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Polêmica sobre células-tronco embrionárias reacende discussão ...

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Co:::unicação<br />

2 maio de 2008<br />

Editorial<br />

O que de fato importa<br />

A Coréia do Norte, do ditador Kim<br />

Jong II, chama-se oficialmente República<br />

Democrática Popular da Coréia, o que tem<br />

como intuito projetar uma cortina de fumaça<br />

<strong>sobre</strong> o fato de que ela é hoje a nação mais<br />

fechada do globo. As vozes oficiais são, na<br />

maioria das vezes, exatamente isso – acordos<br />

tácitos para esconder o estado deplorável<br />

dos bastidores.<br />

Algo parecido acontece com o Brasil<br />

quando nos declaramos um Estado laico.<br />

Ignora-se que somos o maior contingente<br />

de católicos do planeta, inseridos em um<br />

continente que hoje é o principal pilar de<br />

sustentação da Igreja de Bento XVI. Mas<br />

isso não modifica os fatos. Aqui, assuntos<br />

estritamente éticos e jurídicos sempre ganharam<br />

um protagonista a mais: a moral<br />

cristã. A questão do aborto é um exemplo.<br />

As pesquisas com <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong> <strong>embrionárias</strong><br />

transformaram-se em outro. Para isso, a<br />

Igreja não precisa de bancadas no Congresso<br />

– embora as tenha. Seus dogmas se tornaram<br />

uma questão cultural.<br />

Em qualquer debate a respeito de questões<br />

como o aborto ou as <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong>, lá<br />

está um padre, um bispo ou um monsenhor,<br />

batendo na tecla do direito à vida e da não<br />

interferência do homem no que Deus criou à<br />

sua imagem e semelhança. Têm uma posição<br />

firme e clara, disso não há dúvida. Mas não é<br />

para menos: ela é a mesma há milênios. Ainda<br />

assim, existe um grande contingente pronto<br />

a acatar qualquer coisa que eles digam com<br />

a força de uma lei outorgada. E fica cada vez<br />

mais difícil manter um debate sensato orbitando<br />

em torno de verdades absolutas.<br />

Nossa matéria de capa fala justamente<br />

<strong>sobre</strong> o problema ético-científico da vez, as<br />

<strong>células</strong>-<strong>tronco</strong> <strong>embrionárias</strong>. Colocamos a<br />

lente <strong>sobre</strong> o ponto da questão que mais gera<br />

discórdia, os embriões excedentes das clínicas<br />

de fertilização in vitro. Não há opiniões<br />

religiosas – pelo menos não oficialmente –,<br />

o que não significa que não haja divergências:<br />

o próprio meio científico não entra<br />

em consenso <strong>sobre</strong> muitos pontos do tema.<br />

Completando, na entrevista ao lado abordamos<br />

a clonagem terapêutica, uma possível<br />

alternativa da ciência para o tratamento de<br />

doenças degenerativas.<br />

Porém, como o fato de termos apartado<br />

a fé da <strong>discussão</strong> científica não significa uma<br />

militância anti-religião, trazemos na editoria<br />

de Comportamento uma reportagem <strong>sobre</strong><br />

a juventude e a busca pela espiritualidade.<br />

A coexistência, no Brasil, de dois sistemas<br />

eleitorais distintos (que em outubro, elegerão<br />

nossos representantes municipais) e<br />

as divergências e incongruências que eles<br />

geram no cenário político também são temas<br />

desta edição. Antecipamos, assim, um trabalho<br />

que terá continuidade no Comunicação<br />

Online – e talvez aqui mesmo – na tentativa<br />

de esclarecer e preparar o leitor para as eleições<br />

deste ano.<br />

Há ainda matérias <strong>sobre</strong> os hábitos de<br />

leitura dos universitários da UFPR, incluindo<br />

uma pesquisa <strong>sobre</strong> o quanto e o que<br />

estamos lendo, e o mercado de trabalho<br />

para os estagiários – afinal, o que se espera<br />

dos estudantes quando eles enfim colocam<br />

a mão na massa?<br />

Um novo debate ético<br />

Atualmente, debate-se no Brasil a constitucionalidade<br />

da Lei de Biossegurança<br />

que permite a pesquisa com <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong>,<br />

