Suplemento Cultural – Mar/Abr 2011 - ASMEGO
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<strong>Suplemento</strong> <strong>Cultural</strong> do Jornal O Magistrado Goiânia, <strong>Mar</strong>ço/<strong>Abr</strong>il de <strong>2011</strong> - Nº 04<br />
Artes<br />
O apreço pelas artes despertou<br />
cedo. Ainda menina, na cidade de<br />
Santana, na Bahia, a juíza aposentada<br />
Élia Neves Jungmann já arriscava<br />
os primeiros traços e desenhos.<br />
Na juventude freqüentou<br />
a Escola de Artes, do Colégio das<br />
Irmãs Dominicanas, em Porto Nacional.<br />
A magistrada conta que ao<br />
se casar, parou de pintar por 15<br />
anos. Os novos afazeres, os filhos<br />
e a profissão fizeram com que a<br />
pintura fosse deixada de lado.<br />
Depois desse período passou a retratar<br />
em suas telas, principalmente,<br />
as ruas e casarões da cidade<br />
de Goiás. A maioria dos quadros<br />
que guarda, hoje, em casa, é<br />
dessa época.<br />
Durante os anos em que trabalhou<br />
na comarca de Piracanjuba,<br />
a juíza chegou a integrar um grupo<br />
de senhoras que faziam trabalhos<br />
manuais para serem vendidos<br />
em prol de um asilo. “No início,<br />
por ser juíza, elas achavam<br />
Arte baiana com<br />
tempero do Cerrado goiano<br />
Dra. Elia Jungmann apresenta parte da sua produção artística<br />
que eu só sabia ler e escrever. Mas<br />
acabei fazendo vários quadros<br />
que doei para que elas pudessem<br />
vender”, relembra.<br />
Atualmente, ela não pinta<br />
mais. Não por falta de inspiração,<br />
mas por uma questão prática.<br />
“As paredes não comportam<br />
mais e as pessoas que eu quis<br />
presentear com os quadros, eu já<br />
presenteei”. Apesar de ter deixado<br />
a pintura em tela de lado, Elia<br />
continua a exercitar sua<br />
criatividade fazendo diferentes<br />
tipos de artesanatos, como a pintura<br />
em cabaças, em porcelana,<br />
além de forros de mesa bordados.<br />
Seu próximo projeto é reunir<br />
objetos antigos que pertencem à<br />
família, como livros e móveis, em<br />
um pequeno museu que está sendo<br />
montado em sua fazenda, na<br />
cidade de Aruanã. A magistrada<br />
também pretende desenvolver<br />
um trabalho social com a comunidade<br />
da região. A intenção é<br />
acolher grupos de crianças, jovens,<br />
adultos e idosos para que<br />
compartilhem do acervo literário.<br />
“Queremos contribuir com a formação<br />
moral. Sinto que as crianças,<br />
hoje, aprendem a ler e a escrever,<br />
mas não aprendem os<br />
princípios, os valores”.
02<br />
PROFISSÃO<br />
O que leva o filho a seguir carreira da mãe juíza<br />
Juíza substituta em segundo grau do Tribunal<br />
de Justiça do Estado de Goiás (TJGO),<br />
Elizabeth <strong>Mar</strong>ia da Silva divide as angústias<br />
da profissão com uma colega especial, a própria<br />
filha Letícia Silva Carneiro de Oliveira,<br />
titular do Juizado Cível e Criminal de Pires<br />
do Rio. Letícia ingressou na magistratura em<br />
setembro de 2008, mas já tinha certeza há alguns<br />
anos que queria seguir a carreira da mãe.<br />
“Quando eu passei no vestibular eu já sabia<br />
exatamente o que eu queria, eu não tive nem<br />
a dificuldade de resolver o que eu ia fazer”.<br />
Elizabeth conta que a decisão da filha a deixou<br />
emocionada. “Fiquei muito feliz e também<br />
senti que, provavelmente, eu tinha dado<br />
um bom exemplo, mostrando a alegria de ser<br />
magistrada, porque despertei o interesse e o<br />
desejo dela de seguir a carreira”.<br />
Letícia confessa que a influência da mãe<br />
pesou na sua escolha. “Eu cresci nesse ambiente<br />
e me encantei pela profissão. Eu já sabia<br />
como era a vida de um magistrado”. A juíza<br />
acredita que o fato de ter convivido desde<br />
