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Histórias e Estórias do Araranguá - História de Nossa Família

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<strong><strong>História</strong>s</strong> e <strong>Estórias</strong> <strong>do</strong> <strong>Araranguá</strong><br />

Santa Maria, setembro <strong>de</strong> 1995<br />

Guinarte Campos<br />

Hoje vou tentar iniciar uma pequena história, e talvez sirva como<br />

complemento para as memórias <strong>de</strong> meu avô Bernardino <strong>de</strong> Senna Campos.<br />

Primeiras lembranças datam <strong>de</strong> 1928 ou 29 e o local é Jaguaruna, pouca coisa,<br />

estamos em um pátio, sob um pessegueiro em visita a uma vizinha que me<br />

convida para comer pêssegos. Eram ver<strong>de</strong>s e ela dizia que se <strong>de</strong>via <strong>de</strong>scascar e<br />

colocar um pouco <strong>de</strong> sal. Recor<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma on<strong>de</strong> tia Judite era professora. Foi em<br />

Jaguaruna que nasceu o mano Mozart (Lilo).


Depois <strong>de</strong> Jaguaruna fomos morar em Tubarão. Foi lá que vi pela primeira<br />

vez um automóvel e lembro ter fica<strong>do</strong> cuidan<strong>do</strong> para <strong>de</strong>scobrir como ele fazia a<br />

volta numa rua tão estreita. Não imaginava que podia dar marcha à ré. Lembro<br />

termos mora<strong>do</strong> num sobra<strong>do</strong> e <strong>de</strong>pois numa casa a margem <strong>do</strong> rio on<strong>de</strong> havia um<br />

pé <strong>de</strong> jabuticaba. Recor<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o pai fisgou um gran<strong>de</strong> peixe, mas só fisgou,<br />

porque no último momento o peixe escapou. Foi nesta cida<strong>de</strong> que nasceu o Tinho<br />

(Nery).<br />

A seguir moramos em Criciúma, e foi aí minha primeira escola (ano da<br />

revolução <strong>do</strong> Getúlio Vargas). Moramos numa casa em frente <strong>do</strong> atual Cine<br />

Vitoria, tinha uma gran<strong>de</strong> parreira e pessegueiros. Nesta rua havia poucas casas,<br />

a nossa esquerda uma família <strong>de</strong> poloneses, recém-imigra<strong>do</strong>s que falavam muito<br />

mal o português, a direita uma ferraria da família Bortolotto. Lembro-me <strong>do</strong><br />

ferreiro A<strong>de</strong>lfo, um touro <strong>de</strong> forte que passava o dia martelan<strong>do</strong> sua bigorna. A<br />

mãe uma senhora i<strong>do</strong>sa que frequentemente nos brindava com <strong>do</strong>ces e uvas. A


seguir havia uma sanga com uma ponte <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e laterais <strong>de</strong> ferro, logo após a<br />

ponte havia um terreno on<strong>de</strong> foi construí<strong>do</strong> o clube Mampituba (lembro-me da<br />

assembleia <strong>de</strong> fundação. Meu pai foi eleito tesoureiro) na outra esquina ficava<br />

uma sapataria <strong>do</strong> Sr. Meler e na esquina em diagonal um gran<strong>de</strong> prédio (parecia<br />

gran<strong>de</strong>) com uma loja <strong>do</strong> Sr Abílio Paulo, casa<strong>do</strong> com Marcolina Rovaris. Na<br />

parte fronteira <strong>de</strong> nossa casa um terreno baldio em toda extensão da rua. A rua<br />

era curta, a direita terminava na praça e a esquerda terminava num sobra<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sr. Casagran<strong>de</strong>, transforma<strong>do</strong> em hospital e hoje acabou se<br />

tornan<strong>do</strong> o museu <strong>do</strong> imigrante italiano, nesta direção nada mais havia a não ser<br />

um gran<strong>de</strong> potreiro, com uma casa no meio on<strong>de</strong> morava o já referi<strong>do</strong> Sr.<br />

