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A festa de Nossa Senhora do Rosário como espaço sócio ... - UFRB

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A <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> <strong>como</strong> <strong>espaço</strong> <strong>sócio</strong>-político e<br />

cultural (1920 – 1954)<br />

RESUMO<br />

Bianca Silva Lopes Costa<br />

Mestranda no Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />

em História Regional e Local<br />

pela UNEB – Campus V.<br />

Email: biancalscosta@gmail.com<br />

Palavras-Chave: História Cultural, religiosida<strong>de</strong>, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

Esta pesquisa analisou a <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> em Itaberaba-BA entre os<br />

anos <strong>de</strong> 1920-1954. Toman<strong>do</strong> <strong>como</strong> foco os diferentes significa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>do</strong> viver<br />

social e os processos simbólicos que foram produzi<strong>do</strong>s e reproduzi<strong>do</strong>s por meio da <strong>festa</strong><br />

religiosa imprimin<strong>do</strong>-lhes i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Dentre as práticas que foram analisadas está os<br />

rituais que antece<strong>de</strong>m à <strong>festa</strong>, a preparação <strong>do</strong> corpo espiritual: novenas, a missa, a<br />

organização para a procissão, as vestimentas, os recursos; além das quermesses e<br />

situações que ocorriam no próprio festejo. Este trabalho evi<strong>de</strong>nciou <strong>como</strong> homens,<br />

mulheres e crianças construíram e reconstruíram suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e suas sociabilida<strong>de</strong>s,<br />

a partir da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vivências e simbolismos ocorri<strong>do</strong>s no festejo. Além disso,<br />

i<strong>de</strong>ntificou <strong>como</strong> a <strong>festa</strong> postulou experiências e consequentemente significações, para<br />

os sujeitos sociais que <strong>de</strong>la participaram.<br />

INTRODUÇÃO<br />

No século XX percebe-se em toda a Chapada Diamantina a realização <strong>de</strong> <strong>festa</strong>s,<br />

principalmente as religiosas, as quais reuniam toda a comunida<strong>de</strong> em torno das<br />

celebrações. Em Itaberaba, cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> interior da Bahia situada na mesma região, as<br />

pessoas vivenciavam expressivas práticas <strong>sócio</strong>-religiosas e culturais praticadas por uma<br />

população singularmente religiosa e <strong>de</strong>vota a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>. Em a<strong>do</strong>ração a<br />

Santa acontecia um significativo ritual marca<strong>do</strong> por hinos, rezas, apresentações, atos <strong>de</strong><br />

contrição, o que significava o momento <strong>de</strong> celebração da vida, <strong>de</strong> enfrentamento da<br />

realida<strong>de</strong> adversa que a socieda<strong>de</strong> estivesse passan<strong>do</strong> naquele momento. Um


significativo espetáculo acontecia na cida<strong>de</strong> durante os festejos em homenagem a <strong>Nossa</strong><br />

<strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se principalmente pela pompa que evi<strong>de</strong>nciava.<br />

As proximida<strong>de</strong>s da <strong>festa</strong> em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> em Itaberaba era<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pela comunida<strong>de</strong> <strong>como</strong> um novo tempo, este inaugurava momentos<br />

ímpares para aquelas pessoas que através <strong>do</strong> trabalho, <strong>do</strong> canto, da missa, na quermesse<br />

ou nas suas performances exprimiam os seus sentimentos mais íntimos no festejar. No<br />

entanto, tal relação com o festejo até mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1920 não possuía o mesmo<br />

brilhantismo que veio a expressar e exibir nas décadas seguintes. Anteriormente a<br />

mesma acontecia a partir <strong>de</strong> algumas solenida<strong>de</strong>s, <strong>como</strong> comunhões, cantos e missas. O<br />

Pároco Campeiro <strong>de</strong> Souza (1922) em um <strong>do</strong>s seus relatos sobre as celebrações da<br />

paróquia, indigna<strong>do</strong> com a frieza <strong>de</strong> sentimentos <strong>do</strong>s fiéis e <strong>do</strong> <strong>de</strong>sleixo <strong>do</strong>s mesmos<br />

com as comemorações religiosas, expressou as seguintes palavras:<br />

A minha impressão ao entrar na vida paroquial <strong>de</strong>sta freguesia foi<br />

bastante <strong>de</strong>sanima<strong>do</strong>ra quinze a vinte pessoas ouviam a missa <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>mingos e dias santos (...) celebrei com solenida<strong>de</strong>s as <strong>festa</strong>s <strong>do</strong><br />

Santíssimo Sagra<strong>do</strong> Coração <strong>de</strong> Jesus, da Conceição e <strong>do</strong> Natal (...)<br />

assim passou-se o primeiro ano <strong>de</strong> paróquia nesta freguesia <strong>de</strong> gente<br />

alheia a to<strong>do</strong> e qualquer sentimento festivo religioso (...) Organizei<br />

uma comissão para realizar a <strong>festa</strong> da padroeira e eles ten<strong>do</strong> aceita<strong>do</strong><br />

o meu convite prometeram fazer a <strong>festa</strong> com máxima solenida<strong>de</strong>, não<br />

ligan<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois a mínima importância a sua promessa e ao seu<br />

compromisso, outubro me vieram oferecer para fazer a <strong>festa</strong> (...) e<br />

mais uma vez provaram a sua aversão a causa <strong>de</strong> Deus. ( LIVRO DE<br />

TOMBO, 1922, p. 12-14)<br />

A partir da década <strong>de</strong> 1926 Itaberaba viu renascer o festejo que viria a ser o mais<br />

importante daquela região. Esse ressurgir foi fruto <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong>s dirigentes religiosos<br />

que viam nas comemorações festivas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascensão da fé católica e <strong>do</strong><br />

crescimento <strong>do</strong> número <strong>de</strong> fiéis, que na percepção <strong>do</strong>s padres necessitavam <strong>de</strong><br />

evangelização para a comunhão com Deus e consequentemente zelo para com as causas<br />

religiosas. Nesse senti<strong>do</strong>, a <strong>festa</strong> em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> volta<br />

resplan<strong>de</strong>cente consolidan<strong>do</strong> as aspirações <strong>do</strong>s dirigentes católicos naquela região,<br />

tornan<strong>do</strong>-se, “instrumento <strong>de</strong> comunicação e <strong>de</strong> conhecimento enquanto veículo<br />

simbólico quanto ao senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s signos e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>...” (BOURDIEU, 1998, p. 28)<br />

seguiu cumprin<strong>do</strong> os seus objetivos <strong>do</strong>utrinários e alimentan<strong>do</strong> os anseios <strong>do</strong>s sujeitos<br />

sociais. Demonstran<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> alegria no empreendimento religioso para arrebanhar os<br />

fiéis, o padre escreveu o gran<strong>de</strong> acontecimento que marcou a espiritualida<strong>de</strong> daquela<br />

gente:<br />

Fiz o mês <strong>de</strong> Maria e <strong>Rosário</strong> pregan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os dias e com aula <strong>de</strong><br />

catecismos diários conseguin<strong>do</strong> elevar assim o número <strong>de</strong> alunos a<br />

cento e quarenta meninos e meninas (...) a primeira comunhão que se<br />

fez constituiu a <strong>festa</strong> mais bela que este povo se lembra ter assisti<strong>do</strong>


aqui. Setenta crianças receberam pela primeira vez a Jesus no<br />

Santíssimo Sacramento da Eucaristia, sen<strong>do</strong> que trinta se achavam<br />

vestidas <strong>de</strong> anjo, sen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os cantos executa<strong>do</strong>s pelos comungantes...<br />

( LIVRO TOMBO, 1926, p.12)<br />

Ultrapassan<strong>do</strong> os limites <strong>do</strong> eclesiástico, a <strong>festa</strong> para a comunida<strong>de</strong> ganha novos<br />

senti<strong>do</strong>s e ao se apropriar da mesma, aquelas pessoas a redimensiona e lhes imprime<br />

suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. Segun<strong>do</strong> Brandão (1978) a <strong>festa</strong> incorpora os mesmos sujeitos, os<br />

mesmos objetos e a mesma estrutura das relações <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, porém a<br />

transfigura, a partir <strong>do</strong>s varia<strong>do</strong>s objetivos que seus participantes têm em relação à<br />

mesma. O interessante é que a <strong>festa</strong>, segun<strong>do</strong> o autor, “se apossa da rotina e não a<br />

rompe, mas exce<strong>de</strong> sua lógica, e é nisso que ela força às pessoas ao breve ofício ritual<br />

da transgressão” (BRANDÃO, 1978, p.26).<br />

Abordagens relacionadas à cultura vêm sen<strong>do</strong> muito contempladas nas produções<br />

historiográficas atuais. A temática “Festas”, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas mani<strong>festa</strong>ções<br />

nas diversas socieda<strong>de</strong>s e os significa<strong>do</strong>s advin<strong>do</strong>s das relações ocorridas no interior das<br />

mesmas, tem se constituí<strong>do</strong> <strong>como</strong> importante objeto <strong>de</strong> pesquisa. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pesquisa historiográfica fundamentada na História Cultural<br />

busquei no município <strong>de</strong> Itaberaba, região da Chapada Diamantina o objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sta pesquisa. Este artigo investigou os diferentes significa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>do</strong> viver<br />

social e os processos simbólicos que foram produzi<strong>do</strong>s e reproduzi<strong>do</strong>s por meio da <strong>festa</strong><br />

religiosa imprimin<strong>do</strong>-lhes i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Dentre as práticas que foram analisadas está os<br />

rituais que antece<strong>de</strong>m à <strong>festa</strong>, a preparação <strong>do</strong> corpo espiritual: novenas, a missa, a<br />

organização para a procissão, as vestimentas, os recursos; além das quermesses e<br />

situações que ocorriam no próprio festejo.<br />

Esta pesquisa utilizou a história oral, a qual permitiu o registro <strong>de</strong> testemunhos e o<br />

acesso a histórias <strong>de</strong>ntro da história e, <strong>de</strong>ssa forma, ampliou as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

interpretação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> (ALBERTI, 2006). Os testemunhos <strong>do</strong>s sujeitos sociais que<br />

vivenciaram ou conheceram <strong>de</strong> alguma forma a <strong>festa</strong> em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Rosário</strong> foram importantes fontes históricas, pois constituíram um cabedal infinito, on<strong>de</strong><br />

múltiplas variáveis – temporais, topográficas, individuais, coletivas – dialogaram entre<br />

si, revelan<strong>do</strong> lembranças, algumas vezes <strong>de</strong> forma explicita outras vezes <strong>de</strong> forma<br />

velada (DELGADO, 2006). Tais narrativas permitiram amplas interpretações acerca <strong>do</strong><br />

objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, <strong>como</strong> as aspirações, realizações, significa<strong>do</strong>s em torno da celebração a<br />

