</strong> pessoal e<br />
especialização dos mesmos, em temas relacionados com atenção à vítima,<br />
atenção à criança e ao adolescente, violência intra-familiar, e em tudo o<br />
que nos ajudaria a ser uma polícia pró-ativa. Colocaria em andamento<br />
alguns planos que existem atualmente, mas que por falta <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> política<br />
institucional, não recebem o interesse que merecem, como por exemplo,<br />
o Programa Dare, o qual enfoca os centros educacionais em todos os<br />
níveis (fundamental, médio e superior), para conscientizar os jovens em<br />
relação ao uso e abuso <strong>de</strong> drogas, ‘Puerta a Puerta’, ‘Me conoces te conozco’
Marlon Esteban<br />
e daria mais ênfase às Organizações Locais <strong>de</strong> Segurança, procurando um<br />
equilíbrio entre os recursos humanos disponíveis e as condições <strong>de</strong> vida,<br />
referindo-me aqui à infra-estrutura das instalações para obter eficiência na<br />
participação da unida<strong>de</strong> policial junto à socieda<strong>de</strong>. Nesta or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> idéias,<br />
a partir da minha perspectiva, <strong>de</strong>ve-se contar com unida<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
para a atenção e recepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> acordo com a problemática<br />
apresentada. Em cada uma <strong>de</strong>stas unida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ve-se oferecer um ambiente<br />
para prestar serviço à vítima ou ao <strong>de</strong>nunciante, o ambiente dos<br />
dormitórios para o pessoal <strong>de</strong>ve ser a<strong>de</strong>quado às necessida<strong>de</strong>s básicas, e<br />
<strong>de</strong>ve-se mudar <strong>de</strong> alguma forma a carga horária <strong>de</strong> trabalho, encurtandoa,<br />
com o fim <strong>de</strong> evitar o tédio e a monotonia na atenção às pessoas e no<br />
cumprimento <strong>de</strong> um serviço com qualida<strong>de</strong> total.<br />
499
500<br />
Relato Policial<br />
MODELO DE VIGILÂNCIA COMUNITÁRIA NA<br />
COLÔMBIA<br />
Yed Milton Lopez Riaño 1<br />
1. CONTEXTO, ANTECEDENTES E FUNDAMENTOS<br />
No marco das transformações socioculturais e sociopolíticas<br />
vivenciadas na América Latina, a discussão sobre a instituição policial cada<br />
vez retoma mais força, dada a importância <strong>de</strong>sse órgão como<br />
administrador do serviço <strong>de</strong> convivência e segurança cidadã e sua<br />
a<strong>de</strong>quação para a existência real da <strong>de</strong>mocracia.<br />
Entre os tópicos <strong>de</strong> maior incidência nas discussões estão: o<br />
acelerado abandono da tradição militarista, que caracteriza a gran<strong>de</strong> maioria<br />
dos corpos policiais e a recuperação do seu sentido civilista como órgão<br />
vigilante da proteção das liberda<strong>de</strong>s individuais e da vida dos cidadãos; a<br />
profissionalização <strong>de</strong> seus membros; a <strong>de</strong>scentralização das estruturas <strong>de</strong><br />
comando e a aproximação dos núcleos comunitários, para o conhecimento<br />
das problemáticas geradoras <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong>linqüência; e a formulação<br />
<strong>de</strong> alternativas conjuntas <strong>de</strong> ação para a superação das mesmas.<br />
Na Colômbia, o Plano <strong>de</strong> Transformação Cultural e Melhoramento<br />
Institucional da <strong>Polícia</strong> Nacional, transcorrido na última década, convocou e<br />
envolveu o comando institucional a partir <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> autocrítica. Hoje<br />
no país se reconhece a li<strong>de</strong>rança da <strong>Polícia</strong> Nacional na recuperação <strong>de</strong> sua<br />
imagem institucional, a profissionalização do talento humano através <strong>de</strong><br />
processos educativos permanentes para respon<strong>de</strong>r às mudanças sociais, a<br />
execução <strong>de</strong> projetos como Cultura da Legalida<strong>de</strong> e Integrida<strong>de</strong>, o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do programa Departamentos e municípios seguros dirigido<br />
à articulação do trabalho com as autorida<strong>de</strong>s civis e o fortalecimento da<br />
<strong>Polícia</strong> Comunitária, como modo <strong>de</strong> serviço compatível com a natureza<br />
civilista da instituição.<br />
A <strong>Polícia</strong> Comunitária como modo <strong>de</strong> serviço, no âmbito latinoamericano,<br />
respon<strong>de</strong> a um apelo social e a um mecanismo institucional para<br />
o cumprimento das funções policiais, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m civilista, com suportes<br />
fundados no Estado Social <strong>de</strong> Direito. Nesse campo, as experiências <strong>de</strong><br />
países como o Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador e Colômbia, entre outros,<br />
* <strong>Polícia</strong> Nacional da Colômbia; Bogotá d. c.; Assessor <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Comunitária; Direção Geral da<br />
<strong>Polícia</strong> Nacional<br />
COLÔMBIA
Yed Milton Lopez Riaño<br />
coinci<strong>de</strong>m na concepção da <strong>Polícia</strong> Comunitária como um “princípio e atitu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> serviço da <strong>Polícia</strong> à comunida<strong>de</strong>, com a comunida<strong>de</strong> e na comunida<strong>de</strong>”.<br />
1.1. Premissas da Vigilância Comunitária<br />
a) A vigilância “é o serviço que presta a <strong>Polícia</strong> Nacional, <strong>de</strong><br />
forma permanente e ininterrupta, nas cida<strong>de</strong>s, povoados e<br />
campos” 1 . Esse serviço, <strong>de</strong> caráter ordinário ou<br />
extraordinário, é prestado no âmbito urbano e rural; seu<br />
centro <strong>de</strong> atenção é cada indivíduo na sua relação com os<br />
<strong>de</strong>mais sujeitos: ou seja, a convivência em comunida<strong>de</strong>.<br />
b) A Vigilância Comunitária confere continuida<strong>de</strong> à política<br />
<strong>de</strong> participação cidadã, instaurada no ano 1993, e <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong><br />
Comunitária, promovido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> l998, processos<br />
congruentes com os lineamentos constitucionais ten<strong>de</strong>ntes<br />
à legitimida<strong>de</strong> das instituições, à <strong>de</strong>scentralização dos<br />
serviços do Estado e à participação <strong>de</strong>mocrática como<br />
dinâmicas necessárias para o exercício dos direitos e <strong>de</strong>veres<br />
no Estado Social <strong>de</strong> Direito.<br />
c) A Vigilância Comunitária é uma estratégia para fomentar<br />
e alcançar a responsabilida<strong>de</strong> compartilhada na conservação<br />
da convivência e na manutenção da segurança cidadã, como<br />
ação conjunta entre autorida<strong>de</strong>s civis, autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> polícia<br />
e cidadania em geral.<br />
d) A Vigilância Comunitária é o modo da <strong>Polícia</strong> Nacional<br />
enten<strong>de</strong>r e implementar o serviço à comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
acordo com seu caráter civilista, adotado na Constituição<br />
Política Nacional.<br />
e) A apropriação da Vigilância Comunitária, no presente e<br />
para o futuro, no contexto da situação <strong>de</strong> convivência e<br />
segurança no país, implica uma mudança cultural que está<br />
sendo construída <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os processos <strong>de</strong> incorporação,<br />
formação nas escolas e administração do talento humano<br />
em todas as unida<strong>de</strong>s do território nacional. Esse é parte<br />
do processo que li<strong>de</strong>ra o Departamento Administrativo <strong>de</strong><br />
Planejamento Nacional até o ano 2019 no país.<br />
f) A Vigilância Comunitária na <strong>Polícia</strong> Nacional se fundamenta<br />
na formação e disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> servidores públicos da<br />
501
502<br />
Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária na Colômbia<br />
convivência e segurança cidadã, com capacida<strong>de</strong> moral, ética<br />
e profissional para compreen<strong>de</strong>r suas funções <strong>de</strong> prevenção,<br />
dissuasão e reação, sabendo como aplicá-las em cada<br />
contexto, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das circunstâncias e dos atores.<br />
g) A implementação do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> “Vigilância Comunitária”<br />
em nível local e nacional implica em processos <strong>de</strong> difusão,<br />
capacitação e ações <strong>de</strong> intervenção social diretamente com<br />
as comunida<strong>de</strong>s, em compromisso direto do governo civil<br />
como gerente e administrador das políticas públicas <strong>de</strong><br />
convivência e segurança cidadã e no exercício da participação<br />
dos cidadãos nos assuntos públicos. Esse modo <strong>de</strong> trabalho<br />
permite materializar a responsabilida<strong>de</strong> compartilhada, como<br />
princípio para alcançar todo objetivo social.<br />
h) Na Colômbia, o fortalecimento da Vigilância urbana e<br />
rural comunitária respon<strong>de</strong> à dinâmica <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação da<br />
instituição aos processos sociais em torno da convivência<br />
e segurança cidadã. Embora tenham sido retomados<br />
elementos <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Proximida<strong>de</strong> da Espanha e Planos<br />
Quadrantes do Chile, nesta ocasião os esforços se<br />
concentrarão no aperfeiçoamento <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo próprio,<br />
para aten<strong>de</strong>r às comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acordo com as<br />
características sociopolíticas e culturais, a idiossincrasia dos<br />
diferentes grupos e a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> talento humano,<br />
bem como dos recursos financeiros e da estrutura logísticotecnológica<br />
do país e da própria instituição.<br />
1.2. Antece<strong>de</strong>ntes e Capital Institucional Suporte <strong>de</strong> Vigilância<br />
Comunitária<br />
De acordo com as bases fundamentais da Constituição Política<br />
Nacional e o processo <strong>de</strong> transformação cultural e melhoramento<br />
institucional da <strong>Polícia</strong> Nacional, na década <strong>de</strong> 90, a <strong>Polícia</strong> Nacional manteve,<br />
<strong>de</strong>ntro do Plano <strong>de</strong> Direcionamentos Estratégicos, a política <strong>de</strong> participação<br />
cidadã, a partir da qual foi possível a aproximação do serviço <strong>de</strong> convivência<br />
e segurança cidadã com a Comunida<strong>de</strong>.<br />
O caráter civilista da <strong>Polícia</strong>, atribuído na Constituição Política a<br />
partir do ano 1991, motivou a concepção e implementação dos três<br />
momentos que são apresentados a seguir.
1.2.1. Direção <strong>de</strong> participação Comunitária<br />
Essa direção foi criada para fortalecer as relações entre os cidadãos<br />
e a instituição, visando a aten<strong>de</strong>r aos diferentes interesses setoriais e<br />
regionais atinentes ao serviço <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> e à segurança cidadã 2 , materializada<br />
através <strong>de</strong> programas que possibilitaram a participação real dos cidadãos,<br />
sendo que alguns <strong>de</strong>les ainda estão vigentes.<br />
1.2.2. <strong>Polícia</strong> Comunitária<br />
Essa <strong>de</strong>nominação foi socializada institucionalmente no início do ano<br />
<strong>de</strong> 1998. A idéia se materializou na capacitação e <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> um grupo<br />
<strong>de</strong> policiais, em diferentes unida<strong>de</strong>s do país, a essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />
com a comunida<strong>de</strong>. Seus conteúdos iniciais foram inspirados na <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong><br />
Proximida<strong>de</strong> da Espanha e seus processos e procedimentos <strong>de</strong>lineados<br />
através <strong>de</strong> processos educativos, nos quais foram avocados saberes da<br />
sociologia, criminologia e serviço social.<br />
1.2.3. Vigilãncia Comunitária<br />
De acordo com os resultados obtidos através do trabalho da polícia<br />
comunitária no melhoramento das relações com a comunida<strong>de</strong> e na<br />
compreensão das problemáticas que afetam a convivência e a segurança,<br />
assim como na adoção <strong>de</strong> mecanismos para sua intervenção, a <strong>Polícia</strong><br />
Nacional consi<strong>de</strong>ra fundamental seguir trabalhando para formar e dispor<br />
<strong>de</strong> policiais com maiores competências cognitivas e práticas, que permitam<br />
sua ação qualificada no trabalho com a comunida<strong>de</strong>.<br />
A expressão vigilância comunitária engloba toda a polícia e qualquer<br />
polícia, uma vez que: a vigilância é o serviço que presta a polícia e sua<br />
forma <strong>de</strong> fazê-lo é mediante a aproximação e o trabalho conjunto com a<br />
comunida<strong>de</strong>, razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sse serviço. Dessa forma, fazer vigilância<br />
comunitária se constitui em um princípio e em uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo policial,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do serviço ao qual pertença.<br />
2. OPERACIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO<br />
2.1. Disposição do Talento Humano<br />
Yed Milton Lopez Riaño<br />
Na polícia colombiana, foi implementado um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão<br />
humana baseado em competências e um <strong>de</strong> seus componentes é o<br />
503
504<br />
Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária na Colômbia<br />
“Desenvolvimento Humano por Competências”, assumido na execução<br />
do projeto.<br />
No Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária, parte-se do princípio que<br />
um policial, em qualquer grau, é merecedor <strong>de</strong> sê-lo por haver sido<br />
aprovado no processo <strong>de</strong> seleção e incorporação à Instituição e haver<br />
passado pela formação e capacitação em uma escola. Um policial é, então,<br />
um indivíduo capaz e competente para exercer sua profissão, e a profissão<br />
<strong>de</strong> polícia está ligada, sem discussão alguma, ao serviço à comunida<strong>de</strong>.<br />
A seguir, veremos um quadro que ilustra o aspecto a ser fortalecido,<br />
perante cada competência, pelos integrantes da Vigilância Comunitária:<br />
COMPETÊNCIA ASPECTO A SER FORTALECIDO EM<br />
GENÉRICA<br />
VICOM<br />
1. Orientação do serviço à<br />
comunida<strong>de</strong><br />
2. Efetivida<strong>de</strong> no serviço<br />
3. Li<strong>de</strong>rança<br />
4. Trabalho em equipe<br />
5. Resolução <strong>de</strong> conflitos<br />
Habilida<strong>de</strong> para comunicar-se<br />
Sensibilida<strong>de</strong> social<br />
Trato amável e <strong>de</strong>sinteressado<br />
Critério para i<strong>de</strong>ntificar problemas,<br />
conceber e executar planos <strong>de</strong> solução<br />
Atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço baseada na prevenção<br />
Capacida<strong>de</strong> física e mental para dissuadir<br />
e reagir<br />
Iniciativa para <strong>de</strong>tectar problemas e<br />
criativida<strong>de</strong> para envolver outros atores<br />
na solução<br />
Domínio e segurança para dirigir e<br />
conduzir grupos<br />
Autorida<strong>de</strong> por merecimento<br />
Habilida<strong>de</strong> para distinguir funções<br />
Compromisso e abordagem responsável<br />
<strong>de</strong> tarefas<br />
Solidarieda<strong>de</strong><br />
Paciência<br />
Prudência<br />
Capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escuta ativa<br />
Espírito <strong>de</strong> justiça<br />
Imparcialida<strong>de</strong> e critério para <strong>de</strong>cidir
6. Relações interpessoais<br />
7. Adaptabilida<strong>de</strong><br />
8. Aprendizagem contínua<br />
9. Condicionamento físico<br />
2.2. Capacitação<br />
Yed Milton Lopez Riaño<br />
Respeito ao ser humano<br />
Habilida<strong>de</strong> para comunicar-se<br />
Amabilida<strong>de</strong>, afabilida<strong>de</strong> e empatia<br />
Flexibilida<strong>de</strong><br />
Capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso em um tecido social<br />
Tolerância ante a diferença<br />
Criativida<strong>de</strong><br />
Interesse por refletir e documentar<br />
experiências<br />
Interesse pelo estudo, aprendizagem e<br />
capacitação<br />
Curiosida<strong>de</strong>, iniciativa<br />
Desenvolvimento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s para<br />
caminhar e montar em bicicleta por longos<br />
períodos<br />
Capacida<strong>de</strong> para correr e/ou respon<strong>de</strong>r a<br />
uma reação<br />
Condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> apropriadas para o<br />
trabalho em bairros e setores<br />
O policial <strong>de</strong> vigilância comunitária <strong>de</strong>ve ser competente para<br />
<strong>de</strong>senvolver seu trabalho pelo fato <strong>de</strong> ser egresso <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> formação<br />
policial, com o titulo <strong>de</strong> profissional <strong>de</strong> polícia, indistintamente do nível,<br />
grau ou escalão. No entanto como forma <strong>de</strong> reforço ou aprofundamento<br />
<strong>de</strong> conhecimentos, são sugeridos os seguintes Módulos Temáticos:<br />
I. CONTEXTO ANTROPOLOGICO E SOCIOLÓGICO<br />
DA CONVIVÊNCIA E SEGURANÇA CIDADÃ.<br />
II. PROCESSOS E PROCEDIMENTOS DE PREVENÇÃO<br />
NA POLÍCIA NACIONAL DA COLÔMBIA, MODELO DE<br />
VIGILÂNCIA COMUNITÁRIA.<br />
III. FUNDAMENTAÇÃO SOCIOPOLÍTICA PARA A GESTÃO<br />
DA CONVIVÊNCIA E DA SEGURANÇA CIDADÃ.<br />
No que refere ao segundo módulo, PROCESSOS E<br />
PROCEDIMENTOS DE PREVENÇÃO NA POLÍCIA NACIONAL DA<br />
COLÔMBIA, MODELO DE VIGILÂNCIA COMUNITÁRIA, é preciso<br />
505
506<br />
Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária na Colômbia<br />
mencionar seu conteúdo como guia para a compreensão geral do mesmo<br />
nesse manual.<br />
2.2.1. Contextualização da Vigilância Comunitária<br />
Consiste em localizar o policial no contexto <strong>de</strong> evolução <strong>de</strong> nossa<br />
instituição, abordando temas como a mudança, evolução das organizações,<br />
tendências mo<strong>de</strong>rnas dos corpos <strong>de</strong> polícia, história da <strong>Polícia</strong> Comunitária na<br />
Colômbia e diferença entre “<strong>Polícia</strong> Comunitária” e “Participação Comunitária”.<br />
2.2.2. Características do serviço<br />
São enfocados os pilares sobre os quais se <strong>de</strong>senvolve o serviço:<br />
prevenção, proximida<strong>de</strong>, continuida<strong>de</strong>, coor<strong>de</strong>nação interinstitucional, visão<br />
científica da segurança cidadã, li<strong>de</strong>rança, flexibilida<strong>de</strong>, conhecimento, cultura<br />
do trabalho e características próprias do serviço, tais como: planejamento<br />
do serviço, cumprimento <strong>de</strong> missão através <strong>de</strong> processos, coor<strong>de</strong>nação<br />
com outros serviços <strong>de</strong> polícia, patrulhamentos a pé ou <strong>de</strong> bicicleta, serviço<br />
<strong>de</strong>scentralizado em bairros e setores, autonomia e comunicação.<br />
2.2.3. Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> trabalho<br />
Essência da <strong>Polícia</strong> Nacional, Segurança Cidadã (objetiva e subjetiva),<br />
Convivência Cidadã, mo<strong>de</strong>lo causa-efeito, mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> patrulha <strong>de</strong> bairro<br />
ou quadrante, metodologias <strong>de</strong> trabalho (diagnóstico, priorização,<br />
formulação e plano <strong>de</strong> trabalho).<br />
2.2.4. Processos <strong>de</strong> Vigilância Comunitária<br />
Definição <strong>de</strong> processo, tipos <strong>de</strong> processos (essenciais e <strong>de</strong> suporte),<br />
processos preventivos, dissuasivos e <strong>de</strong> atenção ao cidadão. Pasta para<br />
guardar papéis da patrulha <strong>de</strong> bairro, que <strong>de</strong>ve conter as separatas <strong>de</strong>: 1.<br />
diagnóstico, 2. priorização, 3. formulação <strong>de</strong> processos, 4. plano <strong>de</strong><br />
trabalho, com seus respectivos formatos e anexos.<br />
2.3. Organização da Unida<strong>de</strong> Policial<br />
2.3.1. Setorização<br />
Levando em conta as características <strong>de</strong>mográficas e físicas da área<br />
urbana <strong>de</strong> cada população, cida<strong>de</strong> ou área metropolitana, <strong>de</strong>vem ser
organizados e <strong>de</strong>limitados quadrantes, que <strong>de</strong>verão obe<strong>de</strong>cer a um critério<br />
objetivo, levando em conta as seguintes variáveis:<br />
• Densida<strong>de</strong> <strong>de</strong> população e/ou população flutuante<br />
• Urbanismo<br />
• Tipo <strong>de</strong> uso do solo ou ativida<strong>de</strong> socioeconômica<br />
predominante<br />
• Topografia e/ou aci<strong>de</strong>ntes geográficos<br />
• Problemática <strong>de</strong> convivência e segurança cidadã<br />
• Recursos da unida<strong>de</strong> policial (pessoal, comunicações,<br />
armamento, habitáculos, veículos etc.)<br />
2.3.2. Dotação <strong>de</strong> Patrulhas <strong>de</strong> Bairro<br />
Uma patrulha <strong>de</strong> bairro é constituída por dois policiais <strong>de</strong> vigilância,<br />
que <strong>de</strong>vem contar com um mínimo <strong>de</strong> recursos, tais como armamento,<br />
rádio <strong>de</strong> comunicações, bicicleta, se possível, e os <strong>de</strong>mais elementos que<br />
dispõe o Regulamento <strong>de</strong> Vigilância Urbana e Rural, que lhes permitam<br />
<strong>de</strong>senvolver um serviço <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. A cada quadrante se <strong>de</strong>ve atribuir<br />
uma Patrulha <strong>de</strong> Bairro.<br />
3. METODOLOGIAS DE TRABALHO<br />
3.1. Diagnóstico Geral<br />
É um exercício que nos permite conhecer <strong>de</strong>talhadamente o<br />
quadrante e i<strong>de</strong>ntificar sua problemática, através das seguintes ativida<strong>de</strong>s:<br />
3.1.1. Reconhecimento do setor<br />
Percurso físico pelo quadrante, <strong>de</strong>limitação, <strong>de</strong>scrição morfológica<br />
ou topográfica, extensão e consulta à memória local e topográfica.<br />
3.1.2. Captação <strong>de</strong> informação<br />
Yed Milton Lopez Riaño<br />
Realização <strong>de</strong> um censo populacional que permita i<strong>de</strong>ntificar o perfil<br />
dos habitantes do setor, tendência econômica, percepção <strong>de</strong> segurança e<br />
vitimização, assim como também para dar conhecimentos ao policial sobre<br />
a comunida<strong>de</strong>.<br />
507
508<br />
Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária na Colômbia<br />
3.1.3 I<strong>de</strong>ntificar fatores geradores <strong>de</strong> risco<br />
Com formulário semelhante ao da captação <strong>de</strong> informação, nos<br />
permite i<strong>de</strong>ntificar todos os fatores que tenham relação direta ou indireta<br />
com a segurança e convivência cidadã do setor atribuído; po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong><br />
caráter estrutural ou sócio-cultural.<br />
3.1.4. Entrar em contato com autorida<strong>de</strong>s<br />
Em outro formulário, similar ao dos lí<strong>de</strong>res, se constrói a informação<br />
com as autorida<strong>de</strong>s que têm ingerência no quadrante, cargos, missões e<br />
compromissos com os processos <strong>de</strong> segurança e convivência.<br />
3.1.5. I<strong>de</strong>ntificar lí<strong>de</strong>res e organizações cívicas<br />
Através <strong>de</strong> um formulário, são i<strong>de</strong>ntificados os lí<strong>de</strong>res, seu perfil,<br />
utilida<strong>de</strong> e compromissos com a segurança cidadã.<br />
3.1.6. Consultar registro estatístico<br />
Consiste em fazer uma análise do comportamento estatístico do<br />
último ano, em aspectos <strong>de</strong>litivos e/ou contravencionais, que permitirá<br />
ter um critério <strong>de</strong> valor para a formulação <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> solução.<br />
3.2. Priorização<br />
Geralmente se observa que o diagnóstico elege uma lista consi<strong>de</strong>rável<br />
<strong>de</strong> problemas, os quais <strong>de</strong>vem ser organizados em priorida<strong>de</strong>s, o que nos<br />
indica por on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vemos começar a <strong>de</strong>senvolver o trabalho.<br />
Os critérios <strong>de</strong> priorização são os seguintes:<br />
3.2.1. Por freqüência<br />
Um problema é consi<strong>de</strong>rado prioritário por freqüência quando sua<br />
ocorrência é repetitiva, constante e soma a maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casos na<br />
estatística ou na análise do diagnóstico.<br />
3.2.2. Por impacto<br />
Um problema é consi<strong>de</strong>rado prioritário por impacto quando no
diagnóstico é <strong>de</strong>tectada a ocorrência (ou possível ocorrência) <strong>de</strong> um<br />
fenômeno <strong>de</strong>litivo impactante, como terrorismo, homicídio, <strong>de</strong>litos<br />
sexuais com menores, entre outros.<br />
3.3. Formulação <strong>de</strong> Processos<br />
Consiste em <strong>de</strong>terminar o processo, ou processos, que utilizará o<br />
policial comunitário para resolver os problemas <strong>de</strong>tectados no diagnóstico,<br />
e que são consi<strong>de</strong>rados indicados para serem resolvidos <strong>de</strong> maneira<br />
prioritária.<br />
A <strong>Polícia</strong> Comunitária aplica basicamente sete processos essenciais:<br />
1. Diagnóstico específico <strong>de</strong> segurança e convivência.<br />
2. Gestão comunitária.<br />
3. Gestão interinstitucional.<br />
4. Educação cidadã.<br />
3.4. Plano <strong>de</strong> Trabalho<br />
5. Tratamento <strong>de</strong> conflitos.<br />
6. Dissuasão da infração.<br />
7. Atenção ao cidadão<br />
Yed Milton Lopez Riaño<br />
Esses processos se traduzem em feitos tangíveis, em ações <strong>de</strong><br />
vigilância preventiva, sempre e quando se organizem em um plano <strong>de</strong><br />
trabalho que é executado pela patrulha <strong>de</strong> bairro e seja avaliado<br />
periodicamente pelo comandante da área.<br />
Cabe ressaltar que o Plano <strong>de</strong> trabalho é realizado por cada patrulha,<br />
<strong>de</strong> acordo com a problemática levantada no diagnóstico. (ver formato<br />
anexo).<br />
Para ilustrar a compreensão do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária,<br />
temos a seguir uma analogia com a área da saú<strong>de</strong>, que, a partir do ponto<br />
<strong>de</strong> vista <strong>de</strong> prevenção, pouco difere da tarefa <strong>de</strong> garantir a convivência e<br />
segurança cidadã (saú<strong>de</strong> social).<br />
509
510<br />
Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária na Colômbia<br />
BAIRRO (PACIENTE)<br />
POLÍCIA<br />
(MÉDICO)<br />
PROCESSOS (REMÉDIOS)<br />
• DIAGNÓSTICO DE SEGURANÇA CIDADÃ<br />
• GESTÃO COMUNITÁRIA<br />
• GESTÃO INTERINSTITUCIONAL<br />
• EDUCAÇÃO CIDADÃ<br />
• TRATAMENTO DE CONFLITOS<br />
• DISSUASÃO DA INFRAÇÃO<br />
• QUEIXAS, RECLAMAÇÕES E SUGESTÕES<br />
4. PROCESSOS DE VIGILÂNCIA COMUNITÁRIA<br />
• DIAGNÓSTICO<br />
• PRIORIZAÇÃO<br />
• FORMULAÇÃO<br />
• PLANO DE AÇÃO<br />
A tendência mundial das organizações é o trabalho por processos,<br />
<strong>de</strong>ixando em segundo plano o trabalho por funções. O processo mostra<br />
ao responsável a forma mais eficiente <strong>de</strong> fazer algo e garante o caminho<br />
para a consecução <strong>de</strong> um propósito. Um processo é um conjunto <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s que, ao se inter-relacionarem, em forma lógica e coerente, nos<br />
conduz a um resultado. Na vigilância veremos duas classes <strong>de</strong> processos:<br />
essenciais e <strong>de</strong> suporte.<br />
4.1. Essenciais<br />
São aqueles que conduzem à essência da organização (negócio<br />
essencial, nesse caso, a convivência e segurança cidadã). Caracterizam-se<br />
por terem contato com o usuário (o cidadão) e seu resultado contribui<br />
<strong>de</strong> forma direta no resultado final que a organização oferece. Estão<br />
<strong>de</strong>finidos, a seguir, os sete processos que são mais utilizados no exercício<br />
preventivo da Vigilância Comunitária:
4.1.1. Diagnóstico específico <strong>de</strong> convivência e segurança cidadã:<br />
Esst processo parte <strong>de</strong> um problema específico <strong>de</strong> segurança e/ou<br />
convivência, encontrado no Diagnóstico Geral, e nos permite i<strong>de</strong>ntificar<br />
suas causas e seus fatores <strong>de</strong> origem.<br />
4.1.2. Gestão comunitária:<br />
É aquele que nos permite envolver e comprometer a comunida<strong>de</strong><br />
na solução <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> convivência e segurança cidadã.<br />
4.1.3. Gestão interinstitucional:<br />
É aquele que nos permite envolver e comprometer as instituições,<br />
autorida<strong>de</strong>s e organizações que tenham ingerência em segurança cidadã,<br />
para resolver problemas que não são da competência da <strong>Polícia</strong> Nacional.<br />
4.1.4. Educação cidadã:<br />
É um processo orientado a gerar cultura <strong>de</strong> segurança cidadã,<br />
convivência, civismo e sentido <strong>de</strong> pertencimento em bairros e setores,<br />
assim como propiciar na comunida<strong>de</strong> a auto-regulação.<br />
4.1.5. Tratamento <strong>de</strong> conflitos:<br />
É aquele que nos permite abordar os conflitos e resolvê-los ou<br />
encaminhá-los às autorida<strong>de</strong>s competentes, com o fim <strong>de</strong> evitar um<br />
problema maior.<br />
4.1.6. Dissuasão da Infração:<br />
É aquele que nos permite atacar o problema <strong>de</strong> forma direta, através<br />
da presença, patrulhamento, revista, planos intensivos, entre outros.<br />
4.1.7. Atenção ao cidadão:<br />
É um processo que nos permite conhecer os problemas do cidadão<br />
com a instituição ou outras organizações, escutar suas sugestões e dar<br />
respostas oportunas às mesmas.<br />
4.2. De Suporte<br />
Yed Milton Lopez Riaño<br />
São aqueles que sustentam a organização, para que se possa levar a<br />
cabo os processos essenciais. Geralmente não têm contato com o cliente<br />
511
512<br />
Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vigilância Comunitária na Colômbia<br />
externo (cidadão). Também são chamados <strong>de</strong> processos gerenciais,<br />
administrativos ou logísticos.<br />
4.2.1. Planejamento do serviço:<br />
É um processo que nos permite organizar, através do planejamento,<br />
o serviço <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> como resposta às necessida<strong>de</strong>s da comunida<strong>de</strong>, levando<br />
em conta a otimização do talento humano e os recursos materiais e<br />
logísticos.<br />
4.2.2. Implementação do serviço:<br />
Processo <strong>de</strong>stinado a instalar o serviço <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Comunitária em<br />
unida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> não exista, levando em conta critérios padronizados, que<br />
garantam o sucesso da unida<strong>de</strong>.<br />
4.2.3. Inovação e <strong>de</strong>senvolvimento:<br />
É um processo que permite à organização aplicar melhoramento<br />
contínuo dos processos, crescimento e fortalecimento da <strong>Polícia</strong><br />
Comunitária.<br />
Notas<br />
1<br />
Regulamento <strong>de</strong> Vigilância urbana e rural para a <strong>Polícia</strong> Nacional. Resolução No. 9960 <strong>de</strong> 13<br />
<strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1992. Título II. Art. 36.<br />
2<br />
Lei 62 <strong>de</strong> l993. Título V: Sistema Nacional <strong>de</strong> Participación Ciudadana.
Relato Policial<br />
O PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO DO BAIRRO<br />
DE HIGIENÓPOLIS, RIO DE JANEIRO -<br />
ORGANIZANDO A SOCIEDADE E QUALIFICANDO<br />
AS DEMANDAS POR SEGURANÇA PÚBLICA.<br />
Robson Rodrigues da Silva *<br />
A área <strong>de</strong> policiamento do 22º Batalhão <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> engloba<br />
os bairros <strong>de</strong> Ramos, Higienópolis, Benfica, Bonsucesso, e mais o complexo<br />
<strong>de</strong> favelas conhecido por “Maré”, do qual fazem parte as favelas do Timbau,<br />
Baixa do Sapateiro, Parque União, Nova Holanda, Vila do João, Vila dos<br />
Pinheiros, Conjunto Nova Esperança, Nelson Man<strong>de</strong>la I, II e III, Manguinhos<br />
e uma pequena parte da favela do Jacarezinho. Apesar <strong>de</strong> não muito<br />
extensa, quando comparada às áreas <strong>de</strong> outras unida<strong>de</strong>s PM da capital<br />
fluminense, ela é tida como bastante complexa no sentido operacional, já<br />
que o tráfico <strong>de</strong> drogas ali se entranhou ajudado por fatores geográficos e<br />
histórico-sociais que propiciaram sua rápida capilarização. A guerra entre<br />
facções freqüentemente levava o pânico, não só às comunida<strong>de</strong>s e aos<br />
usuários <strong>de</strong> três das mais importantes artérias viárias da cida<strong>de</strong> que cruzam<br />
aquela área (Linha Amarela, Linha Vermelha, que liga a cida<strong>de</strong> ao seu<br />
Aeroporto Internacional, e Avenida Brasil), como também aos próprios<br />
policiais militares. Pela insegurança que causava nos usuários, aquela faixa<br />
<strong>de</strong> artérias era freqüentemente chamada <strong>de</strong> “Faixa <strong>de</strong> Gaza”, o que a<br />
aproximava do terror dos territórios palestinos e revelava uma<br />
representação coletiva alicerçada numa imensa sensação <strong>de</strong> medo difuso.<br />
A fim <strong>de</strong> solucionar o problema, o Governo do Estado do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro construiu a nova se<strong>de</strong> do 22º BPM, agora encravada no coração<br />
do Complexo <strong>de</strong> Favelas da Maré, quase que exatamente na divisa dos<br />
territórios simbólicos <strong>de</strong> duas das mais po<strong>de</strong>rosas facções do tráfico <strong>de</strong><br />
drogas do Rio: O Terceiro Comando e o Comando Vermelho. Inicialmente<br />
a ação fez surtir algum efeito, pois houve uma contenção das latentes<br />
invasões. No entanto, a força daquela representação levou a PM à<br />
generalização <strong>de</strong> que o patrulhamento em locais tão <strong>de</strong>flagrados só é<br />
possível com o uso <strong>de</strong> táticas <strong>de</strong> guerra, normalmente utilizadas em<br />
ambiente hostis on<strong>de</strong> há um alto po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>strutivo por parte do adversário,<br />
o que eu vou chamar <strong>de</strong> senso comum policial militar. Não pretendo discutir<br />
* Tenente Coronel da Policia <strong>Militar</strong> do Estado <strong>de</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, cursando mestrado em Antropologia,<br />
Coor<strong>de</strong>nador dos Conselhos Comunitários <strong>de</strong> Segurança do Estado <strong>de</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, no Instituto<br />
<strong>de</strong> Segurança Pública – ISP.<br />
BRASIL<br />
513
514<br />
O Planejamento Participativo do Bairro <strong>de</strong> Higienópolis - Organizando a<br />
socieda<strong>de</strong> e qualificando as <strong>de</strong>mandas por segurança pública.<br />
aqui a utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais estratégias, mas é importante ressaltar que essa<br />
representação homogeneizada fez com que a Instituição Policial <strong>Militar</strong><br />
não enxergasse outras <strong>de</strong>mandas daquela área <strong>de</strong> policiamento.<br />
Quando chegamos para comandar o 22º BPM era essa a situação.<br />
Eu mesmo, como membro da PMERJ, também compartilhava <strong>de</strong>ssa<br />
representação. Entretanto a experiência naquela unida<strong>de</strong> operacional foi<br />
extremamente valiosa e enriquecedora, inclusive por <strong>de</strong>struir alguns mitos<br />
<strong>de</strong> nosso imaginário social. O primeiro <strong>de</strong>les era o <strong>de</strong> que as tão-exaltadas<br />
reuniões com as “comunida<strong>de</strong>s”, ocorridas no quartel do 22º BPM,<br />
conhecidas como “Cafés-Comunitários” e tidas como as das mais<br />
<strong>de</strong>mocráticas, não o eram. Explico: o próprio apelido da unida<strong>de</strong> (Batalhão<br />
da Maré) e os motivos para os quais ela havia sido criada faziam crer que<br />
tais reuniões eram espaços <strong>de</strong> diálogo plural, mas, na prática, somente<br />
participavam <strong>de</strong>les as comunida<strong>de</strong>s do Complexo da Maré, ou seja, aqueles<br />
atores que se imaginava não possuírem voz. Na realida<strong>de</strong>, eram espaços<br />
<strong>de</strong>stinados a “dar voz social à comunida<strong>de</strong> da Maré”.<br />
Todavia, a área do 22º BPM não comporta somente a Maré, mas<br />
também outros bairros com <strong>de</strong>mandas específicas e que, pela análise dos<br />
índices criminais, apresentavam problemas até maiores, como o roubo e<br />
o furto <strong>de</strong> veículos, o roubo a transeuntes e o roubo a estabelecimentos<br />
comerciais. Mesmo assim, essas outras “comunida<strong>de</strong>s” ficavam ao largo<br />
daquele processo “<strong>de</strong>mocrático”.<br />
Outro mito era o <strong>de</strong> que ali, naquelas reuniões, as corretas ações<br />
dos policiais militares, as que socialmente foram pactuadas na Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, eram aceitas e aprovadas pelos representantes comunitários, mas<br />
também não o eram. Quando cheguei, percebi que ali o assunto do tráfico<br />
<strong>de</strong> drogas, pivô da perversa situação em que se encontravam os<br />
moradores, que normalmente ficam no meio do confronto entre traficantes<br />
e policiais, era um verda<strong>de</strong>iro tabu. A gran<strong>de</strong> maioria daquelas<br />
“comunida<strong>de</strong>s” realmente não queria a presença dos policiais do 22º sob<br />
qualquer hipótese - mesmo a legal -, embora o objetivo formal do “Café-<br />
Comunitário” fosse o <strong>de</strong> aproximar o policial militar <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>.<br />
Nesse contexto, a aproximação só ocorria, na verda<strong>de</strong>, entre o BPM e<br />
algumas pessoas das associações <strong>de</strong> moradores; ali o significado <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocracia beirava perigosamente o clientelismo e o populismo, com a<br />
presença <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças políticas e representantes <strong>de</strong> ONG´s, conquanto<br />
a marca “Maré” acumula um gran<strong>de</strong> capital político.