Casagran<strong>de</strong>.<br />

A praça nada mais era que um terreno baldio on<strong>de</strong> a garotada jogava bola, no<br />

meio havia um bambual. A escola ficava na praça (Grupo Escolar Professor Lapagesse - Nota <strong>do</strong><br />

Alexandre) e consistia <strong>de</strong> primeira, segunda e terceira classe. No local da escola foi<br />

construí<strong>do</strong>, tempos <strong>de</strong>pois, o prédio da Prefeitura, além da escola havia na praça


mais os seguintes prédios, além <strong>do</strong>s já cita<strong>do</strong>s (Abílio Paulo e Meler) loja <strong>do</strong> Sr.<br />

Bene<strong>de</strong>t, um barracão ao la<strong>do</strong> da igreja mais uns três casas numa das quais<br />

morava o médico, Dr. Estevão Giorge (húngaro).<br />

Partin<strong>do</strong>-se da praça em direção à estrada <strong>de</strong> ferro, havia mais umas duas<br />

casas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira um sobra<strong>do</strong> on<strong>de</strong> funcionava a Cooperativa. Gostava <strong>de</strong> ver os<br />

trens <strong>de</strong> passageiros passarem (da nossa casa via-se perfeitamente os passageiros<br />

nas janelinhas). Ao la<strong>do</strong> da estação havia sempre montes <strong>de</strong> carvão que eram,<br />

trazi<strong>do</strong>s das minas em carros <strong>de</strong> bois e <strong>de</strong>pois carrega<strong>do</strong>s nos vagões com pás.<br />

Meu pai, que era guarda-fios <strong>do</strong> telégrafo, possuía uma aranha. Cabia a ele<br />

manter a linha <strong>de</strong> Criciúma a Nova Veneza, distrito <strong>de</strong> Criciúma. Muitas vezes<br />

fizemos a viagem juntos. Em Nova Veneza o telegrafista era meu tio-avô João<br />

Campos. Ainda hoje vivem em Criciúma os filhos <strong>de</strong>ste tio-avô (Dino, Alírio,<br />

João e Celina).


Numa das viagens que fiz com o pai, fomos <strong>de</strong> aranha a uma localida<strong>de</strong> que<br />

chama Morro Albino, nesta viagem uma roda da aranha quebrou o velho<br />

Apolinário conseguiu solucionar amarran<strong>do</strong> uma vara na ponta <strong>do</strong> eixo e no<br />

varal (as ma<strong>de</strong>iras laterais on<strong>de</strong> o cavalo é atrela<strong>do</strong>) <strong>de</strong> forma que a ponta da<br />

vara, apoiada na estrada, substituía a roda quebrada. Ia fazen<strong>do</strong> um sulco na<br />

estrada, mas funcionou.<br />

Foi por esta época que se instalou a primeira usina <strong>de</strong> energia elétrica, um<br />

locomóvel <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sr. Marcos Rovaris (imigrante e patriarca <strong>do</strong>s<br />

Rovaris <strong>de</strong> Criciúma), custei muito a aceitar que a luz pu<strong>de</strong>sse vir por um fio <strong>de</strong><br />

metal (“Em 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1928, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à precarieda<strong>de</strong> no sistema <strong>de</strong> abastecimento <strong>de</strong> energia elétrica e o crescimento<br />

populacional exagera<strong>do</strong>, foi inaugurada a Usina Elétrica <strong>do</strong> Bairro Próspera”. Nota <strong>do</strong> Alexandre).


Moramos em Criciúma <strong>de</strong> 1929 a 1932 (mais ou menos) nesta época já éramos<br />

7 na família, Suzi, Mozart, Neri, Lite, eu e os pais. Foi quan<strong>do</strong> nos mudamos<br />

para o <strong>Araranguá</strong>, terra aon<strong>de</strong> o avô Bernardino chegou, se encantou, casou,<br />

criou a família e brigou para não sair. Nesta ocasião meu avô já não morava<br />

mais em <strong>Araranguá</strong>, pois havia se aposenta<strong>do</strong> como telegrafista e mu<strong>do</strong>u-se para<br />

Florianópolis. Em seu lugar assumiu a estação telegráfica meu tio Janga (João<br />

Campos Sobrinho).<br />

A estação telegráfica ficava na rua hoje chamada P. Antônio Luiz Dias, que<br />

naquela época não tinha nome e era conhecida como Rua <strong>do</strong> Telégrafo. A casa<br />

era <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> meu avô e tio Janga morava nela, junto com o telégrafo.<br />

Na época era tida como uma das melhores casas <strong>do</strong> <strong>Araranguá</strong>.


