18.04.2013 Views

imagens da escuridão em macbeth - Unioeste

imagens da escuridão em macbeth - Unioeste

imagens da escuridão em macbeth - Unioeste

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

IMAGENS DA ESCURIDÃO EM MACBETH<br />

BARELLA, Raquel Cristina Lübe (G – UNIOESTE)<br />

POLIDÓRIO, Valdomiro (Orientador - UNIOESTE)<br />

RESUMO: A ocorrência <strong>da</strong> literatura de cunho gótico é observa<strong>da</strong> principalmente no<br />

contexto do Pré-Romantismo e Romantismo, sobretudo nas produções de escritores <strong>da</strong><br />

Inglaterra e dos Estados Unidos <strong>da</strong> América, cujo ex<strong>em</strong>plo são Byron, Shelley e Poe,<br />

entre outros importantes nomes. Esse gênero, que reflete um espírito assaz noturno, teria<br />

surgido no início <strong>da</strong> Revolução Industrial, no século XVIII, <strong>da</strong> união entre a mística<br />

inglesa e o sentimentalismo burguês, estabelecendo, além disso, contraste com o<br />

Classicismo. Entre as influências dos poetas e escritores dos períodos literários<br />

supramencionados é citado Shakespeare, que, já no ano de 1605, <strong>em</strong> sua tragédia<br />

intitula<strong>da</strong> Macbeth, apresentava traços do goticismo, uma vez que faz, nessa, uso de<br />

el<strong>em</strong>entos imagéticos como o sangue, as trevas e a morte, e do sobrenatural,<br />

representado mormente pelas “três irmãs estranhas” e por suas peripécias, que<br />

contribu<strong>em</strong> não só para a ambientação <strong>da</strong>quela como também para a construção <strong>da</strong><br />

tensão e do terror <strong>da</strong> peça. Destarte, esse trabalho t<strong>em</strong> por escopo ressaltar e analisar <strong>em</strong><br />

Macbeth como se dá duali<strong>da</strong>de “<strong>escuridão</strong> versus luz”, b<strong>em</strong> como a simbologia <strong>da</strong>s<br />

<strong>imagens</strong> de aspecto lúgubre incrusta<strong>da</strong>s no texto, que permit<strong>em</strong> tomar a obra como<br />

Literatura Gótica. Para tanto, apoiar-se-á sobretudo <strong>em</strong> Spurgeon (1972) e seu<br />

Shakespeare’s imagery and what it tell us.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Literatura Gótica, Tragédia, Shakespeare, Imagens.<br />

1 - Introdução<br />

Motes que tang<strong>em</strong> o lúgubre, o obscuro, são recorrentes sobretudo na literatura<br />

inglesa e norte-americana do período Pré-Romântico e Romântico. Dessa forma, é<br />

possível citar escritores como Edgar Allan Poe (nos Estados Unidos), Emily Brontë,<br />

Lord Byron e Mary Shelley.<br />

Inúmeros el<strong>em</strong>entos imagéticos são utilizados para que a ambientação <strong>da</strong> intriga<br />

se construa de forma a acentuar o suspense, o mistério e a tensão que se intenta incrustar<br />

na narrativa. Entre eles o sangue, a morte, a <strong>escuridão</strong> (as trevas ou a noite) e alusões ao<br />

d<strong>em</strong>ônio, isto é, à tudo aquilo que não é sublimado.<br />

Não obstante se afirme ser a Literatura Gótica originária do século XVIII, no<br />

contexto do início <strong>da</strong> Revolução Industrial, já um século antes se observa <strong>em</strong> um drama<br />

de Shakespeare aspectos dessa literatura, que influenciaria, mais adiante, os escritores e<br />

poetas românticos. Macbeth, que <strong>da</strong>ta de 1605, é perpassado pelas sombras e pelo<br />

sobrenatural.<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

Conforme Burgess (1974, p.81) “[...] Macbeth, which, with its Scotish setting,<br />

honours a Scottish king, is, on one level, a compendium of things that interested James I<br />

