Escrita travesti - Cebela
Escrita travesti - Cebela
Escrita travesti - Cebela
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Literatura<br />
Ana Cristina Chiara<br />
222<br />
ras, as poetas, as mulheres que escrevem, tendo sempre que confessar<br />
a roupa de baixo que estão usando. Mas Clarice Lispector já<br />
advertia nas croniquetas do jornal Diário da Noite, recém-publicadas:<br />
“As roupas masculinas também são bastante incômodas: colarinhos<br />
apertados, mangas compridas, ternos quentes demais” 6 .<br />
Todos sabemos que para ser <strong>travesti</strong> é preciso ter muito peito,<br />
mesmo inflado por hormônios e silicone: a escrita <strong>travesti</strong> demanda<br />
também essa ousadia da prótese. Nestas anedotas que fui recolhendo,<br />
o corpo da escrita <strong>travesti</strong> se insinua em sua engenharia<br />
erótica, para tomar de empréstimo o título de Denizart, não como<br />
tema mas como prática de escrita. E se a escrita <strong>travesti</strong> aponta para<br />
a conformidade à superfície, para a difração, para o “mot glissant”,<br />
para uma “nomination en expansion”, para a máscara, para o que<br />
se furta, se esconde, para a abstração sensível, para o ideogramático,<br />
é certo que o que preside este corpo de escrita é a morte prévia da<br />
subjetividade do autor. Indianara, um dos <strong>travesti</strong>s entrevistados<br />
por Denizart, declara: “Na realidade, por dentro, eu sinto que já<br />
morri”(DENIZART, 1997: 61).<br />
Neste ponto, volto ao criador de Stella Manhattan e ao desenvolvimento<br />
que dá ao artigo “Cadê Zazá”. No caso da escrita <strong>travesti</strong>,<br />
não há por que chorar essa morte. O desaparecimento do autor,<br />
6 LISPECTOR, Clarice. Correio feminino. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. p.113.