Escrita travesti - Cebela
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Literatura<br />
<strong>Escrita</strong> <strong>travesti</strong> *<br />
Ana Cristina Chiara **<br />
Comunicação&política, v.24, nº3, p.215-223<br />
Literatura<br />
<strong>Escrita</strong> <strong>travesti</strong><br />
** Doutora em letras pela PUC-Rio, professora do Departamento de Letras da UERJ,<br />
autora de Ensaios de possessão (irrespiráveis), Ed. Caetés.<br />
Para Silviano Santiago<br />
“Só tenho inveja da longevidade/<br />
e dos orgasmos múltiplos/<br />
e dos orgasmos múltiplos”<br />
(“Homem”, de Caetano Veloso, Cê)<br />
Este que agora leio, esta escrita <strong>travesti</strong>, poder-se-ia chamar<br />
também um fiapo de idéia, ou ‘nada a declarar sobre minha<br />
roupa debaixo’ ou ‘uma tentativa de se ver no outro/outra,<br />
ver-se como outro’, “esses Outros que inventamos, os Outros nos<br />
inventam [...] e por sorte somos Outros” 1 , como diz o Mario<br />
Benedetti. Ou poderia ainda, como dedicatória, ser intitulado ‘Sou<br />
do tempo de Ao mestre com carinho, pois é para ele que escrevo, a ele<br />
* Trabalho apresentado no seminário Crítica e Valor – Homenagem a Silviano Santiago, realizado na<br />
Fundação Casa de Rui Barbosa (com o apoio de UFF, Capes e CNPq), no Rio de Janeiro, nos dias<br />
2 a 6 de outubro do ano corrente.<br />
1 BENEDETTI, Mario. Poemas de otros. Buenos Aires: Ed. España. 2000.p.106.<br />
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que retorno, ao texto dele “Cadê Zazá ou a vida como obra de arte”.<br />
Texto que li no jornal, e veio de novo em O cosmopolitismo do pobre, e<br />
começa com uma anedota mas avisa logo ao que irá; ou seja, a proposta<br />
é a discussão “sobre a hermenêutica do sujeito, pósmodernidade<br />
e estética” (SANTIAGO: 205). Eu, por uma perversão<br />
de leitura contumaz, interesso-me violentamente pela anedota que<br />
acho atraente. Silviano Santiago reporta-se a uma confissão de Luiz<br />
Carlos Maciel no livro As quatro estações:<br />
“1972. Estou na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, na frente do<br />
píer. Não estou de calção. Visto uma calcinha Zazá, de Célia. É<br />
uma atitude unissex que resolvi adotar para deixar clara, de uma<br />
maneira suficientemente inocente, minha adesão à revolução do comportamento<br />
de que tanto se fala. Lembro-me da primeira vez que<br />
vesti uma calcinha de mulher: tive uma ereção imediatamente. [...]<br />
Não me senti como uma mulher vestindo uma calcinha; senti como<br />
se fosse a carne feminina, e não um pedaço de pano, que roçava em<br />
meu sexo. [...] Eu e outros freqüentadores do pedaço gostamos de<br />
achar que [o píer] é um território livre dentro do Brasil ditatorial. A<br />
falta de liberdade política é substituída por outras liberdades – a<br />
sexual, a de tomar drogas, a de pensar a loucura que se quiser...”<br />
A anedota me atrai por juntar pele, intimidade, tesão e a possibilidade<br />
de ser outro sem deixar de ser o mesmo. Eis o fiapo de<br />
idéia. Silviano o desenvolverá com pulso firme num aprofundamento<br />
constante ao longo da palestra que deu no CCBB [Centro<br />
Cultural Banco do Brasil], origem do texto. As tópicas desenvolvidas<br />
por ele são belas e estimulantes: filosofia da manhã sexualizada,<br />
alegre e irônica (206), a potencialização do gozo (209) e o querer<br />
artista (211). Eu me fixo numa pontuação mínima desta sugestão.<br />
O fato de que um <strong>travesti</strong>mento ficou na ordem do inacabado. Ao<br />
experimentar a calcinha, Luiz Carlos, ao invés de ‘esconder a neca<br />
na fenda’, como dizem os <strong>travesti</strong>s, tem uma ereção, potencializa<br />
assim não o ‘unissex’, como disse, mas o ‘bissex’. Então agarro este<br />
fiapinho para pensar num <strong>travesti</strong>mento homólogo a este, o<br />
<strong>travesti</strong>mento na escrita, o que chamo ‘escrita <strong>travesti</strong>’ da mulher
