Ricardo Augusto de Deus Faciroli - Etapa
Ricardo Augusto de Deus Faciroli - Etapa
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Jornal do Vestibulando<br />
ENTREVISTA<br />
Um sonho que começou aos 15 anos e que foi realizado aos 30: estudar<br />
Medicina na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />
<strong>Ricardo</strong> <strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> <strong>Faciroli</strong><br />
Em 2011 – <strong>Etapa</strong><br />
Em 2012 – Medicina – USP/Ribeirão Preto<br />
JV – Des<strong>de</strong> quando você pensa em ser médico?<br />
<strong>Ricardo</strong> – Planejo há 15 anos fazer Medicina. Quando<br />
eu estava com 15 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, minha avó teve<br />
Alzheimer e nós, a família, ficamos cuidando <strong>de</strong>la.<br />
Naquela época eu já gostava <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> pessoas.<br />
Eu tinha prazer em dar conforto a ela. Foi aí que veio<br />
o estalo: "Eu preciso conseguir fazer Medicina".<br />
Você está com 30 anos. Por que <strong>de</strong>morou a prestar<br />
vestibular para Medicina?<br />
Eu terminei a Etec em Mogi das Cruzes no ano 2000<br />
e fiquei trabalhando. Como eu precisava <strong>de</strong> uma graduação<br />
melhor para minhas ativida<strong>de</strong>s, resolvi fazer<br />
uma primeira faculda<strong>de</strong>, que foi Sistemas <strong>de</strong> Informação<br />
da USP Leste. Entrei em 2006 e concluí em<br />
2009, como analista <strong>de</strong> sistemas.<br />
Por que, em vez <strong>de</strong> tentar Medicina direto, que é<br />
o que queria, você fez outro curso?<br />
Eu não po<strong>de</strong>ria me sustentar durante o curso <strong>de</strong> Medicina,<br />
que é em período integral. Eu precisava juntar<br />
dinheiro para isso. Vir para São Paulo e conseguir um<br />
emprego melhor do que em minha cida<strong>de</strong> foi uma<br />
parte do processo para tentar fazer Medicina. Meu<br />
plano era trabalhar e guardar o dinheiro necessário<br />
para me manter durante o curso. Na hora em que<br />
consegui uma certa estabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fini que ia fazer<br />
o cursinho <strong>Etapa</strong> durante três anos, para me preparar.<br />
Minha colação <strong>de</strong> grau foi numa quinta-feira e na<br />
ENTREVISTA<br />
<strong>Ricardo</strong> <strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> <strong>Faciroli</strong> 1<br />
CONTO<br />
In extremis – Artur Azevedo 3<br />
E 14/06 A 27/06<br />
Resumo <strong>de</strong> uma história interessante<br />
<strong>Ricardo</strong> <strong>Faciroli</strong> começa a pensar em Medicina aos 15 anos. Cursa a Etec <strong>de</strong> Mogi das Cruzes e forma-se em 2000.<br />
Ainda longe do sonho, em 2006, preocupado em reunir recursos para seguir um curso <strong>de</strong> Medicina, entra em Sistemas<br />
<strong>de</strong> Informação, que termina em 2009.<br />
Traça então um plano: fazer cursinho no <strong>Etapa</strong>, à noite, para entrar em Medicina. <strong>Ricardo</strong> contava fazer três anos<br />
<strong>de</strong> cursinho. O primeiro ano, <strong>de</strong> revisão e aquisição <strong>de</strong> conteúdo. O segundo, para chegar à 2ª fase da Fuvest. O<br />
terceiro e último ano <strong>de</strong> cursinho, para ser aprovado em Medicina. Ele começa o plano em 2010, ano que termina<br />
o cursinho no <strong>Etapa</strong> noite, sem prestar nenhum vestibular. Faz seu segundo ano <strong>de</strong> cursinho em 2011, também<br />
à noite. Para checar como está, em junho, presta vestibular na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro. Fica<br />