cedo com a profissão ajudou na sua preparação<br />
para exercer a função. “A gente não se<br />
surpreende, por exemplo, de ter que morar<br />
no interior, isso se torna uma coisa natural,<br />
porque eu já vivi isso. Encaro o trabalho com<br />
um pouco mais de facilidade, por ter tido o<br />
exemplo em casa”.<br />
A mãe lembra que frequentemente levava<br />
processos para casa. “Sempre levei serviço<br />
para casa. Meus filhos sempre participaram<br />
disso, com toda naturalidade, era algo natural,<br />
inerente a mim, e que eu desempenhava<br />
em casa, estudando, elaborando sentença. Era<br />
parte do nosso dia-a-dia, sem nenhuma imposição,<br />
sem nenhuma reclamação”. Segundo<br />
a filha, a função do juiz perante a sociedade<br />
foi uma determinante para a escolha da<br />
profissão. “Tudo na magistratura sempre me<br />
atraiu, o papel do juiz na sociedade, principalmente<br />
no interior, onde o juiz pode melhorar<br />
muito a vida da população”. Elizabeth<br />
conta que aconselhou a filha após ela ter sido<br />
aprovada no concurso para juiz. “Faça justiça,<br />
sem perder a sensibilidade, porque no<br />
nosso dia-a-dia, em razão da sobrecarga de<br />
trabalho, pela correria e as exigências, muitas<br />
vezes nós nos esquecemos que por trás daquelas<br />
capinhas coloridas tem vidas, tem corações,<br />
tem pessoas chorando, necessitando<br />
de uma resposta”.<br />
Convivência maternal influEncia a escolha<br />
O juiz <strong>Mar</strong>cus Vinícius Alves de Oliveira,<br />
titular da 2ª Vara Cível e Criminal de Goiatuba,<br />
é filho da juíza Carmecy Rosa <strong>Mar</strong>ia Alves de<br />
Oliveira, titular da 1ª Vara Criminal de Goiânia.<br />
Até o dia de realizar a inscrição no vestibular,<br />
a mãe não tinha ideia de que o filho acabaria<br />
seguindo seus passos. “Quando fui me inscrever<br />
no vestibular, minha mãe achou que ia escolher<br />
o curso de Zootecnia ou Medicina Veterinária,<br />
porque eu gosto muito de animais, e<br />
quando ela viu eu me inscrever em Direito ela<br />
até se espantou”. A juíza conta que achou que<br />
o filho tivesse marcado a opção errada. “Ele veio<br />
fazer a inscrição do vestibular no meu gabinete<br />
e preencheu o formulário e quando eu vi que<br />
ele havia marcado Direito, eu disse que ele havia<br />
se enganado. Ele tinha muita afinidade com<br />
o tio que era veterinário, eu acreditava que a<br />
escolha natural fosse essa”.<br />
<strong>Mar</strong>cus explica que a influência<br />
da mãe foi natural. Quando ele<br />
nasceu, Carmecy já trabalhava<br />
como juíza há três anos. “À medida<br />
que ela ia contando as histórias<br />
e as soluções, eu fui me familiarizando<br />
e me apaixonando pela<br />
função de julgar. Ela contava algumas<br />
experiências em casa e eu<br />
fui percebendo que era uma profissão<br />
extremamente importante<br />
para solucionar as angústias das<br />
pessoas e mais do que isso, levava<br />
a uma grande realização pessoal<br />
e profissional”. A juíza conta<br />
que mesmo depois que o filho<br />
Elizabeth <strong>Mar</strong>ia da Silva e sua filha Letícia Silva Carneiro de Oliveira<br />
começou a estudar Direito não acreditava que<br />
ele pudesse optar pela magistratura. “Achei<br />
que ele escolheria o ramo de advocacia, porque<br />
chegou a estagiar em dois escritórios diferentes<br />
ao mesmo tempo”. Após concluir a graduação,<br />
<strong>Mar</strong>cus começou a estudar para concursos<br />
públicos e foi aprovado em novembro<br />
de 2006, na seleção para a magistratura goiana.<br />
A mãe lembra que recebeu a notícia da aprovação<br />
com muita felicidade. “Senti uma mistura<br />
de satisfação e orgulho com a conquista dele,<br />
mas também um pouquinho de aflição, sabendo<br />