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<strong>Escrita</strong> <strong>travesti</strong><br />
que escreve e passa por vários outros revirões de gênero: despe<br />
calcinhas, veste cuecas e sobre as cuecas outras calcinhas, ostrascalcinhas,<br />
conchas bivalves, onde esconde o quê? Uma pérola falsa,<br />
bolha de plástico ou não esconde nada....não tem nada dentro.<br />
Gesto do mágico ao espalmar a mão vazia. Jogos de fort/da, estilos<br />
conquistados em auto-montagem.<br />
Penso em alguns estudos de caso: kodaquianas de <strong>travesti</strong>smos<br />
literários. Começo pelo capítulo IV do romance Orlando, quando o<br />
protagonista desperta mulher. O romance, como sabemos, é falado<br />
por uma voz colada ao íntimo de Orlando... Temos quase as<br />
digressões do monólogo interior de outros livros de Virgínia Woolf,<br />
mas não a primeira pessoa. Por que Woolf (o biógrafo?) precisou<br />
deste pequeno intervalo entre sua voz/ a voz de Orlando?... Talvez<br />
precisasse ficar ‘fora de si’, de uma possível intimidade para poder<br />
virar um ‘significante flutuante’ entre a masculinidade de Orlandivo<br />
e a feminilidade de Orlan-diva. Orlando aprende a ser mulher<br />
ensaiando, imitando, no sentido da pantomima e, acrescento,<br />
do <strong>travesti</strong>smo. A aprendizagem de Orlando educa de novo o olhar<br />
do leitor, pois resvala de um modo alegrete pelo grotesco de certos<br />
preconceitos: ser mulher é igual a estar morta! E ela/ele nem liga,<br />
pois assim se safa da ação jurídica que a faria perder a casa. Lição de<br />
coisas: ser excluída pode não ser a ‘subalternidade’ dos estudos<br />
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culturais, a mulher vitimizada, masô e vingativa, pois a contraface<br />
da morte civil é a liberdade.<br />
Chegamos ao tema do <strong>travesti</strong>smo: Orlando nos conduz às modernas<br />
teorias do mundo da moda ou ao clichê ‘o hábito faz o monge’?<br />
Não tão simples assim, mas acena para uma possível<br />
conformidade do eu ao exterior, à roupa:<br />
“O homem tem a mão livre para agarrar a espada; a mulher deve<br />
usá-la para impedir que as sedas escorreguem de seus ombros. O<br />
homem encara o mundo de frente como se ele fosse feito para seu<br />
uso e de acordo com seu gosto. A mulher lança-lhe um olhar de<br />
esguelha, cheio de sutileza, e até de desconfiança. Se usassem as<br />
mesmas roupas, é possível que sua maneira de olhar tivesse vindo a<br />
ser a mesma” (WOOLF, Orlando: 111).<br />
A verdade é que a troca de roupas abre o jogo do como se. O<br />
capítulo IV introduz o tema do desejo <strong>travesti</strong>. O desejo é indiferente<br />
ao sexo, é indeterminado, indiscriminado. O desejo seria o<br />
motor do <strong>travesti</strong>smo, ora roupas de homem, ora de mulher de<br />
acordo com o objeto do desejo. O desejo é um <strong>travesti</strong>? A literatura<br />
é o desejo <strong>travesti</strong>do? O desejo da literatura impõe o <strong>travesti</strong>smo?<br />
Não esquecer no <strong>travesti</strong>smo o jogo, a trapaça, o artifício. O <strong>travesti</strong><br />
é o falso parecendo falso e verdadeiro, tem a dupla face. A dupla<br />
face da literatura?<br />
Márcia Cabral, na introdução do livro Engenharia erótica, reflete que<br />
“O <strong>travesti</strong> não é um imitador de mulher, assim como a fotografia<br />
não é uma duplicata do real sensível [...]. É transcodificação e não<br />
cópia fria. O <strong>travesti</strong> não é um imitador de mulher que faria questão<br />
de que, nesse empenho, lembrassem que ‘no fundo’ há um homem.<br />
Se o <strong>travesti</strong> inicialmente imitou uma mulher foi para livrar-se dela,<br />
como um dia se livrou do homem. A repetição sistemática – o ensaio –<br />
acaba por transformar o material : revela outro que não o referente.” 2 .<br />
2 Márcia Cabral in. DENIZART, Hugo. Engenharia erótica: <strong>travesti</strong>s no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:<br />
Jorge Zahar. Ed.1977 p.14.