perto do milésimo lugar (8 mil candidatos) e intensifica os estudos no cursinho. No fim <strong>de</strong> 2011, presta vestibular<br />
e seu plano “falha”. Afinal ele entra, sem precisar do terceiro ano <strong>de</strong> cursinho, na Medicina da USP <strong>de</strong> Ribeirão<br />
Preto, on<strong>de</strong> está em 2012. Durante a presente entrevista – em junho – este batalhador resume assim sua história:<br />
“Hoje consigo dizer que minha profissão é estudante. Tenho orgulho <strong>de</strong> falar isso. Fico emocionado só <strong>de</strong> falar”.<br />
segunda-feira comecei aqui. O plano era fazer o cursinho<br />
no primeiro ano para lembrar. No segundo ano<br />
eu só queria passar para a 2ª fase da Unicamp e da<br />
Fuvest. Ainda achava que teria <strong>de</strong> estudar mais um<br />
ano para conseguir entrar em Medicina. Em 2010, fiz<br />
o <strong>Etapa</strong> à noite e não prestei nenhum vestibular. Vinha<br />
aqui, assistia às aulas, planejava o futuro. Estava<br />
absorvendo conteúdo.<br />
O que motivou você a vir estudar no <strong>Etapa</strong>?<br />
Meu cunhado foi minha referência. Ele tem a minha<br />
ida<strong>de</strong>, está no 6º ano na Pinheiros e estudou aqui. Antes<br />
ele fez Poli, sempre se preparando no <strong>Etapa</strong>. Ele e<br />
minha irmã, que acabou no ano passado, em <strong>de</strong>zembro,<br />
a Residência em Ginecologia e Obstetrícia no HC<br />
[Hospital das Clínicas], me incentivaram muito a prestar<br />
Medicina. Uma motivação <strong>de</strong>les que eu sempre<br />
escutava era: "Você leva jeito para a coisa. Po<strong>de</strong> fazer<br />
Medicina tranquilo que você está no caminho certo".<br />
Em seu segundo ano no cursinho, você foi aprovado<br />
em que vestibulares?<br />
Fui aprovado na Fuvest, para a Medicina USP Ribeirão<br />
Preto, e fui selecionado pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da<br />
Furg [Fundação Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong>].<br />
No ano passado, como era sua rotina diária?<br />
Eu acordava entre 6 e 6 e meia da manhã, entrava no<br />
serviço às 7 horas. No primeiro semestre eu traba-<br />
ARTIGO<br />
Pesquisa abre caminho para estudos<br />
genéticos da cana-<strong>de</strong>-açúcar<br />
O papel do imigrante na evolução do<br />
Brasil<br />
4<br />
5<br />
ENTRE PARÊNTESIS<br />
Do baile 4<br />
lhava das 7 às 18 horas. No segundo semestre eu trabalhava<br />
até as 14 horas, vinha para o cursinho e fazia<br />
exercícios na Sala <strong>de</strong> Estudos até o início das aulas.<br />
Ao chegar em casa dava uma olhada na matéria do<br />
dia. Ia dormir lá pelas 2 e meia, 3 da madrugada.<br />
Consegui manter esse ritmo em agosto e setembro.<br />
Mas isso me cansou bastante e, <strong>de</strong>pois, tive <strong>de</strong> parar.<br />
Como era seu fim <strong>de</strong> semana?<br />
ENSINO,<br />
INFORMAÇÃO<br />
E CULTURA<br />
No fim <strong>de</strong> semana eu estudava muito mesmo. Começava<br />
com o RPM, no sábado. Quando não tinha simulado<br />
ia para casa e estudava até 10, 11 horas da noite.<br />
No domingo, acordava entre 7 e 8 horas e estudava o<br />
dia todo, até umas 6, 7 da noite. Devido à minha fraqueza,<br />
minha meta era fazer todos os exercícios.<br />
Nos simulados, quais eram seus resultados?<br />
1435<br />
No começo, quando você está com a matéria mais<br />
fácil, suas notas são sempre top. Tirei vários A. Conforme<br />
foi aumentando a complexida<strong>de</strong> das matérias,<br />
já perto das férias, minha nota caiu para B. Comecei<br />
o segundo semestre com dois B e o resto C mais. Em<br />
setembro passei a achar que não ia dar, parecia que<br />
estava voltando para o mesmo patamar do ano anterior.<br />
Nessa hora comecei a me esforçar mais, não para<br />
