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Sem Título - ANPHLAC

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`SAIRI TUPAC (A ATAHUALPA)<br />

Ai, ai, meu mui amado<br />

Atahualpa, meu Inca:<br />

É-me impossível decifrar<br />

A linguagem do inimigo.<br />

Peça de Teatro sobre a prisão de Atahualpa<br />

O deslumbramento de sua funda de ferro<br />

Me infunde medo<br />

Cabe a ti, único senhor, meu Inca,<br />

Como poderoso que és,<br />

Traduzir e falar de igual para igual com ele;<br />

Talvez tu possas destrinchar<br />

Esse ruidoso idioma.<br />

Eu não posso compreendê-lo<br />

De nenhuma maneira.<br />

Eis aqui tua clava de ouro,<br />

Eis aqui também tuas duas serpentes,<br />

Eis aqui também tua feroz anutara,<br />

Eis aqui tua funda de ouro<br />

De invencível poder.<br />

ATAHUALPA<br />

Nada há que fazer então.<br />

Meus muito amados incas,<br />

Combatei todos vós<br />

Seja com a funda seja com a clava;<br />

Fazei-os voltar à sua terra;<br />

Pelo lugar onde apareceram,<br />

Por aí mesmo que regressem.<br />

Não vos deixeis derrotar<br />

Pelos inimigos de barba.<br />

(...)


ATAHUALPA (A PIZARRO)<br />

Barbudo inimigo, homem vermelho,<br />

De onde chegas extraviado, a que vieste,<br />

Que vento te trouxe,<br />

O que é que queres<br />

Aqui em minha casa, aqui em minha terra?<br />

No caminho que percorreste<br />

Não te queimou o fogo do sol,<br />

E o frio na te atravessou,<br />

E o monte, afastando-se de teu caminho,<br />

Não te esmagou sob suas pedras,<br />

E, abrindo-se a teus pés, a terra<br />

Não pode te sepultar,<br />

E o oceano, te envolvendo,<br />

Não te fez desaparecer.<br />

De que maneira vieste<br />

E o que queres comigo?<br />

Vai-te, regressa a teu país<br />

Antes que se levante esta minha clava<br />

De ouro e termine contigo.<br />

Inimigo barbudo, já te disse<br />

Que voltes a tua terra.<br />

(PIZARRO VOCIFERA COM FURIOSOS GESTOS)<br />

FELIPILLO (TRADUTOR)<br />

Senhor Inca Atahualpa,<br />

Te diz este senhor que manda:<br />

‘É inútil que digas qualquer coisa<br />

E te desates em palavras<br />

Que não se pode compreender.<br />

Eu sou um homem obstinado<br />

E todos diante de mim se humilham.<br />

Concedo-te um instante<br />

A fim de que te prepares


E te despeças<br />

Destes teus próximos.<br />

Prepara-te, porque partirás<br />

Junto comigo para a chamada<br />

Cidade de Barcelona.<br />

Do mesmo modo que em tuas mãos<br />

Humilhaste teu irmão,<br />

O Inca Huáscar, assim também<br />

Diante de mim te dobrarás’<br />

(...)<br />

ATAHUALPA<br />

Ai de mim, meu senhor, muito amado<br />

A Huiracocha parecido,<br />

Já me encontro em tuas mãos,<br />

Por que já te encolerizas?<br />

Talvez te sintas fatigado,<br />

Descansa um pouco;<br />

Talvez venhas vencido pelo sol,<br />

Apanha um pouco de sombra<br />

Sob esta minha árvore de ouro.<br />

Já me acho dobrado<br />

A teus pés, sob teu domínio.<br />

(...)<br />

Se ouro e prata desejas,<br />

Os darei a ti imediatamente<br />

Até cobrir toda a extensão<br />

Que o tiro de minha funda alcança.<br />

(PIZARRO SOMENTE MOVE OS LÁBIOS)<br />

FELIPILLO<br />

Único senhor, Inca Atahualpa,<br />

Este forte senhor te diz:<br />

‘Desejo que cubram<br />

Esta planície de ouro e prata’.


SAIRI TUPAC<br />

Meu muito amado e único senhor.<br />

Atahualpa meu Inca,<br />

Iremos correndo, voando,<br />

Tal como o huaychu<br />

E para estes barbudos inimigos<br />

Traremos ouro e prata<br />

Até cobrir esta planície<br />

(...)<br />

ATAHUALPA<br />

Ai, barbudo inimigo, huiracocha,<br />

Em nossa entrevista de ontem<br />

Pudeste me ver em meio<br />

De meus inúmeros vassalos,<br />

Honrado, conduzido no alto<br />

De régia liteira de ouro.<br />

E, agora, vendo-me a teus pés<br />

Humilhado,<br />

Me falas com arrogância.<br />

Mas, acaso ignoras<br />

Que tudo depende de minha vontade,<br />

Que a prata e o ouro<br />

Estão subordinados a meu mando?<br />

Pede-me aquilo<br />

Que desejas levar,<br />

Alcançarei para ti com minhas mãos.<br />

Eis aqui meu llaut’u de ouro,<br />

Eis aqui também minha clava de ouro,<br />

Eis aqui também minha funda de ouro.<br />

Dar-te-ei também tudo isso.<br />

Não me tires, pois, a existência, poderoso senhor...`<br />

Fonte: Miguel León-Portilla. A Conquista da América Latina vista pelos índios – relatos<br />

astecas, maias e incas. Petrópolis: Editora Vozes, 1984. PP. 129 – 133.


O excerto acima foi retirado da obra Tragedia del fin de Atawallpa, escrita durante o período<br />

colonial em quéchua e encenada até o os dias atuais em algumas regiões do Peru. Sobre ela, Miguel<br />

León-Portilla afirma que se trata de uma evidência da persistência da recordação da Conquista na<br />

consciência indígena: `esta tragédia é memória e reflexo dos sentimentos daqueles que,<br />

descendentes dos vencidos, guardaram a lembrança da destruição do Estado Inca` (1984, p. 128).<br />

A obra anônima recria através de diálogos ficcionais os primeiros contatos realizados entre<br />

europeus e incas, que culminaram na prisão do líder Atahualpa, executado mesmo após a entrega de<br />

grandes quantidades de metais preciosos aos espanhóis como forma de resgate. O trecho<br />

selecionado retrata o confuso diálogo travado entre o líder indígena e Francisco Pizarro (um dos<br />

comandantes da expedição espanhola), intermediado por conselheiros reais e intérpretes (como<br />

Felipillo).

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