SANSÃO FRACASSO ou SUCESSO - Ponderabilis

Personagens da Bíblia
SANSÃO
FRACASSO ou SUCESSO
Juízes capítulos 13 a 16
Conheci muitos Sansões. Tive até um colega de serviço que tinha
esse nome. Mas, os muitos Sansões a que refiro são as diferentes
visões que fui ganhando desse personagem da Bíblia ao longo do
tempo. Foi um processo de descoberta progressiva a respeito
dele. Revejo as interpretações desse caráter da história de Israel.
Sansão, o herói infantil: Eu tenho a força
As crianças amam Sansão. Sua história é recontada sem parar,
sempre com audiência atenta. Quem é que não quer ser como
ele? Sem medo do leão; pronto para encarar 30 sujeitos de uma
vez; capaz de capturar 300 raposas e amarrá-las duas a duas pelo
rabo.
Sim, tinha o cabelo longo que guardava o seu segredo.
Claro, tudo isso porque quem lhe deu a força foi Deus.
Esse foi o primeiro Sansão que conheci e admirei.
Mas, a gente cresce.
Sansão, o anti-herói juvenil: Não desperdice sua força com as
mulheres
A gente cresce, e no vigor da juventude somos alertados a não
fracassar como Sansão: não desperdiçar com mulheres o
potencial da nossa vida, o que recebemos de dom. Se não
atentarmos para a lição de Sansão perigamos terminar como ele.
Ele foi derrotado pelos inimigos; foi feito prisioneiro; foi humilhado;
foi cegado. Que tragédia. Que pena. Que inutilidade de vida.
Tudo decorrência da incapacidade de controlar a sensualidade e
de se entregar intempestivamente a uma mulher e seus caprichos.
Sansão só não foi o herói que devia ser – que foi habilitado para
ser - por causa dessa Dalila.
Sequer percebeu que dormia com o inimigo – inimiga no caso.
Parece uma reedição da velha desculpa de Adão.
Mas, será que esse entendimento de Sansão convence de todo?
Sansão, o ainda-será-que-é-herói? maduro: Um homem do seu
tempo
Continuo voltando à sua narrativa, tentando compreender. Fico
intrigado, incomodado. Porque é que Sansão está na “Galeria dos
Heróis da Fé” de Hebreus 11? É um herói ou é um fracassado?
Quem é que não está com a verdade?
Procuro entender mais. Junto evidencias na tentativa de alcançar
um veredicto. Eis os fatos:
O sincretismo religioso de Israel em Canaã
Com a ajuda de antropólogos bíblicos conseguimos entender o
que aconteceu com os hebreus ao se instalarem em Canaã. Às
fulgurantes vitórias iniciais do tempo de Josué se sucederam as
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dificuldades de se adaptar e sobreviver em um ambiente novo,
em meio a nativos que não foram de todo vencidos. No Egito, os
hebreus eram basicamente urbanos: peões de obra para o Faraó.
Nos quarenta anos de deserto, no máximo foram pastores
nômades. Em Canaã precisaram fixar moradia e se tornar
agricultores. As técnicas que dominavam perderam seu valor. O
jogo era diferente.
Podemos visualizar a família hebreia tentando sobreviver na nova
situação. Na propriedade ao lado, os cananeus se regalam com o
que obtinham, pois dominavam a técnica. Os judeus pedem
ajuda aos vizinhos. Os vizinhos vêm os pobres e inofensivos
coitados em dificuldade e se dispõem a ensinar: O segredo é Baal.
Baal é o senhor da fertilidade. Tem que ofertar para ele. Tem que
invoca-lo para proteger a colheita. E assim, convivendo
pacificamente com os vizinhos estabelecidos e bem sucedidos,
aceitando seus conselhos, Israel vai misturando a adoração a
Jeová com a idolatria a Baal.
Com os filisteus, poderosos e tecnicamente avançados, a história
deve ter sido a mesma.
A convivência pacífica
Não deve haver dúvida que hebreus e filisteus conviviam bem no
mesmo espaço geográfico. As evidencias no relato de Sansão são
claras. Ele tem amigos filisteus. Namora e casa com elas como
evento natural. Circula pelas cidades deles livremente.