Padroeira.<br />

Destarte, a <strong>festa</strong> em homenagem a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> <strong>como</strong> representação <strong>de</strong><br />

uma coletivida<strong>de</strong> produziu durante o tempo significa<strong>do</strong>s, os quais não ficaram


egistra<strong>do</strong>s apenas nas memórias <strong>do</strong>s vários sujeitos sociais, mas também <strong>de</strong> forma<br />

impressa. Assim, este trabalho contemplou a pesquisa <strong>do</strong>cumental, a qual analisou<br />

<strong>do</strong>cumentos <strong>como</strong> os <strong>do</strong> arquivo da Paróquia <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>. Livros <strong>de</strong><br />

Tombo e outros registros da Diocese trouxeram as impressões <strong>do</strong>s religiosos da<br />

Paróquia, tais <strong>como</strong> o reviver da <strong>festa</strong> da Padroeira, seus esforços para a dinamização e<br />

excelência da <strong>festa</strong> no senti<strong>do</strong> espiritual, além é claro da expansão da mesma durante o<br />

tempo. O jornal local e também as fotografias, evi<strong>de</strong>nciaram informações, impressões e<br />

situações que ocorreram no festejo os quais possibilitaram conhecimentos relevantes<br />

para compreen<strong>de</strong>r a dinâmica <strong>sócio</strong> - política e religiosa da festivida<strong>de</strong>.<br />

A FESTA DO ROSÁRIO EM ITABERABA CONJUNTURA SOCIAL<br />

A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaberaba na década <strong>de</strong> 1930 crescia em um contexto político-econômico<br />

fundamenta<strong>do</strong> na dinâmica marcada pela construção <strong>de</strong> obras públicas, pavimentação<br />

das vias, patrocínio <strong>de</strong> <strong>festa</strong>s, incentivo ao comércio, com a possibilida<strong>de</strong> permanente da<br />

energia elétrica, pois a energia até mea<strong>do</strong>s da década <strong>de</strong> 1940 só permanecia acesa até<br />

as <strong>de</strong>z horas da noite, além <strong>de</strong> específicas permanências <strong>do</strong> século XIX, <strong>como</strong> a<br />

existência <strong>de</strong> pequenas proprieda<strong>de</strong>s, nas quais eram produzi<strong>do</strong>s bens <strong>de</strong> consumo para<br />

a comunida<strong>de</strong>. Economicamente ainda que possuísse a característica principal baseada<br />

na agricultura e pecuária, a cida<strong>de</strong> lutava contra as constantes secas que castigava muito<br />

a vida da população, pois não possuía água encanada, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> trem ou <strong>de</strong><br />

carroças que trazia esse tão escasso e necessário recurso natural. (O ITABERABA,<br />

1945.)<br />

Nessa conjuntura as pessoas viviam em uma relação <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> com a vida religiosa<br />

e durante a <strong>festa</strong> em comemoração à <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>, uma gran<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong><br />

coletiva acontecia entre as pessoas. A imagem e os significa<strong>do</strong>s em torno <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong><br />

regiam a vida social e nesse <strong>espaço</strong> os senti<strong>do</strong>s foram construí<strong>do</strong>s: Segun<strong>do</strong> Araújo<br />

(2008):<br />

(...) as mani<strong>festa</strong>ções festivas potencializam um momento especial, no<br />

qual uma coletivida<strong>de</strong> projeta e re(cria) significa<strong>do</strong>s para o mun<strong>do</strong>, lhe<br />

imprime i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, senti<strong>do</strong>, conflito, valores e especificida<strong>de</strong>s.<br />

(ARAÚJO, 2008, p.20)<br />

O reino <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> no festejo produzia o efeito contagiante <strong>de</strong> aproximação entre as<br />

pessoas e nessa celebração os sujeitos sociais por intermédio <strong>de</strong> suas performances<br />

re<strong>de</strong>finiam as suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. De acor<strong>do</strong> com Borges (1998) essa <strong>festa</strong> historicamente<br />

perpassa por to<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> colonial chegan<strong>do</strong> até o Brasil Império e a sua promoção<br />

estava a cargo <strong>do</strong>s escravos, negros alforria<strong>do</strong>s e livres congrega<strong>do</strong>s nas Irmanda<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

<strong>Rosário</strong>. Em Itaberaba, a <strong>festa</strong> não estava circunscrita somente a negros, <strong>como</strong> em


outras partes <strong>do</strong> país. Nem especificamente ligada a uma irmanda<strong>de</strong>, <strong>como</strong> nos relata D.<br />

Maria Santos 1 ,<br />

A <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> aqui na cida<strong>de</strong> não tem uma<br />

irmanda<strong>de</strong> própria, a que ajudava para a organização da <strong>festa</strong> era a<br />

irmanda<strong>de</strong> coração sagra<strong>do</strong> <strong>do</strong> menino Jesus, quem realmente fazia as<br />

coisas era a comissão organiza<strong>do</strong>ra...<br />

O festejo se evi<strong>de</strong>nciava pela estética da celebração, pelo ritual elabora<strong>do</strong> pelos <strong>de</strong>votos<br />

e vaqueiros, além <strong>do</strong> banquete que era servi<strong>do</strong> nas casas para os participantes da<br />

população. Logo ao chegar à paróquia e incitar a população para a realização <strong>do</strong> festejo,<br />

o pároco Campeiro <strong>de</strong> Souza nunca imaginaria <strong>como</strong> a homenagem à Santa Padroeira<br />

veio a se expandir e consequentemente passar por mudanças.<br />

As transformações foram ocorren<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1920 a 1954, à medida que as<br />

pessoas se aproximavam mais da Santa e da vida religiosa. Em 1920 poucas famílias<br />

<strong>de</strong>ram importância às pregações e solicitações <strong>do</strong> pároco Campeiro <strong>de</strong> Souza, porém já<br />

em 1926,<br />

O mês <strong>de</strong> <strong>Rosário</strong> constituiu um <strong>do</strong>s acontecimentos mais solenes da<br />

vida religiosa da Paróquia neste ano, porquanto o culto da Padroeira<br />

achava-se já há tempos em total esquecimento. Fiz ver ao povo a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revivê-lo no que fui atendi<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> feitas todas as<br />

noites com mor<strong>do</strong>mos e da maneira mais brilhante. Para auxiliar-me<br />

nos exercícios <strong>do</strong> mês <strong>de</strong> <strong>Rosário</strong> veio a meu convite a esta cida<strong>de</strong> o<br />

Frei João Baptista Fernan<strong>do</strong> que organizou um coro duplo com<br />

quarenta e tanto cantores entre moças e crianças, acto este que<br />

agra<strong>do</strong>u sumamente ao povo (...) as noites foram solenizadas com o<br />

oferecimento <strong>de</strong> flores pelas crianças à Virgem Santa...(Pe. Aristi<strong>de</strong>s<br />

Pedreira <strong>do</strong> Couto Ferraz. In: Livro <strong>de</strong> Tombo, 1926, p. 14)<br />

Nesse momento, muitas pessoas já participavam <strong>do</strong> culto à Padroeira, por to<strong>do</strong>s os<br />

cantos naqueles dias festivos crianças, mulheres e homens evi<strong>de</strong>nciavam no seu próprio<br />

<strong>espaço</strong> <strong>de</strong> vivências e no seu cotidiano, um profun<strong>do</strong> sentimento religioso. O exercício<br />

da fé cristã individualmente e coletivamente foi se construin<strong>do</strong>, impregna<strong>do</strong> <strong>de</strong> crenças<br />

e <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção a Padroeira, as mensagens <strong>de</strong> esperança na melhoria das condições <strong>de</strong><br />

vida, a cada festejo ganhavam corpo fazen<strong>do</strong> parte das promessas e <strong>do</strong>s rituais da <strong>festa</strong>,<br />

Embora a seca esteja atrofian<strong>do</strong> a véspera da maior <strong>festa</strong> religiosa<br />

<strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, serão prestadas as homenagens <strong>de</strong>vidas a nossa querida<br />

protetora, ainda que seja com mais simplicida<strong>de</strong> ou mesmo uma <strong>festa</strong><br />

<strong>de</strong> penitência, o nosso povo dará o sinal <strong>de</strong> seu amor e veneração à<br />

mãe <strong>de</strong> Deus, que misericordiosa aten<strong>de</strong>rá a suplica <strong>de</strong>ste povo que<br />

pa<strong>de</strong>ce os horrores da seca. ( O ITABERABA, 1931, P.06)<br />

1 A Sra. Maria Santos resi<strong>de</strong> no município <strong>de</strong> Itaberaba, possui 72 anos e durante algum tempo foi<br />

secretária da igreja, atualmente trabalha nas causas paroquiais sem remuneração. Informação obtida em<br />

15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008.


Ao inserir suas necessida<strong>de</strong>s particulares <strong>como</strong> petição e ao mesmo tempo vivenciar o<br />

tempo <strong>do</strong> festejar, a <strong>festa</strong> se imbuía <strong>do</strong> caráter penitente, que segun<strong>do</strong> os costumes<br />

locais eram carrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> simbolismos i<strong>de</strong>ntitários, tais <strong>como</strong> o jejum e a oração das<br />

senhoras em favor das chuvas para a plantação e colheita <strong>de</strong> grãos típicos da região.<br />

Além disso, durante a <strong>festa</strong> na novena <strong>do</strong>s vaqueiros que participavam <strong>do</strong> festejo, estes<br />

intercediam por melhorias nas condições <strong>de</strong> vida e honravam a Santa através <strong>do</strong> seu<br />

melhor, ou seja, prestan<strong>do</strong> suas homenagens a partir <strong>de</strong> suas formas particulares, <strong>como</strong><br />

o <strong>de</strong>sfile pela cida<strong>de</strong> a cavalo e durante a procissão. “To<strong>do</strong>s aos pés <strong>de</strong> Maria<br />

Santíssima, imploran<strong>do</strong> a sua misericórdia contra a seca, contra a guerra, pelas chuvas e<br />

pela paz.” (O ITABERABA, 1936, p. 20)<br />

Constituía-se <strong>de</strong>ssa forma um mo<strong>do</strong> ímpar <strong>de</strong> a<strong>do</strong>rar a Santa, uma religiosida<strong>de</strong><br />

intercambiável, que “não se esgotava unicamente no esmero em cumprir as obrigações<br />

religiosas, mas que se construía sobre a prática <strong>de</strong> uma religião <strong>de</strong>ntro das necessida<strong>de</strong>s<br />

individuais e sociais” a partir <strong>de</strong> suas próprias formas <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ração ao santo católico<br />

