Andrea Beltrão em JACINTA - Judicial Care

A outra coisa que fica explicada é porque não tinha mulher
na sua companhia. Como se sabe, todos os papéis femininos
eram representados por homens, mesmo Julieta. Ora, depois
de ver a pior atriz do mundo, shakespeare pegou um abuso
(como dizem os nordestinos) por mulher, pelo menos por
atrizes, que fez uma companhia de teatro só com homens.
E, finalmente, explica-se porque ele criou uma cena na sua
peça mais famosa, Hamlet, para dar uma aula de interpretação
aos atores. Shakespeare queria, enfim, exorcizar a lembrança
da pior atriz do mundo.
Dá para perceber por trás daqueles célebres conselhos a figura
da pior atriz do mundo, no meio de uma cena, atazanando
a lembrança do bardo.
Senão porque hamlet diria:
“se for para declamar…
– e aí ele pensava: como aquela atriz de Portugal –
…eu prefiro chamar o
pregoeiro da cidade para
dizer meus versos”.
Depois:
“Não é para serrar o ar demais com as mãos
assim”
– e na cabeça do pobre shakespeare quem ele via
agitando as mãos?
Não é difícil adivinhar.
Mais adiante:
“ah, me fere a alma ver
um sujeito agitado,
de peruca, rasgando uma
paixão em farrapos”
– e ele diz sujeito, em vez de atriz,
pois pegou tanto abuso, que nem pode
pronunciar a palavra.
E continua:
“rachando os ouvidos de quem
fica perto do palco”
– quem? Ela, claro, cuja voz não saía dos
seus ouvidos.
O que também está claro é que esses conselhos
nunca chegaram aos ouvidos da
pior atriz do mundo. Se ela tivesse ficado
em Portugal não estaria longe do Globe
Theatre e quem sabe um dia tomasse conhecimento
deles. Mas como foi deportada
para os cafundós do Brasil, a pior atriz
do mundo nunca ouviu as sábias lições
de william shakespeare e atazanou
a vida já difícil dos índios, jesuítas, portugueses
e de todos aqueles deserdados.
A pior atriz do mundo.
A história guardou seu nome:
jacinta.
Newton Moreno, o autor, pesquisou
relatos de cronistas da época e teve
que se virar para completar muitos
episódios. Como todos perdiam o juízo
quando viam jacinta, os relatos são
confusos, caóticos.
Só uma atriz brilhante poderia
representar jacinta:
A vida sofrida de uma mulher, suas
aventuras em dois continentes, ameaças
de prisão e de morte, seus sonhos, suas
frustrações; e ao mesmo tempo, a obra
descabelada, esganiçada, esbugalhada de
uma – por que não? – inesquecível artista
(nem shakespeare esqueceu dela).
Ainda shakespeare, depois dos
conselhos aos atores, dizendo o que é o
teatro:
“O teatro, cujo fim, desde o
princípio, e até agora, era e é,
colocar um espelho diante
da natureza”.
De um lado do espelho,
a pior atriz do mundo, jacinta.
Do outro lado do espelho,
uma atriz brilhante:
andréa
beltrão.