– his own ancestry, the prevalence of witchcraft – but, on another, it is a very bitter<br />

vision of life: „Out, out, brief candle.‟”<br />

O rei James I, <strong>da</strong> Escócia, fez-se conhecer pelo seu interesse <strong>em</strong> sua genealogia e<br />

por ordenar a morte de pessoas acusa<strong>da</strong>s de bruxarias. Porém, <strong>em</strong>bora seja a Era<br />

Jacobina o contexto de produção de Macbeth, o enredo se passa no século XI, no<br />

reinado de Henry VIII, que, assim, como James, man<strong>da</strong> matar bruxas que teriam feito<br />

feitiços para que seu navio afun<strong>da</strong>sse.<br />

A decadência que entrelaça a personag<strong>em</strong> título, advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> vai<strong>da</strong>de – mãe <strong>da</strong><br />

ambição – é envolta por tragici<strong>da</strong>de, pela treva e por ambiente propício para o medo,<br />

para o t<strong>em</strong>or. A geografia, importante nas obras do inglês, assume aqui papel essencial:<br />

as Highlands <strong>da</strong> Escócia contribu<strong>em</strong> para a nebulosi<strong>da</strong>de do drama e confer<strong>em</strong> a ele a<br />

verossimilhança.<br />

Destarte, o presente artigo t<strong>em</strong> por escopo apontar e analisar na peça<br />

Shakespereana Macbeth como se dá a duali<strong>da</strong>de “luz versus <strong>escuridão</strong>” – enfatizando a<br />

última –, que não só compõe o cenário, mas é primordial para que se desenvolva o final<br />

trágico. Para tanto, discorrer-se-á, a priori, acerca <strong>da</strong>s características <strong>da</strong> literatura gótica,<br />

para, a posteriori, se dedicar aos el<strong>em</strong>entos e <strong>imagens</strong> que vêm acarreta<strong>da</strong>s à <strong>escuridão</strong><br />

– como o sangue e a morte –, que dominam a ambientação dessa peça de Shakespeare e<br />

a tornam tipicamente gótica.<br />

2 - Literatura de Cunho Gótico<br />

Acerca <strong>da</strong> orig<strong>em</strong> dos textos literários <strong>em</strong> que se incute o sombrio, aquela é<br />

coloca<strong>da</strong> como cont<strong>em</strong>porânea à Revolução Industrial, que iniciou no século XVIII e<br />

trouxe, escondidos entr<strong>em</strong>eio ao desenvolvimento e a evolução <strong>em</strong> diversos sentidos,<br />

probl<strong>em</strong>as graves de ord<strong>em</strong> social – como a miséria – e psicológica, que foram<br />

refletidos, pois, na literatura <strong>da</strong> época.<br />

Em seu amplo estudo sobre a literatura gótica, Davis Punter<br />

caracteriza-a como uma forma literária que, presente sobretudo na<br />

literatura inglesa e nasci<strong>da</strong> no início <strong>da</strong> revolução industrial, não se<br />

prende a um determinado período histórico, mas onde quer que surja<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

(e seu papel na literatura romântica inglesa e norte-americana foi<br />

preponderante) marca-se pelo irrealismo, por uma certa ênfase na<br />

descrição terrificante, uma insistência nas ambientações arcaicas, no<br />

uso conspícuo do sobrenatural; na presença de personagens<br />

extr<strong>em</strong>amente estereotipa<strong>da</strong>s e na tentativa de desdobrar e aperfeiçoar<br />

as técnicas do suspense literário. (MENEZES apud DIMARCH, 2007,<br />

p.69)<br />

Destarte, esse espírito noturno está presente sobretudo nos escritores Românticos<br />

e do período antecedente a eles, que começa a contrastar com o Classicismo e se<br />

interessa por assuntos místicos que se contrapõ<strong>em</strong> àquilo que a Igreja <strong>da</strong> Contra-<br />

Reforma pregava. Esses questionamentos tomam forma na Inglaterra, onde, consoante<br />

Carpeaux (1985, p.160), se deu a aliança entre a mística inglesa e o sentimentalismo<br />

burguês, que, segundo a autora, culminou no Romance Gótico, cujos representantes que<br />

se sobressa<strong>em</strong>, no pré-romantismo, são Horace Walpole, Ann Radcliffe e Matthew<br />