(BAROJA, 1978, p. 11).<br />

O festejo acontece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fundação da cida<strong>de</strong> e vem evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> processos cujas<br />

relações sociais obe<strong>de</strong>cem aos rituais e os símbolos. Nessa perspectiva, uma série <strong>de</strong><br />

operações profanas e sagradas acontecia, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> um rico universo <strong>de</strong><br />

religiosida<strong>de</strong> e cultura popular nesse momento. Através <strong>do</strong>s rituais, simbologias e atos<br />

performáticos os sujeitos sociais se exprimiam. Assim foram produzi<strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s e<br />

significa<strong>do</strong>s relativos à sua existência no mun<strong>do</strong> social, o que instrumentaliza a<br />

compreensão da dinâmica <strong>sócio</strong>-cultural da região. De acor<strong>do</strong> com Geertz (1989):<br />

Os conceitos religiosos espalham-se para além <strong>de</strong> seus contextos<br />

especificamente metafísicos, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> fornecer um arcabouço <strong>de</strong><br />

idéias gerais em termos das quais po<strong>de</strong> ser dada uma forma<br />

significativa a uma parte da experiência (...) as disposições e<br />

motivações que uma orientação religiosa produz lançam uma luz<br />

<strong>de</strong>rivativa, lunar sobre os aspectos sóli<strong>do</strong>s da vida secular <strong>de</strong> um<br />

povo. (GEERTZ,1989, p. 140 – 141)<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, as práticas durante a homenagem não se limitavam apenas aos atos<br />

litúrgicos, mas ao exercício constante <strong>de</strong> interce<strong>de</strong>r e agra<strong>de</strong>cer pelas graças alcançadas.<br />

Verda<strong>de</strong>iros pactos <strong>de</strong> fé se materializavam na homenagem, fossem nas apresentações<br />

teatrais, que ocorriam na <strong>festa</strong> após as missas e nas quais as pessoas encenavam<br />

situações cotidianas <strong>de</strong> prestação e contraprestação <strong>de</strong> serviços, ou mesmo, através das<br />

encenações e <strong>do</strong>s testemunhos vivos nas quais ficava evi<strong>de</strong>nte as dádivas recebidas,<br />

marcadas pelo caráter <strong>de</strong> dar, receber e retribuir.


Assim, a apresentação <strong>de</strong> fogos <strong>de</strong> artifício, <strong>de</strong> espetáculos cênicos com gran<strong>de</strong>s<br />

coreografias, apresentações <strong>de</strong> filarmônicas, <strong>de</strong> cantores, acontecia em glória a Santa e<br />

satisfazen<strong>do</strong> os fiéis em seus agra<strong>de</strong>cimentos. Segun<strong>do</strong> CASCUDO (1985) os foguetes<br />

se constituíram <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para as festivida<strong>de</strong>s religiosas no Brasil, cuja<br />

presença nas <strong>festa</strong>s coloniais remonta ao século XVII, vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Portugal. Esta tradição<br />

era a alegria <strong>do</strong>s arraiás e procissões, sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>como</strong> parte essencial para as<br />

cerimônias e imbuí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> um caráter religioso.<br />

Esses aspectos foram evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong>s anos em Itaberaba, através <strong>de</strong><br />

mani<strong>festa</strong>ções sagradas e profanas na homenagem a Padroeira, pois a partir <strong>de</strong> 1926 a<br />

<strong>festa</strong> já acontecia também fora <strong>do</strong> âmbito da igreja, ocorren<strong>do</strong> no largo muitas danças,<br />

músicas, jogos, comidas, leilões. A fé exercia uma função <strong>de</strong>finitiva na vida das pessoas<br />

<strong>de</strong>votas à Santa, fosse através das orações e penitências, ou peditórios e leilões, os quais<br />

eram realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma a angariar fun<strong>do</strong>s para as comemorações. Eis os vários<br />

cenários <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> em que se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brou essa <strong>festa</strong> cristã. Longe <strong>de</strong> se alhearem <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos, as pessoas participavam ativamente, quer <strong>de</strong>sfilan<strong>do</strong> com suas roupas<br />

nas procissões, quer ornamentan<strong>do</strong> as ruas ou ainda nas missas com a ostentação <strong>do</strong><br />

luxo.<br />

Nesse contexto já na década <strong>de</strong> 1940 a <strong>festa</strong> em plena expansão era marcada por<br />

espetáculos mais elabora<strong>do</strong>s. As alvoradas, por exemplo, eram marcadas pela animação<br />

<strong>de</strong> instrumentos musicais e fogos. Além da função <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>r as novenas, as mesmas<br />

convocavam a população para participar <strong>do</strong>s festejos à noite. O hasteamento da<br />

ban<strong>de</strong>ira, símbolo da <strong>festa</strong>, cada vez mais foi sen<strong>do</strong> modifica<strong>do</strong> a fim <strong>de</strong> conclamar as<br />

pessoas para as homenagens e marcar o tempo <strong>de</strong> festejo, reflexão e contrição espiritual,<br />

Teve inicio a <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> no dia 10 com Missa<br />

<strong>de</strong> comunhão geral e a noite, o hasteamento da ban<strong>de</strong>ira, ao som <strong>do</strong><br />

hino da Padroeira executa<strong>do</strong> pela filarmônica Lyra Itaberabense,<br />

também canta<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o povo haven<strong>do</strong> em seguida a benção <strong>do</strong><br />

santissímo sacramento. As novenas que começaram no dia 11, se<br />

revestiram <strong>de</strong> extraordinária pompa dada a boa vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seus<br />

mor<strong>do</strong>mos. (O ITABERABA, 1949, p.03)<br />

Tanto os rituais litúrgicos dirigi<strong>do</strong>s pelo lí<strong>de</strong>r religioso <strong>como</strong> os <strong>de</strong>vocionais, partin<strong>do</strong><br />

das rezas, cantorias, intercessões, além <strong>do</strong>s populares: danças, comidas, jogos, etc..., que<br />

ocorreram na <strong>festa</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> simboliza heranças passadas <strong>de</strong> reina<strong>do</strong>s e hierarquias,<br />

sen<strong>do</strong> reminiscências das <strong>festa</strong>s coloniais. Segun<strong>do</strong> PRIORE (1994) as festivida<strong>de</strong>s na<br />

época da colônia, buscavam moldar as populações à aliança entre a Igreja e o Esta<strong>do</strong>,<br />

interferin<strong>do</strong> nas formas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> economia psíquica <strong>do</strong>s colonos. A <strong>festa</strong>


criava brechas <strong>de</strong> resistências, transculturalida<strong>de</strong>s e utopias, era um escape para que a<br />

população enfrentasse o seu cotidiano árduo num <strong>de</strong>rivativo provisório.<br />

A autora ressalta ainda, que durante as <strong>festa</strong>s a metrópole cedia o <strong>espaço</strong> público <strong>como</strong><br />

forma <strong>de</strong> se mostrar e tornar presente o seu po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>starte, em Itaberaba a <strong>festa</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Rosário</strong> também sempre fora marcada por essa ligação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público com a igreja,<br />

mais especificamente a partir <strong>do</strong>s anos 1930 e principalmente nas décadas <strong>de</strong> 1940, a<br />

presença <strong>de</strong> políticos com suas gentilezas se faziam presentes e evi<strong>de</strong>ntes na<br />

homenagem a Padroeira, (O ITABERABA, 1949, p. 03).<br />

Além disso, variadas relações se <strong>de</strong>senvolviam, tanto políticas, <strong>como</strong> sociais e<br />

religiosas. As crianças participavam <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o festejo nas missas, com cânticos e<br />

apresentações, estas geralmente relacionadas ao bom comportamento <strong>sócio</strong>-religioso,<br />

na arrumação da igreja, na arrecadação <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>s para a <strong>festa</strong>, na quermesse fosse<br />

ven<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ou brincan<strong>do</strong>. Os jovens além da participação na organização aproveitavam<br />

esse tempo <strong>do</strong> festejar para possíveis casamentos. As senhoras cuidavam principalmente<br />

das comidas que seriam vendidas, porém era comum serem oferecidas em muitas casas<br />

o almoço para as pessoas que vinham <strong>de</strong> fora ou das re<strong>do</strong>n<strong>de</strong>zas, além disso, esse tempo<br />

era marca<strong>do</strong> por muitos testemunhos <strong>de</strong> bençãos, muitas pessoas contavam sobre as<br />

promessas feitas nas <strong>festa</strong>s anteriores e as dádivas alcançadas, uma forma <strong>de</strong><br />

engran<strong>de</strong>cimento e reverência à Santa.<br />

A rotina <strong>do</strong> mês <strong>de</strong> outubro em Itaberaba não era mais a mesma. Ao ser anuncia<strong>do</strong> os<br />

preparativos para a homenagem a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> muitas pessoas das cida<strong>de</strong>s<br />

vizinhas, assim <strong>como</strong> da zona rural, vinham para o festejo. A participação <strong>de</strong> muitas<br />

pessoas nessa <strong>festa</strong>, tanto <strong>do</strong> povo em geral quanto das autorida<strong>de</strong>s políticas, expressava<br />

publicamente a fé <strong>de</strong>votada na Santa, além <strong>de</strong> outras intencionalida<strong>de</strong>s. Segun<strong>do</strong> Dona<br />

Guiomar Alves 2 ,<br />

Os políticos e coronéis vinham para a <strong>festa</strong>, agente via eles lá na<br />

frente da igreja na missa, eles sentava nos bancos lá da frente (..) o<br />

pessoal <strong>de</strong> lá das roças e das cida<strong>de</strong>s perto daqui vinham também, até<br />

da capital veio um grupo <strong>do</strong> Corpo <strong>de</strong> Bombeiros 3 na missa, foi um<br />

tempo muito bom. (D. Guiomar Alves)<br />

Barracas <strong>de</strong> bebidas, jogos e <strong>do</strong>ces compunham o <strong>espaço</strong> ao re<strong>do</strong>r da igreja, a presença<br />

<strong>de</strong> palanques começaram a ser evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s no festejo principalmente a partir da década<br />

<strong>de</strong> 1940, nestes além das apresentações cênicas, políticos aproveitavam para discursar<br />

2 Dona Guiomar Alves <strong>do</strong>s Santos tem 77 anos, hoje aposentada era zela<strong>do</strong>ra da igreja e continua<br />

residin<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaberaba. Entrevista concedida no dia 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2008.<br />

3 D. Guiomar Alves se referiu a filarmônica <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong> bombeiros que veio <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r no ano<br />

<strong>de</strong> 1950, fato este que foi noticia<strong>do</strong> também no jornal local O Itaberaba.


juntamente com os representantes clericais. Tempo <strong>de</strong> múltiplas relações sociais e <strong>de</strong><br />

funções políticas, a <strong>festa</strong> em louvor a Santa <strong>Rosário</strong> em Itaberaba fomentava o interesse<br />

político, pois através da mesma, tais sujeitos sociais se projetavam fosse através da<br />

presença nas missas e na quermesse, <strong>como</strong> também no oferecimento <strong>de</strong> bens materiais.<br />

