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IV. Diferenças regionais e os seus reflexos na literatura

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DIFERENÇAS REGIONAIS<br />

E OS SEUS REFLEXOS<br />

NA LITERATURA<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes <strong>IV</strong><br />

155


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

156<br />

As n<strong>os</strong>sas fronteiras territoriais, das mais antigas e estáveis da Europa, es -<br />

ta belecidas pela te<strong>na</strong>cidade e arrojo d<strong>os</strong> reis da Primeira Di<strong>na</strong>stia,<br />

sobretudo do seu fundador, integram, apesar da peque<strong>na</strong> dimensão do território,<br />

realidades muito diversas tanto do ponto de vista geográfico como<br />

d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> que o habitaram. De facto, o Condado Portucalense, habitado<br />

por populações de origem visigótica e cristã, foi-se progressivamente expandindo<br />

até às zo<strong>na</strong>s onde as populações autóctones conviviam com <strong>os</strong> mour<strong>os</strong><br />

que <strong>os</strong> tinham domi<strong>na</strong>do, do Ribatejo ao Alentejo e Algarve. Mais tarde, a<br />

vinda de estrangeir<strong>os</strong>, quer em razão da expansão de Quinhent<strong>os</strong> quer de<br />

outras razões históricas, que não vem ao caso precisar, fizeram com que a<br />

n<strong>os</strong>sa identidade tivesse, de algum modo, antecipado uma certa globalização.<br />

Desde muito cedo, <strong>na</strong> n<strong>os</strong>sa existência como <strong>na</strong>ção independente, as diferenças<br />

<strong>regio<strong>na</strong>is</strong> levaram a repensar a organização administrativa do país, de<br />

sorte que a divisão em províncias 1 remonta ao tempo de D. Dinis. Muit<strong>os</strong><br />

autores se têm vindo a debruçar sobre a matéria, desde Duarte Nunes de<br />

Leão a Alexandre Herculano, de Almeida Garrett a Mouzinho da Silveira,<br />

de Cândido J<strong>os</strong>é Xavier a Justino de Freitas 2 . O debate, aliás, não está encerrado,<br />

dado que <strong>os</strong> fundament<strong>os</strong> da divisão do território têm bases geográficas,<br />

geológicas, morfológicas e climáticas, para não falar das históricas, econó<br />

micas, sociológicas, culturais e antropológicas 3 , as quais têm sido usadas<br />

diversamente no debate de como se deve dividir o país, sendo de destacar <strong>os</strong><br />

contribut<strong>os</strong> significativ<strong>os</strong> de Amorim Girão, J<strong>os</strong>é António d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong>,<br />

Orlando Ribeiro, entre outr<strong>os</strong> 4 . A questão não está, como dissem<strong>os</strong>, concluída,<br />

tendo assumido n<strong>os</strong> fi<strong>na</strong>is do século XX uma demarcada dimensão<br />

política <strong>na</strong>s prop<strong>os</strong>tas, rejeitadas por referendo, que acrescentavam mais divisões<br />

às tradicio<strong>na</strong>is regiões-plano que vigoram desde o fim d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 80 do<br />

século anterior.<br />

Porém, não é este o problema central do presente texto e, por isso, não o de -<br />

senvolverem<strong>os</strong>. Mas tem reflex<strong>os</strong> no tratamento que vam<strong>os</strong> fazer da relação<br />

entre região e transp<strong>os</strong>ição das diferenças anímicas, sociais e culturais nelas<br />

existentes, sobretudo para toda a <strong>literatura</strong> que tenta estar próxima das ca -<br />

racterísticas identitárias do povo. Com efeito, dentro do quadro de uma cultura<br />

unitária, como a portuguesa, é p<strong>os</strong>sível encontrar diversas identidades,<br />

condicio<strong>na</strong>das por factores como a situação geográfica, que determi<strong>na</strong> <strong>os</strong><br />

mod<strong>os</strong> de apropriação da terra, as formas de interacção, que estão <strong>na</strong> base de<br />

sociabilidades diferenciadas, <strong>os</strong> sistemas simbólic<strong>os</strong> de interpretação da


situação do homem no mundo e as suas referências transcendentais, que<br />

estão longe de ser idêntic<strong>os</strong> em todo o território <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. E porque assim é,<br />

tomam<strong>os</strong> como pressup<strong>os</strong>to que, <strong>na</strong> sua tentativa de paradigmatizar a vida<br />

das populações, a <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista 5 constitui um reflexo das diferenças<br />

existentes nesta identidade complexa.<br />

Destes três pól<strong>os</strong> agregadores das diferenças detectadas pel<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> literat<strong>os</strong><br />

de Oitocent<strong>os</strong> e Novecent<strong>os</strong> – <strong>os</strong> que estarão no cerne deste ensaio –, as circunstâncias<br />

geográficas e climáticas, por eles referidas, ape<strong>na</strong>s terão interesse<br />

en quanto factor diferenciador d<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de vida da população, sobretudo<br />

quando a aquisição de subsistências depende da produção agrícola, como<br />

acontece em grande parte d<strong>os</strong> text<strong>os</strong> sobre <strong>os</strong> quais n<strong>os</strong> debruçarem<strong>os</strong>. De<br />

facto, o quadro domi<strong>na</strong>nte da vida das populações, tematizado nesta <strong>literatura</strong>,<br />

é o da ruralidade. E nela, o facto de se viver <strong>na</strong> montanha ou <strong>na</strong> planície,<br />

no litoral ou no interior, da pesca ou da lavoura, d<strong>os</strong> mesteres ou do<br />

comércio, ocasio<strong>na</strong>vam formas de vida diferenciadas, mesmo quando tais<br />

tra balh<strong>os</strong> eram comuns a outras zo<strong>na</strong>s do país. De alguns destes mesteres,<br />

como o d<strong>os</strong> pescadores, pouc<strong>os</strong> exempl<strong>os</strong> encontram<strong>os</strong>. A obra de Raúl<br />

Bran dão (1867-1930) sobre esta fai<strong>na</strong> <strong>na</strong> Foz do Douro, embora dê muit<strong>os</strong><br />

pormenores das populações piscatórias, empregando expressões coloquiais e<br />

populares, não se pode considerar um escrito regio<strong>na</strong>lista.<br />

O mais importante são, pois, <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de relação que as actividades económicas<br />

determi<strong>na</strong>m e as classes sociais por elas definidas, sobretudo <strong>na</strong> sociedade<br />

agrária que vigorou em Portugal até a<strong>os</strong> mead<strong>os</strong> do século XX, época<br />

em que, muito mais do que hoje, a terra exercia um d<strong>os</strong> principais papéis de<br />

di fe renciação social. A propriedade extensa do Alto Douro ou do Alentejo,<br />

por exemplo, distanciava fortemente <strong>os</strong> senhores da terra da massa de prole -<br />

tári<strong>os</strong> que a trabalhavam. Mas, mesmo <strong>na</strong>s demais províncias, as peque<strong>na</strong>s<br />

ou grandes diferenças <strong>na</strong> extensão das terras p<strong>os</strong>suídas determi<strong>na</strong>vam a im -<br />

portância das famílias <strong>na</strong> comunidade e o seu maior ou menor estatuto<br />

social. O apego ao chão herdado era, aliás, tanto maior quanto mais escasso,<br />

estando ligado a ele a ordem de simbolização que garantia a esperança de<br />

que a mãe-terra f<strong>os</strong>se fecunda, o trabalho produtivo e <strong>os</strong> an<strong>os</strong> fart<strong>os</strong>.<br />

Complementar desta situação genérica é a emigração, particularmente relevante<br />

em algumas décadas de Oitocent<strong>os</strong> e parte de Novecent<strong>os</strong>, para a Amé -<br />

rica do Sul. Sem alter<strong>na</strong>tivas para sobreviver, em muitas zo<strong>na</strong>s do País, a<br />

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única maneira que as populações tinham de fugir da miséria da vida n<strong>os</strong><br />

cam p<strong>os</strong> era emigrar. Os magr<strong>os</strong> rendiment<strong>os</strong> da terra, a alta <strong>na</strong>talidade de<br />

algumas zo<strong>na</strong>s do país, como o Minho, a estag<strong>na</strong>ção n<strong>os</strong> mesteres ou ocupações,<br />

obrigaram a procurar outras paragens para sobreviver. E <strong>os</strong> que ficavam<br />

agarravam-se mais fortemente às tradições e c<strong>os</strong>tumes em que tinham sido<br />

criad<strong>os</strong>. A mudança n<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de vida, só lenta e paulati<strong>na</strong>mente começa a<br />

surgir com uma industrialização tardia 6 e com a consequente fuga do campo<br />

para as cidades, acompanhada pelo desenvolvimento da rede viária que tirou<br />

as províncias do isolamento.<br />

Um d<strong>os</strong> condicio<strong>na</strong>ment<strong>os</strong> mais importantes de todo este viver tradicio<strong>na</strong>l<br />

está numa ordem de simbolização que mantinha i<strong>na</strong>lteráveis as tradições e<br />

<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de estar durante todo o século XIX e parte do século XX, embora<br />

as classes urba<strong>na</strong>s tivessem começado a desenvolver formas moder<strong>na</strong>s de pen -<br />

sar e de estar. A manutenção da religião católica como fonte inspirado ra e<br />

denomi<strong>na</strong>dor comum de interpretação d<strong>os</strong> fundament<strong>os</strong> da sociabilidade,<br />

regularizando valores e mod<strong>os</strong> de comportamento, era reforçada pela força<br />

d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes populares a ela ligad<strong>os</strong>. O todo facultava a<strong>os</strong> escritores de Oi to -<br />

cent<strong>os</strong> e Novecent<strong>os</strong> a p<strong>os</strong>sibilidade de explorar áreas ligadas às diferen tes tradições<br />

que aparecem como componente forte da <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista.<br />

A <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista e suas origens<br />

Esta atenção à vida e às actividades das classes populares começa a emergir,<br />

com a sua função emblemática da vida <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, ape<strong>na</strong>s no século XIX. Foi<br />

então que o povo subiu ao palco da reflexão literária, aí se tendo mantido<br />

desde então, embora a <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista tivesse dado lugar a outras ex -<br />

pressões, porventura mais científicas, <strong>na</strong> nova antropologia cultural, que tem<br />

vindo a ser cultivada por não pouc<strong>os</strong> autores. O movimento que leva a dar<br />

atenção às tradições populares começa pelas recolhas da <strong>literatura</strong> tradicio<strong>na</strong>l,<br />

e d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> variad<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes, <strong>na</strong>s populações locais, <strong>na</strong> senda do romantismo<br />

alemão, representado pel<strong>os</strong> irmã<strong>os</strong> Grimm. Em Portugal, deve-se a<strong>os</strong><br />

li berais romântic<strong>os</strong> exilad<strong>os</strong> no estrangeiro, desig<strong>na</strong>damente a Garrett e Her -<br />

culano, o interesse pelas tradições das classes men<strong>os</strong> abastadas. Matérias até<br />

então <strong>os</strong>tracizadas pel<strong>os</strong> clássic<strong>os</strong>, e por quase tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> autores que <strong>os</strong> pre cederam,<br />

começam assim a ganhar for<strong>os</strong> de cidadania literária. E <strong>na</strong> sua peugada<br />

muit<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> escritores seguiram, fazendo do povo fonte e motivo de<br />

interesse literário.


O conto e o romance de enquadramento rural, com as descrições d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes<br />

populares, começam assim a aparecer n<strong>os</strong> escaparates das livrarias ou<br />

<strong>na</strong>s pági<strong>na</strong>s d<strong>os</strong> periódic<strong>os</strong>. E com o seu desenvolvimento, enveredam<strong>os</strong> pela<br />

<strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista. Mas houve outras actividades que surgiram paralelamente<br />

às da escrita e que as complementaram. Tanto <strong>os</strong> oitocentistas como<br />

<strong>os</strong> novecentistas desenvolveram ideias de defesa das características da região<br />

ou do património em divers<strong>os</strong> plan<strong>os</strong>, <strong>na</strong> <strong>literatura</strong>, <strong>na</strong> arte, <strong>na</strong> etnografia,<br />

<strong>na</strong> política.<br />

Os romântic<strong>os</strong> e <strong>os</strong> <strong>seus</strong> sucessores introduziram a preocupação de fidelidade<br />

à vida real das populações, esta «moda» do conhecimento, do estudo e<br />

divulgação do que o povo pensava e de como se comportava. Um razoável<br />

número de autores começa a dar a conhecer a sua terra ou aquela que adoptaram<br />

como sua, por moda literária ou por razões políticas, por vocação, por<br />

amor, neles se encontrando regist<strong>os</strong> de diversa ordem, consoante <strong>os</strong> <strong>seus</strong><br />

conheciment<strong>os</strong> de <strong>na</strong>tureza etnográfica e atent<strong>os</strong> como estavam ao modo de<br />

viver concreto do povo e a<strong>os</strong> <strong>seus</strong> univers<strong>os</strong> simbólic<strong>os</strong>. O seu olhar, mesmo<br />

quando fiel, é, no entanto, sempre diferente do do cientista. As suas escolhas<br />

têm sempre algo de peculiar. Mas constituem imagens da realidade que,<br />

muitas vezes, correspondem a verdadeir<strong>os</strong> retrat<strong>os</strong> autêntic<strong>os</strong>, que só pecam<br />

porque – como retrat<strong>os</strong> que são – privilegiam aspect<strong>os</strong> de um real que, <strong>na</strong><br />

verdade, é mais contrastante.<br />

Mas, se alguns escritores cederam à tentação de idealizar a vida rural e de a<br />

tor <strong>na</strong>rem paradigma da felicidade, outr<strong>os</strong> não deixaram de lhe manifestar as<br />

agruras. De qualquer maneira, a<strong>os</strong> pouc<strong>os</strong>, o povo, com <strong>os</strong> <strong>seus</strong> problemas,<br />

c<strong>os</strong>tumes e tradições, emerge como matéria de efabulação <strong>na</strong> mente d<strong>os</strong> intelectuais<br />

e literat<strong>os</strong>, que se m<strong>os</strong>travam cansad<strong>os</strong> d<strong>os</strong> velh<strong>os</strong> cânones e ansiavam<br />

pela renovação. E se ela demorou a acontecer, deu-se.<br />

Não foram, porém, ape<strong>na</strong>s <strong>os</strong> romântic<strong>os</strong> que deram atenção ao viver do<br />

povo. Várias foram as escolas, do princípio ao fim do século, que influencia -<br />

ram <strong>os</strong> escritores e intelectuais de Oitocent<strong>os</strong> e Novecent<strong>os</strong>: o Realismo, o<br />

Naturalismo e o Neogarretismo do fi<strong>na</strong>l do século XIX, enfim, vári<strong>os</strong> ism<strong>os</strong><br />

que levam a olhar de uma forma particular para o povo, seja <strong>na</strong> ficção ou <strong>na</strong><br />

poesia. De facto, no fi<strong>na</strong>l de Oitocent<strong>os</strong> e iníci<strong>os</strong> de Novecent<strong>os</strong>, vári<strong>os</strong> escritores<br />

se deslumbraram com as matérias que Garrett e Herculano, entre<br />

outr<strong>os</strong>, tinham cultivado. Trindade Coelho, Fialho de Almeida, Abel Bo te -<br />

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lho, Brito Camacho, Julião Quintinha, Aquilino Ribeiro, entre tant<strong>os</strong><br />

outr<strong>os</strong>, puseram a vida rural <strong>na</strong> ribalta, em várias das suas obras. Parti cular -<br />

m en te determi<strong>na</strong>nte do revivalismo neogarretiano são <strong>os</strong> factores de incerteza<br />

política que o Ultimatum revelou, trazendo à to<strong>na</strong> da consciência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong><br />

lista a necessidade de refontalizar a n<strong>os</strong>sa identidade. Surge assim uma<br />

li teratura mais virada para dentro de Portugal. Por mero g<strong>os</strong>to, ou por que<br />

achavam necessário lutar contra as influências estrangeiras que mi<strong>na</strong>vam as<br />

fontes da cultura portuguesa e do que verdadeiramente n<strong>os</strong> definia, não<br />

pouc<strong>os</strong> ficcionistas oitocentistas enveredaram por uma <strong>literatura</strong> de caracterís<br />

ticas locais. Como sempre, <strong>os</strong> moment<strong>os</strong> de agitação e de instabilidade po -<br />

lítica, económica e social fazem arregimentar as mentes <strong>na</strong> refontalização do<br />

que é n<strong>os</strong>so. Exempl<strong>os</strong> disso são as lutas entre liberais e absolutis tas ou,<br />

quase no fi<strong>na</strong>l de Oitocent<strong>os</strong>, o já referido Ultimatum, que deram nova vida<br />

ao <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo, ao amor pela pátria, mobilizando e unindo uma grande<br />

plêia de de escritores e polític<strong>os</strong>; fizeram re<strong>na</strong>scer em alguns o amor pelas<br />

coisas portuguesas, num Alberto Oliveira 7 , tal como em Hipólito Rap<strong>os</strong>o e<br />

An tónio Sar dinha, tentando estes dois últim<strong>os</strong> defender ideias regio<strong>na</strong>listas<br />

no quadro ideológico conhecido por Integralismo Lusitano. Mas também<br />

hou ve perso<strong>na</strong> gens mais universalmente aceites, como Trindade Coelho. O<br />

sa lazarismo viria, de resto, reforçar algumas destas tendências, podendo ser<br />

to mado como exemplo delas a <strong>literatura</strong> criada à volta do Mensário das<br />

Casas do Povo.<br />

Como é compreensível, ao logo deste longo período, que vai do primeiro<br />

quartel do século XIX a<strong>os</strong> mead<strong>os</strong> do século XX, a <strong>literatura</strong> que se preocupa<br />

em descrever as condições da vida do povo, mesmo a mais idealizada, foi so -<br />

frendo metamorf<strong>os</strong>es várias, tanto no conteúdo, genericamente tipificável<br />

<strong>na</strong>s escolas seguidas pel<strong>os</strong> autores, mas também <strong>na</strong>s intenções e mod<strong>os</strong> de<br />

produção específic<strong>os</strong> de cada um deles. É a esta tentativa diversa de ficcio<strong>na</strong>r<br />

o real que darem<strong>os</strong> atenção neste ensaio, que tanto tem em conta a <strong>literatura</strong><br />

regio<strong>na</strong>l como a regio<strong>na</strong>lista, embora nem tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> autores e obras<br />

p<strong>os</strong>sam ser mencio<strong>na</strong>d<strong>os</strong>.<br />

A <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>l foi-se metamorf<strong>os</strong>eando até se tor<strong>na</strong>r regio<strong>na</strong>lista. Atra -<br />

vessou várias épocas e interpretações, em função das escolas literárias e das<br />

ideologias políticas professadas, ora mais à direita, ora mais à esquerda. A<br />

ma téria não é, <strong>na</strong> verdade, tão linear como alguns querem fazer crer, nem<br />

pode ser taxativamente rotulada. Aliás, <strong>os</strong> text<strong>os</strong> <strong>regio<strong>na</strong>is</strong> nem sempre são


in teressantes. Por vezes, limitam-se a localizar a acção numa determi<strong>na</strong>da<br />

terra, sem que tenha a ver totalmente com as suas características, o que não<br />

n<strong>os</strong> impede de considerar tais escritores neste estudo. De facto, sem que<br />

muita <strong>literatura</strong> re gio<strong>na</strong>l p<strong>os</strong>sa ser considerada regio<strong>na</strong>lista, alguma dá um<br />

válido contributo para a compreensão do país, pelo facto d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> cultores<br />

entenderem bem a região de que tratavam.<br />

Na sua forma mais extrema – a regio<strong>na</strong>lista –, <strong>os</strong> autores descem obrigatoria -<br />

mente à terra e às suas fortes ligações anímicas, sociais e culturais, entr<strong>os</strong>an -<br />

do tudo com a geografia típica da província onde a acção se desenrola e com<br />

o modo de vida das populações que retratam. Esta tendência supõe mesmo<br />

uma imersão nesse modo de vida, de uma maneira muito mais absoluta do<br />

que a que <strong>os</strong> cientistas sociais denomi<strong>na</strong>m de observação participante. Parte<br />

da herança e capitalização de um ma<strong>na</strong>ncial de situações «únicas», em que a<br />

terra ou o mar e as suas gentes, com a sua religi<strong>os</strong>idade, superstições, alimentação,<br />

profissões ou ocupações, mod<strong>os</strong> de vida, sentiment<strong>os</strong>, vestuário,<br />

folclore e as suas características linguísticas são a matéria origi<strong>na</strong>l que <strong>os</strong> es -<br />

critores transfiguram, de forma mais ou men<strong>os</strong> profunda, conforme a sua ca -<br />

pacidade de captação e de transformação paradigmática do real. Nisso está<br />

implicada a sua criatividade específica, <strong>os</strong> <strong>seus</strong> objectiv<strong>os</strong> e g<strong>os</strong>t<strong>os</strong>, o seu temperamento,<br />

segundo a corrente literária ou ideológica que seguem, a sua preferência<br />

por esta ou aquela classe, tendo em conta o conhecimento que têm<br />

d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> ansei<strong>os</strong>, problemas e preocupações. É, pois, uma <strong>literatura</strong> que<br />

exige muito d<strong>os</strong> autores e supõe uma profunda vivência e conhecimento das<br />

tra dições, da vida e d<strong>os</strong> hábit<strong>os</strong>, c<strong>os</strong>tumes da localidade sobre que escrevem.<br />

Mas, porque pinta situações particulares, por vezes com ex pres sões ou idiotism<strong>os</strong><br />

pouco comuns, nem tod<strong>os</strong> g<strong>os</strong>tam desta <strong>literatura</strong>. De facto, a que<br />

trata de temas mais universais e tem horizontes mais ampl<strong>os</strong>, sendo mais<br />

livre, tor<strong>na</strong>-se mais aliciante e compreensível. Porém, a origi<strong>na</strong> lidade do acto<br />

da escrita acaba por ser mais exigente para <strong>os</strong> escritores regio<strong>na</strong>listas.<br />

Muit<strong>os</strong> consideram a <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista confi<strong>na</strong>da a um território intelectual,<br />

humano e geográfico; um microc<strong>os</strong>mo que condicio<strong>na</strong> o verdadeiro<br />

acto criador e de escrita. Como refere Guedes de Amorim, no prefácio a um<br />

livro de João de Araújo Correia: «Escutando-<strong>os</strong> [<strong>os</strong> cont<strong>os</strong>] mesmo de olh<strong>os</strong><br />

fe chad<strong>os</strong>, dirá um ouvinte daquela região: “Passa-se isso <strong>na</strong> minha terra e<br />

essa gente é d<strong>os</strong> meus lad<strong>os</strong>”» 8 . Na verdade, esta <strong>literatura</strong> depende da habilidade,<br />

profundidade e fidelidade com que <strong>os</strong> autores são capazes de trans-<br />

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mitir <strong>os</strong> problemas e vivências da zo<strong>na</strong> sobre que escrevem. Mas, como é<br />

óbvio, nela não encontram<strong>os</strong> «um espelho do real». Tudo é transp<strong>os</strong>to paradigma<br />

ticamente.<br />

Durante o século XIX, este tipo de <strong>literatura</strong> gerou controvérsias, que se prolongaram<br />

no século seguinte. Os escritores realistas, integrad<strong>os</strong> no movimen -<br />

to do fi<strong>na</strong>l do século, e depois <strong>os</strong> Neogarretistas, foram ao encontro das<br />

expectativas d<strong>os</strong> intelectuais, d<strong>os</strong> polític<strong>os</strong>, d<strong>os</strong> leitores, de toda a gente,<br />

afi<strong>na</strong>l. Em 1899, <strong>na</strong> Educação Nacio<strong>na</strong>l, revista do Porto, Trindade Coelho<br />

aconselhava <strong>os</strong> por tu gueses a «amar muito as [suas] tradições, tanto as da<br />

família como as da pátria, […] amar o carácter da n<strong>os</strong>sa terra, isto é o modo<br />

de pensar, de sentir e de proceder [...] Nós hoje tem<strong>os</strong> <strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes,<br />

que são a revelação do n<strong>os</strong>so carácter. [...] Pensar assim e dizer assim, não é<br />

como afirmam alguns, “puxar para trás”. [...] Nós devem<strong>os</strong> amar o progresso.<br />

[… Mas] não vale a pe<strong>na</strong> desprezar o passado; e o progresso, reparando bem,<br />

será tanto mais rápido e seguro, quanto mais se temperar do passado, ou<br />

nele se inspirar». E acrescenta que «cada povo tem o seu carácter, como cada<br />

indivíduo tam bém tem o seu. [...] Não é preciso sacrificar ao progresso, que<br />

tem, às vezes, coisas muito más e que melhor fariam indo mais devagar. [...]<br />

Mas para mal d<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> pecad<strong>os</strong> tem<strong>os</strong> elimi<strong>na</strong>do quase tudo: monument<strong>os</strong>,<br />

c<strong>os</strong> tumes, e até o vestuário e a linguagem» 9 .E,<strong>na</strong> Revista Nova, de 1893,<br />

Trindade Coelho e Alfredo da Cunha são contra tudo o que vem do estrangeiro<br />

e defendem o produto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. É um ma nifesto de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo literário,<br />

o primeiro 10 .<br />

No presente estudo, abarcam<strong>os</strong> alguns autores d<strong>os</strong> sécul<strong>os</strong> XIX e XX, privilegiando<br />

