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<strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong><br />
Internacional<br />
União Mundial de Cegos<br />
Emprego<br />
Grupo Jerónimo Martins<br />
Ciência<br />
Oftalmologia nos últimos<br />
20 anos<br />
Educação<br />
O aluno com deficiência<br />
visual<br />
Acessibilidades<br />
Um termo abrangente<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011<br />
Todos os direitos reservados, ACAPO
Editorial<br />
Carlos Manuel C. Lopes<br />
Presidente da Direção Nacional da Associação dos<br />
Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO)<br />
É com grande satisfação que escrevo as primeiras<br />
linhas deste número da <strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong>, agora que 20<br />
anos passaram da sua primeira edição e que 10 anos<br />
decorreram após a publicação do seu último exemplar.<br />
Esta satisfação deve-se ao facto de, no meu entender<br />
partilhado pelos restantes elementos da Direção<br />
Nacional da ACAPO – a nova <strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong>, embora<br />
ancorada em princípios ligeiramente diferentes dos<br />
adotados nas suas primeiras edições, continuar a<br />
assumir a relevância de outros tempos, colmatando a<br />
lacuna que se vem sentindo no que concerne à<br />
produção e difusão de conhecimento relacionado com<br />
a deficiência visual, nas suas múltiplas vivências e<br />
contextos.<br />
É pois nossa intenção que a revista <strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong>, que<br />
agora surge com periodicidade trimestral e em suporte<br />
digital, venha a desempenhar um papel de estímulo à<br />
produção de conteúdos técnico-científicos sobre a<br />
deficiência visual, promovendo a sua sistematização e<br />
difusão e, sobretudo, contribuindo para educar e formar<br />
a comunidade em geral. Estamos convictos de que<br />
pessoas mais bem esclarecidas e formadas tenderão a<br />
adotar comportamentos, atitudes e medidas mais<br />
ajustadas, responsáveis e concernentes com o modelo<br />
de sociedade inclusiva que todos alegadamente<br />
preconizamos, mas que nem todos praticamos.<br />
“É pois nossa intenção que a revista <strong>Louis</strong><br />
<strong>Braille</strong>, que agora surge com periodicidade<br />
trimestral e em suporte digital, venha a<br />
desempenhar um papel de estímulo”<br />
Indubitavelmente, ao longo dos últimos 60 anos, foram<br />
alcançadas importantes conquistas, em especial no<br />
que se refere à adoção e ratificação de convenções<br />
internacionais, à produção de alguma legislação de<br />
âmbito geral e setorial e à adoção de cartas de<br />
princípios ou de boas intenções, documentos estes<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 |<br />
2<br />
que de um modo mais ou menos explícito consagram e<br />
garantem o direito a uma plena cidadania as pessoas<br />
com deficiência. Todavia, não é menos verdade a<br />
existência, ainda hoje, de inúmeros e sérios obstáculos<br />
que diariamente impedem ou limitam a tão almejada<br />
igualdade de oportunidades das pessoas cegas e com<br />
baixa visão, quando comparadas com a restante<br />
população. Poderia, portanto, e com certeza precisaria<br />
de muitas páginas, abordar ao longo deste texto as<br />
carências e os constrangimentos que tantas vezes<br />
impedem os alunos com deficiência visual de ter uma<br />
educação e uma formação de qualidade; poderia determe,<br />
e por certo teria «pano para mangas», na grande<br />
dificuldade sentida pelas pessoas cegas ou com baixa<br />
visão no acesso, manutenção e progressão no<br />
mercado de trabalho, dificuldades estas tantas vezes<br />
explicadas por atitudes mais ou menos encapotadas de<br />
discriminação e que se traduzem em taxas de<br />
desemprego muito superiores às da população em<br />
geral; poderia mencionar os inúmeros entraves<br />
sentidos no acesso à informação, à cultura, ao lazer ou<br />
ao desporto, porque em todas estas áreas, sendo certo<br />
que alguns avanços foram alcançados, não é menos<br />
verdade que muito há ainda a fazer de modo a<br />
cumprirmos, por exemplo, o estipulado na Convenção<br />
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.<br />
“Indubitavelmente, ao longo dos últimos 60 anos,<br />
foram alcançadas importantes conquistas”<br />
Gostaria, no entanto, ainda, de partilhar convosco um<br />
convite, uma recomendação e, por fim, uma<br />
preocupação.<br />
Começo pelo convite que, ao fim ao cabo, nada traz de<br />
inovador, mas que, no meu entender, a ser aceite por<br />
todos, evitará muitas (se não todas) as situações de<br />
discriminação negativa a que as pessoas com<br />
deficiência visual estão sujeitas. Julgo ser consensual o<br />
facto de todos aceitarmos que a deficiência visual traz<br />
consigo algumas limitações, umas quantas<br />
ultrapassáveis mediante a introdução de adaptações<br />
específicas, o que só por si não impede que estas<br />
pessoas desenvolvam e possuam capacidades<br />
suscetíveis de serem expressas em diferentes<br />
contextos pessoais, sociais e profissionais. Convidovos<br />
pois a um esforço consciente de perceção realista<br />
das pessoas com deficiência visual, esforço esse que<br />
abra espaço para a criação de oportunidades de<br />
demonstração de competências e que permita evitar ou<br />
atenuar o preconceito de que, de certo modo, a<br />
deficiência visual contamina todas as outras<br />