A rua, como todas <strong>de</strong> então, era totalmente coberta <strong>de</strong> grama ou capim e era<br />

usada para os folgue<strong>do</strong>s da gurizada, especialmente barra, acusa<strong>do</strong> e futebol. No<br />

meio das ruas havia um sulco feito pelos carros <strong>de</strong> bois, únicos veículos que<br />

transitavam regularmente por elas. O sulco acontecia porque to<strong>do</strong> <strong>Araranguá</strong><br />

está sobre uma camada <strong>de</strong> areia, tão fina quanto à da praia.<br />

A rua principal era a atual Getúlio Vargas que iniciava na margem <strong>do</strong> rio e<br />

terminava na nossa casa. Logo após havia um banha<strong>do</strong> e um córrego. No<br />

banha<strong>do</strong> aprendi a caçar preás e saracura, e no córrego fisguei meus primeiros<br />

peixes: ba<strong>de</strong>jos e traíras. Logo <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> banha<strong>do</strong> havia uma proprieda<strong>de</strong> da<br />

família Pacheco, uma casa <strong>de</strong> alvenaria e um gran<strong>de</strong> potreiro na frente on<strong>de</strong> eram<br />

cria<strong>do</strong>s porcos e gansos, local <strong>de</strong> muitas brinca<strong>de</strong>iras. Nos fun<strong>do</strong>s da casa da<br />

família Pacheco iniciava o "mato <strong>do</strong>s Macieis", uma mata nativa muito bonita<br />

que terminava junto ao cemitério. Lamentavelmente esta mata, que teria si<strong>do</strong>


uma beleza <strong>de</strong> parque natural não foi conservada, pior foi <strong>de</strong>struída<br />

propositalmente pelo her<strong>de</strong>iro que a transformou num malogra<strong>do</strong> loteamento.<br />

Como referi anteriormente, as ruas <strong>do</strong> <strong>Araranguá</strong> eram todas cobertas <strong>de</strong><br />

grama e capim, na verda<strong>de</strong> não eram muitas, quatro no senti<strong>do</strong> N/S e outras<br />

quatro L/W, havia ainda a praça, toda cercada com uma sebe <strong>de</strong> "são joão" uma<br />

espécie <strong>de</strong> cipó com flores vermelhas. Muitas das árvores da praça eram da mata<br />

original.<br />

Na praça, lembro-me das seguintes construções: Loja <strong>de</strong> Luiz Severino<br />

(originário <strong>de</strong> Laguna) na esquina on<strong>de</strong> hoje (1996) está o Banco Meridional, na<br />

outra esquina havia uma construção <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da firma Bortoluzzi (<strong>de</strong><br />

Nova Veneza), na terceira esquina, diagonal ao Banco proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sr Felipe<br />

Bacha, patriarca <strong>do</strong>s Bachas <strong>de</strong> <strong>Araranguá</strong>, ai também funcionou por muito<br />

tempo o Hotel <strong>do</strong>s Viajantes (creio que funda<strong>do</strong> pelo próprio Sr Felipe Bacha).