<strong>os</strong> cont<strong>os</strong>, género mais cultivado em Oitocent<strong>os</strong>, sem que com isso se<br />

p<strong>os</strong>sa pôr de parte alguma produção romanesca. Não é, com efeito, intenção<br />

deste ensaio focar tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> escritores de todas as regiões, nem todas as suas<br />

obras com características <strong>regio<strong>na</strong>is</strong>, tarefa ciclópica e desprop<strong>os</strong>itada nesta síntese.<br />

Muit<strong>os</strong> terão, pois, de ficar de lado. Referim<strong>os</strong>, daqui e dali, <strong>os</strong> cont<strong>os</strong> e<br />

<strong>os</strong> romances que n<strong>os</strong> parecem exemplares. Por isso, a não men ção da totalidade<br />

da obra de autores com pouc<strong>os</strong> text<strong>os</strong> regio<strong>na</strong>listas, não significa menor<br />

apreço pela sua obra, como no que se refere a Fialho de Al mei da ou a Aqui -<br />

lino Ribeiro, de que ape<strong>na</strong>s comentam<strong>os</strong> uma peque<strong>na</strong> parte da respectiva<br />

produção literária. Igualmente redutora do panorama da li teratura regio<strong>na</strong>lista<br />

é a selecção das províncias tidas em conta, a qual de pende do n<strong>os</strong>so trabalho<br />

sobre O Conto Regio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Imprensa Periódica de 1875 a 1930, onde


verificám<strong>os</strong> que as mais abundantemente tratadas eram o Minho, Trás-<strong>os</strong>-<br />

-Montes, o Alto-Douro e o Alentejo. São elas, juntamente com as Beiras e o<br />

Algarve, que encabeçam <strong>os</strong> desenvolviment<strong>os</strong> que farem<strong>os</strong> em seguida.<br />

Minho<br />

Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871), mais conhecido por Júlio<br />

Dinis, médico de profissão e escritor por vocação, coloca o retrato da vida<br />

rural no centro da sua obra. E fá-lo com muito sucesso. Quem não conhece<br />

<strong>os</strong> Serões <strong>na</strong> Província, a Crónica da Aldeia, A Morgadinha d<strong>os</strong> Ca<strong>na</strong>viais, As<br />

Pupilas do Senhor Reitor? Desta última obra, conhecem-se três edições portuguesas<br />

durante a vida do autor. A trigésima portuguesa foi feita em 1943. E,<br />

já em 1868, se sabe da existência de uma versão inglesa e, em 1875, outra<br />

ale mã, para não mencio<strong>na</strong>r as versões francesa, espanhola e italia<strong>na</strong> 11 . A pré -<br />

via publicação de alguns destes romances em folhetins muito contribuiu<br />

para este sucesso.<br />

Em todas as suas obras, Júlio Dinis, ainda mais do que Garrett em Viagens<br />

<strong>na</strong> minha Terra ou do que Alexandre Herculano em O Pároco da Aldeia, dá<br />

aten ção à vida das comunidades rurais. A aldeia está presente n<strong>os</strong> <strong>seus</strong> ro -<br />

mances, através das perso<strong>na</strong>gens e do ambiente em que se movem, sem es -<br />

quecer a paisagem e sua fau<strong>na</strong> e flora. De permeio, vêm as tradições minhotas<br />

e o vocabulário da zo<strong>na</strong>, desig<strong>na</strong>damente o referente às fai<strong>na</strong>s rurais que<br />

descreve, inserindo n<strong>os</strong> <strong>seus</strong> romances alguma <strong>literatura</strong> tradicio<strong>na</strong>l e alguns<br />

d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes populares mais enraizad<strong>os</strong>.<br />

Gomes Coelho opõe muitas vezes a vida citadi<strong>na</strong>, que supõe estar cheia de<br />

víci<strong>os</strong>, à rural, que aparece como modelo de virtudes e que tem o condão de<br />

transformar as pessoas. Deste modo, aparecem alguns perso<strong>na</strong>gens muito<br />

prestigiad<strong>os</strong> como o médico, o padre, o professor, cada um com a sua<br />

função, bem como diversas perso<strong>na</strong>gens femini<strong>na</strong>s que obedecem a uma<br />

moral em que predomi<strong>na</strong> o bem, conducente à felicidade. Este humanismo<br />

dilata-se por uma grande variedade de perso<strong>na</strong>gens mediadores de conflit<strong>os</strong>,<br />

para que a paz exista e permaneça, o que faz com que a aldeia seja tomada<br />

como o espaço ideal para viver.<br />

Os homens e as mulheres agem, n<strong>os</strong> <strong>seus</strong> romances, num quotidiano aldeão<br />

cheio de afazeres que <strong>os</strong> levam a identificar-se com o lugar e a sua cultura es -<br />

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pecífica. Em certas situações, o ficcionista regista a tradição das esfolhadas, a<br />

partir de apontament<strong>os</strong> etnográfic<strong>os</strong>, por certo, recolhid<strong>os</strong> <strong>na</strong>s casas mais<br />

abastadas da zo<strong>na</strong>, por aí serem mais complet<strong>os</strong> e interessantes. É assim que<br />

em As Pupilas do Senhor Reitor, <strong>na</strong> «eira espaç<strong>os</strong>a e desafogada do J<strong>os</strong>é das<br />

Dor<strong>na</strong>s», se movimentam diversas perso<strong>na</strong>gens, num ambiente <strong>na</strong>tural,<br />

alegre e festivo, divertindo-se, dançando, cantando ao desafio, combi<strong>na</strong>ndo<br />

futur<strong>os</strong> <strong>na</strong>mor<strong>os</strong> ou casament<strong>os</strong>.<br />

Ouvim<strong>os</strong> canções durante as vindimas, <strong>na</strong> pisa ou <strong>na</strong> feitura do vinho, ou<br />

ainda quando as mulheres lavam a roupa; escutam<strong>os</strong> provérbi<strong>os</strong>, poesia,<br />

dita d<strong>os</strong>, romances populares locais. E ficam<strong>os</strong> a conhecer a importância do<br />

pão e da sua confecção tradicio<strong>na</strong>l numa cozinha antiga. Em As Pupilas<br />

do Senhor Reitor tem<strong>os</strong> ainda oportunidade de assistir à representação<br />

de um auto popular. De qualquer maneira, ao longo d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> romances vão<br />

desfilando figuras típicas da aldeia, com as suas funções específicas,<br />

para além das já citadas: lavradores, trabalhadores rurais, bem como<br />

vedores, barbeir<strong>os</strong> – muitas vezes, <strong>os</strong> únic<strong>os</strong> médic<strong>os</strong> de várias localidades, à<br />

falta destes – as bruxas –, as pitonisas de então, com o seu papel preponderante<br />

<strong>na</strong> comunidade. No conto Os Novel<strong>os</strong> da Tia Filome<strong>na</strong>, o autor faz<br />

a este propósito uma longa e interessante recolha etnográfica. E m<strong>os</strong>tra as<br />

relações entre uma en feitiçada e uma bruxa, bem como as características<br />

de cada uma delas. Acres centa as receitas para desfazer <strong>os</strong> bruxed<strong>os</strong>, consoante<br />

o mal que se pretende tratar e condizendo a oração com o objectivo<br />

pretendido. Em tudo isso, Júlio Dinis recolheu crenças populares,<br />

m<strong>os</strong>trando vári<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> da mentalidade e d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> do povo de<br />

então, muito dependentes de uma religi<strong>os</strong>idade intensa, à mistura com conceit<strong>os</strong><br />

pagã<strong>os</strong>, que nunca deixaram de conviver com as atitudes religi<strong>os</strong>as<br />

mais ortodoxas.<br />

Júlio Dinis não foi tão profundo <strong>na</strong> reprodução do viver rural como alguns<br />

de escolas p<strong>os</strong>teriores. Eça de Queirós dirá, a seu respeito, que «amava a realidade.<br />

[...] Nunca, porém, se desprendeu do seu idealismo e sentimentalis -<br />

mo que o assustava: de modo que copiava de longe, com receio, adoçando <strong>os</strong><br />

contorn<strong>os</strong> exact<strong>os</strong> que a ele lhe pareciam rudes, espalhando uma aguada de<br />

sensibilidade sobre as cores verdadeiras que a ele lhe pareciam berrantes» 12 .<br />

Mas abriu, no entanto, caminho para outr<strong>os</strong> escritores do fim do século,<br />

cujas preocupações etnográficas darão a conhecer a vida das classes mais<br />

baixas, a que ele não prestou muita atenção.


Na mesma esteira literária podem<strong>os</strong> colocar Hugo Rocha, em Gentio<br />

Branco 13 , onde descreve uma vindima minhota e o ambiente em que de -<br />

corre essa fai<strong>na</strong>, recolhendo as cantigas das vindimadeiras. Os <strong>seus</strong> perso<strong>na</strong>gens<br />

utilizam o subdialecto da região. Mais tarde, porém, outr<strong>os</strong> ficcionistas<br />

desenvolveriam de maneira mais completa, com mais maturidade e sabendo<br />

transmitir melhor as características das províncias, dando ainda mais importância<br />

ao ambiente, às classes mais baixas e a divers<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> de <strong>na</strong>tureza<br />

etnográfica.<br />

Acabam<strong>os</strong> esta resenha da província minhota com um autor do fi<strong>na</strong>l do sé -<br />

culo XIX, Camilo Castelo Branco (1825-1890), com o que fazem<strong>os</strong> uma<br />

breve história da evolução desta <strong>literatura</strong> e também, indirectamente, das<br />

diversas escolas que trataram das características da vida aldeã. Camilo não<br />

era minhoto, mas passou muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> an<strong>os</strong> nesta província, bem como<br />

no Porto e em Trás-<strong>os</strong>-Montes. Dele, diz Ramalho Ortigão: «Para quem não<br />

souber o que era há quarenta an<strong>os</strong> a cidade do Porto será já hoje difícil a<br />

aná lise sociológica d<strong>os</strong> romances de Camilo Castelo Branco. E é sobre essa<br />

análise que tem de basear-se, com relação a<strong>os</strong> livr<strong>os</strong> deste escritor, o estudo<br />

das perso<strong>na</strong>gens, d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes e do cenário, bem como o da escolha do<br />

assunto» 14 . Interessa, deste testemunho, o modo como o trabalho de Camilo<br />

era visto por um escritor tão lúcido e exigente como Ramalho e perceber<br />

como Camilo absorveu as características huma<strong>na</strong>s e sociais das zo<strong>na</strong>s onde<br />

viveu e se movimentou. Por isso, alguns d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> romances e cont<strong>os</strong> são im -<br />

portantes como imagem estilizada daquelas zo<strong>na</strong>s.<br />

Camilo, conhecedor da vida simples das gentes das zo<strong>na</strong>s referidas, onde<br />

viveu, nega a bondade atribuída por Júlio Dinis a<strong>os</strong> aldeões. Parece preferir<br />

as perso<strong>na</strong>gens mais brutas. Encontramo-las, por exemplo, <strong>na</strong>s Novelas do<br />

Minho e <strong>na</strong> Brasileira de Prazins, onde utilizou a linguagem dialectal da zo<strong>na</strong><br />

e as situações e conflit<strong>os</strong> sentimentais que presenciou, registou e eventualmen<br />

te mudou, as quais aparecem, por vezes, com traç<strong>os</strong> exagerad<strong>os</strong>, reflectindo<br />

a perso<strong>na</strong>lidade do autor. Explorou as crendices, as superstições e as<br />

reacções do povo, as quais foram p<strong>os</strong>tas em destaque por Alberto Braga 15 .<br />

Através de Camilo e de outr<strong>os</strong> autores, um pouco por todo o País, podem<strong>os</strong><br />

fazer um diagnóstico da mentalidade das pessoas desta época. Por exemplo,<br />

em Maria Moisés encontram<strong>os</strong> algumas práticas de feitiçaria que «re solviam»<br />

cas<strong>os</strong> imp<strong>os</strong>síveis de saúde, de amor, etc. Estas mulheres foram descritas pelo<br />

165<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

166<br />

autor, assim como <strong>os</strong> ambientes onde traba lhavam. E não se esqueceu de<br />

mencio<strong>na</strong>r, por vezes, <strong>os</strong> ingredientes utilizad<strong>os</strong>, <strong>os</strong> recipientes, as operações<br />

e orações mágicas proferidas, as receitas dadas, assim como as pessoas que lá<br />

recorriam em temp<strong>os</strong> de aflição. Registou também as acções das freguesas e<br />

as histórias que relataram 16 . Assistim<strong>os</strong> a exorcism<strong>os</strong> em O Amor de Perdição<br />

e conhecem<strong>os</strong> <strong>os</strong> filtr<strong>os</strong> mágic<strong>os</strong> <strong>na</strong>s Novelas do Minho. Em tudo, <strong>os</strong> diálog<strong>os</strong><br />

são <strong>na</strong>turais, pois emprega a linguagem do povo. Ca mi lo também avançou<br />

com aspect<strong>os</strong> etnográfic<strong>os</strong> que têm que ver com aspect<strong>os</strong> da <strong>literatura</strong><br />

regio<strong>na</strong>lista. A sua obra é, porém, muito variada, abarcando muitas mais<br />

questões do que as aqui mencio<strong>na</strong>das.<br />

Um outro autor, Ar<strong>na</strong>ldo Gama, desenvolve também as crendices do povo,<br />

entre as quais inclui o diabo e <strong>os</strong> lobisomens 17 , completando o texto com<br />

várias informações pertinentes. Por outro lado, o fam<strong>os</strong>íssimo minhoto<br />

Fran cisco Teixeira de Queirós, mais conhecido por Bento Moreno (1849-<br />

-1919) 18 , que publicou, pela primeira vez, muito d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> cont<strong>os</strong> <strong>na</strong> imprensa<br />

periódica, escreveu, à moda realista, uma série de text<strong>os</strong> sobre o Minho, es -<br />

colhendo como perso<strong>na</strong>gens o lavrador, o cabaneiro, a tecedeira, o padre, o<br />

sacristão, a beata, a bruxa e a benzedeira, o feirante, etc., que integrou no<br />

seu ambiente típico, detalhando a vida de muit<strong>os</strong> deles. O povo, em geral, é<br />

o grande actor da sua série «Comédia do Campo», em sete volumes 19 .<br />

A vida de jovens pastores e cabreir<strong>os</strong> é recreada no seu conto «Pastoral» 20 ,<br />

pas sado no Guidon, Minho. Reconstitui com pormenor o ambiente das<br />

suas vidas, a paisagem com a flora e fau<strong>na</strong> típicas da zo<strong>na</strong>, a sua parca alimen<br />

tação, o modo quase animalesco como viviam, debaixo de pedras, de<br />

lapas – a chamada Pedra-Suspensa –, que descreve. Para além deste trabalho,<br />

estes pastores preenchiam as horas vagas com outras actividades, como o fiar<br />

o linho. Os divertiment<strong>os</strong> eram pouc<strong>os</strong>, o amor e o ciúme constantes neste<br />

conto. E uma imensa solidão, cortada pelo som de uma simples flauta.<br />

Bento Mo re no dá ainda conta da procissão anual e da grande devoção à<br />

Pedra-Sus pensa, motivo de explicação etnográfica. E põe-n<strong>os</strong> também a jogar<br />

<strong>os</strong> jog<strong>os</strong> tradicio<strong>na</strong>is, como o «bicho a formas», por exemplo, em Os meus<br />

Primeir<strong>os</strong> Cont<strong>os</strong> 21 .<br />

Deste mesmo autor é o célebre conto do «Juiz do Soajo, novo Salomão» 22<br />

mo delo de justiça, culto da integridade daquelas gentes, graças a hábit<strong>os</strong> que<br />

se foram enraizando, à falta de um outro tipo de justiça institucio<strong>na</strong>lizado


para a resolução de problemas que as relações conflituais produziam. Toda a<br />

população participava e era como que responsabilizada. O autor como que<br />

faz a história da gente da zo<strong>na</strong>, reveladora d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> nobres, que contrapõe<br />

a<strong>os</strong> mais vis, e d<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de actuar de épocas mais antigas em que a<br />

palavra era sa gra da e se ligava à honra, não sendo necessário o uso de qualquer<br />

documento escrito para provar qualquer contrato. O inocente desta<br />

história salva-se graças à inteligência do juiz, sempre escolhido pela população,<br />

entre <strong>os</strong> me lhores e mais dign<strong>os</strong>.<br />

Histórias divertidas também as tem Bento Moreno, que se delonga em m<strong>os</strong>trar<br />

a alma do povo e <strong>os</strong> <strong>seus</strong> variad<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong>, <strong>os</strong> <strong>seus</strong> mod<strong>os</strong> de actuar,<br />

como se lê em «Morte negra» 23 , em «N<strong>os</strong>so Senhor Jesus Cristo» 24 , «O cego<br />

de Guardiam» 25 , em «Enguiço» 26 . E não falta, em Amores, Amores, a descrição<br />

das romarias minhotas à Senhora da Abadia, à Senhora do Alívio, entre<br />

tantas outras, muito frequentadas por grup<strong>os</strong> que, no seu percurso a pé em<br />

direcção a<strong>os</strong> respectiv<strong>os</strong> santuári<strong>os</strong>, cantam cantigas cheias de religi<strong>os</strong>idade.<br />

E não deixa de n<strong>os</strong> pôr a par das canções ao desafio entre cantadores e canta<br />

deiras, que Teixeira de Queirós também transcreve em A cantadeira. Em<br />

tudo isto perpassam <strong>os</strong> hábit<strong>os</strong> do povo.<br />

J<strong>os</strong>é Augusto Vieira, igualmente conhecido por Rui de Pi<strong>na</strong>, era <strong>na</strong>tural da<br />

mesma província e um grande coleccio<strong>na</strong>dor de material etnográfico, que<br />

pu blicou em várias revistas. Dá-n<strong>os</strong>, <strong>na</strong>s Fototipias do Minho 27 , «as condições<br />

do meio que influenciaram toda a [sua] infância e grande parte da [sua] mo -<br />

cidade» 28 . Traduz <strong>os</strong> problemas das gentes desta área, <strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> familiares<br />

privad<strong>os</strong> e públic<strong>os</strong>, as invejas, as cobiças, as intrigas e <strong>os</strong> crimes, por<br />

exemplo, em «As arrecadas de R<strong>os</strong>inha», onde são tratad<strong>os</strong> o <strong>na</strong>moro, a mor -<br />

te, o casamento por interesse; as actividades profissio<strong>na</strong>is masculi<strong>na</strong>s e femini<strong>na</strong>s<br />

<strong>na</strong>s feiras; a emigração, em «A carta do Brasil», acompanhado do endémico<br />

e insolúvel problema do a<strong>na</strong>lfabetismo; o da religi<strong>os</strong>idade, sempre<br />

pre sente, mas vista sob um invulgar prisma para a altura, em «A cura de uma<br />

nevr<strong>os</strong>e». Em vári<strong>os</strong> d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> text<strong>os</strong> utiliza o vocabulário típico da zo<strong>na</strong>.<br />

De uma maneira geral, pode dizer-se que em muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> cont<strong>os</strong> retirad<strong>os</strong> da<br />

im prensa periódica de 1875 a 1930, desta zo<strong>na</strong> minhota, são referid<strong>os</strong> vári<strong>os</strong><br />

tip<strong>os</strong> de trabalh<strong>os</strong>, sobretudo agrícolas. Os mais interessantes são <strong>os</strong> sazo<strong>na</strong>is<br />

e, destes, destacam-se as vindimas e a apanha da azeito<strong>na</strong>. Mas também aparecem<br />

perso<strong>na</strong>gens que amanham a terra todo o ano para a subsistência<br />

167<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

168<br />

diária. E não faltam lavradores de diversas condições sociais, sendo mais frequentes<br />

<strong>os</strong> abastad<strong>os</strong> ou remediad<strong>os</strong>. No seu conjunto, estes cont<strong>os</strong> reportam<br />

interessantes aspect<strong>os</strong> da etnografia da zo<strong>na</strong>, sendo feita especial referência<br />

à interajuda gratuita entre famílias, por ocasião das fai<strong>na</strong>s agrícolas.<br />

Algumas delas são descritas de forma muito completa, como em «Aromas<br />

campesin<strong>os</strong>» de Ber<strong>na</strong>rdo de Pindela 29 . Mas ap arecem outras profissões,<br />

como as de alfaiates, almocreves, marça n<strong>os</strong>, estalajadeir<strong>os</strong>, taberneir<strong>os</strong>, mo -<br />

leir<strong>os</strong>, coveir<strong>os</strong>, que ajudam a completar a panorâmica das actividades não<br />

agrícolas da zo<strong>na</strong>. Outras, como pastoras, estalajadeiras, taberneiras, c<strong>os</strong>tureiras,<br />

fazem também parte da «lista» encontrada n<strong>os</strong> cont<strong>os</strong> recolhid<strong>os</strong> <strong>na</strong><br />

im prensa periódica, aparecendo poucas lavradoras ricas, quase sempre<br />

viúvas, ou órfãs adultas. No seu conjunto, <strong>os</strong> cont<strong>os</strong> reproduzem imagens<br />

d<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> e da vida destas gentes, regra geral tradicio<strong>na</strong>is.<br />

No que respeita ao sexo feminino, <strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong>, frequentemente muito<br />

fortes, são <strong>os</strong> que mais se destacam, porque são eles que dão o colorido às<br />

his tórias, quase sempre com um fi<strong>na</strong>l infeliz. São as mulheres que, por amor,<br />

transgridem <strong>os</strong> códig<strong>os</strong> rígid<strong>os</strong> da época. Caracterizadas pela fragilidade, a<br />

morte é por vezes o seu desenlace. Há ainda perso<strong>na</strong>gens, de amb<strong>os</strong> <strong>os</strong> sex<strong>os</strong>,<br />

que vagabundeiam solitárias por divers<strong>os</strong> locais e vivem pauperrimamente<br />

n<strong>os</strong> cont<strong>os</strong> de Alfredo de Guimarães 30 , ajudadas pela população que as<br />

acolhe e lhes oferece uma refeição ou um local para dormir. Alguns deles são<br />

louc<strong>os</strong>.<br />

No Alto Minho, em Castro Laboreiro, Barr<strong>os</strong> Ferreira escreve o romance re -<br />

gio <strong>na</strong>lista a Maria d<strong>os</strong> Toj<strong>os</strong>, em 1938, localizando a acção em terra de contra<br />

bandistas e carabineir<strong>os</strong>. Por isso, as suas perso<strong>na</strong>gens têm vidas muito<br />

conturbadas e de grande miséria.<br />

Alto-Douro<br />

O médico duriense e exímio escritor João de Araújo Correia (1899-1985)<br />

ouviu histórias mil d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> doentes e de muitas outras pessoas da sua terra,<br />

Peso da Régua e arredores. E tudo plasmou <strong>na</strong> sua obra, como me confessou<br />

– em entrevista que me concedeu, em 1983 –, dizendo ainda viverem algumas<br />

das pessoas em que se baseou para a elaboração d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> text<strong>os</strong>, transfor -<br />

madas criativamente. Escreveu pr<strong>os</strong>a regio<strong>na</strong>lista n<strong>os</strong> Cont<strong>os</strong> Durienses, n<strong>os</strong>


Foto 1<br />

Local de <strong>na</strong>scimento de João de Araújo Correia,<br />

Canelas – Douro<br />

Foto 2<br />

Estátua de J. de A. Correia – Régua<br />

Foto 3<br />

Casa de J. de A. Correia – Régua<br />

Cont<strong>os</strong> e Novelas, <strong>na</strong> Terra Ingrata,<br />

entre outr<strong>os</strong> 31 . Ao retratar a sua província<br />

n<strong>os</strong> Cont<strong>os</strong> Bárbar<strong>os</strong>, diz que<br />

estes lhe «saíram tão de dentro, tão<br />

espontâne<strong>os</strong> e tão fluen tes […] São<br />

bárbar<strong>os</strong> por <strong>na</strong>tureza» 32 . O mesmo<br />

acontece n<strong>os</strong> Cont<strong>os</strong> Du rienses 33 e em<br />

Terra Ingrata 34 , entre outr<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong><br />

literári<strong>os</strong>. Queixa-se Araújo Correia<br />

que: «Pouco se tem estudado, etnograficamente,<br />

o [seu] pátrio Doiro. Nun -<br />

ca por aqui medrou um Leite de Vas -<br />

con cel<strong>os</strong> nem um Tomás Pires. Mal<br />

por aqui passou Rocha Peixoto. Pode<br />

considerar-se virgem ou quase virgem<br />

de exploração etnográfica, o território<br />

que produz o chamado Vinho do Por -<br />

to» 35 . Para colmatar este défice, <strong>na</strong> sua<br />

actividade literária tentou m<strong>os</strong>trar as<br />

diversas facetas desta zo<strong>na</strong>.<br />

A labuta do arranjo das vinhas e as<br />

vindimas, as cantigas e instrument<strong>os</strong><br />

mu sicais, <strong>os</strong> barc<strong>os</strong> rabel<strong>os</strong>, <strong>os</strong> instrument<strong>os</strong><br />

de pesca, as alfaias, que estão<br />

associad<strong>os</strong> ao Douro, emudecerão<br />

para sempre, diz o escritor. E em tom<br />

de crítica e de mágoa conclui: «O progresso,<br />

entre nós, consiste em sepultar<br />

o passado a sete palm<strong>os</strong> de fundo.<br />

Substituído o almude de vinte e cinco<br />

litr<strong>os</strong> pela medida actual de vinte<br />

litr<strong>os</strong>, não só desapareceu o objecto<br />

como a palavra» 36 . Mas há outr<strong>os</strong> fac-<br />

tores a ter em conta. A emigração provocou o abandono de muitas actividades<br />

tradicio<strong>na</strong>is. O autor vai apontando palavras, act<strong>os</strong> e trabalh<strong>os</strong> que estão<br />

associad<strong>os</strong> a esta zo<strong>na</strong> do Douro. Revela-n<strong>os</strong> <strong>os</strong> as pect<strong>os</strong> psicológic<strong>os</strong>, morais<br />

e patológic<strong>os</strong>, constitutiv<strong>os</strong> da perso<strong>na</strong>lidade e carácter desta gente.<br />

