Baixe a Revista Encontro de Vaqueiros em PDF
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Edição <strong>de</strong> nº 1 Periodicida<strong>de</strong> Distribução Anual Gratuita
parapeito ou peitoral, perneiras, luvas, jaleco e chapéu.<br />
O gibão é enfeitado com pespontos e fechado com cordões<br />
<strong>de</strong> couro. O parapeito ou peitoral é seguro por uma alça que<br />
passa pelo pescoço. As perneiras que cobr<strong>em</strong> as pernas do<br />
pé até a virilha são presas na cintura, para que o corpo que<br />
livre para cavalgar. As luvas cobr<strong>em</strong> as costas das mãos,<br />
<strong>de</strong>ixando os <strong>de</strong>dos livres e, nos pés, o vaqueiro usa alpercatas<br />
ou botinas. O jaleco parece um bolero, feito <strong>de</strong> couro <strong>de</strong><br />
carneiro, sendo usado geralmente <strong>em</strong> festas. T<strong>em</strong> duas<br />
frentes: uma <strong>de</strong> lã, para enfrentar o frio da noite; outra <strong>de</strong><br />
couro liso, para o calor do dia. O chapéu protege o vaqueiro<br />
do sol e dos golpes dos espinhos e dos galhos da caatinga e,<br />
às vezes, a sua copa é usada para beber água ou mesmo para<br />
comer.<br />
O vaqueiro usa s<strong>em</strong>pre um par <strong>de</strong> esporas e, nas mãos,<br />
uma chibata <strong>de</strong> couro, indicando que, se não está montado,<br />
po<strong>de</strong>rá fazê-lo a qualquer momento.<br />
Toda esta indumentária encontra-se <strong>em</strong> exposição, no<br />
Museu do Vaqueiro <strong>de</strong> Alto Longá.<br />
O Museu do Vaqueiro <strong>de</strong> Alto Longá, no Piauí, abriga peças<br />
que vêm do século XVIII aos dias atuais: cédulas, moedas,<br />
quadros <strong>de</strong> artistas piauienses, peças sacras, imagens<br />
seculares e arte popular produzidas por artesãos locais e<br />
teresinenses, tais como indumentárias do vaqueiro: <strong>de</strong>staque<br />
principal do museu.<br />
O museu guarda também vestígios materiais do passado,<br />
através <strong>de</strong> fotogra as, cenogra as e <strong>de</strong>mais veículos <strong>de</strong><br />
comunicação. Contudo, todos registram os <strong>de</strong> m<strong>em</strong>órias<br />
<strong>de</strong> acontecimentos e pessoas cujas referências marcaram<br />
a história da cida<strong>de</strong>. Vale ressaltar, para arr<strong>em</strong>atar esta<br />
exposição, que, <strong>de</strong>ntre nosso acervo <strong>de</strong> fotos e<br />
exposição <strong>de</strong> peças características das vestimentas<br />
do vaqueiro, além da obra do artista popular José Luiz,<br />
contamos com fotos do mais antigo vaqueiro da região,<br />
atualmente com noventa e seis anos: nosso símbolo<br />
vivo, Sr. Aureliano Gomes, que participa ativamente<br />
<strong>de</strong> todos os eventos.<br />
O Dia Nacional do Vaqueiro é com<strong>em</strong>orado <strong>em</strong> 20<br />
<strong>de</strong> julho. Em Pernambuco, celebra-se também no<br />
terceiro domingo <strong>de</strong> julho, com a missa do vaqueiro,<br />
uma homenag<strong>em</strong> a Raimundo Jacó, primo do cantor Luiz<br />
Gonzaga, vaqueiro assassinado por um companheiro no<br />
município <strong>de</strong> Serrita-PE, <strong>em</strong> maio <strong>de</strong> 1954. Fato que inspirou<br />
ao cantor a música ‘A MORTE DO VAQUEIRO’.<br />
No Piauí, na fazenda Lagoa do Saco, município <strong>de</strong> Aroazes,<br />
t<strong>em</strong>os a maior manifestação <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> aos nossos<br />
vaqueiros, com missa, prova do laço, pega <strong>de</strong> boi no mato,<br />
concurso do vaqueiro mais idoso, do melhor aboio, da<br />
garota mais bela, e mil e uma atrações. Tudo para este herói<br />
anônimo: O VAQUEIRO. 0 2º evento aconteceu <strong>em</strong> 16 <strong>de</strong><br />
julho <strong>de</strong> 2011 – uma festa <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a gran<strong>de</strong>za para louvar<br />
Nossa Senhora dos <strong>Vaqueiros</strong>. Momento escandalosamente<br />
maravilhoso, promovido pelo Instituto Cultural Vale do<br />
Sambito. Parabéns aos organizadores! Experimentei o<br />