o tamanho da responsabilidade que iria pesar<br />
sobre ele. Trabalhando na mesma profissão,<br />
a gente sabe o que o filho vai passar, mas<br />
ele tem me surpreendido, cada dia que passa<br />
fico mais feliz com o desempenho dele”.<br />
<strong>Mar</strong>cus Vinícius de Oliveira e Carmecy Rosa de Oliveira
A juíza aposentada Pulcina Silva Ferreira<br />
se diverte quando lembra do discurso da filha<br />
quando criança. “Quando pequena, a Liliam<br />
dizia que não queria ser nada disso que eu e o<br />
pai dela éramos”. A mãe conta que por causa<br />
da profissão viajava muito e precisava ficar<br />
algum tempo longe de casa e por isso os pro-<br />
Adriana <strong>Mar</strong>ia dos Santos<br />
Juíza Substituta<br />
Livro: A Lei do Triunfo<br />
Autor: Napoleon Hill<br />
“O autor faz um estudo minucioso,<br />
durante 20 anos, da<br />
personalidade de grandes<br />
líderes da história mundial,<br />
como Henry Ford, <strong>Abr</strong>aham<br />
Lincoln e Benjamin Franklin.<br />
De acordo com esse estudo ele<br />
sugere 16 leis que devem ser<br />
observadas por aquelas pessoas<br />
que pretendem se destacar<br />
na sociedade”.<br />
VOCAÇÃO EM FAMÍLIA<br />
testos da filha eram constantes. Mas, a menina<br />
cresceu e hoje é titular do Juizado Especial<br />
Cível e Criminal de Senador Canedo. Pulcina<br />
disse que não imaginava que um dia a filha,<br />
Liliam <strong>Mar</strong>gareth da Silva Ferreira, viesse a<br />
exercer a mesma profissão dela. “Quando ela<br />
fez o vestibular eu viajei. Quando saiu o resul-<br />
Liliam <strong>Mar</strong>gareth Ferreira<br />
e sua mãe, Pulcina Ferreira<br />
tado da prova e eu peguei o jornal é que eu vi<br />
que ela havia sido aprovada nas duas faculdades<br />
de Direito do Estado”.<br />
Liliam explica que, inicialmente, não tinha<br />
interesse em fazer Direito e sim algum curso<br />
na área de exatas. “Naquela época eu fiz um<br />
teste vocacional e gostava muito da área de<br />
química e matemática. Mas tinha uma amiga<br />
que estava fazendo um curso de Engenharia e<br />
estava enfrentando dificuldades, achando<br />
muito difícil. Isso fez com que eu optasse pelo<br />
Direito mais por exclusão”. A vontade de seguir<br />
a carreira de magistrada só veio no penúltimo<br />
ano do curso de Direito, quando ela<br />
teve contato com colegas que estavam se preparando<br />
para prestar o concurso. “No quarto<br />
ano, trabalhei na Seção de Apoio ao Juiz e conheci<br />
pessoas que estudavam para o concurso<br />
da magistratura, e aí me interessei e já comecei<br />
a fazer um cursinho preparatório”. A juíza<br />
explica que a mãe e o pai não interferiram na<br />
escolha. “Eu admirava a postura deles no trabalho<br />
e a profissão, mas nunca me induziram<br />
a nada, pelo contrário, pela vontade do meu<br />
pai eu teria feito Odontologia”.<br />
<strong>Mar</strong>ia Luiza Póvoa Cruz<br />
Juíza aposentada<br />
Livro: Anna Karenina<br />
Autor: Leon Tolstoi<br />
“Um clássico do século XIX. Conta a trajetória<br />
de uma mulher forte, envolvente,<br />
ousada que quebra todas as barreiras da<br />
época. A narrativa trata de temas muito<br />
atuais como paixão e traição e tem como<br />
pano de fundo a história da Rússia”.<br />
Bianca Melo Cintra<br />
Juíza Substituta<br />
Livro: Código de Processo Penal Comentado<br />
Autor: Guilherme de Souza Nucci<br />
“O livro tem linguagem acessível e traz<br />
explicações detalhadas sobre artigos. Também<br />
é rico em exemplos de jurisprudências<br />
e posições doutrinárias. Serve como instrumento<br />
de consulta para o magistrado no<br />
momento de elaborar a sentença”.<br />
03
04<br />
Homenagem<br />
A força de uma companheira<br />
Ex-presidente da Asmego, desembargador Homero Sabino de<br />
Freitas em relato exclusivo ao O MAGISTRADO presta homenagem<br />