169<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

170<br />

A ficção de J. A. Correia é de primeira-água,<br />

corrente forte e cristali<strong>na</strong>.<br />

Conhe cendo profundamente a re -<br />

gião, dá vida às suas gentes com quem<br />

sempre privou. E fá-lo com grande<br />

mestria. Diz Guedes de Amorim, no<br />

prefácio de Os Melhores Cont<strong>os</strong> de<br />

João de Araújo Correia: «“Cada livro<br />

deve levar agarrado às folhas o húmus<br />

que gereceu”» 37 . E confirma ser «a paisagem<br />

constante de João de Araújo<br />

Correia […] duriense, e duriense são,<br />

<strong>na</strong> quase totalidade, as suas perso<strong>na</strong>gens»<br />

38 . O mesmo autor refere: «Le -<br />

van do-lhe a extrem<strong>os</strong> o fundo conhecimento<br />

de ilusões e mazelas, lutas,<br />

insatisfações e mi sérias de toda a<br />

sorte, [... ele] faz da <strong>literatura</strong> vida» 39 .<br />

Foto 5<br />

Object<strong>os</strong> profissio<strong>na</strong>is de J. de A. Correia, médico e escritor<br />

Foto 4<br />

Casa de J. de A. Correia – Régua


Foto 6<br />

Livro de receitas médicas e caneta de J. de A. Correia<br />

Foto 8<br />

Tinteiro de J. de A. Correia<br />

Foto 7<br />

Object<strong>os</strong> pessoais de J. de A. Correia<br />

171<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

172<br />

Foto 9<br />

O escritor J. de A. Correia<br />

Foto 10<br />

Mã<strong>os</strong> e escrita de J. de A. Correia


Quem ler <strong>os</strong> Cont<strong>os</strong> Durienses encontra as mesmas temáticas d<strong>os</strong> Cont<strong>os</strong><br />

Bárbar<strong>os</strong>. Neles está presente o mundo rural daquela zo<strong>na</strong> com a variedade<br />

das suas histórias, com perso<strong>na</strong>gens de amb<strong>os</strong> <strong>os</strong> sex<strong>os</strong>, muito diferentes,<br />

mas muito iguais <strong>na</strong> maneira de falar e <strong>na</strong> miséria de vida. M<strong>os</strong>trando traba -<br />

lh<strong>os</strong> e preocupações da zo<strong>na</strong>, alguns sentiment<strong>os</strong> comuns a tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> seres<br />

hu man<strong>os</strong>, o ficcionista também reflecte um mundo que vê acabar em Rio<br />

Morto (1973). Será que a mudança do rio, com a construção de barragens,<br />

provocou a mudança do homem e das suas actividades? João Bigotte Chorão<br />

no prefácio do livro Cont<strong>os</strong> e Novelas diz: «O escritor como que faz [do rio]<br />

o símbolo da agonia de um mundo» 40 . Em Outro Mundo (1980), afirma<br />

ainda que João Araújo Correia observa o «mundo real. E, mais que o tempo<br />

presente, em mudança vertigin<strong>os</strong>a, retrata o tempo passado e antigo. Num<br />

mundo em permanente mu dança, quem men<strong>os</strong> muda é o homem, igual a si<br />

próprio em qualquer lugar e época. A subs tância huma<strong>na</strong> não se transforma:<br />

o que se modifica são as modas, <strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes, o ambiente, a técnica» 41 .<br />

Araújo Correia escolhe divers<strong>os</strong> espaç<strong>os</strong> para as suas perso<strong>na</strong>gens, como as<br />

feiras, lugar de múltipl<strong>os</strong> e variad<strong>os</strong> encontr<strong>os</strong>. Aí estão todas as classes<br />

sociais, que o conto de «A velha das panelas» 42 reproduz tão bem. Ele não se<br />

esquece de nenhuma classe, mas olha, por vezes, criticamente para as mais<br />

altas. Neste conto, para além de dar a conhecer uma profissão nómada de<br />

magr<strong>os</strong> rendiment<strong>os</strong> e, por isso, muito difícil para uma mulher sozinha e<br />

id<strong>os</strong>a, de nun cia também a arrogância das classes superiores, a miséria e<br />

humilhação das inferiores, sem qualquer p<strong>os</strong>sibilidade de contestação d<strong>os</strong><br />

insult<strong>os</strong> que lhes eram dirigid<strong>os</strong>. E noutr<strong>os</strong> cont<strong>os</strong> – «Os fig<strong>os</strong> de pau», o<br />

«Conto de Natal», a «História de uma doente», «A medalha», «O enforcado»,<br />

«A cons ciência» – encontram<strong>os</strong> uma panóplia de situações existenciais, algumas<br />

comoventes, em que estão presentes <strong>os</strong> divers<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> ou ocupações<br />

destas gentes, <strong>os</strong> <strong>seus</strong> sonh<strong>os</strong> e pesadel<strong>os</strong>, e d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> mais baix<strong>os</strong> a<strong>os</strong><br />

mais elevad<strong>os</strong>.<br />

Anj<strong>os</strong> Rústic<strong>os</strong>, de Norberto Moura e Castro 43 , passa-se também nesta região,<br />

estando neles patentes <strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes, a vida torturada e difícil d<strong>os</strong> trabalhadores,<br />

<strong>os</strong> <strong>seus</strong> ansei<strong>os</strong> e desengan<strong>os</strong> e a revolta perante as suas condições de<br />

tra balho. E Abílio Adriano Camp<strong>os</strong> Monteiro, <strong>na</strong>s «Novelas transmonta<strong>na</strong>s»,<br />

inseridas n<strong>os</strong> Ares da minha Serra 44 , escreve sobre a vindima e a pisa, a<br />

colheita da amêndoa e uma rebofa. Camp<strong>os</strong> Monteiro m<strong>os</strong>tra a «perso<strong>na</strong>lidade»<br />

do rio Douro, acentuando o seu papel maléfico <strong>na</strong>quela zo<strong>na</strong>, quando<br />

173<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

174<br />

por vezes tudo destrói. Os socalc<strong>os</strong> de vinhas, as videiras, as actividades ligadas<br />

ao vinho eram para aquela gente uma das fontes de trabalho e sustento,<br />

enquanto a filoxera as não atingiu. São <strong>os</strong> dramas das regiões vinícolas.<br />

O duriense Alberto Mário de Sousa C<strong>os</strong>ta (1879-1961), <strong>na</strong> Ressurreição d<strong>os</strong><br />

Mort<strong>os</strong> (Ce<strong>na</strong>s da Vida do Douro), baseado em aspect<strong>os</strong> históric<strong>os</strong>, não es -<br />

que ce de sublinhar a vida difícil nestas terras, a filoxera, as vindimas e o traba<br />

lho árduo das vindimadeiras, o envasilhamento do vinho e o transporte<br />

em barc<strong>os</strong> para ser vendido. As cantigas populares acompanham toda esta<br />

tarefa, e um auto muito interessante e antigo.<br />

O autor trata, em cont<strong>os</strong> como «A benta da Devesa» 45 e «A benta do<br />

Adro» 46 , recolhid<strong>os</strong> <strong>na</strong> imprensa periódica 47 , de uma matéria muito comum<br />

em todas as províncias: as superstições, crendices e usanças. Ele faz uma re -<br />

constituição muito curi<strong>os</strong>a das actividades destas mulheres de virtude, através<br />

do vocabulário popular típico da região. A senhora Vicência, entre r<strong>os</strong>maninh<strong>os</strong>,<br />

alecrins, ervas «desencanhadeiras» e outr<strong>os</strong> ingredientes e receitas<br />

complicadas, «cura» adult<strong>os</strong> e crianças. Com rezas e gest<strong>os</strong> 48 vai libertando as<br />

pessoas d<strong>os</strong> maus-olhad<strong>os</strong>. Situações expressas numa linguagem da zo<strong>na</strong>, que<br />

o autor consegue reproduzir, para além de outr<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> etnográfic<strong>os</strong> que<br />

não perturbam o estilo d<strong>os</strong> cont<strong>os</strong>.<br />

Trás-<strong>os</strong>-Montes<br />

Bento da Cruz, em As Filhas de Loth, situado no Barr<strong>os</strong>o, descreve sentimen -<br />

t<strong>os</strong> muito fortes e amores violent<strong>os</strong>, juntamente com <strong>os</strong> problemas desta<br />

zo<strong>na</strong> tão típica, com suas casas de colmo, e a vida das mulheres e d<strong>os</strong> pequen<strong>os</strong><br />

pastores, dividid<strong>os</strong> entre a escola e o trabalho, impedid<strong>os</strong> de progredir<br />

intelectualmente por questões económicas. E também aqui se destaca a<br />

acção das bruxas.<br />

Um outro escritor, que trata de questões transmonta<strong>na</strong>s 49 , é o delegado e<br />

pro cur ador régio de Mogadouro, J<strong>os</strong>é Francisco Trindade Coelho (1861-<br />

-1908). A sua obra Os meus Amores (1891), sobre esta província, teve a aprovação<br />

unânime de crític<strong>os</strong> e de leitores. Os <strong>seus</strong> cont<strong>os</strong> foram traduzid<strong>os</strong><br />

para espanhol e francês, e a sua obra mereceu estud<strong>os</strong> em alemão 50 . Trin -<br />

dade Coelho é mais conhe cido pela faceta benig<strong>na</strong> do que pelas radicais po -


si ções políticas que tomou, pela sua luta pelo progresso de todo o povo e<br />

pela sua instrução e edu cação. Segundo diz, «<strong>os</strong> meus conterrâne<strong>os</strong> são até…<br />

“<strong>os</strong> meus amores”» 51 .<br />

À excepção do conto «Manuel Maçores», o ambiente d<strong>os</strong> cont<strong>os</strong> de Trindade<br />

Coelho é transmontano: n<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> – <strong>na</strong> maioria, pur<strong>os</strong> e saudáveis –,<br />

no vocabulário, <strong>na</strong> paisagem, n<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> e n<strong>os</strong> lazeres; <strong>na</strong> reconstituição<br />

d<strong>os</strong> típic<strong>os</strong> serões familiares, em casa, à noite, no Inverno, altura em que se<br />

substituem <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> no campo por outr<strong>os</strong>, como o fiar do linho, o dobar<br />

das meadas, etc., moment<strong>os</strong> propíci<strong>os</strong> ao convívio mais próximo, entre<br />

amig<strong>os</strong> e familiares. A <strong>literatura</strong> oral, ainda muito viva <strong>na</strong> época, é lembrada<br />

através de histórias, adivinhas, parlendas e jog<strong>os</strong>. É excelente a recolha feita<br />

por T. Coelho, por exemplo, em «À lareira» 52 . N<strong>os</strong> <strong>seus</strong> Amorinh<strong>os</strong> encontram<strong>os</strong>,<br />

aliás, cont<strong>os</strong> tradicio<strong>na</strong>is como a «Parábola d<strong>os</strong> sete vimes», pensada<br />

expressamente para um momento político de desunião e dedicada a<strong>os</strong> habitantes<br />

de Mogadouro 53 , <strong>na</strong> intenção de <strong>os</strong> aconselhar «a que se u<strong>na</strong>m num<br />

único partido, o partido do concelho, a fim de conseguirem <strong>os</strong> melhorament<strong>os</strong><br />

de que carecem» 54 .<br />

Em outr<strong>os</strong> cont<strong>os</strong>, como em «Prelúdi<strong>os</strong> de festas» e «Vae Victoribus», trata<br />

de formas diferentes de justiça por mã<strong>os</strong> próprias. Em «Terra Mater» faz referên<br />

cia às terras p<strong>os</strong>suídas por cada um. E no conto «Última dádiva» são re -<br />

cordad<strong>os</strong> <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> agrícolas, <strong>os</strong> problemas da emigração e as festas. A<br />

vida de trabalho d<strong>os</strong> pastores aparece revelada em «Idílio rústico» 55 , num<br />

am biente bem caracterizado, onde se assiste à vida dura e solitária de duas<br />

crianças que se encontram <strong>na</strong> montanha, partilhando uma mísera merenda<br />

– azeito<strong>na</strong>s, um <strong>na</strong>co de queijo e pão –, a pastorear o gado e lá ficando a<br />

tomar conta dele, receando <strong>os</strong> lob<strong>os</strong>, entre outr<strong>os</strong> perig<strong>os</strong>. Neste conto, a <strong>na</strong> -<br />

tu reza é uma componente forte e determi<strong>na</strong>nte: além de as perso<strong>na</strong>gens de -<br />

penderem dela, é aí que eles passam a maior parte do seu tempo, numa solidão<br />

entrecortada por uma flauta, pela religi<strong>os</strong>idade, pela amizade entre <strong>os</strong><br />

pastores, por histórias de moiras encantadas.<br />

E porque está no centro da questão teórica que se coloca a respeito da correspondência<br />

entre a <strong>literatura</strong> e a realidade, não deixarem<strong>os</strong> de citar a reflexão<br />

que Trindade Coelho faz sobre a questão – o que não parece ter sido<br />

aceite por Rogério Fer<strong>na</strong>ndes 56 , que reclama dela mais fidelidade à si tuação<br />

económica do país em A minha «Candidatura» por Mogadouro 57 –, numa<br />

175<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

176<br />

carta a Júlio de Lem<strong>os</strong>: «Há a Verdade e a verdade. A Verdade artística e a<br />

verdade real. São as mesmas. Somente a primeira extrai das coisas ape <strong>na</strong>s <strong>os</strong><br />

<strong>seus</strong> eflúvi<strong>os</strong>, deixe-me dizer assim, e, a segunda, a cópia das coisas.» Na corres<br />

pondência trocada com Luísa Ey, diz: «É o mundo real, é a observação<br />

objectiva, ajudando a Arte a dar relevo às coisas subjectivas.» E em carta a<br />

Paulo Osório, afirma: A «Terra-Mater», «esse conto creio que é verda deiro». E<br />

continua: «Faço por escrever como o povo fala, e <strong>os</strong> escritores, pouc<strong>os</strong> são,<br />

que aprenderam com ele. Cheiro a terra, que eu bem o sei, mas porque <strong>na</strong>sci<br />

dela e não renego a mãe» 58 . E foi esse cheiro que ficou até a<strong>os</strong> dias de hoje,<br />

o de uma terra que, apesar de m<strong>os</strong>trar o ambiente de miséria que se adivinha<br />

em alguns cont<strong>os</strong>, é também o de um esteta apaixo<strong>na</strong>do pela sua origem. Por<br />

isso, <strong>os</strong> <strong>seus</strong> cont<strong>os</strong> são a expressão da «Verdade artística».<br />

Beiras<br />

O beirão Aquilino Ribeiro (1885-1963), de Carregal da Tab<strong>os</strong>a, também<br />

cheirava a terra e não foi men<strong>os</strong> combativo do que Trindade Coelho. O seu<br />

caso é peculiar, pois apesar de ser um d<strong>os</strong> mais importantes escritores regio<strong>na</strong><br />

listas, rejeitou sempre publicamente, e com veemência, integrar nessa corrente<br />

a sua pr<strong>os</strong>a d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes locais, referentes às Terras do Demo. Nega<br />

mesmo a existência desta <strong>literatura</strong>, em Portugal, por não encontrar diferen -<br />

ças significativas que justifiquem essa classificação. Pergunta se pode haver<br />

re gio<strong>na</strong>lismo «num país étni ca e politicamente centralizado, que se percorre<br />

num dia de ponta a ponta, falando uma língua única, desprovida de dialect<strong>os</strong>,<br />

quando mais co-dia lect<strong>os</strong>? As capas de Mi ran da, a capucha, as uvas de<br />

en forcado, <strong>os</strong> safões e a açorda alenteja<strong>na</strong> não são ele ment<strong>os</strong> cabondes para<br />

a sua representação constituir um subgéne ro. São vinhetas para o folclore,<br />

mas não temas para um romance. Na essência Por tu gal é igual de Norte a<br />

Sul. Em rigor não há c<strong>os</strong>tumes, cozinhad<strong>os</strong>, in dumentária especial para esta<br />

ou aquela re gião. As variantes são mais in signi ficantes que as ondas num<br />

lago quando passa um palmípede. A única coisa diferente é a geografia. Há<br />

terra de monte e de planície; de várzea e de bar beito; de floresta e de sava<strong>na</strong>.<br />

Orogra fica mente, o Minho é diferente do Ri batejo, como Trás-<strong>os</strong>-Montes o<br />

é do Algarve. Mas poderá essa diferenciação constituir substância bastante<br />

para dar lugar ao “homem” particular de região para região? Se existe esse<br />

ho mem, então, sim, poderá pressupor-se es cola regio<strong>na</strong>lista entre nós com<br />

<strong>seus</strong> praticantes» 59 .


Foto 11<br />

Beira Alta<br />

Em defesa desta p<strong>os</strong>ição, acrescenta<br />

ainda que «nós p<strong>os</strong>suím<strong>os</strong><br />

uma língua única, com<br />

uma só morfologia, com uma<br />

pr<strong>os</strong>ódia, de Norte a Sul. […]<br />

O mi randês é uma corruptela<br />

episódica. De modo que sob<br />

este aspecto não há escritores<br />

regio<strong>na</strong>listas em Portugal» 60 .<br />

Quanto à interpretação do<br />

tipo ou da região, o romancista<br />

acrescenta: «À parte as<br />

camb iantes, e é negócio de<br />

fol clore, <strong>os</strong> labreg<strong>os</strong> de Portu -<br />

gal são o mesmo presépio e<br />

com a mesma ps i que. Esfo -<br />

mea d<strong>os</strong>, ignorantes, velhac<strong>os</strong>,<br />

trabalhad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> instint<strong>os</strong>,<br />

tanto o são aqui como além.<br />

Quem faz o homem é o céu, é<br />

a Natureza, é o solo, são as<br />

leis e é a língua, que é como o molde d<strong>os</strong> pensament<strong>os</strong>, e quem diz pensament<strong>os</strong><br />

diz racio<strong>na</strong>lidade. Portanto, acabe-se de vez com a ideia incôngrua, e<br />

sem fundamento, de que há uma escola regio<strong>na</strong>lista em Portugal! O que há<br />

é figurantes de carapuça ou de chapéu vareiro, de polai<strong>na</strong>s de junco ou<br />

safões de pele. É pouco. Mu dam-se n<strong>os</strong> bastidores. Abel Botelho <strong>na</strong>s Beiras,<br />

Camilo no Minho, no Alentejo Fia lho e Brito Camacho são <strong>na</strong>i pes do<br />

mesmo baralho literário. O específico é fruto da sua arte» 61 .<br />

É p<strong>os</strong>sível que as razões deste p<strong>os</strong>icio<strong>na</strong>mento estremado sejam de <strong>na</strong>tureza<br />

po lítica, pois tentava afastar-se d<strong>os</strong> cultores do Integralismo Lusita no, profun<br />

damente conservadores. Da sua vasta obra, como aliás da de outr<strong>os</strong> escritores,<br />

ape<strong>na</strong>s mencio<strong>na</strong>m<strong>os</strong> o que mais se relacio<strong>na</strong> com a n<strong>os</strong>sa temática, o<br />

das facetas re gio<strong>na</strong>listas da <strong>literatura</strong>. Nes te caso, ape<strong>na</strong>s consideram<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />

text<strong>os</strong> que têm a ver com as características anímicas, sociais, linguísticas de<br />

uma zo<strong>na</strong> da Beira Alta, compreendida entre <strong>os</strong> concelh<strong>os</strong> de Vila Nova de<br />

Paiva e Moimenta da Beira – a que deu o já referido nome de Terras do<br />

Demo –, a zo<strong>na</strong> onde <strong>na</strong>sceu e de cuj<strong>os</strong> traç<strong>os</strong> caracteriológic<strong>os</strong> retira inspira -<br />

177<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

178<br />

ção, e que por ele é bem ca racterizada,<br />

desig<strong>na</strong>damente <strong>na</strong><br />

zo<strong>na</strong> da Serra da Nave. A vida<br />

d<strong>os</strong> serran<strong>os</strong> está com efei to fortemente<br />

dependente do meio<br />

geográfico agreste e avaro. A<br />

sua linguagem e c<strong>os</strong>tumes, as<br />

suas figuras tí picas aparecem<br />

n<strong>os</strong> <strong>seus</strong> romances recriad<strong>os</strong>,<br />

mas fundamentalmente fiéis<br />

a<strong>os</strong> <strong>seus</strong> origi<strong>na</strong>is, de tal ma -<br />

neira que quem leia este autor<br />

pensa estar a olhar para um<br />

fres co literário feito por um<br />

mes tre de traço vincado e se gu -<br />

ro, po dendo dizer: esta é a gen -<br />

te da minha al deia, este é o linguajar<br />

do meu povo. As vidas<br />

que retra ta são agrestes e duras<br />

como as rochas que povoam<br />

Foto 12<br />

Beira Alta<br />

aqueles pla<strong>na</strong>lt<strong>os</strong>. A força d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> e a recusa de toda a ingerência<br />

exterior levam a situações trágicas.<br />

Nas figuras que desenha reconhecem<strong>os</strong> o beirão de outrora, hoje quase desapa<br />

recido. Não há terra que O Malhadinhas, almocreve, não calcorreie. No<br />

seu relato, conhecem<strong>os</strong> <strong>os</strong> perig<strong>os</strong> e dificuldades que corre no seu ofício, as<br />

pai sagens que percorre, as intempéries que sofre; o ambiente, <strong>os</strong> animais, a<br />

variedade de gente que encontra, <strong>os</strong> amores ilegítim<strong>os</strong> e <strong>os</strong> outr<strong>os</strong>. Os sentiment<strong>os</strong><br />

surgem fortes nestas perso<strong>na</strong>gens que lutam, do <strong>na</strong>scer ao pôr do<br />

Sol, para garantir o seu magro sustento. E em tudo se sente a identificação<br />

de Aquilino com o meio e com as perso<strong>na</strong>gens que escolhe para o seu livro,<br />

o que aliás é dito pelo autor noutras obras. Assim, em Terras do Demo faz «o<br />

es tudo d[e um] mundo pitoresco e primário» 62 , com suas figuras típicas,<br />

quo tidian<strong>os</strong> ric<strong>os</strong> de histórias que se entrecruzam com mod<strong>os</strong> de ser e<br />

pensar do povo. Festas rijas, como as de N<strong>os</strong>sa Senhora Mãe de Deus e d<strong>os</strong><br />

Ho mens que juntava muita gente e muita confusão. Descreve tod<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />

pass<strong>os</strong> da procissão e a reacção da população. Certo é que, para quem ler<br />

estas pági<strong>na</strong>s, elas «rescend[em] ao tojo e ao burel azeitado quando tor<strong>na</strong> d<strong>os</strong>


Foto 13<br />

Beira Alta<br />

pisões» 63 , tal e qual como ele<br />

queria. Em O Malhadinhas<br />

vem<strong>os</strong> «a aldeia com <strong>os</strong> tugúri<strong>os</strong><br />

miseráveis, sem clarida -<br />

de, amparad<strong>os</strong> uns a<strong>os</strong> outr<strong>os</strong><br />

[…]. Sim, o aldeão enterrou-<br />

-se <strong>na</strong>queles imund<strong>os</strong> casebres,<br />

que ainda hoje abundam<br />

no interior, pela mesma<br />

razão por que a rap<strong>os</strong>a se<br />

mete n<strong>os</strong> covis» 64 . E destaca a<br />

re sistência do aldeão a todas<br />

as injustiças: «Mas há <strong>na</strong>da<br />

mais te<strong>na</strong>z que a erva espezinhada<br />

d<strong>os</strong> caminh<strong>os</strong>? Assim<br />

o aldeão» 65 .<br />

Aquilino Ribeiro retrata com<br />

fidelidade o fenómeno rural e<br />

denuncia as con dições de<br />

vida d<strong>os</strong> camponeses daquela<br />

zo<strong>na</strong> da Beira Alta. Quem leia a Aldeia, Terra, Gente e Bich<strong>os</strong>, fica preparado<br />

para entender o que se passava não só nessas localidades do interior, mas<br />

também um pouco por todo o país, <strong>na</strong> primeira metade do século XX,<br />

denunciando situações que a <strong>literatura</strong> neo-realista amadureceria. A sua<br />

preocupação com <strong>os</strong> <strong>seus</strong> conterrâne<strong>os</strong> leva-o a perguntar: «Porque não<br />

exerce esse rústico outra actividade mais re muneradora?» A resp<strong>os</strong>ta é clara:<br />