Robson Rodrigues da Silva<br />
A contenção das hordas <strong>de</strong> traficantes fortemente armadas ainda<br />
continuava sendo priorizada através das tradicionais “ações <strong>de</strong> guerra”, e<br />
o índice <strong>de</strong> homicídios, inclusive o <strong>de</strong> policiais militares mortos em combate,<br />
era dos mais altos. Não obstante as atitu<strong>de</strong>s arbitrárias <strong>de</strong> policiais militares<br />
serem reprimidas pelo comando, a medida em que <strong>de</strong>las fosse tomando<br />
conhecimento nos “Cafés Comunitários”, o instinto <strong>de</strong> sobrevivência não<br />
permitia que esses agentes públicos construíssem uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sociabilida<strong>de</strong> em ambientes que se lhes apresentavam tão hostis. Nesse<br />
tom, seguiam as reuniões com reclamações das “comunida<strong>de</strong>s” e pseudoaproximações,<br />
o que em muito lembrava o clássico refrão da música dos<br />
Titãs: “<strong>Polícia</strong> para quem precisa <strong>de</strong> polícia” .<br />
Foi então que, procurando conhecer (agora <strong>de</strong> uma forma mais<br />
<strong>de</strong>mocrática, no sentido clássico) também outras <strong>de</strong>mandas, que se<br />
inserem na função da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, convidamos representantes das <strong>de</strong>mais<br />
associações <strong>de</strong> moradores que não tinham o hábito <strong>de</strong> comparecer àqueles<br />
eventos. Isso fez com que os “Cafés Comunitários” ficassem agora mais<br />
representativos, inclusive com nova pauta <strong>de</strong> discussões, on<strong>de</strong> a presença<br />
policial em seus bairros passou a ser pleiteada. A partir <strong>de</strong> então anunciamos<br />
a todos o que passamos a chamar <strong>de</strong> planejamento operacional participativo,<br />
que consistia na discussão, com os próprios <strong>de</strong>stinatários do serviço <strong>de</strong><br />
segurança pública interessados, a aplicação, em suas localida<strong>de</strong>s, do<br />
policiamento ostensivo, missão constitucional da PM.<br />
Mesmo não havendo muitas inscrições para aquela iniciativa ousada,<br />
como era <strong>de</strong> se esperar, <strong>de</strong>scobrimos no interesse dos representantes<br />
do bairro <strong>de</strong> Higienópolis a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> materializar o que muitos<br />
enten<strong>de</strong>m como policiamento comunitário (eu, particularmente, entendo<br />
como missão constitucional da Policia <strong>Militar</strong>). Este bairro <strong>de</strong> classe média<br />
baixa fica entre as favelas <strong>de</strong> Manguinhos e do Jacarezinho e, muitas vezes,<br />
como alguns <strong>de</strong> seus próprios moradores alegaram, os bandidos que os<br />
assaltavam diziam ser ali o seu “shopping-center”, tamanha a facilida<strong>de</strong><br />
que tinham para ir, buscar o que queriam e voltar para seus redutos. Os<br />
indicadores criminais apontavam naquele bairro uma alta taxa <strong>de</strong> roubos a<br />
transeuntes e a veículos.<br />
Com este diagnóstico, reunimos então alguns dos oficiais do staff<br />
do 22º BPM, notadamente os encarregados do planejamento, do efetivo<br />
e da logística, e partimos para o primeiro encontro, anunciado previamente<br />
pela Associação <strong>de</strong> Moradores <strong>de</strong> Higienópolis, para acontecer numa escola<br />
515
516<br />
O Planejamento Participativo do Bairro <strong>de</strong> Higienópolis - Organizando a<br />
socieda<strong>de</strong> e qualificando as <strong>de</strong>mandas por segurança pública.<br />
municipal do Bairro. Ele ocorreu não só com a presença dos representantes<br />
da Associação <strong>de</strong> Moradores, como também com a <strong>de</strong> vários outros<br />
moradores do bairro que, na oportunida<strong>de</strong> tomaram conhecimento,<br />
através do comando do 22º BPM, tanto dos indicadores estatísticos e<br />
dos limites dos recursos operacionais da PM, quanto da missão daquela<br />
instituição enquanto um direito da cidadania. Foi então pactuado que seriam<br />
realizadas operações do tipo A-REP-3 (Blitzens), em locais escolhidos por<br />
eles próprios, após barganharem entre si a melhor escolha, segundo suas<br />
próprias necessida<strong>de</strong>s; tudo isso levando em conta os limites <strong>de</strong> efetivo e<br />
viaturas policiais militares. A Associação <strong>de</strong> Moradores, por seu turno, se<br />
comprometeu a comprar aparelhos <strong>de</strong> rádio para um contato ágil com os<br />
policiais militares que estivessem <strong>de</strong> serviço no local, sendo que,<br />
representando a cidadania, algumas pessoas que moravam em pontos<br />
estratégicos se predispuseram a ser os guardiões do bairro,<br />
responsabilizando-se por canalizarem os pedidos e chamarem os policiais<br />
no caso <strong>de</strong> suspeição <strong>de</strong> ilicitu<strong>de</strong>.<br />
Os recursos eram os mesmos que já haviam sido disponibilizados<br />
anteriormente para aquela localida<strong>de</strong>, mas o novo policiamento, agora<br />
legitimado pela participação dos moradores, fez com que houvesse um<br />
rápido <strong>de</strong>créscimo das taxas criminais. A satisfação dos moradores coroou<br />
<strong>de</strong> êxito aquela ação conjunta, cuja rapi<strong>de</strong>z, confesso, chegou mesmo a<br />
me espantar. Para tanto, uma questão gerencial foi fundamental: a motivação<br />
dos policiais. Antes havia um rodízio muito gran<strong>de</strong> entre os policiais<br />
militares que trabalhavam no setor <strong>de</strong> policiamento que cobria o bairro<br />
<strong>de</strong> Higienópolis. O local não era priorida<strong>de</strong> do Batalhão, segundo a<br />
representação da “guerra”, e quase sempre os policiais eram <strong>de</strong>slocados<br />
para outras missões “mais importantes”, sacrificados nos apoios a outras<br />
unida<strong>de</strong>s. Não havia, portanto, i<strong>de</strong>ntificação e nem compromisso dos<br />
policiais com os moradores locais. A partir <strong>de</strong> então, foi enfatizada a política<br />
da negociação entre os interesses do policial militar e os interesses<br />
institucionais. Partiu do comando o compromisso <strong>de</strong> não serem mais<br />
<strong>de</strong>slocados para outras missões, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aten<strong>de</strong>ssem aos moradores<br />
em suas <strong>de</strong>mandas por segurança pública e, consequentemente,<br />
reduzissem as taxas criminais. Com esse intuito, eles foram apresentados<br />
aos moradores como os novos companheiros do bairro, havendo uma<br />
i<strong>de</strong>ntificação mútua que viabilizou o êxito do planejamento. Posteriormente,<br />
outras reuniões <strong>de</strong> ajuste foram realizadas, on<strong>de</strong> se pô<strong>de</strong> perceber a<br />
inclusão <strong>de</strong> novas categorias técnicas no discurso dos moradores como,
Robson Rodrigues da Silva<br />
por exemplo, “indicadores <strong>de</strong> violência”, “mancha criminal”, “taxas <strong>de</strong><br />
criminalida<strong>de</strong>”, “segurança pública”, “policiamento ostensivo” etc.<br />
Havia, no entanto, ainda muita resistência por parte <strong>de</strong> boa parcela<br />
<strong>de</strong> policiais militares, inclusive <strong>de</strong> oficiais mergulhados numa cultura<br />
institucional que ten<strong>de</strong> a valorizar ações tradicionais em <strong>de</strong>trimento das<br />
que po<strong>de</strong>riam estar fulcradas numa racionalida<strong>de</strong> policial militar<br />
<strong>de</strong>mocrática, on<strong>de</strong> através da criativida<strong>de</strong> profissional os objetivos gerais<br />
da PM, estabelecidos na carta magna, pu<strong>de</strong>ssem ser alcançados com menor<br />
esforço dos recursos públicos. Tudo leva a crer, portanto, que o projeto<br />
não teria um futuro promissor <strong>de</strong>ntro daquela cultura institucional.<br />
Posteriormente, fui movimentado para uma outra unida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
não pu<strong>de</strong> mais acompanhá-lo, mas mesmo assim a experiência valeu para<br />
mostrar que sua aplicação é plausível.<br />
517
518<br />
Relato Policial<br />
A ORGANIZAÇÃO DOS COMITÊS LOCAIS DE<br />
PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA E DELINQÜÊNCIA<br />
EM EL SALVADOR<br />
Hugo Armando Ramírez Mejía *<br />
INTRODUÇÃO<br />
A experiência <strong>de</strong>scrita faz parte <strong>de</strong> um trabalho que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004<br />
vem sendo feito pela <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> El Salvador; esta experiência<br />
consistiu em oferecer às instituições governamentais e não governamentais,<br />
Conselhos Municipais, ONGs e OGs, entre outros; que <strong>de</strong> alguma maneira<br />
participam do <strong>de</strong>senvolvimento econômico, político e social em nível local,<br />
uma estratégia viável para se organizar <strong>de</strong> forma efetiva e po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> uma<br />
forma consensual, praticar uma abordagem integral para o tratamento da<br />
violência social que atinge a cidadania.<br />
Não é o propósito <strong>de</strong>sta iniciativa que a proposta se torne uma receita<br />
rígida, já que a a<strong>de</strong>quação e/ou modificação da mesma <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da realida<strong>de</strong><br />
local, do nível <strong>de</strong> organização cidadã, do sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, e da sensação<br />
<strong>de</strong> pertencimento que existe entre estas e as instituições, organizações<br />
governamentais e não governamentais que tenham projetos sociais.<br />
No entanto, era nosso propósito que as ações que<br />
empreendêssemos e fossem executadas fossem para o benefício da<br />
cidadania e perdurassem no tempo; estas <strong>de</strong>veram ser <strong>de</strong>senvolvidas numa<br />
or<strong>de</strong>m prioritária, privilegiando os processos <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> todas<br />
aquelas condutas que resultem na minimização da violência e <strong>de</strong>linqüência<br />
com foco sobre a proteção dos segmentos mais vulneráveis (infância,<br />
juventu<strong>de</strong>, mulher, idosos e população com necessida<strong>de</strong>s especiais).<br />
OBJETIVOS<br />
Geral<br />
Organizar um fórum <strong>de</strong> análise (comitê), que articule o<br />
conhecimento e tratamento integral das causas que geram os problemas<br />
da violência e <strong>de</strong>linqüência em nível local.<br />
* Subinspetor, Chefe da Divisão <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong> e Família da Policia Nacional <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> El<br />
Salvador<br />
EL<br />
SALVADOR
Específicos<br />
a. Que as diversas instituições, setores, organizações comunitárias,<br />
ONGs, OGs participem <strong>de</strong> forma efetiva na i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s,<br />
interesses e problemas que afetam <strong>de</strong> forma direta e indireta o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento: cultural, educativo, <strong>de</strong> lazer, político e econômico da<br />
população em nível local.<br />
b. Que as diversas instituições, setores ou organizações em<br />
coor<strong>de</strong>nação com autorida<strong>de</strong>s municipais <strong>de</strong> nível local <strong>de</strong>senvolvam<br />
ativida<strong>de</strong>s que mitiguem a problemática local.<br />
c. Que as autorida<strong>de</strong>s locais, em coor<strong>de</strong>nação com as <strong>de</strong>mais<br />
instituições, organizações e setores <strong>de</strong>senvolvam ativida<strong>de</strong>s que permitam<br />
minimizar os fatores <strong>de</strong> risco e potencializem os fatores <strong>de</strong> proteção,<br />
implementando para isso efetivos programas <strong>de</strong> prevenção da violência e<br />
<strong>de</strong>linqüência.<br />
INÍCIO DO PROCESSO<br />
Hugo Armando Ramírez Mejía<br />
O processo teve início articulando reuniões com autorida<strong>de</strong>s dos<br />
conselhos municipais, <strong>de</strong> instituições governamentais e nãogovernamentais,<br />
expondo o problema da violência e <strong>de</strong>linqüência do<br />
município, as projeções institucionais e o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização, focando<br />
como, a partir da sua própria experiência, era possível melhorar a situação.<br />
(O mo<strong>de</strong>lo foi concebido para ser levado à frente pelos prefeitos dos<br />
municípios)<br />
Sustenta-se, embora <strong>de</strong> forma empírica, a tese <strong>de</strong> que “a abordagem<br />
e minimização dos níveis <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong>linqüência são uma<br />
responsabilida<strong>de</strong> compartilhada da socieda<strong>de</strong> em seu conjunto”. Essa<br />
sustentação tinha como base os seguintes elementos.<br />
a. Evitar a dispersão <strong>de</strong> esforços institucionais, setoriais e<br />
organizacionais.<br />
b. Conseguir uma efetiva economia <strong>de</strong> recursos: humano,<br />
material e financeiro.<br />
c. Dar uma resposta integral e integradora aos problemas<br />
locais.<br />
519
520<br />
A Organização dos Comitês Locais <strong>de</strong> Prevenção da Violência e<br />
Delinqüência em El Salvador<br />
d. Focalizar ações consensuais com a comunida<strong>de</strong>.<br />
e. Fomentar uma cultura <strong>de</strong> paz através da convivência em<br />
harmonia.<br />
f. Fomentar a responsabilida<strong>de</strong> cidadã através da<br />
compreensão e aplicação <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres.<br />
MUNICÍPIOS ONDE A EXPERIÊNCIA FOI IMPLEMENTADA<br />
1. Prefeitura <strong>de</strong> Soyapango<br />
2. Prefeitura <strong>de</strong> San Salvador, Distrito Nº 1<br />
3. Lour<strong>de</strong>s, Colón<br />
4. Zacatecoluca<br />
PASSOS PARA A ORGANIZAÇÃO DO COMITÊ LOCAL.<br />
A seguir os passos que foram dados para organizar os comitês:<br />
PASSO 1. Seleção <strong>de</strong> um/a lí<strong>de</strong>r (consistiu em envolver<br />
diretamente o prefeito municipal ou seu representante na<br />
condução do esforço)<br />
PASSO 2. Organização <strong>de</strong> secretarias (Educação,<br />
Cultura, Lazer e Esportes, Saú<strong>de</strong> e Meio Ambiente,<br />
Emergências, Emergências Municipais e Segurança Cidadã)<br />
PASSO 3. Coor<strong>de</strong>nador por projeto (cada uma das linhas<br />
<strong>de</strong> trabalho foi presidida por um especialista, EX; Em<br />
Saú<strong>de</strong>, um médico; em Segurança Cidadã, um oficial<br />
da polícia)<br />
PASSO 4. Manual <strong>de</strong> Organização e funcionamento<br />
(foi elaborado um documento on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>finiu a organização<br />
e as funções dos agentes que a compuseram)<br />
PASSO 5. Manual <strong>de</strong> Procedimentos (foi elaborado cada<br />
um dos procedimentos para tornar o comitê operativo)<br />
PASSO 6. Ata <strong>de</strong> Constituição e Regulamento Interno<br />
(buscou-se a inscrição legal do Comitê diante dos<br />
organismos correspon<strong>de</strong>ntes para dar vida legal e facilitar<br />
a gestão)
OBJETIVOS ALCANÇADOS<br />
1. Elevar os níveis <strong>de</strong> organização nos municípios e comunida<strong>de</strong>s<br />
2. Pôr na agenda das diferentes instituições governamentais e não<br />
governamentais e setores que têm presença em nível local o tema da<br />
“segurança humana: uma responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos”<br />
3. Desenvolver diagnósticos situacionais sobre a realida<strong>de</strong> social em<br />
três municípios; Soyapango, Colón e Distrito Nº1 da prefeitura <strong>de</strong> San Salvador.<br />
4. Elaboração <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> ação em consenso com cidadãos e<br />
representantes das instituições participantes.<br />
5. Executar algumas ações pontuais para minimizar os fatores <strong>de</strong><br />
risco (campanhas <strong>de</strong> vacinação, coleta <strong>de</strong> lixo, campanhas para divulgar<br />
os direitos e <strong>de</strong>veres dos cidadãos, campanhas nos centros educativos<br />
para evitar que os jovens entrem nas gangues, entre outros)<br />
PROBLEMAS NA SUSTENTAÇÃO DO MODELO<br />
1. O alto nível <strong>de</strong> polarização política<br />
2. A disputa por li<strong>de</strong>rança impediu o consenso (embora todas as<br />
agendas dos participantes incluam ações <strong>de</strong> prevenção)<br />
3. A pouca compreensão <strong>de</strong> alguns setores participantes em relação<br />
a ações <strong>de</strong> prevenção da PNC (uma alta porcentagem da população só<br />
atribui a função <strong>de</strong> “repressão do <strong>de</strong>lito” à instituição policial)<br />
4. Os projetos sociais implementados pelo Executivo <strong>de</strong>têm um<br />
alto grau <strong>de</strong> interesses partidários, o que gerou <strong>de</strong>sconfiança nos municípios<br />
governados pela oposição e vice-versa.<br />
5. A baixa crença dos chefes policiais na função <strong>de</strong> prevenção social<br />
da violência, preferindo a repressão ao <strong>de</strong>lito.<br />
LIÇÕES APRENDIDAS<br />
Hugo Armando Ramírez Mejía<br />
1. É possível alcançar a organização da comunida<strong>de</strong> sempre que e<br />
quando forem levados em conta os atores principais em nível local.<br />
521
522<br />
A Organização dos Comitês Locais <strong>de</strong> Prevenção da Violência e<br />
Delinqüência em El Salvador<br />
2. É difícil instalar um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> prevenção da violência e<br />
<strong>de</strong>linqüência se não existirem políticas <strong>de</strong> Estado reais, ainda mais quando<br />
em nível local não existe um envolvimento real dos conselhos municipais<br />
na co-responsabilida<strong>de</strong> e viabilida<strong>de</strong> das políticas.<br />
3. É possível alcançar a integração sociocomunitária na medida em<br />
que os jovens e suas famílias se integram no ambiente natural on<strong>de</strong> vivem<br />
cotidianamente.<br />
4. Embora o mo<strong>de</strong>lo tenha sido <strong>de</strong>senhado para ser <strong>de</strong>senvolvido<br />
com recursos próprios dos envolvidos, é necessário contar com a ajuda<br />
<strong>de</strong> organismos nacionais e internacionais.<br />
5. A rotativida<strong>de</strong> do pessoal policial dificulta a continuida<strong>de</strong> das ações<br />
programadas.<br />
CONCLUSÃO<br />
O mo<strong>de</strong>lo é viável. E preten<strong>de</strong> se enraizar no “local”. Essa opção<br />
<strong>de</strong> trabalho supõe, mas não limita à participação do governo municipal da<br />
região na qual será implementado o mo<strong>de</strong>lo. Busca-se, e há princípios <strong>de</strong><br />
consenso, que supõe a participação <strong>de</strong> Governos Municipais (convênio<br />
COMURES – PNC), falta <strong>de</strong>finir as modalida<strong>de</strong>s operativas nas quais se<br />
expressará sua participação.<br />
Também é possível enten<strong>de</strong>r este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> trabalho no sentido<br />
da busca <strong>de</strong> vínculos com outros atores locais, entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviço da<br />
localida<strong>de</strong>, instituições educativas presentes na região etc.
Relato Policial<br />
O CONTROLE SOCIAL E A POLÍCIA: ALIANÇA<br />
CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ARMAS DE FOGO<br />
Xavier Antonio Dávila Rueda *<br />
INTRODUÇÃO<br />
NICARÁGUA<br />
Geralmente, o problema da <strong>de</strong>linqüência e o crime organizado se<br />
conceituam como problemas a serem resolvidos pelos corpos policiais.<br />
Por isso, não é <strong>de</strong> se imaginar que a cidadania exerça um controle social<br />
ativo, sistemático e relevante nesses temas. Menos imaginável ainda é que<br />
seja a <strong>Polícia</strong> Nacional que promova e gere condições para que a<br />
comunida<strong>de</strong> exerça o controle social sobre as ações policiais e sociais<br />
para a prevenção do <strong>de</strong>lito.<br />
Por essa ocasião, resolvemos apresentar a experiência recente da<br />
Nicarágua, que ilustra o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Comunitária Pró-ativa que<br />
<strong>de</strong>senvolvemos ao longo dos últimos 28 anos, e que se baseia precisamente<br />
numa aliança permanente e estratégica entre a instituição policial e a<br />
socieda<strong>de</strong>, com o fim <strong>de</strong> exercer o controle social.<br />
Nós, nicaragüenses, estamos construindo a segurança cidadã, mão<br />
a mão, vencendo dificulda<strong>de</strong>s, gerando sinergias institucionais e<br />
comunitárias. Para isso, fortalecemos cada dia mais a aliança entre a <strong>Polícia</strong><br />
e a Comunida<strong>de</strong> e promovemos a auditoria social para avaliar e gerar<br />
mudanças que nos permitam um maior <strong>de</strong>senvolvimento, assim como<br />
alcançar novos patamares.<br />
O MODELO POLÍCIA COMUNITÁRIA PRÓ-ATIVA: ANTECEDENTES<br />
DE ORIGEM<br />
A <strong>Polícia</strong> Nacional da Nicarágua, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua fundação em setembro<br />
<strong>de</strong> 1979, assumiu como princípios fundamentais: o serviço à comunida<strong>de</strong><br />
e ao humanismo. Para assegurar organicamente o serviço à comunida<strong>de</strong><br />
criou-se uma função <strong>de</strong> vínculo permanente com a comunida<strong>de</strong> que<br />
<strong>de</strong>nominamos “Chefe <strong>de</strong> Setor”, um funcionário (a) policial <strong>de</strong>signado<br />
para aten<strong>de</strong>r um setor territorial que populacionalmente correspon<strong>de</strong> a<br />
cinco mil habitantes em média. A missão do Chefe <strong>de</strong> Setor é representar<br />
o sistema policial numa comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada, conhecer seus problemas<br />
* Comissionado Major, Diretor <strong>de</strong> Armas e Explosivos <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong> Nicarágua<br />
523
524<br />
O Controle Social e a <strong>Polícia</strong>: aliança<br />
contra o tráfico ilícito <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo<br />
e necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança cidadã, gerir a resposta policial, promover a<br />
organização comunitária para gerar uma resposta social ao problema e<br />
trabalhar conjuntamente com a comunida<strong>de</strong> no <strong>de</strong>senvolvimento local.<br />
Até a data, as comunida<strong>de</strong>s se apropriaram <strong>de</strong>ste sistema. Exigem e<br />
reclamam a presença e o bom <strong>de</strong>sempenho do Chefe <strong>de</strong> Setor, se fazem<br />
ouvir através <strong>de</strong>ste funcionário (a), trabalham em conjunto buscando soluções<br />
sociais para os problemas <strong>de</strong> segurança cidadã, motivam e <strong>de</strong>mandam ações<br />
das entida<strong>de</strong>s públicas que <strong>de</strong>vem intervir na situação e das entida<strong>de</strong>s privadas<br />
locais que possam contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento social e econômico.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta experiência se <strong>de</strong>u gerando reformas<br />
organizacionais no sistema policial, condicionadas pelos momentos<br />
históricos, as mudanças sociais, políticas e econômicas na socieda<strong>de</strong><br />
nicaragüense, as quais abordamos a seguir.<br />
O MODELO POLÍCIA COMUNITÁRIA PRÓ-ATIVA: DESCRIÇÃO<br />
É o procedimento para dispor os serviços policiais ao serviço da<br />
comunida<strong>de</strong> para a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> problemas e a abordagem conjunta dos<br />
mesmos, em busca da prevenção do <strong>de</strong>lito, da segurança humana e da or<strong>de</strong>m.<br />
É um <strong>de</strong>senvolvimento constante das capacida<strong>de</strong>s, aptidões e<br />
habilida<strong>de</strong>s mediante a capacitação e preparação contínua, criando<br />
competências para a solução <strong>de</strong> problemas ligados à prevenção policial e<br />
social, promovendo a gestão comunitária e interinstitucional.<br />
O pró-ativismo se consi<strong>de</strong>ra como sendo a prevenção policial em<br />
que prevalece o sistema pró-ativo sobre o reativo, o que requer um policial<br />
bem informado e capacitado para prever situações <strong>de</strong>litivas, facilitando<br />
com sua atuação a solução <strong>de</strong> problemas antes que estes apareçam,<br />
existindo coor<strong>de</strong>nações entre as unida<strong>de</strong>s, respon<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> maneira rápida<br />
e eficaz às necessida<strong>de</strong>s da cidadania, sendo facilitadores na resolução <strong>de</strong><br />
problemas sociais, em que o cidadão é a razão <strong>de</strong> ser e para o qual se<br />
<strong>de</strong>ve prestar o serviço policial.<br />
Faz-se ênfase em processos <strong>de</strong> inteligência policial, como um sistema<br />
mediante o qual todos e cada um dos integrantes da <strong>Polícia</strong> geram<br />
informação (através da comunida<strong>de</strong>, contatos com a população etc.) e<br />
<strong>de</strong>positam a mesma num banco <strong>de</strong> dados da unida<strong>de</strong>. Sendo processada,<br />
passa por tratamento administrativo, operativo e <strong>de</strong> retroalimentação.
Aplica-se como método <strong>de</strong> gestão e tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões um<br />
processo que <strong>de</strong>nominamos Método dos 6 pontos:<br />
Ponto 1 INSUMOS: Consultas e consenso em nível local para<br />
priorizar e hierarquizar os problemas da comunida<strong>de</strong> e<br />
alternativas <strong>de</strong> soluções possíveis, melhorando o conhecimento<br />
dos lí<strong>de</strong>res locais sobre as responsabilida<strong>de</strong>s da instituição em<br />
sua competência.<br />
Ponto 2 ESTRATÉGIA: Com as consultas e consenso o chefe<br />
<strong>de</strong>ve elaborar uma Estratégia <strong>de</strong> intervenção que envolva todo<br />
o sistema policial.<br />
Ponto 3 PLANEJAMENTO: Determinar objetivos, metas e<br />
ações pertinentes para dar solução aos problemas i<strong>de</strong>ntificados<br />
como prioritários pela população.<br />
Ponto 4 AÇÃO: Execução das ações <strong>de</strong> forma sistêmica,<br />
<strong>de</strong>senvolvendo comunicação efetiva vertical e horizontal,<br />
compartilhando experiências, alinhadas com metas institucionais<br />
e da comunida<strong>de</strong>.<br />
Ponto 5 COMUNICAÇÃO: Divulgação dos resultados do<br />
processo <strong>de</strong> trabalho através da comunicação interna e externa.<br />
Ponto 6 RETROALIMENTAÇÃO: Processo mediante o qual<br />
socializamos os resultados esperados e trocamos experiências,<br />
conquistas e dificulda<strong>de</strong>s para a melhora contínua.<br />
Este mo<strong>de</strong>lo está em processo <strong>de</strong> melhora contínua, sua aplicação<br />
está condicionada pelas capacida<strong>de</strong>s instaladas em cada jurisdição policial.<br />
Em algumas <strong>de</strong>legações policiais sua aplicação é parcial, aten<strong>de</strong>ndo aos<br />
recursos disponíveis e complexida<strong>de</strong>s do entorno.<br />
EXPERIÊNCIA DE CONTROLE SOCIAL SOBRE AS ARMAS DE FOGO<br />
1. Contexto da experiência<br />
Xavier Antonio Dávila Rueda<br />
a) A Lei especial para o controle e regulação das armas <strong>de</strong> fogo,<br />
explosivos, munições e outros materiais relacionados é <strong>de</strong> recente<br />
promulgação (2005), pelo que se requer criar condições na socieda<strong>de</strong><br />
(conhecimento, sensibilização, compromisso) para sua aplicação cidadã.<br />
525
526<br />
O Controle Social e a <strong>Polícia</strong>: aliança<br />
contra o tráfico ilícito <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo<br />
b) O propósito institucional da experiência que apresentamos se<br />
<strong>de</strong>fine como divulgação direta da Lei <strong>de</strong> Armas aos Comitês <strong>de</strong> Prevenção<br />
Social do Delito existentes nos Departamentos <strong>de</strong> Manágua, Masaya e<br />
Granada, e para obter um diagnóstico da problemática social e <strong>de</strong>litiva<br />
que geram as armas <strong>de</strong> fogo, explosivos, munições e outros materiais<br />
relacionados nessas localida<strong>de</strong>s.<br />
c) O propósito comunitário se <strong>de</strong>fine como avaliação do<br />
<strong>de</strong>sempenho da <strong>Polícia</strong> Nacional e estabelecimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong><br />
Segurança Cidadã.<br />
2. Estratégia <strong>de</strong> intervenção<br />
a) Contratação <strong>de</strong> uma empresa consultora que organize e execute<br />
a intervenção com perfil civil e enfocada em temas <strong>de</strong> segurança cidadã e<br />
prevenção social, para que documente os resultados.<br />
b) Organizar eventos <strong>de</strong> comunicação participativa entre a <strong>Polícia</strong><br />
Nacional e as comunida<strong>de</strong>s, através das organizações comunitárias existentes<br />
que trabalham o tema <strong>de</strong> segurança cidadã (Comitês <strong>de</strong> Prevenção Social<br />
do Delito). Estes eventos foram <strong>de</strong>finidos como Grupos Focais.<br />
3. Metodologia<br />
a) A Delegação <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> local convoca uma reunião entre os<br />
Comitês <strong>de</strong> Prevenção Social do Delito do setor geográfico <strong>de</strong> seu<br />
interesse para abordar o tema.<br />
b) O tema se organiza mediante um programa indutivo que vai<br />
gerar interesse e participação das pessoas participantes:<br />
1. A <strong>Polícia</strong> Nacional expõe a situação <strong>de</strong>litiva relacionada a<br />
armas <strong>de</strong> fogo<br />
2. A <strong>Polícia</strong> Nacional expõe os principais temas da Lei <strong>de</strong><br />
controle <strong>de</strong> armas que interessa divulgar com priorida<strong>de</strong>.<br />
3. A empresa consultora gera a troca <strong>de</strong> opiniões sobre<br />
cada um dos temas <strong>de</strong> maneira participativa e produtiva.<br />
Neste processo se evitou a influência e o viés que pu<strong>de</strong>ssem<br />
exercer os oficiais <strong>de</strong> polícia, limitando-os a respon<strong>de</strong>r<br />
aspectos específicos do interesse dos participantes.
4. As pessoas presentes expressam seus pontos <strong>de</strong> vista,<br />
sua <strong>de</strong>finição dos problemas, suas <strong>de</strong>mandas e priorida<strong>de</strong>s,<br />
e recomendam estratégias para superar os problemas.<br />
RESULTADOS OBTIDOS<br />
Xavier Antonio Dávila Rueda<br />
Os principais problemas i<strong>de</strong>ntificados pela comunida<strong>de</strong> são expressos<br />
da seguinte forma:<br />
· Existência <strong>de</strong> armas fabricadas artesanalmente por jovens que se<br />
reúnem para alterar a or<strong>de</strong>m pública e gerar violência juvenil.<br />
· Uso in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo por pessoas com licença <strong>de</strong> porte <strong>de</strong><br />
armas, disparando, alterando a or<strong>de</strong>m pública e expondo pessoas ao perigo.<br />
· Guardas <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> Empresas Privadas <strong>de</strong> Vigilância apresentam<br />
<strong>de</strong>sempenho negligente e alguns agem em cumplicida<strong>de</strong> com <strong>de</strong>linqüentes.<br />
· Existe comercialização <strong>de</strong> produtos pirotécnicos à margem da Lei,<br />
em lugares não autorizados (mercearias ou comércios <strong>de</strong> bairro), e venda a<br />
menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
· Roubos utilizando armas <strong>de</strong> fogo em alguns lugares <strong>de</strong> uso público<br />
como parques, entorno <strong>de</strong> bares e entrada a distritos.<br />
· A comunida<strong>de</strong> per<strong>de</strong>u a confiança no <strong>de</strong>sempenho policial <strong>de</strong>vido às<br />
fragilida<strong>de</strong>s na prevenção, relacionadas com a inexpressiva presença policial,<br />
fraca capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta às <strong>de</strong>núncias e alta rotativida<strong>de</strong> dos oficiais com<br />
bom <strong>de</strong>sempenho.<br />
· A <strong>de</strong>linqüência tem mais recursos do que a <strong>Polícia</strong> Nacional.<br />
· O organismo comunitário apresenta um baixo nível <strong>de</strong> organização e<br />
se sente sem proteção para agir em apoio à <strong>Polícia</strong> Nacional.<br />
· Fabricação <strong>de</strong> produtos pirotécnicos em lugares ina<strong>de</strong>quados<br />
(moradias e fábricas <strong>de</strong> tortilhas) e seu uso impru<strong>de</strong>nte por pessoas que<br />
organizam eventos públicos e por cidadãos comuns em família.<br />
· No uso <strong>de</strong> explosivos industriais, as explosões danificam proprieda<strong>de</strong>s<br />
e provocam danos à saú<strong>de</strong> nas comunida<strong>de</strong>s ao redor.<br />
527
528<br />
O Controle Social e a <strong>Polícia</strong>: aliança<br />
contra o tráfico ilícito <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo<br />
· Uso in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo em zonas rurais, realizando caça<br />
<strong>de</strong> animais em lugares que a <strong>Polícia</strong> não tem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vigiar.<br />
· Grupos <strong>de</strong>linqüentes vindos <strong>de</strong> fora realizam roubos utilizando<br />
armas <strong>de</strong> fogo em moradias, veículos e comércios.<br />
· Pessoas portam armas <strong>de</strong> fogo durante festas religiosas.<br />
· Excesso <strong>de</strong> venda e consumo <strong>de</strong> bebidas alcoólicas geram fatores<br />
<strong>de</strong> risco no uso in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo.<br />
· As empresas privadas <strong>de</strong> vigilância não provêm a capacitação<br />
a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> seus guardas <strong>de</strong> segurança, o que tem permitido que os<br />
guardas transgridam a Lei.<br />
· Comercialização <strong>de</strong> produtos pirotécnicos em lugares não<br />
autorizados tais como mercearias (comércios <strong>de</strong> bairro) e queima <strong>de</strong><br />
pólvora negligente, que coloca em risco a vida <strong>de</strong> pessoas e, em alguns<br />
casos, também <strong>de</strong> animais.<br />
AÇÕES E ESTRATÉGIAS PROPOSTAS PELA COMUNIDADE<br />
· I<strong>de</strong>ntificar e aplicar a Lei nas oficinas que fabricam armas artesanais.<br />
· Descobrir as pessoas que têm armas artesanais para confiscá-las e<br />
aplicar as sanções correspon<strong>de</strong>ntes.<br />
· Intensificar a vigilância e presença policial nos lugares com tendência<br />
à ocorrência <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos, modificando a tática <strong>de</strong> intervenção e<br />
implementando unida<strong>de</strong>s móveis <strong>de</strong> prevenção.<br />
· Orientar o trabalho <strong>de</strong> prevenção social a eliminar as condições<br />
que facilitam a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litiva, tais como: lugares sem iluminação, terrenos<br />
abandonados, venda e consumo <strong>de</strong> álcool etc.<br />
· Superar as fragilida<strong>de</strong>s locais na relação polícia e comunida<strong>de</strong>.<br />
· Exercer controle social sobre pessoas que têm condutas in<strong>de</strong>vidas<br />
fazendo uso <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo.<br />
· Melhorar a resposta policial ao chamado <strong>de</strong> emergência.<br />
· Melhorar o sistema <strong>de</strong> supervisão interna da <strong>Polícia</strong> Nacional,<br />
apoiado pela comunida<strong>de</strong>.
Xavier Antonio Dávila Rueda<br />
· Avaliar sistematicamente o <strong>de</strong>sempenho dos guardas <strong>de</strong> segurança,<br />
<strong>de</strong> forma conjunta entre polícia e comunida<strong>de</strong>.<br />
· Melhorar os critérios <strong>de</strong> seleção e contratação do pessoal que<br />
integra as empresas <strong>de</strong> segurança privada, estabelecendo um controle<br />
cruzado entre <strong>Polícia</strong> e Comunida<strong>de</strong>. Particularmente, incidir na capacitação<br />
sobre a Lei <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Armas <strong>de</strong> Fogo.<br />
· A polícia e a comunida<strong>de</strong> promoverão a divulgação e publicida<strong>de</strong><br />
pertinente das leis, utilizando os meios <strong>de</strong> comunicação social.<br />
· Facilitar informação que possibilite à <strong>Polícia</strong> Nacional prevenir e<br />
sancionar a fabricação e uso <strong>de</strong> armas artesanais.<br />
· Intensificar a vigilância e a presença policial nos arredores <strong>de</strong> bares,<br />
parques e entrada <strong>de</strong> distritos, exercendo controle sobre grupos <strong>de</strong> pessoas.<br />
· Orientar o trabalho <strong>de</strong> prevenção social a incidir sobre pais <strong>de</strong><br />
família, para que exerçam sua autorida<strong>de</strong> sobre seus filhos jovens, e<br />
responsabilizar os tutores sobre danos que ocasionem os menores <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>, implementando como sanção o trabalho comunitário.<br />
· Recompensar os chefes e oficiais da polícia que fazem um bom<br />
trabalho com a comunida<strong>de</strong> e ampliar capacida<strong>de</strong>s em <strong>de</strong>legações, segundo<br />
o crescimento populacional em municípios e comunida<strong>de</strong>s.<br />
· Apoiar um orçamento maior para a <strong>Polícia</strong> Nacional que permita<br />
uma maior presença preventiva, a criação e fortalecimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>legações<br />
em distritos e bairros.<br />
· Revisar e ajustar o papel dos organismos comunitários e fortalecêlos<br />
para que permitam um melhor <strong>de</strong>sempenho em sua função <strong>de</strong><br />
prevenção social do <strong>de</strong>lito.<br />
· Desenvolver campanhas <strong>de</strong> comunicação e capacitação para a<br />
população em matéria <strong>de</strong> prevenção social do <strong>de</strong>lito.<br />
· Desenvolver uma campanha educativa em conjunto entre <strong>Polícia</strong> e<br />
Comunida<strong>de</strong> para sensibilizar fabricantes <strong>de</strong> produtos pirotécnicos,<br />
cidadãos e, especialmente, as crianças e os pais <strong>de</strong> família.<br />
· Criar pontos <strong>de</strong> venda autorizados, selecionando os lugares em<br />
conjunto pela <strong>Polícia</strong> e a Comunida<strong>de</strong>.<br />
529
530<br />
O Controle Social e a <strong>Polícia</strong>: aliança<br />
contra o tráfico ilícito <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo<br />
· Inspecionar estes lugares e aplicar a Lei.<br />
· A <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong>ve regular a potência e as condições a<strong>de</strong>quadas<br />
para efetuar as explosões industriais.<br />
· A <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong>ve exigir a divulgação da programação <strong>de</strong> explosões<br />
para favorecer a supervisão <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s comunitárias.<br />
· Intensificar a vigilância e controle <strong>de</strong> porte <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo em via<br />
pública.<br />
· Exercer um controle social sobre os estabelecimentos que ven<strong>de</strong>m<br />
bebidas alcoólicas, a fim <strong>de</strong> evitar excessos na venda.<br />
· Desenvolver uma campanha para evitar o consumo excessivo <strong>de</strong> álcool.<br />
· A <strong>Polícia</strong> Nacional <strong>de</strong>ve ser mais exigente no cumprimento dos<br />
requisitos para autorizar o funcionamento <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> vigilância privada<br />
e supervisionar sistematicamente o <strong>de</strong>sempenho dos guardas <strong>de</strong><br />
segurança.<br />
CONCLUSÕES<br />
1. A problemática <strong>de</strong> segurança cidadã entre uma localida<strong>de</strong> e outra<br />
não é necessariamente a mesma, e se algum fator se repete, este não tem<br />
a mesma dimensão nem a mesma priorida<strong>de</strong> na <strong>de</strong>manda social em ambas<br />
as comunida<strong>de</strong>s.<br />
2. Se não existe uma comunicação e relação sistêmica entre polícia<br />
e comunida<strong>de</strong>, a polícia não po<strong>de</strong> conhecer com precisão a situação <strong>de</strong><br />
segurança da população, nem suas expectativas. Muito menos haverá uma<br />
participação social ativa na construção da segurança cidadã.<br />
3. A sinergia criada no trabalho conjunto entre polícia e comunida<strong>de</strong><br />
permite um impacto <strong>de</strong>cisivo no bem-estar local.<br />
4. O enfoque <strong>de</strong> trabalho local facilita as operações policiais e a<br />
ação social.<br />
5. É possível aplicar a prevenção social em temas complexos como<br />
o tráfico ilícito <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo.