subir, mas para manter o C mais. Sabia que se continuasse<br />
no C mais podia pelo menos conseguir ir para a<br />
2ª fase. Nos simulados conseguia estar muito perto da<br />
nota <strong>de</strong> corte. Mas não perdia a motivação com nota<br />
no simulado. Era uma amostra do que estava fazendo.<br />
SERVIÇO DE VESTIBULAR<br />
Inscrições 8<br />
PARA TREINAR SEU INGLÊS<br />
Mack 8<br />
SOBRE AS PALAVRAS<br />
Cair no conto do vigário 8
2<br />
ENTREVISTA<br />
Do meio para o fim do ano você se sentiu mais<br />
seguro?<br />
Um ponto importante, que me levou a aumentar<br />
muito mais o ritmo <strong>de</strong> estudos, foi ter prestado no<br />
meio do ano o vestibular da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
do Triângulo Mineiro. Se não me engano, tinha<br />
oito mil inscritos e eu fiquei em posição acima <strong>de</strong><br />
mil. Faltava superar mil pessoas para chegar a uma<br />
vaga. Mas, mesmo aumentando o ritmo <strong>de</strong> estudos,<br />
minhas notas no simulado <strong>de</strong>ram uma caída.<br />
No cursinho, quais foram suas maiores dificulda<strong>de</strong>s<br />
em termos <strong>de</strong> matéria?<br />
A parte em que eu tenho dificulda<strong>de</strong> mesmo é Português<br />
e Redação. Sou muito prolixo ao pôr i<strong>de</strong>ias<br />
no papel e isso me <strong>de</strong>ixava com uma certa vergonha<br />
<strong>de</strong> escrever. Para começar uma redação mandava<br />
o homem até a Lua e <strong>de</strong>pois começava. A falta <strong>de</strong><br />
foco era a <strong>de</strong>ficiência mais gritante. E tinha uma <strong>de</strong>pendência<br />
<strong>de</strong> tempo muito gran<strong>de</strong>. Tive <strong>de</strong> treinar<br />
redação com o tempo na cabeça, para não estourar<br />
o limite da prova. E eu não trazia os meus textos para<br />
corrigir porque tinha receio <strong>de</strong> ser muito criticado.<br />
Você fazia redação com frequência?<br />
Uma vez por mês, às vezes <strong>de</strong> 15 em 15 dias. Quando<br />
o professor sugeria um tema importante, eu<br />
fazia uma redação. Mesmo que aqui no <strong>Etapa</strong> chegasse<br />
a tirar E, na Unicamp [com 3 redações] passei<br />
para a 2ª fase e foi uma vitória.<br />
Você leu os livros indicados pela Fuvest e<br />
Unicamp?<br />
A Antologia poética <strong>de</strong> Vinicius <strong>de</strong> Moraes foi um livro<br />
que passei por cima. Outra obra que não terminei<br />
<strong>de</strong> ler foi A cida<strong>de</strong> e as serras, <strong>de</strong> Eça <strong>de</strong> Queirós.<br />
É uma história lenta, quando <strong>de</strong>ixava para ler à noite<br />
acabava dormindo. Os outros, li todos. Também<br />
li os resumos e fiz os exercícios dos resumos.<br />
Você assistiu às palestras sobre os livros?<br />
Sim, e prestava muita atenção nas palestras. Gostei<br />
muito <strong>de</strong>las.<br />
No vestibular, como você se saiu nessa parte?<br />
Foi tranquilo. Deu para ir bem.<br />
Trabalhando e estudando, você tinha alguma<br />
ativida<strong>de</strong> para relaxar?<br />
Basicamente, no domingo à noite, eu ia jantar com<br />
minha irmã e meu cunhado. Eu gosto muito <strong>de</strong><br />
conversar e nossos assuntos principais eram cursinho<br />
e Medicina. Minha válvula <strong>de</strong> escape era sair<br />
com eles, todo fim <strong>de</strong> semana.<br />
Na Fuvest, quantos pontos você fez na 1ª fase?<br />
Com bônus <strong>de</strong> escola pública fui para 76. A nota <strong>de</strong><br />
corte foi 73. Sem o bônus não teria entrado.<br />
Para a 2ª fase mudou alguma coisa no seu método<br />
<strong>de</strong> estudo?<br />