«Ora ele exerce e pode continuar a exercer a indústria paupérrima de agricultor<br />

porque se alimenta do que semeia e colhe com as suas mã<strong>os</strong> e ainda<br />

porque o seu nível de vida é tão baixo que, <strong>na</strong> sua espórtula, se reduz ao<br />

fisco, à forja, e a<strong>os</strong> chamad<strong>os</strong> alh<strong>os</strong> da feira [...] Tenha ou não vida deficitária,<br />

está preso em seu cepo de escravo, ao primeiro elemento da alimentação» 66 .<br />

Para além destes trabalhadores, vim<strong>os</strong> perpassar perante <strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> olh<strong>os</strong>, se -<br />

duzid<strong>os</strong> pela sua verve, feirantes d<strong>os</strong> dois sex<strong>os</strong>, almocreves, barqueir<strong>os</strong> e pastores,<br />

em op<strong>os</strong>ição a outr<strong>os</strong> com ocupações mais sedentárias. E perguntamo-<br />

-n<strong>os</strong> com Aquilino: «Porque é que a aldeia serra<strong>na</strong> assim estacionou em primário,<br />

miserando, inconfortável cortiço humano, mais próprio de animais<br />

179<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

180<br />

Foto 14<br />

Beira Alta – Manjedoura<br />

que do europeu ocidental que se presume feito à imagem [...] de Deus? Que<br />

bicho era ou a que macabra ortopedia o submeteram para perdurar assim<br />

monstru<strong>os</strong>a e secularmente pária? Que espécie de canceração foi essa?» 67<br />

Não parece ser difícil encontrar a resp<strong>os</strong>ta.<br />

O cerne das suas histórias e romances parece estar <strong>na</strong>quilo que escreve,<br />

numa espécie de prefácio a Terras do Demo: «A aldeia serra<strong>na</strong>, como aquela<br />

em que fui <strong>na</strong>do e baptizado e me criei são e escorreito, é assim mesmo:<br />

barulhenta, valer<strong>os</strong>a, suja, sensual, avara, honrada, com tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong><br />

e instint<strong>os</strong> que constituíam o empedrado da comu<strong>na</strong> antiga. Ainda ali<br />

há Abraão e <strong>os</strong> sant<strong>os</strong> vêm à fala com <strong>os</strong> zagais n<strong>os</strong> silenci<strong>os</strong><strong>os</strong> montes. [...] É<br />

pagã, e crê em sua religi<strong>os</strong>idade toda exterior a adorar o Deus de S. Tomás.<br />

Conta pelo calendário gregoriano estes terríveis dias de peste, fome e guerra,<br />

e está imersa n<strong>os</strong> nebul<strong>os</strong><strong>os</strong> temp<strong>os</strong> do rei Vamba. Em tais condições de primi<br />

tividade, a pe<strong>na</strong> descreve, mas tor<strong>na</strong>r-se-ia ridícula a<strong>na</strong>lisando. Para dar a<br />

verdade local tem de abstrair da linguagem erudita [...]; todas as aquisições


Foto 15<br />

Beira Alta<br />

da ciência no tocante às enfermidades<br />

da alma e do corpo,<br />

e são de socorro tão prestim<strong>os</strong>o<br />

ao escritor, fi cam fora<br />

se a técnica é severa. [...] Pare -<br />

ce-me que esta <strong>literatura</strong>, po -<br />

rém, é uma necessidade, corresponde<br />

a picar <strong>na</strong> <strong>na</strong>scente,<br />

renovar o veio da Língua vi -<br />

ciado por outras línguas, corrompido<br />

pela gíria da urbe.<br />

[… ] A madre é <strong>na</strong> aldeia; ali<br />

está o puro idioma. Por aqui<br />

se salva, se não por outr<strong>os</strong><br />

pre dicad<strong>os</strong>, a arte re gio <strong>na</strong> lis -<br />

ta» 68 . E esta é uma das caracte<br />

rísticas da <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista<br />

que ele nega, mas que,<br />

em cert<strong>os</strong> romances, de senvolve<br />

primor<strong>os</strong>amente. Vi das<br />

difíceis, empreg<strong>os</strong> pou co va -<br />

ria d<strong>os</strong>, au sência de médic<strong>os</strong> e curas milagr<strong>os</strong>as de moléstias, que só um<br />

«corpo-aber to» poderia sarar, assim como <strong>os</strong> esconjur<strong>os</strong> e as maldições, etc.,<br />

tam bém estão presentes <strong>na</strong> sua obra. E a par desta parte tão pagã, vem a descrição<br />

da visita pascal <strong>na</strong> aldeia. Seja como for, Aquilino reproduz a sua<br />

zo<strong>na</strong>, as suas gentes e <strong>os</strong> <strong>seus</strong> c<strong>os</strong>tumes com grande fidelidade.<br />

Outro escritor da Beira, Abel Botelho (1855-1917), publicou, em primeira<br />

mão, muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> cont<strong>os</strong> <strong>na</strong> imprensa periódica. Alguns deles foram reunid<strong>os</strong><br />

em Mulheres da Beira, em 1898 69 . A pormenorizada descrição do local<br />

da acção a que dá muita importância, como que seguindo de perto um mapa<br />

e apontando as diversas localidades, tor<strong>na</strong> <strong>os</strong> <strong>seus</strong> text<strong>os</strong> muito reais. E faz<br />

de pender desse ambiente, e de outr<strong>os</strong> factores, as atitudes das pessoas, al -<br />

guns d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> bárbar<strong>os</strong> das perso<strong>na</strong>gens, a par de outr<strong>os</strong> condicio<strong>na</strong>n<br />

tes relacio<strong>na</strong>d<strong>os</strong> com a miséria económica e moral em que viviam. Algu -<br />

mas das histórias – em que <strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> são revelad<strong>os</strong> de maneira crua –<br />

têm por título: «Uma corrida de toir<strong>os</strong> no Sabugal» 70 , «Os miradour<strong>os</strong>» 71 ,<br />

«A ponte do Cunhedo» 72 . Nelas, o escritor retrata, de acordo com a escola<br />

181<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

182<br />

<strong>na</strong> turalista a que pertence,<br />

um modo de encarar a literatu<br />

ra e de transmitir as caracte -<br />

rísticas da zo<strong>na</strong> que descre ve.<br />

No livro Maria Mim, de Nuno<br />

de Montemor – pseudónimo<br />

de Joaquim Au gus to Álvares<br />

de Almeida (1881-1964), originário<br />

de Quadrazais, Sabu -<br />

gal –, dedicado a Hipólito<br />

Rapo so, e adepto do Inte gra -<br />

lismo Lusitano, aparecem-<br />

-n<strong>os</strong> ranch<strong>os</strong> ceifadores com<br />

cant<strong>os</strong> diferentes d<strong>os</strong> alentejan<strong>os</strong>:<br />

«as moças da raia quase<br />

vestem como as do Minho e<br />

são da Beira, têm olh<strong>os</strong> de es -<br />

panholas e são portuguesas…<br />

Andam às jor<strong>na</strong>s, <strong>na</strong>s ceifas, e<br />

trazem jóias como fi dalgas<br />

Foto 16<br />

Beira Alta<br />

que se divertem a trabalhar… N<strong>os</strong> chapéus, em vez de pe<strong>na</strong>s, ataram crav<strong>os</strong> e<br />

espigas, e m<strong>os</strong>tram-se alegres e leves como se andassem à boa vida! Gente<br />

como esta nunca v<strong>os</strong>sa senhoria viu? Ora confesse?» 73 .<br />

Descreve, como a maior parte d<strong>os</strong> escritores, a paisagem com sua flora<br />

agreste 74 , onde se movem contrabandistas, que nesta actividade tentam ul -<br />

trapassar a miséria em que viviam, enfrentando <strong>os</strong> temid<strong>os</strong> guardas-fiscais,<br />

perseguidores ferozes. Daí a má fama destas terras. Como diz o autor: «N<strong>os</strong><br />

temp<strong>os</strong> agud<strong>os</strong> do contrabando, as aldeias do Sabugal e d<strong>os</strong> concelh<strong>os</strong> vizinh<strong>os</strong><br />

acolhiam, com pasmo e estima, esses homens que, muitas vezes ensanguentad<strong>os</strong><br />

pelas balas d<strong>os</strong> guardas, lhes metiam em casa o pão, o azeite, o<br />

tabaco, o calçado, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> produt<strong>os</strong> necessári<strong>os</strong> à vida, por um preço compatível<br />

com a magra bolsa, a toda a hora esvaziada pelo devorismo fiscal do<br />

Estado. Mas todo o contrabandista, por mais honrado que seja, ainda que<br />

ape<strong>na</strong>s negoceie para matar a fome d<strong>os</strong> filh<strong>os</strong>, tem a aparência inquieta do<br />

ma lfeitor perseguido. […] Não tardou, porém, que esse contrabando, iniciado<br />

para valer a<strong>os</strong> filh<strong>os</strong>, se mudasse em <strong>na</strong>tural e ambici<strong>os</strong>o negócio. Qua -


drazais surge, então, em terras de Riba-Côa, como um pequenino Estado<br />

que ameaçava rir-se do rei e do Governo, disp<strong>os</strong>to a fazer a sua lei» 75 .<br />

Maria Mim, como diz Hipólito Rap<strong>os</strong>o, «é um livro em que a história aparece<br />

romanceada e em que o romance é histórico. Há nele matéria para contentar<br />

etnólog<strong>os</strong> e filólog<strong>os</strong>, e provincianism<strong>os</strong> que bem merecem ser promo vid<strong>os</strong><br />

n<strong>os</strong> dicionári<strong>os</strong> a term<strong>os</strong> correntes de vernácula, sem falar no calão contrabandista,<br />

que vem trazer novo subsídio ao colorido das tatuagens da n<strong>os</strong>sa<br />

língua» 76 . Muit<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes daquela zo<strong>na</strong>, incluindo as toiradas, tor<strong>na</strong>ram-se<br />

conhecid<strong>os</strong> com este romance, já tratado por Abel Botelho, como referim<strong>os</strong>.<br />

Da Beira Baixa, ape<strong>na</strong>s anotam<strong>os</strong> a importância do trabalho de Virgílio<br />

Godinho 77 sobre a fai<strong>na</strong> das vindimas.<br />

Alentejo<br />

Alentejano de Vila de Frades (Beja), J<strong>os</strong>é Valentim Fialho de Almeida (1857-<br />

-1911), oriundo de famílias de pequen<strong>os</strong> proprietári<strong>os</strong>, médico em 1885,<br />

cedo começou a trabalhar e<br />

cedo se iniciou <strong>na</strong>s letras 78 .<br />

A sua irreverência e acuti -<br />

lância, a par de uma certa<br />

arrogância, levaram-no a criticar<br />

quem quer que f<strong>os</strong>se<br />

ou o que quer que f<strong>os</strong>se.<br />

Fron tal e de estilo por vezes<br />

ácido, como <strong>os</strong> produt<strong>os</strong><br />

que manuseou <strong>na</strong> farmácia<br />

onde trabalhou, incomodou<br />

a mui t<strong>os</strong>. Certo é que<br />

a sua pr<strong>os</strong>a se distinguia<br />

pela excelência. Não cabe,<br />

porém, neste ensaio apreciar<br />

o conjun to da sua vasta<br />

obra ou caracterizar sufi-<br />

Foto 17<br />

Alentejo<br />

cientemente tão multifacetada<br />

e rica perso<strong>na</strong>lidade.<br />

183<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

184<br />

Ape <strong>na</strong>s farem<strong>os</strong> menção do<br />

pouco que diz sobre o Ale n -<br />

tejo, em bo ra com excelente<br />

qualida de 79 .<br />

Os escritores realistas, mais<br />

do que <strong>os</strong> de outras filiações<br />

estéticas, quiseram fazer uma<br />

inter-relação entre o meio am -<br />

biente e o homem, já que<br />

assim pensavam conseguir<br />

mais element<strong>os</strong> sobre as zo -<br />

<strong>na</strong>s em que focavam a sua<br />

aten ção, f<strong>os</strong>se no campo ou<br />

<strong>na</strong> cidade. Assim, as descrições<br />

que fazem do meio físico<br />

e social, onde decorre a acção<br />

e <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> das perso<strong>na</strong>gens<br />

e as suas condições de<br />

vida, a gastronomia própria<br />

da zo<strong>na</strong>, são, de facto, ele-<br />

Foto 18<br />

Alentejo<br />

men t<strong>os</strong> documentais que interessam à reconstituição etnográfica das localidades<br />

onde a vida d<strong>os</strong> actores se desenrola e da época que tentam retratar,<br />

mais do que evocar.<br />

Os hábit<strong>os</strong>, tradições e fai<strong>na</strong>s agrícolas são transmitid<strong>os</strong> com abundância de<br />

pormenores por tod<strong>os</strong> estes autores. Fialho de Almeida é, entre eles, um d<strong>os</strong><br />

que mais contribuiu para que se tenha uma imagem viva de tudo, abrindo o<br />

leitor à especificidade desta paisagem tão especial e à força da vasta, poder<strong>os</strong>a<br />

e misteri<strong>os</strong>a planície e suas gentes. Muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> escritores que escreveram<br />

sobre estas temáticas rurais estavam conscientes de como o local onde se<br />

vivia condicio<strong>na</strong>va, quase sempre, <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de existência e a acção d<strong>os</strong><br />

homens. Mas Fialho tor<strong>na</strong> tudo isso pungente. As relações entre a terra e o<br />

povo são muito fortes: a terra tudo exige deles, por vezes quase a própria<br />

vida, que não podem tomar como sua.<br />

Fialho não deixou de m<strong>os</strong>trar o pouco apreço que tinha por quem, no tem -<br />

po em que escreve, procedia à des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização da n<strong>os</strong>sa cultura. Critica,


Foto 19<br />

Alentejo<br />

por isso, contundentemente <strong>os</strong> que imitavam a <strong>literatura</strong> estrangeira, principalmente<br />

a francesa. Para ele, esta opção era um si<strong>na</strong>l de mediocridade, de<br />

in capacidade e de decadência d<strong>os</strong> Portugueses. Em «Escritores dramátic<strong>os</strong> e<br />

seu público» refere-se ao «bandalhismo estrangeirado que faz o fundo intelectual<br />

da n<strong>os</strong>sa gente culta» 80 . Aproxima-se, assim, da geração de 90. Como<br />

outr<strong>os</strong> escritores, envereda por tratar temas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, sem, no entanto,<br />

embarcar <strong>na</strong>s ideias de Alberto Oliveira.<br />

Sem se ter dedicado a escrever abundantemente sobre a sua província, vê-se,<br />

no que sobre ela n<strong>os</strong> deixou, que a entendia a tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> níveis, do social ao<br />

económico. Nota as grandes diferenças existentes entre as gentes do monte<br />

e da vila, e que o latifúndio raramente permitia às classes mais baixas p<strong>os</strong>suir<br />

um pequeno pedaço de terra: «A terra tem desta forma um fabul<strong>os</strong>o pre -<br />

ço, em mã<strong>os</strong> de pobres, e o amor do solo é uma destas paixões desenfreadas,<br />

sublimes, absurdas, que vai do maior ao mais pequeno, com uma vivacidade<br />

perfeitamente insólita, dada a apatia da gente alenteja<strong>na</strong>. Sob um tal regime,<br />

fazer fortu<strong>na</strong> é coisa difícil» 81 . Por isso, o cargo de feitor é muito cobiçado,<br />

185<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

186<br />

não só porque ganhava mais e tinha ascendência sobre <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> trabalhadores,<br />

mas também porque frequentemente lhe dava acesso a um pouco de<br />

terra para cultivar, como se vê no conto «Sempre amig<strong>os</strong>» 82 , onde o desejo<br />

ex tremo por este lugar leva a um homicídio.<br />

O conto «Ao sol» faz referência a<strong>os</strong> vári<strong>os</strong> estrat<strong>os</strong> sociais, a<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong><br />

rurais e a<strong>os</strong> que <strong>os</strong> executam, nunca podendo mudar de vida e nela termi<strong>na</strong>ndo<br />

miseravelmente <strong>os</strong> <strong>seus</strong> dias. Nele vem<strong>os</strong>, no largo em frente da habita<br />

ção da perso<strong>na</strong>gem principal, o fervilhar do quotidiano da aldeia, a vida<br />

de cada um resumida em poucas palavras, suficientes para fazer adivinhar o<br />

resto da história. Nele, descreve magnificamente um dia de Verão quente,<br />

onde aparecem <strong>os</strong> tip<strong>os</strong> de ocupações e actividades, <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> de campo<br />

de amb<strong>os</strong> <strong>os</strong> sex<strong>os</strong>, ou <strong>os</strong> mer<strong>os</strong> encontr<strong>os</strong> de pessoas, as conversas, «<strong>os</strong><br />

assun t<strong>os</strong> que entretêm de ordinário as linguarices da vila, perguntar pelas de -<br />

bulhas, dar a sua feição sobre a riqueza das vindimas, fazer o prognóstico da<br />

azeito<strong>na</strong>, ou ir conde<strong>na</strong>ndo a licença d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes, através da fertilidade<br />

mercenária das barrigas» 83 . E refere <strong>os</strong> velh<strong>os</strong> campóni<strong>os</strong>, <strong>os</strong> utensíli<strong>os</strong> e <strong>os</strong><br />

animais, <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> trabalhadores, <strong>os</strong> amanh<strong>os</strong> da vinha, <strong>os</strong> ranch<strong>os</strong> de ceifeiras,<br />

a ceifa e a debulha 84 . Reflecte sobre esta população, concluindo que<br />

é pobre e morrerá paupérrima 85 . E não esquece <strong>os</strong> proprietári<strong>os</strong>, tecendo<br />

con siderações deveras negativas, ao sublinhar a indiferença, a cupidez e a ex -<br />

ploração da desgraça alheia 86 . As pági<strong>na</strong>s seguintes deste conto acrescentam<br />

ainda a<strong>os</strong> don<strong>os</strong> das propriedades outr<strong>os</strong> atribut<strong>os</strong> <strong>na</strong>da abo<strong>na</strong>tóri<strong>os</strong>. A organi<br />

zação hierárquica das classes sociais, Fialho conhecia-a bem: e ela não permitia<br />

que houvesse casament<strong>os</strong> entre <strong>os</strong> don<strong>os</strong> das terras e <strong>os</strong> mais pobres.<br />

Mas era comum a mancebia destes com as mulheres jovens e bonitas.<br />

O conto «Os pobres» é paradigmático de certas vidas, que ele p<strong>os</strong>sivelmente<br />

conheceu, onde impera a miséria de todo o género, económica e moral,<br />

agra vada pela embriaguez da perso<strong>na</strong>gem masculi<strong>na</strong> 87 , de quem refere a biografia<br />

profissio<strong>na</strong>l, provavelmente igual à de muit<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> trabalhadores,<br />

pondo-n<strong>os</strong> a par das múltiplas tarefas por que ele passou: «de rapaz de mandad<strong>os</strong><br />

a guardador de rebanho, de fedelho da monda a cavador de enxada» 88<br />

e, depois, «no palustre arrozal em cuj<strong>os</strong> lim<strong>os</strong> verdes o valador mergulha até<br />

à cinta – calmas <strong>na</strong>s eiras, no calci<strong>na</strong>nte meio-dia das debulhas». E caracteriza-o<br />

psicologicamente: «Ele é esse casmurro humilde de quem mangam<br />

sem piedade estranh<strong>os</strong> e vizinh<strong>os</strong>, crivando-o de cem razões, qual mais sardónica,<br />

sobre a miséria das roupas» 89 . Sentiment<strong>os</strong> fortes, humilhações, des-


prez<strong>os</strong>, mesmo entre <strong>os</strong> da mesma classe, mas que ainda conseguem ser mais<br />

pobres do que <strong>os</strong> outr<strong>os</strong>. Vidas de intenso e mal remunerado trabalho 90 ,<br />

sempre debaixo das ordens d<strong>os</strong> ma<strong>na</strong>jeir<strong>os</strong> e d<strong>os</strong> feitores. De permeio, aparece<br />

a descrição de alguns divertiment<strong>os</strong> 91 , como bailes, a par do registo de<br />

canções e c<strong>os</strong>tumes gastronómic<strong>os</strong>, entre outras coisas.<br />

O relato de outras actividades, como em «As vindimas» e a da feitura<br />

do vinho, é men<strong>os</strong> circunstanciado 92 . Mas retrata com algum pormenor a<br />

profissão do almocreve 93 , em «N<strong>os</strong>so compadre diabo», através de um<br />

homem que faz a recovagem de farinha para Beja 94 . De igual modo, refere a<br />

vida d<strong>os</strong> cigan<strong>os</strong> 95 , que sempre habitaram o Alentejo, bem como a d<strong>os</strong> malteses<br />

96 , de quem conta diversas histórias por vezes <strong>na</strong>da abo<strong>na</strong>tórias, e de<br />

outras formas de existência <strong>na</strong>s zo<strong>na</strong>s fronteiriças, como a d<strong>os</strong> contrabandistas<br />

e d<strong>os</strong> bandid<strong>os</strong> 97 .<br />

No seu magistral conto «O ninho da águia», a paisagem alenteja<strong>na</strong> está contida<br />

num montado. Em «Idílio triste» são, porém, focad<strong>os</strong> a solidão e o<br />

grande isolamento em que se encontram <strong>os</strong> boieir<strong>os</strong>, a dor e o sofrimento<br />

que enchem as suas vidas e as doenças que <strong>os</strong> afectam. Não há aldeia sem<br />

bruxas, sem superstições, e este folclore é divertidamente referido em «A<br />

ideia da comadre Mónica» 98 , onde se m<strong>os</strong>tra até onde o medo pode levar as<br />

pessoas.<br />

Talvez o legado mais impressio<strong>na</strong>nte de Fialho sobre o Alentejo seja um<br />

texto, que não é conto, sobre «Os ceifeir<strong>os</strong>», não só por focar um d<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong><br />

rurais mais importantes desta província, celeiro de Portugal, como se<br />

dizia antigamente, mas pela descrição, provavelmente a mais expressiva, a<br />

mais «cinematográfica», que alguma vez foi escrita sobre esta fai<strong>na</strong>. «Os ceifeir<strong>os</strong>»<br />

são uma espécie de documentário etnográfico em que a cor, a luz, o<br />

som, o movimento se conjugam numa «desarmónica harmonia», apocalíptico<br />

ca<strong>os</strong> da <strong>na</strong>tureza, nesta úbere época do ano. Fialho de Almeida consegue<br />

transmitir isso de forma inolvidável. Com o autor, ou melhor, com <strong>os</strong><br />

tra balhadores ceifam<strong>os</strong> a seara, passo a passo, e sentim<strong>os</strong> <strong>na</strong> alma e no corpo<br />

a intensidade dramática de tal trabalho. Como eles, aprendem<strong>os</strong> a armadilharmo-n<strong>os</strong><br />

para ele. O corpo não resiste, porém, a tanta pe<strong>na</strong>, a tanto martírio.<br />

Na leitura deste texto, é difícil não sentir a opressão, a náusea, as dores<br />

do contínuo dobrar do corpo, a ardência infer<strong>na</strong>l de um sol de cinquenta<br />

graus; <strong>os</strong> mil sons estonteantes, as mordedelas e aguilhões de tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> bich<strong>os</strong><br />

187<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

188<br />

da terra. Intolerável é também ter de beber, como <strong>os</strong> ceifeir<strong>os</strong>, água inqui<strong>na</strong>da,<br />

necessária <strong>na</strong> planície «em chamas», mas causadora das «sesões» ou<br />

paludismo. Mas tudo, tudo é melhor do que a sede, pois esta também arde<br />

e mata.<br />

A <strong>na</strong>tureza é implacável. Mas se <strong>os</strong> homens e mulheres a não domi<strong>na</strong>m, para<br />

ganhar o sustento de Inverno, ficam à míngua durante todo ele. E não eram<br />

ape<strong>na</strong>s <strong>os</strong> autóctones que sofriam agruras. Também «<strong>os</strong> ratinh<strong>os</strong>» descid<strong>os</strong><br />

da Beira, ou <strong>os</strong> trabalhadores sazo<strong>na</strong>is vind<strong>os</strong> das terras pobres do Algarve,<br />

tinham de aguentar as fortes calmarias e a dureza da tarefa. Para além disso,<br />

so friam uma certa rejeição d<strong>os</strong> alentejan<strong>os</strong>, por quem, regra geral, eram mal<br />

vist<strong>os</strong>. De qualquer maneira, <strong>os</strong> trabalhadores d<strong>os</strong> dois sex<strong>os</strong> ceifavam, mondavam,<br />

apanhavam a azeito<strong>na</strong>. As mulheres também eram boieiras e domésticas.<br />