Mais tar<strong>de</strong> este mesmo hotel foi proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sr. Constantino Zim, um gran<strong>de</strong><br />

goza<strong>do</strong>r a quem se atribui viagem <strong>de</strong> barco, partin<strong>do</strong> <strong>de</strong> Jaguaruna em gran<strong>de</strong>s<br />

canoas (talvez só na lembrança sejam gran<strong>de</strong>s). Eu <strong>de</strong> pé na canoa mal conseguia<br />

ver as margens <strong>do</strong> canal, e lembro-me <strong>de</strong> muitos pássaros nas margens e ban<strong>do</strong>s<br />

voan<strong>do</strong>. Nosso <strong>de</strong>stino foi uma pequena localida<strong>de</strong> (não recor<strong>do</strong> o nome) e um<br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> piadas e brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> então. Constava que numa noite<br />

muito quente um hospe<strong>de</strong> não aguentou e foi se refrescar sob as árvores, na<br />

praça, por coincidência sentou-se num banco on<strong>de</strong> já estava outra pessoa.<br />

Aproveitou para comentar "que hotel pavoroso!". Constantino não se <strong>de</strong>u por<br />

acha<strong>do</strong> e disse "porque te queixas? Vais embora amanhã, eu porém, vou ter que<br />

aguentar a vida toda, sou o proprietário!".<br />

No centro da quadra ficava a Igreja Matriz, <strong>Nossa</strong> Senhora Mãe <strong>do</strong>s<br />

Homens. Ao la<strong>do</strong> direito, um salão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da igreja e on<strong>de</strong> funcionava o<br />

Fronteira Clube. A esquerda localizava-se a Prefeitura. Lembro que na<br />

platibanda existia um trabalho em gesso ou cimento com as armas da Republica.


Algum Prefeito imaginan<strong>do</strong> tratar-se <strong>de</strong> Armas <strong>do</strong> Império man<strong>do</strong>u <strong>de</strong>rrubar, e<br />

coube a meu pai, tempos <strong>de</strong>pois, restaurá-la. Ao la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> da Prefeitura (já<br />

na esquina) ficava um bar <strong>do</strong> Sr.<br />

Santo Garcia. Alguns anos mais<br />

tar<strong>de</strong> (1937) o bar foi incendia<strong>do</strong>.<br />

Não foi bem incendia<strong>do</strong>, mas<br />

explodi<strong>do</strong>. A pouca prática <strong>do</strong><br />

autor foi a causa. Não se <strong>de</strong>u<br />

conta <strong>de</strong> que os vapores da<br />

gasolina eram explosivos. As<br />

portas e janelas foram jogadas,<br />

pela explosão, no meio da rua (A<br />

foto acima e a <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> <strong>de</strong>stas páginas mostra exatamente esta <strong>de</strong>scrição da praça – Nota <strong>do</strong> Alexandre. Mostra<br />

também um posto <strong>de</strong> gasolina à direita, com tambores no meio da rua e com um símbolo da Texaco, ao que parece.<br />

Será que o pai não se enganou <strong>de</strong> la<strong>do</strong>?).


Seguin<strong>do</strong>, tínhamos na esquina em frente uma casa <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mário<br />

Rabelo e na esquina em diagonal ao bar, uma farmácia <strong>do</strong> médico polonês, Ta<strong>de</strong>u<br />

Danielesvisk. Esta farmácia foi <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um filho <strong>do</strong> Dr. Ta<strong>de</strong>u <strong>de</strong> nome Kico<br />

que por sua vez ven<strong>de</strong>u-a ao Arthur Campos (tio Tuca) com quem comecei a<br />

trabalhar aos 13 anos. Ao la<strong>do</strong> da farmácia morava um alfaiate, Moisés Aguiar<br />

(Zezinho) (este era um tio da mãe, irmão da vó Emilia. Mu<strong>do</strong>u-se para Criciúma e seu filho Sálvio continuou no<br />

negócio, uma fábrica <strong>de</strong> camisas – Nota <strong>do</strong> Alexandre). A seguir, na esquina havia uma boa casa<br />

<strong>do</strong> velho José Vieira Maciel (pai legítimo da minha avó Ambrosina). Na esquina<br />

seguinte havia o Hotel Labes, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e dirigi<strong>do</strong> pela <strong>Família</strong> Labes.<br />

Estes Labes tiveram também a primeira linha <strong>de</strong> ônibus <strong>de</strong> <strong>Araranguá</strong> a Porto<br />