Artigo<br />
POLÍCIA E JUVENTUDE NA ERA DA<br />
GLOBALIZAÇÃO<br />
Profa. Dra. Alba Zaluar *<br />
INTRODUÇÃO: O CRIME NEGÓCIO GLOBALIZADO<br />
A globalização tem sido analisada e avaliada em seus aspectos<br />
ambivalentes e paradoxais. A extensa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação no planeta, a<br />
rapi<strong>de</strong>z e o alcance com que produtos, idéias, mo<strong>de</strong>los e pessoas viajam<br />
têm contribuído para diminuir o <strong>de</strong>sconhecimento dos outros, criando<br />
assim mais condições para o hibridismo cultural, que o Brasil conhece<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII, e para uma cultura cosmopolita em que a<br />
multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culturas locais seja aceita no cenário mundial sem ser<br />
esmagada pelos mecanismos da uniformização cultural. Além disso, o<br />
respeito aos direitos civis e humanos passaram a fazer parte <strong>de</strong> uma arena<br />
planetária, observado nos quatro cantos do mundo.<br />
Mas há o lado escuro da globalização. O domínio da lógica do<br />
mercado sobre as <strong>de</strong>mais instâncias da vida social e política, a divisão <strong>de</strong><br />
nações, grupos e pessoas entre vencedores e per<strong>de</strong>dores fazem da<br />
competição uma inexorável e interminável ativida<strong>de</strong> humana. O jogo soma<br />
zero que se segue afeta não apenas os sistemas <strong>de</strong> proteção social já<br />
estabelecidos, mas também a vida pessoal <strong>de</strong> cada ser humano.<br />
Mas o efeito da globalização que mais claramente aponta para o que<br />
faz regredir o processo civilizatório tem sido pouco explorado nas<br />
conexões com o que se po<strong>de</strong>ria chamar o crime-negócio global, cujos<br />
principais setores são: o tráfico <strong>de</strong> drogas e <strong>de</strong> armas no mundo.<br />
Entre criminólogos, é um lugar comum dizer que o tráfico <strong>de</strong> drogas<br />
ilegais, tendo sido instituído como crime, tornou-se uma ativida<strong>de</strong><br />
econômica transnacional com conexões nos negócios legais e formais. De<br />
fato, alguns <strong>de</strong> seus efeitos só são entendidos quando se tomam as relações<br />
simbióticas entre diferentes atores que têm interesses comuns e formam<br />
um tecido social, econômico e institucional bem entrelaçado. Este tecido<br />
compõe o que <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado como o elemento sistêmico que<br />
existe, no interior e fora das nações, nas re<strong>de</strong>s transnacionais das ativida<strong>de</strong>s<br />
econômicas criminosas, que negociam inúmeras mercadorias ilegais (Van<br />
* Professora Titular <strong>de</strong> Antropologia do Instituto <strong>de</strong> Medicina Social da Universida<strong>de</strong> do Estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, coor<strong>de</strong>nadora do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisas sobre as Violências (NUPEVI/IMS/UERJ).<br />
www.ims.uerj.br/nupevi<br />
BRASIL<br />
531
532<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
<strong>de</strong>r Veen, 1998). O mercado das drogas ilegais é particularmente importante<br />
no Brasil porque é ele que vai afetar a vida dos jovens vulneráveis, especialmente<br />
os <strong>de</strong> sexo masculino. Por isso, o foco aqui é o comércio <strong>de</strong> drogas e armas.<br />
Outra afirmação disseminada entre criminólogos é a que se refere<br />
ao processo <strong>de</strong> globalização, nem sempre esclarecendo a dinâmica que<br />
conecta as ativida<strong>de</strong>s ilegais ao sistema financeiro volátil e transnacional<br />
bem como aos valores e práticas sociais que permitem a reprodução<br />
<strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s. Os princípios do mercado inva<strong>de</strong>m ainda mais<br />
avassaladoramente aquelas formações sociais em que instituições são<br />
corporações fechadas <strong>de</strong> pouca legitimida<strong>de</strong> e on<strong>de</strong> tradições morais não<br />
<strong>de</strong>monstram capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistir às imposições, armadilhas e tentações<br />
do novo e rápido mercado global. Não só a volatilida<strong>de</strong> e a rapi<strong>de</strong>z do<br />
mercado financeiro internacional facilitam as manobras para a lavagem do<br />
dinheiro ganho em ativida<strong>de</strong>s ilegais diversas, como a própria cultura<br />
empresarial se modifica. O objetivo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser poupar para investir, e<br />
passa a ser o <strong>de</strong> ganhar dinheiro facilmente, e <strong>de</strong> qualquer maneira, para<br />
consumir <strong>de</strong> modo hedonista (Sassen, 1991; Castels & Mollenkopf, 1992).<br />
Outro autor assinala que a concepção <strong>de</strong> futuro foi alterada pelas incertezas<br />
do novo ambiente econômico e os medos <strong>de</strong>spertados pela competição<br />
onipresente e infindável entre nações, grupos e pessoas. Em vez <strong>de</strong> poupar<br />
para investir no futuro, gastos consumistas com o dinheiro <strong>de</strong> plástico, o<br />
ubíquo cartão <strong>de</strong> crédito (Bauman, 2007).<br />
Valores culturais modificados acompanharam tais mudanças nas<br />
formações subjetivas: valores individualistas e mercantis selvagens se<br />
disseminaram durante os anos setenta e oitenta em países como o Brasil,<br />
traduzidos pelas expressões corriqueiras “fazer dinheiro fácil” e “tirar<br />
vantagem <strong>de</strong> tudo”, também próprios <strong>de</strong>sta nova fase do capitalismo<br />
globalizado. Ou seja, a socieda<strong>de</strong> brasileira, po<strong>de</strong>-se dizer, sofreu o impacto<br />
da colonização pelo mercado e passou a carecer dos limites morais<br />
usualmente fornecidos pelo social e pelo institucional consolidado, e ficou<br />
<strong>de</strong>spreparada para enfrentar os novos <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> uma economia que<br />
tornou mais informal, precário e <strong>de</strong>sprotegido o trabalho presente, ainda<br />
mais incerto o futuro.<br />
Como uma ativida<strong>de</strong> ilegal e invisível, o comércio <strong>de</strong> drogas faz<br />
parte <strong>de</strong>ste novo ambiente social, econômico e cultural. Foi, portanto, o<br />
próprio capitalismo na era da globalização que favoreceu, estimulou e criou
uma nova cultura que afeta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os empreen<strong>de</strong>dores econômicos <strong>de</strong> vários<br />
níveis até o mais reles consumidor dos muitos novos bens ofertados, legais<br />
e ilegais, com as facilida<strong>de</strong>s da rapi<strong>de</strong>z das conexões internacionais.<br />
Mas são os atores no varejo do tráfico, que ficam na ponta final das<br />
extensas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> envolvidos nessa ativida<strong>de</strong> econômica, os que continuam<br />
sendo o alvo principal das políticas <strong>de</strong> segurança pública repressivas levadas<br />
a cabo nos estados brasileiros.<br />
EFEITOS DA POLÍTICA REPRESSIVA NO BRASIL<br />
. Alba Zaluar<br />
No Brasil, começou-se tardiamente a investigar e a conhecer a<br />
provisão <strong>de</strong> drogas ilícitas ou a força organizacional das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> traficantes,<br />
principalmente suas conexões com a economia e as instituições legais.<br />
Apesar da expansão do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Estado e dos fundos para o controle<br />
público <strong>de</strong>stas ações durante os anos oitenta, só muito recentemente<br />
<strong>de</strong>u-se atenção aos interesses econômicos e políticos conectados à<br />
economia da droga, particularmente as interações cuidadosamente tecidas<br />
entre o mundo visível e o invisível, o legal e o ilegal, os setores formais e<br />
informais da economia. Em outras palavras, se bem que a <strong>Polícia</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
tenha examinado o crime organizado nos últimos anos, a <strong>Polícia</strong> dos estados<br />
da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, suas polícias civis e militares, intervém<br />
principalmente na repressão violenta das favelas e dos bairros pobres nas<br />
regiões metropolitanas e capitais.<br />
Sem conhecer os meandros e as re<strong>de</strong>s das ativida<strong>de</strong>s econômicas<br />
ilícitas e, muito menos, sem enten<strong>de</strong>r os efeitos <strong>de</strong>ssa nova cultura nas<br />
práticas sociais dos jovens que entram ou convivem nos pontos <strong>de</strong> venda<br />
das drogas, ou seja, nas formações subjetivas por eles internalizadas nos<br />
últimos 30 anos, os resultados das políticas <strong>de</strong> segurança têm sido pífios.<br />
Os primeiros permitiram <strong>de</strong>smantelar as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> operação,<br />
infringindo golpes mais contun<strong>de</strong>ntes nas ativida<strong>de</strong>s em questão e<br />
diminuindo seus atrativos financeiros e políticos, o que <strong>de</strong>veria ser<br />
implementado principalmente a nível fe<strong>de</strong>ral e interestadual. As segundas<br />
ajudariam a pensar em projetos <strong>de</strong> prevenção mais eficazes, com um<br />
melhor convívio, ou mesmo cooperação entre as polícias estaduais e os<br />
moradores das vizinhanças dominadas pelos traficantes <strong>de</strong> drogas do<br />
pequeno varejo. Estas <strong>de</strong>veriam ser a principal transformação na forma<br />
533
534<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
<strong>de</strong> agir das polícias militar e civil em cada estado brasileiro. Não adianta,<br />
porém, implementar projetos mo<strong>de</strong>los em uma comunida<strong>de</strong> apenas. É<br />
preciso que tais projetos atinjam todas as áreas das cida<strong>de</strong>s que se<br />
encontram dominadas por traficantes armados, cada vez mais tirânicos<br />
para com os moradores locais.<br />
AS ATRAÇÕES DO CRIME NEGÓCIO<br />
Em contexto <strong>de</strong> pouco <strong>de</strong>senvolvimento econômico, ou mesmo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>s-industrialização como acontece nas maiores cida<strong>de</strong>s brasileiras,<br />
mais pessoas po<strong>de</strong>m vir a ser atraídas ao arriscado crime-negócio e passar<br />
a organizar suas ações <strong>de</strong> modo a obstruir a <strong>de</strong>tecção e a acusação judicial,<br />
seguindo o jogo sujo e necessariamente violento das ativida<strong>de</strong>s fora e<br />
contra a lei. Sua ilegalida<strong>de</strong> suscita extrema violência em alguns setores,<br />
especialmente o do tráfico <strong>de</strong> drogas no varejo. Os que ocupam posições<br />
estratégicas nas gran<strong>de</strong>s re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conexões transnacionais po<strong>de</strong>m ter<br />
rápidos ganhos <strong>de</strong>vido a uma combinação <strong>de</strong> poucos limites institucionais<br />
e morais, com a conseqüente corrupção que atinge as instituições<br />
encarregadas <strong>de</strong> coibir o crime. Localmente, eles fomentam práticas<br />
subterrâneas e violentas <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos e <strong>de</strong> luta perene pelo<br />
controle do comércio e as posições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: as ameaças, a intimidação,<br />
a chantagem, a extorsão, as agressões, os assassinatos e, em alguns países,<br />
até mesmo o terrorismo.<br />
Não falta no Brasil, o que Becker chamou <strong>de</strong> “motivação <strong>de</strong> um ato<br />
<strong>de</strong>sviante”, <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> uma situação na qual o agente social não aceita a<br />
or<strong>de</strong>m social ou o atual estado do jogo social e político, ou ainda se revolta<br />
contra ele. Não que a pobreza explique o ato <strong>de</strong>sviante, mas ela po<strong>de</strong>, em<br />
conjugação com as falhas do Estado na criação <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
ascensão social ou <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> respeito, às quais <strong>de</strong>ve se adicionar a<br />
nova cultura hedonista que faz parte da cultura jovem, facilitar a a<strong>de</strong>são às<br />
práticas <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> drogas ilícitas, tidas como sub-culturas marginais. Subculturas<br />
ou não, grupos <strong>de</strong> usuários se formam e são importantes na medida<br />
em que sabemos ser o ato <strong>de</strong>sviante ou a repetição <strong>de</strong>le uma <strong>de</strong>corrência<br />
do aprendizado no grupo social <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviantes do qual o jovem vem a<br />
fazer parte. Este pertencimento vem a gerar uma série <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s, valores<br />
e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m se cristalizar e, também por criar laços reais <strong>de</strong><br />
amiza<strong>de</strong>, domínio ou dívida, dificultar o rompimento com o grupo,<br />
portanto com o próprio <strong>de</strong>svio.
Mesmo on<strong>de</strong> tais ativida<strong>de</strong>s ilegais surgiram <strong>de</strong> uma revolta contra<br />
a discriminação e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> nas oportunida<strong>de</strong>s que o mercado legal<br />
oferece, as conseqüências principais das ativida<strong>de</strong>s transgressoras da lei<br />
são: 1) criar vítimas entre possíveis concorrentes, tornando o mercado<br />
ainda mais discriminador e <strong>de</strong>sigual; 2) tornar a vida <strong>de</strong> todos nas vizinhanças<br />
on<strong>de</strong> atuam seus protagonistas, e não apenas do pequeno número <strong>de</strong>stes<br />
protagonistas, muito mais difícil e cruel; 3) fazer surgir novos e inesperados<br />
atores interessados em manter a ilegalida<strong>de</strong> pelas vantagens <strong>de</strong>la retiradas,<br />
até mesmo os encarregados <strong>de</strong> reprimi-las no sistema <strong>de</strong> justiça,<br />
especialmente em países <strong>de</strong> fraca institucionalida<strong>de</strong> como o Brasil; 4)<br />
ameaçar a organização, a governança e um dos princípios básicos da<br />
existência do Estado <strong>de</strong> Direito: o monopólio legítimo da violência,<br />
contestado pelo uso <strong>de</strong> armas mo<strong>de</strong>rnas e potentes nas mãos dos<br />
integrantes <strong>de</strong> quadrilhas e comandos.<br />
ENTENDENDO O CRIME NEGÓCIO LOCALIZADO<br />
. Alba Zaluar<br />
Mesmo admitindo que a pobreza impõe dificulda<strong>de</strong>s no viver que<br />
propicia a marginalização do jovem, é preciso nunca per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que<br />
a categoria “pobre” é altamente diferenciada. Os efeitos combinados da<br />
pobreza e da urbanização acelerada, sem que houvesse um<br />
<strong>de</strong>senvolvimento econômico necessário para oferecer emprego urbano<br />
aos migrantes e aos trabalhadores pobres, não são suficientes para<br />
compreen<strong>de</strong>r os conflitos armados que matam homens jovens. Portanto,<br />
<strong>de</strong>ve-se discutir como a pobreza e a falta <strong>de</strong> emprego para os jovens<br />
pobres se relacionam com os mecanismos e fluxos institucionais do sistema<br />
<strong>de</strong> Justiça na sua ineficácia no combate ao crime organizado, bem como<br />
os efeitos da globalização da cultura sobre as tradições locais.<br />
Tampouco a urbanização muito rápida, além <strong>de</strong> não garantir emprego<br />
para todos os migrantes e, <strong>de</strong>pois, para os seus filhos, não permite que as<br />
práticas sociais urbanas da tolerância e civilida<strong>de</strong> sejam assimiladas entre<br />
os novos habitantes das cida<strong>de</strong>s. Entretanto, por conta dos processos já<br />
mencionados <strong>de</strong> crise da autorida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> difusão das novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e<br />
estilos juvenis globais, rapidamente corrói os valores morais tradicionais,<br />
já não mais interiorizados pelas novas gerações da cida<strong>de</strong>.<br />
Assim, muitos homens jovens e pobres se tornaram vulneráveis às<br />
atrações do crime-negócio por causa da <strong>de</strong>sorganização em suas famílias,<br />
535
536<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
muitas <strong>de</strong>las incapazes <strong>de</strong> administrar os conflitos surgidos na vida urbana<br />
mais multifacetada e imprevisível. Pais ausentes que não protegem, não<br />
educam e não prestam atenção na companhia dos filhos são pais<br />
ina<strong>de</strong>quados. Políticas públicas que juntam jovens que já praticaram atos<br />
<strong>de</strong>linqüentes sem fazê-los enten<strong>de</strong>r a dimensão dos seus atos e o<br />
sofrimento que provocam nas vítimas estão <strong>de</strong>stinadas ao fracasso por<br />
estarem facilitando a dinâmica do contágio <strong>de</strong> idéias e comportamentos<br />
violentos. E a favela ou o bairro pobre, evi<strong>de</strong>ntemente, seria o local propício<br />
para a sua propagação por isolar uma população que apresenta um<br />
percentual alto <strong>de</strong> famílias com “paternida<strong>de</strong> falha”, além <strong>de</strong> serviços<br />
públicos, como escolas, <strong>de</strong> pior qualida<strong>de</strong>, mas principalmente pelo<br />
policiamento ina<strong>de</strong>quado e uso excessivo da força.<br />
Jovens <strong>de</strong> famílias com renda abaixo do nível da pobreza tornamse<br />
vulneráveis por conta <strong>de</strong> uma combinação do abismo entre adultos e<br />
jovens, do sistema escolar ineficaz, da falta <strong>de</strong> treinamento profissional,<br />
com os postos <strong>de</strong> trabalho insuficientes, acrescidos das miragens das<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s globais e do mercado on<strong>de</strong> se compete sempre para separar<br />
“vencedores” e “per<strong>de</strong>dores”. Foi isto que apresentei como os<br />
argumentos para sustentar a idéia <strong>de</strong> “integração perversa” ao sistema<br />
econômico (Zaluar, 2004), formada na vinculação em posições menores<br />
no tráfico <strong>de</strong> drogas.<br />
Os mercados informais sempre existiram no Brasil, e constituíram<br />
uma fonte <strong>de</strong> renda importante para os com pouca qualificação ou<br />
<strong>de</strong>sempregados. Estes mercados criaram re<strong>de</strong>s e regras para organizar o<br />
comércio <strong>de</strong> artesanatos e a produção caseira nas principais ruas dos<br />
maiores centros urbanos. Entretanto, nas últimas décadas, as ruas foram<br />
ocupadas pelos ven<strong>de</strong>dores ambulantes <strong>de</strong> objetos roubados <strong>de</strong><br />
caminhões, <strong>de</strong> residências e <strong>de</strong> passantes. Teria sido mera coincidência,<br />
ou a própria dinâmica do tráfico <strong>de</strong> drogas informal e ilegal esten<strong>de</strong>u para<br />
outras re<strong>de</strong>s o recebimento dos produtos roubados com o objetivo <strong>de</strong><br />
criar a liqui<strong>de</strong>z para comprar novas doses da <strong>de</strong>sejada droga?<br />
O comércio informal, tradicionalmente uma saída para o<br />
<strong>de</strong>semprego e o trabalho subalterno, tornou-se misturado com<br />
empreendimentos econômicos criminosos, tais como o roubo <strong>de</strong> vários<br />
bens utilizados como moeda para comprar drogas e seus precursores<br />
(Zaluar, 1994; Geffray, 2001). Ferros-velhos, ourivesarias, oficinas
Alba Zaluar<br />
mecânicas e antiquários viraram centros <strong>de</strong> receptação e, algumas vezes, <strong>de</strong><br />
lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Usuários entrevistados e os que escreveram biografias<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tratados mencionam o fato <strong>de</strong> que, quando muito “fissurados”,<br />
levavam os objetos roubados imediatamente para a boca <strong>de</strong> fumo e se<br />
conformavam em receber uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> drogas muito inferior ao preço<br />
que po<strong>de</strong>riam obter nos centros <strong>de</strong> receptação (Pinheiro, 2005).<br />
Todavia, isto não se passa sem estratégias eficazes <strong>de</strong> corrupção<br />
dos agentes da lei. Sem isso, não seria possível compreen<strong>de</strong>r a facilida<strong>de</strong><br />
com que armas e drogas chegam até as favelas e bairros populares do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro (Zaluar, 1994; Lins, 1997), nem como as mercadorias roubadas<br />
- automóveis, caminhões, jóias, eletrodomésticos -, usadas na troca com<br />
as drogas ilegais, chegam com facilida<strong>de</strong> ao seu <strong>de</strong>stino final no Paraguai e<br />
na Bolívia, passando pelo interior <strong>de</strong> São Paulo (Geffray, 1996).<br />
Uma vez <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> grupos criminosos, jovens, <strong>de</strong>stituídos ou não,<br />
ficam à mercê das rigorosas regras que proíbem a traição e a evasão <strong>de</strong><br />
quaisquer recursos, por mínimos que sejam. Entre esses jovens, no entanto,<br />
são os mais <strong>de</strong>stituídos que portam o estigma <strong>de</strong> eternos suspeitos, portanto<br />
incrimináveis, quando são usuários <strong>de</strong> drogas, aos olhos discriminatórios<br />
das agências <strong>de</strong> controle institucional. Com um agravante: policiais corruptos<br />
agem como grupos <strong>de</strong> extorsão, que pouco se diferenciam dos grupos <strong>de</strong><br />
extermínio formados com o objetivo <strong>de</strong> matá-los. Quadrilhas <strong>de</strong> traficantes<br />
e assaltantes não usam métodos diferentes dos primeiros.<br />
Todas as entrevistas feitas com os jovens envolvidos pelas quadrilhas,<br />
em Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, conjunto habitacional popular no Rio <strong>de</strong> Janeiro, pela<br />
equipe <strong>de</strong> pesquisa que coor<strong>de</strong>nei entre 1987 e 1991, mencionaram o<br />
mesmo esquema <strong>de</strong> extorsão e terror da parte <strong>de</strong> policiais da região e a<br />
imposição <strong>de</strong> traficantes para que os pequenos ladrões dividissem o produto<br />
<strong>de</strong> seu roubo (Zaluar, 1994; Lins, 1997). Tornar-se membro da quadrilha<br />
passa a ser imperativo, ou para pagar dívidas, ou para se sentir mais forte e<br />
mais protegido frente aos inimigos criados. Se entra, o jovem se inicia no<br />
circuito infernal <strong>de</strong> ter que andar sempre armado para não ser morto, que<br />
os jovens <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>nominavam “condomínio do diabo”.<br />
De fato, o comércio <strong>de</strong> drogas tornou-se sinônimo <strong>de</strong> guerra em<br />
muitos municípios do Brasil, mas com diferenças regionais entre cida<strong>de</strong>s<br />
e entre bairros na mesma cida<strong>de</strong>. No Rio <strong>de</strong> Janeiro, mesmo que não<br />
537
538<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
completamente coor<strong>de</strong>nado por uma hierarquia mafiosa, o comércio <strong>de</strong><br />
drogas tem um arranjo horizontal eficaz pelo qual se faltam drogas ou<br />
armas <strong>de</strong> fogo em uma favela, esta imediatamente as obtêm das favelas<br />
aliadas. As quadrilhas ou comandos conciliam os dispositivos <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong><br />
geograficamente <strong>de</strong>finida, que inclui pontos centrais ou <strong>de</strong> difusão, com<br />
outros que se estabelecem na base da reciprocida<strong>de</strong> horizontal.<br />
Nesta cida<strong>de</strong>, as armas <strong>de</strong> fogo são mais facilmente obtidas por<br />
causa dos portos e vários aeroportos assim como os mais importantes<br />
<strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> armamentos das Forças Armadas que estão <strong>de</strong>ntro do seu<br />
território. Muitos furtos ocorreram e continuam ocorrendo em tais<br />
<strong>de</strong>pósitos. Conseqüentemente, o tráfico <strong>de</strong> drogas tornou-se mais<br />
facilmente militarizado.<br />
Basta ler os jornais brasileiros para saber que os “comandos”<br />
inimigos disputam violentamente o território on<strong>de</strong> controlam os negócios,<br />
e proíbem os moradores das áreas “inimigas” <strong>de</strong> cruzar os limites do seu<br />
perímetro, até mesmo para visitar amigos ou parentes. É por isto que<br />
favelados, <strong>de</strong> alguns bairros da cida<strong>de</strong>, falam <strong>de</strong> uma “guerra interminável”<br />
que opõe traficantes pertencentes a comandos inimigos ou policiais versus<br />
traficantes. Nesta guerra, não somente os membros das quadrilhas, mas<br />
também os jovens que vivem nas mesmas favelas ou em favelas amigas,<br />
são obrigados a ajudar cada vez que os traficantes locais ou aliados são<br />
atacados por inimigos. Os “soldados do tráfico” ou “falcões” formam<br />
então um “bon<strong>de</strong>”, ou “elo” que respon<strong>de</strong>rá ao ataque do outro “bon<strong>de</strong>”,<br />
constituído da mesma maneira. Por isso, os vizinhos não têm permissão<br />
<strong>de</strong> cruzar as fronteiras artificiais entre as favelas. Muitos homens jovens<br />
foram mortos apenas porque passaram <strong>de</strong> um setor a outro comandado<br />
pelas re<strong>de</strong>s beligerantes do tráfico. Mesmo para trabalhar, mesmo para<br />
se divertir no baile. Algumas mulheres também foram mortas por ousarem<br />
namorar homens <strong>de</strong> favelas inimigas.<br />
Quando os “soldados” são chamados pelos “donos do tráfico”, este<br />
chamado é dirigido aos jovens que conseguiram ultrapassar os<br />
regulamentos existentes hoje nas Forças Armadas brasileiras para evitar<br />
recrutar jovens <strong>de</strong> favelas. Eles foram treinados durante o serviço militar,<br />
ainda obrigatório. Mesmo quando não fazem parte das quadrilhas, estes<br />
jovens são “convidados” a montar e <strong>de</strong>smontar as armas automáticas<br />
exclusivas das Forças Armadas e roubadas <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>pósitos; são chamados
Alba Zaluar<br />
a instruir os novos soldados do tráfico a enfrentar os inimigos quando a<br />
favela on<strong>de</strong> vivem é invadida pela polícia ou uma quadrilha rival. Eles <strong>de</strong>vem<br />
aceitar o “convite” não tanto porque são pressionados, mas porque se<br />
sentem obrigados a colaborar com a quadrilha que controla o bairro on<strong>de</strong><br />
moram. De todo modo, eles sabem que, em caso <strong>de</strong> recusa, pagarão um<br />
preço, tanto no plano moral como no físico: per<strong>de</strong>rão o “conceito” ou a<br />
“consi<strong>de</strong>ração” junto ao “dono do morro”; serão expulsos da favela; ou,<br />
pior, executados (Zaluar, 2001).<br />
Em algumas regiões pobres da cida<strong>de</strong>, os “comandos” que controlam<br />
os morros dividiram militarmente não apenas as favelas, mas também as<br />
ruas próximas. É preciso prestar atenção para não cair nas mãos <strong>de</strong> inimigos<br />
ou, como eles dizem, <strong>de</strong> “alemães”. Além disso, as ruas são pouco iluminadas<br />
e a polícia não vai ali senão em raras patrulhas ou “blitzen”. Por isso, os<br />
traficantes das favelas reinam sem muitos problemas nas ruas dos bairros<br />
mais longínquos. Trata-se, para eles, <strong>de</strong> impedir fornecedores<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> droga <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r sua mercadoria ali ou <strong>de</strong> mostrar seu<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fogo. Quando o “proprietário dos morros” avista um ven<strong>de</strong>dor<br />
não autorizado, ameaça-o. Se este último insiste, e confronta a quadrilha,<br />
é morto. Não se po<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r drogas sem ser autorizado pelo dono. Se o<br />
traficante ou o policial corrompido suspeita que os bandidos menos<br />
importantes estão ganhando muito dinheiro, estes po<strong>de</strong>m passar pela<br />
experiência <strong>de</strong> serem agredidos, torturados ou extorquidos. A situação,<br />
como dizem, fica “sinistra”. Eles po<strong>de</strong>m ser mortos por um ou por outro.<br />
Nessas áreas pobres da cida<strong>de</strong> controladas por traficantes, o uso<br />
da arma <strong>de</strong> fogo é corriqueiro como meio <strong>de</strong> manter o domínio do<br />
território, cobrar dívidas, afastar concorrentes e amedrontar possíveis<br />
testemunhas 1 . Compreen<strong>de</strong>-se, assim, porque jovens pobres matam-se<br />
uns aos outros <strong>de</strong>vido a rivalida<strong>de</strong>s pessoais e comerciais, seguindo o<br />
padrão estabelecido pela organização que, além <strong>de</strong> criar regras militares<br />
<strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> e submissão, distribui fartamente armas <strong>de</strong> fogo automáticas<br />
e semi-automáticas, exclusivas das Forças Armadas.<br />
Não se trata, pois, <strong>de</strong> guerra civil entre pessoas <strong>de</strong> classes sociais<br />
diferentes ou mesmo uma nítida guerra entre polícia e bandidos. Nestas<br />
mortes, os jovens pobres não estão cobrando dos ricos, nem estão<br />
perpetrando alguma forma <strong>de</strong> vingança social, pois são eles as principais<br />
vítimas da criminalida<strong>de</strong> violenta, seja pela ação da polícia, seja dos próprios<br />
539
540<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
<strong>de</strong>linqüentes. Vivem, <strong>de</strong> fato, segundo as regras da reciprocida<strong>de</strong> violenta<br />
e da vingança privada pela ausência <strong>de</strong> uma instância jurídica na resolução<br />
<strong>de</strong> conflitos internos e do vigor <strong>de</strong> uma cultura cidadã. Tais conflitos<br />
armados po<strong>de</strong>m ser mais bem entendidos como guerras moleculares,<br />
localizadas, mas sem fim.<br />
HIPERMASCULINIDADE E VIOLÊNCIA<br />
De uma dinâmica da economia informal transfigurada em ilegal,<br />
cristaliza-se a “cultura <strong>de</strong> rua” violenta. Segundo um autor que estudou<br />
esta cultura nos Estados Unidos da América (Bourgois, 1996), os<br />
milhões <strong>de</strong> dólares dos negócios na rua, não bem estimados, tornaramse<br />
“a estratégia masculina mais visível publicamente” ou uma “alternativa<br />
para a dignida<strong>de</strong> pessoal autônoma”. Disso resultou uma cultura <strong>de</strong><br />
rua <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong> explosiva e <strong>de</strong>safiadora, como resposta e em<br />
oposição à exclusão social.<br />
Mas há outra interpretação que ressalta o caráter violento <strong>de</strong>sta<br />
formação subjetiva. No contexto do conflito armado e <strong>de</strong> muito<br />
dinheiro no bolso, propiciado pelo tráfico <strong>de</strong> drogas, <strong>de</strong>senvolve-se o<br />
estilo <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finido como o da hipermasculinida<strong>de</strong><br />
exibicionista, exagerada, na qual os homens se permitem <strong>de</strong>monstrar<br />
o que um autor <strong>de</strong>nominou “exibição espetacular <strong>de</strong> protesto<br />
masculino” (Connel, 1987, 1995). São homens que não pu<strong>de</strong>ram<br />
construir a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> masculina como os tradicionais operários pelo<br />
trabalho, pela educação, pela proprieda<strong>de</strong> e pelo consumo <strong>de</strong> bens<br />
duráveis, coisas que um emprego <strong>de</strong> trabalho manual permitiam até<br />
meados do século passado. Segundo o mesmo autor, esses homens<br />
tornam-se ameaça para a vizinhança em que vivem e o Estado os<br />
estigmatiza porque o seu comportamento é conspícuo; eles se tornam<br />
criminosos por causa da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero construída assim.<br />
Ora, no Brasil, crianças e adolescentes morrem numa “guerra”<br />
pelo controle do ponto <strong>de</strong> venda, mas também por quaisquer motivos<br />
que ameacem o status ou o orgulho masculino dos jovens em busca <strong>de</strong><br />
uma virilida<strong>de</strong> - do “sujeito homem” (Alvito, 1996; Lins, 1997), orgulho<br />
que obriga resposta violenta ao menor <strong>de</strong>safio. Ou simplesmente<br />
porque estavam lá no momento do tiroteio. Na circularida<strong>de</strong> do bolso<br />
cheio <strong>de</strong> dinheiro fácil que sai fácil do bolso, ficam compelidos a repetir
sempre o ato criminoso, nas suas palavras, como se fosse “um vício” 2 .<br />
Desenvolvem igualmente um estilo <strong>de</strong> chefia truculento, que aproxima<br />
a quadrilha da gangue americana. Para segurar uma boca <strong>de</strong> fumo, o<br />
chefe não po<strong>de</strong> mais “vacilar”, ou seja, trair, hesitar ou ter medo na<br />
hora da luta contra rivais, comparsas, clientes em dívida ou alcagüetes<br />
(Lins, 1997). A figura do chefe ou do “homem <strong>de</strong> frente” é construída<br />
imaginariamente como aquele que mantém os seus comandados na<br />
linha, controla o crescimento dos seus concorrentes nas vendas ou no<br />
número <strong>de</strong> pessoas armadas na quadrilha.<br />
No Rio <strong>de</strong> Janeiro, como em toda parte, são muitas as arenas<br />
<strong>de</strong> conflito e muitos os estilos <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong> entre os migrantes <strong>de</strong><br />
outros estados, entre os jovens da segunda geração <strong>de</strong> migrantes, entre<br />
os jovens negros, pretos, pardos, mulatos, cariocas ou <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes<br />
<strong>de</strong> nor<strong>de</strong>stinos e mineiros. Entre os que pertencem às camadas mais<br />
pobres da população, mesmo assim seguem diferentes trajetórias. Para<br />
uma minoria, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enriquecer rapidamente e, assim, ter<br />
acesso ao consumo conspícuo é um importante elemento para <strong>de</strong>finir<br />
as novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s masculinas bem sucedidas. Ajudar amigos, vizinhos<br />
e parentes, impressionar a todos com a exibição <strong>de</strong> jóias e roupas<br />
dispendiosas no seu próprio corpo, com festas e pagamento <strong>de</strong> bebidas<br />
a todos em locais públicos, são parte <strong>de</strong>ssa estratégia do macho<br />
dominante em muitas socieda<strong>de</strong>s, inclusive a brasileira.<br />
Por isso mesmo, os gastos dos jovens traficantes são muito<br />
individualizados e orgiásticos. Financiamento <strong>de</strong> bailes funk, orgias em<br />
motéis, consumo conspícuo <strong>de</strong> roupas, bebidas, drogas e festas para<br />
parentes, amigos e aliados. Dizer que substituem o estado ausente em<br />
política social é levianda<strong>de</strong> intelectual fruto <strong>de</strong> observações ligeiras e<br />
secundárias. Comando sobre o dinheiro, comando sobre o território,<br />
comando sobre os li<strong>de</strong>rados, comando sobre as mulheres cobiçadas:<br />
é isso que <strong>de</strong>fine o traficante durão bem sucedido.<br />
AS POLÍCIAS E AS ARMAS<br />
. Alba Zaluar<br />
Exemplos do funcionamento da re<strong>de</strong> que aporta armas às<br />
quadrilhas que atuam no varejo nas favelas do Rio <strong>de</strong> Janeiro, repetidos<br />
no país, apontam para o paradoxo do monopólio legítimo da violência<br />
no Brasil. <strong>Policiais</strong> corruptos levam armas exclusivas das Forças<br />
541
542<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
Armadas brasileiras até os comandos e quadrilhas <strong>de</strong> traficantes, o<br />
que torna factível um estado <strong>de</strong> guerra permanente pelo controle dos<br />
pontos <strong>de</strong> venda e dos territórios urbanos assim controlados<br />
militarmente. Estas mesmas armas vão matar policiais que fazem a<br />
repressão às ativida<strong>de</strong>s ilegais das quadrilhas 3 . Por fim, em <strong>de</strong>corrência<br />
da insegurança que se estabelece nas vizinhanças controladas por<br />
traficantes e policiais corruptos, que espalha em toda a cida<strong>de</strong> a falta<br />
<strong>de</strong> confiança na instituição policial, formas <strong>de</strong> segurança privada se<br />