Existiam igualmente outr<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> agrícolas como as cavadas e as<br />

vindimas.<br />

Uma outra faceta curi<strong>os</strong>a de Fialho é a da recolha de <strong>literatura</strong> tradicio<strong>na</strong>l,<br />

cont<strong>os</strong> que molda um pouco ao seu jeito, como acontece em «O Carras qui -<br />

nho», influenciado por «A lenda do Carrasquinho», um homem que trabalha<br />

va como cavador, de sol a sol, não vendo melhorar a sua condição<br />

econó mica. Como diz Castelo Branco Chaves 99 : «A feição da obra artística<br />

de Fia lho é acentuadamente regio<strong>na</strong>lista, mas não desse regio<strong>na</strong>lismo da<br />

casa, no pomar, <strong>na</strong> igreja da aldeia. […] O regio<strong>na</strong>lismo de Fialho, se <strong>na</strong> sua<br />

essência foi fundamentalmente <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> sua forma foi eminentemente<br />

europeu» 100 .<br />

Em síntese, Fialho de Almeida prima em dar informações de <strong>na</strong>tureza etnográfica<br />

e social, aparecendo com toda a nudez a «realidade» da vida rural, d<strong>os</strong><br />

tra balh<strong>os</strong> campesin<strong>os</strong>, por contraste com o que deles liricamente escreviam<br />

alguns romântic<strong>os</strong> e outr<strong>os</strong>, como Trindade Coelho. E, de acordo com a es -<br />

cola realista que segue, não deixa de apontar <strong>os</strong> víci<strong>os</strong> do camponês. Os <strong>seus</strong><br />

perso<strong>na</strong>gens – pastores, lavradores, mondadeiras, ceifeir<strong>os</strong> – estão demasiado<br />

pres<strong>os</strong> à terra e não m<strong>os</strong>tram ambições de outro género, acorrentad<strong>os</strong><br />

como estavam à necessidade de garantir a subsistência diária. Pode-se, aliás,<br />

perguntar se poderiam tê-la em tais circunstâncias?<br />

Outr<strong>os</strong> autores alentejan<strong>os</strong> legaram-n<strong>os</strong> text<strong>os</strong> relevantes como Artur Teles,<br />

que n<strong>os</strong> descreve uma fai<strong>na</strong> igualmente importante em «Durante a apanha


Foto 20<br />

Alentejo<br />

da azeito<strong>na</strong>» 101 em Alfarjão, bem como <strong>os</strong> rituais que lhe estão associad<strong>os</strong>,<br />

as suas festas, bailes e ranch<strong>os</strong>. Trata igualmente da vida de um grupo: <strong>os</strong><br />

con trabandistas.<br />

Francisco Manuel de Mello Breyner (1837-1903) 102 , o Conde de Ficalho,<br />

muito esquecido, mas de grande valor, dá-n<strong>os</strong>, por seu lado, outr<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong><br />

dign<strong>os</strong> de menção. Em «A maluca de A-d<strong>os</strong>-Corv<strong>os</strong>» 103 , como já foi referido,<br />

a hierarquia de classes determi<strong>na</strong> a vida trágica de uma apanhadora de azeito<strong>na</strong>,<br />

apaixo<strong>na</strong>da pelo filho do patrão que, depois do suicídio deste, enlouque<br />

ce. A par da expressão de sentiment<strong>os</strong> extrem<strong>os</strong> está a análise sociológica<br />

e psicológica de situações-limite, como é próprio da dimensão trágica da vida<br />

a que o autor dá relevo. E não deixarem<strong>os</strong> de evocar um outro conto, incompleto,<br />

em que refere a vida d<strong>os</strong> moleir<strong>os</strong> alentejan<strong>os</strong>: «Sua Excelência o<br />

moleiro» 104 .<br />

Outras notas etnográficas e vivenciais podem encontrar-se em outr<strong>os</strong> d<strong>os</strong><br />

<strong>seus</strong> cont<strong>os</strong>, como em «Uma eleição perdida», «A pesca do sável», «Os crav<strong>os</strong>»<br />

189<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

190<br />

e «Mais uma». Nalguns predomi<strong>na</strong>m<br />

a fatalidade, a morte e<br />

o drama. No último, sobressaem<br />

a paisagem e <strong>os</strong> hábit<strong>os</strong><br />

alentejan<strong>os</strong>, as festas, as dan -<br />

ças e cantares, o enterro, as<br />

in dumentárias próprias de<br />

cada uma das perso<strong>na</strong>gens, <strong>os</strong><br />

<strong>na</strong>mor<strong>os</strong> e, fi<strong>na</strong>lmente, a mancebia<br />

entre pessoas de classes<br />

sociais di ferentes, como quase<br />

única solução de vida para<br />

certas mulheres pobres.<br />

De famílias abastadas, republicano<br />

convicto, Manuel de<br />

Brito Camacho (1862-1934),<br />

médico como Fialho de Al -<br />

meida e Júlio Dinis, dedicouse<br />

in ten samente à actividade<br />

política e literária. Publicou<br />

Foto 21<br />

Alentejo<br />

mais de trinta volumes sobre variegadas temáticas, quer <strong>na</strong> imprensa periódica,<br />

quer em livro. Qua dr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, Gente Rústica, Por Cerr<strong>os</strong> e Vales e<br />

Gente Vária reflectem a vida de uma província que, já no tempo do escritor,<br />

era em parte inexistente, como ele próprio constata. Frequentemente, com<br />

efeito, no momento em que escrevem, <strong>os</strong> escritores já estão desfasad<strong>os</strong> da<br />

sua época, retor<strong>na</strong>ndo às experiências que mais <strong>os</strong> marcaram <strong>na</strong> sua vida passada.<br />

Mas isso não retira interesse a<strong>os</strong> <strong>seus</strong> text<strong>os</strong>; antes, faz-n<strong>os</strong> reportar o<br />

quadro de vida que descrevem a temp<strong>os</strong> mais recuad<strong>os</strong>.<br />

Assim, através da obra de Brito Camacho, podem<strong>os</strong> reconstituir muit<strong>os</strong> as -<br />

pect<strong>os</strong> típic<strong>os</strong> do Baixo Alentejo e da aldeia de Rei de Moinh<strong>os</strong>, e de alguns<br />

montes, como <strong>os</strong> Montes Velh<strong>os</strong> e das Jungueiras, em Aljustrel 105 . São particularmente<br />

interessantes algumas das ce<strong>na</strong>s d<strong>os</strong> Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong> (1925)<br />

e de Gente Rústica (1927). Histórias ou <strong>na</strong>rrativas do quotidiano, sobre <strong>os</strong><br />

quais diz serem «de temp<strong>os</strong> longínqu<strong>os</strong> e, quer-me parecer, comparando-<strong>os</strong><br />

com o presente, que eles valiam um pouco mais, porque <strong>na</strong>s pessoas havia<br />

mais sentiment<strong>os</strong> desinteressad<strong>os</strong>, mais franqueza, melhor boa-fé, uma cren -


ça ingénua e simples que era a poesia das almas rudes» 106 , com isto, significando<br />

que de algumas coisas já não havia rasto no seu tempo, ou que já<br />

eram então raras. O escritor entrelaça a paisagem e <strong>os</strong> <strong>seus</strong> característic<strong>os</strong><br />

mont es com as gentes de diversas classes, principalmente as mais baixas, e as<br />

respectivas acti vidades, descrevendo algumas em pormenor, o que assume<br />

uma faceta etnográfica muito interessante. Podia fazê-lo à vontade, pois «conserv[ava]<br />

nítidas, como se f<strong>os</strong>sem de ontem, as impressões que foram gravando<br />

<strong>na</strong> minha alma de criança <strong>os</strong> múltipl<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> da vida campesi<strong>na</strong>,<br />

tão nítidas que reproduzo à minha vontade as variadíssimas ce<strong>na</strong>s que presenciei,<br />

pon do dentro de cada uma delas <strong>os</strong> respectiv<strong>os</strong> perso<strong>na</strong>gens» 107 .<br />

O conto «A comadre Mónica», como refere Óscar Lopes, baseando-se em<br />

afir mações do autor, tem muito de autobiográfico 108 . Como declara em<br />

Gente Vária: «Destaquei para esta peque<strong>na</strong> galeria de gente vária duas figuras<br />

que o leitor encontra <strong>na</strong> primeira edição da Gente Rústica: O Mil Homens e<br />

O Janota […] agora, biografado com mais largueza, quer-me parecer que mais<br />

ri gor<strong>os</strong>amente definido o seu temperamento e carácter […] considerado<br />

como tipo de uma categoria de pessoas, inconfundíveis no meio social em<br />

que <strong>na</strong>sceram, ou em que se encaixaram» 109 .<br />

M<strong>os</strong>tra também a vida de malteses e malfeitores, «banditismo rural organiza -<br />

do», «sobretudo no Baixo Alentejo, [… onde eram] comuns <strong>os</strong> assalt<strong>os</strong> a<br />

mon tes isolad<strong>os</strong>», principalmente à hora do jantar: «tod<strong>os</strong> a comer, <strong>os</strong> ga -<br />

nhões e <strong>os</strong> am<strong>os</strong>, às vezes tod<strong>os</strong> sentad<strong>os</strong> à mesma mesa, o lavrador» 110 .<br />

É curi<strong>os</strong>o neste longo texto, que não é mais do que uma sucessão de peque<strong>na</strong>s<br />

acções do quotidiano, a referência a uma mulher invulgar, para a cultura<br />

Ma<strong>na</strong> Anica de Vale de Zebro, que «quando apareciam no monte pelgazões<br />

de má catadu ra, profissio<strong>na</strong>is da esmola e do roubo, a Ma<strong>na</strong> Anica pegava<br />

<strong>na</strong> caçadeira» 111 e mandava-<strong>os</strong> embora. Ficou célebre a sua defesa, sozinha,<br />

ao ataque de malte ses, matando um deles. Nem a justiça quis saber do<br />

caso 112 . Mulher-homem, Ma<strong>na</strong> Anica «manejava um cajado como se f<strong>os</strong>se<br />

um pastor; guiava uma parelha como se f<strong>os</strong>se um almocreve; no Inverno<br />

lavrava, perto do monte, para não deixar uma parelha à boa vida, e no<br />

Verão, quando era preciso deitar fora um calcadoiro, limpava, padejava e<br />

arreneirava com um desembaraço que pouc<strong>os</strong> homens tinham. Os serviç<strong>os</strong><br />

da casa ninguém <strong>os</strong> fazia melhor do que ela […], manejando tão destramente<br />

a agulha como a foice» 113 . Com pontaria exímia, acertava em toda a espécie<br />

191<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

192<br />

de caça. Dava corpo a todas as actividades masculi<strong>na</strong>s, excepto «A t<strong>os</strong>quia» 114<br />

d<strong>os</strong> animais, que exigia muita presteza e que Brito Camacho recorda, regressando<br />

a<strong>os</strong> tem p<strong>os</strong> de infância, da qual lembra o modo como era realizada e<br />

o que era necessário para a fazer bem 115 .<br />

Op<strong>os</strong>ta à Ma<strong>na</strong> Anica estava a comadre Antónia. Por ela tem<strong>os</strong> conhecimen -<br />

to d<strong>os</strong> rituais de passagem, ligad<strong>os</strong> à vida, descrit<strong>os</strong> com pormenor. No exercício<br />

da sua importantíssima actividade, a de parteira de toda a gente, gener<strong>os</strong>a<br />

para com <strong>os</strong> pobres, recebendo d<strong>os</strong> abastad<strong>os</strong> o que lhe queriam<br />

ofer tar, permitindo isto a Brito Camacho dar-n<strong>os</strong> a conhecer <strong>os</strong> rituais do<br />

bap tismo: as indumentárias especiais para o efeito, o pequeno jarro de prata<br />

usado de casa em casa nestas ocasiões 116 ; a bandeja acharoada onde se colocava<br />

uma toalha da Bretanha 117 . A propósito, o autor refere o sistema de<br />

compadrio e o modo como <strong>os</strong> padrinh<strong>os</strong> eram escolhid<strong>os</strong> 118 .<br />

Outro rito de passagem estava relacio<strong>na</strong>do com a morte, que se revestia tam -<br />

bém de certas peculiaridades, algumas comuns a todo o Portugal, como o<br />

dobrar d<strong>os</strong> sin<strong>os</strong>. A propósito do enterro d<strong>os</strong> trabalhadores, refere em detalhe<br />

o que é «fazer o pranto […], uma instituição quase legal [...], que consistia<br />

[...] em o viúvo ou a viúva contarem, soluçando, as primaciais virtudes do<br />

infeliz consorte» 119 .<br />

Na igreja, tal como no resto do País, havia separação de género e de classe,<br />

no tempo em que as pessoas iam com mais frequência a<strong>os</strong> templ<strong>os</strong>: «Os la -<br />

vra dores entravam pela porta principal e as lavradoras, excepto as que<br />

subiam a Rua do Paço, entravam pela outra, indo ocupar lugares que parecia<br />

terem assi<strong>na</strong>tura, porque eram sempre <strong>os</strong> mesm<strong>os</strong>» 120 . O <strong>na</strong>rrador explica<br />

que «não era bonito entrar <strong>na</strong> igreja com bordão ou cajado; mas <strong>os</strong> trabalhadores<br />

de fora da Vila não se dispensavam desta comodidade […]. Os lavradores,<br />

com raras excepções, não usavam bordão e pouc<strong>os</strong> usavam o cajado, a<br />

não ser no campo ou <strong>na</strong>s feiras» 121 . E, no seu texto, continua com a descrição<br />

da indumentária masculi<strong>na</strong>, explicando as razões pelas quais uns as trajavam<br />

e <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> não. E também não descura referências ao vestuário feminino<br />

que retrata com cuidado, bem como o tipo de pentead<strong>os</strong> e enfeites<br />

usad<strong>os</strong>, alguns destes muito vali<strong>os</strong><strong>os</strong> 122 .<br />

Em síntese, não deixa de referir <strong>os</strong> encontr<strong>os</strong> d<strong>os</strong> poder<strong>os</strong><strong>os</strong> ou d<strong>os</strong> partidári<strong>os</strong><br />

desta ou daquela facção política. O seu maior interesse está <strong>na</strong> descri-


ção da vida d<strong>os</strong> lojistas, d<strong>os</strong> homens e das mulheres alenteja<strong>na</strong>s e do seu<br />

quotidiano, desig<strong>na</strong>damente das lavradoras 123 . Curi<strong>os</strong>o é o seu retrato de<br />

um homem que esculpia colheres de pau, desdenhando das «de corno que<br />

faziam <strong>os</strong> maiorais […], muitas delas, ador<strong>na</strong>das de complicad<strong>os</strong> arabesc<strong>os</strong>,<br />

com pequeni<strong>na</strong>s figuras à maneira d<strong>os</strong> chi<strong>na</strong>s» 124 . Camacho descreve a miserável<br />

vida deste ser, que dependia do comércio das suas obras, o qual, como<br />

era frequente nestes pequen<strong>os</strong> misteres, era obrigado a recorrer a outras tarefas<br />

para sobreviver. Assim, este «artista», «fazia recad<strong>os</strong>, montado no seu<br />

burro; guardava a roupa, no estendedoiro; sachava <strong>os</strong> alh<strong>os</strong> no quinch<strong>os</strong>o, e<br />

espreitava as galinhas […] não f<strong>os</strong>sem <strong>os</strong> porc<strong>os</strong> ou <strong>os</strong> malteses comer <strong>os</strong><br />

ov<strong>os</strong>» 125 . E refere que, quando <strong>os</strong> produt<strong>os</strong> das hortas estavam madur<strong>os</strong>, <strong>os</strong><br />

mais abastad<strong>os</strong> tinham o c<strong>os</strong>tume de oferecer a<strong>os</strong> pobres alguma fruta.<br />

Há igualmente perso<strong>na</strong>gens que n<strong>os</strong> tocam pela miséria e pela solidão. É o<br />

caso de «O Figueiras» 126 . Sempre «ruim trabalhador, depois que adoecera,<br />

mordido pelas alporcas, não ganhava o pão que comia» 127 . Homem para todo<br />

o serviço, parecia não servir para nenhum. Outr<strong>os</strong> procuravam trabalho,<br />

f<strong>os</strong>se qual f<strong>os</strong>se, como se pedissem esmola. Mas, afi<strong>na</strong>l, «o que desejavam era<br />

que <strong>os</strong> ric<strong>os</strong> f<strong>os</strong>sem cada vez mais ric<strong>os</strong>, em term<strong>os</strong> que nunca lhes faltassem<br />

com o trabalho <strong>na</strong> validez, e com a esmola <strong>na</strong> arrui<strong>na</strong>da ve lhice». E continua,<br />

saud<strong>os</strong>o em outro texto: «A que infinita distância este tempo me fica» 128 .<br />

A vida d<strong>os</strong> malteses é um d<strong>os</strong> relat<strong>os</strong> mais gráfic<strong>os</strong> da sua obra, referindo a<br />

casa que habitavam e que <strong>os</strong> jovens frequentavam. E lembra: «Também eu<br />

g<strong>os</strong>tava de ouvir esses vagabund<strong>os</strong>, alguns d<strong>os</strong> quais contavam <strong>os</strong> roub<strong>os</strong> que<br />

tinham feito. Astuci<strong>os</strong><strong>os</strong> ou violent<strong>os</strong>. Com a rudimentar precaução de trocarem<br />

o nome d<strong>os</strong> perso<strong>na</strong>gens. Muit<strong>os</strong> deles tinham corrido Seca e Meca,<br />

e relatavam <strong>os</strong> <strong>seus</strong> errores com um pitoresco de linguagem que muito cativava<br />

a minha infantil curi<strong>os</strong>idade. N<strong>os</strong> montes que davam agasalho, e <strong>os</strong> que<br />

davam agasalho também davam a ceia, em noites de Inverno, frequentemente<br />

se ajuntavam para cima de trinta malteses, homens, mulheres e crianças,<br />

gente nova e gente velha, uns chegad<strong>os</strong> de aqui, outr<strong>os</strong> chegad<strong>os</strong> de<br />

além, reunid<strong>os</strong> ali quase à mesma hora, como obedecendo a um rendez-<br />

-vous» 129 . Mas nem sempre havia refeição para tod<strong>os</strong>. Fazia-se então uma<br />

açorda.<br />

Camacho mencio<strong>na</strong> a proveniência destes homens: «Muit<strong>os</strong> daqueles pilhas,<br />

o maior número, tinham sido gerad<strong>os</strong> <strong>na</strong> promiscuidade das casinhas, frut<strong>os</strong><br />

193<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

194<br />

do acaso, produto duma impulsão bestial que aproxima, sem <strong>os</strong> ligar, dois<br />

in divídu<strong>os</strong> de sexo diferente. Laç<strong>os</strong> de família, eles não <strong>os</strong> conheciam» 130 .<br />

Havia quem trabalhasse: «Exerciam um pequeno comércio – <strong>os</strong> tendeir<strong>os</strong> –,<br />

e outr<strong>os</strong> que praticavam uma peque<strong>na</strong> indústria – <strong>os</strong> deita-gat<strong>os</strong>. Tod<strong>os</strong><br />

pediam esmola; mas <strong>os</strong> tendeir<strong>os</strong> formavam, por assim dizer, a aristocracia<br />

da classe, e <strong>os</strong> deita-gat<strong>os</strong> constituíam uma espécie de burguesia média nessa<br />

so ciedade mal diferenciada» 131 .<br />

Outro trabalho mencio<strong>na</strong>do pelo autor era o cuidado das mondadeiras:<br />

«Quero antes aturar um cento de homens que uma dúzia de mulheres» 132 ,<br />

dizia o compadre R<strong>os</strong>a fil<strong>os</strong>ofando. O remoque, no entanto, é acompanhado<br />

pela descrição pormenorizada do sacho com que trabalham e o modo<br />

como o deviam manejar. E não deixa de ser crítico: «A mondadeira é, de<br />

tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> trabalhadores do campo, o que emprega mais artifíci<strong>os</strong>, para não<br />

dar em trabalho o que recebe em dinheiro. Não se lhes deve querer mal por<br />

isso, coitadas!» 133 Explica a p<strong>os</strong>ição incómoda como trabalham <strong>os</strong> truques<br />

que usam para as pausas, assim como <strong>os</strong> quilómetr<strong>os</strong> que percorrem para<br />

esta fai<strong>na</strong> e, «depois de um longo dia de trabalho, ao sol p<strong>os</strong>to, regressavam<br />

a casa fazendo o mesmo percurso. Tinham almoçado um bocadinho de pão.<br />

Tinham comido ao meio-dia o que lhes sobejara do almoço, e por felizes se<br />

davam as que à noite, voltando do trabalho, encontravam uma tigela de<br />

caldo quente e uma pratada de “xixar<strong>os</strong>” com selcas. Ganha vam, geralmente,<br />

um t<strong>os</strong>tão, as que trabalhavam o dia inteiro, e três vinténs as que<br />

faziam meio-dia» 134 .<br />

O escritor critica não só a visão de Sardinha, mas também as que alguns in -<br />

te lectuais do início do século XIX tinham do trabalho do campo: «A poesia<br />

do trabalho! Sim, há por certo uma poesia do trabalho; mas dela não se apercebem<br />

<strong>os</strong> que labutam de manhã à noite, queimando <strong>os</strong> múscul<strong>os</strong> <strong>na</strong> febre<br />

de uma produção que nunca é suficiente […]. Os que lavram, patinhando<br />

lama um dia inteiro, sem um fio enxuto no corpo, nunca se aperceberam da<br />

poesia da lavoura e <strong>os</strong> que ceifam, sob um céu de fogo, mordid<strong>os</strong> pelo sol, da<br />

manhã à noite, não se aperceberam nunca da poesia das ceifas» 135 .<br />

Em alguns text<strong>os</strong>, constatam<strong>os</strong> o grande apreço que o autor tem pela <strong>na</strong>tureza,<br />

ao falar da descoberta de ninh<strong>os</strong> de perdizes e de outras aves; da fruta<br />

e das árvores, da vinha e do vinho. E mencio<strong>na</strong> alguns c<strong>os</strong>tumes ancestrais,<br />

como a forma «<strong>na</strong>tural» como alguns ainda cozinhavam <strong>os</strong> aliment<strong>os</strong> que a


terra dava, fazendo «lume entre duas pedras, fora da caba<strong>na</strong>» 136 . Quanto ao<br />

linho, Brito Camacho diz que já era pouco cultivado no tempo em que situa<br />

a acção d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> cont<strong>os</strong>, que, como se viu, era o da sua infância. Mas não faz<br />

uma descrição etnográfica da sementeira, bem como do que dela provém,<br />

assim como da apanha e do seu tratamento p<strong>os</strong>terior, até chegar à estriga e<br />

ao tecido a que esta, depois de fiada, dá lugar 137 . No mesmo quadro das descrições<br />

da vida tradicio<strong>na</strong>l e da economia doméstica de subsistência, relevan -<br />

tes para uma recolha etnográfica da zo<strong>na</strong>, não falta a imprescindível matança<br />

do porco e de tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes que lhe estão associad<strong>os</strong> 138 .<br />

A história da gener<strong>os</strong>a, benquista e paupérrima «A comadre Narcisa» 139 é<br />

diferente 140 . Acredita em bruxas e lobisomens 141 . E, de facto, noutra situação,<br />

Camacho m<strong>os</strong>tra-n<strong>os</strong> o «poder» desta mulher e das suas artes, quando<br />

actua num menino doente: «Nós vam<strong>os</strong> passar o menino pela toalha de<br />

N<strong>os</strong>sa Senhora» 142 . Assim se fez 143 e o menino salvou-se. O escritor fala do<br />

Car <strong>na</strong>val e faz a sua reconstituição, através desta mesma perso<strong>na</strong>gem, de<br />

alguns c<strong>os</strong>tumes da época, bem interessantes 144 .<br />

A veia etnográfica de Brito Camacho não se fica por estas descrições. Para<br />

ele, a época <strong>na</strong>talícia, com <strong>seus</strong> c<strong>os</strong>tumes ancestrais, tem um carácter muito<br />

es pecial. Em «As Janeiras» recorda o madeiro do Natal, apanhado pel<strong>os</strong><br />

ganhões 145 . Ou ainda o c<strong>os</strong>tume, não muito comum, de dar um pão a cada<br />

ja neireiro. «E, às vezes, já no rarear da madrugada, havia necessidade de<br />

reduzir a esmola, pois não chegava para tanta gente o pão cozido» 146 . Refere<br />

igualmente o modo como cantavam <strong>os</strong> ranch<strong>os</strong>, embora com pouca variedade<br />

e, muitas vezes, reduzido às vozes com que eram entoadas as cantigas.<br />

Mas não deixa de valer a pe<strong>na</strong> atentar no que essas vozes dizem, como re gis -<br />

to d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> do povo, apesar de Camacho as considerar «pouco imagin<strong>os</strong>a[s];<br />

falta-lhe[s] geralmente elevação de pensamento; falta-lhe[s] elegância<br />

<strong>na</strong> expressão; falta-lhe[s] correcção <strong>na</strong> forma» 147 . Descreviam o modo<br />

como eles e <strong>os</strong> don<strong>os</strong> da casa, e o pessoal que aí vivia, procediam <strong>na</strong>s janeiras<br />

148 . Mas, como constata, muito pouc<strong>os</strong> são <strong>os</strong> montes em que ainda hoje<br />

se dá esmola a<strong>os</strong> janeireir<strong>os</strong>. Daí o valor documental do seu livro.<br />

Descreve ainda a reunião d<strong>os</strong> abegões e lavradores, e a forma como se divertiam,<br />

com violas, jog<strong>os</strong>, vinho, cantorias, disputas, pancadaria 149 , caça e tam -<br />

bém touradas. Os diálog<strong>os</strong> entre estes homens rudes revelam uma província<br />

com as suas notas específicas, distantes das da capital. E é neste enrolar e<br />