capacidades da pessoa, tornando-a globalmente inapta<br />
ou menos válida.<br />
Mas este modo de olhar as pessoas com deficiência<br />
tem, em primeira instância, de ser assumido por elas<br />
próprias e por aqueles que com elas diretamente se<br />
relacionam, pelo que considero de importância<br />
primordial a necessidade de todos nós, quer sejamos
decisores políticos, educadores, formadores,<br />
encarregados de educação ou alunos, mantermos e<br />
exigirmos padrões elevados de qualidade na educação<br />
de crianças e de jovens com deficiência visual. A<br />
cegueira não pode, só por si, justificar a introdução de<br />
medidas facilitadoras do processo de estudo do aluno,<br />
medidas estas que, se nuns casos tentam encobrir<br />
carências da escola ao nível dos recursos técnicos e<br />
humanos especializados, em outros se explicam tãosomente<br />
pelo facto de professores, pais e até mesmo<br />
os próprios alunos estarem imbuídos da crença<br />
explicitada nos parágrafos anteriores, e que segundo a<br />
qual, a deficiência visual contamina outras<br />
capacidades, tornando o aluno menos preparado para<br />
acompanhar as aprendizagens da turma em que está<br />
inserido. A introdução destas medidas de discriminação<br />
positiva, desnecessárias e descabidas, tem vindo a<br />
comprometer seriamente o ingresso destes alunos com<br />
êxito em cursos de nível superior e no mercado de<br />
trabalho. Mais, estamos, no meu entender, a educar<br />
uma geração de alunos que, salvo boas e felizmente<br />
ainda umas quantas exceções, se encontra nivelada<br />
por baixo, acomodada, sem ter por referência padrões<br />
de exigência, de rigor e de perseverança.<br />
Sou da opinião que este não é um problema que afete<br />
apenas os alunos com deficiência visual, mas sim que<br />
se estende a todos os alunos quer tenham ou não<br />
algum tipo de necessidades especiais. Unicamente, e<br />
pelo facto das oportunidades de estudo e de trabalho<br />
disponíveis para as pessoas com deficiência visual<br />
serem substancialmente mais reduzidas, o impacto de<br />
uma cultura de menor exigência tem sobre elas<br />
maiores repercussões negativas.<br />
Por último, deixo-vos uma preocupação mas também<br />
um alerta que se prende com a difícil situação<br />
Ficha Técnica<br />
<strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong><br />
económico-financeira que o País atravessa e que, no<br />
meu entender, não pode servir de pretexto para a não<br />
adoção de medidas tendentes à construção de uma<br />
sociedade verdadeiramente inclusiva, na qual as<br />
pessoas cegas ou com baixa visão participem de pleno<br />
direito, de forma autónoma e com igualdade de<br />
oportunidades. Tornar-se-á muito fácil, mas no meu<br />
entender de todo inaceitável, que se utilize a crise<br />
económica para justificar a não introdução de medidas<br />
e de soluções que tantas vezes não acarretam sequer<br />
quaisquer custos financeiros acrescidos. Estou certo de<br />
que todos nós, pessoas com deficiência, queremos dar<br />
o nosso melhor contributo para auxiliar Portugal a<br />
enfrentar e a superar este momento difícil, mas não<br />
podemos aceitar que se cave ainda mais o foço que<br />
nos separa da restante população no que concerne a<br />
nossa participação social.<br />
Ao longo deste editorial optei por me referir a três<br />
aspetos que, apesar de aparentemente avulsos,<br />
concorrem para a melhoria da qualidade de vida das<br />
pessoas com deficiência visual. Estou em crer que se<br />
adotarmos padrões de exigência elevados, de rigor, de<br />
empreendedorismo, de capacitação, se olharmos para<br />
as pessoas com deficiência como cidadãos de pleno<br />
direito, com algumas limitações mas também com<br />
muitas capacidades, se criarmos as condições que<br />
garantam a igualdade de oportunidades, nesse<br />
momento sim, estaremos a caminhar para uma<br />
sociedade verdadeiramente inclusiva.<br />
É esse caminho que <strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong>, ainda que de forma<br />
humilde, pretende ajudar a desbravar. O restante,<br />
como disse acima, caberá a cada um de nós,<br />
individualmente ou em conjunto fazer. LB<br />
EDIÇÃO E SEDE ACAPO, Avenida D. Carlos I, n.º 126 9º andar 1200-651 Lisboa<br />
CONTACTO GERAL Telefone: 213244500 Fax: 213244501 Website: www.<strong>acapo</strong>.pt E-mail: louisbraille@<strong>acapo</strong>.pt<br />
DIRETOR Carlos Manuel C. Lopes (carloslopes@<strong>acapo</strong>.pt)<br />
COORDENAÇÃO Rúben Portinha (rubenportinha@<strong>acapo</strong>.pt)<br />
COORDENAÇÃO ADJUNTA Pedro Velhinho (pedrovelhinho@<strong>acapo</strong>.pt), Rodrigo Santos (rodrigosantos@<strong>acapo</strong>.pt)<br />
REDAÇÃO Cláudia Vargas Candeias (claudiavargas@<strong>acapo</strong>.pt), Pedro Velhinho, Rodrigo Santos, Rúben Portinha<br />
LAYOUT Think High<br />
PAGINAÇÃO Think High<br />
@ <strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong> – <strong>Revista</strong> especializada para a área da deficiência visual 2011. Todos os direitos reservados. Todo o conteúdo desta revista não<br />
pode ser replicado, copiado ou distribuído sem autorização prévia. Os artigos de opinião publicados na revista são da inteira responsabilidade dos<br />
seus autores. Se pretende deixar de receber a nossa revista, envie-nos um e-mail por favor para o endereço louisbraille@<strong>acapo</strong>.pt<br />
Os conteúdos desta revista foram escritos segundo as regras do novo acordo ortográfico.<br />