Sim, passei a dar foco na resolução <strong>de</strong> provas antigas<br />
da Fuvest. Inclusive escrevendo os seus temas<br />
<strong>de</strong> Redação. Estu<strong>de</strong>i muito, muito mesmo. Procurei<br />
fazer o máximo possível <strong>de</strong> exercícios. Fiz todos os<br />
exercícios indicados pelos professores.<br />
Na 2ª fase, quais foram suas notas?<br />
No primeiro dia, minha nota foi 53,75. Na Redação,<br />
tive aproveitamento <strong>de</strong> 55%. No segundo dia,<br />
70,31. E no terceiro dia, 75.<br />
Jornal do Vestibulando<br />
Na escala <strong>de</strong> zero a 1 000, qual foi sua pontuação?<br />
749,8.<br />
Classificação na carreira?<br />
53º lugar [ele ficou à frente <strong>de</strong> praticamente meta<strong>de</strong><br />
dos aprovados <strong>de</strong> Ribeirão Preto, com nota que<br />
po<strong>de</strong>ria aprovar na Pinheiros].<br />
No Enem, pelo qual você se matriculou na Furg<br />
em primeira chamada, qual foi a pontuação?<br />
Na redação, 820. Nos testes, 160 acertos.<br />
Como você ficou sabendo <strong>de</strong> sua aprovação na<br />
Fuvest?<br />
Vim para o <strong>Etapa</strong> para dar a cara a bater. Vim como<br />
estava acostumado, saindo do trabalho direto para<br />
o cursinho. Olhei a lista e não acreditei. Não lembro<br />
do que falei na hora. Tremia bastante. Já estava todo<br />
pintado, comemorando, quando recebi uma mensagem<br />
no celular: "Parabéns, <strong>Ricardo</strong>, você passou na<br />
Santa Casa". "Como Santa Casa?" Fui ao banheiro,<br />
lavei o rosto, segurei o choro e fui embora achando<br />
que tinha passado na Santa Casa, o que não era uma<br />
coisa ruim, mas eu não teria dinheiro para fazer. Será<br />
que eu tinha feito a inscrição errada? Quando olhei a<br />
lista <strong>de</strong> novo, vi que era Ribeirão Preto.<br />
Por que você escolheu estudar em Ribeirão Preto?<br />
Minha irmã amou o curso na Pinheiros e pôs objeção<br />
a que eu fizesse uma faculda<strong>de</strong> que não fosse<br />
top. À Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> Ribeirão Preto ela<br />
não pôs objeção nenhuma. Tenho muito contato<br />
com os colegas da minha irmã e <strong>de</strong> meu cunhado<br />
e eles falaram que a qualida<strong>de</strong> lá é como a daqui.<br />
O HC é um hospital referência na região. Fui atrás<br />
disso, do HC <strong>de</strong> Ribeirão e da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />
da cida<strong>de</strong>. A estrutura da faculda<strong>de</strong> é idêntica e o<br />
nível da faculda<strong>de</strong> é o mesmo.<br />
Você já conhecia a faculda<strong>de</strong>?<br />
Conheci no dia da matrícula. O campus é lindo. O HC<br />
está <strong>de</strong>ntro do campus. O curso é dividido em ciclo básico,<br />
que são os três primeiros anos, e o ciclo médico,<br />
do 4º ao 6º ano. Você começa a ter a vivência <strong>de</strong> HC<br />
e eu logo me i<strong>de</strong>ntifiquei com um grupo que tem lá,<br />
chamado Feliz Ida<strong>de</strong>, que passa em visita aos leitos, todos<br />
vestidos <strong>de</strong> palhaço. Fui participar das visitas que<br />
eles fazem. E nós temos uma matéria, ASC, Atenção<br />
à Saú<strong>de</strong> da Comunida<strong>de</strong>, que nos permite conhecer a<br />
re<strong>de</strong> hospitalar <strong>de</strong> Ribeirão Preto. Na cida<strong>de</strong> tem muito<br />
postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, UBS [Unida<strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>].<br />
Que matérias você teve no primeiro semestre?<br />
Nós começamos com Biologia Celular, Bioquímica,<br />
Genética Humana, Anatomia Geral e do Aparelho Locomotor,<br />
Atenção à Saú<strong>de</strong> da Comunida<strong>de</strong>, Bioética<br />