Alegre. Continuan<strong>do</strong>, uma pequena construção da se<strong>de</strong> da Banda e na esquina<br />

seguinte a casa paroquial.<br />

No la<strong>do</strong> da praça que fica a margem <strong>do</strong> rio, havia uma fabrica <strong>de</strong> calça<strong>do</strong>s da<br />

família Bro<strong>de</strong>beck (esta fabrica mu<strong>do</strong>u-se posteriormente para Tubarão), e mais


adiante, na esquina, morava o Sr. Manoel Telésforo Macha<strong>do</strong>. No outro la<strong>do</strong> da<br />

praça havia umas construções <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leonel Pereira ou seu pai (não<br />

lembro bem), nestas construções moraram e tiveram loja <strong>de</strong> teci<strong>do</strong>s a família<br />

Elias. A seguir uma construção antiga que teria si<strong>do</strong> a primeira escola <strong>do</strong><br />

<strong>Araranguá</strong>. No centro da praça um coreto para as exibições <strong>do</strong>mingueira da<br />

banda.<br />

É 1933, e estou fazen<strong>do</strong> o terceiro ano primário no Grupo Escolar Prof.<br />

David <strong>do</strong> Amaral, perto <strong>de</strong> nossa casa. A diretora era Sra. Carmem Seara Leite,<br />

seu esposo, Alcebía<strong>de</strong>s Ceara Leite dirigia a construção da estrada da Rocinha<br />

(hoje Timbé <strong>do</strong> Sul), o Sr. Seara foi assassina<strong>do</strong> por um <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res.<br />

Ao concluir o terceiro ano primário ganhei como premio um petiço, já sabia<br />

alguma cousa <strong>de</strong> andar a cavalo, mas foi com este petiço aprimorei meus <strong>do</strong>tes.<br />

As horas <strong>de</strong> folga eram passadas no lombo <strong>do</strong> meu "corcel", algumas vezes com


tombos espetaculares, mas fez parte <strong>do</strong> aprendiza<strong>do</strong>. Nesta altura o Pai era o<br />

encarrega<strong>do</strong> da manutenção da linha telegráfica <strong>de</strong> <strong>Araranguá</strong> ao Meleiro, e<br />

cabia-me todas as manhãs ir até o telégrafo saber se as linhas estavam<br />

funcionan<strong>do</strong>, e se tivessem <strong>de</strong>feito o Pai <strong>de</strong>veria <strong>de</strong> imediato viajar para reparálas.<br />

Se isto acontecia em dias sem aula ou nas férias, seguramente eu e o petiço o<br />

acompanhávamos. Quase sempre o almoço consistia <strong>de</strong> polenta, linguiça e<br />

bananas, que eram <strong>de</strong>vora<strong>do</strong>s à margem <strong>do</strong>s rios, numa bela sombra.<br />

A esta altura o diretor <strong>do</strong> Grupo Escolar e Escola Normal era Manoel Coelho.<br />

O homem tinha iniciativa! Fun<strong>do</strong>u um clube agrícola e to<strong>do</strong>s nós tivemos que<br />

apren<strong>de</strong>r na prática alguma coisa da matéria que fazia parte <strong>do</strong> currículo escolar<br />

(agricultura). A propósito, ainda hoje fico admira<strong>do</strong> com a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

matérias que tivemos que estudar na Escola Normal comparan<strong>do</strong> com o que é<br />

cumpri<strong>do</strong> hoje. Vejam, tinha: aritmética, geometria, álgebra, história, geografia,<br />

<strong>de</strong>senho, agricultura, português, francês, latim, grego, alemão, história das<br />

religiões e pedagogia. O curso era só <strong>de</strong> 3 anos, mas estudava-se 2 perío<strong>do</strong>s. Bem,


outra veia <strong>do</strong> Sr. Manoel Coelho era o teatro. Várias peças foram encenadas<br />

pelos alunos, algumas com a participação <strong>do</strong> próprio diretor que também era<br />

artista. Uma das peças em que participei tinha com o tema vida em um castelo<br />

na Espanha, castelo este toma<strong>do</strong> pelos mouros. Lembro que ao final o Con<strong>de</strong> se<br />

torna um religioso humil<strong>de</strong>, quase santo, bem ao contrario da arrogância e<br />