APOIO FINANCEIRO<br />
Instituto Nacional para a Reabilitação I.P.<br />
3<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 |
Internacional<br />
Maryanne Diamond<br />
Presidente da União Mundial de Cegos<br />
Entrevista: Rodrigo Santos<br />
Tradução: Maria do Rosário Cunha*<br />
“Não será esta crise a impedir-nos<br />
de cumprir o nosso objetivo”<br />
Ao longo do seu percurso já ocupou diversos cargos<br />
em organizações de defesa dos direitos das pessoas<br />
com deficiência. Atualmente é Diretora de Relações<br />
Internacionais e Institucionais da Vision Australia, uma<br />
instituição, sem fins lucrativos, que presta serviços a<br />
pessoas com deficiência visual. Mas até 2012, a<br />
principal prioridade de Maryanne Diamond é a<br />
presidência da União Mundial de Cegos.<br />
Pergunta: Quais são as expetativas da União<br />
Mundial de Cegos relativamente aos Objetivos de<br />
Desenvolvimento do Milénio (ODMs), agora que<br />
estes abrangem questões especificamente<br />
relacionadas com a deficiência?<br />
Resposta: Que todos os Estados garantam ativamente<br />
o cumprimento dos ODMs e incluam as pessoas com<br />
deficiência, em mais do que uma declaração geral de<br />
inclusão. Questões como a educação, a igualdade de<br />
género, a participação no trabalho são temas nucleares<br />
do trabalho da União Mundial de Cegos e estão<br />
espelhadas no nosso Plano de Ação 2009-2012.<br />
P: Atendendo aos objetivos estratégicos definidos<br />
até 2012 pela UMC, quais considera serem as<br />
maiores conquistas que conseguiram atingir até à<br />
data, e quais serão os próximos passos da UMC<br />
para a construção de uma sociedade totalmente<br />
inclusiva?<br />
R: Se nos reportamos ao presente período do<br />
mandato, nós, seguramente, já acedemos à informação<br />
da agenda mundial. Com a nossa proposta de tratado à<br />
WIPO [Organização Mundial da Propriedade<br />
Intelectual] existe um acordo universal sobre a<br />
necessidade de melhorar o acesso à informação por<br />
parte das pessoas cegas. Falta apenas chegar a um<br />
acordo mais detalhado ou encontrar um instrumento<br />
que possibilite torná-lo uma realidade. Com a<br />
“Educação para Todos”, uma iniciativa do ICEVI<br />
[Conselho Internacional para a Educação das Pessoas<br />
com Deficiência Visual] e da UMC, já alcançámos<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 |<br />
4<br />
grandes resultados. Graças a esta iniciativa centenas<br />
de crianças frequentam hoje o sistema de<br />
ensino.Também já colocámos o <strong>Braille</strong> na agenda.<br />
Celebrámos 2009 olhando para trás 200 anos. Com o<br />
Congresso Mundial <strong>Braille</strong>21, celebrámos o braille de<br />
olhos no futuro. O nosso trabalho em colaboração e<br />
parceria com várias organizações tem sido um grande<br />
sucesso para a UMC. O trabalho com os outros é o<br />
garante de que os educamos não só a eles, como a<br />
nós próprios. Um exemplo disto é a constituição da<br />
Vision Alliance. Trata-se do reconhecimento da<br />
importância de questões como a prevenção, tratamento<br />
e reabilitação educacional/funcional.<br />
P: Como encara a UMC o papel de blocos e<br />
parcerias internacionais de associações de<br />
pessoas cegas e amblíopes que partilham a mesma<br />
língua, assim como, a possível constituição de um<br />
grupo de membros da UMC de língua (oficial)<br />
portuguesa?<br />
R: A UMC já integra esses grupos como membro<br />
internacional. Foi constituída a União Francófona de<br />
Cegos e mais recentemente a União Árabe de Cegos.<br />
Pensamos que grupos como estes têm um papel muito<br />
importante a desempenhar, na defesa dos direitos das<br />
pessoas com deficiência visual, e podem apoiar-se<br />
mutuamente, independentemente da sua área<br />
geográfica.<br />
P: Perante os cenários de crise financeira dos<br />
governos, como pensa que estas situações<br />
poderão afetar os direitos das pessoas cegas e<br />
amblíopes? Em geral, pensa que a limitação dos<br />
recursos financeiros constituirá um sério obstáculo<br />
para a prossecução de uma sociedade plenamente<br />
inclusiva?<br />
R: Esta crise financeira teve repercussões a nível<br />
mundial e a União Mundial de Cegos não foi excluída.<br />
Sentimos, tal como muitas outras organizações,<br />
dificuldades em encontrar recursos para desempenhar<br />
o nosso trabalho. Alcançar um mundo plenamente<br />
inclusivo é um objetivo a longo prazo e esta crise não<br />
vai perdurar para sempre no tempo. Por isso, não será<br />
esta crise a impedir-nos de cumprir o nosso objetivo.<br />
Podemos sim atuar de uma forma distinta, temos de<br />
nos tornar mais criativos e inovadores. Ou seja,<br />
encarar o nosso trabalho de uma perspetiva diferente.<br />
P: Quais são, na sua opinião, as prioridades-chave<br />
para os próximos anos para todos os membros da<br />
UMC e para a própria UMC?<br />
R: Desde logo, dotar as pessoas com deficiência visual<br />
de ferramentas necessárias para que possam, elas<br />
próprias, defender os seus direitos (self-advocacy);<br />
oferecer-lhes uma educação de qualidade; promover a<br />
igualdade de acesso ao mercado de trabalho; e<br />
possibilitar a sua participação na comunidade, como<br />
qualquer outro cidadão. LB<br />
* Responsável pelo Departamento de Relações<br />
Internacionais da ACAPO
Acessibilidades<br />
Acessibilidade,<br />
um termo abrangente<br />
