CULTURA E EDUCAÇÃO RIBEIRINHA NA AMAZÔNIA PARAENSE ...
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<strong>CULTURA</strong> E <strong>EDUCAÇÃO</strong> <strong>RIBEIRINHA</strong> <strong>NA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong> <strong>PARAENSE</strong>: TEORIA E<br />
PRÁTICAS EDUCATIVAS INOVADORAS <strong>NA</strong>S ILHAS DE BELÉM<br />
RESUMO:<br />
Micheli Suellen Neves Gonçalves<br />
O presente estudo desenvolveu-se a partir da realização de pesquisa bibliográfica e de campo com o objetivo de<br />
identificar as singularidades que configuram a cultura caboclo-ribeirinha na Amazônia Paraense, estabelecendo como<br />
lócus de investigação as ilhas do entorno da cidade de Belém. Objetivou-se ainda, a construção de um glossário de<br />
palavras da cultura ribeirinha utilizadas pelas comunidades ribeirinhas das ilhas investigadas. O estudo se orientou<br />
através de duas categorias que embasaram a pesquisa de campo: prática educativa e inovação para descrever<br />
experiências educativas inovadoras implementadas em três ilhas, a saber: Jutuba I, Paquetá e Cotijuba, que<br />
desenvolvem ações educativas em sintonia com as manifestações da cultura ribeirinha local. Como resultados,<br />
identificamos diversas particularidades envolvendo a população ribeirinha e sua relação com os rios e as águas da<br />
Amazônia Paraense, expressas por meio de um vocabulário próprio e que não é habitualmente apropriado pela escola,<br />
além de referências de práticas educativas inovadoras que se fundamentam na valorização da cultura ribeirinha, como,<br />
por exemplo, o caso da Escola Ribeirinha de Negócios.<br />
Palavras-chave: Cultura Ribeirinha, Educação Ribeirinha, Prática educativa inovadora.<br />
Esta pesquisa de iniciação cientifica tem como tema as singularidades que configuram a<br />
cultura caboclo-ribeirinha na Amazônia Paraense, adotou como lócus de investigação três ilhas do<br />
entorno de Belém - Ilha de Cotijuba, Jutuba I e Paquetá, foi realizada no biênio 2009-2010 com o<br />
financiamento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq.<br />
Esta pesquisa pretendeu avançar na investigação sobre a educação e cultura ribeirinha na<br />
Ilhas da cidade de Belém, iniciada com o plano de trabalho aprovado para e desenvolvido por esta<br />
autora no biênio 2008-2009, intitulado Retratos de realidade das escolas ribeirinhas da cidade de<br />
Belém: estudo da relação entre currículo e cultura em uma escola da Ilha de Cotijuba, que contou<br />
como o financiamento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).<br />
Seus resultados evidenciaram um panorama preocupante da situação educacional das ilhas da<br />
cidade de Belém, pautado na indisponibilidade de vagas para a educação infantil, ensino médio e<br />
educação especial; e na distribuição irregular das unidades de ensino ao longo do imenso território<br />
insular da cidade. Por outro lado, em meio a esta situação conturbada constatou-se também a<br />
presença de um patrimônio cultural riquíssimo, materializado em músicas, contos, danças ou ainda<br />
em saberes acumulados com a experiência da pesca, do extrativismo, entre tantos outros.<br />
Em consonância com a idéia de Maciel (2003), consideramos a relação entre processo<br />
educativo e a cultura como fundamental, pois a cultura é o conteúdo substancial da educação, sua<br />
fonte e sua justificativa última, e, em vista dessa premissa, a pesquisa que aqui apresentamos teve<br />
como objetivo avançar na discussão e reflexão antropológica acerca da cultura ribeirinha,<br />
desafiando-se a lançar um olhar para as práticas educativas inovadoras, que por ventura possam
estar sendo implementadas nas escolas localizadas nas ilhas do entorno de Belém, além de construir<br />
um glossário das palavras da cultura caboclo-ribeirinha utilizadas pelas comunidades das ilhas do<br />
entorno Belém.<br />
Sendo assim o estudo caracteriza como uma pesquisa qualitativa, alinhada aos princípios da<br />
