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16 •crônica<br />
OS<br />
caiçaras<br />
Flávia Manfrin<br />
| editora <strong>360</strong><br />
Os Burzichelli eram de uma familia<br />
santista que trabalhava com aquilo<br />
que era chamado de ouro agrícola<br />
na época, o café. Muitos<br />
comerciantes do interior, como<br />
meu pai, da Manfrin, Pedro Pelota,<br />
da Peres, e outros que não saberei<br />
nomear, sem deixar de citar o<br />
Betão Ramos, que certamente se<br />
lembra deles, os conheceram por<br />
isso, já que viajavam à cidade para<br />
vender e comprar café.<br />
Eram dois irmãos, na casa dos 40<br />
anos, com os quais meu pai fez<br />
amizade, já casados e com filhos.<br />
Sidney e Vera formavam um casal<br />
que de cara despertava simpatia<br />
com seus sorrisos largos que lhes<br />
aumentavam a beleza. Estavam<br />
sempre bem trajados e elegantes.<br />
Sérgio e Jamile eram o irmão e a<br />
cunhada do clã, que tinha, além<br />
dos cinco filhos de Sidney, os três<br />
de Sérgio e os avós paternos dessa<br />
turma de crianças e adolescentes,<br />
o sr. Anacleto e dona Julia.<br />
A amizade foi tanta que o primeiro<br />
casal foi convidado a me batizar, o<br />
que me fez crescer com a diferença<br />
de ter padrinhos que moravam na<br />
praia, enquanto todo mundo tinha<br />
tios, avós… gente que já era da familia.<br />
O segundo casal se transfor-<br />
mou, ao longo dos anos, numa das<br />
mais belas histórias de amizade<br />
que já vi e ouvi contar, envolvendo<br />
não só os negociantes de café dos<br />
anos 60 e 70, mas do arroz, a partir<br />
de meados da década de 70, para<br />
onde meu pai arrastou os sócios,<br />
seus irmãos Nico e Zinho, inaugurando,<br />
junto com os Zaia, a era do<br />
grão branco em Santa Cruz do Rio<br />
Pardo e a extensão dos negócios de<br />
sua empresa para o Mato Grosso<br />
do Sul, em Maracaju.<br />
Ciente da lealdade, entusiasmo e<br />
talento dos Burzichelli, não demorou<br />
para Sérgio ser convidado a<br />
migrar para Maracaju e, junto com<br />
meu pai, fazer grandes negócios e<br />
amigos na cidade. O entrosamento<br />
e a confiança mútua entre os dois<br />
era tanta que trabalhavam e cur-<br />
tiam a vida juntos. Cada um com<br />
seu estilo e temperamento eram<br />
grandes atrações, sem que um<br />
ofuscasse o outro. Enquanto meu<br />
pai era ousado, festeiro, tirador de<br />
sarro e bom de briga, Sérgio, a simpatia<br />
em pessoa, não escon<strong>dia</strong> seu<br />
talento para quitutes memoráveis,<br />
sua boa vontade para conversas<br />
amenas e seu espírito conciliador.<br />
Um tinha pouco mais de 1,65m enquanto<br />
o amigo santista aparentava<br />
1,90m.<br />
Da menina de padrinhos praianos<br />
à mulher que passou dos 40, pude<br />
aprender inúmeras vezes com esses<br />
italianos de voz alta e riso forte<br />
o que é a verdadeira amizade. Em<br />
momentos difíceis como a morte<br />
do único filho homem, nas grandes<br />
decisões, na doença do coração e<br />
em todas as grandes festas que<br />
meu pai adorava fazer, Sérgio estava<br />
ali, com ele. De maneira intensa,<br />
acolhedora, cúmplice. E<br />
sempre nos brindando com a presença<br />
doce, amiga e fiel de Jamile.<br />
Sinceramente não sei se meu pai<br />
conseguiu ser tão grandioso em<br />
retribuir o que todos nós, em casa,<br />
recebemos da família Burzichelli,<br />
mas de algo não tenho a menor<br />
dúvida: eles cravaram, de maneira<br />
muito especial, seus nomes em<br />
nossos corações e orações.<br />
arte: Sabato Visconti | <strong>360</strong>