Por Joana Afonso, Paula Azevedo e Peter Colwell *<br />
Para o público em geral, a acessibilidade é um assunto<br />
ligado à deficiência motora: uma rampa que permite o<br />
acesso a um edifício público ou uma casa de banho<br />
com barras de apoio. Esta opinião é compreensível<br />
porque ambos os exemplos têm um grande impacto<br />
visual, em particular, quando a rampa é algo que foi<br />
construído depois da conclusão do edifício e não se<br />
enquadra esteticamente com a fachada original. Por<br />
outro lado, o símbolo internacional de acessibilidade é<br />
a representação de uma pessoa numa cadeira de<br />
rodas, o que reforça esta noção redutora sobre o tema.<br />
A própria legislação (nacional e internacional) dedica<br />
mais normas técnicas às necessidades dos utilizadores<br />
de cadeira de rodas do que das pessoas com outras<br />
incapacidades.<br />
Contudo, o conceito de acessibilidade é muito mais<br />
abrangente. É, sem dúvida, necessário garantir o<br />
acesso aos locais públicos a todos. Mas o assunto<br />
começa ainda antes da entrada em determinado local<br />
público porque os potenciais utilizadores têm de ter a<br />
possibilidade de identificar o local, os serviços ali<br />
prestados e o horário de funcionamento. Ou seja, tem<br />
de ser fornecida sinalética que comunique com o maior<br />
número de pessoas possível, através de letras<br />
convencionais bem legíveis, braille e som.<br />
E, naturalmente, antes de usufruir de um serviço ou<br />
espaço, o utente tem de chegar até lá, o que pode<br />
acontecer apenas se os transportes e a via pública<br />
forem livres de barreiras. No campo dos transportes<br />
tem de se assegurar a legibilidade dos horários e<br />
bilhetes, a usabilidade das máquinas de venda e a<br />
evacuação de passageiros com mobilidade reduzida<br />
em situações de emergência, entre outros aspetos.<br />
Efetivamente, a questão da acessibilidade surge em<br />
todas as áreas onde alguém desenha algo para ser<br />
5<br />
<strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong><br />
usado por outros. Alguns autores defendem que<br />
acessibilidade é simplesmente uma questão de «bom<br />
design»: quando criam um produto, um manual de<br />
instruções ou uma página da Web, pretendem que todo<br />
o público possa usar a sua criação.<br />
“A questão da acessibilidade surge sempre<br />
quando alguém desenha algo para ser usado<br />
por outros”<br />
Para outros, é uma questão de direitos: pretendem que<br />
todas as pessoas, quaisquer que sejam as suas<br />
capacidades e dificuldades, possam viver de um modo<br />
independente e participar plenamente na sociedade.<br />
Consequentemente, tem de ser garantido o acesso à<br />
educação, habitação, serviços de saúde, informação e<br />
comunicações, e permitir plena participação na vida<br />
política e cultural do país. E há um longo caminho a<br />
percorrer – qualquer cidadão consegue facilmente<br />
identificar barreiras, desde o tamanho de letra usado<br />
numa lista de ingredientes até aos carros estacionados<br />
no passeio.<br />
Vão demorar alguns anos e teremos de contar com<br />
muita vontade por parte dos projetistas para equipar o<br />
país com passeios livres de barreiras. E, neste caso<br />
em particular, vai ser necessária uma mudança de<br />
atitude por parte de alguns condutores, que têm de<br />
aceitar que o tempo que poupam estacionando em<br />
cima de um passeio é traduzido em tempo perdido,<br />
transtorno e acidentes evitáveis para dezenas de<br />
peões.<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 |
Formação insuficiente<br />
Regra geral, a formação dos arquitetos, designers,<br />
gestores urbanos e informáticos não os prepara para<br />
projetar espaços, serviços e produtos para pessoas<br />
com mobilidade reduzida. Ainda que sem intenção,<br />
excluem pessoas, pois imaginam que o público em<br />
geral pode subir escadas, manipular comandos e ler<br />
instruções. Esta lacuna nos seus conhecimentos pode<br />
ser ultrapassada através da participação de pessoas<br />
com mobilidade reduzida na conceção e avaliação das<br />
suas criações. Estas pessoas conhecem, pela sua<br />
experiência, as barreiras e muitas vezes conhecem as<br />
soluções. Com este novo input, os projetistas podem<br />
desenhar espaços, serviços e produtos que respondam<br />
às necessidades e expetativas do maior número<br />
possível de pessoas.<br />
Vão demorar alguns anos para equipar o país<br />
com passeios livres de barreiras<br />
Reconhecemos que não é fácil assegurar a<br />
acessibilidade porque tem de ser respeitada a<br />
diversidade da população e a eliminação de uma<br />
barreira pode criar uma nova barreira para cidadãos<br />
com outras necessidades.<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 |<br />
6<br />
Por exemplo, o rampeamento do passeio nas<br />
imediações das passagens de peões facilita a<br />
circulação das pessoas com carrinhos de bebé e das<br />
pessoas em cadeira de rodas mas, dificulta a distinção<br />
entre o final do passeio e o princípio da estrada por<br />
parte das pessoas com deficiência visual, aumentando<br />
o risco de entrarem na estrada sem se aperceberem.<br />
Contudo, a introdução de pavimentos táteis nas<br />
imediações das passadeiras (o que inclui a zona<br />
rampeada) oferece a informação que os peões com<br />
deficiência visual necessitam, sem incomodar os outros<br />
peões, sendo uma solução que responde a<br />