pesquisa participante e utilizou como instrumentos de pesquisa técnicas de observação, entrevistas e<br />
a fotografia que segundo Kahwage e Ruggeri (2007,) a utilização da imagem (fotografia) nos<br />
trabalhos científicos entre outras contribuições permite o leitor entrar em contato com o mundo<br />
empírico da pesquisa percebendo que as imagens da Amazônia põem em foco e dão visibilidade às<br />
diversidades sócio-econômicas, culturais e ambientais que emergem nas diferentes paisagens, nos<br />
diferentes tipos étnicos, nas manifestações religiosas e artísticas desta região.<br />
Deve-se considerar que a pesquisa ocorreu em duas etapas, na primeira realizamos a<br />
pesquisa bibliográfica para descrição dos aspectos da singularidade cultural das comunidades<br />
caboclo-ribeirinhas da Amazônia Paraense, além das observações e vivências na região, utilizamos<br />
estudos dos seguintes autores:, Fraxe (2004), Oliveira (2007 e 2008), entre outros, já no que prática<br />
educativa inovadora foram utilizados os seguintes autores: Freire (1996), Farias (2006), Castanho<br />
(2000), Sacristan (1991), Cunha (2001), entre outros.<br />
Na segunda etapa realizamos pesquisa de campo nas Ilhas de Cotijuba, Jutuba I e Paquetá,<br />
onde identificamos por meio de entrevistas com os moradores as práticas educativas inovadoras que<br />
correspondessem aos seguintes critérios:<br />
Inclusão do educando como sujeito e não mais como objeto no processo de conhecimento;<br />
Efetiva articulação entre teoria educacional adotada e a prática;<br />
Considere no processo de planejamento e execução das atividades a complexidade e a<br />
diversidade da realidade dos educando, em especial, a cultura local;<br />
Participação efetiva de todos os sujeitos envolvidos no processo de formação, desde seu<br />
período de planejamento até sua execução.<br />
Os resultados da pesquisa foram sistematizados em três capítulos, no primeiro intitulado AS<br />
SINGULARIDADES DA <strong>CULTURA</strong> CABOCLO-<strong>RIBEIRINHA</strong> DA <strong>AMAZÔNIA</strong> <strong>PARAENSE</strong>,<br />
são descritas com base nas observações e estudos seis singularidades que configuram a cultura<br />
caboclo-ribeirinha na Amazônia Paraense, são estas: o rio e sua multifuncionalidade; os múltiplos<br />
saberes dos caboclos-ribeirinhos; lendas e mitos das águas; a linguagem caboclo-ribeirinha; as<br />
formas de moradias e a culinária caboclo-ribeirinha.<br />
No segundo Capitulo de titulo MERGULHANDO NO CONCEITO DE PRÁTICA<br />
EDUCATIVA INOVADORA ocorre a sistematização do estudo da categoria prática educativa<br />
inovadora.
E no terceiro e último capítulo de titulo NOVOS HORIZONTES, PRÁTICAS<br />
EDUCATIVAS INOVADORAS SURGEM NO CENÁRIO EDUCACIO<strong>NA</strong>L DAS ILHAS DE<br />
BELÉM. é apresentado inicialmente uma descrição de cada ilha em estudo, considerando aspectos<br />
gerais, paisagem natural e meio ambiente, marcos edificados e história e posteriormente,<br />
apresentamos a prática educativa inovadora identificada nas ilhas que corresponde a Escola<br />
Ribeirinha de Negócios e o glossário ilustrado com cerca de 100 palavras caboclo-ribeirinhas.<br />
A escola ribeirinha de negócios consiste num projeto de qualificação profissional prática de<br />
jovens para a geração de renda em curto prazo a partir da disseminação do empreendedorismo<br />
aliado a valorização da cultura cabocla (ribeirinha), que visa atender os ribeirinhos do estuário do<br />
rio Amazonas, com o primeiro ano dedicado as ilhas do município de Belém – especificamente<br />
Cotijuba, Jutuba, Paquetá, Urubuoca, Ilha Nova. É uma parceria entre Movimento de Mulheres das<br />
Ilhas de Belém MMIB o Instituto Peabiru, juntamente com e o BOVESPA Social.<br />
O perfil das pessoas atendidas pelo projeto atendeu aos seguintes critérios: jovens cursando<br />
o 2° grau ou com o 2º grau completo; Jovens de 16 a 28 anos; moradores das Ilhas de Belém,<br />
especialmente Cotijuba, Urubuoca, Paquetá, Jutuba e Ilha Nova; jovens de famílias de baixa renda<br />