obtidas a partir de embriões congelados em<br />

clínicas de fertilização in vitro. Porém, em<br />

alguns países já se pesquisa a possibilidade<br />

de obtenção das mesmas <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong> a<br />

partir da clonagem terapêutica.<br />

O método, que já foi testado em cobaias<br />

em países como Inglaterra e Coréia do Sul,<br />

consiste em retirar o núcleo de uma célula<br />

já diferenciada (adulta e formada) e inseri-la<br />

em um óvulo vazio, sem núcleo. Caso o procedimento<br />

tenha sucesso, o óvulo forma um<br />

embrião. A partir dele, podem-se adquirir as<br />

mesmas <strong>células</strong> <strong>embrionárias</strong> do processo<br />

‘normal’. O aspecto inovador dessa técnica<br />

é que uma pessoa que possua um problema<br />

no fígado, por exemplo, poderá valer-se de<br />

sua própria célula no processo (uma célula<br />

da pele, por exemplo), fazendo com que as<br />

celulas-<strong>tronco</strong> resultantes se diferenciem<br />

em <strong>células</strong> hepáticas, sem correr o risco de<br />

rejeição, já que o material genético final seria<br />

o seu próprio.<br />

Para alguns, a polêmica dessa pesquisa<br />

consiste no fato de os cientistas estarem<br />

gerando embriões com o fim exclusivo de<br />

destruí-los – além do método para a obtenção<br />

de óvulos ser considerado ‘invasivo’.<br />

Críticos ainda afirmam que esse tipo<br />

de pesquisa pode vir a estimular a realização<br />

da clonagem reprodutiva, a mesma<br />

realizada com a ovelha Dolly. Para eles,<br />

também é inviável produzir um embrião<br />

clonado a partir de qualquer DNA que<br />

não seja o da própria doadora do óvulo,<br />

o que restringiria bastante a utilização da<br />

técnica. Nesse caso, só a partenogênese<br />

(quando o óvulo anucleado recebe, em<br />

seguida, o DNA de uma célula da mesma<br />

mulher de que proveio) daria resultado<br />

e, somente a própria doadora do óvulo<br />

poderia ser beneficiada.<br />

Para entender melhor esse processo –<br />

tido como promissor, porém controverso – o<br />

Comunicação conversou com o doutor em<br />

genética médica Salmo Raskin, incentivador<br />

da clonagem terapêutica e estudioso do tema<br />

há mais de 15 anos.<br />

Por que existe uma polêmica tão grande a<br />

respeito da clonagem terapêutica?<br />

Salmo Raskin: Essa polêmica existe porque<br />

ela é uma ferramenta que permite<br />

produzir <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong> <strong>embrionárias</strong> a<br />

partir das <strong>células</strong> adultas de um indivíduo.<br />

E envolve a destruição do embrião para<br />

isso. Nessa técnica, você cria um embrião<br />

que será destruído para dele obter <strong>células</strong><strong>tronco</strong>.<br />

