Contos gauchescos - PasseNaUFRGS.com.br
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O vaqueano contará os seus casos, recolhidos no "trotar so<strong>br</strong>e tantíssimos rumos". E a<<strong>br</strong> />
sua fala - por ser teoricamente a de um gaudério, a de um peão sem trabalho fixo - se<<strong>br</strong> />
esquivará, por vezes, da exaltação dos pampas e da condição gaúcha, que no fundo, foi<<strong>br</strong> />
sempre uma auto-exaltação dos oligarcas sulinos.<<strong>br</strong> />
Há no tom narrativo de Blau certa neutralidade, destruída aqui e ali pela<<strong>br</strong> />
saudade dos antigos tempos e por certo moralismo de origem cristã. Porém a sua<<strong>br</strong> />
nostalgia vincula-se a uma época na qual o gado ainda xucro era campeado - conforme<<strong>br</strong> />
o relato "Correr eguada" - e os peões tinham direito a sua tropilha nova, fato que não<<strong>br</strong> />
se repetiria numa sociedade cada vez mais dividida entre fazendeiros e trabalhadores.<<strong>br</strong> />
Por outro lado, a significação moral das histórias exige-se so<strong>br</strong>e um sentimento<<strong>br</strong> />
de relativo desconforto no narrador <strong>com</strong> a violência imperante no território gaúcho: a<<strong>br</strong> />
destruição do boi em serventia ("O boi velho"), a carnificina guerreira ("O anjo da<<strong>br</strong> />
vitória") etc.<<strong>br</strong> />
Ainda que um esforço documental presida a o<strong>br</strong>a, o registro dos costumes<<strong>br</strong> />
nunca é gratuito. Liga-se à ação dos contos e a psicologia simples dos indivíduos. Em<<strong>br</strong> />
três ou quatro narrativas, contudo, o valor do documento é superado por uma legítima<<strong>br</strong> />
sensibilidade artística: "Trezentas onças", "O contrabandista" e "O boi velho"<<strong>br</strong> />
transcendem à condição de espelho da região, atingindo a chamada universalidade das<<strong>br</strong> />
grandes produções literárias.<<strong>br</strong> />
Se muitos contos permanecem apenas <strong>com</strong>o registro de costumes ou <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
anedotas bem contadas, a linguagem em todos eles é viva e cheia de dialetismos, o<<strong>br</strong> />
que, em parte, dificulta a leitura. O linguajar gauchesco é reproduzido pelo escritor.<<strong>br</strong> />
Mas a utilização que Simões Lopes Neto faz do regionalismo lingüístico não visa o<<strong>br</strong> />
pitoresco, <strong>com</strong>o acontece na maioria das manifestações artísticas dita regionais. Nele,<<strong>br</strong> />
a expressão típica é uma decorrência dos conteúdos trabalhados, e, por isso mesmo,<<strong>br</strong> />
somos capazes de superar as dificuldades de seu vocabulário.<<strong>br</strong> />
Há em sua o<strong>br</strong>a o cuidado de reconstruir o tim<strong>br</strong>e familiar das vozes. E isso<<strong>br</strong> />
forneceria a mesma um efeito surpreendente de oralidade, encanto e frescor.<<strong>br</strong> />
Simões Lopes Neto controla magistralmente os pontos de tensão de cada<<strong>br</strong> />
relato, açulando e, ao mesmo tempo, postergando a expectativa do leitor. A busca do<<strong>br</strong> />
dramático, em certos momentos, é tão intensa que os textos parecem ameaçados pelo<<strong>br</strong> />
excesso, isto é, pelo melodrama barato. No entanto, a intuição do artista mantém os<<strong>br</strong> />
contos nos limites verossímeis daquilo que é autêntica tragédia humana.<<strong>br</strong> />
Em "Contrabandista", por exemplo, um pai atravessa a fronteira para buscar<<strong>br</strong> />
um vestido de noiva para a filha, mas no dia do casamento, enquanto o noivo, o padre<<strong>br</strong> />
e dezenas de convidados vão chegando, o pai não retorna <strong>com</strong> o presente. A espera,