gran<strong>de</strong> prazer <strong>de</strong> participar e é um marco para nossa cultura<br />
popular. O 3º encontro acontecerá no dia 07 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong><br />
2012, na Fazenda Lagoa do Saco, Aroazes – PI. Vamos lá!<br />
Valmira Cabral<br />
Coor<strong>de</strong>nadora do Museu do Vaqueiro <strong>de</strong> Alto Longá
<strong>de</strong>slocar-se-ia para os vales do Piauí/Canindé, on<strong>de</strong> seria<br />
fundada a povoação da Mocha, mais tar<strong>de</strong> freguesia<br />
(paróquia), vila e se<strong>de</strong> da única comarca existente <strong>em</strong> terras<br />
piauienses. Transformada <strong>em</strong> primeira capital <strong>em</strong> 1759, com<br />
a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Oeiras, ostentaria tal posição até 1852,<br />
quando o conselheiro Saraiva, vislumbrando na navegação<br />
do rio Parnaíba a via natural <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do Piauí,<br />
fundou Teresina e para ela mudou o centro governativo da<br />
província.<br />
Com a morte <strong>de</strong> Mafrense <strong>em</strong> 1711, cerca <strong>de</strong> trinta <strong>de</strong> suas<br />
fazendas, ocupando uma área calculada <strong>de</strong> 175 léguas<br />
<strong>de</strong> extensão por 71 <strong>de</strong> largura, nas quais chegaram a ser<br />
criadas mais <strong>de</strong> 70.000 cabeças <strong>de</strong> gado <strong>de</strong> toda sorte,<br />
foram legadas por testamento à administração do Colégio<br />
dos Jesuítas, da Bahia. Conscadas pelo governador João<br />
Pereira Caldas, <strong>em</strong> 1760, seriam incorporadas ao patrimônio<br />
da Coroa portuguesa. Eram as famosas Fazendas Nacionais.<br />
Posteriormente transferidas ao Estado do Piauí pela<br />
Constituição fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946, por <strong>em</strong>enda do <strong>de</strong>putado<br />
A<strong>de</strong>lmar Soares da Rocha, passaram a <strong>de</strong>nominar-se <strong>de</strong><br />
Fazendas Estaduais. Em relatório <strong>de</strong> 1931, com visível<br />
indignação, seu administrador, Isaías Pereira da Silva, avô<br />
dos(as) promotores(as) do tradicional <strong>Encontro</strong> <strong>de</strong> <strong>Vaqueiros</strong><br />
<strong>de</strong> Aroazes, dava conta da dilapidação <strong>de</strong>sse rico patrimônio<br />
ao longo dos anos, pois restavam apenas 3.665 cabeças <strong>de</strong><br />
gado.<br />
Por quase duzentos anos, e até o surgimento da maniçoba,<br />
da carnaúba e <strong>de</strong> outros produtos extrativistas nos albores do<br />
século XX, a pecuária foi o sustentáculo da economia do Piauí.<br />
Contudo, com a mudança da capital e o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
navegação no rio Parnaíba, a pecuária per<strong>de</strong>ria espaço para<br />
o comércio. Pelo caudal parnaibano era intenso o vai-e-v<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong> pessoas, barcos e mercadorias entre Santa Filomena e o<br />
litoral, num frenesi que a todos encantava, prenunciando<br />
o raiar <strong>de</strong> um novo Piauí. Daí surgiriam muitas das cida<strong>de</strong>s<br />
ribeirinhas. Infelizmente, a implantação da hidrelétrica<br />
<strong>de</strong> Boa Esperança, s<strong>em</strong> a consequente construção <strong>de</strong> suas<br />
eclusas, viria sepultar mais esse sonho.<br />
Gado era po<strong>de</strong>r. Reviver aquela época heroica, na gura do<br />
vaqueiro indômito, é preservar a m<strong>em</strong>ória historiográca <strong>de</strong><br />
um Piauí <strong>em</strong> cujas fazendas <strong>de</strong> criar, na poética <strong>de</strong> H. Dobal,<br />
“outrora havia banhos <strong>de</strong> leite.”<br />
Jesualdo Cavalcanti Barros<br />
Escritor, m<strong>em</strong>bro da Aca<strong>de</strong>mia Piauiense <strong>de</strong> Letras
notícias <strong>de</strong> um Brasil escondido <strong>de</strong>le mesmo, a merecer<br />
revelações e apreços. Uma ponta <strong>de</strong> orgulho refulge. Se<br />
me resta t<strong>em</strong>po, o relato se esten<strong>de</strong> a outros interessantes<br />