e Formação Humanística e BCMTD – Biologia Celular,<br />
Molecular e Tecidual e do Desenvolvimento. Esta<br />
tem a maior carga horária do curso. Nós começamos<br />
o curso com Biologia Celular. Acabou Biologia Celular,<br />
começamos Biologia Molecular. Agora estamos<br />
tendo Histologia. As matérias são por ciclos.<br />
Qual é a matéria mais pesada, mais complicada?<br />
Essa mesmo. Você vai estudar bastante BCMTD. É<br />
a matéria crítica. Anatomia também. Anatomia do<br />
Aparelho Locomotor é uma matéria <strong>de</strong> <strong>de</strong>corar, o<br />
que é um pouco complicado. Eu tinha medo <strong>de</strong> não<br />
acompanhar o curso, mas minhas notas estão entre<br />
6 e 7. O que conta na Medicina é o esforço e o quanto<br />
você tem <strong>de</strong> paixão pelo que está estudando.<br />
Do que você está gostando mais até agora na<br />
faculda<strong>de</strong>?<br />
Estou gostando mais do <strong>de</strong>safio. Nunca tenho um<br />
dia igual ao outro. Em Ribeirão Preto, primeiro me<br />
apaixonei pelo campus, muito bonito mesmo. Lá<br />
estou conseguindo fazer mais coisas. Tenho aulas<br />
das 8 da manhã ao meio-dia, <strong>de</strong>pois das 2 às 6 da<br />
tar<strong>de</strong>. Mas parece que meu dia tem mais tempo.<br />
Comecei a praticar esporte, consigo treinar beisebol<br />
na hora do almoço e no fim <strong>de</strong> semana. Sou<br />
monitor no cursinho comunitário da Medicina, dou<br />
monitoria em Exatas toda sexta-feira. Já fui numa<br />
extensão universitária, um projeto <strong>de</strong>ntro da faculda<strong>de</strong><br />
que reúne outros cursos. Estou indo com<br />
o pessoal do Direito a uma comunida<strong>de</strong> chamada<br />
Parque Ribeirão. Passamos a tar<strong>de</strong> em uma escola,<br />
tem uns que vão jogar bola, outros que dão reforço<br />
escolar. O pessoal em Ribeirão é muito festeiro,<br />
tem muita festa, mas só vou quando dizem que a<br />
festa é para os calouros. Hoje minha cabeça está<br />
focada em estudo.<br />
Como vivem os calouros <strong>de</strong> Medicina em Ribeirão<br />
Preto, muitos <strong>de</strong>les <strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s, como<br />
você?<br />
O curso é um orgulho para a cida<strong>de</strong>, tem muita tradição.<br />
Até o dia 13 <strong>de</strong> maio nós usamos uma boina<br />
amarela. É uma brinca<strong>de</strong>ira dos veteranos com os<br />
calouros e é um símbolo da faculda<strong>de</strong>. A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Ribeirão Preto reconhece os estudantes <strong>de</strong> Medicina<br />
pela boina amarela. Não po<strong>de</strong>mos tirá-la. Na rua<br />
as senhoras falam: "Parabéns, está fazendo Medicina".<br />
Antigamente, andar com a boina era arranjar<br />
casamento. Os pais punham as filhas nas janelas<br />
para esperar os rapazes <strong>de</strong> boina.<br />
Qual área você gostaria <strong>de</strong> seguir na Medicina?<br />
Eu tenho inclinação para a área <strong>de</strong> Geriatria. Gosto<br />
<strong>de</strong> Pediatria também.<br />
Como fica marcado o ano passado para você?<br />
Ser aprovado no vestibular foi uma gran<strong>de</strong> surpresa,<br />
uma surpresa excelente. Foi um ano <strong>de</strong> planejamento,<br />
<strong>de</strong> um esforço que acabou muito bem<br />
compensado. Foi um ano <strong>de</strong> vitória. Estou feliz.<br />
Hoje consigo dizer que minha profissão é estudante.<br />
Tenho orgulho <strong>de</strong> falar isso. Fico emocionado só<br />
<strong>de</strong> falar.<br />
Você acha que está diferente <strong>de</strong> quando começou<br />
o cursinho?<br />
Antes do cursinho eu tinha menos confiança na minha<br />