Já em relação à presença <strong>do</strong>s políticos estes faziam questão <strong>de</strong> estarem pessoalmente no<br />

momento <strong>do</strong> festejo, fossem na missa ou na quermesse, sempre solícitos, <strong>como</strong> salienta<br />

Dona Guiomar Alves 4 ,<br />

Os políticos aqui <strong>de</strong> Itaberaba faziam questão <strong>de</strong> pegar na mão da<br />

gente e <strong>de</strong> perguntar <strong>como</strong> agente estava, outra coisa também é que<br />

eles eram muito generosos, pois pra <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Rosário</strong> eles davam uns presentes bem gor<strong>do</strong>.<br />

Os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> D. Guiomar <strong>como</strong> os <strong>do</strong>s outros entrevista<strong>do</strong>s evi<strong>de</strong>nciaram o<br />

comparecimento constante <strong>de</strong> políticos no festejo. Percebe-se que tais aparecimentos<br />

estavam imbuí<strong>do</strong>s não somente <strong>de</strong> objetivos religiosos, mas também políticos, sen<strong>do</strong><br />

uma forma <strong>de</strong> estar com o público e <strong>de</strong>ixar serem percebi<strong>do</strong>s pela população<br />

freqüenta<strong>do</strong>ra da <strong>festa</strong>. Para Petruski (2008) as <strong>festa</strong>s po<strong>de</strong>m ser resumidas em buscas<br />

humanas, a sintetização <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>s, trajetórias históricas, visões e vivências<br />

ocorreram marcan<strong>do</strong> e resistin<strong>do</strong> ao tempo, reunin<strong>do</strong> pessoas, temas e lugares. São<br />

lembranças da vida e <strong>de</strong> vidas, que ajudam a enten<strong>de</strong>r arranjos <strong>do</strong> sentir, <strong>do</strong> viver e <strong>do</strong><br />

agir.<br />

No contexto Itaberabense, a <strong>festa</strong> não só foi uma vivência <strong>de</strong> fé, mas também para uma<br />

parte ainda que pequena <strong>do</strong>s freqüenta<strong>do</strong>res (os dirigentes políticos) era também uma<br />

boa oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> projeção política. Po<strong>de</strong>mos perceber isso nas falas <strong>do</strong>s antigos<br />

mora<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> que participavam <strong>do</strong>s festejos e mantém vivo na memória a<br />

imagem e as iniciativas <strong>de</strong>sses políticos que contribuíam com a Paróquia! Como nos<br />

lembra D. Diurce Costa,<br />

Lembro-me até hoje quan<strong>do</strong> minha avó me falou da importância <strong>de</strong><br />

nós sempre nos lembrar daqueles (políticos) que eram atenciosos e<br />

generosos com a causa religiosa, pois assim <strong>de</strong>monstravam um<br />

coração bon<strong>do</strong>so (...) 5<br />

Des<strong>de</strong> o início das comemorações em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>, a preparação<br />

da <strong>festa</strong> acontecia mediante <strong>do</strong>is grupos: o <strong>do</strong>s eclesiásticos, cuja responsabilida<strong>de</strong> era<br />

<strong>de</strong> organizar e celebrar os rituais sagra<strong>do</strong>s; e o outro era das pessoas da comunida<strong>de</strong>,<br />

principalmente os que estivessem mais envolvi<strong>do</strong>s na igreja, que cuidavam <strong>do</strong>s<br />

momentos profanos, nos quais pre<strong>do</strong>minavam os divertimentos, congregan<strong>do</strong> toda a<br />

4 Informação obtida através <strong>de</strong> entrevista realizada no dia 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2008.<br />

5 Dona Diurcires Mascarenhas Costa, 63 anos, Professora aposentada, informação obtida através<br />

<strong>de</strong> entrevista ocorrida no dia 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2008.


comunida<strong>de</strong>. As etapas da <strong>festa</strong> compreendiam: as novenas, a missa, a procissão e<br />

quermesse: apresentações teatrais, <strong>de</strong> cantores, danças e muita comida.<br />

Esse momento da <strong>festa</strong> atraía a participação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s que se misturavam: os<br />

pertencentes a uma hierarquia social mais elevada incluin<strong>do</strong> aqui advoga<strong>do</strong>s, médicos,<br />

professores e funcionários públicos e os <strong>de</strong> uma situação social mais simples:<br />

emprega<strong>do</strong>s <strong>do</strong>mésticos, indivíduos da zona rural, etc... É comum perceber nas<br />

fotografias e nas narrativas orais a presença <strong>de</strong>sses políticos entre os populares, porém<br />

<strong>de</strong>ssas uniões é importante fazer releituras <strong>de</strong>ssas relações tão próximas, que ocorriam<br />

especificamente no momento profano, ou seja, tais ocasiões <strong>de</strong> maior aproximação<br />

ocorriam fora da igreja, pois na missa e novenas tais políticos segun<strong>do</strong> Dona Maria<br />

Santos 6 se sentavam sempre à frente e distantes das pessoas mais comuns:<br />

Na igreja havia verda<strong>de</strong>iras castas, os políticos ficavam senta<strong>do</strong>s<br />

sempre nos primeiros bancos da igreja, os mais ilustres também e as<br />

pessoas mais simples sentavam-se ao fun<strong>do</strong> da igreja. ( D. Maria<br />

Santos, 72 anos)<br />

Será que por estarem sempre nos primeiros lugares <strong>do</strong>s bancos significava separação ou<br />

ações intencionais para uma visualização melhor <strong>do</strong>s populares em relação a sua<br />

presença? Por isso, ao analisar tanto as fontes orais, <strong>como</strong> as visuais percebe-se que a<br />

<strong>festa</strong> era um momento propício para os discursos eleitorais. No entanto, se para as<br />

pessoas públicas a <strong>festa</strong> significava propaganda política, para a maioria <strong>do</strong>s sujeitos<br />

sociais as significações e expectativas estavam relacionadas à sua vida religiosa e social.<br />

A comissão da <strong>festa</strong> sempre estava à frente para a organização <strong>do</strong> dinheiro e<br />

investimento <strong>do</strong> mesmo. Esta era composta por um juiz, uma juíza e uma jovem para ser<br />

a juíza da ban<strong>de</strong>ira. Essa comissão era escolhida um ano antes para o acontecimento <strong>do</strong><br />

festejo, e a escolha <strong>do</strong>s juízes, segun<strong>do</strong> as narrativas, acontecia mediante o <strong>de</strong>sejo e a<br />

disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo que a pessoa tivesse para realizar o trabalho <strong>de</strong> organização da<br />

<strong>festa</strong>. Segun<strong>do</strong> Dona Diurcires Costa,<br />

A comissão escolhida para a realização da <strong>festa</strong>, podia ser qualquer<br />

pessoa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tivesse tempo e vonta<strong>de</strong> para trabalhar... 7<br />

A <strong>festa</strong> em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> acontecia durante to<strong>do</strong> o mês <strong>de</strong> outubro<br />

e todas as noites ocorriam às novenas e para cada noite uma equipe era responsável. As<br />

equipes eram formadas por categorias profissionais da cida<strong>de</strong>, assim havia a noite das<br />

6 Sra. Maria Santos nesse momento fazia questão <strong>de</strong> incentivar que mesmo na missa, os<br />

representantes políticos ficassem sempre na frente, mas no momento da quermesse eles estavam sempre<br />

por pertos das pessoas comuns participan<strong>do</strong> das barracas <strong>de</strong> jogos, comen<strong>do</strong> ou conversan<strong>do</strong>.<br />

7 Relato da Sra. Diurcires Mascarenhas Costa, Professora primária aposentada, 63 anos, mora<strong>do</strong>ra<br />

na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaberaba na Praça da Igreja <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>, seus familiares: pais, avós, tios e<br />

bisavós foram participantes ativos no festejo. D. Diurcires participava das <strong>festa</strong>s e <strong>de</strong> sua organização e<br />

até nos dias atuais ainda prepara comidas para os participantes da <strong>festa</strong>.


professoras, <strong>do</strong>s comerciantes, <strong>do</strong>s motoristas, etc. As novenas que precediam à <strong>festa</strong><br />

eram vivenciadas por toda a comunida<strong>de</strong> sob a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses grupos que se<br />

encarregavam <strong>de</strong> enfeitar, arrumar, enfim trabalhar em tu<strong>do</strong> o que fosse preciso para<br />

ornamentação da igreja para as novenas:<br />

A comissão da <strong>festa</strong> nas novenas, se fosse a noite da novena das<br />

crianças, por exemplo, ia nas casas <strong>de</strong>ssas crianças arrecadava<br />

dinheiro e fazia a novena, e as crianças seriam homenageadas, o<br />

padre fazia a novena das crianças e assim acontecia com os vários<br />

grupos, na noite <strong>do</strong>s motoristas, que era a última tinha <strong>de</strong> acontecer<br />

no último dia havia um movimento muito gran<strong>de</strong>, tinha muita gente...<br />

( D. Diurcires, 63 anos, professora) 8<br />

A <strong>festa</strong> em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>, a qual atraía pessoas <strong>de</strong> diferentes<br />

grupos sociais, não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar as tensões e contradições locais. Ainda que<br />

houvesse uma confluência <strong>de</strong> pessoas tanto da zona rural quanto da urbana, e alguns<br />

testemunhos orais que falavam <strong>de</strong> uma suposta união, as diferenças se faziam presentes,<br />

as palavras <strong>de</strong> Dona Maria 9 evi<strong>de</strong>nciaram tal situação:<br />

As moças que vinham da zona rural para a <strong>festa</strong> se arrumavam com<br />

as melhores roupas, mas agente via que as daqui da cida<strong>de</strong> se<br />

arrumavam melhor, as da roça já tinham aquele jeito mesmo <strong>de</strong> lá. (<br />

D. Maria Santos, 72 anos)<br />

Vale ressaltar que participar da comissão organiza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> festejo em homenagem a<br />

Padroeira significava estar em evidência, pois os nomes <strong>de</strong>ssas pessoas apareciam em<br />

notas publicadas no jornal, era cita<strong>do</strong> pelos religiosos durante as missas, e também<br />

porque eram tais sujeitos que faziam os contatos necessários com as pessoas que<br />

ocupavam diferentes posições na socieda<strong>de</strong>. É interessante observar que nas décadas <strong>de</strong><br />

1930 e 1940, a comissão da <strong>festa</strong> era composta por pessoas que ocupavam posições <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque na socieda<strong>de</strong> local, tais <strong>como</strong> advoga<strong>do</strong>s, fazen<strong>de</strong>iros, profissionais liberais e<br />

proprietários <strong>de</strong> estabelecimentos comerciais. Tendência que continuou a prevalecer nos<br />

anos <strong>de</strong> 1950. Porém foi evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> um número maior <strong>de</strong> participação das mulheres,<br />

principalmente porque através <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos da paróquia percebe-se que há um maior<br />

número <strong>de</strong> mulheres nos movimentos religiosos da Matriz.<br />

OS RITUAIS SAGRADOS E SIMBÓLICOS NA HOMENAGEM A PADROEIRA<br />

As cerimônias religiosas na <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> – novenas, missas e a<br />

procissão – tinham diferentes tipos <strong>de</strong> rituais, porém por serem ritos fixos estabeleci<strong>do</strong>s<br />

pela Igreja Católica não eram tão divergentes <strong>de</strong> outras <strong>festa</strong>s religiosas <strong>do</strong> país.<br />

Segun<strong>do</strong> Petruski (2006),<br />

8 Dona Diurcires Mascarenhas Costa, 63 anos, Professora aposentada, informação obtida através<br />

<strong>de</strong> entrevista ocorrida no dia 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2008.<br />

9 Dona Maria Santos, 72 anos relatan<strong>do</strong> sobre situações em que era perceptível a <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong><br />

diferenças entre os participantes <strong>do</strong> festejo.