à sua esposa Vitória, que faleceu em março deste ano ( 29/03/43<br />
17/03/11).<br />
“Lembro de quando iniciamos a nossa história, já era juiz e fui promovido<br />
de Arraias para Formosa. A primeira mulher que me visitou no gabinete<br />
de trabalho foi ela, e com ela depois de dois anos de namoro eu me<br />
casei, em 1963. Temperamento humilde, daquelas pessoas que parece ter<br />
nascido mais para servir do que para ser servido. Ela costumava perguntar<br />
pra mim: Você já percebeu, olhando para trás, a família bonita que nós temos?<br />
Quando eu cheguei à Goiânia não existia associação, a nossa situação era<br />
precaríssima, em termos de vencimentos, e em termos de reconhecimento<br />
do nosso trabalho. Quando eu entrei, a Justiça estava em um estágio bem<br />
mais atrasado em relação aos outros Estados e não só o Judiciário, mas vários<br />
setores. A própria dedicação dos juízes ao trabalho e à classe ficava comprometida.<br />
Foi daí que nasceu um grupo pequeno de dez juízes que eu liderei, e<br />
surgiu a associação. A situação era tão ruim que todas as vezes que um juiz<br />
era promovido ou removido para Goiânia, ele chegava aqui quebrado. Nesta<br />
época, eu não conheci nenhum juiz que não estivesse cheio de dívidas,<br />
devendo alguma coisa. Principalmente no interior, a vida era muito difícil.<br />
Por exemplo, em Arraias, que hoje fica no Tocantins, distante 750 km de<br />
Goiânia, não havia estrada, o único meio de transporte era o avião.<br />
Quando eu, Celso Fleury, Kisleu Dias Maciel e Firmino Ferreira de<br />
Castro nos reunimos durante dois dias inteiros, na minha casa, para<br />
discutir a fundação da Asmego, Vitória nos deu total apoio e toda a<br />
assistência necessária. Nos anos posteriores, ela brincava dizendo que<br />
a associação era a filha dileta. O dia-a-dia ela viveu com muita humildade<br />
e dignidade. Não aceitava ser chamada de primeira-dama,<br />
achava que era muita pose para ela. No âmbito familiar ela prezava<br />
aquela condição antiga de marido e mulher. Vitória aceitava essa<br />
condição, não de subjugação, mas de complemento. Nós completávamos<br />
um ao outro. Vivemos juntos 50 anos.<br />
Quando eu assumi a 4ª Vara Criminal, em Goiânia, era a Vara que<br />
reunia grande parte dos crimes da capital e coincidentemente eu assumi<br />
essa função na época da revolução. A ditadura, em Goiás, cassou<br />
15 juízes e cinco desembargadores em um só ato institucional. Vários<br />
processos foram abertos não só contra civis, mas também contra os<br />
políticos, sobre aqueles em que recaía o rótulo de comunista, subversivo.<br />
Esses processos todos caíram comigo, pedindo prisão contra eles,<br />
histórias de perseguição e tortura. Eu tive a coragem, na época, de<br />
mandar arquivar todos, mandando liberar aqueles que faziam política<br />
e mostrando na minha sentença que não existe o crime de opinião.<br />
Todos tinham o direito, inclusive, de ser comunistas. Neste dia, no dia<br />
em que assinei essa sentença, conversei com a Vitória. Eu disse: Bem,<br />
olha essa sentença, amanhã nós podemos também ser cassados, porque eu vou<br />
mandar arquivar esses processos, e ela me respondeu: Estou com você, se for<br />
isso que você tiver que decidir estamos juntos e pronto, pode dormir tranqüilo. No<br />
outro dia eu publiquei a minha sentença. Com toda a sinceridade, eu não<br />
posso reclamar. A Vitória me acompanhou em tudo, nos momentos mais<br />
difíceis da minha vida, sempre comigo. A Vitória era tudo isso”.<br />
Este suplemento é um encarte do jornal O MAGISTRADO editado sob a supervisão e responsabilidade da Diretoria <strong>Cultural</strong> da Asmego.<br />
Seleção e edição: Dra. <strong>Mar</strong>ia Luiza Póvoa - diretora cultural da Asmego.