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O mundo do Assobá Gravador - MAFRO - Museu Afro-Brasileiro ...

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8<br />

incerta que parece fundamentar o fascínio<br />

pelos artistas mortos prematuros, que é tão<br />

característica de nossa cultura. Por que o<br />

destino ceifa-o da vida tão precocemente?<br />

Teria morri<strong>do</strong> de “coisas feitas” ensejadas<br />

por algum adversário na sucessão de seu avô<br />

recentemente morto? Teria sucumbi<strong>do</strong> puni<strong>do</strong><br />

pelos deuses por revelar segre<strong>do</strong>s insondáveis<br />

para o filme de Glauber Rocha? Teria si<strong>do</strong><br />

vítima apenas da fatalidade?<br />

A obra de Hélio, isto é, suas cinquenta<br />

gravuras, aquilo que ele deixou grava<strong>do</strong> e<br />

podemos ver amiúde, foi tecida com vigor<br />

pelas mãos hábeis de um artesão extraordinário:<br />

são linhas de talhos sensíveis ou contrastes de<br />

branco e escuro, elabora<strong>do</strong>s por uma afiada<br />

gilete sobre a superfície da madeira, como<br />

se fora um bisturi sobre carne viva no seu<br />

propósito de talhar beleza, e que compõem,<br />

no seu to<strong>do</strong>, uma tecitura, e, pois, evoca um<br />

texto, uma narrativa qualquer que explique<br />

as imagens lá registradas.<br />

Esta tecitura se configura por um <strong>mun<strong>do</strong></strong><br />

de aparições que clamam, e discursam,<br />

sobre outro <strong>mun<strong>do</strong></strong> encanta<strong>do</strong>: aquele <strong>do</strong>s<br />

can<strong>do</strong>mblés da Bahia. São Pejis com seus<br />

sacrifícios e oferendas, yaôs em êxtases,<br />

chamas de velas que queimam e iluminam<br />

assentamentos e objetos votivos, vasilhas<br />

de barro, otás, lanças e ferramentas de ferro,<br />

uma profusão de símbolos religiosos e signos<br />

da nossa cultura afro-brasileira que lá entram<br />

em rotação. Expressam imageticamente<br />

o <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> artista, <strong>do</strong> orixá que ele tem<br />

e que o escolheu, assim como o <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> avô<br />

Procópio de Ogum, venera<strong>do</strong> e temi<strong>do</strong><br />

babalorixá, com seu protagonismo próprio<br />

naquela encantada Bahia <strong>do</strong>s mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

século XX, com suas perseguições policiais aos<br />

terreiros e suas humilhações sociais impostas<br />

ao povo de santo. Hélio vai mostrar<br />

de um mo<strong>do</strong> diferente este <strong>mun<strong>do</strong></strong>, vai revelar<br />

aquilo que publicamente não se via, senão sob<br />

a ótica da intolerância e <strong>do</strong> preconceito.<br />

Mostra esta obra o que, no seu <strong>mun<strong>do</strong></strong>,<br />

Helinho tinha de mais valioso: os símbolos<br />

<strong>do</strong> can<strong>do</strong>mblé expressam o que ele vislumbra<br />

como transcendental, ou seja, aquilo que<br />

requer ato de devoção. Expressam, portanto,<br />

a maneira como pode ser visto em traços fixos<br />

o que pertence à dimensão da fé. Os símbolos<br />

não são apenas o que eles nos revelam a<br />

primeira vista, bem sabemos. Nem toda cruz,<br />

pois, é crucifixo, poden<strong>do</strong> ser apenas uma<br />

encruzilhada. Tu<strong>do</strong> depende de com que tipo<br />

de astúcia municiamos nossas crenças, e da<br />

maneira como nossos olhos perscrutam nosso<br />

<strong>mun<strong>do</strong></strong> em busca de verdades etéreas. Acredito<br />

que é isto que a obra de Hélio de Oliveira quer<br />

nos dizer na sua mais substancial simplicidade.<br />

O artista através de sua obra narra, sobretu<strong>do</strong>,<br />

o que é fruto de sua condição de inicia<strong>do</strong> no<br />

can<strong>do</strong>mblé, e <strong>do</strong> título honorífico que se fez<br />

porta<strong>do</strong>r: o de <strong>Assobá</strong> <strong>do</strong> Terreiro <strong>do</strong> Ogunjá.<br />

E, assim sen<strong>do</strong>, daquele <strong>mun<strong>do</strong></strong>, daquela<br />

vida, que ele viu com seus olhos inocentes de<br />

criança, e que compreendeu na sua condição<br />

de homem já forma<strong>do</strong>, subliman<strong>do</strong> em traços<br />

artísticos o que havia de desígnio na sua vida,<br />

já que o contato com o sagra<strong>do</strong> é por demais<br />

ambivalente, exigin<strong>do</strong> permanente mediação e<br />

distanciamento, pois une de forma inseparável

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