capacida<strong>de</strong> intelectual. Tinha receio <strong>de</strong> entrar<br />
na Medicina e não conseguir acompanhar. Hoje estou<br />
mais seguro para acreditar em mim.<br />
O que você diria a quem prestou Medicina, não<br />
passou e está aqui novamente?<br />
Na minha sala tem uma pessoa que prestou cinco<br />
anos, entrou e está superfeliz. Todas as pessoas têm<br />
o seu tempo. O meu veio aos 30 anos. Hoje não<br />
existe a palavra velhice.<br />
Jornal ETAPA, editado por <strong>Etapa</strong> Ensino e Cultura<br />
REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP<br />
JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343
O<br />
major Brígido era viúvo e tinha uma<br />
filha <strong>de</strong> vinte anos, lindíssima, que<br />
fazia muita cabeça andar à roda; entretanto,<br />
o coração da rapariga, quando “falou”<br />
(assim se dizia antes), falou mal. Quero<br />
dizer que Gilberta – era este o seu nome – se<br />
enfeitiçou justamente pelo mais insignificante<br />
<strong>de</strong> quantos a requestavam – pelo Teobaldo<br />
Nogueira, sujeito que vivia, po<strong>de</strong>-se dizer, <strong>de</strong><br />
expedientes, sem retida certa que lhe <strong>de</strong>sse o<br />
direito <strong>de</strong> constituir família, mendigando aqui<br />
e acolá, no comércio, pequenas comissões, corretagens,<br />
e lambugens adventícias.<br />
O major Brígido, cheio <strong>de</strong> senso prático,<br />
vendo com maus olhos essa inclinação <strong>de</strong>sacertada<br />
da filha, abriu-se com o seu melhor<br />
amigo, o Viegas que, apesar <strong>de</strong> ter uns <strong>de</strong>z<br />
anos menos que ele, era o seu consultor, o seu<br />
conselheiro, o oráculo reservado para as gran<strong>de</strong>s<br />
emergências da vida.<br />
– Deixe-a! opinou o Viegas. Se você a contraria,<br />
aquilo fica <strong>de</strong> pedra e cal! O melhor era<br />
fazer ver a Gilberta por meios indiretos, que a<br />
sua escolha po<strong>de</strong>ria ser melhor... Não ataque<br />
<strong>de</strong> frente a questão!... Não bata com o pé... não<br />
invoque a sua autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pai...<br />
O major Brígido aceitou o conselho, e, uma<br />
tar<strong>de</strong>, achando-se à janela com sua filha, viu<br />
passar na rua o Teobaldo Nogueira, que os<br />
cumprimentou.<br />
O pai correspon<strong>de</strong>u com muita frieza, a filha<br />
com muita afabilida<strong>de</strong>. Pareceu ao major<br />
que o momento não podia ser mais propício<br />
para uma explicação; tratou <strong>de</strong> aproveitá-lo.<br />
– Minha filha, disse ele, tenho notado que<br />
aquele homem passa amiudadas vezes por<br />
nossa casa, e não creio que seja pelos meus bonitos<br />
olhos...<br />
Gilberta corou e sorriu.<br />
– Não quero nem <strong>de</strong> leve contrariar as tuas<br />
inclinações, casar-te-ás com o homem, seja<br />
quem for, que escolheres para marido. O teu coração<br />
pertence-te: dispõe <strong>de</strong>le à vonta<strong>de</strong>. Entretanto,<br />
o meu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> pai e amigo é abrir-te os<br />
olhos para não dares um passo <strong>de</strong> que mais tar<strong>de</strong><br />
te arrependas amargamente. Não me parece<br />
que este homem te convenha, não tem posição<br />
social <strong>de</strong>finida, não ganha bastante para tomar<br />
sobre os ombros quaisquer encargos <strong>de</strong> família,<br />
e – <strong>de</strong>ixa que teu pai seja franco – não é lá muito<br />
bem visto no comércio... Não és uma criança<br />
nem uma tola que te <strong>de</strong>ixes levar pelos bigo<strong>de</strong>s<br />
retorcidos nem pelas bonitas roupas <strong>de</strong> um homem!<br />