Os símbolos, <strong>como</strong> as imagens, estão presentes nos rituais e chegam até<br />

aos homens por meio <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, que trabalham a imaginação,<br />

geran<strong>do</strong> significa<strong>do</strong>s com intensida<strong>de</strong>s distintas <strong>de</strong> indivíduo para<br />

indivíduo, que po<strong>de</strong>m evocar, mani<strong>festa</strong>r e tornar presente uma outra<br />

realida<strong>de</strong> com um segun<strong>do</strong> significa<strong>do</strong>, indireto, figura<strong>do</strong>, escondi<strong>do</strong>,<br />

suscitan<strong>do</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação e uma energia transforma<strong>do</strong>ra,<br />

estabelecen<strong>do</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre aqueles que <strong>de</strong>les participam.<br />

A <strong>festa</strong> em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> constituiu-se <strong>como</strong> um acontecimento<br />

urbano que se encontrava sob a direção da igreja, a qual era composta por rituais que se<br />

dividiam em cerimônias religiosas e festejos profanos. A comemoração na igreja era<br />

antecedida pelas novenas, segun<strong>do</strong> Frei Beckauser, para os cristãos, as novenas <strong>de</strong>vem<br />

ser vistas <strong>como</strong> exercício <strong>de</strong> fé e oração. Sua origem é bíblica, estan<strong>do</strong> ligada à<br />

circunstância na qual a Mãe <strong>de</strong> Jesus, Maria, e os Apóstolos teriam permaneci<strong>do</strong> nove<br />

dias e nove noites em oração, aguardan<strong>do</strong> a vinda <strong>do</strong> Espírito Santo. Esse momento para<br />

muitas pessoas, relata-nos Dona Diurcires 10 , se configurava <strong>como</strong> “momento <strong>de</strong> pensar<br />

sobre a nossa vida e as coisas espirituais”.<br />

Durante a realização das novenas muitos cânticos eram entoa<strong>do</strong>s, com acompanhamento<br />

<strong>de</strong> instrumentos musicais e a visita <strong>de</strong> corais, a principal música a ser cantada era o hino<br />

a Padroeira. De acor<strong>do</strong> com PETRUSKI (2008), o canto constitui-se <strong>como</strong> um elemento<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para uma celebração litúrgica, pois expressa e ressalta a busca <strong>do</strong><br />

amparo material para o homem, a escolha <strong>de</strong> um cântico é <strong>de</strong> fundamental atenção <strong>do</strong>s<br />

representantes da igreja, pois são vistos <strong>como</strong> uma oração, ou mais precisamente nas<br />

palavras <strong>de</strong> Frei VIER (1968) são expressões <strong>de</strong> arte, ocupan<strong>do</strong> um lugar proeminente,<br />

fazen<strong>do</strong> parte necessária ou integrante da liturgia solene.<br />

Após as novenas, o encerramento <strong>do</strong> momento sagra<strong>do</strong> ocorria no adro da Igreja, nas<br />

quermesses, ou seja, <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> o momento profano. Estas dimensões<br />

constituem formas distintas <strong>de</strong> ser e viver no mun<strong>do</strong>, capazes <strong>de</strong> promover mudanças<br />

espaciais. Segun<strong>do</strong> Petruski (2008) são perspectivas que se opõem. O profano é o<br />

comum, o secular, algo <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> um significa<strong>do</strong> que remete à realida<strong>de</strong><br />

transcen<strong>de</strong>nte. O sagra<strong>do</strong> é aquilo que está à parte. Para Durkheim (1989),<br />

A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não <strong>de</strong>ve, não<br />

po<strong>de</strong> impunemente tocar. Certamente, essa interdição não po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>senvolver-se a ponto <strong>de</strong> tornar impossível toda comunicação entre<br />

os <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s; porque se o profano não pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong> nenhuma forma<br />

entrar em relação com o sagra<strong>do</strong>, esse não serviria para nada.<br />

Elia<strong>de</strong> (1999) ressalta que o homem tem conhecimento <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> porque ele se<br />

mani<strong>festa</strong> no mun<strong>do</strong> profano através da hierofania, ou seja, a revelação <strong>de</strong> alguma coisa<br />

sagrada na realida<strong>de</strong> vivenciada pelo homem. O autor concebe a hierofania <strong>como</strong>:<br />

10 Informação obtida através <strong>de</strong> entrevista concedida pela Sra. Diurcires Costa, no dia 20 <strong>de</strong><br />

outubro <strong>de</strong> 2008.


A mani<strong>festa</strong>ção <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> em que um objeto qualquer se torna<br />

‘outra coisa’ e, contu<strong>do</strong>, continua a ser ele mesmo, porque continua a<br />

participar <strong>do</strong> meio cósmico envolvente. Uma pedra sagrada não é<br />

menos pedra e aparentemente nada a distingue <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>mais.<br />

No entanto, para aqueles, cujos olhos, uma pedra se revela sagrada,<br />

sua realida<strong>de</strong> imediata transmuda-se numa realida<strong>de</strong> sobrenatural.<br />

Assim, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a<br />

natureza é suscetível <strong>de</strong> revelar-se <strong>como</strong> sacralida<strong>de</strong> cósmica. E, o<br />

Cosmo, na sua totalida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> tornar-se uma hierofania. (ELIADE,<br />

1999, p. 33)<br />

De acor<strong>do</strong> com Rosendahl “o sagra<strong>do</strong> também se mani<strong>festa</strong> no <strong>espaço</strong> por meio <strong>do</strong>s<br />

rituais <strong>de</strong> construção que representam repetições <strong>de</strong> hierofanias primordiais conhecidas”<br />

(ROSENDAHL, 1999, p.14). Para PETRUSKI (2008) nesse caso, o homem po<strong>de</strong><br />

vivenciar a sua mani<strong>festa</strong>ção quan<strong>do</strong> participa <strong>de</strong> cerimônias litúrgicas, as quais<br />

canalizam a experiência <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> e lhe fornecem a moldura, <strong>como</strong> é o caso das<br />

novenas, das missas e da procissão.<br />

A dimensão profana da <strong>festa</strong> religiosa em Itaberaba, acontecia a partir <strong>de</strong>ssas<br />

quermesses e as homenagens <strong>do</strong> vaqueiro, ou melhor, das <strong>festa</strong>s populares. O jornal O<br />

ITABERABA trazia em suas manchetes, notician<strong>do</strong> as corridas <strong>de</strong> argolinhas, as<br />

barracas <strong>de</strong> comidas e jogos, a apresentação <strong>do</strong> bumba-meu-boi, assim <strong>como</strong>, as<br />

filarmônicas que entoavam várias músicas para as pessoas.<br />

Naquele momento acontecia uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações e relações, as quais<br />

evi<strong>de</strong>nciaram traços daquela socieda<strong>de</strong>. Na quermesse podiam ser vistos os cidadãos<br />

mais ricos da cida<strong>de</strong>, mistura<strong>do</strong>s aos mais simples, os políticos trafegavam<br />

tranquilamente com seus familiares. Havia as barraquinhas <strong>de</strong> jogos, nas quais as<br />

pessoas se divertiam muito, além <strong>de</strong>stas a <strong>de</strong> comidas que eram vendidas, e o dinheiro<br />

arrecada<strong>do</strong> com a venda era direciona<strong>do</strong> para as obras da igreja e para a <strong>festa</strong> <strong>do</strong><br />

próximo ano.<br />

Aconteciam também as apresentações teatrais cujos enfoques textuais perpassavam por<br />

temáticas relacionadas a assuntos religiosos. A narrativa <strong>de</strong> D. Guiomar evi<strong>de</strong>ncia tais<br />

situações:<br />

Em um palco arma<strong>do</strong> tinha umas apresentações, eu me lembro que<br />

teve uma vez que se apresentou umas pessoas, e tinha umas que<br />

estavam vestidas <strong>de</strong> diabo e que vinha atentar as outras, eu sei que eu<br />

fiquei com me<strong>do</strong>. Essas apresentação <strong>de</strong> teatro sempre tinha a ver<br />

com as coisas da igreja. (D. Guiomar, 77 anos) 11<br />

Havia também as apresentações <strong>de</strong> cantores, as músicas cantadas envolviam um<br />

repertório varia<strong>do</strong> tanto <strong>de</strong> músicas religiosas <strong>como</strong> seculares. Algumas pessoas<br />

11 Entrevista ocorrida com a Sra. Guiomar Alves, 77 anos, no dia 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2008.


dançavam, porém tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma contida, pois não po<strong>de</strong>ria haver excessos, já que os<br />

padres estavam por perto sempre atentos a tu<strong>do</strong> que ocorriam.<br />

Todas as situações que geradas na quermesse eram momentos propícios à dinamização<br />

<strong>de</strong> relações sociais, pois diferentes interesses circulavam e eram compartilha<strong>do</strong>s. A<br />

representativida<strong>de</strong> nos momentos da quermesse expressava o universo social, político e<br />

religioso da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaberaba.<br />

No dia <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> oficialmente para homenagear <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>, a<br />

comemoração em Itaberaba começava bem ce<strong>do</strong>, com a alvorada festiva, momento em<br />

que também havia uma queima <strong>de</strong> fogos e quan<strong>do</strong> o tocar <strong>do</strong> sino chamava a atenção <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s para a missa. Isto se configurava <strong>como</strong> momento da espetacularização, ou seja, o<br />

excessivo barulho alcançaria gran<strong>de</strong>s distâncias. Essa alvorada matinal,<br />

Está ligada com o tempo <strong>do</strong>s favores divinos e da justiça humana.<br />