espalham para proteger aqueles que po<strong>de</strong>m pagar ou que são obrigados<br />
a pagar, como acontece quando esta segurança privada é ilegal, caso<br />
das milícias surgidas nas áreas <strong>de</strong> ocupação mais recente da cida<strong>de</strong>.<br />
Na esfera institucional, está, pois, o mais terrível paradoxo: é a<br />
mesma polícia repressiva que, pelos <strong>de</strong>poimentos tomados em 25 anos<br />
<strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> campo das quais participei, fornece armas e munições,<br />
muitas exclusivas das Forças Armadas, aos traficantes que passam a<br />
controlar militarmente territórios incrustados nas favelas do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. As favelas e seus arredores tornam-se parte das áreas quentes<br />
da ecologia do perigo e da violência, socializando jovens no <strong>de</strong>sejo e no<br />
manejo das armas <strong>de</strong> fogo, elementos-chave da nova “cultura <strong>de</strong> rua”.<br />
Do mesmo modo que o uso das drogas, o porte <strong>de</strong> armas <strong>de</strong><br />
fogo também se explica pelo contexto sócio-cultural dos pequenos<br />
grupos a que pertencem os jovens que seguem os valores e práticas<br />
<strong>de</strong>sta cultura <strong>de</strong> rua. Outros estudos, sobretudo os feitos nos Estados<br />
Unidos, apontam o grupo <strong>de</strong> pares como o maior preditivo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>linqüência entre homens jovens, especialmente os crimes violentos<br />
mais graves e o hábito <strong>de</strong> portar armas (Myers et.al., 1997). A família<br />
po<strong>de</strong>ria influir direta ou indiretamente, mas é a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações do<br />
jovem com outros jovens <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong> ou com jovens <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> superior<br />
que aparecem como mais importantes para se enten<strong>de</strong>r o seu<br />
comportamento. Os que portam armas constituíram 20% da amostra<br />
<strong>de</strong> adolescentes negros entre 12 e 15 anos entrevistados. Estes jovens<br />
mencionam 19 vezes mais do que os que não portam armas que têm<br />
colegas também portadores <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo (ibi<strong>de</strong>m).<br />
Tais estudos procuram enten<strong>de</strong>r porque jovens que, <strong>de</strong> outra<br />
maneira não andariam armados, passaram a fazê-lo para evitar serem<br />
vitimizados pelos seus pares armados, para impor respeito e para
Alba Zaluar<br />
gozar do prestígio adquirido com a posse <strong>de</strong> armas (Fagan, 2005).<br />
Pois, mais do que uma inclinação natural dos homens jovens pobres à<br />
violência, o que explica o aumento da taxa <strong>de</strong> homicídios nos locais<br />
on<strong>de</strong> vivem é a alta concentração <strong>de</strong> armas nestes locais. É isso que<br />
cria o que o criminologista Jeffrey Fagan da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Columbia<br />
chamou “ecology of danger”. Depois <strong>de</strong> entrevistar 400 jovens nas<br />
vizinhanças mais perigosas <strong>de</strong> Nova Iorque, <strong>de</strong>scobriu que a violência<br />
se expandiu entre 1985 e 1995 pelo contágio <strong>de</strong> idéias e posturas.<br />
Nas várias pesquisas <strong>de</strong> campo que realizei com meus assistentes no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, também sempre foi assinalada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1980, a facilida<strong>de</strong><br />
e a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> armas disponíveis para os jovens moradores das<br />
favelas tidas como perigosas.<br />
Ao concentrar o olhar sobre as condições atuais <strong>de</strong> vida dos pobres,<br />
não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> registrar a ausência e o estilo <strong>de</strong> policiamento mais<br />
violento e mais corrupto nos bairros e favelas on<strong>de</strong> os pobres vivem. Pesquisa<br />
<strong>de</strong> vitimização recente realizada no Rio <strong>de</strong> Janeiro (Zaluar, 2006), revela<br />
que a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, a que faz o policiamento ostensivo, está muito mais<br />
ausente nos bairros e favelas on<strong>de</strong> moram os mais pobres da cida<strong>de</strong> e que<br />
estão sob o controle <strong>de</strong> quadrilhas <strong>de</strong> traficantes. Ao mesmo tempo, ela é<br />
muito mais violenta nessas mesmas áreas, especialmente nas favelas que<br />
abundam nos subúrbios, como (o bairro <strong>de</strong>) Madureira, ou na região da<br />
Tijuca, conhecidas como “santuários do tráfico”. Nessas favelas, os policiais<br />
atiram 10 vezes mais do que nas áreas regulares do asfalto e agri<strong>de</strong>m duas<br />
vezes mais os moradores.<br />
Dados <strong>de</strong>ssa pesquisa domiciliar <strong>de</strong> vitimização 4 são reveladores sobre<br />
os impasses e paradoxos impostos à ação policial. Consi<strong>de</strong>rando que esta<br />
ação advém <strong>de</strong> um mandato outorgado às organizações para garantir a<br />
segurança da população, o fracasso em garanti-la está criando novos<br />
problemas que ameaçam paralisar as polícias estaduais no Brasil.<br />
Os dados sobre os crimes comuns (furtos, roubos e agressões físicas)<br />
cometidos contra os moradores da cida<strong>de</strong> não diferem muito dos<br />
encontrados em outros lugares do mundo e são até menores do que muitas<br />
cida<strong>de</strong>s brasileiras. O risco <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito mais do estilo <strong>de</strong> vida (se sai à<br />
noite, se anda <strong>de</strong> transporte coletivo) do que da ida<strong>de</strong> ou do sexo. Homens<br />
e pessoas jovens são mais vitimados porque saem mais à noite e andam<br />
durante a semana na rua ou em coletivos.<br />
543
544<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
Quanto aos percentuais <strong>de</strong> confiança na <strong>Polícia</strong>, tem-se um<br />
indicador da cifra oculta da criminalida<strong>de</strong>, aquela que não aparece nas<br />
estatísticas oficiais. Por exemplo, 71,4% das pessoas roubadas não<br />
procuraram a polícia; apenas 28,5% procuraram. Os que não<br />
procuraram, <strong>de</strong>ram como razão, principalmente, a falta <strong>de</strong> informações<br />
para dar ao policial (37,9%) - ou porque não ia adiantar, por ser muito<br />
difícil recuperar objetos roubados <strong>de</strong> pouco valor (18,4%), aos que <strong>de</strong>vem<br />
ser adicionados os 8,4% que afirmaram não valer a pena registrar o roubo.<br />
Somados, são 64,7% os que percebem mais problemas técnicos do que<br />
<strong>de</strong> confiança na polícia. Há também uma proporção <strong>de</strong> pessoas maior<br />
(10,8%) do que a encontrada no furto que afirmou não ter procurado a<br />
polícia por medo <strong>de</strong> sofrer represálias pelos autores do roubo, já que a<br />
violência está envolvida nesse crime. Expressaram razões vinculadas à<br />
<strong>de</strong>sconfiança os que afirmaram que temiam per<strong>de</strong>r tempo sem serem<br />
atendidos (7,9%), os que disseram expressamente não ter confiança na<br />
polícia (5,7%), não conhecer ninguém influente <strong>de</strong>ntro da corporação<br />
(0,1%), os que <strong>de</strong>sconfiavam que policiais estivessem envolvidos no roubo<br />
(0,3%), ou ainda saber que as pessoas não eram bem tratadas por eles<br />
(0,8%), que somados chegam a 14,7%, percentual igualmente pequeno<br />
consi<strong>de</strong>rando as altas proporções dos que, em outra pergunta, não avaliaram<br />
bem o trabalho policial.<br />
AGRESSÃO POR PM<br />
Nos dados sobre as experiências e a avaliação que a população <strong>de</strong><br />
15 anos ou mais têm sobre as polícias, o quadro difere substancialmente<br />
do encontrado em outras cida<strong>de</strong>s brasileiras e no mundo.<br />
A agressão física perpetrada por policiais militares contra pessoas<br />
morando nos domicílios dos entrevistados chega a ser o dobro do<br />
percentual <strong>de</strong> pessoas agredidas na cida<strong>de</strong>: 4,4% para 2% <strong>de</strong> agredidos<br />
nos últimos doze meses em toda a cida<strong>de</strong>. E o padrão é muito claro,<br />
diferente do encontrado nos outros crimes: a agressão atinge várias vezes<br />
mais pessoas negras, pobres e faveladas.<br />
As pessoas pretas e pardas são mais vítimas <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> violência<br />
do que as brancas e quando se consi<strong>de</strong>ra a variável escolarida<strong>de</strong>, verificase<br />
que mais pessoas <strong>de</strong> ensino fundamental assinalaram mais agressões<br />
cometidas por policiais militares do que universitários. As mulheres pretas<br />
em proporção três vezes mais (7%) do que as brancas (2,2%) e duas
vezes maior do que as pardas (3,8%). Os <strong>de</strong> renda mais baixa afirmaram<br />
ter alguém da sua residência agredido por policiais militares em proporções<br />
maiores do que os <strong>de</strong> renda média.<br />
Na avaliação do trabalho policial feita pelos entrevistados as<br />
proporções indicam muito mais <strong>de</strong>sconfiança do que as obtidas em relação<br />
ao que fazer quando vítima <strong>de</strong> um crime. Por quê? A pior avaliação é para a<br />
polícia que faz o policiamento ostensivo e está mais espalhada pela cida<strong>de</strong>:<br />
a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> que é também a que mais mata e a que mais atira em suspeitos<br />
mesmo quando há transeuntes ou moradores no local da ocorrência. Isto é<br />
especialmente verda<strong>de</strong> para as áreas <strong>de</strong> favelas e os bairros pobres dos<br />
subúrbios. Segundo a pesquisa, policiais militares disparam <strong>de</strong>z vezes mais<br />
tiros nas favelas do que nos <strong>de</strong>mais bairros da cida<strong>de</strong>. E a proporção <strong>de</strong><br />
agressões perpetradas por policiais militares nos resi<strong>de</strong>ntes é o dobro na<br />
favela do que no asfalto. Por isso mesmo, negros avaliam as <strong>Polícia</strong>s,<br />
especialmente a <strong>Militar</strong>, muito pior do que os brancos.<br />
Avaliação da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> por brancos e negros do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
<strong>Polícia</strong> Total <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Civil</strong><br />
Branco(a)<br />
Negros<br />
Branco(a)<br />
Negros<br />
M.Bom e Bom 59,8% 48,2% 55,0% 25,6%<br />
Regular 20,1% 21,8% 21,7% 20,0%<br />
M.Ruim e Ruim 20,1% 30,0% 23,3% 44,4%<br />
Fonte: NUPEVI/ IMS/ UERJ/ IPP/PCRJ 2007<br />
Branco(a)<br />
62%<br />
19%<br />
18%<br />
Alba Zaluar<br />
Negros<br />
55%<br />
23%<br />
22%<br />
A confiança na <strong>Polícia</strong> é também menor nas áreas <strong>de</strong> planejamento<br />
(APs) da cida<strong>de</strong> em que existem mais favelas controladas por traficantes,<br />
on<strong>de</strong> quase não há policiamento. Em outras áreas mais afastadas do Centro,<br />
mas com muitos moradores policiais e milícias <strong>de</strong> moradores fazendo a<br />
segurança das vizinhanças, a confiança na PM é maior (gráfico 1). Do mesmo<br />
modo, a percepção da polícia como violenta e corrupta, assim como a<br />
que usa a força <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>sproporcional à ameaça recebida, é muito<br />
maior nessas áreas (gráficos 2, 3, 4 ,5 e 6).<br />
545
546<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
Em 2007, a pesquisa <strong>de</strong> vitimização foi repetida em uma amostra<br />
das favelas do Rio <strong>de</strong> Janeiro 5 e seus resultados revelaram que a <strong>de</strong>sconfiança<br />
da <strong>Polícia</strong> é muito maior entre os jovens favelados do que entre os mais<br />
velhos, o que indica uma ação policial mais concentrada nos jovens.<br />
Surpreen<strong>de</strong>ntemente, são as mulheres faveladas as que menos confiam<br />
pessoalmente nos policiais, em todas as ida<strong>de</strong>s. São elas também, em<br />
todas as ida<strong>de</strong>s que afirmam em mais altas proporções que a população<br />
da cida<strong>de</strong> não confia na PM. Como são elas as que menos se locomovem fora<br />
da vizinhança, é possível que observem mais vezes as ações policiais que<br />
empregam a força excessivamente e injustamente, atingindo pessoas inocentes.<br />
Você confia na PM?<br />
Masculino<br />
15 a 19<br />
20 a 29<br />
30 a 39<br />
40 a 49<br />
50 a 59<br />
60 a 69<br />
70+<br />
Feminino<br />
15 a 19<br />
20 a 29<br />
30 a 39<br />
40 a 49<br />
50 a 59<br />
60 a 69<br />
70+<br />
Confia<br />
muito<br />
0%<br />
5%<br />
14%<br />
18%<br />
8%<br />
7%<br />
0%<br />
Confia<br />
muito<br />
0,0%<br />
0,0%<br />
6,9%<br />
0,0%<br />
5,7%<br />
8,0%<br />
40,0%<br />
Confia<br />
razoavelmente<br />
26%<br />
27%<br />
17%<br />
32%<br />
34%<br />
64%<br />
80%<br />
Confia<br />
razoavelmente<br />
19,2%<br />
20,0%<br />
17,2%<br />
31,0%<br />
28,6%<br />
32,0%<br />
20,0%<br />
Fonte: NUPEVI/ IMS/ UERJ/ CNPq 2007<br />
Confia<br />
pouco<br />
9%<br />
18%<br />
14%<br />
14%<br />
21%<br />
7%<br />
0%<br />
Confia<br />
pouco<br />
15,4%<br />
17,1%<br />
20,7%<br />
24,1%<br />
22,9%<br />
12,0%<br />
10,0%<br />
Não<br />
confia<br />
65%<br />
50%<br />
55%<br />
36%<br />
37%<br />
21%<br />
20%<br />
Não<br />
confia<br />
65,4%<br />
62,9%<br />
55,2%<br />
44,8%<br />
42,9%<br />
48,0%<br />
30,0%
A imagem da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> como violenta e corrupta tem também<br />
percentuais mais altos entre os jovens favelados, especialmente as mulheres,<br />
provavelmente pelos mesmos motivos. As altas proporções <strong>de</strong> favelados,<br />
mas principalmente faveladas, que consi<strong>de</strong>ram a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> violenta e<br />
corrupta revelam a quase completa ausência <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta instituição<br />
junto aos jovens favelados.<br />
A <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> é violenta?<br />
Masculino<br />
15 a 19<br />
20 a 29<br />
30 a 39<br />
40 a 49<br />
50 a 59<br />
60 a 69<br />
70+<br />
Feminino<br />
15 a 19<br />
20 a 29<br />
30 a 39<br />
40 a 49<br />
50 a 59<br />
60 a 69<br />
70+<br />
Concorda<br />
73,0%<br />
63,6%<br />
72,9%<br />
68,2%<br />
61,7%<br />
51,9%<br />
37,5%<br />
Concorda<br />
75,0%<br />
75,9%<br />
80,0%<br />
65,4%<br />
69,4%<br />
65,7%<br />
50,0%<br />
Concorda<br />
em parte<br />
5,4%<br />
15,2%<br />
10,4%<br />
15,9%<br />
8,5%<br />
7,4%<br />
25,0%<br />
Concorda<br />
em parte<br />
2,8%<br />
13,0%<br />
9,2%<br />
23,1%<br />
10,2%<br />
22,9%<br />
12,5%<br />
Nem<br />
concorda<br />
nem<br />
discorda<br />
5,4%<br />
3,0%<br />
2,1%<br />
2,3%<br />
4,3%<br />
0,0%<br />
0,0%<br />
Nem<br />
concorda<br />
nem<br />
discorda<br />
5,6%<br />
0,0%<br />
1,5%<br />
3,8%<br />
6,1%<br />
2,9%<br />
0,0%<br />
Fonte: NUPEVI/ IMS/ UERJ/ CNPq 2007<br />
Discorda<br />
em parte<br />
2,7%<br />
0,0%<br />
6,3%<br />
4,5%<br />
6,4%<br />
14,8%<br />
12,5%<br />
Discorda<br />
em parte<br />
5,6%<br />
0,0%<br />
4,6%<br />
1,9%<br />
2,0%<br />
2,9%<br />
0,0%<br />
Alba Zaluar<br />
Discorda<br />
13,5%<br />
18,2%<br />
8,3%<br />
9,1%<br />
19,1%<br />
25,9%<br />
25,0%<br />
Discorda<br />
11,1%<br />
11,1%<br />
4,6%<br />
5,8%<br />
12,2%<br />
5,7%<br />
37,5%<br />
547
548<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
A <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> é corrupta?<br />
Masculino<br />
15 a 19<br />
20 a 29<br />
30 a 39<br />
40 a 49<br />
50 a 59<br />
60 a 69<br />
70+<br />
Feminino<br />
15 a 19<br />
20 a 29<br />
30 a 39<br />
40 a 49<br />
50 a 59<br />
60 a 69<br />
70+<br />
Concorda<br />
72%<br />
73%<br />
77%<br />
64%<br />
60%<br />
52%<br />
38%<br />
Concorda<br />
92%<br />
75%<br />
80%<br />
69%<br />
71%<br />
64%<br />
64%<br />
Concorda<br />
em parte<br />
14%<br />
12%<br />
6%<br />
18%<br />
9%<br />
4%<br />
38%<br />
Concorda<br />
em parte<br />
3%<br />
19%<br />
11%<br />
23%<br />
17%<br />
24%<br />
5%<br />
Nem<br />
concorda<br />
nem<br />
discorda<br />
6%<br />
3%<br />
4%<br />
2%<br />
6%<br />
7%<br />
0%<br />
Nem<br />
concorda<br />
nem<br />
discorda<br />
0%<br />
0%<br />
5%<br />
4%<br />
4%<br />
0%<br />
0%<br />
Fonte: NUPEVI/ IMS/ UERJ/ CNPq 2007<br />
FORMAS DE SEGURANÇA PRIVADA<br />
Discorda<br />
em parte<br />
0%<br />
3%<br />
4%<br />
5%<br />
9%<br />
15%<br />
0%<br />
Discorda<br />
em parte<br />
3%<br />
0%<br />
3%<br />
2%<br />
2%<br />
3%<br />
0%<br />
Discorda<br />
8%<br />
9%<br />
9%<br />
11%<br />
17%<br />
22%<br />
25%<br />
Discorda<br />
3%<br />
6%<br />
2%<br />
2%<br />
6%<br />
9%<br />
32%<br />
Na pesquisa <strong>de</strong> vitimização da cida<strong>de</strong>, 25% dos entrevistados<br />
admitiram ter formas <strong>de</strong> segurança privada que variam muito: traficantes<br />
pagos ou não pagos, moradores pagos ou não pagos, vigilantes não
uniformizados, empregados uniformizados <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> segurança,<br />
empregados não uniformizados. A tendência a uniformizar como “milícias”<br />
as formas <strong>de</strong> segurança existentes nas áreas pobres, especialmente nas<br />
favelas, precisa ser re-examinada. Muitas das empresas <strong>de</strong> seguranças<br />
uniformizadas ou não nas áreas mais prósperas da cida<strong>de</strong> (AP 4 e AP 2)<br />
pertencem a policiais, assim como as “milícias” nas áreas pobres (AP1,<br />
AP 3 e AP 5) são dirigidas por eles ou mantém uma relação estreita com<br />
eles. A gran<strong>de</strong> diferença está na relação do pessoal da segurança com os<br />
moradores. Nas áreas pobres, pela falta <strong>de</strong> acesso ao sistema <strong>de</strong> justiça,<br />
mais facilmente os agentes da segurança privada tornam-se tiranos que<br />
impõem outras <strong>de</strong>cisões extralegais ou ilegais aos moradores por conta<br />
do po<strong>de</strong>r que advém das armas que afastam assaltantes e traficantes do<br />
local por eles vigiado.<br />
Comparando as áreas da cida<strong>de</strong> pelo tipo <strong>de</strong> segurança privada, temos<br />
o seguinte quadro: Assistir trocas <strong>de</strong> tiros, pessoas agredindo outras pessoas,<br />
pessoas sendo mortas ou levadas à força, pessoas traficando ou usando<br />
drogas é várias vezes superior nas áreas em que os traficantes garantem a<br />
segurança do que nas <strong>de</strong>mais. O percentual <strong>de</strong> vizinhos, parentes ou amigos<br />
mortos é também maior nessas áreas dominadas por traficantes.<br />
Já viu nas<br />
ruas da<br />
vizinhança<br />
Pessoas<br />
agredindo<br />
fisicamente a<br />
outras<br />
Pessoas<br />
consumindo<br />
drogas ilegais<br />
Pessoas<br />
ven<strong>de</strong>ndo<br />
drogas ilegais<br />
Pessoas<br />
sendo<br />
assaltadas (ja<br />
escutou)<br />
Pessoas<br />
sendo<br />
assassinadas<br />
por armas <strong>de</strong><br />
fogo TPG<br />
74,1%<br />
89,8%<br />
78,1%<br />
7,8%<br />
43%<br />
TNP<br />
38,2%<br />
58,4%<br />
58,4%<br />
12,1%<br />
40,3%<br />
MPG<br />
29,7%<br />
19,2%<br />
10,5%<br />
19%<br />
15,7%<br />
MNP<br />
34,8%<br />
37,2%<br />
19,2%<br />
20,4%<br />
18%<br />
SU<br />
16,2%<br />
29,5%<br />
7,4%<br />
50,2%<br />
1,5%<br />
15,7%<br />
Alba Zaluar<br />
SNU<br />
30%<br />
16,1%<br />
53,2%<br />
16,8%<br />
22,1%<br />
MÉDIA<br />
31%<br />
18,2%<br />
16,3%<br />
11,6%<br />
549
550<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
<strong>Policiais</strong><br />
extorquindo<br />
ou intimidando<br />
<strong>Policiais</strong><br />
disparando<br />
sem<br />
provocação<br />
Pessoas<br />
armadas<br />
brigando<br />
Vizinhos que<br />
foram<br />
assassinados<br />
46,8%<br />
46,8%<br />
46,8%<br />
15,6%<br />
40,3%<br />
42,3%<br />
38,2%<br />
22%<br />
Legenda:<br />
TPG - TRAFICANTES PAGOS<br />
TNP - TRAFICANTES NÃO PAGOS<br />
MPG - MORADORES PAGOS<br />
MNP - MORADORES NÃO PAGOS<br />
SU - EMPREGADOS DE EMPRESAS DE SEGURANÇA UNIFORMIZADOS<br />
SNU - VIGILANTES NÃO UNIFORMIZADOS PAGOS<br />
3%<br />
3%<br />
15,7%<br />
0%<br />
12%<br />
A pesquisa <strong>de</strong> vitimização realizada em 2007 apenas nas favelas<br />
permite-nos comparar áreas igualmente pobres, pois não há quase<br />
nenhuma variação <strong>de</strong> renda familiar entre elas. Isto é importante porque<br />
sabemos em quais das áreas <strong>de</strong> planejamento (Aps) estão as milícias, e em<br />
que áreas os traficantes dominam <strong>de</strong> forma mais violenta. Na AP 4 é<br />
notório o domínio pelas milícias, o que foi comprovado na pesquisa <strong>de</strong><br />
campo. A exposição ao barulho <strong>de</strong> tiros assim como à visão <strong>de</strong> alguns<br />
crimes graves é sistematicamente menor nesta área. Nas AP 3 e 2, on<strong>de</strong><br />
as quadrilhas <strong>de</strong> traficantes dominam as favelas, esses crimes po<strong>de</strong>m ser<br />
observados várias vezes mais.<br />
Já ouviu barulho<br />
<strong>de</strong> tiros na<br />
vizinhança<br />
Sempre<br />
Freqüentemente<br />
De vez em quando<br />
Raramente<br />
Nunca<br />
Ap.1<br />
36,4%<br />
3,6%<br />
14,5%<br />
23,6%<br />
21,8%<br />
6%<br />
20,4%<br />
8,4%<br />
Ap.2<br />
53,9%<br />
3,9%<br />
11,8%<br />
11,8%<br />
18,4%<br />
5,9%<br />
1,5%<br />
5,9%<br />
0%<br />
Ap.3<br />
55,3%<br />
9,1%<br />
12,8%<br />
10,5%<br />
12,3%<br />
10%<br />
6%<br />
12,9%<br />
3,6%<br />
Ap.4<br />
6,1%<br />
2,0%<br />
8,6%<br />
33,3%<br />
50,0%<br />
8,3%<br />
4%<br />
10,8%<br />
4,7%<br />
Ap.5<br />
37,1%<br />
12,4%<br />
21,9%<br />
16,2%<br />
12,4%
Já viu na<br />
vizinhança<br />
Pessoas agredindo<br />
fisicamente a outras<br />
Pessoas consumindo<br />
drogas ilegais<br />
Pessoas ven<strong>de</strong>ndo<br />
drogas ilegais<br />
Pessoas sendo<br />
assaltadas<br />
Pessoas sendo<br />
assassinadas por armas<br />
<strong>de</strong> fogo (45% viu mais<br />
<strong>de</strong> 10 vezes)<br />
<strong>Policiais</strong> extorquindo ou<br />
intimidando(82% viu<br />
entre 10 e 100 vezes)<br />
<strong>Policiais</strong> disparando sem<br />
provocação (80% viu<br />
entre 10 e 100 vezes)<br />
Pessoas armadas<br />
brigando<br />
Vizinhos assassinados<br />
nos últimos doze meses<br />
AP1<br />
31,2%<br />
47,3%<br />
47,3%<br />
1,8%<br />
7,3,%<br />
10,9%<br />
7,3%<br />
9,1%<br />
3,6%<br />
AP2<br />
30,3%<br />
44,7%<br />
44,7%<br />
1,3%<br />
10,5%<br />
7,9%<br />
6,6%<br />
11,8%<br />
Ainda mais claro ficam os problemas na relação entre favelados e<br />
policiais. As diferenças entre as proporções médias dos favelados e as<br />
médias dos moradores <strong>de</strong> toda a cida<strong>de</strong> não são muito gran<strong>de</strong>s, com<br />
exceção da observação local <strong>de</strong> policiais atirando que é mais do que o<br />
dobro nas favelas (9,7% para 4%) e <strong>de</strong> pessoas ven<strong>de</strong>ndo drogas ilegais<br />
(30% para 18%). Qualquer uma das formas <strong>de</strong> segurança privada nas<br />
favelas parece ser também muito mais eficaz no que se refere aos assaltos:<br />
nas favelas, um percentual <strong>de</strong> 3,5% <strong>de</strong> moradores viu pessoas sendo<br />
assaltadas na vizinhança, enquanto que 16% dos moradores <strong>de</strong> toda a<br />
cida<strong>de</strong> observaram o mesmo crime nas suas respectivas vizinhanças.<br />
0%<br />
AP3<br />
40,6%<br />
55,7%<br />
47,5%<br />
5,0%<br />
16,9%<br />
20,5%<br />
20,1%<br />
24,2%<br />
8,2%<br />
AP4<br />
17,2%<br />
9,6%<br />
5,6%<br />
1,5%<br />
3,0%<br />
2,0%<br />
2,0%<br />
5,1%<br />
5,1%<br />
Alba Zaluar<br />
AP5<br />
20%<br />
38,1%<br />
20,0%<br />
6,7%<br />
15,2%<br />
9,5%<br />
6,7%<br />
16,2%<br />
7,6%<br />
551
552<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
Ora, se milícias ou moradores armados, sempre com o<br />
apoio ou conexão estreita com policiais, conseguem controlar a<br />
violência armada e o tráfico <strong>de</strong> drogas militarizado, porque a <strong>Polícia</strong><br />
enquanto instituição não obtém a mesma eficácia? Pelos dados<br />
apresentados fica claro que o emprego excessivo da força policial<br />
observado principalmente nas áreas pobres da cida<strong>de</strong> dominadas<br />
por traficantes, mas habitadas por trabalhadores, não consegue<br />
impedir nenhum dos crimes mais correlacionados com o aumento<br />
da violência na cida<strong>de</strong>.<br />
Assim, <strong>de</strong>ve-se perguntar se não foi a própria ação policial<br />
com força excessiva e altos índices <strong>de</strong> corrupção que contribuíram<br />
para estabelecer a situação vivida hoje na cida<strong>de</strong>, situação<br />
caracterizada pela extrema insegurança ou medo sentido por<br />
gran<strong>de</strong>s parcelas dos moradores. No mínimo estas práticas têm<br />
se revelado ineficazes para alcançar o objetivo <strong>de</strong> diminuir os<br />
crimes mais graves que atormentam a vida dos moradores. Estaria<br />
a <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro arriscando-se a per<strong>de</strong>r o seu<br />
mandato <strong>de</strong> polícia? (Proença & Muniz, 2007).<br />
Notas<br />
1 Os dados da pesquisa <strong>de</strong> vitimização do NUPEVI (Zaluar, 2006) são<br />
impressionantes: o barulho <strong>de</strong> tiros é ouvido sempre e freqüentemente por 45% dos<br />
entrevistados e está concentrado nas áreas <strong>de</strong> planejamento 1, 2 e 3, <strong>de</strong> urbanização<br />
mais antiga na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro e on<strong>de</strong> há muitas favelas. Conflitos armados<br />
são vistos por 13% dos entrevistados e também estão mal distribuídos na cida<strong>de</strong>:<br />
maiores proporções nas áreas 1, 3 e 5, on<strong>de</strong> há maior concentração <strong>de</strong> pobres.<br />
2 Por causa da facilida<strong>de</strong> e nível <strong>de</strong> lucros, aqueles que se envolvem no tráfico, seja<br />
qual for a classe social, o gênero e o nível <strong>de</strong> renda, os policiais brasileiros afirmam:<br />
“Quem trafica uma vez, sempre volta”. Mas isso não quer dizer que não haja quem<br />
trafique “por necessida<strong>de</strong>”. No tráfico capilarizado nas pontas nos bairros pobres e<br />
nos centros <strong>de</strong> boemia, muitas mulheres, mais comumente ex-prostitutas ou <strong>de</strong><br />
profissões <strong>de</strong> baixa qualificação, como manicuras, faxineiras, etc são também<br />
ven<strong>de</strong>doras comuns. Também não quer dizer que não haja quem <strong>de</strong>ixe para sempre<br />
as ativida<strong>de</strong>s ilegais do tráfico.<br />
3 A <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> mata muito no Brasil. No estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, foram mortas<br />
6218 pessoas entre 2000 e 2006. Mas muitos policiais são assassinados também. No<br />
mesmo período foram 1034 policiais mortos, dos quais 80% na folga (ISP/SSP-RJ).<br />
www.isp.rj.gov.br<br />
4 O universo da pesquisa foi a população <strong>de</strong> 15 anos e mais na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. Sobre este universo foi calculada uma amostra aleatória nos três estágios<br />
da pesquisa. Primeiro foram sorteados 200 setores censitários mapeados segundo as<br />
características socioeconômicas <strong>de</strong> cada um para que nenhum setor da população
Alba Zaluar<br />
<strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> estar representado na amostra. Segundo, em cada setor, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />
todos os seus domicílios arrolados pelos pesquisadores, 20 domicílios foram escolhidos<br />
pelo critério <strong>de</strong> pulo, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do número <strong>de</strong> domicílios arrolados em cada um<br />
<strong>de</strong>les. Terceiro, uma pessoa <strong>de</strong> 15 anos ou mais em cada domicílio foi escolhida<br />
segundo o sexo e a ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com 32 tabelas montadas para assegurar a<br />
representativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada sexo e grupo <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
5 Foram 60 setores censitários em favelas escolhidas aleatoriamente, com um total<br />
<strong>de</strong> 660 questionários aplicados.<br />
Referências Bibliográficas<br />
BAUMAN, Zigmunt. (2007) Miedo Líquido, la sociedad contemporánea y sus<br />
temores. Barcelona: Paidós.<br />
BOURGOIS, Phillipe. (1996) In Search of Respect, selling crack in el barrio.<br />
Cambridge e New York: Cambridge University Press.<br />
CASTELS, Manoel & MOLLENKOPF, John. (ed.). (1992) Dual City: Restructuring<br />
New York. Nova Iorque: Russel Sage Foundation.<br />
FAGAN, Jeffrey. (2005) “Guns and Youth Violence”, Em Children, Youth, and Gun<br />
Violence, Volume 12, Number 2, www.futureofchildren.org.<br />
GEFFRAY, Christian. (2001) “Effects sociaux, economiques et politiques <strong>de</strong> la<br />
penetration du narcotrafic en Amazonie Bresiliene”. Em International Social Science<br />
Journal, UNESCO, v. LIII, no. 3: Londres e Paris.<br />
LINS, Paulo. (1997) Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, 1a . edição. São Paulo: Cia das Letras.<br />
MYERS, G. P.; MCGRADY, G. A.; MARROW, C.; MUELLER, C. W. (1997) “Weapon<br />
carrying among Black adolescents: A social network perspective”. Em American<br />
Journal of Public Health, 1038, American Public Health Association.<br />
PROENÇA Jr, D & J MUNIZ. (2007), “‘Stop or I’ll call the Police!’ The I<strong>de</strong>a of Police,<br />
or the effects of police encounters over time”, British Journal of Criminology 46:<br />
234-257.<br />
SASSEN, Saskia. (1991) The Global City. Princeton: Princeton University Press.<br />
SCHIRAY, Michel. (1994) “Les filières-stupéfiants: trois niveaux, cinq logiques”. Em<br />
Futuribles, no. 185, Paris, mars.<br />
VAN DER VEEN, H. T. (1998) “The International Drug Complex: When the visible<br />
hand of crime fractures the strong arm of the law”, European University Institute,<br />
www.unesco.org/most.<br />
ZALUAR, Alba (1994): Condomínio do Diabo, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora da UFRJ.<br />
(2000): “Perverse Integration: Drug trafficking and youth in the favelas of Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro”, Journal of International Affairs, , v. 53, n. n. 2, p. 654-671: New York.<br />
(2001): “Violence in Rio <strong>de</strong> Janeiro: styles of leisure, drug use, and trafficking”<br />
International Social Science Journal, UNESCO, v. LIII, n. no. 3, p. 369-379: Londres<br />
e Paris.<br />
(2006): Relatório Executivo da Pesquisa Domiciliar <strong>de</strong> Vitimização da Cida<strong>de</strong> do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro (2005-2006), NUPEVI, Rio <strong>de</strong> Janeiro www.ims.uerj.br/nupevi<br />
553
554<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
ANEXO: GRÁFICOS<br />
Fonte: NUPEVI/ IMS/ UERJ/ IPP/PCRJ 2007<br />
Gráfico 1<br />
Gráfico 2
Gráfico 3<br />
Gráfico 4<br />
Gráfico 5<br />
Alba Zaluar<br />
555
556<br />
<strong>Polícia</strong> e Juventu<strong>de</strong> na Era da Globalização<br />
Gráfico 6
Comunicação<br />
PREVENÇÃO DO DELITO E DA VIOLÊNCIA ENTRE<br />
ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE<br />
Leslie Sequeira Villagrán *<br />
Ainda que o fenômeno das ‘maras’ ou gangues juvenis tenha começado<br />
a ganhar <strong>de</strong>staque como um <strong>de</strong>safio à segurança cidadã na América Central<br />
em meados da década <strong>de</strong> noventa; <strong>de</strong>ve-se levar em consi<strong>de</strong>ração todo um<br />
quadro <strong>de</strong> percepções que ten<strong>de</strong>ram a responsabilizar a juventu<strong>de</strong> pelos<br />
problemas <strong>de</strong> insegurança que atinge um país.<br />
No contexto do mundo bipolar e dos <strong>de</strong>vastadores conflitos<br />
armados que atingiram uma boa parcela do território centro-americano,<br />
os jovens se configuraram como uma gran<strong>de</strong> ameaça à segurança nacional;<br />
embora, mas também <strong>de</strong>vido a que, muitas das vítimas fatais do conflito<br />
armado tenham sido precisamente jovens.<br />
Tidos como subversivos contra o sistema, ou infratores que atentam<br />
contra a governança, sem a intenção <strong>de</strong> matizar as ‘maras’ e gangues como<br />
movimentos reivindicativos; em ambos os casos é possível falar da<br />
juventu<strong>de</strong> como um segmento da população altamente vitimado por<br />
sistemas em que a iniqüida<strong>de</strong> e a exclusão tem sido o <strong>de</strong>nominador comum.<br />
Na década <strong>de</strong> sessenta, as <strong>de</strong>mandas sociais consi<strong>de</strong>ravam urgente<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliar a inversão social do governo, e a conseqüente<br />
prestação <strong>de</strong> serviços, que contribuíram para o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
população, especialmente na busca por reduzir a brecha entre o urbano e<br />
o rural. Isto implicava, também, gerar espaços <strong>de</strong> consenso, que<br />
permitissem à população participar do planejamento <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento, o que significaria mo<strong>de</strong>lar a atuação do Estado, segundo<br />
as necessida<strong>de</strong>s específicas dos indivíduos. No caso da Guatemala isto<br />
envolvia, especificamente, o reconhecimento <strong>de</strong> uma nação multiétnica,<br />
pluricultural e multilíngüe.<br />
GUATEMALA<br />
A assinatura dos Acordos <strong>de</strong> Paz na América Central significou um<br />
cessar-fogo e, como um claro matiz do advento da era <strong>de</strong>mocrática,<br />
patenteou o compromisso por parte do Estado, <strong>de</strong> adotar um conceito<br />
<strong>de</strong> Segurança Humana, Integral e Democrática, que buscasse o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> todos os indivíduos por igual.<br />
* Cientista Política, Coor<strong>de</strong>nadora do Programa sobre Segurança Preventiva e Participação<br />
Cidadã do Instituto <strong>de</strong> Enseñanza para el Desarrollo Sostenible IEPADES.<br />
557
558<br />
Prevenção do Delito e da Violência entre Adolescência e Juventu<strong>de</strong><br />
As expectativas entre os cidadãos eram muitas, o fim do conflito<br />
armado e o compromisso por construir uma nação justa, eqüitativa e<br />
inclusiva, <strong>de</strong>spertou a esperança entre a população. No entanto, as<br />
mudanças <strong>de</strong>moraram e a <strong>de</strong>silusão rapidamente tomou conta da cidadania,<br />
insatisfeita com um governo que não entendia suas necessida<strong>de</strong>s e que<br />
continuava com um perfil autoritário e <strong>de</strong> controle, baseado no<br />
armamentismo, na persecução e na suspeita.<br />
As causas <strong>de</strong>ste fenômeno se encontram ilustradas em múltiples<br />
hipóteses que para o caso <strong>de</strong>sta obra não foram analisadas. No entanto, é<br />
necessário consi<strong>de</strong>rar que um dos principais impedimentos a cumprir os<br />
objetivos foi a ausência <strong>de</strong> processos participativos e inclusivos na tomada<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões, que permitissem aumentar a confiança, e intrinsecamente o<br />
fortalecimento da institucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, mediante a auditoria<br />
social, a transparência, o combate à corrupção e a impunida<strong>de</strong>; além da<br />
ausência <strong>de</strong> práticas que permitissem dar a conhecer à cidadania o avanço<br />
dos processos, para gerar consciência sobre os custos e os prazos reais<br />
para cumprir os objetivos. Nesse sentido, é possível dizer, em princípio,<br />
que os níveis <strong>de</strong> sucesso alcançados, estariam intimamente ligados às<br />
conquistas iniciais que foram feitas em relação ao fortalecimento da<br />
participação cidadã e da <strong>de</strong>mocracia representativa. Possivelmente,<br />
Nicarágua foi o país centro-americano que obteve as maiores conquistas.<br />
Retornando ao tema da violência na adolescência e juventu<strong>de</strong>, seu<br />
surgimento em meados dos anos noventa, coinci<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivamente com<br />