necessidades aparentemente incompatíveis. No<br />
entanto, algumas barreiras necessitarão da criação de<br />
um serviço alternativo, como é o caso dos<br />
supermercados, onde a disponibilidade de um serviço<br />
de acompanhamento personalizado e gratuito para os<br />
clientes com deficiência visual ultrapassa melhor os<br />
problemas de orientação e a identificação dos produtos<br />
dentro da loja do que qualquer sistema de sinalética.<br />
2004<br />
Ano definido pelo decreto-lei nº123/97 como<br />
data limite para garantir a acessibilidade dos<br />
edifícios públicos<br />
É de salientar que o conceito de acessibilidade não é<br />
defendido apenas pelas pessoas com mobilidade<br />
reduzida e os seus representantes mas também por<br />
muitos projetistas em todo o mundo, que defendem as<br />
correntes do Design Universal (ou do Design Inclusivo<br />
ou do Design para Todos). Estes projetistas conhecem<br />
bem os argumentos morais, que por si só justificam a<br />
adoção do conceito mas também conhecem as<br />
preocupações estéticas dos seus colegas e as<br />
vantagens comerciais de produtos e serviços que<br />
respondam às necessidades e expetativas do maior<br />
número de pessoas possível.<br />
Afinal, espaços, serviços e produtos que respeitam a<br />
diversidade são seguros, saudáveis, funcionais,<br />
compreensíveis e estéticos. LB<br />
* Membros do Núcleo de Estudos e Investigação para as<br />
Acessibilidades (NEIA) da ACAPO
Emprego<br />
Empregar sem barreiras<br />
“Se a nossa sociedade é heterogénea, os nossos colaboradores<br />
também refletem essa diversidade”,<br />
afirma Susana Correia de Campos<br />
Por Cláudia Vargas Candeias<br />
Em 2006, o Grupo Jerónimo Martins e a ACAPO<br />
estabeleceram uma parceria que abriu portas a mais de<br />
30 pessoas com deficiência visual.<br />
“O trabalho é o fator mais forte e determinante de<br />
inclusão social”. A afirmação pertence a Susana<br />
Correia de Campos, Diretora de Relações Laborais e<br />
Responsabilidade Social Interna do Grupo Jerónimo<br />
Martins, e fundamenta a parceria que o Grupo<br />
estabeleceu, em 2006, com a ACAPO, com vista à<br />
integração profissional de pessoas com deficiência<br />
visual.<br />
Começando por integrar 15 colaboradores, o Grupo<br />
emprega hoje, ao abrigo desta parceria, 31 pessoas<br />
com deficiência visual, nas diferentes Companhias e<br />
em diversas funções. “Não sendo nós especialistas<br />
nesta matéria, o protocolo com a ACAPO serve para<br />
garantir que o fazemos bem”, justifica Susana Correia<br />
de Campos.<br />
A ACAPO, recorrendo às candidaturas rececionadas no<br />
Departamento de Apoio ao Emprego e Formação<br />
Profissional (DAEFP), assume o papel de mediador no<br />
processo de recrutamento, apresentando para cada<br />
oportunidade, os candidatos adequados. Tal função<br />
permite dar a conhecer um universo desconhecido<br />
pois, segundo a experiência do Grupo Jerónimo<br />
Martins, “nem sempre as pessoas com deficiência se<br />
dirigem aos processos de recrutamento. O que parece<br />
é que estas pessoas pensam que estão arredadas das<br />
condições normais de trabalho”, refere a responsável.<br />
E é neste domínio que a ACAPO intervém, dando a<br />
conhecer ao mercado que existem candidatos<br />
qualificados, e às pessoas com deficiência visual, uma<br />
7<br />
oportunidade de trabalho.<br />
Cinco anos decorridos, a parceria não podia ser mais<br />
bem sucedida. “Esta é uma experiência muito<br />
enriquecedora, não só para a empresa, mas para todas<br />
as equipas que trabalharam com estes colaboradores”,<br />
reforça Susana Correia de Campos. No entanto, recusa<br />
que o recrutamento de pessoas com deficiência se<br />
insira na política de responsabilidade social do Grupo,<br />
“Se a nossa sociedade é heterogénea, os nossos<br />
colaboradores também refletem essa diversidade. Por<br />
isso, isto é, simplesmente, política de recursos<br />
humanos. É uma atitude que qualquer empresa deve<br />
ter, numa sociedade evoluída e democrática, que não<br />
quer excluir”.<br />
“Motivados e Motivadores”<br />
<strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong><br />
É deste modo que a Diretora de Relações Laborais e<br />
Responsabilidade Social Interna do Grupo Jerónimo<br />
Martins descreve os colaboradores com deficiência.<br />
“São pessoas que, uma vez criadas as condições para<br />
trabalharem, agarram a oportunidade de uma forma<br />
muito motivada”.<br />
Sónia Santos, 39 anos, é um desses exemplos. Entrou<br />
para o Grupo Jerónimo Martins, em 2006, na “altura<br />
certa”, conforme revela. Os horários exigentes e as<br />
deslocações constantes a que o anterior emprego a<br />
obrigavam, tornaram-se “inconciliáveis com a vida<br />
pessoal”. Por isso, este recrutamento não podia ter<br />
sido mais oportuno.<br />
Tal como 80% dos colaboradores integrados ao abrigo<br />
da parceria, foi colocada numa loja Pingo Doce, para<br />
exercer funções de atendimento telefónico com o<br />
objetivo de “auscultar as dúvidas, sugestões e<br />
reclamações dos clientes”.<br />
Porém, a sua elevada capacidade de trabalho foi<br />
reconhecida em pouco tempo. Bastaram pouco mais<br />
de dois meses para que a estas funções fossem<br />
acrescidas outras. “Tendo em conta que levei o meu<br />
computador portátil e tinha todas as ferramentas<br />
necessárias para trabalhar, foram começando a testar<br />
o meu potencial”.<br />
