O mundo do Assobá Gravador - MAFRO - Museu Afro-Brasileiro ...
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incerta que parece fundamentar o fascínio<br />
pelos artistas mortos prematuros, que é tão<br />
característica de nossa cultura. Por que o<br />
destino ceifa-o da vida tão precocemente?<br />
Teria morri<strong>do</strong> de “coisas feitas” ensejadas<br />
por algum adversário na sucessão de seu avô<br />
recentemente morto? Teria sucumbi<strong>do</strong> puni<strong>do</strong><br />
pelos deuses por revelar segre<strong>do</strong>s insondáveis<br />
para o filme de Glauber Rocha? Teria si<strong>do</strong><br />
vítima apenas da fatalidade?<br />
A obra de Hélio, isto é, suas cinquenta<br />
gravuras, aquilo que ele deixou grava<strong>do</strong> e<br />
podemos ver amiúde, foi tecida com vigor<br />
pelas mãos hábeis de um artesão extraordinário:<br />
são linhas de talhos sensíveis ou contrastes de<br />
branco e escuro, elabora<strong>do</strong>s por uma afiada<br />
gilete sobre a superfície da madeira, como<br />
se fora um bisturi sobre carne viva no seu<br />
propósito de talhar beleza, e que compõem,<br />
no seu to<strong>do</strong>, uma tecitura, e, pois, evoca um<br />
texto, uma narrativa qualquer que explique<br />
as imagens lá registradas.<br />
Esta tecitura se configura por um <strong>mun<strong>do</strong></strong><br />
de aparições que clamam, e discursam,<br />
sobre outro <strong>mun<strong>do</strong></strong> encanta<strong>do</strong>: aquele <strong>do</strong>s<br />
can<strong>do</strong>mblés da Bahia. São Pejis com seus<br />
sacrifícios e oferendas, yaôs em êxtases,<br />
chamas de velas que queimam e iluminam<br />
assentamentos e objetos votivos, vasilhas<br />
de barro, otás, lanças e ferramentas de ferro,<br />
uma profusão de símbolos religiosos e signos<br />
da nossa cultura afro-brasileira que lá entram<br />
em rotação. Expressam imageticamente<br />
o <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> artista, <strong>do</strong> orixá que ele tem<br />
e que o escolheu, assim como o <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> avô<br />
Procópio de Ogum, venera<strong>do</strong> e temi<strong>do</strong><br />
babalorixá, com seu protagonismo próprio<br />
naquela encantada Bahia <strong>do</strong>s mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
século XX, com suas perseguições policiais aos<br />
terreiros e suas humilhações sociais impostas<br />
ao povo de santo. Hélio vai mostrar<br />
de um mo<strong>do</strong> diferente este <strong>mun<strong>do</strong></strong>, vai revelar<br />
aquilo que publicamente não se via, senão sob<br />
a ótica da intolerância e <strong>do</strong> preconceito.<br />
Mostra esta obra o que, no seu <strong>mun<strong>do</strong></strong>,<br />
Helinho tinha de mais valioso: os símbolos<br />
<strong>do</strong> can<strong>do</strong>mblé expressam o que ele vislumbra<br />
como transcendental, ou seja, aquilo que<br />
requer ato de devoção. Expressam, portanto,<br />
a maneira como pode ser visto em traços fixos<br />
o que pertence à dimensão da fé. Os símbolos<br />
não são apenas o que eles nos revelam a<br />
primeira vista, bem sabemos. Nem toda cruz,<br />
pois, é crucifixo, poden<strong>do</strong> ser apenas uma<br />
encruzilhada. Tu<strong>do</strong> depende de com que tipo<br />
de astúcia municiamos nossas crenças, e da<br />
maneira como nossos olhos perscrutam nosso<br />
<strong>mun<strong>do</strong></strong> em busca de verdades etéreas. Acredito<br />
que é isto que a obra de Hélio de Oliveira quer<br />
nos dizer na sua mais substancial simplicidade.<br />
O artista através de sua obra narra, sobretu<strong>do</strong>,<br />
o que é fruto de sua condição de inicia<strong>do</strong> no<br />
can<strong>do</strong>mblé, e <strong>do</strong> título honorífico que se fez<br />
porta<strong>do</strong>r: o de <strong>Assobá</strong> <strong>do</strong> Terreiro <strong>do</strong> Ogunjá.<br />
E, assim sen<strong>do</strong>, daquele <strong>mun<strong>do</strong></strong>, daquela<br />
vida, que ele viu com seus olhos inocentes de<br />
criança, e que compreendeu na sua condição<br />
de homem já forma<strong>do</strong>, subliman<strong>do</strong> em traços<br />
artísticos o que havia de desígnio na sua vida,<br />
já que o contato com o sagra<strong>do</strong> é por demais<br />
ambivalente, exigin<strong>do</strong> permanente mediação e<br />
distanciamento, pois une de forma inseparável