Gregory Lewis. Assim, a Inglaterra era o palco onde se apresentava o exótico – tudo<br />

aquilo que não era Clássico –, seus traços sentimentais, noturnos e voltados para a<br />

natureza. Há que se ressaltar, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po, que entre as diversas influências pré-<br />

românticas, é Shakespeare, cuja obra é objeto de análise desse trabalho, a que mais se<br />

destaca: “Da Inglaterra veio a descoberta de Shakespeare, que é talvez o capítulo mais<br />

fantástico <strong>da</strong> história do Pré-Romantismo.” (CARPEAUX, 1985, p.160)<br />

De acordo ain<strong>da</strong> com Carpeaux (1985, p.161), os traços góticos como o<br />

terrificante, o estranho e o sobrenatural não só se estend<strong>em</strong> do momento pré-romântico<br />

para o Romantismo, mas se renovam e se faz<strong>em</strong> ain<strong>da</strong> mais vistosos, o que se pode<br />

verificar nos textos de Ludwig Tieck, que são desde dramas até conto de fa<strong>da</strong>s, cujo<br />

ex<strong>em</strong>plo é o título Der blonde Ekbert.<br />

Entretanto, a autora coloca E. T. A. Hoffman como autor mais importante do<br />

Romantismo e lhe atribui a invenção do conto gótico. Hoffman, para ela, narrava o<br />

obscuro com exagero, tão levado ao extr<strong>em</strong>o aquele era que acabava por acarretar<br />

efeitos de humor. O al<strong>em</strong>ão também teria influenciado nomes bastante reconhecidos e<br />

consagrados como Emily Brontë, Edgar Allan Poe e Gogol.<br />

Ao tratar dos poetas românticos, Evans (1976, p.82) assevera que<br />

Na poesia de todos eles [Byron, Coleridge, Shelley e Keats] revela-se<br />

um sentido do maravilhoso, uma percepção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> vista através de<br />

uma sensibili<strong>da</strong>de nova e uma imaginação diferente. A singulari<strong>da</strong>de<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

<strong>da</strong> experiência individual implica para ca<strong>da</strong> poeta romântico uma<br />

solidão espiritual. Se b<strong>em</strong> que dotados de uma apura<strong>da</strong> consciência<br />

<strong>da</strong>s obrigações sociais, o poder de uma excepcional concepção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

obriga-os a ser quase como fugitivos que evit<strong>em</strong> os outros homens.<br />

Presente <strong>em</strong> todos eles, esse sentimento <strong>em</strong> nenhum é tão forte como<br />

<strong>em</strong> Shelley, que parece achar mais contentamento entre as folhas<br />

mortas, as águas ilumina<strong>da</strong>s pela lua e os fantasmas do que lugares<br />

habitados pelo hom<strong>em</strong> [...].<br />

Na descrição dos traços que faz o autor acerca de Shelley, são dignas de nota as<br />

cenas que ela pinta <strong>em</strong> seus escritos, que reflet<strong>em</strong> de forma clara parte <strong>da</strong>quilo que é<br />

apreciado pela literatura <strong>em</strong> que se implanta o goticismo. No entanto, mais soturno<br />

parece ser Byron, que, além do sombrio incidir na sua poesia, fez a si um reflexo dos<br />

“aspectos diabólicos do Romantismo” (Evans, 1976, p.99).<br />

Após essa breve exposição <strong>da</strong>quilo que se refere à literatura gótica, passa-se,<br />

então, à uma análise dos el<strong>em</strong>entos góticos <strong>em</strong> Macbeth, obra <strong>da</strong>quele que contribuíra<br />

para a criação de muitos dos textos <strong>em</strong> que incorre o soturno a que se fez menção nas<br />

linhas acima.<br />

3 - Imagens <strong>da</strong> Escuridão <strong>em</strong> Macbeth<br />

O enredo de Macbeth, como já supracitado, é envolto por traços tangentes ao<br />

obscuro, que possibilitam o efeito sombrio que a peça transmite. Macbeth e Banquo<br />

encontram as três bruxas, que lhes faz<strong>em</strong> previsões: Macbeth, Barão de Glamis, se<br />