Assim, gradualmente, foi-lhe atribuída a<br />
responsabilidade de controlar algum economato e as<br />
reclamações dos clientes, passou a dar apoio em<br />
diversos serviços administrativos, ao nível da<br />
transcrição de documentos para suporte informático e<br />
pesquisa de conteúdos na Internet, e começou a ter<br />
também a seu cargo a gestão diária da distribuição de<br />
donativos alimentares por diversas instituições de<br />
solidariedade. Progressos que Sónia atribui a “alguma<br />
sorte” e ao “empenho que aplica em todos os projetos”<br />
mas sobretudo ao facto de “no Grupo não serem<br />
criadas barreiras, nem vedadas oportunidades”.<br />
Uma ideia partilhada e experienciada por Eduardo<br />
Sanca, 32 anos. Natural de Guiné-Bissau, Eduardo<br />
chegou a Portugal, em 2001, com um propósito:<br />
estudar.<br />
Com este objetivo no topo das suas prioridades,<br />
procurou formação na Associação Promotora de<br />
Emprego de Deficientes Visuais (APEDV) como<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 |
Natural de Guiné-Bissau, Eduardo Sanca chegou a Portugal<br />
em 2001 e em 2006 entrou para o Grupo Jerónimo Martins<br />
telefonista e rececionista, e matriculou-se numa escola<br />
para, em regime noturno, completar o ensino<br />
secundário. Terminada esta formação, um estágio<br />
depois, e sem quaisquer perspetivas de emprego,<br />
Eduardo recorreu ao Departamento de Apoio ao<br />
Emprego e Formação Profissional (DAEFP) da ACAPO<br />
e aguardou por uma oportunidade. Esta chegou em<br />
setembro de 2006. “Recebi um telefonema da Dra.<br />
Anabela Miranda [Psicóloga na Delegação de Lisboa<br />
da ACAPO] a perguntar se tinha disponibilidade para ir<br />
a uma entrevista para o Grupo Jerónimo Martins”,<br />
recorda.<br />
Pouco tempo depois, iniciava funções de rececionista e<br />
telefonista no Centro de Distribuição da Azambuja. Um<br />
cargo que ocupou até ao dia em que lhe perguntaram:<br />
“Sabe trabalhar com SAP [um software de gestão<br />
empresarial]?”.<br />
Uma resposta positiva a esta questão fê-lo ser<br />
promovido a técnico de dados mestre. Hoje, tem como<br />
principal responsabilidade, acompanhar,<br />
informaticamente, o circuito dos produtos de vestuário<br />
das lojas Pingo Doce. “Aqui o papel não circula, o que,<br />
para mim, constitui uma vantagem devido à baixa<br />
visão”, confessa.<br />
Aliás, Eduardo não consegue apontar quaisquer<br />
barreiras à sua integração na empresa e essa é uma<br />
das razões pelas quais não se “imagina a trabalhar<br />
noutro sítio”. Por agora, a sua ambição passa por<br />
Londres. Atleta na modalidade de lançamentos (dardo,<br />
disco e peso), aspira atingir os mínimos que lhe<br />
permitam competir nos Jogos Paralímpicos de Londres,<br />
em 2012.<br />
86<br />
Número de pessoas com deficiência a trabalhar<br />
no Grupo Jerónimo Martins<br />
Abrir portas, criar oportunidades<br />
No Centro de Distribuição da Azambuja, dois pisos<br />
abaixo de Eduardo, encontramos o escritório de Sara<br />
Tadeu, 31 anos. Tem deficiência visual, trabalha no<br />
Grupo Jerónimo Martins, todavia, o seu recrutamento<br />
não decorreu ao abrigo da parceria com a ACAPO.<br />
“Nós sempre empregámos pessoas com deficiência.<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 |<br />
8<br />
Sempre que rececionamos um curriculum tentamos<br />
encontrar para aquele perfil uma oportunidade de<br />
trabalho”, explica Susana Correia de Campos<br />
E foi o que sucedeu com Sara. Natural do Porto,<br />
embora criada em Vila Flor, Trás-os-Montes, passou<br />
por várias experiências antes de conseguir atingir a<br />
estabilidade de hoje: licenciou-se em psicologia clínica,<br />
frequentou um curso de massagista – uma profissão<br />
que também desempenhou – deu formação na área do<br />
treino de competências de atividades da vida diária, a<br />
uma adolescente com deficiência visual e chegou<br />
mesmo a cantar em bares. Em 2008, numa tentativa de<br />
contornar o desemprego – uma fase que também<br />
conheceu – e face ao historial da empresa da<br />
contratação de pessoas com deficiência, procurou uma<br />
oportunidade no Grupo Jerónimo Martins.<br />
Um ano depois, conseguiu alcançá-la. Foi colocada,<br />
como auxiliar de ação educativa, no jardim de infância<br />
do Centro de Distribuição da Azambuja, que tem como<br />
destinatários os filhos dos colaboradores do Grupo.<br />
“Gostei imenso da experiência. Ainda hoje recebo<br />
visitas dos «garotos» no meu gabinete”. Sara fala no<br />
passado porque, em 2009, os pais desses mesmos<br />
«garotos», tendo conhecimento da sua licenciatura em<br />
psicologia, tentaram persuadi-la a implementar um<br />
projeto inovador. “Diziam-me que podia ser mais útil se<br />
exercesse psicologia no Centro”.<br />
“Não é qualquer empresa que nos dá a oportunidade de crescer”,<br />
diz Sara Tadeu<br />
Ainda que reticente, Sara aceitou o desafio.<br />
“Apresentei um projeto onde expus a importância dos<br />
psicólogos na dinâmica das organizações”. A proposta<br />
foi aceite e em janeiro de 2010 chegaram os primeiros<br />
consulentes: “Comecei por acompanhar 4<br />
colaboradores, ao fim de três meses já eram 10 e hoje<br />
são 17, com tantos outros em lista de espera”. Com<br />
mais projetos em carteira, os horizontes de Sara<br />
mantêm-se em aberto.<br />
“Não é qualquer empresa que nos dá a oportunidade<br />
de crescer e acredita das nossas potencialidades,<br />