Simboliza o tempo em que a luz ainda está pura, os inícios, on<strong>de</strong><br />

nada ainda está corrompi<strong>do</strong>, perverti<strong>do</strong> ou comprometi<strong>do</strong>. A manhã é<br />

ao mesmo tempo símbolo <strong>de</strong> pureza e <strong>de</strong> promessa: é a hora da vida<br />

paradisíaca e da confiança em si, nos outros e na existência.<br />

(CHEVALIER, 1992, p.27)<br />

Para essa missa que ocorria nas primeiras horas da manhã, o templo <strong>de</strong>veria estar bem<br />

prepara<strong>do</strong> para as celebrações <strong>do</strong> dia assim a igreja recebia uma ornamentação ostensiva<br />

para receber as pessoas. Nos bancos principais eram postos arranjos <strong>de</strong> flores que<br />

também ficavam na porta principal. Era coloca<strong>do</strong> um tapete estendi<strong>do</strong> até o altar e a<br />

representação da Padroeira, que ficava localizada no la<strong>do</strong> direito. A imagem era<br />

enfeitada com muitos arranjos <strong>de</strong> flores <strong>de</strong>licadas, muitas <strong>de</strong>stas vinham exclusivamente<br />

<strong>de</strong> Feira <strong>de</strong> Santana. Um fato interessante é que na década <strong>de</strong> 1950, as comissões da<br />

<strong>festa</strong> <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong> muitas vezes queriam enfeitar a Santa com flores apenas <strong>de</strong> uma cor,<br />

assim para a cerimônia mandavam buscá-las na capital <strong>como</strong> evi<strong>de</strong>nciou Dona Diurcires<br />

Costa 12 . Outros presentes <strong>como</strong>: vasos, maços ou flores individuais e velas eram<br />

colocadas próximas a Santa. Para a Igreja, a vela simboliza direção e luz.<br />

A imagem da Santa, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> o seu tamanho, ficava em <strong>de</strong>staque em relação às <strong>de</strong>mais<br />

existentes no interior da Igreja, já que é a Padroeira da cida<strong>de</strong>. A primeira missa <strong>do</strong> dia<br />

era celebrada logo às 07:00, ocorren<strong>do</strong> a missa solene às 10:00 horas 13 . É importante<br />

ressaltar que a <strong>festa</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> em Itaberaba evi<strong>de</strong>nciou uma cartografia <strong>de</strong> classes. Na<br />

voz <strong>de</strong> D. Guiomar Alves:<br />

12 Entrevista com a Sra. Diurcires M. Costa, 63 anos, professora aposentada, que conce<strong>de</strong>u seu<br />

testemunho no dia 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2008.<br />

13 BECKHAUSER ressalta que a missa ou celebração eucarística é um ato solene com que os<br />

católicos celebram o sacrifício <strong>de</strong> Jesus Cristo na cruz, recordan<strong>do</strong> a última ceia. Vem <strong>do</strong> latim Mitere,<br />

que significa enviar, remeter, e tem o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> missão. Os primeiros nomes da<strong>do</strong>s pelos cristãos a esta<br />

cerimônia foram Ceia <strong>do</strong> Senhor e Fração <strong>do</strong> Pão .( BECKHAUSER, 2006, p. 29)


As pessoas mais comuns <strong>como</strong> eu, agente gostava <strong>de</strong> ir mais na missa<br />

bem cedinho, pois a <strong>de</strong> <strong>de</strong>z da manhã era muito luxuosa, não é que<br />

agente não fosse na <strong>de</strong> <strong>de</strong>z não, tinha gente mais humil<strong>de</strong> que ia, eu já<br />

fui mas ficava lá no meu canto quietinha (...) Agora agente arranjava<br />

a melhor roupa para vestir, tanto nas novenas <strong>como</strong> na missa e na<br />

procissão (D. Guiomar Alves, 77 anos)<br />

As indumentárias e a posição social <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>marcavam seus lugares no festejo,<br />

principalmente nas cerimônias religiosas, on<strong>de</strong> nos primeiros bancos sempre se<br />

sentavam os mais abasta<strong>do</strong>s, <strong>como</strong> os políticos e famílias com significativas posses.<br />

O inicio da cerimônia solene geralmente ocorria com a entrada da cruz levada pelo<br />

sacristão, e logo em seguida vinham os celebrantes e outras pessoas que traziam o pão,<br />

o vinho e o Missal 14 . Os <strong>de</strong>votos recebiam o programa referente à missa, porém a cada<br />

ano mudanças eram feitas, e tu<strong>do</strong> o que fosse ocorrer <strong>como</strong> as leituras <strong>do</strong>s textos<br />

religiosos 15 e os cânticos <strong>de</strong>veriam passar pela aprovação <strong>do</strong> Pároco, pois tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>veria<br />

estar relaciona<strong>do</strong> com a vida da Santa. Toda a linguagem que ocorre nesse momento é<br />

simbólica,<br />

Sen<strong>do</strong> que os cristãos, para sua comunicação com Deus <strong>de</strong>la<br />

participam <strong>de</strong> diferentes formas, pois, nesse ritual, além <strong>de</strong> ouvirem a<br />

palavra fazem uso <strong>de</strong> gestos e sinais através <strong>do</strong>s quais se busca a<br />

unicida<strong>de</strong> coletiva. (PETRUSKI, 2008, p.161)<br />

To<strong>do</strong>s esses gestos e posturas que ocorreram nesse momento não se configuram apenas<br />

em relações linguísticas, mas também uma situação que envolve o po<strong>de</strong>r simbólico 16 .<br />

As práticas simbólicas que ocorreram na missa, <strong>como</strong> a celebração no altar 17 , as leituras,<br />

os gestos, os can<strong>de</strong>labros com as velas acesas, o ritual <strong>do</strong> incenso, no qual o altar é<br />

ungi<strong>do</strong> pelo Pároco, esse ato torna-o mais sacraliza<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s esses simbolismos<br />

influenciam os senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ser humano, nesse momento é possível estar mais próximo<br />

da Santa tornan<strong>do</strong>-se assim mais puro e santifica<strong>do</strong>, além disso, esta é uma celebração<br />

mais coletiva e expressiva. Para a Igreja e para o homem são formas <strong>de</strong> estar e falar com<br />

Deus.<br />

14 De acor<strong>do</strong> com PETRUSKI O Missal Romano foi promulga<strong>do</strong> pelo Papa Pio V, em 1570.<br />

Nele estão as normas para a celebração eucarística que vigoraram até a realização <strong>do</strong> Concílio Vaticano<br />

II, que promulgou os fundamentos da reforma geral <strong>do</strong> Missal, cujos textos e os ritos <strong>de</strong>veriam ser<br />

or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a exprimirem mais claramente as realida<strong>de</strong>s sagradas que eles significam, estan<strong>do</strong><br />

mais próximos <strong>do</strong>s cristãos. PETRUSKI, 2008, p.158<br />

15 PETRUSKI salienta que as primeiras publicações <strong>de</strong> missais e textos litúrgicos em latim,<br />

aconteceram no início <strong>do</strong> século XVIII, <strong>como</strong> meio <strong>de</strong> facilitar a participação <strong>do</strong>s fiéis na celebração, para<br />

tanto eles <strong>de</strong>veriam adquiri-los, pois assim participariam no ato litúrgico. Muitos compravam somente<br />

para tê-lo consigo <strong>como</strong> um objeto sagra<strong>do</strong>, pois não conseguiam lê-lo porque o índice <strong>de</strong> pessoas que<br />

não possuíam acesso à leitura era bastante alto. ( PETRUSKI,2008, p.162)<br />

16 BOURDIEU, Pierre. A economia da trocas simbólicas. São Paulo. Editora da EDUSP.1998, p.<br />

23-24.<br />

17 BECHAUSER salienta que este é o lugar <strong>de</strong> sacrifício, ele é antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> a mesa sagrada da<br />

ceia <strong>do</strong> Senhor, intimamente ligada ao sacrifício da cruz, por isso ele merece reverência, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser<br />

visto <strong>como</strong> uma mesa qualquer (2006, p.32)


Segun<strong>do</strong> AZEVEDO (1969),<br />

O ritual da missa, a partir <strong>do</strong> século XVII, começou a não ser mais<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> <strong>como</strong> um exercício <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção individual, mas sim<br />

<strong>como</strong> um ato que exige a participação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s. Para tanto, algumas<br />

medidas foram a<strong>do</strong>tadas para fazer com que os assistentes se<br />

tornassem participantes <strong>do</strong> mistério celebra<strong>do</strong>. A primeira diz<br />

respeito à mudança <strong>de</strong> posição <strong>do</strong> altar, favorecen<strong>do</strong> a visão <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

que estão no interior da Igreja, <strong>de</strong>ssa forma a utilização <strong>do</strong> púlpito<br />

para a realização da homilia foi suprimida. (AZEVEDO, 1969, p.25)<br />

Na missa ocorria também a Homilia, na qual o Sacer<strong>do</strong>te realizava a pregação que<br />

enfatizava geralmente sobre a boa maneira <strong>de</strong> se viver em socieda<strong>de</strong>, além é claro <strong>do</strong>s<br />

valores morais e espirituais. Assim, a Homilia era o momento propício para que os<br />

homens pu<strong>de</strong>ssem se relacionar mais intimamente com os princípios divinos, além<br />

disso, por meio <strong>de</strong>ssa linguagem espiritual, “garantir a uniformização <strong>de</strong><br />

comportamentos entre os cristãos, agin<strong>do</strong> contra a influência <strong>do</strong> esquecimento, haja<br />

vista a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas que participavam da <strong>festa</strong>” (PETRUSKI, 2008, p.164).<br />

O sacer<strong>do</strong>te sempre ocupou nesses momentos <strong>de</strong> celebração religiosa o lugar central,<br />

em Itaberaba comumente era consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um ser santo, digno <strong>de</strong> to<strong>do</strong> respeito. Brandão<br />

salienta que o Padre,<br />

Tanto nas missas <strong>como</strong> em outros locais <strong>de</strong> atuação, o sacer<strong>do</strong>te age<br />

<strong>como</strong> o representante legítimo da Igreja institucionalizada. Na prática<br />

religiosa na cida<strong>de</strong> legitima os valores da sua or<strong>de</strong>m social. Ele se<br />

consi<strong>de</strong>ra o possui<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s meios e <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s legítimos <strong>de</strong><br />

manipulação local <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> no campo específico <strong>do</strong> religioso. (<br />

BRANDÃO, 1985, p. 124)<br />

Após a missa, na parte da tar<strong>de</strong> ocorria à procissão, a qual marcava a culminância da<br />

<strong>festa</strong> evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> uma rica ostentação tanto pelas vestimentas, quanto pelos an<strong>do</strong>res,<br />

<strong>como</strong> pelas alas. Em relação ao vestir-se, o perío<strong>do</strong> contempla<strong>do</strong> nesta pesquisa, 1920-<br />