tornaria Barão de Cawdor e então rei. Quanto a Banquo, a realeza se destinava a seus<br />

descendentes. Quando a primeira profecia se cumpre, a ambição de Macbeth se acentua<br />

e, influenciado por sua esposa, Lady Macbeth, busca meios de se tornar de fato rei, o<br />

que culmina no regicídio: o então Barão de Cawdor assassina o rei Duncan e assume<br />

seu posto. No entanto, não é a felici<strong>da</strong>de que é acarreta<strong>da</strong> ao seu reinado, mas tragédias,<br />

mortes, doença, loucura e afetação. A Escócia, palco <strong>da</strong> tirania desse personag<strong>em</strong><br />

Shakespereano, se transforma, dessa forma, <strong>em</strong> um local assaz assustador, o que se nota<br />

no que profere Ross a Macduff na terceira cena do ato quarto:<br />

Ai de mim, uma pobre pátria! Quase tr<strong>em</strong>e, só de pensar <strong>em</strong> olhar<br />

para si mesma. Em vez de nosso berço, terá de ser chama<strong>da</strong> de nosso<br />

túmulo. A ninguém se vê sorrindo, nunca, à exceção <strong>da</strong>queles que<br />

na<strong>da</strong> sab<strong>em</strong>. Soluços e g<strong>em</strong>idos e gritos dilaceram o ar e passam<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

despercebidos. A tristeza mais violenta parece uma <strong>em</strong>oção<br />

corriqueira. Quando dobram os sinos por algum finado, dificilmente<br />

alguém pergunta qu<strong>em</strong> expirou. E expiram-se as vi<strong>da</strong>s dos homens de<br />

b<strong>em</strong> antes de fenecer<strong>em</strong> as flores de seus chapéus. Morr<strong>em</strong> antes de<br />

adoecer. (Shakespeare, 2003, p.224)<br />

Ross faz que se tome, pelo excerto, os habitantes <strong>da</strong> Escócia, no reinado de<br />

Macbeth, como vagantes, fantasmas que com na<strong>da</strong> se importam, que mostram ausência<br />

de sentimento. Uma pátria <strong>em</strong> que há na<strong>da</strong> senão sussurros e espectros. A imag<strong>em</strong> <strong>da</strong><br />

morte, <strong>da</strong>s cinzas do que foi destruído, que se acentua se levado <strong>em</strong> conta o clima que<br />

compreende esses assombrosos el<strong>em</strong>entos.<br />

Imputa-se, assim, às Highlands a nebulosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ambientação. O espaço<br />

geográfico que assite às peripécias <strong>da</strong>s personagens é aquele <strong>da</strong>s Terras Altas <strong>da</strong><br />

Escócia, a região de Inverness e Forres, cita<strong>da</strong> como cenário. É mister ressaltar que a<br />

geografia é componente importante nas obras Shakespereanas, porquanto está incuti<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong>s intenções do autor que, muitas vezes, a utiliza para agra<strong>da</strong>r a realeza – aqui<br />

representa<strong>da</strong> pelo Rei James, escocês.<br />

Consoante Spurgeon (1972, p.168), as <strong>imagens</strong> e as idéias que as perpassam se<br />

apresentam mais complexas e imaginativas nesse drama do que nos outros textos de<br />

Shakespeare. Concluindo seu texto acerca <strong>da</strong>quele t<strong>em</strong>a, a autora afirma ter dito o<br />

suficiente<br />

[...] to indicate how complex and varied is the symbolism in the<br />

imagery of Macbeth, and to make it clear that an appreciable part of<br />

the <strong>em</strong>otions we feel trhoughout of pity, fear and horror, is due to the<br />

subtle but definite and repeated action of this imagery upon our<br />

minds, of which, in our preocupation with the main th<strong>em</strong>e, we r<strong>em</strong>ain<br />

often largely unconscious. (SPURGEON, 1972, p.177)<br />

Há, diante disso, diversos desses el<strong>em</strong>entos imagéticos que r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> ao gótico.<br />

