Lucíola (483 KB) - Brasiliano
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Eis a situação em que nos achávamos quando uma manhã, passando pelo hotel, achei<br />
uma carta de convite para uma partida. O Sr. R..., a quem fui recomendado por amigos de<br />
minha província, pedia-me encarecidamente que ao menos no dia dos anos de sua<br />
senhora lhe desse o prazer de ver-me em sua casa. Realmente estava em falta para com<br />
a família, que apenas visitara com um cartão, e à qual devia muitas finezas! Era ocasião<br />
de reparar a minha descortesia.<br />
Mostrei a carta a Lúcia:<br />
-- Deve ir, respondeu adivinhando o meu pensamento!<br />
-- Entretanto tu renuncias aos teus divertimentos por minha causa. Por que não farei o<br />
mesmo?<br />
-- Essa partida não é só um divertimento para o senhor, é também um dever.<br />
-- Assim queres que vá me divertir sem ti?<br />
-- Não o posso acompanhar! disse ela com uma expressão que significava-- um abismo<br />
nos separa.<br />
Fui à partida, que esteve brilhante. Lá a encontrei, à senhora, e à sua filha, anjo que ainda<br />
não tinha batido as asas brancas, deixando viúvas a velhice e a infância de quem tanto<br />
amara neste mundo. Havia moças lindas e elegantes, que tornavam a dança verdadeiro<br />
prazer, e não sacrifício penoso, como sucede na maior parte desses saraus, em que o<br />
convidado é apenas um instrumento de quadrilha, compasso coreográfico, que se<br />
transforma na hora da ceia em máquina gastronômica.<br />
A Sr.ª R..., com uma amabilidade que eu decerto não merecia, esmerou-se em tornar<br />
agradáveis as horas que passei em sua casa: apresentou-me a quanto havia ali de<br />
distinto pela beleza, pela inteligência e pela virtude; e com o tato fino da mulher de salão<br />
poupava-me as banalidades cerimoniosas das apresentações, fazendo-me entrar logo na<br />
conversação que animava com a sua graça e os seus repentes felizes. A filha, gentil<br />
moça de 17 anos, fez-me a honra de uma contradança e de algumas voltas de valsa.<br />
Confesso que fiquei fazendo melhor idéia das reuniões dançantes da sociedade<br />
fluminense<br />
Pouco tempo antes de retirar-me, vi Sá que me acenava de uma janela da sala de jogo,<br />
onde se abrigara para fumar. Logo ao entrar tinha-lhe falado; mas evitara a sua conversa,<br />
com receio de que me fizesse perguntas sobre Lúcia; sentia remorder-me a consciência;<br />
e pouco disposto a aceitar os seus conselhos, previa que eles me haviam de irritar tanto<br />
mais, quanto seriam prudentes e razoáveis.<br />
-- Desculpa-me: vou dançar.<br />
-- A quadrilha ainda se demora, bem sabes; mas queres<br />
-- Que idéia!<br />
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