1954, percebe-se a utilização <strong>do</strong> véu por parte das mulheres. Além <strong>do</strong>s vesti<strong>do</strong>s, os véus<br />

simbolizavam não apenas a hierarquia social, a qual pertencia, mas também a condição<br />

civil, ou seja, as mulheres casadas usavam o véu preto e as solteiras o véu branco. O<br />

Sacer<strong>do</strong>te aqui em Itaberaba, <strong>como</strong> em outras paróquias brasileiras, em relação à<br />

vestimenta, usava roupas brancas. Segun<strong>do</strong> Petruski (2008) esse ato simbolizava os<br />

mistérios celebra<strong>do</strong>s, que se referem aos diversos tempos litúrgicos.<br />

A procissão em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> em Itaberaba ocorria fora <strong>do</strong><br />

Templo e a mesma refletia diversas representações sociais. Naquele momento o <strong>de</strong>voto<br />

po<strong>de</strong>ria exercer sua veneração e ao mesmo tempo expressar seus sentimentos, anseios e<br />

aliviar suas tensões pessoais fosse através das posições ocupadas na procissão, ou nas<br />

i<strong>de</strong>alizações <strong>de</strong> estar próximo <strong>do</strong> Santo. Damatta (1986) concebe essa prática <strong>como</strong><br />

especial, pois


Nela se observam, num mesmo instante, elementos sagra<strong>do</strong>s e<br />

profanos que se mesclam, porque a imagem <strong>do</strong> Santo está com o<br />

povo. E é quem recebe na rua, e não na Igreja, suas orações, cânticos<br />

e penitências. (DAMATTA, 1986, p.65)<br />

De acor<strong>do</strong> com AMARAL (1998) as práticas das procissões iniciaram-se no Brasil a<br />

partir <strong>do</strong>s Jesuítas no governo geral <strong>de</strong> Tomé <strong>de</strong> Souza (1549-1553). Ao longo <strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> colonial, tais mani<strong>festa</strong>ções se constituíram <strong>de</strong> diferentes formas, Priore (1994)<br />

ressalta que muitas <strong>de</strong>las ocorreram através <strong>de</strong> autos e dramatizações que brincava com<br />

o imaginário coletivo através das representações nelas apresentadas. Em Itaberaba essas<br />

teatralizações não ocorriam <strong>de</strong> forma tão profana. No entanto, não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar<br />

os senti<strong>do</strong>s e as expressões próprias que cada participante vivenciava naquele momento.<br />

Como ressalta Priore, sobre a <strong>festa</strong> religiosa:<br />

Expressão teatral <strong>de</strong> uma organização social, a <strong>festa</strong> também é fator<br />

político, religioso ou simbólico. Os jogos, as danças e as músicas que<br />

a recheiam não só significam <strong>de</strong>scanso, prazeres e alegria durante sua<br />

realização, mas têm importante função social: permitem (...) aos<br />

especta<strong>do</strong>res e atores introjetar valores e normas <strong>de</strong> vida coletiva,<br />

partilhar sentimentos coletivos e conhecimentos comunitários.¨<br />

(PRIORE, 1994, p.10)<br />

Os an<strong>do</strong>res exteriorizavam ostentação e sacralização e eram ornamenta<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong><br />

vários objetos, o da Padroeira era o principal. Segun<strong>do</strong> Chartier a imagem se configura<br />

“<strong>como</strong> instrumento <strong>de</strong> um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente através<br />

da sua substituição por uma imagem capaz <strong>de</strong> o reconstruir em memória e <strong>de</strong> o figurar<br />

tal <strong>como</strong> ele é” (CHARTIER, 1985, p.20).<br />

Muitos aqui em Itaberaba disputavam quem levaria tal an<strong>do</strong>r, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser qualquer<br />

pessoa que fazia parte <strong>do</strong>s segmentos sociais da cida<strong>de</strong>. Toda a procissão era<br />

acompanhada por músicas sacras, cantadas por to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>votos, vale ressaltar, que toda<br />

a cida<strong>de</strong> era conclamada a se preparar para a passagem da Santa. O periódico <strong>de</strong> 1945<br />

noticiou tal fato,<br />

Ouçam o nosso apelo: To<strong>do</strong>s os habitantes da cida<strong>de</strong> além da pintura<br />

das suas casas enfeitem as fachadas das mesmas com flores,<br />

ban<strong>de</strong>irinhas e tapetes para a passagem da bela procissão <strong>de</strong> <strong>do</strong>mingo<br />

dia 21 <strong>de</strong> outubro, dia <strong>do</strong> encerramento da Festa <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong>, da Festa<br />

<strong>de</strong> Itaberaba ( O ITABERABA, 1945, p. 08)<br />

O Pároco Campeiro <strong>de</strong> Souza já na década <strong>de</strong> 1920 evi<strong>de</strong>ncia nos registros da Paróquia<br />

o momento ímpar da procissão<br />

A tar<strong>de</strong> às cinco horas sahiu em artístico an<strong>do</strong>r a imagem da<br />

padroeira que percorreu as principais ruas da cida<strong>de</strong> abençoan<strong>do</strong> os<br />

seus <strong>de</strong>votos. A noite às oito horas proce<strong>de</strong>u-se a coroação da Virgem<br />

<strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> cujo acto produziu uma <strong>como</strong>ção imensa aos fiéis. A<br />

<strong>Senhora</strong> <strong>de</strong>sceu <strong>de</strong> seu trono por um aparelhamento feito<br />

engenhosamente pelo zeloso Frei João Baptista para ser coroada por


duas inocentes crianças (...) Nunca se viu nesta freguesia uma<br />

concorrência igual: foi a voz geral... ( LIVRO DE TOMBO, 1926, p.<br />

15)<br />

Na realização <strong>de</strong>ssa prática percebia um envolvimento muito gran<strong>de</strong> entre as pessoas,<br />

sen<strong>do</strong> caracteriza<strong>do</strong> <strong>como</strong> fenômeno comunitário, contu<strong>do</strong> as disposições hierárquicas<br />

se faziam presentes. Dona Guiomar Alves 18 ao falar sobre a Procissão ressaltou sobre os<br />

lugares que cada grupo ocupava na mesma sem perceber que tais posições, na verda<strong>de</strong>,<br />

obe<strong>de</strong>ciam a uma específica hierarquia:<br />

Logo na parte da frente vinha os padres que guiava a procissão,<br />

<strong>de</strong>pois vinha os andô com as pessoas que já tinha visto antes para<br />

carregar, também tinha umas crianças que se vestia <strong>de</strong> anjo e atrás<br />

<strong>de</strong>las vinha umas meninas mocinhas que era as cruzadinhas, ai vinha<br />

as autorida<strong>de</strong>s e pessoas <strong>de</strong> famílias importantes da cida<strong>de</strong> e atrás <strong>de</strong><br />

tu<strong>do</strong> to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. ( D. Guiomar Alves, 77 anos)<br />

É relevante <strong>de</strong>stacar também que havia uma diversificação no conjunto da Procissão,<br />

além <strong>de</strong> crianças vestidas <strong>de</strong> anjos 19 , integrantes <strong>de</strong> grupos religiosos <strong>de</strong>ntro da Igreja:<br />

<strong>como</strong> as Filhas <strong>de</strong> Maria, a cruzada eucarística e outros vestiam roupas da mesma cor, o<br />

que po<strong>de</strong>ria simbolizar as cores <strong>do</strong>s movimentos religiosos ao qual pertenciam. Estavam<br />

presentes nesse momento, músicas, orações <strong>do</strong> terço e ladainhas. As pessoas seguiam o<br />

percurso saciadas com aquele momento sagra<strong>do</strong>, e cumprin<strong>do</strong>-o completava-o com a<br />

coroação da Padroeira e uma salva <strong>de</strong> palmas finalizan<strong>do</strong> aquela etapa festiva.<br />

Os preparativos para a próxima homenagem começavam quan<strong>do</strong> terminavam as<br />

festivida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> ano vigente, momento no qual se fazia um balanço da <strong>festa</strong> que findava<br />

e se apontavam, ainda que <strong>de</strong> maneira informal, possibilida<strong>de</strong>s para o próximo ano.<br />

Neste último momento, também eram escolhi<strong>do</strong>s os próximos dirigentes para a próxima<br />

<strong>festa</strong>. Aos escolhi<strong>do</strong>s caberia organizar a estrutura geral <strong>do</strong> evento, ou seja, programar<br />

as reuniões em que seriam discutidas as propostas, montagem <strong>de</strong> equipes <strong>de</strong> pessoas<br />

para trabalhos <strong>de</strong> iluminação, ornamentação da igreja: a escolha das flores, das toalhas,<br />

<strong>do</strong>s convida<strong>do</strong>s, além <strong>de</strong>stes, também entrava na pauta <strong>de</strong> discussão a <strong>festa</strong> fora <strong>do</strong><br />

âmbito <strong>do</strong> templo: montagem das barraquinhas <strong>de</strong> comidas, jogos e bebidas, as<br />

18 Entrevista com a Sra. Guiomar Alves, 77 anos, no dia 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2008.<br />

19 Segun<strong>do</strong> PETRUSKI no Brasil a prática <strong>de</strong> vestir crianças <strong>de</strong> anjos para participarem <strong>de</strong><br />

procissões se remete a presença <strong>do</strong>s jesuítas, que foram os responsáveis pela implantação <strong>de</strong>ssa prática<br />

durante o perío<strong>do</strong> colonial. Os inacianos vestiam os órfãos portugueses <strong>de</strong> anjinhos e punha-os para<br />

tanger instrumentos em procissões sertão a<strong>de</strong>ntro, a fim <strong>de</strong> atraírem pessoas para questões da fé. Essa era<br />

uma herança <strong>do</strong> catolicismo português, pois, em Portugal, as crianças já acompanhavam as procissões<br />

fazen<strong>do</strong> cantorias e louvores aos santos. A valorização da criança na Igreja Católica <strong>de</strong>sponta entre os<br />

séculos XVII e XVIII, seguin<strong>do</strong> a trilha da Reforma Religiosa, que a colocou <strong>como</strong> o centro das<br />

preocupações da socieda<strong>de</strong> cristã, relacionan<strong>do</strong>-a a um elemento fortalece<strong>do</strong>r <strong>do</strong> casamento e da família.<br />

Foi nesse perío<strong>do</strong> que o culto ao Menino Jesus foi cria<strong>do</strong> e introduzi<strong>do</strong> <strong>como</strong> mais um <strong>do</strong>s rituais <strong>de</strong>ssa<br />

instituição . In: (PRIORE, 1994, p. 56 )


apresentações teatrais e musicais, fazer a divulgação <strong>do</strong> evento, enfim todas as medidas<br />

possíveis para o próximo ano.<br />

A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NA EXPERIÊNCIA DO SAGRADO<br />

A <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> tinha que ser um acontecimento notório, Reis<br />