O ambiente é construído de forma a criar no espectador (leitor) a tensão gera<strong>da</strong> pelo<br />

sombrio, porquanto a presença <strong>da</strong> luz é mínima. As bruxas aparec<strong>em</strong> na charneca, o<br />

castelo de Macbeth é iluminado por tochas (devido também ao contexto <strong>em</strong> que se passa<br />

o drama) e as t<strong>em</strong>pestades são também muito cita<strong>da</strong>s. Logo no ato primeiro, primeira<br />

cena, as moiras falam entre si: “Quando nos encontrar<strong>em</strong>os as três, uma próxima vez?<br />

Ao som dos trovões, à luz dos relâmpagos, <strong>em</strong> meio à chuvara<strong>da</strong>?” (SHAKESPEARE,<br />

2003, p.145).<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

O psicológico <strong>da</strong>s personagens é refletido e afetado pelo ambiente. Pouco antes<br />

de Macbeth cometer o terrível ato, Banquo se sente incomo<strong>da</strong>do pela pouca<br />

luminosi<strong>da</strong>de e parece prever o que estava para acontecer. Fleance afirma já ter passado<br />

<strong>da</strong> meia-noite, quando a lua, para eles, se põe e então Banquo diz:<br />

Pega aqui, segura minha espa<strong>da</strong>. Estão fazendo economia no céu. As<br />

luzes estão to<strong>da</strong>s apaga<strong>da</strong>s. Segura isto aqui também. Cai, como<br />

chumbo sobre os meus ombros, uma pesa<strong>da</strong> pasmaceira, e, mesmo<br />

assim, não quero dormir. Potestades, refrei<strong>em</strong> <strong>em</strong> mim os<br />

pensamentos amaldiçoados aos quais a Natureza dá passag<strong>em</strong> durante<br />

o repouso dos mortais. (SHAKESPEARE, 2003, p.167)<br />

Também Lennox afirma, <strong>em</strong> momento ulterior, pouco antes <strong>da</strong> luz do dia trazer<br />

a revelação do que ocorreu, que a noite lhe parecera agita<strong>da</strong>:<br />

Esta noite foi turbulenta. Onde dormimos, a ventania derrubou as<br />

chaminés. E (como diz<strong>em</strong>) ouviram-se lamentações no ar <strong>da</strong> noite,<br />

estranhos gritos de morte, e profecias, de tétricas pronúnicias, de<br />

medonhas combustões, de eventos caóticos, recém saídos <strong>da</strong> casca,<br />

trazidos à luz <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos infaustos. (SHAKESPEARE, 2003, p.176).<br />

Em relação ao mote <strong>da</strong> noite, de acordo com Cirlot (1984, p.232)<br />

As trevas – anteriores ao fiat lux – expressam s<strong>em</strong>pre, no simbolismo<br />

tradicional, o estado <strong>da</strong>s potências não desenvolvi<strong>da</strong>s que dão lugar ao<br />

caos. Por isto, a <strong>escuridão</strong> projeta<strong>da</strong> no mundo ulterior ao<br />

aparecimento <strong>da</strong> luz é regressiva; por isto se identifica<br />

tradicionalmente com o princípio do mal e com as forças inferiores<br />

não sublima<strong>da</strong>s.<br />

Essa regressão pode ser entendi<strong>da</strong> <strong>em</strong> Macbeth como o abster-se <strong>da</strong> luz <strong>da</strong><br />

sabedoria e o submeter-se aos desejos maldosos, isto é, o personag<strong>em</strong> não se deixa<br />

controlar pelo superego, mas age guiado por sua ambição, desviando os olhos <strong>da</strong>s<br />

razões para não cometer o assassinato (o parentesco e a humil<strong>da</strong>de de Duncan). No<br />

recorte <strong>da</strong> passag<strong>em</strong> <strong>em</strong> que Banquo se sente sufocado devido à “economia no céu”,<br />

esse incômodo pode também revelar intenções suas ambiciosas, que aparec<strong>em</strong> no<br />

“repouso dos mortais”.<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

Assim, se observa que – uma vez mais segundo Spurgeon (1972, p.173) –<br />

“Another constant idea in the play arises out of the symbolism that light stands for life,<br />

virtue, goodness; and <strong>da</strong>rkness for evil and death.”<br />

Percebe-se, portanto, a noite – a <strong>escuridão</strong> – como imag<strong>em</strong>-chave, pois que é na<br />

ausência <strong>da</strong> luz que o regicídio é perpetrado, crime que pode ser sentido como ápice <strong>da</strong><br />

situação desarmoniosa inicia<strong>da</strong> com as revelações <strong>da</strong>s moiras.<br />