Ou dito de modo mais interessante pelo <strong>travesti</strong> Petra:<br />
“Mostrar a neca depende da ocasião... Em público, assim, a gente<br />
não gosta, a gente se sente feminina! Para estar mostrando essas<br />
coisas assim não tem nada a ver... na hora do sexo... uma caixinha<br />
de surpresas” (DENIZAR, 1977:90).<br />
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<strong>Escrita</strong> <strong>travesti</strong><br />
Rolland Barthes, em S/Z, realiza difrações entre o cá e o lá de<br />
modo a confundir as barras de gênero, ele se pergunta: “O título<br />
abre uma questão: Sarrasine, o que é isso? Um nome comum? Um<br />
nome próprio? Uma coisa? Um homem? Uma mulher?”<br />
(BARTHES, 1970: 24). Velho, Sarrasine é descrito por Balzac de tal<br />
modo que suscita em Barthes observações tais como “un mot<br />
glissant”, “ça que ne se prend pas”, ou “une nomination en<br />
expansion” (BARTHES, 1970: 99). Começo a mostrar o corpo da<br />
escrita <strong>travesti</strong>. Em 1970, Barthes parece sobremaneira interessado<br />
na questão, pois também no Império dos signos fascina-se com o <strong>travesti</strong><br />
japonês. O <strong>travesti</strong>mento japa é citação, um jogo combinatório<br />
sem profundidade:<br />
“O <strong>travesti</strong> oriental não copia a Mulher, ele a significa: ele não se<br />
nutre de seu modelo, ele se destaca do seu significado: a Feminilidade<br />
é dada a ler, não a ver: translação, não transgressão; o signo<br />
passa do grande papel feminino ao cinquentão pai de família, mas<br />
onde começa a metáfora?” (BARTHES, 1970.2: 71.).<br />
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Ao falar das marionetes orientais, Barthes dirá ainda “não é a<br />
simulação do corpo que ele busca, é, se podemos dizer, sua abstração<br />
sensível” (BARTHES, 1970.2: 78). Cada vez mais, o corpo do<br />
<strong>travesti</strong> se afasta da representação, para deixar aparecer na cena a<br />
superfície de uma qualidade vital, não um caráter, mas um<br />
ideograma.<br />
Outro caso de <strong>travesti</strong>mento é o de Marcel Duchamp. Recusando-se<br />
como um artista japonês a firmar uma assinatura, Duchamp<br />
busca não se repetir e, na esteira de Lautréamont, com seu Maldoror,<br />
do Hamlet, de Laforgue, do Ubu de Jarry, cria, posando para uma<br />
foto de Man Ray em 1920, a sua Rrose Sélavy, que, como alter-ego<br />
do artista, permite-lhe uma desenvoltura insuspeitada:<br />
“Eu desejava mudar a minha identidade e, primeiramente, pensei<br />
em adotar um nome judeu. Eu era católico, e esta passagem de uma<br />
religião para outra já significava uma mudança. Mas não encontrei<br />
nenhum nome judeu de que gostasse ou que despertasse a minha<br />
fantasia e, de repente, tive uma idéia: por que não mudar de sexo?<br />
Era muito mais fácil.” 3 .<br />
Como um dado ao Dada, peça de um jogo de xadrez onde corpos<br />
femininos estão sendo despidos, des-vestidos, nas escadas, nos<br />
grandes vidros, o artista propõe o <strong>travesti</strong>smo como peça conceitual<br />
de um xeque-mate, propõe tornar-se um artefato anti-naturalista,<br />
sua Rrose, minimalistamente composta (chapéu, maquiagem e gesto),<br />
guarda um mistério aristocrático contra a monotonia da vida<br />
ordinária da contemporaneidade, Rrose erotiza a vida: “Rrose<br />
Sélavy, R. Mutt, and Belle Haleine are salvation from the ennui of<br />
modern life” 4 .<br />
Algumas mulheres poetas são <strong>travesti</strong>s. Quando este ano reuni<br />
três mulheres poetas suicidas num curso, e, junto com seus<br />
textos, alguma fortuna crítica, ficou evidente o esforço consumido<br />
por elas ao se livrarem das mulheres em si mesmas e dos ho-<br />
3 MINK, Janis. Marcel Duchamp - A arte como contra-arte. Taschen, 1986. p.73.<br />
4 MC SHINE, Kynaston. “La vie en Rrose”, in. HARNONCOURT, Anne / MC SHINE, Kynaston.<br />
Marcel Duchamp. The Museum of Modern Art and Philadelphia Museum of art. 1989.