195<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

196<br />

desenrolar de quotidian<strong>os</strong> que n<strong>os</strong> vam<strong>os</strong> apercebendo d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes e características<br />

de uma região tão típica.<br />

Como homem consciente e preocupado com o seu país, fala-n<strong>os</strong>, através da<br />

comadre Antónia, da trágica realidade do a<strong>na</strong>lfabetismo, não só das classes<br />

populares mas também d<strong>os</strong> terra-tenentes: «Naquele tempo, era rara a aldeia<br />

em que havia escola, de modo que <strong>os</strong> proprietári<strong>os</strong>, grandes e pequen<strong>os</strong>, que<br />

viviam longe das vilas, dispensavam-se de mandar <strong>os</strong> filh<strong>os</strong> à aula régia», a<br />

não ser que reconhecessem alguma vantagem para «a vida simples, rudimentar,<br />

dum camponês com alguma coisa de seu» 150 . Não, não dormiam<br />

nem sonhavam, muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> regio<strong>na</strong>listas. Já estavam bem conscientes do que<br />

se passava em Portugal.<br />

Um outro autor, Manuel Ribeiro, <strong>na</strong> Planície Heróica, m<strong>os</strong>tra-n<strong>os</strong> a terra e as<br />

gentes alenteja<strong>na</strong>s tal e qual são no mundo rural, do lavrador abastado ao<br />

ganhão pobre. A matança do porco, o fabrico do pão, são actividades<br />

comuns a todo o país, mas em certas zo<strong>na</strong>s parecem ter mais importância,<br />

como é o caso do Alentejo e de Trás-<strong>os</strong>-Montes. Explica ainda a actividade<br />

da ceifa. Também Antunes da Silva o faz em Gaimirra, e Garibaldino de<br />

Andrade, <strong>na</strong> Vila Branca, descrevendo a monda do trigo nesta mesma zo<strong>na</strong>.<br />

Ribatejo<br />

O texto Glória, Uma Aldeia do Ribatejo, de Alves Redol, inclui todas as características<br />

do Ribatejo, da geografia a<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> históric<strong>os</strong> e às facetas etnográficas<br />

e antropológicas. Estuda e a<strong>na</strong>lisa as actividades de trabalho, <strong>os</strong><br />

uten síli<strong>os</strong> empregues, o mobiliário, as vestimentas próprias, <strong>os</strong> divertiment<strong>os</strong>,<br />

incluindo danças típicas, <strong>os</strong> cântic<strong>os</strong> e <strong>os</strong> jog<strong>os</strong>.<br />

«Do Alto Ribatejo e da Beira Baixa eles [<strong>os</strong> trabalhadores] descem às lezírias<br />

pelas mondas e ceifas. Gaibéus lhes chamam» 151 . E com este nome intitulou<br />

o seu primeiro romance (1939), considerado a primeira obra neo-realista,<br />

onde retrata com fidelidade a vida colectiva das gentes do Alto Ribatejo e da<br />

Beira Baixa. Como adverte logo <strong>na</strong> primeira pági<strong>na</strong>: «Este romance não pretende<br />

<strong>na</strong> <strong>literatura</strong> ficar como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um do -<br />

cumentário humano fixado no Ribatejo» 152 . E, em «Breve memória…», re -<br />

corda que este seu livro é «ainda o [seu] encontro com a pr<strong>os</strong>a incendiada e


Foto 22<br />

Vale de Lob<strong>os</strong>. Quinta de Alexandre Herculano – Casa actual<br />

barroca de Fialho, achando nela um ponto de fusão semelhante ao da [sua]<br />

sensibilidade exaltada. Gaibéus <strong>na</strong>sceu com o seu ferrete» 153 .<br />

Alves Redol descreve a vida de ceifeir<strong>os</strong> e das mondadeiras, <strong>na</strong>s lezírias e n<strong>os</strong><br />

arrozais à beira do Tejo. Acompanha este trabalho sazo<strong>na</strong>l e, através das perso<br />

<strong>na</strong>gens, denuncia as condições sub-huma<strong>na</strong>s do seu trabalho e das suas<br />

vidas. Descreve com pormenor estas fai<strong>na</strong>s, as pausas, as intempéries que<br />

aguentam, as dificuldades que enfrentam, desde a chegada à partida, assim<br />

como <strong>os</strong> múltipl<strong>os</strong> dramas que vivem em conjunto com <strong>os</strong> insult<strong>os</strong> da população.<br />

Segundo afirma, ao classificar o seu livro, «Gaibéus seria um compromisso<br />

deliberado da reportagem com o romance, em favor d<strong>os</strong> homens olvidad<strong>os</strong><br />

e também da <strong>literatura</strong> olvidada […]. Gaibéus quis ser, e foi, um d<strong>os</strong><br />

grit<strong>os</strong> exact<strong>os</strong> de um drama colectivo e privado» 154 .<br />

Na intenção de vári<strong>os</strong> autores, o romance vai evoluindo desde o século XIX.<br />

O retrato, duro e cru, feito por Redol é um d<strong>os</strong> mais realistas de tod<strong>os</strong>. A li -<br />

197<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

198<br />

Foto 23<br />

Vale de Lob<strong>os</strong>. Quinta de Alexandre Herculano – Casa actual<br />

te ratura já não é feita da beleza das imagens e das ideias, mas da verdade trágica<br />

da vida de quem ganha o seu magro pão quotidiano com o suor de seu<br />

r<strong>os</strong>to. E noutras obras, como Marés (1941), Avieir<strong>os</strong> (1942) e Fanga (1943),<br />

continua a focar a vida das gentes desta província, não só camponeses, mas<br />

também <strong>os</strong> pequen<strong>os</strong> comerciantes, percorrendo assim muit<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> da<br />

realidade ribateja<strong>na</strong>.<br />

Injustiça, opressão, desespero, desadaptação ao clima, à flora e à fau<strong>na</strong> mais<br />

parecem inimig<strong>os</strong> a tentar dominá-l<strong>os</strong>. Tal como Fialho, anota as doenças,<br />

<strong>os</strong> martíri<strong>os</strong> do trabalhador que nem ao fim de sema<strong>na</strong> tem descanso, e<br />

também o ex tremo cansaço de ocupações que parecem não ter fim. Quan -<br />

do dá repouso às suas perso<strong>na</strong>gens é sempre em locais onde impera a<br />

doença, a morte, a agonia, sem qualquer tipo de higiene, outro inferno igual<br />

ao do espaço aberto da lezíria.<br />

Redol não esquece a vida d<strong>os</strong> pescadores ribatejan<strong>os</strong>, muito pobres, por isso<br />

desig<strong>na</strong>d<strong>os</strong> «cigan<strong>os</strong> do mar», vind<strong>os</strong> de Vieira de Leiria, d<strong>os</strong> quais faz a his-


Foto 24<br />

Vale de Lob<strong>os</strong>. Quinta de Alexandre Herculano – Casa primitiva<br />

tória em <strong>os</strong> Avieir<strong>os</strong>, o seu terceiro romance. O escritor permite-n<strong>os</strong> des -<br />

cobrir um outro aspecto da realidade ribateja<strong>na</strong> e, tal como <strong>os</strong> anteriores perso<strong>na</strong>gens,<br />

são igualmente maltratad<strong>os</strong> e com baix<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong>. Do mesmo<br />

modo que <strong>os</strong> gaibéus, são migrantes: mais não fazem do que pescar no rio<br />

Tejo, vivendo em casas palustres ou n<strong>os</strong> barc<strong>os</strong> com que pescam.<br />

Em Fanga, Redol apresenta uma série de aspect<strong>os</strong> etnográfic<strong>os</strong> da zo<strong>na</strong>, reiterando,<br />

mais uma vez, a descrição da miséria de vida das pessoas. O fandango,<br />

motiv<strong>os</strong> de dança ou cantigas masculi<strong>na</strong>s rivalizam com as femini<strong>na</strong>s<br />

e fazem parte da cultura desta gente. E também aqui, tal como no Norte ou<br />

no Alentejo, e em todas as províncias, desconfiado como o povo é d<strong>os</strong> médic<strong>os</strong>,<br />

impera o recurso à medici<strong>na</strong> tradicio<strong>na</strong>l ou às bruxas para quebrar<br />

encantament<strong>os</strong> ou afugentar maus-olhad<strong>os</strong>. Da mesma maneira, se re fere o<br />

autor ao grave problema do alcoolismo, tal como Camacho o fizera relativamente<br />

ao Alentejo. E não deixa de apontar a triste situação, comum a todo<br />

o País, da vida e situação d<strong>os</strong> trabalhadores id<strong>os</strong><strong>os</strong>, que não sendo já úteis<br />

são completamente abando<strong>na</strong>d<strong>os</strong>.<br />

199<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

200<br />

Os outr<strong>os</strong> romances do autor continuam a revelar aspect<strong>os</strong> miseráveis da<br />

vida d<strong>os</strong> trabalhadores e <strong>os</strong> <strong>seus</strong> c<strong>os</strong>tumes, alguns deles, já evocad<strong>os</strong>, não<br />

deixam de referir a h<strong>os</strong>tilidade entre <strong>os</strong> patrões e trabalhadores, em razão<br />

das más condições de vida que aqueles lhes impõem. De resto, no conjunto,<br />

as preocupações sociais aparecem em grande destaque, dando sobretudo<br />

atenção a<strong>os</strong> grup<strong>os</strong> de pessoas que são objecto de injustiças, mais do que a<strong>os</strong><br />

in divídu<strong>os</strong> isolad<strong>os</strong>. De facto, se <strong>os</strong> romântic<strong>os</strong> tiveram o mérito de introduzir<br />

o povo <strong>na</strong> <strong>literatura</strong>, <strong>os</strong> realistas dão-n<strong>os</strong> sobretudo retrat<strong>os</strong> cada vez<br />

mais próxim<strong>os</strong> da vida das pessoas. Recolhendo muitas vezes aspect<strong>os</strong> etnográfic<strong>os</strong>,<br />

o essencial desta linha de pensamento está em trazer <strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong><br />

e lutas das perso<strong>na</strong>gens para a expressão romanesca, <strong>na</strong>da esquecendo e<br />

p<strong>os</strong>sibilitando às classes mais desfavorecidas o palco do drama humano, com<br />

as suas qualidades e defeit<strong>os</strong>, num quadro vivencial em que <strong>na</strong>da é alindado<br />

ou idealizado.<br />

Algarve<br />

Da província mais a sul de Portugal, o Algarve, diz Miguel Torga ser «sempre<br />

um dia de férias <strong>na</strong> pátria. Dentro dele nunca me considero obrigado a<br />

nenhum civismo, a nenhuma congemi<strong>na</strong>ção telúrica nem huma<strong>na</strong>» 155 . Nele,<br />

diz sentir-se «livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa» 156 ,e<br />

julga-se ali «numa espécie de limbo da imagi<strong>na</strong>ção, onde tudo é fácil, belo e<br />

pri maveril». A terra não h<strong>os</strong>tiliza <strong>os</strong> pés. De resto, segundo afirma: «A política<br />

não entrou ali; as guerras não passaram ali; a <strong>literatura</strong> não pontifica ali.<br />

E o ritmo das horas não é quebrado pel<strong>os</strong> solavanc<strong>os</strong> d<strong>os</strong> jor<strong>na</strong>is e da rádio.<br />

Quan do as notícias chegam, já é tarde para acudir» 157 . Além disso, «o mar<br />

não cansa <strong>os</strong> ouvid<strong>os</strong>, o frio não entorpece <strong>os</strong> membr<strong>os</strong>» 158 . O Algarve é, para<br />

Torga, o «paraíso terrestre, onde o homem p<strong>os</strong>sa viver feliz ao <strong>na</strong>tural» 159 .<br />

Da <strong>literatura</strong> algarvia, diz-n<strong>os</strong> David Mourão-Ferreira que vári<strong>os</strong> foram <strong>os</strong><br />

motiv<strong>os</strong> que o levaram a concluir: «Para uma estimativa geográfica da <strong>literatura</strong><br />

portuguesa foi assaz tardia, embora muito característica a contribuição<br />

do Algarve, quer como berço de grandes escritores, quer como tema, tópico<br />

ou motivo de obras significativas» 160 . Mas há pouc<strong>os</strong> escritores regio<strong>na</strong>listas<br />

algarvi<strong>os</strong>. «João de Deus (1830-1896) é, e não ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> ordem cronológica,<br />

o primeiro poeta cuja obra reflecte, à superfície da linfa poética tradicio<strong>na</strong>l,<br />

as ardências e as indolências do sol algarvio» 161 . Muit<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> poetas exis-


Foto 25<br />

Algarve<br />

tem, mas é mais difícil encontrar<br />

representantes da <strong>literatura</strong><br />

regio<strong>na</strong>lista. Ul ti mamen -<br />

te, Miguel Real apontou<br />

An tónio Manuel Venda como<br />

sendo um deles, por apresentar<br />

no seu mais recente livro,<br />

O Medo Longe de Ti, c<strong>os</strong>tumes<br />

algarvi<strong>os</strong> de São Bartolomeu<br />

das Osgas e de Foz d<strong>os</strong><br />

Zim brais.<br />

Um outro escritor, Doming<strong>os</strong><br />

Monteiro, refere também que<br />

«a <strong>literatura</strong> algarvia tão rica<br />

em criação poética – e basta<br />

recordar-n<strong>os</strong> de João Lúcio,<br />

Cândido Guerreiro e Ber -<br />

<strong>na</strong>rdo d<strong>os</strong> Pass<strong>os</strong>, sem falar de<br />

João de Deus, que esse excede<br />

tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> limites geográfic<strong>os</strong> –<br />

é, se exceptuarm<strong>os</strong> o grande<br />

Teixeira Gomes, pobre <strong>na</strong> ca -<br />

ra cterização típica e quase nula <strong>na</strong> revelação e análise das almas e d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong>»<br />

162 .<br />

Manuel Teixeira Gomes (1860-1960), <strong>na</strong>scido em Portimão, Presidente da<br />

Re pública durante ape<strong>na</strong>s dois an<strong>os</strong>, desistindo do cargo por o não ter entusiasmado,<br />

deixa uma obra notável, mas não pode ser considerada regio<strong>na</strong>lista.<br />

Há aspect<strong>os</strong> típic<strong>os</strong>, de grande beleza, por exemplo, em O Algarve <strong>na</strong><br />

Obra de Teixeira Gomes 163 , prefaciada por Urbano Tavares Rodrigues, onde<br />

se encontra um texto, «Uma copejada de atum», que reflecte uma das actividades<br />

desta província.<br />

Um outro escritor é Julião Quintinha (1885-1968), que, para além da múltipla<br />

actividade como jor<strong>na</strong>lista – dirigiu divers<strong>os</strong> periódic<strong>os</strong> e fundou outr<strong>os</strong><br />

–, biografou Brito Camacho e Teixeira Gomes. Escreveu vári<strong>os</strong> livr<strong>os</strong>, um<br />

deles – Vizinh<strong>os</strong> do Mar 164 – sobre o Algarve, onde retrata situações de carác-<br />

201<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

202<br />

Foto 26<br />

Algarve<br />

ter amor<strong>os</strong>o e alguns cas<strong>os</strong> trágic<strong>os</strong>, como o de «A cega de Almancil», história<br />

vinda também a lume <strong>na</strong> imprensa periódica 165 . O autor faz referência a<br />

certas localidades, como Loulé, entre outras, assim como à paisagem. Há alu -<br />

são a um grupo de pessoas da zo<strong>na</strong>, à «maltesaria», que «metade do tempo<br />

contrabande[ava] trap<strong>os</strong> e pistolas e a outra metade malandrea[va]» 166 , assim<br />

como a alguns divertiment<strong>os</strong> por eles proporcio<strong>na</strong>d<strong>os</strong>: «Um dia, um desses<br />

band<strong>os</strong> boémi<strong>os</strong>, que traziam urs<strong>os</strong> e tigres amansad<strong>os</strong>, com harpas e realejo»<br />

deu espectáculo para a população 167 .<br />

Luís António d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong> deu à estampa Barlavento, Histórias do Algarve 168 ,<br />

apresentando um gl<strong>os</strong>sário com <strong>os</strong> regio<strong>na</strong>lism<strong>os</strong> que emprega n<strong>os</strong> <strong>seus</strong><br />

cont<strong>os</strong>. «O mar e a terra» trata do quotidiano d<strong>os</strong> pescadores e das suas famílias;<br />

a sua vida de perig<strong>os</strong> e ansiedades, a ida para o mar, o trabalho da pesca,<br />

um <strong>na</strong>ufrágio e a recepção das famílias e amig<strong>os</strong> d<strong>os</strong> náufrag<strong>os</strong>, a mudança<br />

de vida de um deles do mar para o campo. Por outro lado, no conto «J<strong>os</strong>é<br />

Gra macho», ficam<strong>os</strong> a saber d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes típic<strong>os</strong> das debulhas, d<strong>os</strong> bailes,<br />

da vida no monte, da benzedeira. Nele encontram<strong>os</strong> descrições pormenorizadas<br />

da actividade das bruxas 169 e do esconjuro de uma louca, a Maria do<br />

Ro sário. Sentiment<strong>os</strong> fortes, homicídi<strong>os</strong> e outras situações extremas compõem<br />

o quadro da sua efabulação, ao mesmo tempo que descreve a paisagem


Foto 27<br />

Algarve<br />

típica do Algarve, utilizando o vocabulário da zo<strong>na</strong>. Em síntese, histórias trágicas<br />

passadas, em localidades definidas, de gente do povo, de malteses e de<br />

mulheres de vida duvid<strong>os</strong>a, bem como crimes, fazem parte do universo d<strong>os</strong><br />

cont<strong>os</strong> deste autor algarvio.<br />

Identidades <strong>regio<strong>na</strong>is</strong> segundo Torga<br />

Miguel Torga não é um escritor regio<strong>na</strong>lista, embora alguma da sua obra<br />

(Cont<strong>os</strong> da Montanha, Nov<strong>os</strong> Cont<strong>os</strong> da Montanha) trate das particularidades<br />

do viver das gentes da sua província de origem, revelando idi<strong>os</strong>sincrasias d<strong>os</strong><br />

<strong>seus</strong> habitantes e das suas formas de ser. Numa conferência, feita no Rio de<br />

Janeiro, n<strong>os</strong> mead<strong>os</strong> do século passado, sublinha, com efeito, que quando se<br />

desce às regiões, «o universal [aí presente] é o local, sem paredes. É o autêntico<br />

que pode ser visto de tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> lad<strong>os</strong>, e em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> lad<strong>os</strong> está certo,<br />

como a verdade» 170 .<br />

No entanto, no seu livro Portugal, faz-n<strong>os</strong> olhar pela lupa da sua análise<br />

acuti lante para as terras de cada uma das regiões do País, para <strong>os</strong> homens<br />

que as habitam e para as suas características, a par de reflexões sobre a histó -<br />

203<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

204<br />

ria, a sociedade, a economia, a política, a educação, a religião, o património,<br />

a etnografia, a fau<strong>na</strong>, a flora, a paisagem, o ambiente, misturadas de observa -<br />

ções pessoais, algumas subjectivas, de cada uma delas. É a panorâ mica de<br />

quem correu Seca e Meca, de olhar atento, perscrutando a alma, <strong>os</strong> sentid<strong>os</strong>,<br />

a sensibilidade, de tudo guardando o cerne, num acerado sentido crítico que<br />

tudo exami<strong>na</strong> em função de alt<strong>os</strong> padrões de exigência. De cada uma delas faz<br />

um registo geográfico, por vezes muito pormenorizado, toponímico, histórico,<br />

social e económico, apreciando favoravelmente ou não a sua população.<br />

É como se a terra e as marcas que ela deixa <strong>na</strong>s gentes falassem <strong>na</strong> sua obra.<br />

Bairrista, apesar da profundidade da análise, Trás-<strong>os</strong>-Montes é o seu «reino<br />

maravilh<strong>os</strong>o», onde se encontram motiv<strong>os</strong> constantes de orgulho – <strong>na</strong>s gen -<br />

tes e <strong>na</strong> terra que ele glorifica e de que salienta quase tudo – à excepção da<br />

miséria existente e a ausência de uma rede escolas, que m<strong>os</strong>tram o pouco in -<br />

teresse do Estado pelo bem-estar do povo. «O que agora vou descrever, meu<br />

e de tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> que queiram merecê-lo, não só existe, como é d<strong>os</strong> mais bel<strong>os</strong><br />

que um ser humano pode imagi<strong>na</strong>r» 171 . Só podia ser o tecto, o céu de Por tu -<br />

gal, aquele que está acima de tudo e de tod<strong>os</strong>, mas também onde se encontra<br />

a génese do verdadeiro português. «Para cá do Marão… Mandam tod<strong>os</strong>.<br />

[…] In ca pazes de uma obediência imp<strong>os</strong>ta de fora, <strong>os</strong> habitantes da terra<br />

ape<strong>na</strong>s consideram <strong>na</strong>turais e legítim<strong>os</strong> <strong>os</strong> imperativ<strong>os</strong> da própria consciência»<br />

172 . E <strong>os</strong> homens daqui são «de uma só peça, inteiriç<strong>os</strong>, alt<strong>os</strong> e espadaúd<strong>os</strong>,<br />

que olham de frente e têm no r<strong>os</strong>to as mesmas rugas do chão» 173 .<br />

Med<strong>os</strong>, não <strong>os</strong> têm «senão da pequenez» 174 . Não do trabalho, pois <strong>os</strong> que<br />

não emigram «cavam a vida inteira. E quando se cansam, deitam-se no cai -<br />

xão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalh<strong>os</strong>o<br />

dia» 175 , sem que as escolas <strong>os</strong> tivessem modificado: «Acabado o<br />

exame da quarta classe, cada qual trata de sepultar sob uma leiva, o mais de -<br />

pressa que pode, a ciência que aprendeu» 176 , e assim ficam dependentes toda<br />

a vida da pobreza física e espiritual em que o País estagnou durante sécul<strong>os</strong>.<br />

Dali descem, aliás, muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> habitantes para as vindimas no Douro, cuja<br />

fai<strong>na</strong> descreve em A Vindima, onde registou as condições de vida miseráveis<br />

e de suma<strong>na</strong>s em que estes trabalhadores sazo<strong>na</strong>is viviam, bem como o seu<br />

descontentamento, denunciando a exploração d<strong>os</strong> ric<strong>os</strong>.<br />

Maravilh<strong>os</strong>a é a fau<strong>na</strong> e a flora, a gener<strong>os</strong>idade da terra e do rio: «Basta es -<br />

tender a mão. Produz batata, azeite, cortiça, linho» 177 , bem como tod<strong>os</strong> <strong>os</strong>


produt<strong>os</strong> que se encontravam no Éden. E a serra no seu interior é toda ela<br />

ferro, oiro, chumbo, estanho, volfrâmio, urânio 178 . Como de uma rocha bí -<br />

blica, brotam águas milagr<strong>os</strong>as. Quanto a<strong>os</strong> habitantes e a<strong>os</strong> <strong>seus</strong> sentiment<strong>os</strong><br />

bárbar<strong>os</strong> e lutas intesti<strong>na</strong>s, apesar de cumprirem as actividades religi<strong>os</strong>as<br />

e de frequentarem as festas d<strong>os</strong> sant<strong>os</strong>, não tiram «<strong>os</strong> olh<strong>os</strong> do inimigo com<br />

quem hão-de medir forças no arraial. Sobem numa penitência inteira. Ao<br />

descer, vêm numa manta, esfaquead<strong>os</strong>» 179 .<br />

O Minho não o encanta. Só a parte mais próxima de Trás-<strong>os</strong>-Montes o compraz.<br />

Aquele permanente verde cansa-o, irrita-o. A sua <strong>na</strong>tureza transmonta<strong>na</strong>,<br />

como diz, queria «a todo o custo desfazer a realidade dum vizinho pe -<br />

quenino, dançarino, limitado física e psicologicamente pel<strong>os</strong> mur<strong>os</strong> do seu<br />

quintal. […] Queria transfigurá-lo <strong>na</strong>quele pedaço de granito aberto, afirmativo<br />

e pagão» 180 . Neste ambiente, falta-lhe o ar, a liberdade: «Um solo que<br />

não se m<strong>os</strong>tra, de tão revestido, e uma gente atacada da doença de S. Vito,<br />

perturbam qualquer observador» 181 . Só encontra paz em Castro Laboreiro,<br />

<strong>na</strong> Peneda, no Soajo, no Lind<strong>os</strong>o, desaparecidas todas aquelas cores, principalmente,<br />

o verde. Nada lhe agrada desta região de que critica a demasiada<br />

re ligi<strong>os</strong>idade 182 . De Muia, Bravães e S. Martinho de Crasto diz: «As negras<br />

capelinhas, desti<strong>na</strong>das a uma crença toda interior, pareciam-me penitenciárias<br />

de Deus numa paisagem festiva. Como Rates, Rio Maui, Roriz […] foram<br />

equívoc<strong>os</strong> do espírito religi<strong>os</strong>o. Recalcament<strong>os</strong> em pedra da exuberância d<strong>os</strong><br />

sentid<strong>os</strong>» 183 . Nem as mulheres escapam, muitas delas viúvas de marid<strong>os</strong> emigrad<strong>os</strong>,<br />

lutando por manter a horta, pel<strong>os</strong> filh<strong>os</strong>, pela vida, sempre difícil,<br />

em razão de serem «as fêmeas a mandar n<strong>os</strong> mach<strong>os</strong>» 184 . Em qualquer outra<br />

terra portuguesa, segundo ele, levavam um tiro 185 .<br />

O Douro «é certamente a realidade mais séria que tem<strong>os</strong>. […] De ponta a<br />

pon ta do ano, nenhuma bênção p<strong>os</strong>sível mitiga a crucificação do sofrimento»<br />