Ain<strong>da</strong>, é apenas nesse período que o personag<strong>em</strong>-título e sua esposa vê<strong>em</strong> como<br />

possível tal ato malévolo (SPURGEON, 1972, p.173) – “V<strong>em</strong>, Noite espessa e veste a<br />

mortalha dos mais par<strong>da</strong>centos vapores do Inferno, que é para minha fina afia<strong>da</strong> faca<br />

não ver a feri<strong>da</strong> que faz, que é para o Céu não poder espiar através <strong>da</strong> coberta de<br />

<strong>escuridão</strong> a t<strong>em</strong>po de gritar „Pare, pare‟!” (SHAKESPEARE, 2003, p.160) – e é<br />

recorrente a atribuição às trevas o poder de ocultamento de pensamentos e ações<br />

desonrosas ou passíveis de punição: “Estrelas, escon<strong>da</strong>m o seu brilho; não permitam<br />

que a luz veja meus profundos e escuros desejos.” (SHAKESPEARE, 2003, p.157)<br />

Como no excerto supramencionado Cirlot (1984) relaciona as trevas ao mal e a<br />

aparição de figuras que não as sublimes, é nesse ambiente que aparece o sobrenatural;<br />

No ato quarto, primeira cena, a rubrica indica que Macbeth, as bruxas e Hécate estão <strong>em</strong><br />

uma caverna. Lá, surg<strong>em</strong> aparições, caracteres grotescos, ao som de trovões, advindos<br />

de feitiços: uma cabeça arma<strong>da</strong>, uma criança ensanguenta<strong>da</strong> e uma criança coroa<strong>da</strong>,<br />

segurando na mão uma árvore.<br />

A morte também é carrea<strong>da</strong> pela <strong>escuridão</strong>, uma vez que, além do regicídio,<br />

Banquo também perde a vi<strong>da</strong> quando não há a presença <strong>da</strong> luz natural. Macbeth, no<br />

excerto abaixo, exprime sua ânsia pela chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> noite, que trará a eliminação – pelas<br />

mãos de três assassinos contratados por ele – de suas precupações acerca <strong>da</strong>s<br />

desconfianças de Banquo sobre a autoria do regicídio.<br />

Vinde, Noite, ven<strong>da</strong>r-nos os olhos, selar o terno olhar deste Dia<br />

compassivo, e, com vossa mão invisível e de sangue sedenta, cancelai<br />

e fazei <strong>em</strong> pe<strong>da</strong>ços este documento que a mim cerceia todos os<br />

movimentos. A luminosi<strong>da</strong>de vai se turvando, e o corvo alça vôo vai<br />

para a mata escura. As boas criaturas do Dia começam a desanimar e<br />

dormitam, enquanto os negros agentes <strong>da</strong> Noite atiçam-se para suas<br />

presas. (SHAKESPEARE, 2003, p.192).<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

Uma vez mais se verifica, de tal forma, a acepção <strong>da</strong> <strong>escuridão</strong> como associa<strong>da</strong><br />

às mal<strong>da</strong>des e à morte.<br />

Do sangue, derramado por esses diversos falecimentos que a peça descreve, há a<br />

recorrência abun<strong>da</strong>nte naquela. Nas palavras de Macduff, “Sangra, sangra, pobre pátria”<br />

(SHAKESPEARE, 2003, p.219). Para Spurgeon (1972, p.177), “The feeling of fear,<br />

horror and pain is increased by the constant and recurring images of blood;”<br />

De modo que “As quali<strong>da</strong>des passionais do vermelho infund<strong>em</strong> seu significado<br />

ao sangue” (CIRLOT, 1984, p.509), que o líquido é o veículo <strong>da</strong>s paixões, inesgotável<br />

para o afetado psicológico de Lady Macbeth, <strong>em</strong> suas mãos, parece simbolizar a<br />

l<strong>em</strong>brança do pecado que cometera, uma vez que se deixara conduzir pelas paixões: a<br />

ambição e a vai<strong>da</strong>de – “Sai, mancha maldita! Sai, estou dizendo” (SHAKESPEARE,<br />