e <strong>de</strong>stacados personagens da historiogra a brasileira que<br />
viveram <strong>em</strong> Aroazes. Apresento-lhes Luís Carlos Pereira <strong>de</strong><br />
Abreu Bacelar, vulgo Luís Carlos da Serra Negra. Por aqui<br />
as <strong>em</strong>oções ganham ainda mais intensida<strong>de</strong>s e cores, com<br />
as diatribes do Coronel <strong>de</strong> Milícias, Cavaleiro da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
Cristo, proprietário <strong>de</strong> inúmeras fazendas no Piauhy e <strong>em</strong><br />
outras capitanias. Digo-lhes das façanhas do Coronel e <strong>de</strong><br />
sua riqueza, do casamento por procuração e celebração<br />
pelo Governador do Bispado do Maranhão <strong>em</strong> 1802, com<br />
Luzia Perpétua Carneiro Souto Maior. Do <strong>de</strong>scontentamento<br />
da re nada esposa Luzia, com a ru<strong>de</strong>za do marido Luís. Do<br />
negro Nazário, perseguido pelo Coronel, encontrado e dado<br />
por morto por seus guardas, e renascido <strong>de</strong>pois, com vida<br />
longa no boqueirão da Serra <strong>de</strong> São Benedito. Discurso sobre<br />
a fuga da esposa, a simulação <strong>de</strong> doenças para furtar-se das<br />
<strong>de</strong>scon anças do Coronel Luís Carlos e escapar para São Luiz<br />
do Maranhão. T<strong>em</strong>pero com o namoro <strong>de</strong> Luzia - esposa<br />
fugitiva do Coronel Luís Carlos - com o então Governador<br />
e Capitão Geral do Maranhão, José Thomaz <strong>de</strong> Menezes.<br />
Segredo-lhes sobre especulações <strong>de</strong> assassínio do Luís Carlos,<br />
<strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 1811, meses <strong>de</strong>pois da proclamação da<br />
autonomia administrativa do Piauhy <strong>em</strong> face do Maranhão,<br />
ocorrida <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1811. Ele que se <strong>em</strong>penhara tanto<br />
nesse tento, movido talvez por ciúme ou mágoa da esposa,<br />
que lhe apresentara divórcio eclesiástico <strong>em</strong> 1810, talvez já<br />
enamorada do então Governador do Maranhão, com qu<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>pois, já viúva <strong>de</strong> Luís Carlos, convolou núpcias, gerando<br />
lhos, entre os quais D. Rodrigo José <strong>de</strong> Menezes <strong>de</strong> Eça,<br />
3º con<strong>de</strong> Cavaleiros, que fora governador civil <strong>de</strong> Braga e,<br />
<strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> Lisboa.<br />
Todos cam admirados das ricas histórias, con antes <strong>em</strong><br />
um Piauhy por se revelar. De imediato, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecer<br />
Aroazes, sondar esses enigmáticos tesouros da epopéia<br />
humana, guardados no processo <strong>de</strong> colonização do Piauhy.<br />
Cultivar essa tradição guerreira, iconizada no heroísmo do<br />
Vaqueiro, constitui um ofício ex<strong>em</strong>plar <strong>de</strong> manifestação<br />
cívica e republicana. A iniciativa da Família Pereira da Silva<br />
e das <strong>de</strong>mais ilustres famílias da região <strong>de</strong> Aroazes - ricas ou<br />
pobres <strong>de</strong> terras - <strong>em</strong> manter à lume esses encantos exige <strong>de</strong><br />
nossa parte e dos <strong>de</strong>mais brasileiros não somente a a<strong>de</strong>são<br />
espiritual à glória <strong>de</strong> nossos antepassados, mas, sobretudo,<br />
o compromisso patriótico <strong>de</strong> também acen<strong>de</strong>r juntos luzes<br />
que afugent<strong>em</strong> as sombras i<strong>de</strong>ologizadas pelo mandonismo<br />
político, pois só assim guardar<strong>em</strong>os reluzentes a chama<br />
que clareou <strong>de</strong> esperanças e <strong>de</strong> sonhos a paisag<strong>em</strong> livre do<br />
Sertão, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> todas as violências simbólicas inerentes<br />
ao processo histórico <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> nossa brasilida<strong>de</strong>.<br />
Carlos Augusto Pires Brandão<br />
Juiz e professor da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Piauí