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<strong>Escrita</strong> <strong>travesti</strong><br />
mens que leram, dos quais se nutriram, para se <strong>travesti</strong>rem de<br />
poetas e assumirem uma escrita –digamos ironicamente- ‘toda<br />
delas’. Ficou claro o gasto de energia para se distanciarem de uma<br />
subjetividade no mínimo complicada, do peso de uma literatura<br />
masculina canônica a que se dedicaram com devoção filial, e depois<br />
virarem, à moda dos atores japoneses, máscaras sobre máscaras:<br />
“O teatro do sonho, teatro de aparência , faz portanto passar<br />
de contrabando, clandestinamente, sob a forma e segundo o gênero<br />
da confissão, aquilo mesmo que permanece inconfessável e<br />
que o resta, ainda, inconfessável através da própria confissão” 5 .<br />
Ana Cristina César brinca com isso em duas ocasiões: uma,<br />
durante o depoimento no curso Literatura de mulheres no Brasil, em<br />
1983, quando diz que “(se) pode identificar, na história da literatura,<br />
mulheres que falam igual aos homens” (p.269) e no texto<br />
sobre Angela Melin, quando diz “tenho medo da grossura da minha<br />
pergunta, mas não posso mentir... Angela virou homem?”<br />
(p.241), ao se referir ao livro “engravatado” Os caminhos do conhecer.<br />
Ana confessa que nos livros anteriores lia Angela no feminino<br />
e que os textos “(…)iam se impondo como femininos”, diz ainda<br />
“(…) o feminino imperava” (p. 242). Algo que iria sobretudo por<br />
uma “(…) sintaxe infantil, meio segregada, meio caprichosa na sua<br />
indisciplina” (idem). Foi ao ler O caminho do conhecer que Ana viu a<br />
Angela de gravata! Também desta vez abandono o desenvolvimento<br />
elegante de Ana e fico com a anedota da gravata para imaginar<br />
as trocas de roupa de Angela e os apuros por que passam as escrito-<br />
5 DERRIDA, Jacques. Gêneses, genealogias, gêneros e o gênio. Porto Alegre: Sulina, 2005. p.34.<br />
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ras, as poetas, as mulheres que escrevem, tendo sempre que confessar<br />
a roupa de baixo que estão usando. Mas Clarice Lispector já<br />
advertia nas croniquetas do jornal Diário da Noite, recém-publicadas:<br />
“As roupas masculinas também são bastante incômodas: colarinhos<br />
apertados, mangas compridas, ternos quentes demais” 6 .<br />
Todos sabemos que para ser <strong>travesti</strong> é preciso ter muito peito,<br />
mesmo inflado por hormônios e silicone: a escrita <strong>travesti</strong> demanda<br />
também essa ousadia da prótese. Nestas anedotas que fui recolhendo,<br />
o corpo da escrita <strong>travesti</strong> se insinua em sua engenharia<br />
erótica, para tomar de empréstimo o título de Denizart, não como<br />
tema mas como prática de escrita. E se a escrita <strong>travesti</strong> aponta para<br />
a conformidade à superfície, para a difração, para o “mot glissant”,<br />
para uma “nomination en expansion”, para a máscara, para o que<br />
se furta, se esconde, para a abstração sensível, para o ideogramático,<br />
é certo que o que preside este corpo de escrita é a morte prévia da<br />
subjetividade do autor. Indianara, um dos <strong>travesti</strong>s entrevistados<br />
por Denizart, declara: “Na realidade, por dentro, eu sinto que já<br />
morri”(DENIZART, 1997: 61).<br />
Neste ponto, volto ao criador de Stella Manhattan e ao desenvolvimento<br />
que dá ao artigo “Cadê Zazá”. No caso da escrita <strong>travesti</strong>,<br />
não há por que chorar essa morte. O desaparecimento do autor,<br />
6 LISPECTOR, Clarice. Correio feminino. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. p.113.
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<strong>Escrita</strong> <strong>travesti</strong><br />
segundo Silviano, terá como conseqüência o nascimento do artista<br />
contemporâneo que se recria a cada obra. Resisto a puxar mais um<br />
fiapo de idéia sobre um novo modo de encarar de frente os ensaios<br />
de suicídio que, a cada poema, prepararam ou adiaram as mortes<br />
reais das poetas que estudei. Desisto de ir longe na tristeza, pois<br />
quero celebrar algo. Penso no ensaio perfeito daquele que vive dessa<br />
morte, penso na pulsão de vida desta escolha, penso que ele sabe<br />
‘arroser sa vie’, penso nesta arte que abandona a ilusão da autoria e<br />
se entrega a cada vez a um corpo não domesticado. Hugo Denizart<br />
reflete que “(…) Só um corpo polívoco suporta o trágico e o longo<br />
trabalho de produzir um corpo não domesticado.” (DENIZART,<br />
1997: 9). Então celebro a morte colhida na constante superação de<br />
si mesmo por esses <strong>travesti</strong>mentos que o corpo da literatura ainda<br />
nos permite, e também celebro a minha morte quando leio. Visto<br />
então o turbante e calço as luvas de Stella e abro gloriosa a pequena<br />
janela da sala do meu apartamento em NY, eu-cucaracha, eufaxineira,<br />
eu-farsante, respiro o ar frio e poluído da manhã de<br />
outubro, nesta cidade que me rouba alguma coisa e canto: “Ó jardineira<br />
, por que estás tão triste? /Mas o que foi que te aconteceu? Oh!<br />
Wonderful morning! What wonderful feeling!” 7 <br />
7 SANTIAGO, Silviano. Stella Manhattan. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p.11.<br />
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