<strong>de</strong>spotismo iniciais. A peça esteve em cartaz por algum tempo, foi inclusive<br />

apresentada em Nova Veneza. Minha investida como artista ficou por ai. Não<br />

consegui sagrar-me "astro", azar da posterida<strong>de</strong>, nem sabe o que per<strong>de</strong>u.<br />

Foi por esta época que foi cria<strong>do</strong> o "campo <strong>de</strong> aviação", que ficava localiza<strong>do</strong><br />

em terras <strong>de</strong> um senhor Belgun<strong>de</strong>s. Esta área iniciava no moro <strong>do</strong> centenário e ia<br />

até a Rua Sete <strong>de</strong> Setembro, na festa inaugural vieram três aviões <strong>de</strong><br />

Florianópolis para <strong>de</strong>monstrações. Um <strong>do</strong>s aviões se aci<strong>de</strong>ntou na <strong>de</strong>colagem, o<br />

piloto teve leves machucaduras (creio que a data correta <strong>de</strong>ste fato foi 1937). Foi<br />

nesta época que a família mu<strong>do</strong>u-se para Torres, pois o pai já estava lá ha vários<br />

meses. Eu <strong>de</strong>via continuar estudan<strong>do</strong> e por isto fiquei em <strong>Araranguá</strong>. Fiquei


hospeda<strong>do</strong> em casa <strong>de</strong> minha madrinha, <strong>do</strong>na Carida<strong>de</strong> Larroid. Foi uma época<br />

folgada e uma escola para malandragem. Ao se iniciar as férias viajei <strong>de</strong> ônibus<br />

pela Empresa Expresso Nor<strong>de</strong>ste. Pareceu-me naquela ocasião uma gran<strong>de</strong><br />

viagem. Foi toda pela praia e o que me chamou atenção foi a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pássaros marinhos. Eram ban<strong>do</strong>s incríveis, na verda<strong>de</strong> ocupavam to<strong>do</strong>s os 60 km<br />

<strong>de</strong> praias <strong>de</strong> <strong>Araranguá</strong> a Torres. Em Torres morei pouco mais que <strong>do</strong>is meses (um<br />

verão), pois a família voltou para o <strong>Araranguá</strong>. Torres naquela época tinha<br />

praticamente duas ruas e alguma travessas, a construção mais importante era o<br />

Hotel Picoral, parte <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e ocupava quase uma quadra e tinha ainda<br />

alguns anexos.<br />

Em 1935 fui passar as férias escolares em Nova Veneza, em casa <strong>do</strong> Tio Tuca.<br />

Ayezo também foi e aproveitamos bastante. Nesta época aconteceu a febre <strong>do</strong><br />

Integralismo. Tio Tuca era to<strong>do</strong> entusiasma<strong>do</strong>. Usavam fardamento, faziam<br />

reuniões etc.., pareciam muito organiza<strong>do</strong>s. Cópia <strong>do</strong> Nacional Nacionalismo da<br />

Alemanha e Fascismo da Itália. A propósito, Nova Veneza era uma Colônia


italiana on<strong>de</strong> se falava mais italiano que brasileiro, acabei por apren<strong>de</strong>r algumas<br />

palavras em italiano que até hoje me servem.<br />

Tio Tuca era casa<strong>do</strong> com Mafalda Bortoluzzi, filha <strong>de</strong> José Bortoluzzi que<br />

juntamente com os irmãos Bertino e João constituíram a firma Irmãos<br />

Bortoluzzi. Esta era a maior firma da região, e era <strong>do</strong>na <strong>de</strong> todas as construções<br />

da rua principal e talvez meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda N.Veneza. Lamentavelmente a firma<br />

não mais existe, pois faltou quem tivesse capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levá-la adiante, adaptála<br />

às novas situações <strong>do</strong> país.<br />

Nesta época Nova Veneza era distrito <strong>de</strong> Criciúma, e o transporte entre o<br />

distrito e a se<strong>de</strong> era feito por um caminhão misto, que levava carga e alguns<br />

passageiros em bancos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. O <strong>do</strong>no <strong>do</strong> caminhão era Basílio Aguiar, tio<br />

da Ivone. A agência postal telegráfica <strong>de</strong> N. Veneza era dirigida pelo meu tio<br />

avô, João.