este período <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencantamento que se <strong>de</strong>nominou “o processo contínuo<br />
<strong>de</strong> transição da <strong>de</strong>mocracia” durante o qual a população enfrentou diversos<br />
<strong>de</strong>safios à sua sobrevivência; tudo em conseqüência da ineficácia do Estado<br />
<strong>de</strong> prover bem-estar à cidadania, somado a fatos conjunturais como os<br />
<strong>de</strong>vastadores efeitos do furacão Mitch e a Tormenta Stan, que colocam<br />
novamente em evidência, as condições <strong>de</strong>ploráveis enfrentadas por<br />
milhares <strong>de</strong> centro-americanos. Advertindo, além disso, as novas ameaças<br />
que supõem o crime organizado transnacional e os <strong>de</strong>safios ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento com equida<strong>de</strong>, numa região que aposta na globalização,<br />
sem ter <strong>de</strong>terminado um plano estratégico que consi<strong>de</strong>re toda a população<br />
e que permita distribuir os benefícios <strong>de</strong> forma eqüitativa e inclusiva.<br />
Dessa forma, segundo estudos realizados pelo ILANUD 1 sobre as<br />
implicações entre Desenvolvimento e Segurança Cidadã a respeito do
aumento do <strong>de</strong>lito na América Latina, foram <strong>de</strong>terminadas as seguintes<br />
correlações:<br />
A maior:<br />
· População jovem fora do sistema escolar<br />
· Nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego<br />
· Menor consumo per capita<br />
· Maior iniqüida<strong>de</strong> na distribuição da renda<br />
· Mais urbanização<br />
Maiores índices <strong>de</strong>litivos.<br />
Leslie Sequeira Villagrán<br />
Tal correlação po<strong>de</strong> ser contrastada com alguns dados ilustrativos<br />
para o caso da Guatemala:<br />
Segundo o último censo da população na Guatemala (INE 2002) <strong>de</strong><br />
11.237.196 habitantes 60% são jovens e crianças. 44% do total da população<br />
são menores <strong>de</strong> 14 anos. Enquanto 11% têm entre 15 e 19 anos.<br />
A taxa <strong>de</strong> excluídos do sistema educativo formal é <strong>de</strong> 43% até a<br />
sexta série, 80% até o primeiro ano do segundo grau e 85% até a conclusão<br />
do segundo grau. Num país que se <strong>de</strong>fine como multilíngüe, a educação<br />
bilíngüe, em nível nacional, cobre apenas 19%.<br />
44% dos jovens não receberam mais <strong>de</strong> três anos <strong>de</strong> educação<br />
fundamental, enquanto que 17% são analfabetos, com gran<strong>de</strong>s brechas<br />
entre populações urbanas e rurais e por etnias e gênero.<br />
Além disso, segundo a Comissão Interamericana <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos, em seu Relatório referente à situação da infância e juventu<strong>de</strong> na<br />
Guatemala (2003), o absentismo escolar infantil é elevado, a repetência<br />
escolar reflete problemas no sistema educativo (12.8%), e a avasão escolar<br />
no ensino fundamental é massiva (este último se <strong>de</strong>ve a causas como<br />
migração temporal, trabalho infantil, responsabilida<strong>de</strong>s domésticas e custos<br />
escolares).<br />
De acordo às estatísticas nacionais e do UNICEF, estima-se que um<br />
total <strong>de</strong> 811.987 jovens são pobres, enquanto que 340.308 sobrevivem<br />
559
560<br />
Prevenção do Delito e da Violência entre Adolescência e Juventu<strong>de</strong><br />
em condições <strong>de</strong> extrema pobreza. As estatísticas nacionais ten<strong>de</strong>m a<br />
apontar que as crianças menores <strong>de</strong> cinco anos sofrem os mais altos níveis<br />
<strong>de</strong> pobreza; <strong>de</strong> fato, 61.7% dos mesmos vivem em condições <strong>de</strong> pobreza<br />
extrema e 41% sofrem algum nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>snutrição, o que equivale a<br />
756.000 crianças nessa situação. A mortalida<strong>de</strong> infantil com um índice <strong>de</strong><br />
89 crianças por cada 100 nascidos vivos é alarmantemente alta.<br />
Devido a sua inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho informal, os jovens<br />
recebem remunerações menores que o salário mínimo; cerca <strong>de</strong> US$ 100.00<br />
no setor agrícola e cerca <strong>de</strong> US$ 115.00 no setor não agrícola. 53% dos<br />
jovens trabalham na agricultura. 52% dos <strong>de</strong>sempregados são jovens.<br />
Além <strong>de</strong> criminalizar a pobreza, a infância e a juventu<strong>de</strong> constituem<br />
um segmento populacional altamente excluído do sistema, “sem opções<br />
<strong>de</strong> escolha e oportunida<strong>de</strong>s para aproveitar”, presas fáceis e vulneráveis<br />
diante <strong>de</strong> ofertas inescrupulosas e/ou mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> vida que expõem a<br />
precarieda<strong>de</strong> no exercício e nos fatores que <strong>de</strong>vem integrar os processos<br />
<strong>de</strong> socialização, <strong>de</strong> acordo a valores sociais relativos ao respeito dos<br />
direitos humanos, à promoção da paz e ao <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Reduzir a violência e a <strong>de</strong>linqüência juvenil implica em<br />
necessariamente visualizar mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> abordagem que consi<strong>de</strong>rem fatores<br />
causais, como medidas que ten<strong>de</strong>m reduzir os riscos e as ameaças,<br />
mediante a geração e dotação <strong>de</strong> recursos que reduzam a vulnerabilida<strong>de</strong><br />
da infância e da juventu<strong>de</strong>.<br />
As Nações Unidas em seu X Encontro sobre Prevenção do Delito e<br />
Tratamento ao Delinqüente diferencia dois tipos <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong><br />
prevenção: prevenção social, que reduz a motivação do <strong>de</strong>linqüente, e a<br />
prevenção situacional, que reduz as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cometer o <strong>de</strong>lito,<br />
e propõe quatro focos gerais (três dos quais procuram reduzir a motivação<br />
do <strong>de</strong>linqüente), que se diferenciam segundo seus objetivos e suas técnicas<br />
características. Os quatros focos <strong>de</strong> prevenção do <strong>de</strong>lito são os seguintes:<br />
a) Desenvolvimento da infância. Indicando que o maior<br />
investimento em educação integral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo e variada,<br />
(escolas para pais <strong>de</strong> família) e uma melhor alimentação,<br />
saú<strong>de</strong> física e mental para a infância e a adolescência<br />
impactam consi<strong>de</strong>ravelmente na redução <strong>de</strong> futuros <strong>de</strong>litos<br />
e <strong>de</strong>linqüência futura;
Leslie Sequeira Villagrán<br />
b) Desenvolvimento da comunida<strong>de</strong> Uma linha importante<br />
do esforço <strong>de</strong> prevenção resi<strong>de</strong> nos esforços dirigidos a<br />
reforçar a coesão social das comunida<strong>de</strong>s locais e seu<br />
<strong>de</strong>senvolvimento econômico mediante a promoção <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>los produtivos sustentáveis.<br />
Oferecer mais serviços e facilida<strong>de</strong>s locais para o fomento da<br />
comunida<strong>de</strong>, fortalecer os vínculos comunitários, ensinar os jovens a<br />
importância do respeito à lei, e a <strong>de</strong>senvolver as relações entre a<br />
comunida<strong>de</strong> e as instituições <strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong> governo, presentes <strong>de</strong>ntro<br />
do município.<br />
c) Desenvolvimento social. Acesso ao emprego<br />
remunerado, à educação, atacar a <strong>de</strong>scriminação e diversas<br />
privações sociais e econômicas. Supõe-se que o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento social suprimirá essas “causas” do <strong>de</strong>lito.<br />
d) Prevenção das situações que facilitam o <strong>de</strong>lito.<br />
Diferentemente das outras três formas <strong>de</strong> prevenção do<br />
<strong>de</strong>lito, todas as quais procuram reduzir a motivação do<br />
<strong>de</strong>lito, a prevenção das situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito procura reduzir<br />
as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> infração.<br />
Esta modalida<strong>de</strong> inclui: campanhas <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> para a prevenção<br />
do <strong>de</strong>lito, esforços dirigidos a influir no planejamento urbanístico e no<br />
<strong>de</strong>senho arquitetônico para fomentar um cenário livre <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos, maior<br />
iluminação, or<strong>de</strong>m no trânsito, controle <strong>de</strong> espaços, etc; esforços<br />
concentrados na análise e supressão <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cometer formas<br />
altamente específicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito como, por exemplo: assalto a bancos ou<br />
edifícios resi<strong>de</strong>nciais, entre outros. 2<br />
A prevenção situacional também tem a ver com aquele conjunto <strong>de</strong><br />
orientações <strong>de</strong>stinado ao controle e supressão sobre o uso <strong>de</strong> armas <strong>de</strong><br />
fogo, álcool e drogas como três fatores criminológicos intimamente<br />
relacionados com o <strong>de</strong>lito e a violência na infância, adolescência e juventu<strong>de</strong>,<br />
tanto como vítimas quanto como algozes.<br />
Como se sabe, a prevenção do <strong>de</strong>lito encontra uma maior<br />
compreensão a partir da visão epi<strong>de</strong>miológica, entendida em três níveis<br />
fundamentais: a prevenção primária que parte da consolidação <strong>de</strong><br />
561
562<br />
Prevenção do Delito e da Violência entre Adolescência e Juventu<strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong>s eqüitativas e inclusivas, promovendo o <strong>de</strong>senvolvimento para<br />
toda a cidadania, como o melhor antídoto contra a <strong>de</strong>linqüência e a<br />
violência. A prevenção secundária que busca reduzir riscos e ameaças<br />
entre setores vulneráveis a tornar-se vítimas e perpetradores <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos e<br />
violência; e a prevenção terciária que aten<strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüentes para sua<br />
socialização e vítimas para o restabelecimento <strong>de</strong> seus direitos.<br />
Nesses três níveis, o ótimo funcionamento do Sistema <strong>de</strong> Justiça<br />
contribui <strong>de</strong>cididamente a tornar o mo<strong>de</strong>lo eficaz, no entanto, é na<br />
prevenção secundária e terciária on<strong>de</strong> adquirem maior protagonismo; é<br />
on<strong>de</strong> se torna imprescindível maximizar os processos, para contribuir<br />
com a prevenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos, o restabelecimento <strong>de</strong> direitos e garantias e<br />
a preeminência do Estado <strong>de</strong> Direito.<br />
A respeito do tema da infância e juventu<strong>de</strong> os <strong>de</strong>safios por parte do<br />
Sistema <strong>de</strong> Justiça são os seguintes:<br />
· Promover os quatro princípios fundamentais que regem<br />
o conteúdo da Convenção sobre os Direitos da Criança:<br />
Não discriminação; Interesse Superior da Criança,<br />
Sobrevivência; Desenvolvimento e Proteção; e<br />
Participação.<br />
· Prevenir e erradicar a Violência Intra-familiar e todas as<br />
manifestações <strong>de</strong> violência <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>ntro do lar, como<br />
fenômenos fortemente relacionados a condutas anti-sociais<br />
na infância e na adolescência. Deve-se consi<strong>de</strong>rar também,<br />
o combate aos <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> Tráfico <strong>de</strong> Pessoas e a Exploração<br />
Sexual Comercial infanto-juvenil.<br />
· Promover espaços <strong>de</strong> participação e coor<strong>de</strong>nação<br />
interinstitucional entre o sistema <strong>de</strong> justiça, administrações<br />
locais, cidadania, instituições solidárias e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
governo central presentes <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>, para<br />
promover o <strong>de</strong>senvolvimento integral <strong>de</strong> infância,<br />
adolescência e juventu<strong>de</strong>; assim como para gerar mo<strong>de</strong>los<br />
<strong>de</strong> acompanhamento e apoio a vítimas e perpetradores<br />
<strong>de</strong>ste segmento populacional.<br />
· Suprimir mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> ação policial <strong>de</strong> caráter repressivo,<br />
contra a infância, juventu<strong>de</strong> e adolescência; enten<strong>de</strong>ndo a
figura do policial <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong>mocrático, com<br />
um perfil eminentemente preventivo; lembrando, além<br />
disso, que seu papel como “porta <strong>de</strong> entrada” ao Sistema<br />
<strong>de</strong> Justiça contribui em gran<strong>de</strong> medida ao fortalecimento<br />
do Estado <strong>de</strong> Direito e ao combate contra a impunida<strong>de</strong>,<br />
na medida em que contribui para garantir o <strong>de</strong>vido processo<br />
legal e aumenta o respeito e a confiabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua ação<br />
diante da população.<br />
· Promover espaços <strong>de</strong> diálogo e discussão entre<br />
adolescentes, jovens e autorida<strong>de</strong>s presentes <strong>de</strong>ntro da<br />
comunida<strong>de</strong>, para gerar mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e<br />
estratégias para a redução da violência e a <strong>de</strong>linqüência entre<br />
estes segmentos populacionais, partindo <strong>de</strong> suas próprias<br />
contribuições e propostas.<br />
· Gerar re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação interinstitucional para referência<br />
e contra-referência <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong>linqüência a partir<br />
da e contra a infância, adolescência e juventu<strong>de</strong>, com o propósito<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar casos e/ou verificar reincidências.<br />
Em Conclusão: A redução do fenômeno da violência e a<br />
<strong>de</strong>linqüência na infância, adolescência e juventu<strong>de</strong>, está intimamente<br />
relacionada a melhorar as condições <strong>de</strong> vida dos indivíduos, o resgate e a<br />
proteção da família, o fortalecimento do Estado <strong>de</strong> Direito e a consolidação<br />
<strong>de</strong> um Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Segurança Humana, Integral e Democrática, que<br />
promova o <strong>de</strong>senvolvimento e a paz com respeito pelos Direitos<br />
Humanos.<br />
ANEXO<br />
Leslie Sequeira Villagrán<br />
Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Prevenção Social <strong>de</strong> Delito na Nicarágua<br />
Elementos do Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Prevenção Social na Nicarágua<br />
Prevenção Estatal:<br />
· Estabelecer alianças estratégicas com os Ministérios <strong>de</strong><br />
Família, Juventu<strong>de</strong>, Educação, Cultura e Esportes, Saú<strong>de</strong> e<br />
prefeituras municipais, com o propósito <strong>de</strong> harmonizar as<br />
políticas e a ação estatal em função <strong>de</strong> garantir a efetiva<br />
563
564<br />
Prevenção do Delito e da Violência entre Adolescência e Juventu<strong>de</strong><br />
proteção <strong>de</strong> crianças e adolescentes.<br />
Construção <strong>de</strong> infra-estrutura mínima necessária que permita<br />
elevar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dos setores mais vulneráveis.<br />
· Geração <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> referência que permita dar auxílio<br />
estatal oportuno a: adolescentes em situação <strong>de</strong> risco, vítimas<br />
<strong>de</strong> violência intra-familiar, submetidos a maus-tratos,<br />
abandono e exploração, vítimas <strong>de</strong> violência sexual, etc.<br />
· Atenção às vítimas <strong>de</strong> atos <strong>de</strong>litivos especialmente mulheres<br />
vítimas <strong>de</strong> violência intra-familiar e/ou sexual e jovens.<br />
· Geração <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong> emprego e criação <strong>de</strong> projetos que<br />
permitam a criação <strong>de</strong> empregos produtivos, projetos<br />
educacionais, culturais e esportivos.<br />
· Reinserção dos jovens em situação <strong>de</strong> alto risco social no<br />
sistema educacional formal ou vocacional, assim como<br />
promoção <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> capacitação que facilitem sua<br />
reinserção na vida socialmente útil em temas tais como: a<br />
auto-estima, saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva, sistema <strong>de</strong> justiça<br />
penal e saú<strong>de</strong> mental.<br />
Da comunida<strong>de</strong><br />
· Articulação dos esforços da Socieda<strong>de</strong> por meio do<br />
Conselho Distrital <strong>de</strong> Prevenção Social do Delito, organismo<br />
que rege a prevenção social e no qual estão representados<br />
diversos setores da socieda<strong>de</strong>.<br />
· Impulsionar a participação <strong>de</strong> todos os setores da<br />
socieda<strong>de</strong> na prevenção social do <strong>de</strong>lito, por meio das<br />
diferentes comissões <strong>de</strong> trabalho que integram o Conselho<br />
Distrital <strong>de</strong> Prevenção Social do Delito.<br />
· Controle social não coercivo sobre agentes policiais com<br />
tendência no conhecimento <strong>de</strong> atos <strong>de</strong>litivos, jovens em<br />
situação <strong>de</strong> alto risco social, lojas <strong>de</strong> bebida alcoólica que<br />
causem conflito, pontos <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> jovens<br />
transgressores ou <strong>de</strong> jovens em situação <strong>de</strong> risco.
Da polícia<br />
Leslie Sequeira Villagrán<br />
· Apadrinhamento e elaboração <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong>stinados a<br />
facilitar a reinserção <strong>de</strong> crianças, adolescentes e jovens em<br />
situação <strong>de</strong> alto risco social na vida socialmente útil.<br />
· Retroalimentação à <strong>Polícia</strong> Nacional sobre o sentimento,<br />
as necessida<strong>de</strong>s e percepções da população em matéria <strong>de</strong><br />
Segurança Cidadã.<br />
· Formação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> cidadãos <strong>de</strong> apoio a lares<br />
disfuncionais ou famílias nas quais algum <strong>de</strong> seus membros<br />
é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> substâncias químicas.<br />
· Formação <strong>de</strong> comitês <strong>de</strong> cidadãos <strong>de</strong> apoio à aplicação<br />
integral do Código da Infância e Juventu<strong>de</strong>, relativo à<br />
liberda<strong>de</strong> assistida e outras medidas cautelares.<br />
· Apoio a eventos esportivos e culturais que permitam um<br />
lazer sadio <strong>de</strong> crianças e adolescentes, assim como o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s e conhecimento técnicos.<br />
· Fortalecimento e impulso <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças locais que<br />
permitam a busca <strong>de</strong> soluções comunitárias aos problemas<br />
relacionados com a segurança cidadã.<br />
· Articular diante das instituições estatais e privadas dirigidas a<br />
resolver problemas <strong>de</strong> infra-estrutura que geram insegurança<br />
à cidadania ou afetam a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da mesma.<br />
· Incentivo e formação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças juvenis <strong>de</strong> um novo<br />
tipo, baseado na cultura da “Não Violência” “Não às Drogas”<br />
“Respeito ao Direito Alheio”.<br />
Doutrina Policial: “O trabalho policial em todos seus âmbitos tem<br />
sentido somente em sua estreita vinculação com a comunida<strong>de</strong> à qual<br />
serve, com o fim último <strong>de</strong> prevenir atos e situações que atentam contra<br />
a segurança individual e coletiva. O policial mantém uma atitu<strong>de</strong> permanente<br />
<strong>de</strong> disposição ao serviço, <strong>de</strong> respostas às <strong>de</strong>mandas da comunida<strong>de</strong>, em<br />
estreita vinculação com ela e age em correspondência com as necessida<strong>de</strong>s<br />
565
566<br />
Prevenção do Delito e da Violência entre Adolescência e Juventu<strong>de</strong><br />
e aspirações sociais <strong>de</strong> segurança e tranqüilida<strong>de</strong>…”<br />
Quanto ao caráter preventivo da ação policial se expressa: “a razão<br />
<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> toda ação policial é a prevenção. Or<strong>de</strong>nação escalonada que vá<br />
da prevenção <strong>de</strong> danos maiores contra a socieda<strong>de</strong>…Conjuntamente com<br />
a comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>senvolvidas as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar<br />
circunstâncias, condições, tendências, vulnerabilida<strong>de</strong>s físicas, sociais ou<br />
<strong>de</strong> outra índole que indiquem a possibilida<strong>de</strong> que ocorra um ato <strong>de</strong> interesse<br />
policial, para evitar ou restringir seus efeitos…”<br />
· Fortalecimento da presença policial nos lugares, dias e<br />
horários mais atingidos pela ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litiva.<br />
· Aplicação do Plano <strong>de</strong> Reinserção à vida socialmente útil<br />
<strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> jovens em Alto Risco Social (em aliança com<br />
instâncias <strong>de</strong> apoio).<br />
· Investigação, perseguição e combate frontal às bocas-<strong>de</strong>fumo<br />
e aos traficantes.<br />
· Controle dos focos <strong>de</strong>litivos e pontos <strong>de</strong> concentração<br />
<strong>de</strong> elementos anti-sociais.<br />
· Profilaxia em relação a agentes policiais inclinados à<br />
comissão <strong>de</strong> atos <strong>de</strong>litivos.<br />
· Controle sobre comércios <strong>de</strong> bebidas alcoólicas que<br />
gerem conflitos.<br />
· Controle sobre lugares <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> jovens<br />
transgressores e em situação <strong>de</strong> risco.<br />
· Visitas <strong>de</strong> controle e apoio aos centros escolares e lugares<br />
que representam risco para os estudantes.<br />
· Controle sobre lugares vulneráveis ao conhecimento <strong>de</strong><br />
atos <strong>de</strong>litivos.<br />
· Inserção dos vigilantes civis (patrulhas comunitárias) no<br />
Sistema <strong>de</strong> Prevenção Policial do Delito. 3<br />
Notas<br />
1 Instituto Latino-americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento da<br />
Delinqüência.<br />
2 Décimo Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente,<br />
Viena 10 a 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000, Tema 5: Prevenção eficaz do <strong>de</strong>lito: adaptação às novas<br />
situações: 2-3<br />
3 <strong>Polícia</strong> Nacional da Nicarágua “Alcançando um Sonho” Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Prevenção Social da <strong>Polícia</strong><br />
da Nicarágua. Manágua, Nicarágua 2006.
Comunicação<br />
DIÁLOGOS DE UMA JUVENTUDE VIGIADA E<br />
VIGILANTE<br />
Aline Gatto Boueri *<br />
Somos cinco. Cada um tem a sua turma, a sua tribo, os seus projetos<br />
<strong>de</strong> vida. Não somos amigos, parentes ou vizinhos e nunca sentamos juntos<br />
em uma mesa <strong>de</strong> bar. Entre a favela e o asfalto, somos familiares e estranhos<br />
uns aos outros. Nossas vidas se cruzam diariamente na periferia da região<br />
metropolitana do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Somos jovens. E nos encontramos aqui<br />
para falar <strong>de</strong> polícia.<br />
Mariana é socióloga, branca, tem 37 anos e há oito trabalha com<br />
jovens em um projeto social <strong>de</strong> uma favela do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Quando<br />
chega à favela on<strong>de</strong> trabalha se <strong>de</strong>para com uma barreira policial. Mariana<br />
não <strong>de</strong>ve, mas teme. Afinal, a presença policial ali po<strong>de</strong> significar mais um<br />
confronto. Mas o que ganha <strong>de</strong>staque na fala da moça é a forma intimidadora<br />
e, ao mesmo, tempo insegura como o policial em serviço informa a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua segurança estar em risco. “Ele me avisou que eu não<br />
po<strong>de</strong>ria passar, me questionou o que eu fazia ali e, quando argumentei que<br />
precisava passar para chegar ao trabalho, ele ce<strong>de</strong>u, mas se isentou ‘tudo<br />
bem, mas a senhora já sabe, né?’. E eu não passei”, conta.<br />
Eu, Aline, 24 anos, jornalista, branca, classe média, criada na zona<br />
norte e recém-chegada à zona sul, sinto-me também apreensiva diante da<br />
presença ou proximida<strong>de</strong> policial. Ora insegura, ora segura. E isto tem<br />
muitos “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>s”. Depen<strong>de</strong> da situação? Do local? Da hora? Das minhas<br />
companhias? Da minha aparência? Da minha cor? Da minha condição social?<br />
Do tipo <strong>de</strong> policial? Do “como” ele faz o seu trabalho? Por que temos<br />
sentimentos tão díspares sobre a nossa polícia, sobre estes jovens <strong>de</strong><br />
uniformes e distintivos? Por que po<strong>de</strong>mos nos sentir mais seguros quando<br />
avistamos, <strong>de</strong> fora e bem <strong>de</strong> longe, um carro da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> entrando na<br />
favela, enquanto que aqueles jovens que vêem a patrulha, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e<br />
bem <strong>de</strong> perto, talvez sintam justamente o oposto?<br />
Leonardo tem 20 anos, é negro e <strong>de</strong> origem pobre, como boa<br />
parte dos jovens policiais que patrulham a região metropolitana do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. Ele mora, trabalha e estuda na mesma favela na qual trabalha<br />
Mariana. Também não <strong>de</strong>ve e também teme quando avista a polícia. Quase<br />
* Jornalista do Portal Comunida<strong>de</strong> Segura www.comunida<strong>de</strong>segura.org.br<br />
BRASIL<br />
567
568<br />
Diálogos <strong>de</strong> uma juventu<strong>de</strong> vigiada e vigilante<br />
sempre é mesma coisa: manobrar a <strong>de</strong>sconfiança e a tensão das “batidas<br />
policiais”, procurando respon<strong>de</strong>r com educação, levantar a camisa,<br />
mostrar documentos, explicar tudo <strong>de</strong> novo, por vezes para os mesmos<br />
policiais, quem é, on<strong>de</strong> mora, on<strong>de</strong> estuda, on<strong>de</strong> trabalha, o que está<br />
fazendo, e para on<strong>de</strong> está indo. Leonardo acredita que o “único problema<br />
agora é o Caveirão” (carro blindado da PM do Rio <strong>de</strong> Janeiro, usado para<br />
fazer incursões em favelas). Por conta <strong>de</strong> tréguas entre os diferentes<br />
comandos que disputam domínios territoriais, e <strong>de</strong>terminam a geografia<br />
política do local on<strong>de</strong> mora, Leonardo afirma que hoje em dia se sente<br />
mais seguro na comunida<strong>de</strong>, apesar das incursões policiais. Apesar.<br />
No entanto, o jovem não se sente injustiçado pelo tipo <strong>de</strong> serviço<br />
prestado a ele pela <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>. Mesmo quando dirige sua moto com<br />
documentação correta entre sua casa e o trabalho e, sem motivos<br />
aparentes para a abordagem policial, ele acredita que a forma <strong>de</strong> atuação<br />
policial na comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> mora é “natural” porque é um local rotulado<br />
como “perigoso” por quem está do outro lado, do lado <strong>de</strong> fora das favelas<br />
(a polícia e os moradores do asfalto). Acostumado a ter que lidar com as<br />
formas imprevisíveis e ameaçadoras <strong>de</strong> vigilância dos jovens do tráfico e<br />
dos jovens da polícia, acostumado a viver entre as “batidas” e o batente,<br />
Leonardo parece ter internalizado o medo dos moradores do asfalto com<br />
tanta naturalida<strong>de</strong>, que justifica a prática policial na sua comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
acordo com a imagem externa do que é seguro. Internaliza e aceita. “Eles<br />
[os policiais] não sabem se a pessoa que está passando é bandido ou não.<br />
Isso não está escrito na testa. Faz parte do trabalho <strong>de</strong>les abordar, revistar,<br />
questionar”. Contenta-se com o repertório negativo <strong>de</strong> possíveis violações<br />
policiais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que este exclua a violência física. “O que eles não po<strong>de</strong>m<br />
fazer é bater”, diz.<br />
Teoricamente, eles também não po<strong>de</strong>riam favorecer <strong>de</strong>terminados<br />
indivíduos por conta <strong>de</strong> relações privilegiadas <strong>de</strong>ntro da corporação. Mas<br />
Tiago, soldado da <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, branco, morador <strong>de</strong> um bairro popular<br />
<strong>de</strong> Niterói, e Maurício, capitão da PM, branco e comandante <strong>de</strong> um batalhão<br />
<strong>de</strong> policiamento comunitário em uma favela da mesma cida<strong>de</strong>, contam<br />
que isso já aconteceu com eles. Tiago, que dirigia moto há alguns anos,<br />
diz que precisou citar nomes <strong>de</strong> policiais militares conhecidos quando foi<br />
abordado em uma blitz e, com a documentação do veículo vencida,<br />
conseguiu se livrar das sanções previstas por lei. Maurício sequer conhecia<br />
pessoalmente o policial que mencionou ao ser flagrado dirigindo sem
Aline Gatto Boueri<br />
carteira <strong>de</strong> habilitação, quando tinha 16 anos. “Disse que conhecia um<br />
subtenente que morava no bairro e o policial me liberou. Joguei com a<br />
sorte”, conta. E <strong>de</strong>u certo.<br />
Mas buscar ter alguma “consi<strong>de</strong>ração” ou “facilida<strong>de</strong>” do policial<br />
não funciona para todo mundo. Leonardo é um cidadão comum, não tem<br />
dinheiro, influência ou prestígio para negociar. Na última vez em que foi<br />
abordado pela polícia, foi acusado <strong>de</strong> ser um bandido conhecido, insistiu<br />
em sua inocência e venceu pelo cansaço - e pela verda<strong>de</strong> - a dupla <strong>de</strong><br />
policiais que o abordara nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua casa. Ainda que<br />
aparentemente convencidos <strong>de</strong> sua “conduta legal”, Leonardo conta que<br />
recebeu uma espécie <strong>de</strong> indulto. “Eles disseram que iam me dar uma<br />
chance e me liberar. Chance <strong>de</strong> quê? Eu não sou bandido.” Venceu por sua<br />
verda<strong>de</strong> cansada, já conhecida <strong>de</strong> todos. E, <strong>de</strong>ssa vez, <strong>de</strong>u certo.<br />
Habituado a estar sob “liberda<strong>de</strong> vigiada”, a ser visto como uma<br />
ameaça para a, e a se sentir ameaçado pela polícia Leonardo <strong>de</strong>sconfia dos<br />
motivos que o levaram a se transformar em suspeito. “Coincidiu <strong>de</strong> eu<br />
entrar numa loja no momento em que avistei a polícia. Eles <strong>de</strong>vem ter<br />
achado que eu fui me escon<strong>de</strong>r. Quando saí da loja, eles vieram me<br />
perguntaram o que eu estava escon<strong>de</strong>ndo”, relata.<br />
Mariana passou por situação semelhante. Caminhando pela<br />
comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> trabalha, encontrou um policial e entrou em um bar,<br />
mas não pô<strong>de</strong> evitar a abordagem. “Eles vêm com a arma já apontada, e<br />
eu não vou ficar <strong>de</strong> frente <strong>de</strong> um fuzil virado para a direção on<strong>de</strong> eu estou.<br />
É claro que aquela arma não estava apontada pra mim, mas se ele tivesse<br />
que atirar, eu estava na frente.” Mariana não se furtou em explicar isso ao<br />
policial que a interpelou. Mas prefere evitar o encontro. “Se dizem para<br />
mim que a polícia está na rua, que po<strong>de</strong> acontecer alguma coisa, eu fico<br />
aqui, espero”, afirma.<br />
Por que é necessário explicar os motivos <strong>de</strong> entrar em um<br />
estabelecimento comercial? Por que é necessário informar seus motivos<br />
para ir e vir, ainda que este seja um direito garantido por lei a todos os<br />
cidadãos, jovens ou não? Por que o questionamento some diante da menção<br />
a um <strong>de</strong>terminado membro da corporação?<br />
Mariana tenta explicar: “Eu acho que qualquer relação humana – e<br />
aí não é a polícia, cidadão, traficante – se estabelece através do seu olhar<br />
569
570<br />
Diálogos <strong>de</strong> uma juventu<strong>de</strong> vigiada e vigilante<br />
ou da sua postura, a sua reação ao que está acontecendo.” Seguindo a<br />
linha, seria possível dizer que as relações entre esses jovens e a polícia<br />
estão baseadas numa lógica <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfianças e medos recíprocos,<br />
agravados <strong>de</strong> acordo com as circunstâncias nas quais o encontro se dá. E<br />
quase nada mais. Fica-se com a impressão <strong>de</strong> que nestas relações só há<br />
espaço para temores e cobranças <strong>de</strong> dívidas. Do que somos <strong>de</strong>vedores?<br />
Os jovens temem os policiais. Os jovens policiais temem a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
que fazem parte. Será que nos tornamos <strong>de</strong>vedores do medo, do<br />
preconceito? Des<strong>de</strong> quando passamos a ser percebidos como “elementos<br />
suspeitos”? Des<strong>de</strong> quando nossa liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir, <strong>de</strong> se expressar,<br />
passou a ser vista como “fora <strong>de</strong> controle”?<br />
Tiago acredita que um dia foi diferente. Para ele, há alguns anos –<br />
quando precisou se valer <strong>de</strong> conhecidos na polícia para se livrar da<br />
apreensão <strong>de</strong> sua moto – havia mais respeito pela figura da autorida<strong>de</strong><br />
vestida com uma farda. “Quando víamos um policial, tentávamos ao<br />
máximo nos apresentar <strong>de</strong> forma insuspeita. Hoje o cara é parado com<br />
moto sem documentação, sem capacete e ainda reclama <strong>de</strong> ser parado”,<br />
avalia. Havia realmente mais respeito, mais dignida<strong>de</strong>?<br />
Para um jovem, ser parado pela polícia no Rio <strong>de</strong> Janeiro é sempre<br />
um acontecimento que se transforma em conversa <strong>de</strong> bar. Ainda que<br />
muitos tenham pelo menos um caso para contar, é difícil encarar a situação<br />
com naturalida<strong>de</strong>. Maurício, no entanto, acredita que policiais jovens são<br />
os que mais encaram com agressivida<strong>de</strong> sua função. Coinci<strong>de</strong>ntemente,<br />
Tiago avalia a faixa etária que vai dos 17 aos 24 anos como a mais propensa<br />
a cometer abusos e violações, estimulados ou não, pelo uso <strong>de</strong> drogas.<br />
Lança uma pista sobre os perigos <strong>de</strong> se alimentar somente visões negativas<br />
sobre as formas <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> afirmação <strong>de</strong> nossas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />
Neste encontro <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>s, o extremo parece ser o ponto <strong>de</strong><br />
convergência. Mariana encontra dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>terminar as situações<br />
nas quais se sente insegura, em <strong>de</strong>senhar uma face para o perigo. “Suspeito<br />
não é uma categoria que eu gosto <strong>de</strong> usar, acho que cria um estigma. Eu<br />
acho que tudo está muito contextualizado”, diz. Mas dá um exemplo:<br />
“Vou passar por uma galera, os meninos <strong>de</strong> rua cheirando cola, empurrando<br />
um ao outro ‘ah, eu vou passar pelo meio porque eu não sou<br />
preconceituosa’. Não, eu vou atravessar a rua, porque eu sei que até por<br />
conta daquele contexto, naquele momento, isso po<strong>de</strong> acontecer.”