Havia a subjugação isso é claro. Havia o cuidado dos líderes
judeus em não irritar os filisteus, sem duvida. Eles eram superiores e
dominavam. Mas, seria uma dominação econômica e cultural. Os
hebreus, na sua inferioridade não intimidavam os filisteus, e cada
qual compreendia seu papel, sem muitas reclamações.
Ambas as etnias não eram inimigas. Claro indício é quando
Sansão morre: a sua família vai pacificamente buscar o seu corpo
e sepultá-lo nas suas terras. Gerações depois, quando Israel e
Filisteia estão em guerra e Saul se mata, vemos bem o que é ser
inimigo: para evitar que o corpo de seu rei continuasse a ser troféu
de guerra, israelitas corajosos têm que se organizar e resgatar o
cadáver de Saul em operação militar.
O papel de Sansão
Sansão, então é anunciado aos seus pais como um menino com
uma missão de vida. Qual a missão? Iniciar a libertação de Israel
das mãos dos filisteus. Note bem: ele não veio para ser o
libertador. Ele veio para começar a conscientizar os hebreus de
que eles tinham um inimigo, que eram os filisteus. Ele veio para
começar a fazer a diferenciação entre “nós” e “eles”. Sansão veio
para acabar com a aparente paz de hebreus e filisteus, com
aqueles aceitando sem resistência o domínio destes. Sansão veio
para cutucar, infligir, fustigar, atazanar. Veio para mostrar aos
hebreus que sim, que eles podiam – e tinham de – se livrar do jugo
dos filisteus. Veio para deixar claro aos filisteus que os hebreus não
eram esses pobres coitados, pois possuíam garra e espirito de luta.
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Veio para começar a dizer que não havia como os dois povos
conviverem juntos.
Mais uma evidência. Sansão foi um lutador solitário. Seu exército
era o eu & só. Não teve comandados. Não teve um sequer com
quem compartilhar as brigas. Foi o samurai solitário do seu tempo.
Não era ainda o tempo de hebreus contra filisteus. Era só tempo
de Sansão contra os filisteus.
É com esse pano de fundo que devemos avaliar Sansão: Um
homem do seu tempo para o desafio do seu tempo.
Concluir que ele foi herói? Sinceramente, por mim não sei.
A época de Juízes foi uma época de heróis. Será que Sansão
deve ser incluído entre eles?
Sansão foi um fracassado? Ai a resposta é fácil. Não. Sansão não
foi um fracassado. Cumpriu a sua missão de vida. Seguimos o
relato bíblico e vemos logo mais em Samuel hebreus e filisteus em
guerra permanente até que estes são vencidos, já com Davi. Mas,
para chegar ao estágio de guerra era preciso se conscientizar que
havia um inimigo.
Sansão para hoje: ainda um modelo?
E então chegamos a nós. Será que há algo a considerar após
todo o arrazoado? Talvez sim.
Há algo de pós-moderno no tempo de Juízes. Há muito da época
de Juízes no nosso pós-moderno. A avaliação daquele período cai
como luva para os nossos dias: “cada um fazia o que lhe parecia
certo”. Nada mais pós-moderno que esse padrão de conduta
moral.
Será que como no tempo de Sansão, este não é um tempo em
que é necessário diferenciar “nós” e “eles” de um modo mais
contundente? Não será que nesses tempos de aceitação da
diversidade, de prevalência do politicamente correto, não
estamos, como cristãos, deixando por demais que as ideologias
dos vizinhos à volta nos sejam impostos, até porque somos por
índole, pacíficos, boa gente inofensiva?
Não estamos passivamente se submetendo à valores espirituais,
visões de mundo e princípios de conduta que são claramente
anti-bíblicos?
Não está faltando um Sansão para perturbar, irritar, conturbar e
não deixar as coisas em serena paz?
Não é necessário relembrar de que não se pode servir a dois
senhores? Não é hora de mais uma vez ouvir Tiago?:
Adúlteros, vocês não sabem que a amizade com o mundo é
inimizade com Deus? Quem quer ser amigo do mundo faz-se
inimigo de Deus. Ou vocês acham que é sem razão que a Escritura
diz que o Espírito que ele fez habitar em nós tem fortes ciúmes?
(Tg 4.4-5)
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