Em 1936/1937 mais uma vez fui <strong>de</strong> férias para N. Veneza, para casa <strong>do</strong> Tio<br />

Tuca, foi nesta ocasião que tio Tuca comprou a velha farmácia <strong>do</strong> Sr. Ta<strong>de</strong>u<br />

Danielewsk em <strong>Araranguá</strong> e trouxe <strong>de</strong> N Veneza a sua. Juntou as duas e iniciou<br />

a Farmácia Minerva em <strong>Araranguá</strong>, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aí comecei a trabalhar. Para fazer a<br />

mudança <strong>de</strong> N. Veneza, tio Tuca man<strong>do</strong>u vir <strong>de</strong> <strong>Araranguá</strong> 10 carros <strong>de</strong> bois.<br />

Trabalhamos um dia inteiro carregan<strong>do</strong> e a noite os carreteiros iniciaram sua<br />

jornada. Nós seguimos no dia seguinte com o caminhão <strong>do</strong> Sr. Basílio levan<strong>do</strong> os<br />

badulaques que haviam fica<strong>do</strong>, inclusive coisas da residência. Foi junto para o<br />

<strong>Araranguá</strong> o Afonso Bortoluzzi, médico, primo da tia Mafalda. Clinicou por<br />

alguns tempos nesta cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pois foi trabalhar em Antônio Pra<strong>do</strong> e Guaporé,<br />

RS, ten<strong>do</strong> finalmente instalan<strong>do</strong>-se em Caxias.<br />

Voltan<strong>do</strong> a história da viagem, no dia seguinte passamos pelos carreteiros que<br />

levaram 3 ou 4 dias para chegar no <strong>Araranguá</strong>. Montou-se a farmácia e passei a<br />

dividir meu tempo entre farmácia e os estu<strong>do</strong>s.


Em fins <strong>de</strong> 1937 concluí o curso complementar e passei a trabalhar em tempo<br />

integral, inclusive aos <strong>do</strong>mingos. Pouco tempo <strong>de</strong>pois passei a morar com o Tio<br />

Tuca. A farmácia era um local <strong>de</strong> encontro e bate papo da cida<strong>de</strong>, posteriormente<br />

tornou-se também um local <strong>de</strong> encontro e confabulações políticas. O país estava<br />

viven<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> novo. Getúlio Vargas entusiasma<strong>do</strong> pelo sucesso <strong>de</strong> governos<br />

fortes como Alemanha, Itália, Espanha, etc. fechou o Congresso e criou o seu<br />

governo forte. Em face <strong>de</strong>ste evento, o dia 10 <strong>de</strong> novembro (data <strong>do</strong> golpe) se<br />

tornou dia feria<strong>do</strong> nacional (gostei, passei a ter um feria<strong>do</strong> no meu aniversário).<br />

Nesta época o único médico da cida<strong>de</strong> era o Dr. Antônio Barros Lemos, mineiro<br />

<strong>de</strong> Ouro Fino que acabou se casan<strong>do</strong> e radican<strong>do</strong> no <strong>Araranguá</strong>. Mais tar<strong>de</strong><br />

vieram também seus irmãos, Vicente que <strong>de</strong>pois foi morar em Curitiba e Sabino<br />

que também casou e se radicou no <strong>Araranguá</strong>.<br />

Decorri<strong>do</strong>s mais ou menos 4 anos na farmácia, não sei por que, quis<br />

aventurar-me e me inscrevi para servir na marinha (não me atraia o exército). Fui