ainda mais quando se trata de pessoas com<br />
deficiência”. Uma constatação que a Diretora de<br />
Relações Laborais e Responsabilidade Interna do<br />
Grupo sublinha: “Aqui têm a oportunidade de crescer,<br />
de criar valências. Depois de entrarem no Grupo,<br />
podem ser o que quiserem. A integração é só abrir a<br />
porta. Essa mesma porta depois é a primeira para<br />
muitas outras oportunidades”. Uma porta pela qual,<br />
desde 2006, já passaram 34 associados da ACAPO.<br />
Mas se atendermos aos casos de sucesso desta<br />
parceria, espelhados nos percursos de Sónia, Eduardo<br />
e Sara, de certo que este número não ficará por aqui.<br />
LB
Ciência<br />
Prevenção, diagnóstico e tratamento<br />
das doenças oftalmológicas<br />
O que mudou nos últimos 20 anos?<br />
Por Florindo Esperancinha<br />
Médico Oftalmologista/ Presidente do Colégio da Especialidade de<br />
Oftalmologia da Ordem dos Médicos<br />
Prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças<br />
oftalmológicas.<br />
O que mudou nos últimos 20 anos?<br />
Prevenção<br />
Quando falamos de avanços na prevenção em<br />
oftalmologia, ressaltam alguns aspetos que as<br />
modernas sociedades e as novas tecnologias de<br />
informação e comunicação (TIC) trouxeram e que muito<br />
têm contribuído para o combate à cegueira.<br />
A Medicina do Trabalho impondo regras que previnem<br />
traumatismos oculares de consequências desastrosas,<br />
uma maior cobertura oftalmológica nacional e os<br />
rastreios de doenças, como o glaucoma, que, como<br />
não dá queixas pode levar à cegueira, sem que o<br />
doente se aperceba, e a diabetes, em que uma<br />
intervenção muito mais precoce quer no controlo<br />
metabólico, quer na intervenção terapêutica impedem a<br />
progressão da doença, levam a obter enormes ganhos<br />
de saúde que permitem aos doentes ficarem a ver<br />
durante muitos mais anos.<br />
A consciência da necessidade de intervenção precoce<br />
em doenças como a Degenerescência Macular da<br />
Idade (DMI) em que o aparecimento de distorções das<br />
imagens com perda súbita de visão ou a prevenção de<br />
descolamentos da retina quando há sinais como o<br />
aparecimento de “moscas “ ou “cabelos”<br />
acompanhados de luzes como se fosse um raio de luz,<br />
no campo de visão, consciência esta adquirida quer por<br />
uma maior informação quer por maior acesso a ela<br />
através da internet, tem sido nos últimos tempos<br />
responsável por haver menos doentes com problemas<br />
graves de visão provocados por estas situações.<br />
Diagnóstico<br />
A área do diagnóstico tem sido a que mais evoluiu nos<br />
9<br />
últimos 20 anos, quer por ter havido evoluções em<br />
exames já existentes, como a Angiografia<br />
Fluoresceínica, em que o mesmo exame feito com<br />
outros produtos (verde de indocianina) permitiu<br />
diagnosticar, caraterizar e controlar doenças como a<br />
DMI; mas sendo este exame invasivo por obrigar à<br />
injeção de produtos de contraste, nos últimos 10 anos<br />
apareceu um novo método de estudo de muita<br />
patologia da retina, que vai desde a DMI, ao edema<br />
macular (líquido na retina) e ao glaucoma, que se<br />
chama Tomografia Ótica de Coerência (OCT) e que<br />
sendo não invasivo e de fácil execução dá um conjunto<br />
de informações que são capitais para o diagnóstico e<br />
prognóstico.<br />
A Cirurgia Refrativa, mais conhecida por cirurgia laser<br />
da miopia, mas que também trata a hipermetropia e o<br />
astigmatismo está completamente implantada e com<br />
enorme sucesso; diga-se que nem todos os doentes<br />
são elegíveis para esta cirurgia e que deve sempre<br />
solicitar toda a informação ao seu médico<br />
oftalmologista, porque além do laser há outras<br />
abordagens, como seja a introdução de lentes<br />
intraoculares; o desenvolvimento desta área só foi<br />
possível porque apareceram exames como a<br />
Topografia Corneana e a Paquimetria além de outros<br />
como o Pentacam, que criaram condições para que a<br />
programação destas cirurgias seja eficaz quanto aos<br />
resultados que se pretendem obter.<br />
Na área do Glaucoma, além do OCT já referido, outros<br />
apareceram para melhor caraterizar e estudar a<br />
evolução de uma doença com tão dramáticas<br />
repercussões na visão e estamos a falar da<br />
Polarimetria Laser (mais conhecida por GDX), do ORA<br />
para estudo da histerese corneana (elasticidade da<br />
córnea) e dos Campimetros Computorizados (PEC)<br />
com novos softwares; toda esta parafernália de<br />
exames foi e é uma mais-valia para se elaborarem<br />
propostas terapêuticas mais eficazes.<br />
A Ecografia Ocular como técnica já antiga adaptou-se<br />
aos novos tempos e o aparecimento da UBM ao<br />
permitir estudar o segmento anterior do olho veio dar<br />
informação que por vezes era difícil de obter; também a<br />
ecografia a 3 dimensões pode nalguns casos ser<br />
importante na ajuda ao diagnóstico.<br />
284 milhões<br />
Número de pessoas com deficiência visual<br />
no mundo<br />
Tratamento<br />
<strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong><br />
“A área do diagnóstico tem sido a que mais<br />
evoluiu nos últimos 20 anos”<br />
Em todas as estruturas oculares e anexos novas<br />
abordagens/inovações terapêuticas surgiram que vão,<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 |
entre outros, desde a múltipla utilização do laser aos<br />
transplantes de córnea; o laser pode ser usado em<br />
