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Lucíola (483 KB) - Brasiliano

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Recolhendo-me no dia seguinte, encontrei Sá que subia as escadas do hotel.<br />

-- Que fim levaste anteontem, que ninguém te viu mais? -- Voltei para casa.<br />

-- Com Lúcia, já se sabe! Ainda estás muito atrasado, Paulo. Tens o amor no meio de<br />

uma claridade esplêndida, em volta de uma mesa bem servida, sobre macios tapetes; e<br />

preferes o amor bucólico ao relento e sobre a relva!. . .<br />

-- Sou extremamente egoísta nesta matéria, meu amigo; só partilho o amor com a mulher<br />

que o sente.<br />

-- São gostos; mas ficaste sabendo o que é Lúcia, e entretanto ela estava de mau humor.<br />

Num dos seus bons dias, não tem que invejar às cortesãs gregas ou as messalinas<br />

romanas.<br />

-- Ela já contou-me tudo isso, Sá, respondi com impaciência.<br />

-- Pudera não! São os seus brasões de glória; e por isso previno-te. É uma mulher que só<br />

pode ser apreciada de copo na mão e charuto na boca, depois de ter no estômago dois<br />

litros de champanha pelo menos. Nessas ocasiões torna-se sublime! Fora disso é<br />

excêntrica, estonteada e insuportável. Ninguém a compreende.<br />

-- Eu compreendo-a perfeitamente. É uma moça gasta para os prazeres; ainda jovem no<br />

corpo, mas velha n'alma. Quando se atira a esses excessos de depravação, é estimulada<br />

pela esperança vã de um gozo que lhe foge; atordoa-se, embriaga-se e esquece um<br />

momento; depois vem a reação, o nojo das torpezas em que rojou, a irritabilidade de<br />

desejos que a devoram e que não pode satisfazer; nestas ocasiões tem suas veleidades<br />

de arrependimento; a consciência solta ainda um grito fraco; a cortesã revolta-se contra si<br />

mesma. Isso passa no dia seguinte. Eis o que é Lúcia; daqui a algum tempo o hábito fará<br />

dela o mesmo que tem feito das outras: envelhecerá o corpo, como já envelheceu a alma.<br />

Sá me ouviu rindo à socapa e com malícia:<br />

-- Pois já que a compreendeste tão bem, explica-me isto.<br />

E apresentou-me uma carta aberta, que ao tirar do sobrescrito deixou cair algumas notas<br />

do banco. Era de Lúcia, e dizia:<br />

«O senhor enganou-se. Sou eu que lhe devo, e tanto, que não lho poderei pagar nunca.:,<br />

Senti lendo esta carta um bem-estar inexprimível.<br />

-- Que dizes? perguntou Sá. - Digo que ela fez o que devia. -Talvez por conselho teu?<br />

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