Não és rica, mas, bonita, inteligente, boa<br />
como és, não te faltarão preten<strong>de</strong>ntes que te mereçam<br />
mais que o tal Teobaldo Nogueira.<br />
Gilberta fez-se ainda mais rubra, mor<strong>de</strong>u<br />
os lábios e não disse palavra.<br />
De nada valeram os conselhos paternos.<br />
Daí por diante, redobrou o seu entusiasmo<br />
pelo moço, e, um mês <strong>de</strong>pois, quando o pai<br />
se preparava para impingir-lhe novo sermão,<br />
ela atalhou-o <strong>de</strong>clarando peremptoriamente<br />
que amava aquele homem, com todos os seus<br />
<strong>de</strong>feitos, com toda a sua pobreza e que jamais<br />
seria mulher <strong>de</strong> outro!<br />
In extremis<br />
Artur Azevedo<br />
Consultado o oráculo Viegas, este aconselhou<br />
uma estação <strong>de</strong> águas que distraísse a<br />
moça. O major Brígido sacrificou-se em pura<br />
perda.<br />
Gilberta voltou <strong>de</strong> Lambari mais apaixonada<br />
que nunca.<br />
Um belo dia, Teobaldo Nogueira apresentou-se<br />
ao pai e pediu-a em casamento <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> fazer uma exposição <strong>de</strong>slumbrante dos seus<br />
recursos. Havia meses em que ganhava para<br />
cima <strong>de</strong> três contos <strong>de</strong> réis. Já tinha posto alguma<br />
coisa <strong>de</strong> parte e contava mais dia menos<br />
dia, estabelecer-se <strong>de</strong>finitivamente. Se fosse<br />
um especulador, um aventureiro mal-intencionado,<br />
procuraria casamento vantajoso. Sabia<br />
que Gilberta era pobre, casava-se por amor.<br />
O casamento ficou assentado.<br />
***<br />
O major Brígido sofreu com isto um gran<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sgasto, agravado em seguida pela súbita<br />
enfermida<strong>de</strong> do Viegas, o seu melhor amigo, o<br />
seu oráculo, que caiu <strong>de</strong> cama e em menos <strong>de</strong><br />
uma semana ficou às portas da morte.<br />
Dois médicos <strong>de</strong>senganaram-no. Jamais<br />
a tuberculose aniquilara com tanta rapi<strong>de</strong>z<br />
um homem <strong>de</strong> 40 anos. As hemoptises eram<br />
frequentes, esperava-se que <strong>de</strong> um momento<br />
para outro o enfermo sucumbisse afogado em<br />
sangue.<br />
Nesta situação extrema o Viegas chamou para<br />
junto do seu leito o major Brígido, e disse-lhe:<br />
– Meu velho, eu vou morrer...<br />
– Deixa-te <strong>de</strong> asneiras!<br />
– Tenho poucos dias... poucas horas <strong>de</strong><br />
vida... conheço o meu estado. No momento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar este mundo, <strong>de</strong> quem mais me posso<br />
lembrar senão <strong>de</strong> ti e <strong>de</strong> tua filha? Bem sabes<br />
que não tenho ninguém... Meu irmão, que não<br />
vejo há vinte anos, é um patife, um bandido,<br />
que está, dizem, milionário, e que, sabendo do<br />
meu estado, não me vem visitar... Minha irmã,<br />
que resi<strong>de</strong> em Paris, é uma mulher perdida,<br />
uma <strong>de</strong>sgraçada, que sempre me envergonhou...<br />
– Não se lembre agora disso!<br />
– Não fui um dissipado, guar<strong>de</strong>i o que<br />
era meu, e tenho alguma coisa que por minha<br />
morte irá para as mãos <strong>de</strong>ssas duas criaturas...<br />
Lembrei-me <strong>de</strong> fazer testamento, mas um testamento<br />
po<strong>de</strong>ria dar lugar a uma <strong>de</strong>manda...<br />
Lembrei-me <strong>de</strong> coisa melhor: caso-me com Gilberta<br />
e doto-a com 100 contos <strong>de</strong> réis, isto é, o<br />
quanto possuo, mas com as <strong>de</strong>vidas cautelas<br />
