Escrita travesti - Cebela
Escrita travesti - Cebela
Escrita travesti - Cebela
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Literatura<br />
<strong>Escrita</strong> <strong>travesti</strong><br />
segundo Silviano, terá como conseqüência o nascimento do artista<br />
contemporâneo que se recria a cada obra. Resisto a puxar mais um<br />
fiapo de idéia sobre um novo modo de encarar de frente os ensaios<br />
de suicídio que, a cada poema, prepararam ou adiaram as mortes<br />
reais das poetas que estudei. Desisto de ir longe na tristeza, pois<br />
quero celebrar algo. Penso no ensaio perfeito daquele que vive dessa<br />
morte, penso na pulsão de vida desta escolha, penso que ele sabe<br />
‘arroser sa vie’, penso nesta arte que abandona a ilusão da autoria e<br />
se entrega a cada vez a um corpo não domesticado. Hugo Denizart<br />
reflete que “(…) Só um corpo polívoco suporta o trágico e o longo<br />
trabalho de produzir um corpo não domesticado.” (DENIZART,<br />
1997: 9). Então celebro a morte colhida na constante superação de<br />
si mesmo por esses <strong>travesti</strong>mentos que o corpo da literatura ainda<br />
nos permite, e também celebro a minha morte quando leio. Visto<br />
então o turbante e calço as luvas de Stella e abro gloriosa a pequena<br />
janela da sala do meu apartamento em NY, eu-cucaracha, eufaxineira,<br />
eu-farsante, respiro o ar frio e poluído da manhã de<br />
outubro, nesta cidade que me rouba alguma coisa e canto: “Ó jardineira<br />
, por que estás tão triste? /Mas o que foi que te aconteceu? Oh!<br />
Wonderful morning! What wonderful feeling!” 7 <br />
7 SANTIAGO, Silviano. Stella Manhattan. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p.11.<br />
Comunicação&política, v.24, nº3, p.215-223<br />
223