Aline Gatto Boueri<br />
Maurício tem medo <strong>de</strong> andar <strong>de</strong> ônibus. Acha que é possível i<strong>de</strong>ntificar<br />
um “marginal” só <strong>de</strong> vê-lo. Vive também a insegurança antecipada. “Não é<br />
pela vestimenta; eu não sei, eu acho que se <strong>de</strong>nuncia com o olhar.” Tiago<br />
acha que a atitu<strong>de</strong> diz mais. “Tem um grupo <strong>de</strong> pessoas muito isoladas, e<br />
quando sente a chegada da polícia, o grupo pára <strong>de</strong> falar, fica aquele silêncio”,<br />
<strong>de</strong>screve. Segundo ele, nas vezes que foi parado, o comportamento do<br />
grupo on<strong>de</strong> estava era esse. E ele acha justo. “Quem não <strong>de</strong>ve não tenta<br />
ficar longe”, afirma. Porém, o seu medo contradiz sua própria afirmação,<br />
evi<strong>de</strong>nciando que mesmo quem não <strong>de</strong>ve, tem motivos <strong>de</strong> sobra para temer<br />
a polícia. Pois parece não está claro para ninguém o que po<strong>de</strong> e o que não<br />
po<strong>de</strong> acontecer durante uma abordagem policial no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Maurício não teme pelo “marginal” em si, mas pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ser i<strong>de</strong>ntificado como policial. Moramos em uma cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o policial<br />
teme o “marginal”, moramos em uma cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o jovem teme o policial,<br />
ainda que esteja em concordância com a lei.<br />
Por quê? Respon<strong>de</strong>r a questão significa buscar superar traumas e<br />
frustrações, compreen<strong>de</strong>ndo a maneira como se dão, <strong>de</strong> fato, esses<br />
encontros fortuitos entre as forças <strong>de</strong> segurança pública do estado e os<br />
cidadãos que <strong>de</strong>las <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m para a garantia <strong>de</strong> seus direitos.<br />
Leonardo não se sente muito tentado em ir à praia. Ele mora no Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, mas o litoral fica longe da favela on<strong>de</strong> mora e, quando diferentes<br />
facções se encontram no ônibus, po<strong>de</strong> haver problemas. Certa vez, o<br />
problema foi com a polícia. “De <strong>de</strong>ntro do ônibus uns meninos jogavam<br />
amêndoas nos pescadores. Eu e meus amigos acabamos levando a culpa<br />
por algo que não fizemos”, conta.<br />
Foi a primeira vez em que Leonardo foi parado pela polícia. Ele<br />
acha que a atuação na favela on<strong>de</strong> mora tem relação direta com a corrupção.<br />
“Quando eles esperam receber um dinheiro e não vem, então eles vêm<br />
com tudo, dão tiro para o alto, se o pessoal correr, jogam bomba <strong>de</strong> gás.<br />
Tem hora que os caras do tráfico também dão tiro, aí fica aquele tiroteio,<br />
e quem está procurando lazer acaba ficando no meio disso tudo. Sai um<br />
problema e entra outro”, diz.<br />
Durante certo tempo eu acreditei também nesta meia verda<strong>de</strong><br />
construída a partir dos encontros fortuitos com alguns policiais<br />
571
572<br />
Diálogos <strong>de</strong> uma juventu<strong>de</strong> vigiada e vigilante<br />
aparentemente envolvidos com o crime. Acreditei que toda a polícia<br />
funcionasse a partir da mesma lógica do tráfico <strong>de</strong> drogas: disputando<br />
territórios <strong>de</strong> forma violenta na minha cida<strong>de</strong>. Mais isto é somente uma<br />
pequena parte da história, e pensar assim pouco contribui para enten<strong>de</strong>r<br />
as relações da polícia com a juventu<strong>de</strong>, e prevenir os possíveis <strong>de</strong>svios <strong>de</strong><br />
conduta <strong>de</strong> policiais. Devo dizer que concordo com Mariana. Dentro da<br />
polícia, como em todo lugar, há pessoas boas e ruins. É verda<strong>de</strong> que<br />
quando as pessoas ruins se valem da instituição para praticar atos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>srespeito e violação aos nossos direitos civis, isso me gera um<br />
incômodo, como se não houvesse muito a quem recorrer.<br />
Quando a instituição parece não assumir, <strong>de</strong> forma transparente,<br />
regular e pública, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> punir os <strong>de</strong>svios internos – o que<br />
po<strong>de</strong> fatalmente ser um equívoco meu, mas quando se fala em impressões,<br />
os fatos nem sempre assumem o papel <strong>de</strong> protagonistas na construção<br />
das versões -, então talvez os encontros fortuitos se tornem ainda mais<br />
trágicos, pois se dão em um clima <strong>de</strong> incertezas e, pelo que ouvimos <strong>de</strong><br />
nossos entrevistados, é a incerteza <strong>de</strong> como agir e o que esperar do<br />
policial que gera a tensão e, por conseqüência, a rejeição do outro, causa<br />
aparente <strong>de</strong> violações e violências recíprocas.<br />
Mas assim como Leonardo e Mariana, não vislumbro um “mundo<br />
i<strong>de</strong>al sem polícia.” Desconfio <strong>de</strong> que neste exato momento a polícia ainda<br />
exerce uma função importante na prevenção e no controle da violência<br />
diária, que parece contaminar gran<strong>de</strong> parte das relações humanas no Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Assim como Tiago e Maurício, acredito que antes <strong>de</strong> temer a<br />
polícia, é preciso compreen<strong>de</strong>r aqueles que estão nela como trabalhadores<br />
<strong>de</strong> uma instituição, como cidadãos, como indivíduos em busca também<br />
<strong>de</strong> reconhecimento, respeito, cidadania.<br />
Ser jovem no Rio <strong>de</strong> Janeiro é estar na faixa etária mais vulnerável à<br />
violência armada, é estar sob a mira <strong>de</strong> ambos os lados da lei, é estar mais<br />
próximo <strong>de</strong> uma abordagem policial violenta, <strong>de</strong> um confronto armado<br />
entre forças <strong>de</strong> segurança e traficantes <strong>de</strong> drogas. Somos todos<br />
Leonardos, Marianas, Tiagos e Maurícios na corda-bamba do enorme<br />
prazer <strong>de</strong> viver nossas vidas, e do gran<strong>de</strong> temor em ser punido por isso;<br />
do frenesi da juventu<strong>de</strong> e <strong>de</strong> tudo que nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> vivê-la plenamente.<br />
Nós nos encontramos aqui para falar <strong>de</strong> polícia, mas falamos, na verda<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>.
Comunicação<br />
UM RELATO SOBRE A POLÍCIA NACIONAL E O<br />
CONTROLE DA DELINQÜÊNCIA JUVENIL NA<br />
NICARÁGUA<br />
Marco A. Valle Martínez *<br />
1. APRESENTAÇÃO<br />
O presente relato tem como base a minha experiência <strong>de</strong> 14 anos<br />
<strong>de</strong> trabalho profissional com a <strong>Polícia</strong> Nacional da Nicarágua (PN), que<br />
me permitiram contribuir para a análise, formulação, implementação,<br />
monitoramento e avaliação <strong>de</strong> iniciativas diretamente relacionadas à<br />
preservação e ao controle da <strong>de</strong>linqüência juvenil na Nicarágua, assim como<br />
na região da América Central.<br />
As seguintes linhas são uma espécie <strong>de</strong> reflexão com uma síntese<br />
global, o que significa que – mesmo estando baseado em experiências<br />
particulares e gerais <strong>de</strong> meu trabalho, algumas vezes como consultor e em<br />
outras como assessor – se <strong>de</strong>senvolve em um nível geral e não respon<strong>de</strong> a<br />
uma única experiência, lugar, grupo, intervenção, tática, etc. Do mesmo<br />
modo, <strong>de</strong>staco que o principal ator é a PN, os e as policiais e, no meu caso,<br />
o que faço é organizar, sistematizar e relatar a minha experiência, tratando<br />
<strong>de</strong> ser o mais fiel possível à ação policial junto à comunida<strong>de</strong>.<br />
Gostaria <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar claro que, se no relato se percebe que faço<br />
bons comentários a respeito da PN, jamais será porque fui consultor ou<br />
porque atualmente sou assessor, mas sim porque consi<strong>de</strong>ro que as coisas<br />
foram bem feitas; do mesmo modo indico os pontos fracos pessoalmente<br />
na prática. Algo que esta polícia realmente tem é o seu grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia<br />
em seu interior, on<strong>de</strong>, mesmo com os seus pontos fracos, seus membros<br />
não só po<strong>de</strong>m como são estimulados a apresentar as suas opiniões,<br />
intercambiar pontos <strong>de</strong> vista que, a posteriori, os chefes incorporam.<br />
Existem casos em que este exercício é menos executado, ou po<strong>de</strong>m existir<br />
alguns que não o consi<strong>de</strong>rem <strong>de</strong> muita utilida<strong>de</strong>, mas se po<strong>de</strong> afirmar que<br />
estes são a exceção e não uma política institucional.<br />
NICARÁGUA<br />
Nesse sentido, as minhas apreciações nunca são absolutas durante<br />
o relato; tenho certeza <strong>de</strong> que sempre existem as exceções ou que as<br />
* Assessor da <strong>Polícia</strong> Nacional, coor<strong>de</strong>nador Mestrado Políticas Públicas - Universida<strong>de</strong><br />
Centro-Americana<br />
573
574<br />
Um Relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle<br />
da Delinqüência Juvenil na Nicarágua<br />
coisas não acontecem em 100%, mas o menciono agora para evitar ter<br />
<strong>de</strong> repetir sempre que existem as exceções para o cumprimento da<br />
política, da estratégia e da tática institucional.<br />
Por outro lado, os olhos através dos quais se lerá o “estado da<br />
arte” da prática policial a respeito do controle da violência juvenil são os<br />
meus, o que implica que outros olhos po<strong>de</strong>m apreciar algumas situações<br />
<strong>de</strong> outra forma e outros <strong>de</strong> outra. O que é realmente importante é que<br />
exista consenso sobre a tendência geral. Gostaria que este tipo <strong>de</strong> relato<br />
ajudasse nos objetivos do curso como espaço interdisciplinar e<br />
interinstitucional <strong>de</strong> diálogo, intercâmbio e reflexão sobre os problemas e<br />
ações <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização das polícias na América Latina.<br />
Para finalizar a apresentação, <strong>de</strong>staco que, como se trata <strong>de</strong> um<br />
relato, não esperem só notas <strong>de</strong> rodapé com citações <strong>de</strong> livros, artigos<br />
ou ensaios; o que mais vou expor são apreciações, situações, referências,<br />
documentos <strong>de</strong> trabalho e/ou oficiais, mas todas vividas, ou como também<br />
se diz, fontes primárias.<br />
2. O SER HUMANO E SEUS DIREITOS<br />
Durante reuniões, capacitações, intervenções, operações e qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> evento, respira-se, no interior da polícia, um ambiente <strong>de</strong> respeito<br />
aos direitos humanos, mesmo nas situações mais difíceis e arriscadas, ou<br />
ainda quando um membro da instituição tenha <strong>de</strong> sair <strong>de</strong>la. Dito <strong>de</strong> outra<br />
maneira, durante atuações policiais, cumprimento dos métodos particulares<br />
<strong>de</strong> trabalho, preparação contínua, em resumo, na cotidianida<strong>de</strong> policial se<br />
remarca a importância do respeito à vida e aos direitos humanos.<br />
Este fenômeno não é produto natural e nem do acaso, senão <strong>de</strong> um<br />
processo que nasce em 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1979, quando é fundada a PN<br />
com um sentido <strong>de</strong> serviço à população e respeito aos direitos humanos,<br />
que se expressa em 1980 com o Decreto 559 que cria a “Lei <strong>de</strong> Funções<br />
Jurisdicionais da <strong>Polícia</strong> Sandinista, assim como na Lei 228, Lei da <strong>Polícia</strong><br />
Nacional, emitida em 31 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1996 e seu Regulamento através do<br />
Decreto Presi<strong>de</strong>ncial Nº. 26-96, emitido em 25 <strong>de</strong> outubro do mesmo<br />
ano. Igualmente, tem a sua base explicativa na Doutrina Policial (20 <strong>de</strong> outubro<br />
<strong>de</strong> 1997), no Diagnóstico Institucional <strong>de</strong> 1999, na Política Integral <strong>Polícia</strong> –<br />
Comunida<strong>de</strong> e Direitos Humanos (Disposição 0426-2001), no Plano
Estratégico 2005-2009, e no Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> Comunitária Pró-ativa (PCP),<br />
que está sendo formulado através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> consulta interna neste<br />
ano <strong>de</strong> 2007. 1 A Aca<strong>de</strong>mia da <strong>Polícia</strong> “Walter Mendoza”, Instituto <strong>de</strong> Estudos<br />
Superiores, <strong>de</strong>sempenha um papel <strong>de</strong>stacado neste âmbito.<br />
Certamente, esta visão policial é a que inci<strong>de</strong> para que quem esteja<br />
cumprindo tarefas <strong>de</strong> prevenção e controle da <strong>de</strong>linqüência juvenil aprecie, à<br />
primeira vista, os jovens como o são, ou seja, jovens e o seu mundo, e não<br />
<strong>de</strong>linqüentes sem mais nem menos. Este ponto foi analisado com profundida<strong>de</strong><br />
em torno <strong>de</strong> 2002-2003, quando se estava projetando criar uma estrutura<br />
especializada para aten<strong>de</strong>r os problemas produzidos pela violência juvenil;<br />
nesse momento se pensava que era necessário mudar a estigmatização dos<br />
jovens, que tínhamos que trabalhar com eles e elas, que se <strong>de</strong>via melhorar a<br />
relação da PN com os jovens e, mais ainda, que a instituição <strong>de</strong>via promover<br />
uma coor<strong>de</strong>nação interinstitucional que ajudasse a melhorar as condições <strong>de</strong><br />
vida da juventu<strong>de</strong> em risco, em vez <strong>de</strong> reprimi-los. A estrutura Direção <strong>de</strong><br />
Assuntos Juvenis (DAJ) foi criada em 22 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2003 pela Disposição<br />
Administrativa No.025 – 03 do Diretor Geral da PN.<br />
De forma contrária, em alguns países existe a tendência a igualar os<br />
jovens que se vestem <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada forma, se divertem nas esquinas,<br />
escutam a sua música e jogam o seu esporte favorito (ou ao que têm<br />
acesso) e cometem uma ou outra falha com gangues, facções ou tribos,<br />
dos quais se <strong>de</strong>vem esperar condutas anti-sociais ou <strong>de</strong>litivas. Não querem<br />
perceber que os jovens têm a sua própria forma <strong>de</strong> observar o mundo,<br />
<strong>de</strong> se comportar, expressar, divertir e enfocar as suas preocupações e o<br />
fato <strong>de</strong> que esteja em ascensão a <strong>de</strong>linqüência juvenil não significa que<br />
todo jovem seja <strong>de</strong>linqüente, bem como tampouco que todo adulto o é.<br />
O problema <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> visão é que é eminentemente reativa, tem<br />
preconceitos que leva a que, <strong>de</strong> antemão, se con<strong>de</strong>ne qualquer jovem <strong>de</strong><br />
risco, age em função <strong>de</strong> clichês, e não pensa que po<strong>de</strong>m ser dadas<br />
oportunida<strong>de</strong>s para que se reintegrem à socieda<strong>de</strong>.<br />
3. ORIENTAÇÃO PARA A COMUNIDADE (CIDADANIA)<br />
Marco A. Valle Martínez<br />
Do mesmo modo, a PN, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação, <strong>de</strong>senvolveu a sua<br />
ação pensando em servir e no bem-estar da comunida<strong>de</strong>, evoluindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
uma estrutura e organização centralizada (“<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro para <strong>de</strong>ntro”) para<br />
uma gestão policial (“<strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro”), que escuta a voz cidadã, recolhe<br />
575
576<br />
Um Relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle<br />
da Delinqüência Juvenil na Nicarágua<br />
opiniões, as incorpora e trabalha para aproximar ao máximo os seus serviços<br />
da comunida<strong>de</strong> e implementar a sua ação junto à comunida<strong>de</strong>.<br />
Um exemplo transparente <strong>de</strong>ssa perspectiva <strong>de</strong> estar vinculada à<br />
comunida<strong>de</strong> foi vivida, entre outros momentos, nos primeiros anos da<br />
década <strong>de</strong> 90, quando se pensava em começar a precisar <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />
melhor <strong>de</strong> trabalho com a comunida<strong>de</strong>, e se dialogava sobre como chamálo,<br />
chegando-se ao consenso <strong>de</strong> que <strong>de</strong>via se chamar “relações políciacomunida<strong>de</strong>”,<br />
ou seja, com hífen para <strong>de</strong>notar uma fusão <strong>de</strong> ambas as partes<br />
e não “polícia e comunida<strong>de</strong>”, que insinuava separação. Hoje se expressa na<br />
diretriz que mostra uma polícia “<strong>de</strong> e para a comunida<strong>de</strong>”, o lema <strong>de</strong> 2007<br />
“com fortaleza e dignida<strong>de</strong> 28 anos <strong>de</strong> serviço à comunida<strong>de</strong>”.<br />
A sua aplicação nas tarefas <strong>de</strong> prevenção e controle da violência<br />
juvenil se materializa, entre outros pontos, na sinergia PN, participação<br />
comunitária e coor<strong>de</strong>nação interinstitucional no território, seja no distrito,<br />
município, bairro, comarca, vilarejo, etc. A ação policial para enfrentar os<br />
problemas da violência e <strong>de</strong>linqüência juvenil, teve as idas e vindas que nas<br />
próximas páginas serão expostas.<br />
4. CARACTERÍSTICAS DE LARES E DOMUNDO DE JOVENS EM<br />
RISCO, E GANGUES<br />
Diversos estudos da DAJ enfatizam que o mundo dos jovens em<br />
risco e <strong>de</strong>linqüentes juvenis se caracteriza por a) lares pobres on<strong>de</strong><br />
geralmente falta uma autorida<strong>de</strong> necessária para impor uma or<strong>de</strong>m e<br />
inculcar valores, práticas e atitu<strong>de</strong>s socialmente aceitáveis, b) ausência <strong>de</strong><br />
controle familiar, c) exclusão do sistema educativo, e d) não sabem que o<br />
fazer com o seu tempo que quase todo é livre.<br />
Por nossa parte, em um diagnóstico <strong>de</strong> segurança cidadã nacional<br />
que realizamos em 2002, encontramos os seguints fatores associados à<br />
<strong>de</strong>linqüência juvenil: 1) percepção <strong>de</strong> exclusão, 2) pares ou amigos<br />
próximos, 3) violência familiar, 4) exclusão do sistema educativo, 5) falta<br />
<strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> recreação e superação cultural, 6) <strong>de</strong>semprego. A pobreza<br />
é um fator transversal <strong>de</strong>sses lares.<br />
A inter-relação <strong>de</strong>stes fatores indica que à medida que o jovem vai<br />
crescendo, vai interiorizando um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vida produto <strong>de</strong> sua
Marco A. Valle Martínez<br />
experiência caseira entrecruzada com a dos familiares, amiza<strong>de</strong>s, escola,<br />
igrejas e meios <strong>de</strong> comunicação que em linhas gerais, indicam o caminho<br />
do estudo, trabalho, formar um lar com filhos e filhas e ser mais ou menos<br />
feliz. Do mesmo modo, quando chega a ser um jovem adulto espera<br />
po<strong>de</strong>r realizar o imaginado.<br />
Mas quando a realida<strong>de</strong> lhe nega o imaginado, o jovem sofre um<br />
choque já que percebe que os seus sonhos não serão realizados, enquanto<br />
outros sim o farão, <strong>de</strong>terminando a colocação em movimento <strong>de</strong> uma<br />
conduta rebel<strong>de</strong> dirigida a expressar que têm valor, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, dirigindo as<br />
suas forças contra tudo o que i<strong>de</strong>ntificam como “culpável” pelo seu fracasso<br />
e contra os que percebem que “têm algo” que eles não conseguem. Quase<br />
sempre esta cena acontece em lares pobres, é por isso que os jovens em<br />
risco, gangues e <strong>de</strong>linqüentes juvenis predominam neste estrato.<br />
É comum também que o jovem encontre na rua o que não encontra<br />
em casa: calor humano, fraternida<strong>de</strong>, comunicação, ao mesmo tempo em<br />
que reafirma valores próprios mais da adolescência e da juventu<strong>de</strong> como<br />
a coragem, a audácia, o heroísmo e o <strong>de</strong>safio pelo perigo. Os pares ou<br />
amigos próximos da rua também são um fator intimamente associado,<br />
que pesa nos jovens, mas também, e talvez inclusive com muita força, nas<br />
crianças e adolescentes. No caso <strong>de</strong>stes últimos, viver no mesmo bairro,<br />
ser vizinho, ou familiar <strong>de</strong> integrantes <strong>de</strong> gangues ou <strong>de</strong> integrantes <strong>de</strong><br />
grupos anti-sociais é um elemento <strong>de</strong> risco, já que facilmente são percebidos<br />
como seus heróis e mo<strong>de</strong>los a serem imitados; e ainda mais quando nos<br />
lares existe <strong>de</strong>sunião, pouco controle sobre os filhos e estes não estudam,<br />
<strong>de</strong>ambulam pelas ruas ou trabalham em mercados, sinais <strong>de</strong> trânsito ou<br />
em outro lugar <strong>de</strong> risco.<br />
Ao mesmo tempo, em alguns casos é conveniente para os <strong>de</strong>linqüentes<br />
ter em suas filas crianças e adolescentes já que po<strong>de</strong>m cumprir “missões”<br />
cada vez mais difíceis para os jovens e jovens adultos, tais como se introduzir<br />
por uma janela para roubar uma casa, comprar drogas, servir <strong>de</strong> chamariz<br />
para um roubo, arrebatar cordões, relógios, etc.<br />
A tendência <strong>de</strong> prevalência <strong>de</strong> famílias com chefes <strong>de</strong> baixo nível<br />
educativo, ausência <strong>de</strong> valores para orientação, <strong>de</strong>sempregados e/ou<br />
<strong>de</strong>sunidos, constantes cenas <strong>de</strong> violência familiar, ausência <strong>de</strong> assistência dos<br />
filhos e filhas à escola e pouco controle dos filhos por parte dos chefes <strong>de</strong><br />
577
578<br />
Um Relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle<br />
da Delinqüência Juvenil na Nicarágua<br />
família, eleva as probabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que alguns dos membros se precipite na<br />
<strong>de</strong>linqüência juvenil. Noventa por cento dos jovens <strong>de</strong>linqüentes consomem<br />
drogas como cocaína, maconha e crack, além <strong>de</strong> consumir álcool. Neste<br />
sentido, a relação da violência, da <strong>de</strong>linqüência juvenil, e das gangues com as<br />
drogas é direta. 2<br />
5. GRUPO DE RISCO, GANGUES E GRUPOS DE DELINQUENTES<br />
De acordo com a DAJ, as duas categorias policiais objeto <strong>de</strong><br />
prevenção e controle social e policial são grupos <strong>de</strong> risco (ou grupos <strong>de</strong><br />
alto risco social) e gangues.<br />
Com relação aos primeiros, suas características são: a) não têm<br />
natureza jurídica como associação <strong>de</strong> jovens, b) se relacionam<br />
espontaneamente às vezes com fins menos lícitos, c) mantêm vínculos<br />
com a sua família, d) saem constantemente <strong>de</strong> seus lares, e) juntam-se em<br />
parques, esquinas, centros comerciais, mercearias, ao redor <strong>de</strong> centros<br />
<strong>de</strong> estudo e pontos <strong>de</strong> ônibus, f) ocasionalmente consomem álcool,<br />
drogas, entorpecentes e psicotrópicos, g) <strong>de</strong>monstram alguns sinais <strong>de</strong><br />
violência e rebeldia e, h) eventualmente cometem infrações leves contra a<br />
lei, classificadas como faltas penais.<br />
Enquanto as gangues têm as seguintes características: a) se i<strong>de</strong>ntificam<br />
como grupos, utilizam símbolos, linguagens e condutas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />
como solidarieda<strong>de</strong> e ser membro <strong>de</strong> grupo, b) po<strong>de</strong> ou não haver<br />
hierarquia organizativa, c) mantêm vínculos com as famílias, d) se associam<br />
eventualmente com adolescentes e jovens da rua, que não têm vínculos<br />
familiares, e) as regras e normas <strong>de</strong> atuação não são rígidas, geralmente<br />
não há ritual <strong>de</strong> entrada e não há conseqüências em caso <strong>de</strong> saída, f) se<br />
organizam <strong>de</strong> forma local, no quarteirão, na quadra, na esquina, no bairro,<br />
que consi<strong>de</strong>ram como seu “território”, g) não têm comunicação nem<br />
vínculos com outras gangues <strong>de</strong> outros bairros e <strong>de</strong> outros <strong>de</strong>partamentos<br />
do país, h) cometem <strong>de</strong>litos, faltas penais, lesões, danos à proprieda<strong>de</strong>,<br />
etc., que provocam gran<strong>de</strong> sentimento <strong>de</strong> insegurança i) consomem álcool<br />
e drogas habitualmente, j) exercem a violência contínua e muito afirmada<br />
como grupo, k) se enfrentam com outras gangues em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seu<br />
“território”; qualificado como usam associação armas <strong>de</strong> fogo, para <strong>de</strong>linqüir. brancas, <strong>de</strong> caça e outras, l) tipo penal<br />
3<br />
Alguns nomes <strong>de</strong> gangues são: Los Batos Locos, Los Peteretes,
Marco A. Valle Martínez<br />
Los Culiolos, Los Pelones, Los Chilamates, Los Cabros, Los Chibolones,<br />
Los Arroyeros, Las Gárgolas <strong>de</strong>l Fox, etc. Estes tipos <strong>de</strong> nomes indicam<br />
que houve pouca influência <strong>de</strong> gangues ou facções <strong>de</strong> outros países centroamericanos<br />
ou dos Estados Unidos. Mais ainda, em todas as intervenções<br />
sobre violência juvenil que participamos escutamos poucas expressões<br />
dos jovens <strong>de</strong>linqüentes que <strong>de</strong>notem admiração e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> chegar a<br />
ser como os “mo<strong>de</strong>los” salvadorenhos, hondurenhos ou guatemaltecos.<br />
Em algum momento, foram percebidas pequenas influências estrangeiras<br />
nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Estelí e Chinan<strong>de</strong>ga (ambas próximas da fronteira norte),<br />
mas não tiveram maior significado. Um ponto em aberto na agenda <strong>de</strong><br />
pesquisas e intervenções é encontrar os fatores que explicam o<br />
“nacionalismo” da gangue nicaragüense, sua ação amadora com relação às<br />
gangues <strong>de</strong> outros países e o porquê <strong>de</strong>, sendo a Nicarágua um dos países<br />
com índices mais baixos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano, é um dos países<br />
mais seguros da América Central.<br />
Os grupos <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüentes são – como indica o seu conceito - a<br />
reunião <strong>de</strong> vários <strong>de</strong>linqüentes juvenis, que po<strong>de</strong>m ou não andar com<br />
adultos e que se <strong>de</strong>dicam a <strong>de</strong>linqüir, praticando atos contra a vida das<br />
pessoas, contra a proprieda<strong>de</strong> ou efetuando <strong>de</strong>litos contra a saú<strong>de</strong>. Este<br />
tipo <strong>de</strong> grupos, que na área urbana têm normalmente poucos membros,<br />
nem sempre age em conjunto, e se separa, e seus os membros agem<br />
individualmente, com outros <strong>de</strong>linqüentes ou voltam a se juntar pra<br />
<strong>de</strong>linqüir. O importante neste caso é que se está na presença <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüentes<br />
que, não raramente cometem homicídios, assassinatos, lesões e roubos<br />
<strong>de</strong> diversos tipos em seu expediente <strong>de</strong> vida.<br />
Que não se pense que essas categorias sempre existiram e que são<br />
estáticas e que as suas fronteiras são cristalinas. Pelo contrário, estas são<br />
o resultado <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> reflexão e busca com base na prática<br />
policial em inter-relação com profissionais e organismos cuja missão é a<br />
prevenção da violência e o <strong>de</strong>lito. Sobre esse aspecto, em sessões <strong>de</strong><br />
análise que efetuamos com oficiais que trabalham diretamente a<br />
<strong>de</strong>linqüência juvenil, se <strong>de</strong>stacaram muitos exemplos <strong>de</strong> jovens que<br />
começaram em grupos <strong>de</strong> risco, passaram para gangues e que hoje são<br />
<strong>de</strong>linqüentes que estão presos, sendo procurados e alguns estão mortos<br />
<strong>de</strong>vido a sua vida violenta. Do mesmo modo, existem os que conseguiram<br />
superar os momentos <strong>de</strong> participação em gangues e se integraram à vida<br />
social, ou outros que conseguiram sair dos grupos e da vida arriscada.<br />
579
580<br />
Um Relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle<br />
da Delinqüência Juvenil na Nicarágua<br />
6. RELAÇÕES POLÍCIA–COMUNIDADE, DELINQUÊNCIA JUVENIL<br />
E PROCURA DO ENFOQUE ADEQUADO.<br />
Durante os anos 90 e começo <strong>de</strong> 2000, estiveram em seu apogeu<br />
as gangues que se fizeram notar em várias capitais <strong>de</strong>partamentais com<br />
maior presença que atualmente. Foram anos <strong>de</strong> investigação, busca e<br />
reflexão sobre o enfoque a<strong>de</strong>quado para enfrentar a violência e <strong>de</strong>linqüência<br />
juvenil, sempre tendo como eixo da ação policial as relações políciacomunida<strong>de</strong>.<br />
À raiz <strong>de</strong> um estudo que realizamos em 2001 sobre a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> melhorar o sistema <strong>de</strong> emergência policial 118 <strong>de</strong> Manágua, tivemos a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrevistar policiais, consultar documentos e analisar em<br />
alguns bairros da capital com a comunida<strong>de</strong> o problema da violência juvenil<br />
e os serviços <strong>de</strong> emergência da PN. Na ocasião, precisamos que o 118<br />
fosse concebido e colocado em funcionamento em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1994<br />
com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecer serviços <strong>de</strong> emergência à população da capital,<br />
preocupada com os problemas das gangues. Ou seja, o 118 nasce vinculado<br />
diretamente aos conflitos provocados pela <strong>de</strong>linqüência juvenil. Conforme<br />
a população foi conhecendo o 118, o utilizou não só para esse fim, mas<br />
sim para qualquer assunto que lhe preocupara e que a polícia <strong>de</strong>vesse<br />
aten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> imediato. Dessa forma, foi sendo legitimado como emergência<br />
tudo o que segundo a população que chamava o 118 estava ocorrendo e<br />
requeria a presença policial imediata.<br />
Sob este prisma, tornou-se costume consi<strong>de</strong>rar como emergência<br />
tudo o que se recebia no 118, que era transferido via rádio-operadores<br />
às patrulhas e à Brigada Especial (B/E) no caso <strong>de</strong> gangues, que ofereciam<br />
serviço em seis distritos (do 1 ao 6), ficando excluídos o distrito 7 San<br />
Rafael <strong>de</strong>l Sur e o distrito 8 Tipitapa. No caso da B/E, esta atendia <strong>de</strong><br />
forma rotineira do 2 ao 6 e, em certos momentos, o 1, e, <strong>de</strong>pois, a<br />
Tipitapa <strong>de</strong>vido ao aumento da presença <strong>de</strong> gangues. 4<br />
Mesmo a polícia mantendo a sua orientação para a comunida<strong>de</strong> e<br />
com objetivos <strong>de</strong> prevenção, se buscava aprofundar a mencionada relação,<br />
no caso da violência juvenil e das gangues em particular, o método reativo<br />
estava em seu apogeu junto com experiências <strong>de</strong> índole preventivasimbolizado<br />
pela ação da Brigada Especial, conhecida popularmente como<br />
“anti-motins”. Ao anoitecer, os “anti-motins” saía para <strong>de</strong>terminados bairros
Marco A. Valle Martínez<br />
<strong>de</strong> Manágua para freiar a violência das gangues e levar a sensação <strong>de</strong><br />
segurança para a comunida<strong>de</strong>. A Brigada foi criada para conter alterações<br />
da or<strong>de</strong>m pública e levar tranqüilida<strong>de</strong> à cidadania nos anos 90, quando se<br />
<strong>de</strong>ram perturbações <strong>de</strong>vido a problemas da proprieda<strong>de</strong>, estudantis,<br />
greves <strong>de</strong> transporte, etc.<br />
O “Plano Gangues <strong>de</strong> Manágua” executado em 1999 por exigência<br />
do Executivo durante três meses, nas noites e madrugadas, exemplifica a<br />
concepção reativa da ação policial <strong>de</strong>sses anos, que teve como símbolo<br />
os “anti-motins”. O plano operacional estabelecia diariamente os lugares<br />
<strong>de</strong> maior conflito, violência e <strong>de</strong>struição ocasionada pelas gangues e, com<br />
essa orientação as forças policiais marcavam presença <strong>de</strong>senvolvendo<br />
vigilância e patrulhamento motorizado intenso e proce<strong>de</strong>ndo-se à<br />
neutralização das gangues quando a situação assim exigia. Nos bairros em<br />
que houve mais violência quando ao entar<strong>de</strong>cer, e isso ocorreu nos finais<br />
<strong>de</strong> semana, os “anti-motins” estavam em ação. Em meio à concepção<br />
reativa se estava tentando mudar o método e, por isso, outras instituições<br />
governamentais, como o Ministério <strong>de</strong> Educação, o Ministério da Família,<br />
a Secretaria da Juventu<strong>de</strong>, etc., foram incorporadas ao mencionado plano.<br />
Alguns objetivos do plano foram melhorar a segurança e o<br />
sentimento <strong>de</strong> segurança cidadã nos lugares <strong>de</strong> maior violência <strong>de</strong> gangues,<br />
capturar os chefes das gangues e incorporá-los a centros <strong>de</strong> estudos,<br />
associações esportivas, religiosas, etc. os jovens que aceitassem dar esse<br />
passo <strong>de</strong> reintegração social. Com <strong>de</strong>staque nos meios <strong>de</strong> comunicação,<br />
foi <strong>de</strong>clarado que o plano havia sido um sucesso, pois a comunida<strong>de</strong> e os<br />
bairros afetados expressaram que agora dormiam e viviam tranqüilos,<br />
muitos chefes foram capturados e processados, enquanto outros<br />
receberam pena <strong>de</strong> sanção policial comutável por multa.<br />
Durante as entrevistas que realizei com chefes <strong>de</strong> setor <strong>de</strong>stacados<br />
nesses territórios eles expressavam que o plano a) teve bons resultados<br />
imediatos, mas que a médio prazo o problema continuaria, b) que muitas<br />
gangues tentaram se armar para enfrentar à polícia, c) que violência contra<br />
violência gera mais violência, d) que o seu trabalho no território foi afetado<br />
já que os “anti-motins” chegavam, colocavam or<strong>de</strong>m e embora iam,<br />
enquanto eles que ficavam no território recebiam as conseqüências, por<br />
exemplo, muitas famílias que acreditavam neles, os chefes <strong>de</strong> setor, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> acreditar e então diminuía o ânimo <strong>de</strong> trabalhar lado a lado<br />
581
582<br />
Um Relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle<br />
da Delinqüência Juvenil na Nicarágua<br />
com a polícia. À continuação, também consi<strong>de</strong>ravam que os chefes <strong>de</strong><br />
gangues e as gangues em geral “temiam os anti-motins”, “colocavam<br />
falcões (vigias) nos bairros e, quando sabiam que vinham muitos,<br />
membros das gangues fugiam e iam para outros bairros ou se<br />
escondiam”, enquanto outra expressão síntese foi “...para que, os azuis<br />
(os anti-motins) colocavam as coisas em or<strong>de</strong>m, esses não dialogavam<br />
mas chegavam para fazer o seu trabalho…”. 5<br />
Pois bem, enquanto em Manágua se <strong>de</strong>senvolvia o Plano Gangues,<br />
em Masaya, a 27 quilômetros, empreendíamos, ou melhor, participei<br />
como coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> segurança cidadã no qual<br />
intervieram PN, governo central, prefeitura, comerciantes, moradores,<br />
igrejas e organizações não governamentais, que teve como um <strong>de</strong> seus<br />
eixos a prevenção da violência juvenil. 6 Esta experiência foi totalmente<br />
diferente da <strong>de</strong> Manágua. Enquanto na capital se abordava o problema<br />
com as gangues, em Masaya era mais com grupos <strong>de</strong> risco e com uma<br />
ou outra gangue incipiente.<br />
De forma simultânea, a Chefatura Nacional da PN, e em particular<br />
a Subdireção Geral <strong>de</strong> Prevenção, impulsionava reuniões e trabalhos <strong>de</strong><br />
análise das diversas formas em que se abordava a violência juvenil em<br />
nível nacional, os seus resultados e a melhor forma <strong>de</strong> fazê-lo, tendo<br />
como orientação o respeito à vida e aos direitos humanos e um sentido<br />
<strong>de</strong> aproximação com a comunida<strong>de</strong>.<br />
O contexto no início do projeto em Masaya foi marcado por uma<br />
greve nacional do transporte e <strong>de</strong> estudantes que impediu que o Plano<br />
<strong>de</strong> Ação (do projeto) fosse lançado em abril. Uma greve que afetou o<br />
país <strong>de</strong>terminou que a PN concentrasse o seu trabalho em tarefas <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m pública, tais como blitz operacionais fixas, serviços <strong>de</strong><br />
patrulhamento motorizado, controle <strong>de</strong> objetos explosivos, etc. Por<br />
tanto, a população também se concentrou em resolver as suas<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mobilização com todas as conseqüências que para<br />
cumprir com os seus trabalhos, compras, comércio, escolas e mais,<br />
significou a greve. Deve-se ter em conta que são anos em que os grevistas<br />
e incluindo alguns movimentos políticos quiseram manipular as gangues<br />
e os jovens em risco para que provocassem o caos em algumas cida<strong>de</strong>s,<br />
especialmente na capital.
Marco A. Valle Martínez<br />
Depois <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> um ano, os resultados do projeto estavam<br />
à vista, entre outros, melhor controle <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> bebidas<br />
alcóolicas, neutralização <strong>de</strong> uma boa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> venda <strong>de</strong><br />
drogas, avanços no controle <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo, <strong>de</strong>sarticulação das gangues,<br />
acordos <strong>de</strong> não agressão entre grupos <strong>de</strong> jovens em risco, incorporação<br />
ao estudo e abandono da violência juvenil. Estes resultados foram produto<br />
da combinação do trabalho preventivo policial e social, em que os diversos<br />
atores articularam esforços, incluindo os mesmos jovens que foram<br />
<strong>de</strong>ixando a violência. O principal foi apreciar o jovem como jovem, não<br />
como <strong>de</strong>linqüente, não como membro <strong>de</strong> gangue, valorizá-lo sem<br />
preconceitos, falar com eles, entendê-los, penetrar no seu mundo, nos<br />
seus problemas, escutá-los, integrá-los em ativida<strong>de</strong>s acordadas, falar com<br />
as famílias, parentes próximos, amigos e amigas, fazê-los participar <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s culturais, esportivas e religiosas, e contribuir para que<br />
encontrassem esperança no seu futuro. Ao mesmo tempo, eram<br />
executadas ações <strong>de</strong> prevenção policial que, entre outros propósitos,<br />
tratavam <strong>de</strong> abrandar os lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> grupos em risco/gangues que tentavam<br />
boicotar as ativida<strong>de</strong>s do projeto.<br />
Um indicador <strong>de</strong> resultados foi que a população <strong>de</strong> Masaya avaliou<br />
positivamente o serviço que a PN prestava em seu bairro ou em sua<br />
região. Na pesquisa <strong>de</strong> 1998, 27% das pessoas consi<strong>de</strong>ravam que o<br />
serviço era a<strong>de</strong>quado e muito a<strong>de</strong>quado, aumentando a porcentagem para<br />
33.5% <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quado e muito a<strong>de</strong>quado em 2000. O mesmo aconteceu<br />
com as opiniões negativas. Em 1998, 71% opinou que era pouco a<strong>de</strong>quado<br />
e nada a<strong>de</strong>quado, assim que em março <strong>de</strong> 2000 <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>u para 64.8%.<br />
O mesmo aconteceu com o patrulhamento. Em 1998, 21.6% opinou<br />
que a polícia patrulhou com freqüência e com muita freqüência a sua região,<br />
enquanto em 2000, o índice foi 28.8% <strong>de</strong> pessoas que disseram que<br />
patrulhavam com freqüência e muita freqüência. Sempre na mesma<br />
direção, é interessante a diminuição <strong>de</strong> opinião negativa sobre o particular.<br />
Em 1998, 77.3% disseram que a polícia patrulhava muito pouco e nunca,<br />
e em 2000 essa porcentagem diminuiu para 48.5%. 7<br />
Este projeto teve certa repercussão nos esforços <strong>de</strong> mudanças <strong>de</strong><br />
métodos já que a Chefatura Nacional o monitorou constantemente e este<br />
foi documentado do princípio ao fim, o que permitiu que servisse como<br />
insumo para a reflexão, comparação e para avançar para um mo<strong>de</strong>lo<br />
que tivesse como eixo a prevenção e não a reação.<br />
583
584<br />
Um Relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle<br />
da Delinqüência Juvenil na Nicarágua<br />
7. PELO MODELO DE PREVENÇÃO DO DELITO E DA<br />
DELINQUÊNCIA COMO EIXO DA AÇÃO POLICIAL<br />
Em 1995 a Chefatura da <strong>Polícia</strong> Nacional formalizou a priorização<br />
da área preventiva, através da especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Segurança Pública Nacional,<br />
reestruturando a estratégia fundamentada na prevenção do <strong>de</strong>lito, na qual<br />
se envolveram os diversos atores da socieda<strong>de</strong>. Conclui-se que o <strong>de</strong>lito e<br />
a <strong>de</strong>linqüência não são um problema policial, mas sim social e como tal é<br />
necessário enfrentá-lo sob uma perspectiva que combine o social e o<br />
policial. Nesse mesmo ano, foram aprovadas as Normas <strong>de</strong> Organização<br />
Interna da Especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Segurança Pública e, em 1996, a Doutrina<br />
Policial, que estabelece <strong>de</strong> forma clara a concepção e a filosofia <strong>de</strong> serviço<br />
<strong>de</strong> prevenção pública do <strong>de</strong>lito, que oferece a <strong>Polícia</strong> Nacional à socieda<strong>de</strong><br />
nicaragüense. Neste documento se orienta que a especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública adote o mo<strong>de</strong>lo integrado preventivo-corretivo, que concebe o<br />
crime como um problema social.<br />
Enquanto se está com o Plano Gangues e o enfoque reativo em<br />
outros espaços e intervenções, também são vividas experiências <strong>de</strong><br />
prevenção social como Masaya, que <strong>de</strong>pois são reproduzidas em<br />
municípios como León, Chinan<strong>de</strong>ga e Estelí, e em nível central se reflete<br />
no Conselho Nacional da PN sobre o caleidoscópio <strong>de</strong> práticas policiais,<br />
e são organizadas as experiências e se inci<strong>de</strong> na or<strong>de</strong>m normativa da<br />
instituição, redirecionando a ação para o enfoque preventivo que hoje é<br />
aprofundado e se busca consolidar.<br />
Em meio a essa dinâmica, surgem os Comitês <strong>de</strong> Prevenção Social<br />
do Delito (CPSD) em Manágua em 1997, com o propósito <strong>de</strong> ajudar a<br />
enfrentar o crescimento dos problemas gerados pelas gangues e os pontos<br />
<strong>de</strong> venda <strong>de</strong> drogas. O interessante do caso é que surgem um ou dois<br />
problemas concretos e <strong>de</strong>pois, conforme se intensifica a relação com a<br />
polícia, vão se convertendo em estruturas participativas da população<br />
para ajudar na construção <strong>de</strong> sua segurança cidadã. Em 2003 foi efetuada<br />
a primeira reunião dos CPSD do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Manágua. Neste ano<br />
<strong>de</strong> 2007, se tem planejado efetuar a primeira reunião nacional em outubro,<br />
que estava pronta para ser realizada nos dias 7 e 8 <strong>de</strong> setembro, mas que<br />
foi cancelada por causa dos estragos ocasionados pelo Furação Félix, que<br />
obrigou a instituição a dar priorida<strong>de</strong> à direção RAAN, on<strong>de</strong> pegou com<br />
toda a sua fúria o fenômeno natural.