186 . Ao a<strong>na</strong>lisar a vida das suas gentes desejava: «Ser nesse chão árido<br />

e h<strong>os</strong>til um novo criador de vida, dar aí uma resp<strong>os</strong>ta quotidia<strong>na</strong> à morte,<br />

transformar cada ravi<strong>na</strong> em parapeito de esperança e cada bagada de suor<br />

em gota de esperança […]. Por isso […] o perfil [destes homens] é o próprio<br />

per fil d<strong>os</strong> montes, do seu coração mordido corre o sangue da perpétua<br />

agonia, e da boca das suas criaturas agradecidas se levanta um protesto<br />

indig<strong>na</strong>do» 187 .<br />

A Beira é a Serra da Estrela, o pastor e o camponês: «Vê-se de r<strong>os</strong>to sereno,<br />

va gamente irónico e malici<strong>os</strong>o, pronto a ir gover<strong>na</strong>r a <strong>na</strong>ção, indiferente ao<br />

205<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

206<br />

riso descon fiado do Minho, ao ar carrancudo de Trás-<strong>os</strong>-Montes, à n<strong>os</strong>talgia<br />

alenteja<strong>na</strong> e à conversa fiada algarvia. Não é o brilho que o impõe, nem a<br />

honradez, nem a inteligência, nem outras qualidades que o Português não<br />

tenha. É uma obsti<strong>na</strong>ção de caruncho, muda, modesta, inflexível, incapaz<br />

da piedade de ceder ao seu próprio cansaço. [… O] beirão sente-se dono de<br />

Portugal» 188 . Mas, para ele, o beirão mais simpático é o que fica agarrado às<br />

berças 189 . A terra é pobre a nível artístico, como é pobre o seu solo e adverso<br />

o clima. Mas a gente é trabalhadora.<br />

Referindo-se ao «Litoral», Torga pensa que devia formar uma província à<br />

parte, apesar da variedade que nele se encontra, uma vez que todo ele é ba -<br />

nhado pelo Atlântico: «Sempre Atlântico, praia… e pescadores. Sempre uma<br />

onda a desfazer-se <strong>na</strong> proa dum barco carregado de homens» 190 , vogando<br />

para a pesca. Enumera, como noutras regiões, algumas localidades, apontan -<br />

do, aqui e ali, algumas das suas características. E conclui: «A realidade que<br />

irma<strong>na</strong> a grande família ribeirinha não é o fogo preso das festas da Agonia,<br />

nem a lealdade do castelo de Vila da Feira à primeira voz da pátria […]. É a<br />

força da maré que sim ou não deixa encalhar o barco em porto de salvamento»<br />

191 . Um porto onde as mulheres esperam muitas vezes pela viuvez, e<br />

quase sempre a pobreza.<br />

O Alentejo, para Torga, é a contraface do seu torrão <strong>na</strong>tal: «Trás-<strong>os</strong>-Montes<br />

é o ímpeto, a convulsão; o Alentejo, o fôlego, a extensão do alento.» Mas<br />

estas «províncias […também têm] semelhança de cert<strong>os</strong> traç<strong>os</strong> human<strong>os</strong> e te -<br />

lúric<strong>os</strong>, a transtaga<strong>na</strong>, se não é mais bela, tem uma serenidade mais criadora»<br />

192 . E a força da terra e das suas gentes é idêntica. Estas têm de enfrentar<br />

climas extrem<strong>os</strong>, ambientes e vidas talvez mais h<strong>os</strong>tis do que em outras<br />

regiões. O Alentejo é a terra da «exígua promissão de sete sementes, […] o<br />

descampado dum sonho infinito e a realidade dum solo exausto» 193 .Por<br />

outras palavras, «um oceano de terra estreme, austero e viril. A palmilhar<br />

aqueles desmedid<strong>os</strong>, sinto-me mais perto de Portugal do que no castelo de<br />

Guimarães» 194 .<br />

Admira o alentejano porque «pôde guardar a sua perso<strong>na</strong>lidade. […] O meio<br />

defendeu-o duma promiscuidade que o atingiria no cerne. Manteve-o vertical<br />

e sozinho. […] Modelou-o de forma a que nenhuma força, por mais h<strong>os</strong>til,<br />

f<strong>os</strong>se capaz de lhe roubar a coragem, de lhe perverter o instinto, de lhe enfraquecer<br />

a razão» 195 . O Alentejo fez o alentejano. Por isso, ama «igualmente o


que o homem fez e a terra deixou fazer» 196 . Valorizando a sua pré-história e a<br />

sua história, tudo contribui para que esta província seja uma das eleitas.<br />

Conclusão<br />

Ostracizada por muit<strong>os</strong>, a <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista não tem gozado, até a<strong>os</strong> dias<br />

de hoje, de grande prestígio. Uma das razões do facto prende-se com que,<br />

como diz Miguel Torga: «L’Universel, c’est le local moins les murs» 197 .E a<br />

preocupação d<strong>os</strong> autores é de construírem paradigmas do drama ou da<br />

comé dia huma<strong>na</strong> que valham para todo o tempo e lugar, sem as idi<strong>os</strong>sincrasias<br />

que, bem vistas as coisas, só são inteiramente compreendidas por quem<br />

se formou <strong>na</strong> cultura de origem de que ela é expressão.<br />

Assim, é imp<strong>os</strong>sível não aceitar que a <strong>literatura</strong> de vocação universalista se<br />

afigure muito mais interessante, atraente e rica do que a regio<strong>na</strong>lista. Mas<br />

também não deixa de ser verdade que o juízo desta tem sido feito de forma<br />

preconceitu<strong>os</strong>a, impedindo que se apreciem as suas virtualidades como re -<br />

gisto do passado mais ou men<strong>os</strong> recente de um povo. E se não é mentira que<br />

a ligação da <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista teve, <strong>na</strong> sua base, algumas concepções que<br />

ape<strong>na</strong>s interessavam a um pequeno número de intelectuais, defensores de<br />

uma ideologia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista exacerbada, em certa medida continuada por<br />

alguns epígon<strong>os</strong> da época salazarista, a reacção polémica, que a destronou<br />

do seu lugar próprio de registo do viver d<strong>os</strong> Portugueses das classes mais hu -<br />

mildes, não tem inteira razão de ser.<br />

Por outro lado, não deixa de ser verdade que esta <strong>literatura</strong> teve <strong>os</strong> <strong>seus</strong> mo -<br />

ment<strong>os</strong> de glória com Júlio Dinis, Trindade Coelho e a geração d<strong>os</strong> neogarretistas,<br />

tendo constituído um válido instrumento, usado por não pouc<strong>os</strong> es -<br />

critores, para dar à <strong>literatura</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l uma nota de autenticidade, contra as<br />

importações e imitações estrangeiras. Filha da <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>l, foi-se autonomizando<br />

à medida que se transformava. A atenção ao espaço físico do<br />

país, a algumas das suas figuras típicas e às condições de vida d<strong>os</strong> trabalhadores<br />

rurais, foi sendo feita de maneira gradual, com particular destaque<br />

para a etnografia e linguística, numa clara afirmação de uma identidade que<br />

se contrapunha às modas e model<strong>os</strong> vind<strong>os</strong> do estrangeiro.<br />

Tendo a temática rural ganhado cada vez mais força <strong>na</strong> ficção de Oitocent<strong>os</strong>,<br />

prin cipalmente no Minho, Alentejo e Trás-<strong>os</strong>-Montes, com cambiantes dife-<br />

207<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

208<br />

rentes conforme as escolas literárias que se iam sucedendo, a revivescência<br />

do pensar, sentir e agir do povo ganhou for<strong>os</strong> de cidadania. O reconhecimento<br />

da validade do pensamento e d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes populares, emergente<br />

quase simultaneamente em toda a Europa, constituiu o início desta viragem<br />

para o interior de cada país. Entre nós, Garrett e Herculano, entre outr<strong>os</strong>,<br />

foram à procura do pensamento e d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> populares, trazendo para<br />

a ribalta da reflexão erudita a <strong>literatura</strong> oral e <strong>os</strong> us<strong>os</strong> das massas populares.<br />

As invasões <strong>na</strong>poleónicas contribuíram, igualmente, para que a procura da<br />

identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l se tor<strong>na</strong>sse mais forte. Como diz Fer<strong>na</strong>ndo Cristóvão, a<br />

propósito do século XIX: «Nacio<strong>na</strong>lismo é, <strong>na</strong> história das ideias, antes de<br />

mais, vontade de autonomia e direito à diferença, tal como vem sendo interpretado<br />

pela antropologia, pela ciência política e pela <strong>literatura</strong>, desde a Re -<br />

vo lução Francesa; e isso vai pautar este século» 198 . Por isso é que a <strong>literatura</strong><br />

regio<strong>na</strong>lista adquire mais importância em períod<strong>os</strong> de crise como, entre nós,<br />

no fi<strong>na</strong>l de Oitocent<strong>os</strong> com o Ultimatum.<br />

Mas, se ela teve cultores de reconhecido mérito, como Trindade Coelho,<br />

Fialho de Almeida, entre outr<strong>os</strong>, também sobre ela caiu o estigma de menoridade<br />

literária, ligado a alguns d<strong>os</strong> escritores que mais lhe definiram <strong>os</strong> contorn<strong>os</strong>.<br />

As reacções referidas de alguns autores que, pelo men<strong>os</strong> em parte,<br />

podem ser considerad<strong>os</strong> regio<strong>na</strong>listas, como Aquilino Ribeiro, provieram<br />

desta ambiguidade. De resto, já escritores como Eça de Queirós se tinham<br />

insurgido contra o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo literário cultivado, por exemplo, por<br />

Alberto Oliveira.<br />

Do pequeno esboço que foi feito, sobre <strong>os</strong> autores e <strong>os</strong> <strong>seus</strong> p<strong>os</strong>icio<strong>na</strong>ment<strong>os</strong>,<br />

deduz-se que não há uma forma única de escrever sobre as regiões. A<br />

escola realista colocou-lhe ingredientes que a romântica desconhecia. Tor -<br />

nou-a «mais verdadeira, mais real». E o neo-realismo de Aquilino, e de outr<strong>os</strong><br />

autores do século XX, foi ainda mais pungente, pondo a nu toda a gama de<br />

situações extremas, em que o drama humano aparecia em toda a sua crueza,<br />

e denunciando situações de miséria ou de i<strong>na</strong>dmissíveis desníveis sociais.<br />

Como factor de demérito, alguns evocam nesta <strong>literatura</strong> a falta de características<br />

universais. No entanto, passadas que estão as querelas políticas e literárias<br />

que levaram à atribuição deste estigma, talvez seja tempo de ver as suas<br />

potencialidades e virtudes. Para além de contribuir para uma reconstituição


de fact<strong>os</strong> que não foram registad<strong>os</strong> a seu tempo pel<strong>os</strong> estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> «das velharias<br />

do pensamento e das crenças populares», que dão pelo nome de etnógra<br />

f<strong>os</strong> – embora nomes tão ilustres, como J. Leite de Vasconcel<strong>os</strong>, Adolfo<br />

Coelho, Consiglieri Pedr<strong>os</strong>o, Teófilo Braga, Ataíde Oliveira, Tomás Pires,<br />

Conde de Ficalho, J. Augusto Vieira, Cláudio Bast<strong>os</strong>, entre outr<strong>os</strong>, tenham<br />

feito tudo para preencher a lacu<strong>na</strong> –, o que se lê n<strong>os</strong> autores regio<strong>na</strong>listas<br />

constitui uma fonte inesgotável de conhecimento da cultura popular portugue<br />

sa. E outro d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> atractiv<strong>os</strong> é o registo d<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> de temp<strong>os</strong> passad<strong>os</strong><br />

e d<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de estar que lhes estavam associad<strong>os</strong>. Tudo isso, com efeito,<br />

faz parte da n<strong>os</strong>sa identidade, que se avalia pela forma como as populações<br />

se adaptam ao meio em que vivem e pelo seu modo de ser e de se relacio<strong>na</strong>r,<br />

ou pela cultura que sustenta tudo isto.<br />

É pe<strong>na</strong> que, de sécul<strong>os</strong> anteriores, não tenham<strong>os</strong> o mesmo acervo de relat<strong>os</strong><br />

que n<strong>os</strong> permita chegar ao interior do viver das populações autóctones ou<br />

adventícias que n<strong>os</strong> foram constituindo como povo. Assim, a reconstituição<br />

do quotidiano, para <strong>os</strong> sécul<strong>os</strong> anteriores, está cheia de incertezas, baseada<br />

ape<strong>na</strong>s em indíci<strong>os</strong>, quase sempre imprecis<strong>os</strong> e insuficientes. Um d<strong>os</strong> mérit<strong>os</strong><br />

da <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista é, pois, o de trazer o viver do povo ao pr<strong>os</strong>cénio<br />

das várias idi<strong>os</strong>sincrasias individuais e colectivas que n<strong>os</strong> constituem como<br />

povo. Por isso, se ela regista memórias curi<strong>os</strong>as ou interessantes de aspect<strong>os</strong><br />

peculiares da vida das províncias, desde a época de Oitocent<strong>os</strong>, para nós,<br />

hoje, tem a virtude de n<strong>os</strong> m<strong>os</strong>trar o estado do país, sobretudo a nível social,<br />

e a mentalidade de que som<strong>os</strong> herdeir<strong>os</strong>. A leitura d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> text<strong>os</strong> desempenha<br />

a função de consciencialização histórica que faz parte integrante de nós<br />

própri<strong>os</strong>. Um povo só existe quando sabe juntar o passado ao presente e faz<br />

dele alavanca de progresso e transformação. Ora, se juntarm<strong>os</strong> as peças do<br />

puzzle constituído pel<strong>os</strong> text<strong>os</strong> d<strong>os</strong> escritores regio<strong>na</strong>listas, sobretudo d<strong>os</strong><br />

melhores, ou seja, daqueles que mais viveram ou se identificaram com o<br />

modo de ser do povo, sejam eles romântic<strong>os</strong>, realistas ou <strong>na</strong>tura listas, terem<strong>os</strong><br />

uma imagem bastante fiel de diversas épocas passadas. E se acrescentarm<strong>os</strong><br />

<strong>os</strong> neo-realistas, como Aquilino Ribeiro e outr<strong>os</strong>, já no século XX,<br />

começarem<strong>os</strong> a perceber que, por detrás das diferenças etnográficas, há<br />

traç<strong>os</strong> comuns: o da terrível pobreza física e intelectual das classes men<strong>os</strong><br />

abastadas, que constituíam, afi<strong>na</strong>l, a grande maioria da população.<br />

No que respeita ao século XIX, a verdade das imagens que resultam d<strong>os</strong><br />

text<strong>os</strong> literári<strong>os</strong> pode, aliás, ser verificada, confrontando-a com vári<strong>os</strong> tra-<br />

209<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

210<br />

balh<strong>os</strong> não ficcionistas, onde emergem o a<strong>na</strong>lfabetismo e as suas inevitáveis<br />

e mal fazejas consequências inviabilizadoras do progresso, tanto intelectual<br />

como profissio<strong>na</strong>l e económico, ou a emigração como única válvula de<br />

es ca pe. E a falta de instrução trazia consigo a inépcia, a resig<strong>na</strong>ção, a imp<strong>os</strong>sibili<br />

dade de escolha e de defesa, a sujeição a condições de trabalho sub-<br />

-huma<strong>na</strong>s e à aceitação de tudo o que favorecia <strong>os</strong> que mais p<strong>os</strong>suíam.<br />

A situação <strong>na</strong> pri meira metade do século XX, aquela que mais graficamente<br />

é reportada pel<strong>os</strong> autores, parece não ter alterado substancialmente aquele<br />

estado de coi sas, como seria p<strong>os</strong>sível justificar com estud<strong>os</strong> científic<strong>os</strong>, caso<br />

f<strong>os</strong>se necessário.<br />

O que transparece desta <strong>literatura</strong> é, pois, um país predomi<strong>na</strong>ntemente agrícola,<br />

onde as colheitas são insuficientes para a população existente e o em -<br />

prego é precário, muitas vezes sazo<strong>na</strong>l, que obrigava <strong>os</strong>/as trabalhadores/as a<br />

procuraram emprego fora da sua zo<strong>na</strong> de residência para ganharem o seu<br />

magro e escasso sustento. Sempre mal vist<strong>os</strong>, por vezes, odiad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autóctones,<br />

a <strong>literatura</strong> fala-n<strong>os</strong> da dureza de cert<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> como o das ceifas<br />

ou das vindimas, das doenças que neles ocorriam, das condições em que <strong>os</strong><br />

trabalhadores eram instalad<strong>os</strong>. E mesmo as crianças, sobretudo no pastoreio,<br />

eram chamadas a contribuir para o orçamento familiar.<br />

Nesta <strong>literatura</strong>, faz-se o retrato de muit<strong>os</strong> mesteres: alfaiate, barbeiro, almocreve,<br />

latoeiro, sapateiro, vendedor de feiras, etc., cujo magr<strong>os</strong> rendiment<strong>os</strong><br />

mal davam para viver. Men<strong>os</strong> frequentemente, aparece o trabalho árduo e<br />

cheio de risc<strong>os</strong> d<strong>os</strong> pescadores e as dores das viúvas do mar. De quando em<br />

quando, o contrabando e o banditismo para fugir à miséria absoluta. E, subjacente<br />

a tudo, o desemprego, a emigração forçada, a velhice pobre, sujeita às<br />

sopas d<strong>os</strong> vizinh<strong>os</strong>.<br />

A nível da manifestação de sentiment<strong>os</strong>, a <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>l descreve conflit<strong>os</strong>,<br />

por vezes muito fortes, a nível familiar, amor<strong>os</strong>o e profissio<strong>na</strong>l. Prin -<br />

cipalmente no Alentejo, a mancebia, e o p<strong>os</strong>terior abandono de raparigas<br />

por parte d<strong>os</strong> proprietári<strong>os</strong> que delas se desinteressavam, são frequentemente<br />

mencio<strong>na</strong>d<strong>os</strong>. Alguns cont<strong>os</strong> reflectem isso de forma trágica. O homicídio<br />

pela p<strong>os</strong>se de empreg<strong>os</strong> de maior destaque também não deixa de ser<br />

tematizado. E, embora em grande parte desta <strong>literatura</strong> se reflicta a maior<br />

re ligi<strong>os</strong>idade no Norte de Portugal, abundam em todo o País as benzedeiras<br />

e as bruxas com as suas mezinhas e ensalm<strong>os</strong> para ultrapassar mil problemas


e lacio<strong>na</strong>d<strong>os</strong> com a saúde, o trabalho, as querelas entre vizinh<strong>os</strong>, numa palavra,<br />

tudo o que afligia o povo desamparado. Esta <strong>literatura</strong>, guarda, pois,<br />

uma memória preci<strong>os</strong>a do viver de temp<strong>os</strong> id<strong>os</strong>, chei<strong>os</strong> de desigualdades e<br />

de injustiças, que afi<strong>na</strong>l não termi<strong>na</strong>ram.<br />

Apesar de desqualificada, até certo ponto, esta <strong>literatura</strong> trata por vezes de<br />

forma magistral da alma e vida d<strong>os</strong> portugueses. Autores como Trindade<br />

Coelho, Fialho de Almeida, Brito Camacho, Aquilino Ribeiro, João de<br />

Araújo Correia, Doming<strong>os</strong> Monteiro, Raul Brandão, Alves Redol, Manuel<br />

da Fonseca, Manuel Ribeiro e Miguel Torga (alguns não regio<strong>na</strong>lista) dão-<br />

-n<strong>os</strong>, características d<strong>os</strong> locais onde situam <strong>os</strong> <strong>seus</strong> escrit<strong>os</strong>, retrat<strong>os</strong> tão fiéis<br />

que não podem<strong>os</strong> deixar de n<strong>os</strong> sintonizar com as suas perso<strong>na</strong>gens e a dor<br />

das suas vidas.<br />

A <strong>literatura</strong> regio<strong>na</strong>lista é, assim, uma espécie de fonte onde se pode aurir a<br />

linfa vital do Portugal profundo de outrora. Num tempo de globalização e<br />

de homogeneização da cultura, a sua leitura deixará certamente no leitor a<br />

sensação de encontrar o húmus da sua identidade, por muito que algumas<br />

das perso<strong>na</strong>gens pareçam demasiado idi<strong>os</strong>sincráticas para representar o<br />

povo. Nela encontram<strong>os</strong>, certamente, memórias do que fom<strong>os</strong>. De qualquer<br />

maneira, tal como no trabalho de etnógraf<strong>os</strong> e antropólog<strong>os</strong>, nela tem<strong>os</strong><br />

uma parte de nós própri<strong>os</strong>. De facto, o literato é muitas vezes um cientista<br />

que se ignora, ou talvez melhor, alguém que, do que vê, faz paradigmas válid<strong>os</strong><br />

para todo o tempo e lugar.<br />

Notas<br />

1 Cf. A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta LOPES, O Conto Regio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Imprensa Periódica de 1875 a 1930, vol. 1,<br />

Lisboa, CEPCEP, 1990, p. 7.<br />

2 Cf. Ibidem, pp. 7-11.<br />

3 Cf. Ibidem, pp. 8-11.<br />

4 Cf. Ibidem, pp. 9-11.<br />

5 Remetem<strong>os</strong> o leitor para o n<strong>os</strong>so estudo sobre esta questão (cf. Ibidem).<br />

6 Cf. Jaime REIS, «A industrialização num país de desenvolvimento lento e tardio: Portugal,<br />

1870-1913», in eds. Pedro-Pereira LAINS, Nuno ESTÊVÃO, Antologia. Portugal em Análise,<br />

Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2007, pp. 199-235.<br />

7 Alberto de OL<strong>IV</strong>EIRA, «O <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo <strong>na</strong> <strong>literatura</strong> e as “Palavras loucas” (Cartas inéditas<br />

211<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

212<br />

de Oliveira Martins, Eça de Queirós, Fialho de Almeida, Ramalho Ortigão e Guerra<br />

Junqueiro)», in Lusitania, Lisboa, 3, 7 (Out.), 1925, pp. 7-34.<br />

8 Guedes de AMORIM, «Prefácio», in Os Melhores Cont<strong>os</strong> de João Araújo Correia, ed. Guedes<br />

de AMORIM, Lisboa, Arcádia, 1960, s. p.<br />

9 Trindade COELHO, «A tradição», in Educação Nacio<strong>na</strong>l, Porto, 123 (Fev.), 1899, p. 154.<br />

10 Cf. António J<strong>os</strong>é SARA<strong>IV</strong>A, Óscar LOPES, História da Literatura Portuguesa, Porto, Porto Ed.,<br />

17.ª ed., p. 898; Alfredo da CUNHA, Trindade COELHO, «Apresentação», in Revista Nova,<br />

Lisboa, 1 (Nov.) 1893, pp. 1-2.<br />

11 Cf. edições desta obra em Júlio DINIS, As Pupilas do Senhor Reitor, ed. Maria Ema Tarracha<br />

FERREIRA, Lisboa, Ed. Ulisseia, 1986, p. 33.<br />

12 Eça de QUEIRÓS, «Júlio Dinis», in Obras, 3, Porto, Lello & Irmão, Camilo Castelo Branco,<br />

s.d., p. 1067.<br />

13 Hugo ROCHA, Gentio Branco, Porto, Ed. Educação Nacio<strong>na</strong>l, 1944.<br />

14 Ramalho ORTIGÃO, «[O Porto em 1850]», in ed. Vitorino NEMÉSIO, Portugal, a Terra e o<br />

Homem, Antologia de text<strong>os</strong> de escritores d<strong>os</strong> sécul<strong>os</strong> XIX-XX, Lisboa, Arcádia, 1978, p. 65.<br />

15 Alberto BRAGA, «Us<strong>os</strong> e c<strong>os</strong>tumes, tradições e bruxaria, <strong>na</strong>s obras de Camilo Castelo Bran -<br />

co», in Revista de Guimarães, Guimarães, 35, 1 (Jan.-Mar.), 1925, pp. 13-28; 35, 3 (Jul.-Set.),<br />

1925, pp. 187-200; 35, 4 (Out.-Dez.), 1925, pp. 247-258; 36, 1-2 (Jan.-Jun.), 1926, pp. 54-63;<br />

36, 3 (Jul.-Set.), 1926, pp. 120-124; 38, 1-2 (Jan.-Jun.), 1928, pp. 81-84; 40, 1-2 (Jan.-Jun.),<br />

1930, pp. 26-32. O artigo está incompleto.<br />

16 Cf. Camilo Castelo BRANCO, A Bruxa de Monte Córdova, Lisboa, Círculo de Leitores,<br />

1984, p. 135; ID., O Sangue, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1907.<br />

17 Ar<strong>na</strong>ldo de Sousa Dantas da GAMA, Verdades e Ficções, 1, Porto, Liv. Tavares Martins, Ed.<br />

Popular, 1936, pp. 47-48.<br />

18 Ver biografia resumida do autor, em A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta LOPES, O Conto Regio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Im pren -<br />

sa Periódica de 1875 a 1930. Antologia, ...op. cit., 2, p. 60.<br />

19 «Amor divino», «António Fogueira», «Amores, amores» e «A cantadeira», apresentando, o<br />

segundo e o último, características rurais que interessam para este trabalho.<br />