(renda inferior ou igual a um salário mínimo/família; desempregados, e prioridade para mulheres<br />
As atividades da Escola Ribeirinha de Negócios na Ilha de Cotijuba tiveram início em Maio<br />
de 2008, onde inicialmente foram atendidas 20 mulheres, que durante 18 meses de atividades<br />
realizaram 200 horas de cursos de: Coleta e beneficiamento de sementes; Criação e montagem de<br />
biojóias; Papel artesanal; Embalagens Empreendedorismo.<br />
A que a Escola Ribeirinha de Negócios figura como uma prática educativa inovadora, pois<br />
através da realização de cursos e oficinas de artesanato e empreendedorismo oportunizou com que<br />
suas participantes pudessem se sentir e agir como sujeitos de transformação da realidade de carência<br />
vivida pela maioria das famílias ribeirinhas de Cotijuba, Jutuba I e Paquetá. E apesar de atender um<br />
numero restrito de pessoas, dado os limites financeiros e infra-estruturais, valorizou aspectos<br />
culturais locais e teve sua execução pautada na construção coletiva.<br />
Sendo assim termino a breve apresentação da pesquisa parafraseado o saudoso autor paraense<br />
Waldemar Henrique, que assim se refere a ser da Amazônia, e ribeirinho:<br />
Certa vez de "montaria".<br />
Eu descia um "paraná".<br />
O caboclo que remava.<br />
Não parava de falá(r).<br />
Á, á... Não parava de falá(r).<br />
Á, á... Que cabôclo falador!.<br />
Me contou do "lobisomi".<br />
Da mãi-d'água, do tajá.<br />
Disse do jurutahy.
Que se ri pro luar.<br />
Á, á... Que se ri pro luar.<br />
Á, á... Que cabôclo falador !<br />
Trecho da Música Uirapuru- Waldemar Henrique- 1934.<br />
A música traz uma das mais valorosas lições que pudemos absorver, pois nestes dois anos de<br />
dedicação a pesquisar, tantas lições foram apreendidas, mas uma destas é relevante aqui<br />
explicitarmos: A pesquisa deve ter um caráter de registrar e valorizar os sujeitos que compõe a<br />
comunidade escolar, coletar ações inovadoras, registrá-las e valorizar o povo, pois como diz<br />
Eduardo Galeano é necessário que cada país da América Latina se aproprie de seus valores e suas<br />
riquezas, para que seu povo saiba que fomos colonizados, mas há uma resistência que deve ser feita<br />
na escola, mas que acontece fortemente no cotidiano daqueles que compõem o cenário da<br />
sociedade, na sua mais longínqua localização, para isso, é necessário que nós, educadores<br />
fomentadores de uma educação diferenciada, façamos um trabalho de registro, valorização e auto-<br />
estima de sermos sujeitos de nossa história.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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CASTANHO, Maria Eugênia de Lima e Montes (orgs.). O que há de novo na educação superior:<br />
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CUNHA, Maria Isabel da. Inovação como perspectiva emancipatória no ensino superior: mito ou<br />
possibilidade? In: LINHARES, Célia Frazão Et all. Ensinar e aprender: sujeitos, saberes e<br />
pesquisa. DP&A Editora, Rio de Janeiro, 2001.<br />
FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Inovação, mudança e cultura docente. Liber Livro, Brasília,<br />
2006.<br />
FRAXE, Therezinha de Jesus Pinto. Cultura caboclo-ribeirinha: mitos, lendas e<br />
transculturalidade. São Paulo: Annablume, 2004.<br />
FREIRE, Paulo Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Coleção leitura,<br />
37ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1996.<br />
KAHWAGE, Claudia e RUGEERI, Sandro (Org.). Imagem e pesquisa na Amazônia: ferramentas<br />
de compreensão da realidade. Belém: Alves, 2007.<br />
MACIEL, Ana Amélia Araújo. O grito do ribeirinho: eco da educação ambiental em escolas da<br />
Amazônia. Imperatriz, MA: ética, 2003.<br />
OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno; MOTA NETO, João Colares da Mota e SOUZA, Roseane<br />
Rabelo. Saberes culturais: Religiosidade e mitologia Amazônica. In: OLIVEIRA, Ivanilde<br />
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UEPA, 2008.<br />
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