Marco A. Valle Martínez<br />
Como expressamos no relato, esse espírito comunitário, que tem<br />
as suas raízes nos anos 80, está claramente expressado no artigo 6, inciso<br />
4, da Lei 228, que se refere às “relações com a comunida<strong>de</strong>” com o<br />
propósito <strong>de</strong> estabelecer mecanismos e colaboração com as diferentes<br />
organizações da socieda<strong>de</strong> civil, e observar, a todo momento, um<br />
tratamento correto e esmerado com os cidadãos, entre outros tópicos.<br />
Portanto, a Doutrina Policial <strong>de</strong>staca nos princípios e valores o “serviço à<br />
comunida<strong>de</strong>”, dizendo que “o trabalho policial em todos os seus âmbitos<br />
tem sentido só em estreito vínculo com a comunida<strong>de</strong> à qual serve, com<br />
o fim último <strong>de</strong> prevenir atos ou situações que atentem contra a segurança<br />
individual e coletiva”. A visão e missão também contêm essa orientação<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar o trabalho policial “íntima relação com a socieda<strong>de</strong>”;<br />
perspectiva que se reafirma nas Diretrizes para o Trabalho da <strong>Polícia</strong><br />
Nacional em 1999, tanto em seus objetivos estratégicos, como em seus<br />
planos e, objetivos específicos.<br />
Em um relatório da Chefatura Nacional em 1999, transmitindo nossa<br />
apreciação sobre o enfoque preventivo e as relações com a comunida<strong>de</strong>,<br />
escrevíamos “...somos da opinião <strong>de</strong> que este estado da concepção - e<br />
sua dinâmica – é alentador já que mostra que na prática policial há<br />
efervescência, movimento e forças que empurram para a mudança, além<br />
<strong>de</strong> ser parte da transição institucional. Dito <strong>de</strong> outra forma, as relações<br />
polícia-comunida<strong>de</strong>, nos fatos, estão em processo <strong>de</strong> construção e<br />
<strong>de</strong>limitação e, como tal, do mesmo modo a sua conceitualização, em um<br />
ir e vir on<strong>de</strong> ambas as partes (prática e reflexão) se retro-alimentam. 8<br />
Esse espírito <strong>de</strong> prevenção e busca com relação à <strong>de</strong>linqüência juvenil<br />
se concretizou em 2003 com a criação da Direção <strong>de</strong> Assuntos Juvenis,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> consultas à população, pessoas conhecedoras<br />
do problema, organismos não governamentais, ministérios e, logicamente,<br />
consultas internas na polícia. Foi uma aprendizagem valiosa já que foram<br />
abordadas análises e discussões a respeito do enfoque preventivo, a visão,<br />
missão, princípios, a percepção dos jovens sobre a polícia, a percepção<br />
dos/das policiais sobre os jovens, o peso <strong>de</strong> sua participação no total <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>litos nacionais, algumas experiências com sucesso <strong>de</strong> trabalho com<br />
jovens, a conceitualização <strong>de</strong> adolescente, jovem, jovem adulto, grupo <strong>de</strong><br />
risco, gangues, etc.<br />
O mo<strong>de</strong>lo preventivo global da instituição policial, com relação à<br />
585
586<br />
Um Relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle<br />
da Delinqüência Juvenil na Nicarágua<br />
juventu<strong>de</strong> se concebe como missão “<strong>de</strong>finir e promover respostas <strong>de</strong><br />
prevenção ajudando a missão da <strong>Polícia</strong> Nacional manifestada em uma<br />
eficiente e eficaz resposta <strong>de</strong> promoção, proteção e <strong>de</strong>fesa dos direitos<br />
humanos <strong>de</strong> meninas, meninos, adolescentes e jovens, contribuindo na<br />
formação e transformação das relações <strong>de</strong> respeito, igualda<strong>de</strong> e equida<strong>de</strong>,<br />
que propiciem uma cultura <strong>de</strong> paz no marco da segurança cidadã<br />
necessários para o <strong>de</strong>senvolvimento da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da nação. Portanto<br />
os princípios são caráter preventivo da ação policial, proteção especial,<br />
interesse superior <strong>de</strong> meninas, meninos, adolescentes e jovens, enfoque<br />
<strong>de</strong> gênero, responsabilida<strong>de</strong> compartilhada, etc.<br />
Dentro do mo<strong>de</strong>lo preventivo policial <strong>de</strong>sempenham um papel<br />
primordial a família, as amiza<strong>de</strong>s, o bairro, o entorno próximo, a escola,<br />
os colégios, inter-relacionados com as instituições do governo central ou<br />
local, igrejas e organizações não-governamentais. Aproximadamente quatro<br />
mil jovens se reintegraram à socieda<strong>de</strong>. Os tempos da brigada passaram,<br />
hoje são tempos das brigadas estudantis, brigadas esportivas, brigadas<br />
culturais ou outros tipos <strong>de</strong> brigadas que contribuam a fundo para potenciar<br />
o valor da juventu<strong>de</strong>. São promovidos espaços <strong>de</strong> superação e diversão,<br />
oficinas <strong>de</strong> auto-estima, apoio para conseguir emprego para quem precisa,<br />
promoção da participação da família e da comunida<strong>de</strong> nos esforços <strong>de</strong><br />
reintegração social, incorporação em tarefas próprias <strong>de</strong> prevenção e<br />
mitigação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastres ou outros fenômenos, etc. Em resumo, é feita<br />
uma combinação do estudo dos diversos fatores <strong>de</strong> risco que se relacionam<br />
com a <strong>de</strong>linqüência juvenil, ao mesmo tempo que se potencializam os<br />
fatores protetores e tudo isso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um conceito global <strong>de</strong> polícia<br />
comunitária pró-ativa, que se está afinando este ano.<br />
8. POLÍCIA COMUNITÁRIA PRÓ-ATIVA (PCP) E PREVENÇÃO DE<br />
DELINQUÊNCIA JUVENIL<br />
A política da relação polícia-comunida<strong>de</strong> e direitos humanos é a<br />
referência do Mo<strong>de</strong>lo PCP.<br />
O mo<strong>de</strong>lo PCP é o sistema <strong>de</strong> funcionamento policial que contribui<br />
para assegurar que a instituição cumpra a sua missão orientada à cidadania<br />
com a melhor eficácia, eficiência e qualida<strong>de</strong> profissional e humana. O<br />
mo<strong>de</strong>lo PCP cruza transversalmente a instituição e como tal implica uma<br />
forma <strong>de</strong> pensar e fazer no cumprimento da missão policial. Constitui um
Marco A. Valle Martínez<br />
arquétipo transversal e integral do funcionamento institucional, que exige<br />
romper paradigmas, substituir cultura e crenças arraigadas, persuadir e<br />
convencer para que seja assumido por convicção. Tem dois componentes<br />
essenciais: o comunitário e o pró-ativo.<br />
O componente comunitário é a vinculação com a comunida<strong>de</strong> como<br />
eixo principal da ação policial: auxílio judicial, segurança pública, trânsito,<br />
inteligência, pesquisas econômicas, assuntos juvenis, pesquisas drogas,<br />
administração, etc. O comunitário se <strong>de</strong>senvolve e é aproveitado<br />
reciprocamente a fim <strong>de</strong> resolver os principais problemas da comunida<strong>de</strong><br />
em matéria <strong>de</strong> prevenção do <strong>de</strong>lito e da <strong>de</strong>linqüência, assim como oferecer<br />
um serviço <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordo com a sua expectativa.<br />
O componente pró-ativo se refere à prevenção policial e consiste<br />
em impulsionar e manter permanentemente uma conduta e atitu<strong>de</strong> próativa,<br />
ainda em meio daquelas situações nas que se <strong>de</strong>ve reagir. Em outras<br />
palavras, é a conduta <strong>de</strong>senvolvida para prever causas e condições que<br />
possam facilitar com que ocorra um fenômeno <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m policial, tal como<br />
a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litiva, aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito, alterações da or<strong>de</strong>m pública,<br />
serviços policiais e administrativos, comunicação interna, comunicação<br />
externa, recursos humanos, etc.<br />
O mo<strong>de</strong>lo tem na base a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abrir espaços para o<br />
concurso sinérgico do Estado, governo, empresa privada, organismos<br />
não governamentais e socieda<strong>de</strong> civil diante do fenômeno do <strong>de</strong>lito, da<br />
<strong>de</strong>linqüência e da violência, promovendo um espírito <strong>de</strong> cooperação e<br />
colaboração que é traduzido em estratégias que incidam na mudança <strong>de</strong><br />
padrões <strong>de</strong> comportamento e oportunida<strong>de</strong>s para a cidadania. A<br />
coor<strong>de</strong>nação inter-institucional é um fator <strong>de</strong> importância primordial como<br />
condição imprescindível para a consecução <strong>de</strong> melhores níveis <strong>de</strong> segurança<br />
cidadã. Por isso, a PN <strong>de</strong>ve impulsionar uma relação próxima com as<br />
instituições que têm relação com a sua tarefa para que localizem no centro<br />
o interesse comum, coor<strong>de</strong>nem as políticas <strong>de</strong> forma que se consigam<br />
diferentes <strong>de</strong>cisões e ações <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma única visão <strong>de</strong> conjunto com<br />
sentido estratégico.<br />
A prevenção social, policial e situacional está no centro do Mo<strong>de</strong>lo<br />
PCP. A tendência e o caminho da prevenção e controle da <strong>de</strong>linqüência<br />
juvenil estão ganhando com o avanço do mo<strong>de</strong>lo; não há volta atrás, cada<br />
587
588<br />
Um Relato sobre a <strong>Polícia</strong> Nacional e o Controle<br />
da Delinqüência Juvenil na Nicarágua<br />
dia mais se consente a idéia na polícia <strong>de</strong> que a missão policial tem assegurado<br />
o seu cumprimento efetivo e eficiente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja executada passo a<br />
passo com a comunida<strong>de</strong>.<br />
9. CONCLUSÃO<br />
A <strong>Polícia</strong> Nacional da Nicarágua, nascida e enraizada na comunida<strong>de</strong>,<br />
transitou <strong>de</strong> um enfoque reativo para um enfoque preventivo global, e em<br />
particular, com relação à <strong>de</strong>linqüência juvenil, cuja justeza foi expressa no<br />
fato <strong>de</strong> a Nicarágua ser um dos países mais seguros da América Latina e,<br />
ao mesmo tempo, a <strong>de</strong>linqüência juvenil (gangues/facções) é amadora e<br />
não há gran<strong>de</strong>s organizações como é o caso <strong>de</strong> países como Guatemala,<br />
Honduras e El Salvador. Estudos das polícias da América Central, assim<br />
como <strong>de</strong> organismos internacionais são testemunhas <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>. 9<br />
Notas<br />
1 Site Web da PN: www.policia.gob.ni ; <strong>Polícia</strong> Nacional “Constituição Política. Leis.<br />
Regulamentos. Doutrina Policial, 1ª.Ed., Manágua, El Amanecer S.A.1998, 360 p.; Instituto<br />
Interamericano <strong>de</strong> Direitos Humanos (IIDH) e Agência Sueca para o Desenvolvimento Internacional<br />
(ASDI), “Diagnóstico Institucional”, Três tomos e sete anexos, Projeto Mo<strong>de</strong>rnização,<br />
Desenvolvimento e Capacitação da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> e a <strong>Polícia</strong> Nacional da Nicarágua,<br />
1999.<br />
2 Valle Martinez, Marco A. “Diagnóstico <strong>de</strong> Segurança Cidadã da Nicarágua”, Projeto Apoio à<br />
implementação <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong> segurança cidadã na Nicarágua, NIC/02/MO2, PNUD e<br />
Ministério <strong>de</strong> Governo, 2002. Manágua, Nicarágua.<br />
3 Ver trabalho da DAJ con<strong>de</strong>nsado no livro “Alcançando um sonho”, assinado pelo Primeiro<br />
Comissionado na inativida<strong>de</strong>, Edwin Cor<strong>de</strong>ro, Comissionado Major Haymin Gurdian, Chefe da<br />
DAJ, e Carlos Emilio López., Save Children, Editorial Criptos, Manágua, 2006, 200p.<br />
4 Valle Martínez, Marco A. “Desenho da emergência policial 118 em Manágua”, Instituto<br />
Interamericano <strong>de</strong> Direitos Humanos (IIDH), Manágua, 2001.<br />
5 Informação sobre o Plano Gangues está na documentação da Delegação Departamental <strong>de</strong><br />
Manágua, entrevistas que efetuamos e, no texto citado na nota <strong>de</strong> rodapé 4.<br />
6 Projeto “Segurança Cidadã na América Central”, IIDH, 1999.<br />
7 Informação geral sobre o projeto se po<strong>de</strong> encontrar em IIDH, Segurança Cidadã na América<br />
Central: Diagnósticos da situação, Equipamento <strong>de</strong> Pesquisa do IIDH. San José, Costa Rica.<br />
2000<br />
8 Informe sobre las Relaciones Policía – Comunidad. 1999.<br />
9 Policías <strong>de</strong> Centroamérica, “Informe especial <strong>de</strong>l estudio y evaluación <strong>de</strong> la actividad <strong>de</strong>lictiva<br />
<strong>de</strong> las pandillas y maras en Centroamérica”, Diciembre 2003. Informe en power point; BID,<br />
“Crimen y violencia en Centroamérica”, Washington, Seminario Mayo 24, 2007.; WOLA,<br />
“Pandillas juveniles en Centroamérica”, Octubre 2006, Washington.
Relato Polcial<br />
A RELAÇÃO COM A COMUNIDADE NA POLÍCIA<br />
DE INVESTIGAÇÕES DO CHILE<br />
Carlos Pino Torres *<br />
Nossas instituições policiais não estão isoladas nem se <strong>de</strong>senvolvem<br />
em um âmbito diferente das socieda<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> lhes correspon<strong>de</strong> atuar. As<br />
polícias também estão expostas às mudanças <strong>de</strong> suas respectivas<br />
socieda<strong>de</strong>s. Hoje, enfrentamos <strong>de</strong>litos emergentes, próprios <strong>de</strong> nossa<br />
globalização ou transnacionalizacão, como a lavagem <strong>de</strong> dinheiro, o<br />
narcotráfico e o cyber-crime, entre outros. A última década do século XX<br />
trouxe consigo uma necessária mo<strong>de</strong>rnização, que não é somente<br />
informática ou computacional, mas, principalmente, do capital humano.<br />
“Com efeito, transitamos <strong>de</strong> um paradigma da segurança, cuja principal<br />
referência era o Estado e a or<strong>de</strong>m pública, a um que, sem abandonar as<br />
referências anteriores, também põe ênfase na pessoa e no trabalho público<br />
<strong>de</strong> nossa missão policial” 1<br />
Conforme afirmado, <strong>de</strong>vemos assinalar que no Chile nossa vinculação<br />
com a comunida<strong>de</strong> acontece em um ambiente <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização do Estado,<br />
tal como ocorreu em um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> países, em nível latino-americano<br />
e mundial. Não obstante, as estratégias e tarefas aplicadas para cumprir os<br />
objetivos esperados tiveram pouco sucesso, ou seus resultados foram<br />
infrutíferos, especialmente em instituições <strong>de</strong> longa trajetória. No geral,<br />
existe uma resistência à mudança no interior das organizações, em particular<br />
sobre processos ou conteúdos novos, como direitos humanos, <strong>de</strong>ontologia<br />
policial, satisfação dos usuários, diálogos cidadãos, contas públicas,<br />
diagnósticos compartilhados, planejamento e avaliação do trabalho em<br />
comunida<strong>de</strong>, extensão dos objetivos policiais a partir da aplicação da lei<br />
para a prevenção da criminalida<strong>de</strong> e da violência, e a diminuição da percepção<br />
<strong>de</strong> insegurança, entre outros. “Além disso, na atualida<strong>de</strong> não existe pleno<br />
consenso sobre o formato (organização) que <strong>de</strong>ve adquirir uma polícia <strong>de</strong><br />
orientação comunitária, mas sim sobre que áreas <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>senvolver” 2 .<br />
Em outro âmbito <strong>de</strong> uma modificação na relação Estado-<br />
Comunida<strong>de</strong>, se outorga gran<strong>de</strong> importância às pessoas como elemento<br />
principal <strong>de</strong> sua política social, motivando a participação cidadã, com a<br />
transparência <strong>de</strong> suas autorida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> todos os po<strong>de</strong>res do Estado para<br />
com a socieda<strong>de</strong> (accountability). Sob esse novo palco, as polícias têm<br />
* Prefeito da <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Investigações do Chile; chefe da XII Região Policial <strong>de</strong> Magallanes e<br />
Antártica Chilena.<br />
CHILE<br />
589
590<br />
A Relação com a Comunida<strong>de</strong> na <strong>Polícia</strong><br />
<strong>de</strong> Investigações do Chile<br />
uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> no processo da gestão publica, <strong>de</strong>vendo<br />
respon<strong>de</strong>r <strong>de</strong> maneira clara e consistente às <strong>de</strong>mandas que a socieda<strong>de</strong> impõe.<br />
Nos novos tempos que se avizinham, não po<strong>de</strong>mos nos manter<br />
cumprindo unicamente a missão primária e específica <strong>de</strong> nossos afazeres<br />
policiais: prevenir, controlar e investigar os <strong>de</strong>litos. Nosso trabalho já vai<br />
mais além. Devemos ser capazes <strong>de</strong> encontrar uma forma <strong>de</strong> termos uma<br />
participação mais pró ativa e eficiente à segurança humana, em conjunto<br />
com a comunida<strong>de</strong>.<br />
Uma boa forma <strong>de</strong> fazê-lo é através do policiamento comunitário,<br />
que implica a já mencionada reforma, intimamente ligada à mo<strong>de</strong>rnização<br />
policial, o retreinamento e a capacitação, para melhorar nossas habilida<strong>de</strong>s<br />
e <strong>de</strong>strezas, sermos mais competentes, com um olhar especial no que se<br />
refere à aproximação com a comunida<strong>de</strong>.<br />
Essa interação com a comunida<strong>de</strong> representa nosso compromisso<br />
com a socieda<strong>de</strong>, em termos <strong>de</strong> edificar alianças estratégicas com e para a<br />
socieda<strong>de</strong>. A práxis nos <strong>de</strong>monstrou que para a segurança cidadã esse é um<br />
fator primordial, cuja máxima preocupação é gerar fórmulas ou linhas <strong>de</strong><br />
ação integrais que balizem a criação <strong>de</strong> aproximações com a comunida<strong>de</strong><br />
organizada, dirigidas à prevenção estratégica do <strong>de</strong>lito, à violência e à sensação<br />
<strong>de</strong> insegurança.<br />
“Essa mudança <strong>de</strong> orientação na atuação policial possui, em essência,<br />
um valor ‘diferenciado’ no conjunto das diferentes possíveis soluções aos<br />
problemas <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> e risco, que representam a violência e a<br />
criminalida<strong>de</strong> para nossas socieda<strong>de</strong>s latino-americanas. O policiamento<br />
comunitário permite enfrentar uma faceta hoje mais daninha que a própria<br />
<strong>de</strong>linqüência: a insegurança que se associa à <strong>de</strong>terioração do tecido social,<br />
da perda <strong>de</strong> capital social, a <strong>de</strong>sconfiança e o temor <strong>de</strong> ser vítima <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong> um fato violento. É uma forma <strong>de</strong> dar mais po<strong>de</strong>r à comunida<strong>de</strong><br />
para enfrentar a solução <strong>de</strong> seus problemas. É um exercício <strong>de</strong><br />
“empo<strong>de</strong>ramento” da comunida<strong>de</strong> sobre sua organização policial” 3 .<br />
Essa mudança para o policiamento comunitário será muito <strong>de</strong>morada,<br />
enquanto não mudarmos significativamente nossa atitu<strong>de</strong> no trabalho policial.<br />
É uma transformação que melhora substancialmente a gestão policial,<br />
recuperando um valor básico <strong>de</strong> todo Estado <strong>de</strong>mocrático, como é a<br />
circunstância em que nos envolvemos com a comunida<strong>de</strong>, ressaltando duas
Carlos Pino Torres<br />
áreas: “a primeira, um enfoque comunitário <strong>de</strong> serviços focalizado e, a<br />
segunda, para resolver problemas. Tudo isso conjugado à prevenção, à<br />
proativida<strong>de</strong>, à associação, ao serviço policial personalizado, à<br />
<strong>de</strong>scentralização dos serviços, à resposta oportuna, à ética e à <strong>de</strong>ontologia<br />
policial, à qualida<strong>de</strong> e eficácia policial, ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> confiança, à<br />
redução do temor e à construção <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s mais fortes. Nesse rol,<br />
a polícia procura envolver-se e construir uma aliança com ela” 4 .<br />
A instituição a qual represento, a <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Investigações do Chile,<br />
no seu processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização e reengenharia consi<strong>de</strong>rou, na sua<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituição que faz parte da administração pública, dois eixos<br />
fundamentais para melhorar sua contribuição à socieda<strong>de</strong>: a gestão <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> e o serviço à comunida<strong>de</strong>. Nesse caso, se privilegiam as pessoas<br />
e a função policial <strong>de</strong> serviço público, tendo como fim último a proteção<br />
dos direitos humanos, a melhoria e a ampliação do sentido <strong>de</strong> segurança,<br />
como também a <strong>de</strong>marcação e fiscalização das potencialida<strong>de</strong>s da polícia,<br />
que são elementos primordiais.<br />
“O fortalecimento da relação entre a polícia e a comunida<strong>de</strong> é<br />
concebida como uma forma <strong>de</strong> dar mais po<strong>de</strong>r à socieda<strong>de</strong> civil na solução<br />
<strong>de</strong> seus problemas, traduzindo-se em um “empo<strong>de</strong>ramento”<br />
(empowerment) <strong>de</strong>la sobre sua organização policial”.<br />
Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> análise quantitativo e<br />
qualitativo, a <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Investigações do Chile inicia uma transição com um<br />
olhar renovado, on<strong>de</strong> a missão original e os objetivos se conjugam. Tal<br />
renovação está apoiada em um conjunto <strong>de</strong> iniciativas, tomando como base<br />
“cinco pilares fundamentais da gestão: o <strong>de</strong>senvolvimento organizacional, a<br />
reengenharia dos processos <strong>de</strong> trabalho, os recursos humanos, os recursos<br />
para possuir uma infra-estrutura que facilite a eficiência, e a informação”.<br />
Essa postura é dirigida à execução efetiva dos preceitos e diretrizes do<br />
Plano <strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rnização Institucional, <strong>de</strong>nominado Plano Minerva, e busca<br />
consolidar a instituição como uma <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Alto Rendimento no Bicentenário<br />
da In<strong>de</strong>pendência do Chile (2010), sendo sua referência e objetivo final a<br />
comunida<strong>de</strong>, “aspirando a ser reconhecida como mais uma polícia crível,<br />
mais confiável e transparente, valorada pelo seu profissionalismo e soli<strong>de</strong>z<br />
ética e reconhecida pelos organismos nacionais e internacionais”.<br />
Para dar início ao cumprimento <strong>de</strong>sse compromisso, e com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer um aporte significativo ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
591
592<br />
A Relação com a Comunida<strong>de</strong> na <strong>Polícia</strong><br />
<strong>de</strong> Investigações do Chile<br />
li<strong>de</strong>ranças comunitárias positivas, a Aca<strong>de</strong>mia Superior <strong>de</strong> Estudos <strong>Policiais</strong>,<br />
da <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Investigações do Chile, estruturou e coor<strong>de</strong>nou, entre os meses<br />
<strong>de</strong> agosto a novembro <strong>de</strong> 2004, a “Primeira Diplomação <strong>de</strong> Prevenção e<br />
Segurança Cidadã no Contexto da Reforma Processual Penal”, da qual<br />
participaram aproximadamente 50 docentes e lí<strong>de</strong>res comunitários <strong>de</strong> Cerro<br />
Navia na Região Metropolitana Santiago do Chile, evento patrocinado pela<br />
Divisão <strong>de</strong> Segurança Cidadã e Programa Comuna Segura, do Ministério do<br />
Interior do Chile. Da mesma forma, em maio do mesmo ano, aconteceu,<br />
nas <strong>de</strong>pendências da Aca<strong>de</strong>mia Superior, o “Primeiro Seminário sobre<br />
Segurança Cidadã e Contribuição das Igrejas Evangélicas ao Desenvolvimento<br />
Social”, com a assistência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 300 lí<strong>de</strong>res religiosos e comunitários,<br />
cuja segunda versão foi realizada no final <strong>de</strong> 2005, tendo sido encerrado<br />
pelo subsecretário do Interior, representando o governo chileno.<br />
É necessário ressaltar que para cumprir esse objetivo é primordial<br />
que a polícia elimine <strong>de</strong> sua cultura tradicional o isolamento e que provoque<br />
uma aproximação com a comunida<strong>de</strong>, como parte do ethos policial. Essa<br />
inevitável mudança <strong>de</strong>ve ser feita reconhecendo nossos interesses e<br />
limitações. Nesse caso, não se trata <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que fazemos parte <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> que<br />
se inter-relaciona, tendo como base uma subcultura que copia maneiras<br />
<strong>de</strong> pensar, hábitos e visões. Assim, <strong>de</strong>vemos ser capazes <strong>de</strong> renovar nossa<br />
gestão policial, e ter a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>sapren<strong>de</strong>r hábitos e<br />
costumes que não apontam aos novos propósitos e não <strong>de</strong>senvolvem<br />
novas competências.<br />
Definitivamente, trata-se <strong>de</strong> modificar atitu<strong>de</strong>s e pensamentos<br />
obsoletos, assim como <strong>de</strong> condutas da cultura policial. “Assim, é preciso<br />
assumir que trata-se <strong>de</strong> um processo longo e complicado, geracional,<br />
subjetivo (perceptivo e doutrinal), estreitamente vinculado com orientações<br />
valóricas, com incentivos para uma mudança proposta e impulsionada<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da polícia e também na socieda<strong>de</strong>”.<br />
EXPERIÊNCIA DESTACADA POLÍCIA/COMUNIDADE<br />
Projeto: “Mo<strong>de</strong>lo Metodológico Intersetorial Comunitário” (Momic)<br />
O Momic é uma iniciativa que procura apoiar integralmente os jovens<br />
em risco social, canalizando a oferta pública e privada, com o fim <strong>de</strong> gerar<br />
oportunida<strong>de</strong>s para esse grupo. Funciona através <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo sustentável
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, que procura ser uma contribuição para a<br />
transformação social, fazendo confluir os esforços do Estado, da socieda<strong>de</strong><br />
civil e do empresariado, três setores que normalmente não se relacionam<br />
entre si, para trabalhar com e pelos jovens em risco social, por meio da<br />
otimização <strong>de</strong> recursos para a geração <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s. Seu trabalho é<br />
coor<strong>de</strong>nado por um Conselho que se reúne mensalmente para informar<br />
os avanços do projeto e os problemas que foram gerados no seu<br />
cumprimento.<br />
Uma das linhas <strong>de</strong> ação do Momic é gerar estratégias novas para a<br />
prevenção da <strong>de</strong>linqüência, articulando re<strong>de</strong>s com jovens lí<strong>de</strong>res que são<br />
reconhecidos nas suas comunida<strong>de</strong>s. Esses jovens, que são lí<strong>de</strong>res positivos<br />
<strong>de</strong>ntro da comuna e que estão em risco social, porque vivem em um<br />
território on<strong>de</strong> há pobreza e narcotráfico, querem trabalhar com seus<br />
pares através <strong>de</strong> oficinas culturais e esportivas, gerando um espaço para<br />
enfrentar problemas tais como <strong>de</strong>semprego, <strong>de</strong>linqüência, alcoolismo e<br />
<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> drogas, entre outros.<br />
Caracterização dos Jovens Momic<br />
Carlos Pino Torres<br />
São jovens (52% <strong>de</strong> homens e 48% <strong>de</strong> mulheres), cuja faixa <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />
se concentra entre os 16 e 18 anos. Professam, principalmente, as religiões<br />
católica (56%) e evangélica (30%). Vivem em famílias constituídas por cinco<br />
pessoas, com uma renda média <strong>de</strong> US$250, provenientes <strong>de</strong> ofícios e<br />
trabalhos do setor informal da economia (75%), o que se traduz em altos<br />
níveis <strong>de</strong> pobreza (49% abaixo da linha <strong>de</strong> pobreza e 17% nas margens da<br />
indigência, o que equivale a 66% total <strong>de</strong> pobreza, consi<strong>de</strong>rando que os<br />
34% restantes só estão 1.5 ponto sobre a linha <strong>de</strong> pobreza).<br />
De acordo com essas características, as linhas <strong>de</strong> ação do mo<strong>de</strong>lo<br />
basearam-se em potenciar o trabalho <strong>de</strong> semelhantes, legitimando os<br />
lí<strong>de</strong>res das três Comunas que são parte da iniciativa, sendo fundamental o<br />
papel que realizam as municipalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Pintana, Cerro Navia e Pudahuel,<br />
com jovens em risco social, comunida<strong>de</strong>s envolvidas, governo central,<br />
<strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Investigações, acadêmicos, organizações e instituições nacionais<br />
e internacionais, e com o setor privado. Além disso, possui cinco linhas<br />
<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>finidas: educação, saú<strong>de</strong>, psicossocial, trabalhista e justiça,<br />
coor<strong>de</strong>nação e gestão, a seguir <strong>de</strong>talhados:<br />
a) Linha Educação: Apresenta dois enfoques: o primeiro<br />
faz alusão ao conceito <strong>de</strong> educação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escolarização,<br />
593
594<br />
A Relação com a Comunida<strong>de</strong> na <strong>Polícia</strong><br />
<strong>de</strong> Investigações do Chile<br />
nivelamento <strong>de</strong> estudos e sistema formal, enquanto o<br />
segundo se refere à formação e projetos <strong>de</strong> vida.<br />
Esses dois enfoques <strong>de</strong>finem os atores. O primeiro estimula a oferta<br />
a partir dos governos locais e, o segundo, da a socieda<strong>de</strong> civil. Ao observar<br />
a oferta concreta, a natureza <strong>de</strong>ssa se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> caráter<br />
escolar e, inclusive, com dimensões trabalhistas (o Chile Qualifica e Omil).<br />
Por outro lado, a oferta <strong>de</strong> formação, pela sua natureza, surge <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />
capacida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> civil. Portanto, são programas novos.<br />
Uma terceira leitura é que os recursos, no ponto <strong>de</strong> vista dos custos do<br />
primeiro enfoque, têm a ver com as estruturas oficiais. Entretanto, na perspectiva<br />
da formação, os recursos dizem respeito à composição <strong>de</strong> profissionais.<br />
b) Linha Saú<strong>de</strong>: A oferta é fundamentada, em nível local,<br />
através dos consultórios, observando-se uma dupla<br />
dimensão: a primeira <strong>de</strong> caráter mais linear, aponta para o<br />
acesso ao serviço propriamente dito; a segunda, com um<br />
caráter transversal, relaciona-se com a formação setorial,<br />
mas uma formação dirigida aos jovens, diferente da<br />
formação localizada na linha Educação, on<strong>de</strong> o eixo são os<br />
lí<strong>de</strong>res. Dessa forma, observa-se maior dinamismo pela<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s dos jovens.<br />
c) Linha Psicossocial: Esta dimensão se refere<br />
fundamentalmente à cultura juvenil, o que se expressa na<br />
oferta em três dimensões: o psicossocial <strong>de</strong>ntro do espaço<br />
comunitário e coletivo, o psicossocial da cultura juvenil e<br />
os afazeres dos jovens e o psicossocial a partir o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s sociais. Partindo <strong>de</strong> um<br />
olhar transversal, relaciona, concreta e diretamente, a sua<br />
articulação com a dimensão formativa. Portanto, a proposta<br />
lida com elementos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, cidadania, inserção social,<br />
etc.<br />
d) Linha Trabalhista: Nessa linha, o eixo está nos governos<br />
locais e na iniciativa privada. O enfoque trabalhista é uma<br />
linha que se articula com Educação, porque é uma formação<br />
para a vida profissional que se operacionaliza tanto a partir<br />
da incorporação direta ao mundo do trabalho, como <strong>de</strong><br />
uma segunda dinâmica, que é a lógica <strong>de</strong> empreendimento
Carlos Pino Torres<br />
e negócios <strong>de</strong> inclusão (PYME’s). O enfoque por trás disso<br />
é outorgar-lhe um valor acrescentado à perspectiva<br />
trabalhista e educacional dos jovens. Isto é, certificar<br />
competências e não só oferecer emprego.<br />
e) Linha Justiça: A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementar essa linha<br />
a partir da matriz Momic se sustenta na aliança estratégica<br />
entre governo local e polícia, enfatizada em dois aspectos:<br />
o tema da prevenção (bate-papos <strong>de</strong> educação sexual,<br />
formação <strong>de</strong> monitores <strong>de</strong> drogas, entre outras ativida<strong>de</strong>s)<br />
e o tema do acesso à justiça.<br />
A partir <strong>de</strong> um olhar transversal, articula-se com o psicossocial, no<br />
ponto <strong>de</strong> vista da oferta (Comuna Segura, Mediações, OPD), e com a<br />
dimensão educativa, mas no seu eixo formativo, pelo seu caráter preventivo.<br />
f) Linha Coor<strong>de</strong>nação e Gestão: Essa linha evi<strong>de</strong>ncia a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte e mobilização das linhas anteriores,<br />
através do seguimento, acompanhamento, sistematização<br />
e gestão das iniciativas.<br />
Para a <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Investigações do Chile, ser parte da iniciativa<br />
materializou-se na participação ativa no Conselho Momic, representada<br />
pela Aca<strong>de</strong>mia Superior, espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação em que interagem todos<br />
os atores. Além disso, foram <strong>de</strong>senvolvidas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação, através<br />
<strong>de</strong> uma Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res e da participação no projeto Comuna Segura,<br />
na Comuna <strong>de</strong> Pintana.<br />
A Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res é um espaço <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças<br />
comunitárias, em função da iniciativa Momic, dirigido a jovens das comunas<br />
<strong>de</strong> Pintana, Cerro Navia e Pudahuel, <strong>de</strong> modo a <strong>de</strong>senvolver competências<br />
e habilida<strong>de</strong>s sociais, assim como <strong>de</strong>strezas e competências técnicas para<br />
o trabalho, com jovens em risco social. Essa iniciativa reúne 30 jovens na<br />
Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res, os quais receberão capacitação permanente, e 150<br />
adolescentes, que participam das oficinas realizadas pelos guias, formados<br />
para apresentar as ferramentas sociais, pessoais, educativas, culturais e<br />
trabalhistas. Esses últimos contam com o apoio das re<strong>de</strong>s intersetoriais,<br />
que compõem o Conselho do Monic.<br />
A Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res será complementada, na sua dimensão<br />
psicossocial, por um projeto <strong>de</strong>nominado “Cuidando do meu bairro: jovens<br />
595
596<br />
A Relação com a Comunida<strong>de</strong> na <strong>Polícia</strong><br />
<strong>de</strong> Investigações do Chile<br />
em movimento”, com uma duracão <strong>de</strong> oito meses, a contar do mês <strong>de</strong><br />
xxx, que inclui <strong>de</strong>z jovens infratores da lei, com liberda<strong>de</strong> vigiada, em<br />
contato com os jovens que já participam do Momic, para colaborar com<br />
sua reinclusão social. Os jovens conhecem a outra cara da “moeda”, já<br />
que po<strong>de</strong>m imergir no âmago do trabalho policial. Da mesma forma, isso<br />
também é positivo para a <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Investigações do Chile, já que gera<br />
um crédito <strong>de</strong> confiança com a comunida<strong>de</strong>.<br />
A participação da <strong>Polícia</strong> <strong>de</strong> Investigações no Conselho permite<br />
interagir com os jovens lí<strong>de</strong>res que participam da iniciativa e superar os<br />
preconceitos sobre o papel das polícias, ao reconhecê-los como atores,<br />
convocá-los a uma escola <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res e estar disposta a gerar espaços para<br />
discutir temas <strong>de</strong> seus interesses. É relevante <strong>de</strong>stacar a realização <strong>de</strong><br />
jornadas <strong>de</strong> trabalho na se<strong>de</strong> educacional da Escola <strong>de</strong> Investigações, on<strong>de</strong><br />
se formam os futuros policiais, quando os jovens se familiarizam com o<br />
local e acolhem positivamente a oferta <strong>de</strong> capacitação coloca à disposição,<br />
gerando uma conexão real com as autorida<strong>de</strong>s policiais, reconhecendo<br />
nestes o interesse em melhorar suas condições <strong>de</strong> vida, e não somente a<br />
recorrente visão <strong>de</strong> repressão, que gera distância e <strong>de</strong>sconfiança.<br />
Nesse sentido, a incorporação da polícia na iniciativa permitiu<br />
conhecer o discurso dos jovens sobre a relação com a polícia e suas<br />
expectativas, sendo essencial para a criação <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> prevenção<br />
e focalização das ações com a participação da comunida<strong>de</strong>. Por exemplo:<br />
os jovens Momic assinalam que os problemas mais importantes que os<br />
afetam nas suas comunas dizem respeito ao consumo <strong>de</strong> drogas e álcool<br />
(49%) e à <strong>de</strong>linqüência (25%), que configuram um palco <strong>de</strong> violência<br />
urbana nas suas povoações. Apesar <strong>de</strong>ssa percepção, no íntimo dos jovens<br />
Momic o principal problema que lhes afeta diretamente origina-se no<br />
alcoolismo. Isso é revelador, porque nós, como polícia, temos a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as percepções e valorações dos jovens sobre<br />
seu ambiente e seus problemas, partindo <strong>de</strong> uma óptica reflexiva e<br />
propositiva, no contexto <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> intervenção inter-setorial.<br />
Notas<br />
1 HERRERA V., Arturo y TUDELA P., Patricio, “Mo<strong>de</strong>rnización Policial: La relación <strong>de</strong> la policía<br />
con la comunidad como campo <strong>de</strong> gestión y referente <strong>de</strong> cambio en la Policía <strong>de</strong> Investigaciones<br />
<strong>de</strong> Chile”, publicado en Persona y Sociedad, Volumen XIX, N° 1, Abril 2005, Santiago <strong>de</strong> Chile.<br />