2003, p.229). É a marca constante do que resultou <strong>da</strong> hamartia, o sentimento de culpa.<br />

De acordo com o que se disse <strong>em</strong> momento anterior, assim como o sangue, a<br />

morte e a noite, o sobrenatural faz parte <strong>da</strong> literatura de cunho gótico. Em Macbeth ele é<br />

perceptível primordialmente nas figuras <strong>da</strong>s Moiras e de Hécate.<br />

Em detrimento de ser<strong>em</strong> objetos postos <strong>em</strong> razão de James I, a presença <strong>da</strong>s<br />

bruxas é fun<strong>da</strong>mental para o drama aqui analisado, a começar pelo fato de que são as<br />

Moiras que permit<strong>em</strong> e iniciam o conflito, acor<strong>da</strong>ndo, com suas previsões, a ambição de<br />

Macbeth, que seria, <strong>em</strong> momento ulterior, aguça<strong>da</strong> por sua esposa.<br />

Entretanto, a simbologia que representam aquelas é, assim como a <strong>escuridão</strong>,<br />

importante para a elaboração do terror, além de assumir<strong>em</strong> o papel do sobrenatural,<br />

juntamente com o el<strong>em</strong>ento místico <strong>da</strong>s profecias que faz o ambiente (veja-se quando<br />

Lennox descreve a noite antecedente ao regicídio).<br />

A partir do que a mitologia reza acerca dessas, se compreende quão significativa<br />

é sua presença no enredo: são as Moiras nasci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> noite. Figuram como o destino de<br />

ca<strong>da</strong> um e, nas batalhas, se alimentam do sangue dos mortos (HACQUARD, 1996,<br />

p.107). Diante disso, se nota que englobam dois dos principais símbolos que confer<strong>em</strong><br />

à obra a t<strong>em</strong>erosi<strong>da</strong>de e que delineiam a tragédia, assim como as três a delineiam por<br />

meio de suas previsões.<br />

Na peça Shakespereana, a caracterização que receb<strong>em</strong> é horren<strong>da</strong>, criando no<br />

espectador (leitor) pavor ao imaginar encontrar tais figuras <strong>em</strong> um ambiente como a<br />

charneca.<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

BANQUO – A que distância, <strong>em</strong> sua avaliação, senhor, estamos de<br />

Forres? O que são essas figuras, tão murchas e claudicantes e tão<br />

fantásticas e desvaira<strong>da</strong>s <strong>em</strong> seus trajes a ponto de não parecer<strong>em</strong><br />

habitantes <strong>da</strong> Terra e, no entanto, pod<strong>em</strong>os ver que estão sobre a<br />

Terra? Viv<strong>em</strong>, vocês? Ou seriam vocês alguma coisa que não admite<br />

perguntas humanas? Vocês parec<strong>em</strong> entender-me, logo levando, como<br />

faz<strong>em</strong>, ca<strong>da</strong> uma por sua vez, seu dedo encarquilhado aos lábios<br />

<strong>em</strong>aciados. Vocês têm to<strong>da</strong> a aparência de mulheres e, no entanto,<br />

suas barbas proíb<strong>em</strong>-me de interpretar suas figuras como tal.<br />

(SHAKESPEARE, 2003, p.150)<br />

Traz<strong>em</strong> consigo outros el<strong>em</strong>entos grotescos (o sapo, as aparições), os feitiços,<br />

crenças antigas, como a de que os animais <strong>em</strong> que as feiticeiras se metamorfoseavam<br />

não poderiam ter cau<strong>da</strong>, caso contrário não teriam uma <strong>da</strong>s patas. O que está<br />

subentendido nos versos:<br />

Numa peneira eu vou lá.<br />

Velejando, velejando...<br />

Vou, como um rato s<strong>em</strong> rabo!<br />

Velejando, velejando...<br />

(SHAKESPEARE, 2003, p.149)<br />

Por sua vez, Hécate era considera<strong>da</strong> benevolente e se acreditava que trazia<br />

prosperi<strong>da</strong>de material aos homens. No entanto, ao longo dos anos, passou a ser<br />

associa<strong>da</strong> ao mundo <strong>da</strong>s sombras. Assim, foi toma<strong>da</strong> como a inventora <strong>da</strong> feitiçaria, a<br />