Parte da sociedade que é contrária<br />

à clonagem terapêutica alega que são<br />

cometidos dois ‘erros’ no procedimento:<br />

a criação do embrião com a finalidade de<br />

destruí-lo, e a própria destruição. O primeiro<br />

não ocorre quando se trata de embriões<br />

<strong>sobre</strong>ssalentes de clínicas de fertilização<br />

in vitro. Daí vem toda a polêmica, e é por<br />

isso que a Lei de Biossegurança proíbe a<br />

clonagem terapêutica.<br />

O embrião gerado pode vir a se desenvolver?<br />

Raskin: Se for implantado em um útero, o<br />

embrião pode se desenvolver. Mas acontece<br />

que o procedimento é feito todo em laboratório,<br />

sem a participação de uma gestante.<br />

Para o senhor, se a clonagem terapêutica for<br />

permitida, a reprodutiva também poderá ser?<br />

Raskin: Acredito que não há risco algum<br />

de a clonagem reprodutiva ser legalizada.<br />

Primeiramente, porque não traz qualquer<br />

benefício para a sociedade, ao contrário da<br />

terapêutica, que tem um enorme potencial.<br />

Além disso, a clonagem reprodutiva carrega<br />

todo o ônus do problema ético, religioso,<br />

moral, filosófico. Outro aspecto é a sua<br />

ineficiência técnica [os clones apresentam<br />

envelhecimento precoce e maior tendência<br />

a adquirirem determinadas doenças]. Não<br />

consigo visualizar o dia em que ela seja<br />

legalizada. O que existe é a possibilidade de<br />

algum maluco implantar em um útero um<br />

embrião gerado para clonagem terapêutica.<br />

Isso não é impossível.<br />

O senhor conhece as opiniões de juristas<br />

<strong>sobre</strong> a clonagem terapêutica?<br />

Raskin: Não, embora eu acompanhe discussões<br />

<strong>sobre</strong> o tema. Por outro lado, ouvi de<br />

um jurista que a clonagem terapêutica seria<br />

menos antiética do que o uso de embriões<br />

gerados em clínicas de reprodução assistida.<br />

Ele apontou que, no procedimento, não ocorre<br />

fecundação, e sabe-se que um dos dogmas<br />

envolvidos na <strong>discussão</strong> é que a vida se inicia<br />

quando o óvulo é fecundado. Além disso,<br />

o objetivo não é gerar um indivíduo, mas<br />

apenas <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong>. Já o embrião gerado<br />

a partir de fertilização in vitro é criado com<br />

o objetivo de se desenvolver, embora nem<br />

sempre seja implantado. Não posso dizer<br />

que todos os juristas pensam assim, apenas<br />

conheço a opinião deste em especial.<br />

E qual é a sua opinião?<br />

Raskin: Acredito que a pesquisa deve ser<br />

legalizada. Vale ressaltar a diferença entre<br />

pesquisa e uso clínico. Às vezes, o intervalo<br />

entre ambos é de cinco décadas. Do mesmo<br />

modo, acredito que o uso de <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong><br />

<strong>embrionárias</strong> em pesquisas deva ser permitido<br />

também.<br />

Como é o procedimento para a obtenção de<br />

óvulos? É invasivo?<br />

opinião<br />

Raskin: Sim, é um procedimento bastante<br />

invasivo, porque a mulher recebe altas doses<br />

de hormônios para liberar vários óvulos.<br />

Também é necessário realizar uma pequena<br />

cirurgia para retirá-los das trompas uterinas.<br />

Vamos salientar que no Brasil não se realiza<br />

esse tipo de intervenção para se obter óvulos<br />

destinados à pesquisa.<br />

As <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong> geradas a partir da<br />

clonagem terapêutica têm maior risco de<br />

apresentar mutações do que as <strong>embrionárias</strong><br />

comuns?<br />

Raskin: Nunca ouvi dizer que houvesse<br />

maiores chances do que as naturais. É uma<br />

pergunta a ser respondida pela pesquisa.<br />

E <strong>sobre</strong> a polêmica das <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong> <strong>embrionárias</strong>,<br />

o senhor possui uma opinião<br />

formada?<br />

Raskin: É um assunto bastante complexo e<br />

não se pode formar opinião de um minuto<br />

para o outro. Depois de estudar o assunto,<br />

acredito que a sociedade deve permitir a<br />

pesquisa com <strong>células</strong>-<strong>tronco</strong> provenientes<br />

de embriões <strong>sobre</strong>ssalentes, com o consentimento<br />

dos pais, em troca da possibilidade<br />

de cura.<br />

Qual é a situação das pesquisas com clonagem<br />

terapêutica em outros países?<br />

Raskin: Inglaterra, Israel e Coréia do Sul têm<br />

avançado de maneira impressionante nessa<br />

área, embora ainda não tenham idealizado<br />

tratamentos. Afinal, a pesquisa não se mede<br />

em meses, mas em décadas.<br />

Que interesses prevalecem na <strong>discussão</strong>? Os<br />

econômicos ou os da saúde?<br />

Raskin: Acredito que não haja o predomínio<br />

de um <strong>sobre</strong> outro. É importante que haja<br />

esse equilíbrio, para que não se repita o que<br />

ocorreu com os remédios para tratamento da<br />

Aids. Nesse caso, o setor privado investiu pesadamente,<br />

e o setor público tomou a decisão<br />

fácil de quebrar a patente. É mais cômodo do<br />

que apostar nas pesquisas do país.<br />

Gu i l h e r m e d e So u z a

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