2 Op. Cit.<br />
3 Op. Cit<br />
4 Op. Cit.
Relato Policial<br />
DUALIDADE ENTRE SEGURANÇA PÚBLICA E<br />
PARTICULAR EM ESPETÁCULOS PÚBLICOS<br />
Guillermo Nicolas Zalaya *<br />
1. A proposta é substituir os policiais por pessoal <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong><br />
segurança privada ou por empregados capacitados dos próprios clubes<br />
ou por pessoal que estes contratem.<br />
2. O apresentado, segundo o preceituado no Código <strong>de</strong> Infrações<br />
Municipais da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Córdoba REFORMA PARTE GERAL DOS<br />
ESPETÁCULOS E SEUS LOCAIS, Disposição Nº 10.840, no seu Art.<br />
31º DIZ: O sistema <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> todo espetáculo público <strong>de</strong>verá ser<br />
contratado pelos organizadores junto à <strong>Polícia</strong> da Província <strong>de</strong> Córdoba,<br />
nas condições que a regulação estabeleça. O pessoal policial uniformizado<br />
cumprirá funções na entrada dos locais ou em suas imediações e, somente<br />
no caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, no interior do local. Para que prestem<br />
serviços <strong>de</strong>ntro dos locais, será necessário optar pela contratação<br />
<strong>de</strong> funcionários <strong>de</strong> segurança particular, em cujo caso terão que<br />
pertencer a agências <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong>vidamente habilitadas ou polícias<br />
adicionais. Do mesmo modo, a Lei Nº 9.236 REGIME DOS SERVIÇOS<br />
DE PRESTAÇÃO PRIVADA DE SEGURANÇA, VIGILÂNCIA E<br />
INVESTIGAÇÃO, em seu cap. 1º, Objetivo e Âmbito <strong>de</strong> Aplicação, Art.<br />
1°: DIZ: Serão regidos pelas disposições da presente lei os serviços <strong>de</strong>:<br />
vigilância direta e indireta, investigações, custódia <strong>de</strong> pessoas e <strong>de</strong> bens<br />
móveis, segurança interna em estabelecimentos industriais e comerciais,<br />
em bens imóveis públicos e privados, em espetáculos e outros eventos<br />
ou reuniões análogas que forem prestados por pessoas físicas ou jurídicas<br />
privadas. Art. 2º DIZ: A vigilância direta compreen<strong>de</strong> a tarefa <strong>de</strong> custódia<br />
<strong>de</strong> pessoas e coisas emprestadas em âmbitos fechados ou abertos,<br />
reuniões públicas ou particulares, espetáculos, imóveis públicos ou<br />
privados, se<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estabelecimentos comerciais e industriais, <strong>de</strong><br />
instituições, custódia em locais <strong>de</strong> dança, bares, restaurantes e todo outro<br />
lugar <strong>de</strong>stinado à recreação.<br />
3. Como po<strong>de</strong>mos ver, tanto o Código <strong>de</strong> Infrações Municipal<br />
como a Lei Nº 9.236 Regime dos Serviços <strong>de</strong> Prestação Particular <strong>de</strong><br />
Segurança, Vigilância e Investigação, facultam às empresas <strong>de</strong> segurança<br />
* Comissário da <strong>Polícia</strong> da Província <strong>de</strong> Córdoba.<br />
ARGENTINA<br />
597
598<br />
Dualida<strong>de</strong> entre Segurança Pública e Particular<br />
em Espetáculos Públicos<br />
particular a cobertura <strong>de</strong> segurança em locais <strong>de</strong> bailes. Cabe <strong>de</strong>stacar<br />
que nos diferentes eventos <strong>de</strong> “Rock” a segurança interna é coberta há<br />
tempo por empresas <strong>de</strong> segurança privada, o que tem dado um resultado<br />
muito bom, sendo utilizada a polícia para a cobertura externa e imediações<br />
dos locais, preservando a or<strong>de</strong>m pública, ao que nos obrigamos.<br />
4. É apresentada à continuação uma fundamentação:<br />
Graças ao trabalho realizado pela <strong>Polícia</strong> Comunitária foram obtidos<br />
dados que <strong>de</strong>notam um aumento nas condutas violentas <strong>de</strong> nossa<br />
socieda<strong>de</strong>. Os conflitos ten<strong>de</strong>m a se resolver <strong>de</strong> forma agressiva, não há<br />
tempo para a negociação, nem tampouco foram encontrados mecanismos<br />
para a solução acordada dos problemas que se apresentam. Alguns setores<br />
sociais apresentam uma marcada tendência à violação das normas, se<br />
converteram em indivíduos anômicos, não priorizam o respeito pelas<br />
normas <strong>de</strong> convivência, mas sim o contrário, exalta-se a violação das<br />
mesmas.<br />
Essa tendência, indicada no parágrafo anterior, traz necessariamente<br />
conflitos inerentes. Os vínculos sociais, fundamentais para o crescimento<br />
harmônico da socieda<strong>de</strong>, se <strong>de</strong>terioram, per<strong>de</strong>-se a confiança no<br />
semelhante, prevalece a <strong>de</strong>sconfiança e a sensação <strong>de</strong> insegurança.<br />
O esquema <strong>de</strong> vida indicado traz como conseqüência que as<br />
Instituições que têm por finalida<strong>de</strong> o controle, a prevenção, a transmissão<br />
<strong>de</strong> valores ligados à segurança e o respeito mútuo às normas sociais<br />
vigentes <strong>de</strong>vem redobrar a sua ação para alcançar um espaço comum <strong>de</strong><br />
convivência social.<br />
Mesmo esta problemática tendo raízes profundas neste espaço<br />
social, é nos bailes on<strong>de</strong> se expressa, em ocasiões, com marcada clareza<br />
o que é uma fonte <strong>de</strong> preocupação para a instituição Policial.<br />
É impossível generalizar, mas muitos dos conflitos sociais são<br />
observados com clareza e se resolvem nestes bailes; os atores ali<br />
intervenientes transferem suas problemáticas a um espaço on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam<br />
estar presentes a diversão e o ócio. Estamos na presença <strong>de</strong> uma<br />
subcultura, enten<strong>de</strong>ndo pela mesma uma expressão cultural com códigos<br />
<strong>de</strong> convivência e respeito particular. Essa subcultura em <strong>de</strong>terminadas<br />
oportunida<strong>de</strong>s choca, lesa interesses, modos e costumes <strong>de</strong> outras
subculturas; surge então o conflito.<br />
Guillermo Nicolas Zalaya<br />
Muitos dos países que realizam adicionais nesse tipo <strong>de</strong> eventos têm<br />
dificulda<strong>de</strong>s para a correta interpretação <strong>de</strong>stes códigos <strong>de</strong> convivência e<br />
atuam a partir do preconceito e, mesmo sendo a sua função a <strong>de</strong> dissuadir,<br />
dispersar, evitar males maiores, às vezes, a sua conduta fomenta, <strong>de</strong> forma<br />
inconsciente (enten<strong>de</strong>ndo por conduta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a postura corporal, os gestos<br />
que acompanham a mesma, comentários etc.), reações ou condutas<br />
inapropriadas.<br />
Também, por sua vez, em <strong>de</strong>terminadas personalida<strong>de</strong>s, ainda que<br />
isto pareça entrar em contradição com o parágrafo anterior, observa-se<br />
uma i<strong>de</strong>ntificação psicológica, que acreditamos ser inconsciente, por parte<br />
do pessoal da polícia com as atitu<strong>de</strong>s, posturas, modos <strong>de</strong> relação dos que<br />
ali comparecem. Deste modo, são <strong>de</strong>tectadas condutas em gran<strong>de</strong> parte<br />
<strong>de</strong>saprovadas com relação ao que se espera dos policiais em sua função <strong>de</strong><br />
prevenção.<br />
Por outro lado, muitos dos que freqüentam os bailes tiveram<br />
dificulda<strong>de</strong>s com a lei penal ou contravencional, ou seja, tiveram um contato<br />
prévio com a ação da polícia e esse contato, em geral, não aconteceu em<br />
bons termos e, portanto, está ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong> crise e tensão.<br />
A partir disso, também as suas idéias estão baseadas em preconceitos sobre<br />
o que a polícia significa para eles.<br />
Este sistema <strong>de</strong> preconceitos se alimenta continuamente com qualquer<br />
atitu<strong>de</strong> dos integrantes. Também em uma socieda<strong>de</strong> marcada pela influência<br />
dos meios <strong>de</strong> comunicação, como a atual, estes meios <strong>de</strong> comunicação<br />
potencializam os mecanismos e os transferem à consi<strong>de</strong>ração social. Estamos<br />
diante <strong>de</strong> diferentes subculturas que não têm um espaço comum <strong>de</strong><br />
entendimento. Estas idéias pré-concebidas, em geral, levam ao atrito e ao<br />
enfrentamento, muitas vezes sem um fator motivador específico. Esta<br />
agressivida<strong>de</strong> se expressa <strong>de</strong> muitas formas, dissimuladamente em críticas<br />
veladas, gozações, ou <strong>de</strong> forma explícita através da agressão franca.<br />
Então o que representa o policial nestes espetáculos dançantes? Na página<br />
nove<br />
entrada,<br />
da revista<br />
a polícia,<br />
antes<br />
a polícia,<br />
mencionada<br />
a polícia,<br />
e na<br />
você<br />
mesma<br />
está ao<br />
reportagem<br />
lado da pista<br />
se afirma:<br />
a polícia...”<br />
Depois <strong>de</strong><br />
ter superado a fila <strong>de</strong> entrada e a revista policial “e <strong>de</strong>ntro, você só entrega a<br />
Esse extrato do texto nos mostra que o policial não é visto como a<br />
autorida<strong>de</strong>, entendido como a pessoa que está ali para oferecer segurança,<br />
599
600<br />
Dualida<strong>de</strong> entre Segurança Pública e Particular<br />
em Espetáculos Públicos<br />
proteger, mas sim o contrário: ele é visto como a figura persecutória, que<br />
só tenta cercear a sua liberda<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ócio. Essa atitu<strong>de</strong> está<br />
presente a partir do próprio momento da entrada.<br />
Muitos dos assistidos vêem o policial como uma pessoa temida ou<br />
como uma pessoa agressiva. A partir daí se produzem muitas condutas,<br />
velhos conflitos tornam-se atuais e se age passando ao ato. Enten<strong>de</strong>ndo<br />
por ato a atuação da conduta sem levar em consi<strong>de</strong>ração os resultados da<br />
mesma. Passa-se ao ato, falham os freios inibitórios. Devemos somar a<br />
isso o fato <strong>de</strong> que muitas das pessoas que comparecem a este tipo <strong>de</strong><br />
espetáculos consomem bebidas alcoólicas em excesso ou substâncias<br />
estimulantes, o que potencializa estas condutas.<br />
Até o momento, temos o preconceito como fator motivador e o álcool<br />
ou os estimulantes como propulsores da conduta. Devemos indicar outro<br />
elemento que é a conduta do indivíduo <strong>de</strong>ntro da massa. Está bem estudado<br />
que um indivíduo diante <strong>de</strong> uma situação similar apresenta diferentes condutas<br />
no caso <strong>de</strong> encontrar sozinho ou em um grupo pequeno. As condutas da<br />
massa indicam uma perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> individual e o surgimento <strong>de</strong> uma<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva. É por isso que em um ambiente <strong>de</strong> euforia e entretenimento<br />
as condutas coletivas, ou o humor da massa, po<strong>de</strong>m mudar rapidamente, e<br />
po<strong>de</strong>m se transformar em uma conduta grupal violenta, fora <strong>de</strong> controle.<br />
É provável, também, que essa conduta esteja focada rapidamente<br />
em direção àqueles que são vistos ou sentidos nesse estado <strong>de</strong><br />
embotamento coletivo como culpáveis <strong>de</strong> sua situação atual, (neste caso<br />
o pessoal policial). Essas condutas po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong>sativadas com a presença<br />
no interior <strong>de</strong>stes espetáculos <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> segurança privada. Por quê?<br />
Pelo indicado com anteriormente, esse círculo vicioso indicado seria<br />
interrompido on<strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> é vista como fonte <strong>de</strong> todos os males<br />
que os afetam como pessoas e se age diante <strong>de</strong>la com agressivida<strong>de</strong> e<br />
violência. O pessoal <strong>de</strong> segurança privada po<strong>de</strong> ser percebido como<br />
alguém que só está ali para cuidar e não é um representante social com a<br />
carga que lhe é atribuída ao papel policial. Isso foi assimilado pela maioria<br />
das bandas <strong>de</strong> rock que utilizam para seus espetáculos ou recitais a<br />
segurança particular, por exemplo, “Los Redonditos <strong>de</strong> Ricota”, que eles<br />
mesmos treinam as pessoas que <strong>de</strong>vem oferecer segurança aos assistidos.<br />
Outro benefício que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar é que os conflitos que surgem<br />
nesses espetáculos dançantes são plasmados nos meios <strong>de</strong> comunicação
<strong>de</strong> massa e têm uma ampla repercussão social. Quase sempre a valoração<br />
que é realizada da ação policial é negativa e se critica o tratamento que se<br />
dispensa às pessoas e o uso da força empregada. Essas avaliações <strong>de</strong>sgastam<br />
a confiança que a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ter nas instituições <strong>de</strong> segurança e<br />
também ataca a motivação do pessoal que <strong>de</strong>ve cumprir a função <strong>de</strong><br />
segurança nos mencionados espetáculos.<br />
Outro benefício para a Instituição e para os seus integrantes é que<br />
por um lado se disporia, ao <strong>de</strong>svincular este serviço da polícia, <strong>de</strong> mais<br />
pessoal para cobrir as tarefas <strong>de</strong> segurança e prevenção que a socieda<strong>de</strong><br />
reivindica diariamente. E por outro, lado os policiais teriam mais tempo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso, maior possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração ao seu núcleo familiar.<br />
Tudo isso resultaria em pessoas mais motivadas com a função e uma<br />
instituição mais eficiente em seu serviço. Devemos mencionar que entre<br />
sextas, sábados e domingos são disponibilizados entre 350 e 400 efetivos<br />
somente na cobertura interna <strong>de</strong>sses bailes.<br />
Por outro lado, utilizando somente a quarta parte do pessoal<br />
<strong>de</strong>stinado a esses serviços, para os operativos <strong>de</strong> prevenção nas diferentes<br />
áreas, esses serviços seriam otimizados, redundando em benefício para a<br />
instituição e <strong>de</strong> forma pessoal para nossos policiais, que gozariam <strong>de</strong> mais<br />
horas livres nos finas-<strong>de</strong>-semana e feriados, com a repercussão em nível<br />
pessoal e familiar que isso significa.<br />
CONCLUSÃO<br />
Guillermo Nicolas Zalaya<br />
O apresentado traria os seguintes benefícios:<br />
INDIVIDUAIS: Por um lado o pessoal policial evitaria<br />
situações <strong>de</strong> conflito e agressivida<strong>de</strong> com a sua seqüela <strong>de</strong><br />
lesados ou feridos e os gastos médicos e <strong>de</strong> recuperação<br />
conseqüentes.<br />
INSTITUIÇÃO: A instituição disporia <strong>de</strong> pessoal com um<br />
nível <strong>de</strong> motivação e satisfação no trabalho maior.<br />
SOCIAL: A avaliação social do policial melhoraria, evitando<br />
que o policial seja o <strong>de</strong>positário <strong>de</strong> todos os aspectos<br />
negativos indicados. O serviço será efetuado com maior<br />
profissionalismo e se po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>stinar o pessoal dispensado<br />
da função para cumprir tarefas específicas <strong>de</strong> prevenção.<br />
601
602<br />
Dualida<strong>de</strong> entre Segurança Pública e Particular<br />
em Espetáculos Públicos<br />
Também diminuirá a pressão negativa que existe sobre a<br />
instituição, causada pela avaliação negativa que os meios <strong>de</strong><br />
comunicação realizam sobre a ação policial nesses âmbitos.<br />
5. Sem dúvida, esta seria uma mudança muito importante e benéfica<br />
para a nossa instituição policial, que como toda mudança trará<br />
conjuntamente uma resistência à qual nós nos <strong>de</strong>vemos sobrepor. De<br />
todas as formas, e para que não seja tão traumática, esta nova<br />
implementação <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>verá ser notificada aos empresários<br />
<strong>de</strong>dicados a este tema com a <strong>de</strong>vida antecedência, da nova modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
cobertura <strong>de</strong> segurança, dando-lhes um prazo aproximado <strong>de</strong> três meses<br />
para que contratem com as diferentes empresas <strong>de</strong> segurança particular<br />
o pessoal a<strong>de</strong>quado para oferecer este serviço, fazendo-lhes perceber<br />
que lhes será oferecido todo o assessoramento necessário para a sua<br />
implementação.
Relato Policial<br />
A ATUAÇÃO DA POLÍCIA NO BAIRRO RESTINGA<br />
BREVE ANÁLISE<br />
Carmen Isabel Andreola *<br />
O objetivo da análise é mostrar, através das ações <strong>de</strong> polícia<br />
<strong>de</strong>senvolvidas pela 2ª Cia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> do 21ºBPM, no bairro Restinga,<br />
que, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver significativo trabalho comunitário, suas ações<br />
<strong>de</strong> repressão ao crime seguem os padrões dos <strong>de</strong>mais Batalhões <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong>,<br />
ou seja, atuações fragmentadas e individualizadas, que pouco contribuem<br />
para a melhoria das condições <strong>de</strong> segurança daquela comunida<strong>de</strong>. É preciso<br />
mudar esse quadro.<br />
A 2ª Companhia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> pertence ao 21º Batalhão <strong>Polícia</strong><br />
<strong>Militar</strong> e sua área <strong>de</strong> atuação é basicamente o bairro Restinga.<br />
O bairro Restinga iniciou sua povoação em meados dos anos 1970 a<br />
partir <strong>de</strong> loteamentos planejados pelo Departamento Municipal <strong>de</strong> Habitação<br />
(DEMHAB). A Prefeitura <strong>de</strong> Porto Alegre, através do DEMHAB,<br />
implementou políticas <strong>de</strong> remoção <strong>de</strong> favelas espalhadas pela cida<strong>de</strong> e<br />
transferiu seus habitantes para a Restinga, localizada à cerca d 22 Km <strong>de</strong><br />
Porto Alegre. A paisagem caracteriza-se pela presença <strong>de</strong> cavalos, carros<br />
<strong>de</strong> boi e pelas figueiras preservadas pelos moradores que dão ao local uma<br />
impressão <strong>de</strong> zona rural, muito embora em sua avenida principal ocorram<br />
aci<strong>de</strong>ntes e atropelamentos como em qualquer outro bairro da cida<strong>de</strong>.<br />
Hoje, o bairro Restinga é um dos mais populosos da cida<strong>de</strong>,<br />
apresenta gran<strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social. Está entre os bairros on<strong>de</strong><br />
ocorrem o maior número <strong>de</strong> homicídios. A ambivalência das políticas <strong>de</strong><br />
urbanização dividiu a Restinga em duas áreas: a Nova e a Velha, separadas<br />
pela avenida principal do bairro.<br />
O espaço <strong>de</strong>nominado Restinga Nova, é relativamente estruturado,<br />
possui ruas calçadas, re<strong>de</strong> <strong>de</strong> água e esgotos, iluminação e apresenta<br />
problemas <strong>de</strong> segurança comuns a um bairro <strong>de</strong> periferia. Já na Restinga<br />
Velha, a infra-estrutura é muito precária, pois a maioria dos loteamentos<br />
são invadidos. A principal característica <strong>de</strong>ste lado do bairro é a intensa<br />
ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos que compram e estocam drogas. A população<br />
envolvida nessa ativida<strong>de</strong> é composta principalmente por jovens entre 10<br />
* Oficial da Brigada <strong>Militar</strong> do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />
BRASIL<br />
603
604<br />
A atuação da polícia no bairro Restinga<br />
e 24 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, que se submetem a esse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> por absoluta<br />
fala <strong>de</strong> opções e oportunida<strong>de</strong>s. Esses grupos controlam seus territórios<br />
porque estão fortemente armados. Seus integrantes são da própria<br />
comunida<strong>de</strong> e, por isso, acabam sendo protegidos pela chamada Lei do<br />
Silêncio.A presença do Estado no local é quase inexistente e a comunida<strong>de</strong><br />
acaba se apoiando mais nos traficantes do que no próprio Estado para a<br />
resolução <strong>de</strong> seus problemas.<br />
O bairro possui uma territorialida<strong>de</strong> espacial e social marcada pela<br />
diferença e pelo estigma. A comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido a esses fatores é organizada<br />
e luta por melhores condições <strong>de</strong> vida, criando mecanismos <strong>de</strong> proteção<br />
constituídos por cidadãos que trabalham com hip-hop, mídias alternativas,<br />
promotoras legais populares, enfim, ativida<strong>de</strong>s alternativas que contribuem<br />
para melhor ocupação do tempo e diminuição da violência no bairro. Todas<br />
essas iniciativas têm o apoio e participação dos integrantes da 2ª Cia do<br />
21ºBPM, seja em <strong>de</strong>bates ou prestando segurança nos locais dos eventos.<br />
Da mesma forma, esteve sempre presente na construção <strong>de</strong> alternativas<br />
para a melhoria das condições <strong>de</strong> vida do bairro, tais como a manutenção<br />
do atendimento da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 24 Hs., pois a ULBRA ( Universida<strong>de</strong><br />
Luterana ) que prestava esse atendimento, retirou suas equipes por discordar<br />
das condições <strong>de</strong> trabalho impostas pela prefeitura. Na ocasião, as<br />
associações <strong>de</strong> bairro, o 21º BPM, através da 2ª Cia, a polícia civil, o po<strong>de</strong>r<br />
legislativo(representado por vereadores)e até o Po<strong>de</strong>r judiciário<br />
(representado pela juíza ) uniram-se e, num curto espaço <strong>de</strong> tempo<br />
conquistaram a permanência do atendimento 24 Hs., não com a ULBRA,<br />
mas com o Hospital Moinhos <strong>de</strong> Vento.<br />
O que se quer mostrar com esse exemplo é que a 2ª Cia do 21º<br />
BPM <strong>de</strong>senvolve seu trabalho promovendo ações conjuntas tanto com a<br />
comunida<strong>de</strong> quanto com os <strong>de</strong>mais órgãos do Estado presentes na<br />
comunida<strong>de</strong>. No entanto, quanto às ações <strong>de</strong> repressão ao crime, a 2ª Cia<br />
sofre todas as limitações impostas pela conjuntura atual, e pouco ou nada<br />
contribui para a melhoria das condições <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong>sta comunida<strong>de</strong>.<br />
Nesse sentido, a Conferência das Nações Unidas sobre<br />
assentamentos humanos – A Habiat 2 - (1996), ocorrida em Istambul<br />
(Turquia ), foi a última promovida pela ONU que iniciou em 1990 uma<br />
Cúpula Mundial sobre a Infância , Cúpula da Terra ( Rio 92 ), conferência<br />
sobre direitos humanos (Viena 93),Conferência sobre população e
Carmen Isabel Andreola<br />
<strong>de</strong>senvolvimento(Cairo 94), Cúpula Social Mundial(Copenhague 95) e a<br />
Conferência Mundial sobre Mulheres(Pequim 95). O evento tentou<br />
encontrar soluções para problemas <strong>de</strong> assentamentos humanos<br />
sustentáveis. Dentre os indicadores apontados está : - “A compreensão<br />
sociológica da função social da polícia no agregado urbano.”<br />
A função social da polícia precisa ser ampliada. A socieda<strong>de</strong><br />
reivindica uma ação mais <strong>de</strong>cisiva no atendimento <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s<br />
básicas <strong>de</strong> segurança.<br />
Para exemplificar, vejamos um atendimento realizado pela 2ª Cia, a<br />
captura <strong>de</strong> um foragido por porte ilegal <strong>de</strong> armas, na Restinga Velha. Ao<br />
analisar o histórico da ocorrência, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer o seguinte<br />
questionamento: - a captura <strong>de</strong>ste indivíduo melhorou as condições <strong>de</strong><br />
segurança daquela comunida<strong>de</strong>? O indivíduo em questão tinha 17 anos,<br />
morava com a avó que por sua vez abrigava no casebre a neta com um<br />
filho <strong>de</strong> 07 anos. Nenhum dos moradores da casa tinha emprego. O<br />
sustento <strong>de</strong> todos era mantido por esse adolescente , que prestava serviços<br />
a um dos grupos <strong>de</strong> traficantes da vila. Em que pese a ação ilegal cometida<br />
pelo adolescente, porte ilegal <strong>de</strong> armas, a ação da polícia foi eficiente, mas<br />
não eficaz, na medida em que esse adolescente é substituído em sua função<br />
por outro, pois há recurso humano suficiente para este fim. Por outro<br />
lado, o grupo familiar ao qual o adolescente pertence, fica sem condições<br />
<strong>de</strong> suprir suas necessida<strong>de</strong>s básicas, uma vez que o Estado é ausente<br />
Verifica-se nesse exemplo também, a evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sagregação familiar<br />
presente nessa e na maioria dos casebres da vila . Não há mais a presença<br />
do pai e da mãe. A avó abriga os filhos dos filhos e a cada geração, as<br />
oportunida<strong>de</strong>s diminuem e a chances <strong>de</strong> exclusão aumentam.<br />
Verifica-se também que a opção feita pelo adolescente visa tão<br />
somente a suprir as necessida<strong>de</strong>s mínimas <strong>de</strong> sobrevivência do grupo<br />
familiar, a julgar pelas condições precárias <strong>de</strong> moradia em que vive.<br />
Assim, verifica-se que mesmo <strong>de</strong>senvolvendo um forte trabalho<br />
comunitário no bairro Restinga, a 2ª Cia <strong>de</strong> <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, no atendimento<br />
<strong>de</strong> ocorrências e repressão ao crime, segue os padrões adotados pelos<br />
<strong>de</strong>mais batalhões.<br />
A ativida<strong>de</strong> policial, como é atualmente concebida, é relativamente<br />
nova, especialmente se levarmos em conta que o exercício do policiamento<br />
605
606<br />
A atuação da polícia no bairro Restinga<br />
ostensivo, planejado e executado pela <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong>, ocorreu no final da<br />
década <strong>de</strong> 1960. A <strong>Polícia</strong> <strong>Militar</strong> ainda busca firmar-se no exercício <strong>de</strong>sta<br />
ativida<strong>de</strong> e, acima <strong>de</strong> tudo, necessita construir uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria e<br />
<strong>de</strong>finir claramente suas funções.<br />
É urgente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança. As corporações precisam<br />
organizar e planejar estrategicamente suas práticas policiais. É preciso<br />
pensar em ações conjuntas com os <strong>de</strong>mais órgãos do Estado, e que dão<br />
suporte à segurança pública . É preciso unificar condutas e informações<br />
para o enfrentamento da violência, com qualida<strong>de</strong> e eficácia, assim<br />
po<strong>de</strong>remos estar melhorando as condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssas comunida<strong>de</strong>s.<br />
Referências Bibliográficas<br />
Gonçalves, Cleber J. S. Violência urbana e a função social da polícia - Uma rediscussão sociológica<br />
necessária. Revista Unida<strong>de</strong>, nº 3, p 46 a 56, Jul/ Set 1999. Dal Molin, Fábio – Resumo da tese<br />
<strong>Re<strong>de</strong></strong>s sociais micropolíticas da juventu<strong>de</strong> UFRGS – 2007<br />
Mattona, Cláudio e outros. O custo da violência urbana tem relação com a eficiência da<br />
polícia?. Revista Unida<strong>de</strong>. Nº 61- p.05 a 18 –nº Jan/abr 2007.<br />
Guimarães, Luiz Antônio Brenner. A prefeitura <strong>de</strong> Porto Alegre e a Segurança Urbana. Pág 06 a<br />
09. 2ª impressão. Nov <strong>de</strong> 2004
ANEXO<br />
RECOMENDAÇÕES PARA O USO DIDÁTICO DESTE LIVRO<br />
Esta publicação consiste prioritariamente num livro didático que<br />
serve como referência pedagógica para o Curso <strong>de</strong> Li<strong>de</strong>rança para o<br />
Desenvolvimento Institucional Policial. Por se tratar <strong>de</strong> uma ferramenta<br />
didática, recomendamos observar a metodologia adotada como sugestão<br />
para a sua utilização como recurso <strong>de</strong> aprendizagem.<br />
A iniciativa do Curso <strong>de</strong>staca o papel central <strong>de</strong> três importantes<br />
protagonistas institucionais relacionados à temática da segurança pública:<br />
o Estado, a <strong>Polícia</strong> e a Socieda<strong>de</strong>.<br />
Nesse contexto, buscou-se <strong>de</strong>senvolver um novo conceito<br />
metodológico baseado num processo didático-pedagógico <strong>de</strong> orientação<br />
construtivista que ambiciona aproximar o universo das teorias científicas<br />
sobre segurança pública da prática institucional <strong>de</strong>senvolvida pelas<br />
organizações policiais na América Latina.<br />
O público principal <strong>de</strong>ste curso é composto por policiais que<br />
exercem ou já exerceram alguma função dirigente e integrante <strong>de</strong><br />
organizações da socieda<strong>de</strong> civil que <strong>de</strong>senvolvem projetos junto às polícias.<br />
Foi organizado para funcionar durante o período <strong>de</strong> cinco dias, com<br />
quarenta horas <strong>de</strong> carga horária, <strong>de</strong> acordo com a seguinte estrutura:<br />
a) conferência <strong>de</strong> abertura versando sobre os principais<br />
<strong>de</strong>safios da reforma das instituições policiais na América<br />
Latina;<br />
b) oficinas temáticas sobre os conteúdos programáticos<br />
pré-selecionados e tratados nos artigos e comunicações<br />
elaborados por pesquisadores e especialistas da América<br />
Latina1 ;<br />
c) painéis sobre temas contemporâneos e <strong>de</strong> interesse<br />
com a participação <strong>de</strong> especialistas previamente convidados;<br />
e<br />
d) apresentação dos “casos” elaborados e relatados por<br />
policiais.<br />
607
608<br />
Anexo<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento do conteúdo programático priorizou a<br />
construção dialógica do conhecimento através das oficinas temáticas nas<br />
quais os seus integrantes, especialmente os policiais, assumem um papel<br />
<strong>de</strong> protagonistas na condução e produção das reflexões. Por esta razão,<br />
todo o material pedagógico publicado neste livro é encaminhado com<br />
uma razoável antecedência aos participantes para que tenham tempo<br />
suficiente para uma leitura crítica, elaboração <strong>de</strong> notas, observações, etc.<br />
As oficinas temáticas são conduzidas por um mo<strong>de</strong>rador(a)<br />
responsável, no primeiro momento, por apresentar os principais pontos<br />
contidos nos artigos e comunicações relacionados ao tema explorado.<br />
Em seguida, o mo<strong>de</strong>rador(a) propõe um breve conjunto <strong>de</strong> indagações<br />
sobre a temática que será <strong>de</strong>batida pelos grupos <strong>de</strong> trabalho, constituídos<br />
por policiais e representantes da socieda<strong>de</strong> civil. Encerrada a discussão<br />
dirigida, na última etapa da oficina, os diversos grupos constituídos expõem<br />
suas conclusões que serão organizadas e sistematizadas para divulgação<br />
ao final do curso.<br />
Outro espaço fundamental <strong>de</strong> intercâmbio <strong>de</strong> conhecimentos e<br />
experiências se dá na apresentação dos casos propostos pelos policiais,<br />
que são organizados em blocos <strong>de</strong> duas a quatro apresentações por vez,<br />
<strong>de</strong> acordo com a afinida<strong>de</strong> temática entre eles. Esta parte do curso é <strong>de</strong><br />
fundamental importância, uma vez que constitui um espaço aberto e plural<br />
<strong>de</strong> convivência e articulação das reflexões saídas das oficinas com as<br />
questões concretas vividas pelos integrantes do curso em suas ativida<strong>de</strong>s<br />
profissionais. Tais apresentações são mo<strong>de</strong>radas pelos próprios<br />
participantes do curso e acompanhadas por <strong>de</strong>bates.<br />
Por fim, são organizadas visitas técnicas a programas, experiências<br />
em curso, em conformida<strong>de</strong> com as questões tratadas e que aten<strong>de</strong>m ao<br />
interesse e curiosida<strong>de</strong> dos policiais. Estas visitas marcam o encerramento<br />
do curso, momento em que os participantes recebem os seus certificados<br />
e a inscrição como membros da <strong>Re<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Policiais</strong> e Socieda<strong>de</strong> <strong>Civil</strong> na América<br />
Latina.<br />
Após a realização do curso, os policiais e representantes da<br />
socieda<strong>de</strong> civil continuam o processo <strong>de</strong> interação em ambiente virtual<br />
<strong>de</strong>ntro do portal www.comunida<strong>de</strong>segura.org. Neste espaço são<br />
promovidos regularmente fóruns e chats, que priorizam <strong>de</strong>bater temas
Recomendações para o uso didático <strong>de</strong>ste livro<br />
escolhidos sob consulta e que refletem o interesse imediato dos integrantes<br />
da <strong>Re<strong>de</strong></strong>. Ao longo <strong>de</strong> 2007, por exemplo, foram priorizados os seguintes<br />
temas: a relação entre polícia e juventu<strong>de</strong>, a atuação policial em favelas e o<br />
fenômeno das forças paramilitares e/ou milicianas na América Latina.<br />
O processo <strong>de</strong> troca e construção <strong>de</strong> saberes e práticas, inaugurado<br />
com o curso e mantido pelas interações virtuais, também se beneficia <strong>de</strong><br />
um programa <strong>de</strong> visitas <strong>de</strong> estudos e <strong>de</strong> intercâmbio institucional entre<br />
policiais que compõem a <strong>Re<strong>de</strong></strong> com duração <strong>de</strong> uma semana. No ano <strong>de</strong><br />
2007, os selecionados pu<strong>de</strong>ram conhecer instituições policiais,<br />
organizações da socieda<strong>de</strong> civil, além <strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s e centros <strong>de</strong><br />
pesquisa nos países visitados 2 .<br />
O acervo <strong>de</strong> conhecimentos e experiências profissionais <strong>de</strong> todos<br />
os participantes constituiu o principal recurso <strong>de</strong> intercâmbio e <strong>de</strong><br />
aprendizagem explorado nesta proposta metodológica.<br />
Por esta razão o curso preten<strong>de</strong> representar muito mais do que<br />
uma proposta tradicional com vista à capacitação profissional. Visa ser a<br />
expressão <strong>de</strong> um espaço participativo <strong>de</strong> reflexão crítica, discussão e<br />
aprofundamento <strong>de</strong> questões que dialogam diretamente com as distintas<br />
vivências, visões e experiências dos lí<strong>de</strong>res policiais selecionados.<br />
Esperamos, efetivamente, que esta contribuição sirva como subsídio<br />
para futuros cursos promovido pela <strong>Re<strong>de</strong></strong>, e também como material <strong>de</strong><br />
trabalho disponível a todos os policiais, centros <strong>de</strong> pesquisa, universida<strong>de</strong>s<br />
e organizações da socieda<strong>de</strong> civil que o <strong>de</strong>sejarem utilizar.<br />
Notas<br />
1 Listados na apresentação <strong>de</strong>ste livro.<br />
2 Os roteiros <strong>de</strong>stas visitas são organizados com a colaboração dos membros da re<strong>de</strong> que são<br />
visitados e que atuam como cicerones <strong>de</strong> seus pares. Como contrapartida, os policiais selecionados<br />
para o intercâmbio realizam palestras, conferências etc. Assim como elaboram um diário <strong>de</strong><br />
viagem com suas observações e, ao final da viagem, produzem um breve relatório técnico <strong>de</strong> suas<br />
impressões, que é distribuído a todos os integrantes da <strong>Re<strong>de</strong></strong>.<br />
609