à Fpolis e no <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> tempo fui chama<strong>do</strong>. Permaneci umas semanas em Fpolis, no<br />

quartel da marinha (Estreito) e embarcamos para o Rio. Éramos um grupo <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> 30. Havia mais um <strong>de</strong> <strong>Araranguá</strong>, irmão <strong>de</strong> Ivo Macha<strong>do</strong> (apeli<strong>do</strong> Toto).<br />

Este Toto ficou na marinha e serviu inclusive em submarino.<br />

O navio escalou em Itajaí, S. Francisco <strong>do</strong> Sul, Paranaguá, e Santos on<strong>de</strong> o<br />

navio se <strong>de</strong>morou 2 dias e <strong>de</strong>u para se conhecer bem a cida<strong>de</strong>. Descobri uma rua<br />

com nome Dona Ambrosina e outra Bernardino Campos, ex-governa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> S.<br />

Paulo. Eu <strong>de</strong>sconhecia este fato na época.<br />

A chegada ao Rio,me recor<strong>do</strong>, foi <strong>de</strong>slumbrante. Fomos aloja<strong>do</strong>s no quartel da<br />

Marinha, na ilha das Enxadas. Pouco <strong>de</strong>pois fomos leva<strong>do</strong>s para Angra <strong>do</strong>s<br />

Reis, na enseada <strong>de</strong> Brito, on<strong>de</strong> havia uma gran<strong>de</strong> escola <strong>de</strong> aprendizes <strong>de</strong><br />

marinheiro. Estive ali por um ou <strong>do</strong>is meses, quan<strong>do</strong> fomos convida<strong>do</strong>s a <strong>de</strong>cidir<br />

se queríamos mesmo ingressar na Marinha. Seria para no mínimo 8 anos. Escutei


várias palestras tentan<strong>do</strong> nos convencer a ficar, mas não gostei e <strong>de</strong>sisti.<br />

Pareceu-me que oito anos era <strong>de</strong>mais. Voltamos ao Rio, viajan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Angra a<br />

Mangaratiba num reboca<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Marinha e ali tomamos a central <strong>do</strong> Brasil até o<br />

Rio. Aloja<strong>do</strong>s novamente na Ilha das enxadas, permanecemos por <strong>do</strong>is meses <strong>de</strong><br />

férias. Passeávamos to<strong>do</strong>s os dias no Rio, e assistimos inclusive um carnaval<br />

carioca.<br />

Do Rio viajamos a Fpólis no navio Itapura. Foi uma ótima viagem, voltamos<br />

ao <strong>Araranguá</strong> e voltamos a trabalhar na farmácia com tio Tuca, que nos<br />

aguardava.<br />

Como não servimos na Marinha, para cumprir a obrigação militar entramos<br />

para um Tiro <strong>de</strong> guerra que se fun<strong>do</strong>u em <strong>Araranguá</strong>, on<strong>de</strong> estivemos durante um<br />

ano sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sarg. Moreno (Américo também serviu no mesmo ano). Eu<br />

continuava trabalhan<strong>do</strong> na farmácia, e já era capaz <strong>de</strong> praticamente cuidar


sozinho. Tive que ir a Fpolis prestar exame para obter uma licença <strong>de</strong> prático <strong>de</strong><br />

Farmácia (este título dava direito a me instalar com farmácia em qualquer<br />

localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Catarina on<strong>de</strong> não houvesse farmacêutico diploma<strong>do</strong>).<br />

Fui responsável por uma pequena farmácia na localida<strong>de</strong> Ermo e mais tar<strong>de</strong><br />

outra na localida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sombrio. Na verda<strong>de</strong> no Sombrio havia, já há anos, uma<br />

farmácia cujo proprietário era inclusive muito amigo <strong>do</strong> tio Tuca. Este teve<br />

morte súbita, e com esta morte a farmácia teria que ser fechada. Um vivo estava<br />

toman<strong>do</strong> provi<strong>de</strong>ncias para tomar o negocio na viúva. Foi aí que nos metemos,<br />

fui a Fpolis e consegui a licença em meu nome, e a viúva continuou viven<strong>do</strong> com<br />

a botica. Fui o responsável ela por uns tempos.

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