“chefe” <strong>da</strong>s bruxas. (GRIMAL, 1993, p.193)<br />

E é assim que a figura mitológica aparece <strong>em</strong> Macbeth, r<strong>em</strong>eti<strong>da</strong> à mal<strong>da</strong>de,<br />

chefiando as três estranhas irmãs e liga<strong>da</strong> à feitiçaria e à <strong>escuridão</strong>:<br />

4 - Considerações Finais<br />

Ah, muito b<strong>em</strong> feito! Tenho <strong>em</strong> alta consideração a trabalheira <strong>da</strong>s<br />

três, e terá sua parte nos lucros ca<strong>da</strong> uma de vocês. E agora, cant<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> volta do caldeirão, num círculo, como fa<strong>da</strong>s e duendes, lançando,<br />

sobre essa vossa poção, encantamentos a todos os ingredientes.<br />

(SHAKESPEARE, 2003, P.207)<br />

À guisa de conclusão, a partir <strong>da</strong> análise realiza<strong>da</strong> nos parágrafos acima, se<br />

percebe que a idéia de regressão que traz<strong>em</strong> as trevas, apresenta<strong>da</strong> por Cirlot, é cabível<br />

<strong>em</strong> Macbeth, pois que nelas as personagens se julgam capazes de agir conforme seu<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversi<strong>da</strong>de, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

desejo, fechando os olhos para aquilo que a convivência social d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>. Dessa forma,<br />

to<strong>da</strong> sorte de desvios e mal<strong>da</strong>des são cometi<strong>da</strong>s, de modo que isso faça haver a presença<br />

de el<strong>em</strong>entos como o sangue e a construção de um ambiente físico e psicológico<br />

tenebroso e repleto de tensão.<br />

Por conseguinte, a idéia <strong>da</strong> treva carreando o mal – ao passo que a luz<br />

desautoriza a “cegueira moral” causa<strong>da</strong> pelos instintos – e esse por sua vez trazendo<br />

consigo simbolismos que não sublimes, b<strong>em</strong> como os possíveis sentimentos de pavor<br />

suscitados nos leitores (ou espectadores, como outrora) tornam plausível conceber a<br />

obra como pertencente à literatura gótica.<br />

Embora se tenha intentado abranger o máximo <strong>da</strong>s <strong>imagens</strong> advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

<strong>escuridão</strong>, é mister mencionar que não se cont<strong>em</strong>plou de modo aprofun<strong>da</strong>do, nesse<br />

artigo, todos os objetos que dão à peça o efeito gótico de suspense, soturni<strong>da</strong>de e terror,<br />

eis que esses se apresentam naquela com riqueza.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BURGESS, Anthony. English Literature. Longman, 1974.<br />

CARPEAUX, Otto Maria. Prosa e Ficção do Romantismo. In: GUINSBURG, J. (org).<br />

O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1985.<br />

CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Moraes, 1984.<br />

DIMARCH, Bruno Fischer. O Gótico e as Sombras: comunicação não comunica<strong>da</strong>.<br />

Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica de São Paulo. 1997. 171 p. Dissertação (Programa de<br />

pós-graduação <strong>em</strong> comunicação e s<strong>em</strong>iótica) Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica. São<br />

Paulo, 2007.<br />

EVANS, Ifor. História <strong>da</strong> Literatura Inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 1976.<br />

GRIMAL, Pierre. Dicionário <strong>da</strong> Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Bertrand,<br />

1993.<br />

HACQUARD, Georges. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. São Paulo: Asa,<br />

1990.<br />

SHAKESPEARE, William. Macbeth. São Paulo: Nova Cultural, 2003.<br />

SPURGEON, Caroline. Shakespeare‟s imagery and what it tell us. In: WAIN, John<br />

(org.). Macbeth – A selection of critical essays. Macmillan, 1972.<br />

ISSN 2178-8200

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!