Lucíola (483 KB) - Brasiliano
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-- Deveras! É difícil conhecer-me; mais difícil do que pensa. Eu mesma, sei o que às<br />
vezes se passa em mim? E o motivo que me arrasta sem querer? Não repare nestas<br />
esquisitices! Ralhe comigo, quando eu merecer; prometo corrigir-me.<br />
-- Era o meio de me tornar insuportável. Daqui a uma semana não me poderias aturar.<br />
-- Experimente!<br />
-- Não; dizem que és muito caprichosa, e não há nada que eu respeite como os caprichos<br />
de uma mulher. Fica o que tu és; somente sentiria que cometesses excessos como os de<br />
ontem.<br />
-- Já lhe dei um juramento!<br />
-- Acredito nele. Portanto não há necessidade de te humilhares diante de mim, que não<br />
tenho direito de pedir-te contas de tua vida. Não te pergunto pelo passado. O que te peço<br />
são alguns instantes de prazer. Quando te aborrecer, previne-me.<br />
O senhor nunca me há de aborrecer! Se este prazer que lhe dou vale alguma coisa, tome<br />
dele quanto queira; pertence-lhe todo!<br />
Davam seis horas. Lúcia pediu-me que jantasse com ela, e fê-lo com tal humildade e<br />
timidez, que apesar dos meus escrúpulos aceitei para não mortificá-la. Enquanto ela<br />
vestia-se no toucador, recostei-me no sofá e descontei quase uma hora do sono perdido<br />
na véspera. Abrindo os olhos vi Lúcia reclinada sobre mim.<br />
-- Devias estar maçada por me ver dormir. Por que não me acordaste?<br />
-- Agora mesmo acabei de aprontar-me.<br />
Estava encantadora com o seu roupão de seda cor de pérola ornado de grandes laços<br />
azuis, cuja gola cruzando-se no seio deixava-lhe apenas o colo descoberto. Nos cabelos<br />
simplesmente penteados, dois cactos que apenas começavam a abrir às primeiras<br />
sombras da noite. Mas tudo isso era nada a par do brilho de seus olhos e do viço da pele<br />
fresca e suave, que tinha reflexos luminosos.<br />
-- Foi para mim que te fizeste tão bonita?<br />
-- E para quem mais? disse com um acento queixoso. Estou a seu gosto?<br />
-- Como sempre.<br />
-- Pois vamos jantar.<br />
Ela fez-me as honras de sua casa como uma verdadeira senhora, com o tato esquisito<br />
que põe o hóspede à sua vontade, cercando-o contudo de mil atenções delicadas. O<br />
jantar foi sério. Ou porque Lúcia nessa ocasião desejasse conservar a sua dignidade de<br />
dona-de-casa; ou porque a presença dos criados a acanhasse, o fato é que não deixou<br />
nunca o tom ligeiramente cerimonioso que havia tomado.<br />
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