20 Bento MORENO, «Pastoral», in O Occidente, Lisboa, 18, 590 (Mai.), 1895, pp. 110-112.<br />

21 Teixeira de QUEIRÓS (Bento MORENO), Os meus Primeir<strong>os</strong> Cont<strong>os</strong>, Lisboa, Parceria António<br />

Maria Pereira, 1914.<br />

22 ID., «Juiz do Soajo, novo Salomão», in Diario de Noticias Illustrado, Ed. do Diário de<br />

Noticias, Lisboa, Dez., 1912, s.p.<br />

23 ID, «Morte negra», in Os Dois Mund<strong>os</strong>, 1, 2 (Set.), 1887, pp. 7, 10-11.<br />

24 ID., «N<strong>os</strong>so Senhor Jesus Cristo», in A Illustração, 2, 6 (Mar.), 1885, pp. 101-102.<br />

25 ID., «O cego de Guardiam», in A Illustração, 6, 10 (Mai.), 1889, pp. 150, 154-155.<br />

26 ID, «Enguiço», in O Figueirense, 33 (Jan.), 1920, s.p.; 34 (Fev.), 1920, s.p.; 35 (Fev.), 1920,<br />

s.p.; 36 (Fev.), 1920, s.p.; 37 (Fev.), 1920, s.p.<br />

27 J<strong>os</strong>é Augusto VIEIRA, Fototipias do Minho, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1906.


28 ID., «Prelimi<strong>na</strong>r», in suo Fototipias do Minho, ...op. cit., p. [8].<br />

29 Ber<strong>na</strong>rdo de PINDELA, «Aromas campesin<strong>os</strong>», in A Illustração, Paris-Lisboa-Rio de Janeiro,<br />

5, 17 (Set.), 1888, pp. 263, 266.<br />

30 Alfredo de GUIMARÃES, «Os patriarcas», in Illustração Portugueza, Lisboa, 2.ª série, 18, 458<br />

(Nov.), 1914, pp. 674-676; ID., «O tonto de Donin», in ABC, Lisboa, 30 (Fev.), 1921, pp. 18-19;<br />

Ben to MORENO, «N<strong>os</strong>so Senhor Jesus Cristo», in A Illustração, Paris-Lisboa-Rio de Janeiro,<br />

1885, pp. 101-102; ID., «Vingança do morto», in O Cenáculo, Lisboa, 1875, pp. 97-110; Teixeira<br />

de QUEIRÓS, «Sete pobres num palheiro», 1, in Atlântida, Lisboa, 7, 26 (Dez), 1917, pp. 243-254.<br />

31 João de Araújo CORREIA, Cont<strong>os</strong> e Novelas, Cont<strong>os</strong> Bárbar<strong>os</strong>, Cont<strong>os</strong> Durienses, Terra In -<br />

grata, ed. João Bigotte CHORÃO, Lisboa, Imprensa Nacio<strong>na</strong>l-Casa da Moeda, 2007.<br />

32 Ibidem, p. 15 (Referência ao prefácio da 2.ª ed., 1968).<br />

33 Ibidem.<br />

34 Ibidem.<br />

35 ID., Ec<strong>os</strong> do País, Régua, Imprensa do Douro Ed., 1969, p. 77.<br />

36 Ibidem, p. 79.<br />

37 Guedes de AMORIM, «Prefácio», in Os Melhores Cont<strong>os</strong> de João Araújo Correia, ed. Guedes<br />

de AMORIM, Lisboa, Arcádia, 1960, [p. 1].<br />

38 Ibidem, s.p.<br />

39 Ibidem, s.p.<br />

40 João Bigotte CHORÃO, in João de Araújo CORREIA, «O mundo de João de Araújo Correia»,<br />

in Cont<strong>os</strong> e Novelas, Cont<strong>os</strong> Bárbar<strong>os</strong>, Cont<strong>os</strong> Durienses, Terra Ingrata, ed. de João Bigotte<br />

CHORÃO, Lisboa, Imprensa Nacio<strong>na</strong>l-Casa da Moeda, 2007, p. 17.<br />

41 Ibidem, p. 18.<br />

42 João de Araújo CORREIA, «A velha das panelas», in Cont<strong>os</strong> Bárbar<strong>os</strong>, ed. Estampa, Lisboa,<br />

Arcádia, 1960, pp. 11- 16.<br />

43 Norberto Moura e CASTRO, Anj<strong>os</strong> Rústic<strong>os</strong>, Porto, Liv. Progredior, 1947.<br />

44 Abílio Adriano Camp<strong>os</strong> MONTEIRO, Ares da minha Serra. Novelas Transmonta<strong>na</strong>s, Porto,<br />

Livr. Figueirinhas, 1956, 2.ª ed.<br />

45 Sousa COSTA, «A benta da Devesa», in ABC, Lisboa, 23 (Dez.), 1920, pp. 6-7.<br />

46 ID., «A benta do Adro», in ABC, Lisboa, 13 (Out.), 1920, pp. 6-7.<br />

47 Cf. A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta LOPES, op. cit., vol. 1, p. 103.<br />

48 Cf. Sousa COSTA, «A benta da Devesa», in A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta LOPES, op. cit., vol. 2., p. 371.<br />

49 Trindade COELHO, Os meus Amores. Cont<strong>os</strong> e Baladas, Lisboa, Livraria de António Maria<br />

Pereira, 1891, 1.ª ed.; ID., In Illo Tempore, 1902; ID., Manual Político do Cidadão Português,<br />

Porto, Ed. Alberto de Oliveira, Empresa Literária e Tipográfica, 1908, 2.ª ed.; ID., A Minha<br />

«Candidatura» por Mogadouro (C<strong>os</strong>tumes polític<strong>os</strong> em Portugal), A<strong>na</strong>dia, Ed. da Câmara<br />

Municipal de Mogadouro, s.d. [1987].<br />

50 Traduções do século XIX: Mis amores (Cuent<strong>os</strong> y baladas), traducción del português<br />

por Rafael Altamira, ilustraciones de Luís Sampedro, Barcelo<strong>na</strong>, Juan Gil Librero,<br />

MDCCCXCIX (Com uma advertência prelimi<strong>na</strong>r do tradutor); Mes amours. Contes et bal-<br />

213<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


214<br />

lades, traduction du portugais par Albert Savine (com prefácio do tradutor). E algumas traduções<br />

para alemão a cargo de Caroli<strong>na</strong> Michaelis, Luisa Ey e Maria Abeking.<br />

51 Trindade COELHO, «Crónica A», in suo A minha «Candidatura» por Mogadouro (C<strong>os</strong>tumes<br />

Polític<strong>os</strong> em Portugal), pp. 103-107.<br />

52 ID., «À lareira», in A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta LOPES, op. cit., pp. 244-267.<br />

53 Os motiv<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> quais ele escreveu este texto popular estão bem explicad<strong>os</strong> em A minha<br />

«Candidatura» por Mogadouro (C<strong>os</strong>tumes Polític<strong>os</strong> em Portugal), pp. 31-41; 111-117.<br />

54 Da opinião de Braga, Ibidem, p. 117.<br />

55 ID., «Idílio rústico», in A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta LOPES, op. cit., pp. 237-243.<br />

56 Rogério FERNANDES, Ensaio sobre a Obra de Trindade Coelho, Lisboa, Portugália Editores,<br />

1961.<br />

57 Trindade COELHO, A Minha «Candidatura» por Mogadouro (C<strong>os</strong>tumes Polític<strong>os</strong> em Portugal).<br />

58 Cf. Trindade COELHO, in Júlio Alberto LOPES, Trindade Coelho, Testemunho Literário da<br />

Rea lidade Transmonta<strong>na</strong> no Século XIX (Dissertação apresentada para licenciatura em<br />

Filologia Românica), Lisboa, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 1965, p. 52.<br />

59 Aquilino RIBEIRO, «Serei ape<strong>na</strong>s escritor regio<strong>na</strong>lista», in ed. Manuel MENDES, Aquilino<br />

Ribeiro, A Obra e o Homem, Lisboa, Arcádia, 1977, pp. 85-86, 2.ª ed.<br />

60 Ibidem.<br />

61 Ibidem, p. 87.<br />

62 ID., «A Carl<strong>os</strong> Malheiro Dias», in suo Terras do Demo, Lisboa, Bertrand, 1963, p. 12.<br />

63 Ibidem, p. 9.<br />

64 ID., Aldeia, Terra, Gente e Bich<strong>os</strong>, Lisboa, Bertrand, 1978, p. 29.<br />

65 Ibidem.<br />

66 Ibidem, p. 123.<br />

67 Ibidem, p. 19.<br />

68 ID., Terras do Demo, Amadora, Livraria Bertrand, 1974, p. 11 (Obras completas de Aqui -<br />

lino Ribeiro).<br />

69 Abel BOTELHO, Mulheres da Beira, Cont<strong>os</strong>, Lisboa, Libanio & Cunha Ed., 1898.<br />

70 Abel ACÁCIO (pseudónimo de Abel BOTELHO), «Uma corrida de toir<strong>os</strong> no Sabugal», in<br />

A Illustração, 2, 20 (Out.), 1885, pp. 311, 314-315.<br />

71 ID., «Os miradour<strong>os</strong>», in A Illustração Portugueza, Lisboa, 2.ª série, 4, 96 (Dez.), 1907,<br />

pp. 825-832.<br />

72 ID., «A ponte do Cunhado», in Mulheres da Beira, Cont<strong>os</strong>, p. 49.<br />

73 Nuno de MONTEMOR, Maria Mim, Sabugal, Câmara Municipal do Sabugal, 2003, pp. 41-42.<br />

74 Cf. Ibidem, pp. 97-98.<br />

75 «Notas», in Ibidem, p. 322.<br />

76 Hipólito RAPOSO, «Opiniões sobre este livro», in Nuno de MONTEMOR, Maria Mim, op. cit.,<br />

p. 347.


77 Virgílio GODINHO, Calcanhar do Mundo. Romance de C<strong>os</strong>tumes, Porto, Imprensa Por t u -<br />

guesa, 1941.<br />

78 Cont<strong>os</strong> (1881), A Cidade do Vício (1882); Os Gat<strong>os</strong> (1889/1894), Pasqui<strong>na</strong>das (1890), Vida<br />

Irónica (1892), O País das Uvas (1893), À Esqui<strong>na</strong> (1903), Barbear, Pentear (1910), Saibam<br />

Quant<strong>os</strong> (1912), Lisboa Galante (1920), Estâncias de Arte e Saudade (1921), Ave Migradora<br />

(1922), Figuras de Destaque (1923), Actores e Autores (1925), Vida Errante (1925).<br />

79 Escreveu para a imprensa periódica e deixou obra feita, da qual registam<strong>os</strong> <strong>os</strong> Cont<strong>os</strong>, A<br />

Cidade do Vício, O País das Uvas. Se muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> <strong>seus</strong> text<strong>os</strong> estão localizad<strong>os</strong> em Lisboa,<br />

outr<strong>os</strong> situam-se no Alentejo. Têm como pano de fundo a paisagem da sua província, as suas<br />

gentes, trabalhadores e trabalh<strong>os</strong> agrícolas, <strong>os</strong> <strong>seus</strong> animais, e são fruto da sua vivência in -<br />

tensa <strong>na</strong>quelas terras que como jovem ou, depois, mais tarde, já como adulto. Certas obras,<br />

como a Ave Migradora…, surgiram depois de 1922 (p<strong>os</strong>t-mortem).<br />

80 Fialho de ALMEIDA, «Escritores dramátic<strong>os</strong> e seu público», in À Esqui<strong>na</strong>. Jor<strong>na</strong>l d'um vagabundo,<br />

3.ª ed., Lisboa, Liv. Clássica de A. M. Teixeira, 1919, p. 24.<br />

81 ID., «Ao sol», in O País das Uvas, Lisboa, Círculo de Leitores, 1981, p. 16 (Clássic<strong>os</strong> da Lín -<br />

gua Portuguesa).<br />

82 Cf. ID., «Sempre amig<strong>os</strong>», in Os Dois Mund<strong>os</strong>, Paris-Lisboa, 3, 30 (Out.), 1880, pp. 86-87,<br />

90-91; 3, 31 (Nov.), 1880, pp. 99, 102-103.<br />

83 ID., «Ao sol», in O País das Uvas, pp. 21-22.<br />

84 Cf. Ibidem, p. 14.<br />

85 Cf. ID., «Ao sol», in A Illustração, Paris-Lisboa-Rio de Janeiro, 18 (Set.), 1887, pp. 282-283, 286.<br />

86 Cf. ID., «Ao sol», in O País das Uvas, Lisboa, Círculo de Leitores, 1981, pp. 16-17.<br />

87 Cf. ID., «Os pobres», in O País das Uvas, op. cit., p. 35.<br />

88 Ibidem, p. 36.<br />

89 Ibidem, pp. 36-37.<br />

90 Cf. Ibidem, p. 37.<br />

91 Cf. Ibidem.<br />

92 Cf. ID., «As vindimas», in O País das Uvas, p. 27.<br />

93 Cf. ID., «N<strong>os</strong>so compadre diabo», in O Occidente, Lisboa, 7, 199 (Jul.), 1884, p. 147; 7, 200<br />

(Jul.), 1884, p. 159; 7, 201 (Jul.), 1884, pp. 166-168; 7, 202 (Ago.), 1884, p. 171.<br />

94 Cf. Ibidem.<br />

95 Cf. Ibidem. Do mesmo modo, Eugénio Vieira, no conto «Escoleiro e guardilha», passado per -<br />

to de Serpa, escolhe perso<strong>na</strong>gens desta etnia, dando uma visão muito p<strong>os</strong>itiva, contrária àquela<br />

que era veiculada acerca deles e m<strong>os</strong>trando simultaneamente a beleza da paisagem (Cf. Eugénio<br />

VIEIRA, «Escoleiro e guardilha», in Atlantida, Lisboa, 8, 32 [Mai-Jun.], 1918, pp. 779-862).<br />

96 Cf. Fialho de ALMEIDA, «Idílio triste», 1886; Augusto de LACERDA, «O medo do Monte<br />

Ruivo», in Diario de Noticias Illustrado, número de Natal, (Dez.) 1907, Lisboa, Ed. do Diario<br />

de Noticias, s.p.; Garcia PULIDO, «O maltês», in A Rajada, Coimbra, 4 (Jun.), 1912, pp. 17-<br />

-22. Antu nes da SILVA, no seu conto «O maltês», descreve a vida nómada destes homens, sem<br />

<strong>na</strong>da que <strong>os</strong> prenda, evitando transmitir ape<strong>na</strong>s <strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> negativ<strong>os</strong> destas vidas tão áridas.<br />

215<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

216<br />

97 Artur TELES trata desta temática no seu conto «O contrabandista», in Correio Elvense,<br />

Elvas, 697 (Jan.), 1896, s.p.; 698 (Jan.), 1896, s.p.<br />

98 Fialho de ALMEIDA, «A ideia da comadre Mónica», in A Re<strong>na</strong>scença, Porto, s. capas, s.<br />

num. 1878 [ou 1879?], pp. 99-102.<br />

99 Castelo Branco CHAVES, Fialho de Almeida. Notas sobre a sua individualidade literária,<br />

Coimbra, Lumen, 1923.<br />

100 Ibidem, p. 51.<br />

101 Artur TELES, «Durante a apanha da azeito<strong>na</strong>», in Correio Elvense, Elvas, 757 (Fev.) 1897, s.p.<br />

102 Algumas obras do autor: Uma Eleição Perdida, Viagens de Pêro da Covilhã, Garcia da Orta<br />

e o seu Tempo, Flora d<strong>os</strong> L usíadas, Memória sobre a Malagueta, Plantas Úteis da África<br />

Portuguesa, e a edição de Co ló qui<strong>os</strong> d<strong>os</strong> Simples e Drogas da Índia de Garcia da Orta.<br />

103 Conde DE FICALHO, «A maluca de A-d<strong>os</strong>-Corv<strong>os</strong>», in A Illustração, Paris, Lisboa, Rio de<br />

Janeiro, 4, 3 (Fev.), 1885, pp. 7-39.<br />

104 ID., «Sua Excelência o moleiro», in A Illustração, Paris, Lisboa, Rio de Janeiro, 1, 14<br />

(Nov.), 1884, pp. 119, 222-223.<br />

105 Cf. Brito CAMACHO, Memórias e Narrativas Alenteja<strong>na</strong>s, ed. Óscar Lopes, Lisboa, Gui -<br />

marães Ed., 1988, p. 9.<br />

106 ID., «A comadre Antónia», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, Lisboa, Liv. Editora Guimarães, 1925,<br />

p. 67.<br />

107 ID., «O tio R<strong>os</strong>a», in Gente Rústica, Lisboa, Guimarães Ed., 2.ª ed., p. 137.<br />

108 Cf. ID., Memórias e Narrativas Alenteja<strong>na</strong>s, ...op. cit., p. 13.<br />

109 ID., «Prefácio», in Gente Vária, Lisboa, Guimarães Ed., s.d. pp. 5-6 (itálico do autor).<br />

110 ID., «A comadre Antónia», Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, ...op. cit., p. 7.<br />

111 Ibidem, p. 10.<br />

112 Ibidem, pp. 12-13.<br />

113 Ibidem, p. 9.<br />

114 ID., «A t<strong>os</strong>quia», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, ...op. cit., pp. 105-126.<br />

115 Cf. Ibidem, pp. 123-124.<br />

116 ID., «A comadre Antónia», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, ...op. cit., p. 77.<br />

117 Cf. Ibidem, p. 78.<br />

118 ID., Ibidem.<br />

119 Ibidem, p. 64.<br />

120 Ibidem, p. 44.<br />

121 Ibidem, p. 45.<br />

122 Cf. Ibidem, pp. 47-48.<br />

123 Cf. Ibidem, p. 49.<br />

124 ID., «O tio Zé Côxo», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, ...op. cit., p. 149.<br />

125 Ibidem, p. 151.


126 ID., «O Figueiras», in Gente Rústica, Lisboa, Guimarães Ed., 2.ª ed., pp. 7-26.<br />

127 Ibidem, p. 7.<br />

128 ID., «O tio R<strong>os</strong>a», in Gente Rústica, ...op. cit., pp. 120-121.<br />

129 Ibidem, p. 131.<br />

130 Ibidem, p. 132.<br />

131 Ibidem, pp. 132-133.<br />

132 Ibidem, p. 133.<br />

133 Ibidem, p. 133.<br />

134 Ibidem, pp. 135-136.<br />

135 Ibidem, pp. 136-137.<br />

136 ID., «A comadre Antónia», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, ...op. cit., p. 31.<br />

137 Cf. ID., «O tio Zé Coxo», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, ...op. cit., pp. 155-159.<br />

138 Cf. ID., «A matança», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, pp. 177-180.<br />

139 ID., «A comadre Narcisa», in Gente Rústica, Lisboa, Guimarães Ed., 2.ª ed., pp. 151-165.<br />

140 Cf. Ibidem, p. 153.<br />

141 Cf. Ibidem, pp. 155-156.<br />

142 Cf. Ibidem, p. 157.<br />

143 Cf. Ibidem, p. 158.<br />

144 Cf. Ibidem, pp. 159-162.<br />

145 Cf. ID., «As Janeiras», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, ...op. cit., p. 127.<br />

146 Ibidem, p. 127.<br />

147 Ibidem, p. 140.<br />

148 Cf. Ibidem, pp. 144-145.<br />

149 Cf. Ibidem, pp. 128-129.<br />

150 ID., «A comadre Antónia», in Quadr<strong>os</strong> Alentejan<strong>os</strong>, ...op. cit., p. 5.<br />

151 Alves REDOL, «Epígrafe», in suo Gaibéus, Mem Martins, Europa-América, 1971, p. 8.<br />

152 Ibidem, p. 7.<br />

153 ID., «Breve memória para <strong>os</strong> que têm men<strong>os</strong> de quarenta an<strong>os</strong> ou para quant<strong>os</strong> já esqueceram<br />

o que aconteceu em 1939», in op. cit., p. 11.<br />

154 Ibidem, p. 13.<br />

155 Miguel TORGA, «O Algarve», in Portugal, Coimbra, ed. do autor, 1986, 5.ª ed. revista,<br />

p. 131.<br />

156 Ibidem.<br />

157 Ibidem, p. 134.<br />

158 Ibidem, p. 132.<br />

159 Ibidem, p. 135.<br />

217<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

218<br />

160 David Mourão FERREIRA, «Algarve», in ed. Jacinto do Prado COELHO, Dicionário de Lite -<br />

ratura, 1, Porto, Figueirinhas, 1984, 3.ª ed., p. 37.<br />

161 Ibidem.<br />

162 Doming<strong>os</strong> MONTEIRO, «Prefácio», in Luís António d<strong>os</strong> SANTOS, Barlavento. Histórias do<br />

Al garve, Lisboa, Sociedade de Expansão Cultural, s.d., p. 14.<br />

163 Urbano Tavares RODRIGUES, «Prefácio», in O Algarve <strong>na</strong> Obra de Teixeira Gomes, Por tu -<br />

gália Ed., 1962, pp. IX-XI.<br />

164 Julião QUINTINHA, Vizinh<strong>os</strong> do Mar, Lisboa, Ed. Portugal Ultramar Lda., 1929, 3.ª ed.<br />

165 Cf. ID., «A cega de Almancil», in A Novela, Lisboa, 5 (Nov.), 1923, pp. 8-11.<br />

166 ID., «A cega de Almancil», in A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta LOPES, op. cit., 2, p. 419.<br />

167 Ibidem.<br />

168 Luís António d<strong>os</strong> SANTOS, Barlavento. Histórias do Algarve, Lisboa, Sociedade de Ex -<br />

pansão Cultural, s.d.<br />

169 Cf. «J<strong>os</strong>é Gramacho», in Luís António d<strong>os</strong> SANTOS, Barlavento, Histórias do Algarve,<br />

op. cit., p. 123.<br />

170 Miguel TORGA, «Panorama da Literatura Portuguesa. Conferência realizada <strong>na</strong> Faculdade<br />

de Fil<strong>os</strong>ofia do Rio-de-Janeiro, em 17 de Ag<strong>os</strong>to de 1954», in Traço de União. Temas Por -<br />

tugueses e Brasileir<strong>os</strong>, Coimbra, 1955, p. 69.<br />

171 ID., «Um reino maravilh<strong>os</strong>o», in Portugal, Coimbra, Coimbra Ed., 1957, p. 27.<br />

172 Ibidem, p. 29<br />

173 Ibidem, p. 36.<br />

174 Ibidem, p. 37.<br />

175 Ibidem, p. 38.<br />

176 Ibidem, pp. 40-41.<br />

177 Ibidem, Coimbra, Coimbra Ed., 1986, 3.ª ed., p. 32.<br />

178 Cf. Ibidem, p. 35.<br />

179 Ibidem, p. 39.<br />

180 ID., «Minho», in Portugal, Coimbra, Coimbra Ed., 1957, p. 12.<br />

181 Ibidem, p. 17.<br />

182 Cf. Ibidem, p. 15.<br />

183 Ibidem, Coimbra, Coimbra Ed., 1986, 3.ª ed., p. 16.<br />

184 Ibidem, p. 19.<br />

185 Cf. Ibidem.<br />

186 ID., «Doiro», in Portugal, Coimbra, Coimbra Ed., 1957, p. 46.<br />

187 Ibidem, p. 47.<br />

188 ID., «A Beira», in op. cit., pp. 75-76.<br />

189 Cf., Ibidem, p. 76.<br />

190 ID., «O Litoral», in op. cit., Coimbra, Coimbra Ed., 1986, 3.ª ed., p. 91.


191 Ibidem, p. 92.<br />

192 ID., «O Alentejo», in op. cit., Coimbra, Coimbra Ed., 1986, 3.ª ed., p. 119.<br />

193 Ibidem, p. 120.<br />

194 Ibidem, p. 121.<br />

195 Ibidem, p. 123.<br />

196 Ibidem.<br />

197 ID., «L’Universel, c’est le local moins les murs» (Conferência n<strong>os</strong> Centr<strong>os</strong> Transmontan<strong>os</strong><br />

de São Paulo e Rio de Janeiro, 1954), in Trait d’union, traduzido por Claire Cayron, Aubier,<br />

1985, pp. 526-537.<br />

198 Fer<strong>na</strong>ndo CRISTÓVÃO, «Porquê este Simpósio sobre regio<strong>na</strong>lismo e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo?», in<br />

II SIMPÓSIO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE LITERATURA (Lisboa, 1994), Nacio<strong>na</strong>lismo e Re gio <strong>na</strong> -<br />

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(Jan.-Jun.), 1926, pp. 54-63; 36, 3 (Jul.-Set.), 1926, pp. 120-124; 38, 1-2 (Jan.-Jun.),<br />

1928, pp. 81-84; 40, 1-2 (Jan.-Jun.), 1930, pp. 26-32 (O artigo está incompleto).<br />

219<br />

A<strong>na</strong> Maria C<strong>os</strong>ta Lopes


<strong>IV</strong> DIFERENÇAS REGIONAIS E OS SEUS REFLEXOS NA LITERATURA<br />

220<br />

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