(1991) evi<strong>de</strong>ncia que numa:<br />

Visão barroca <strong>do</strong> catolicismo, o santo não se contenta com a prece<br />

individual. Sua intercessão será tão eficaz quanto maior for a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos <strong>de</strong> se unirem para homenageá-lo <strong>de</strong><br />

maneira espetacular. (REIS, 1991, p.61).<br />

Assim, acontecia evocan<strong>do</strong> uma série <strong>de</strong> operações profanas e sagradas ao mesmo<br />

tempo, no interior e fora da igreja, na procissão, enfim toda uma liturgia e simbolismos.<br />

Segun<strong>do</strong> Woodward (2008) “a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é marcada por meio <strong>de</strong> símbolos”; Cada<br />

grupo que participava <strong>do</strong> festejo através das representações simbólicas encontrava<br />

senti<strong>do</strong> e significação <strong>de</strong> suas experiências e <strong>de</strong> quem eram os mesmos. Os vaqueiros,<br />

por exemplo, ao estarem naquele momento vesti<strong>do</strong>s a caráter <strong>de</strong>sfilan<strong>do</strong> pelas ruas,<br />

participan<strong>do</strong> da <strong>de</strong>voção à Padroeira davam senti<strong>do</strong> as suas próprias posições.<br />

Na <strong>festa</strong> as relações sociais eram produzidas e reproduzidas por meio <strong>do</strong>s rituais e<br />

símbolos, os quais corporificavam as normas e os valores sociais, levan<strong>do</strong> assim a uma<br />

“unificação cultural” DURKHEIM (1989). O tempo <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ração a Santa congregava<br />

uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong> referenciais <strong>sócio</strong>-culturais, no qual os senti<strong>do</strong>s para<br />

ser e estar no mun<strong>do</strong> social eram construí<strong>do</strong>s. A varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> idéias e valores eram<br />

cognitivamente apropria<strong>do</strong>s e compartilha<strong>do</strong>s. Mesmo na distinção <strong>do</strong>s i<strong>de</strong>ais <strong>do</strong>s<br />

grupos ali presentes: ricos e pobres, mulheres e homens, religiosos e não religiosos,<br />

Há certo grau <strong>de</strong> consenso sobre <strong>como</strong> classificar as coisas a fim <strong>de</strong><br />

manter alguma or<strong>de</strong>m social. Esses sistemas partilha<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

significação são, na verda<strong>de</strong>, o que se enten<strong>de</strong> por cultura: a mesma<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s valores públicos, padroniza<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>,<br />

serve <strong>de</strong> intermediação para a experiência <strong>do</strong>s indivíduos. Ela<br />

fornece, antecipadamente, algumas categorias básicas, um padrão<br />

positivo, pelo qual as idéias e valores são higienicamente or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s.<br />

E, sobretu<strong>do</strong>, ela tem autorida<strong>de</strong>, uma vez que cada um é induzi<strong>do</strong> a<br />

concordar por causa da concordância <strong>do</strong>s outros. (DOUGLAS, 1966,<br />

p.38-39)<br />

Aquele momento expressava uma linguagem por meio da qual, através das posturas,<br />

símbolos, rituais e relações sociais, as pessoas falavam <strong>de</strong>las mesmas e sobre seus<br />

lugares no mun<strong>do</strong> encontravam assim, pertencimento e significação.<br />

As pessoas durante a <strong>festa</strong> na sua relação com o sagra<strong>do</strong> participavam <strong>de</strong> um tempo, o<br />

qual exercia <strong>como</strong> função primordial a reatualização <strong>do</strong> tempo mítico, reversível e<br />

recuperável. No momento festivo <strong>de</strong>vocional, o fiel evocava e recriava o tempo inicial.<br />

Destarte vivenciar o tempo da <strong>festa</strong> religiosa não significava apenas a comemoração <strong>de</strong>


um acontecimento, mas a sua reatualização, uma forma <strong>de</strong> reviver o tempo original e<br />

promover a purificação. (COUTO, 2006, p. 1-2)<br />

Couto ainda salienta que na experiência com o sagra<strong>do</strong> no tempo da <strong>festa</strong> o ritmo<br />

regular <strong>do</strong> cotidiano é quebra<strong>do</strong>, ali ocorrem sociabilida<strong>de</strong>s e o sentimento <strong>de</strong><br />

pertencimento e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> em um especifico grupo social. Estar naquele momento para<br />

muitos significava uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> motivações, fossem religiosas ou sociais. Como<br />

evi<strong>de</strong>nciou D. Guiomar Alves 20<br />

Fazer a <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> pra muita gente era uma<br />

forma <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer pelas coisas que Ela dava, no tempo que era <strong>de</strong><br />

muita seca, eu me lembro que agente rogava muito pra Santa mandar<br />

chuva e muitas vezes as preces da gente era atendida, outras vezes<br />

não, mas <strong>de</strong>via ser porque nós não tava correto nas coisas da vida,<br />

mas ela era boa.<br />

Outras i<strong>de</strong>alizações se refletiam também naquele <strong>espaço</strong>, <strong>como</strong> a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> conseguir estabelecer um eixo <strong>de</strong> ligação entre o céu e a terra, pois para muitos era<br />

um privilégio estarem presentes na a<strong>do</strong>ração a Santa, porque a relação com o sagra<strong>do</strong><br />

po<strong>de</strong>ria ser direta e mais próxima. Muitos também viam ali a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas<br />

relações fossem <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s ou não, ou ainda o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> serem vistos ou ouvi<strong>do</strong>s,<br />

Dona Joselita Costa 21 , relembra que:<br />

As pessoas que participavam da comissão buscavam através <strong>de</strong> vários<br />

meios, <strong>como</strong> as rifas, baten<strong>do</strong> nas portas angariar recursos para a<br />

<strong>festa</strong>, e tais pessoas eram muito respeitadas e era gente membro da<br />

igreja e <strong>de</strong> respeito na socieda<strong>de</strong>. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabia quem eram os<br />

organiza<strong>do</strong>res.<br />

Interesses políticos e <strong>de</strong>staque social eram também evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s no festejo. Alguns<br />

exemplares <strong>do</strong> jornal “O Itaberaba”, traziam a relação das pessoas que haviam <strong>do</strong>a<strong>do</strong><br />

algum bem ou estavam empenha<strong>do</strong>s na realização da celebração:<br />

O Sr. Vigário entusiasma<strong>do</strong> com os seus preza<strong>do</strong>s paroquianos,<br />

entregou-nos a lista abaixo para ser publicada. Pessoas que ofereceram<br />

garrotes: Drs. José Dias Laranjeira, Antonio Leone, Antonio Saraiva e<br />

Almir Mata Pires; Coronéis: Joaquim M. Sampaio, Ismael Boaventura,<br />

Ramiro Pimentel (...). DIGNO DE NOTA: Quantias oferecidas à<br />

Matriz, alguns <strong>do</strong>s quais várias vezes já haviam <strong>do</strong>a<strong>do</strong><br />

satisfatoriamente, Cel. Luiz Serra e Dr. Renato Cincurá... (O<br />

ITABERABA,1945, p. 11)<br />

Enfim a celebração a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> em Itaberaba para cada um <strong>do</strong>s<br />

participantes possuiu diversas funções e significa<strong>do</strong>s, as pessoas regozijavam-se na<br />

alegria <strong>de</strong> cumprir o trato com a Santa e ao mesmo tempo vivenciar uma multiplicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> situações que os saciavam. Contu<strong>do</strong>, as suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s foram construídas ou<br />

20 Informação com a Sra. Guiomar Alves, 77 anos, no dia 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2008.<br />

21 A Sra. Joselita Mascarenhas Costa, 65 anos, Professora aposentada atualmente resi<strong>de</strong>nte à<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vitória da Conquista era participante ativa da <strong>festa</strong>, participan<strong>do</strong> da organização da mesma.<br />

Informação obtida no dia 10 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008.


econstruídas a partir <strong>de</strong> suas relações com o sagra<strong>do</strong> que as dinamizou a partir <strong>de</strong><br />

rituais e simbolismos que expressavam diversas experiências e sentimentos no mun<strong>do</strong><br />

social.<br />

A <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> em Itaberaba em sua multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas e<br />

movimentos, postulou experiências e consequentemente significações. Através <strong>de</strong>la os<br />

sujeitos sociais exprimiram seu po<strong>de</strong>r imaginativo e criativo, saciaram seus anseios<br />

sociais através das suas várias performances, pu<strong>de</strong>ram chegar mais próximo <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong>.<br />

A <strong>festa</strong> lhes possibilitou uma relação entre o mun<strong>do</strong> festivo religioso, através <strong>de</strong>la<br />

imprimiram seus sentimentos e idéias, encontraram senti<strong>do</strong> e significação para o seu<br />

existir e para o seu universo social.<br />

A dinâmica da festivida<strong>de</strong> em louvor a <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong> evi<strong>de</strong>nciou que tanto<br />

na preparação <strong>do</strong> corpo espiritual com as novenas, a missa e a procissão, <strong>como</strong> nos<br />

momentos profanos, o envolvimento da população era intenso. A cada culminância <strong>de</strong><br />

um festejo, o próximo já era anuncia<strong>do</strong> e intima<strong>do</strong> através da queima <strong>de</strong> fogos a<br />

proporcionar o brilhantismo daquela que terminava, mas não se encerrava ali, pois os<br />

seus participantes levavam da mesma as interações, sociabilida<strong>de</strong>s e significações. Na<br />

<strong>festa</strong> e fora <strong>de</strong>la papéis foram <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s e re<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>sejos foram alcança<strong>do</strong>s ou<br />

modifica<strong>do</strong>s, mas enfim a experiência era válida.<br />

Suce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> seus rituais litúrgicos e simbólicos, marcada pelos hinos, rezas,<br />

apresentações, atos <strong>de</strong> contrição e interesses particulares a <strong>festa</strong> <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Rosário</strong> interferiu, modificou e (re)construiu experiências sociais e culturais na<br />

socieda<strong>de</strong> itaberabense.


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l Dona Guiomar Alves <strong>do</strong>s Santos, 77 anos. Entrevista realizada em 19/ 09/ 2008<br />

l Joselita Mascarenhas Costa, 65 anos. Entrevista realizada em 10 /08/ 2008<br />

l Maria Silva Santos, 72 anos. Entrevista realizada em 15 /07/ 2008.<br />

Jornais<br />

l O Itaberaba – Diretores: M. Fagun<strong>de</strong>s & Irmãos: 1926, 1928, 1934, 1940, 1942, 1944,<br />

1945, 1946, 1948, 1950, 1952, 1954.<br />

Paróquia <strong>de</strong> <strong>Nossa</strong> <strong>Senhora</strong> <strong>do</strong> <strong>Rosário</strong><br />

l Livros <strong>de</strong> Tombo ( Secretaria Eclesiática da Diocese <strong>de</strong> Itaberaba): 1918 - 1950

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