jurídicas para que este dote fique bem seguro,<br />
seja inalienável... tu bem me enten<strong>de</strong>s... Ela<br />
tem um noivo, mas este não se oporá, talvez,<br />
a uma fortuna da qual participará mais tar<strong>de</strong>.<br />
A situação <strong>de</strong>sse homem será modificada num<br />
ponto, apenas: em vez <strong>de</strong> se casar com uma<br />
moça solteira, casar-se-á com uma senhora<br />
viúva...<br />
E acrescentou:<br />
– Viúva e virgem.<br />
O major Brígido recalcitrou; que haviam <strong>de</strong><br />
dizer? seriam capazes <strong>de</strong> inventar até que ele<br />
CONTO 3<br />
abusara <strong>de</strong> um agonizante! mas o Viegas insistiu,<br />
apresentando, com extraordinária luci<strong>de</strong>z,<br />
todos os argumentos imagináveis, inclusive<br />
aquele <strong>de</strong> que a última vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um moribundo<br />
é sagrada.<br />
Gilberta protestou energicamente quando<br />
o pai lhe comunicou a proposta do Viegas, e<br />
disse logo que não se prestava a esta comédia<br />
fúnebre, mas o Teobaldo Nogueira, pelo<br />
contrário, instou com ela para que aceitasse,<br />
e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u calorosamente a piedosa i<strong>de</strong>ia do<br />
tuberculoso.<br />
A moça ressentiu-se <strong>de</strong>ssa falta <strong>de</strong> escrúpulos,<br />
mas disfarçou o seu sentimento e disse:<br />
– Meu pai, faça o que enten<strong>de</strong>r!<br />
***<br />
Alguns dias <strong>de</strong>pois havia em casa do Viegas<br />
um vaivém <strong>de</strong> pretores, padres, testemunhas,<br />
escrivães, tabeliães, sacristães, etc.; mas<br />
todo esse movimento, longe <strong>de</strong> fazer com que<br />
o enfermo piorasse, ajudou-o a voltar à vida.<br />
As hemoptises tinham cessado.<br />
Depois <strong>de</strong> casado com Gilberta, o Viegas<br />
sentiu-se tão bem que <strong>de</strong>sconfiou dos seus médicos<br />
e mandou chamar um dos nossos príncipes<br />
da ciência, para examiná-lo.<br />
Riu-se o famoso doutor quando lhe dissera<br />
o diagnóstico dos colegas.<br />
– Tuberculose? Qual tuberculose! O senhor<br />
é tão tuberculoso como eu! Aquele sangue era<br />
do estômago... Trate do seu estômago que este<br />
<strong>de</strong>svio é grave.<br />
– Mas as hemoptises...<br />
– Que hemoptises, que nada. Hematêmeses,<br />
isso sim!<br />
Pouco <strong>de</strong>pois o Viegas, completamente restabelecido,<br />
empreen<strong>de</strong>u uma gran<strong>de</strong> viagem à<br />
Europa com sua mulher. Era preciso pôr uma<br />
barreira entre ela e o Teobaldo, – e que barreira<br />
melhor que o Atlântico?<br />
***<br />
A viagem durou dois anos. O Viegas e Gilberta<br />
trouxeram consigo uma filhinha, nascida<br />
na Itália.<br />
Ele fizera com muita diplomacia amorosa<br />
e muita dignida<strong>de</strong> conjugal a conquista da sua<br />
mulher, e ela foi sempre o mo<strong>de</strong>lo das esposas.<br />
Ao regressar do Velho Mundo, o Viegas<br />
pediu ao major Brígido notícias do Teobaldo<br />
Nogueira.<br />
– Está na ca<strong>de</strong>ia, respon<strong>de</strong>u-lhe o sogro.<br />
Calculo o que estava reservado para minha filha,<br />
se não fosse a sua generosida<strong>de</strong>!<br />
– Quando nos casamos, já ela não gostava<br />
<strong>de</strong>le pelo empenho interesseiro em que o viu<br />
<strong>de</strong> que ela se casasse com um cadáver que valia<br />
cem contos...<br />
Gilberta que, sem ser pressentida, ouvira a<br />
conversa, aproximou-se do marido e disse-lhe:<br />
– E creia Viegas, que se você houvesse morrido,<br />
a minha viuvez seria eterna.<br />
Extraído <strong>de</strong>: Contos <strong>de</strong> Artur Azevedo.