praticamente todas as estruturas oculares desde as<br />
pálpebras até à retina e coroideia e, quando falamos de<br />
laser, temos que ter noção dos vários tipos de laser,<br />
cada um com caraterísticas e indicações específicas;<br />
sendo tão vasta a sua utilização informe-se junto do<br />
seu oftalmologista.<br />
“Os transplantes de córnea tiveram nos últimos<br />
anos grandes desenvolvimentos técnicos”<br />
Os transplantes de córnea pela sua importância no<br />
contexto da visão, tiveram nos últimos anos grandes<br />
desenvolvimentos técnicos, que levou a passar de<br />
transplantes totais da córnea para lamelares ou mesmo<br />
só de cercas camadas, como o endotélio, que é a<br />
camada mais importante para manter a transparência<br />
da córnea.<br />
A façoemulsificação da catarata transformou esta<br />
cirurgia num dos maiores sucessos terapêuticos dos<br />
últimos 20 anos, ao permitir rápidas recuperações e em<br />
Educação<br />
A integração educativa do aluno<br />
com deficiência visual<br />
Por Graça Pegado<br />
Professora especializada na área da deficiência visual<br />
Independentemente da sua natureza, a existência de<br />
um défice visual significativo condiciona o processo de<br />
aprendizagem dos alunos que o manifestam. A inclusão<br />
sócio-educativa exige um trabalho concertado por parte<br />
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.0 | 2011 | 10<br />
cirurgia de ambulatório.<br />
A vitrectomia (substituição do vítreo e/ou remoção de<br />
membranas, corpos estranhos ou cristalinos) tornou-a<br />
uma cirurgia salvadora de muitos olhos, anteriormente<br />
considerados perdidos; também aqui novas aberturas<br />
cada vez mais pequenas do globo ocular associados a<br />
novos equipamentos vieram facilitar a ambulatorização<br />
e a recuperação.<br />
Na terapêutica do glaucoma, o aparecimento de novos<br />
medicamentos e novas técnicas cirúrgicas associados<br />
a um melhor diagnóstico, modificaram o prognóstico de<br />
uma doença, que evoluindo silenciosamente, pode<br />
levar à cegueira total (é o ladrão silencioso).<br />
Os antiangiogénicos e os corticoides intravitreos vieram<br />
modificar o prognóstico de doenças para as quais a<br />
nossa capacidade de intervenção era limitada, como na<br />
DMI e nos edemas diabéticos ou inflamatórios, com<br />
resultados muito positivos. Este é um dos maiores<br />
avanços dos últimos tempos na Oftalmologia porque<br />
nos permitiu tratar e controlar doenças graves para as<br />
quais não tínhamos tratamentos suficientemente<br />
eficazes.<br />
É um mundo novo o que as novas tecnologias<br />
trouxeram e continuam a trazer para a Oftalmologia. LB<br />
da família, dos professores ou educadores e outros<br />
agentes educativos que possam, de uma forma ou de<br />
outra, encontrar-se envolvidos no contexto escolar dos<br />
alunos, no sentido de verem minimizadas as<br />
consequências decorrentes dos problemas de visão<br />
que lhes possam vir a limitar as oportunidades de um<br />
desempenho académico desejável.
Em Janeiro de 2008 foi publicado um decreto-lei<br />
que regulamenta a organização da Educação<br />
Especial nas escolas portuguesas<br />
Com o objetivo de regulamentar a organização da<br />
Educação Especial nas escolas portuguesas, teve<br />
lugar a publicação do Decreto-Lei nº 3/2008 de 7 de<br />
janeiro. O diploma em vigor dedica um artigo à<br />
Educação de alunos cegos e com baixa visão, onde é<br />
consagrado um conjunto de medidas aplicáveis aos<br />
alunos estariam, à partida, habilitadas a oferecer,<br />
sendo múltiplos os fatores que para esse fim<br />
concorrem. Os recursos humanos e materiais que são<br />
colocados à disposição, a constituição das turmas, a<br />
adaptação do currículo e as atitudes, as práticas e as<br />
competências do pessoal docente constituem aspetos<br />
que condicionam a eficácia das medidas enunciadas,<br />
na promoção do sucesso escolar e inclusão social.<br />
Fazendo uma retrospetiva relativamente ao<br />
acompanhamento de alunos com deficiência visual na<br />
última década, é-nos dado a perceber que a<br />
modernização das tecnologias em muito beneficiou o<br />
esforço que o Ministério da Educação tem vindo a<br />
desenvolver, no sentido de proporcionar aos alunos<br />
que a escola em si acolhe, as respostas mais<br />
adequadas às suas especificidades. Por outro lado,<br />
através de uma desconstrução criteriosa da realidade<br />
que os nossos alunos vivem nas escolas da Grande<br />
Lisboa, concluímos que esse investimento não é, de<br />
todo, suficiente para assegurar que princípios como a<br />
promoção da igualdade de oportunidades pelos quais<br />
se rege a Escola Inclusiva estejam a ser respeitados.<br />
Com efeito, é do conhecimento comum que um número<br />
significativo de medidas enunciadas na lei não<br />
encontra, frequentemente, a correspondência desejada<br />
na escola pública. É este o caso da sobejamente<br />
conhecida falta de equipamentos informáticos e<br />
materiais didáticos adequados, bem como a total<br />
ausência de preocupação com a acessibilidade dos<br />
alunos dentro da escola e nas suas imediações. De<br />
facto, a conceção arquitectónica da maioria dos<br />
espaços escolares que integram a rede de escolas de<br />
referência em nada difere dos demais<br />
estabelecimentos de ensino, não se verificando sequer<br />
a utilização de recursos alternativos, tais como pisos<br />
tácteis, placas sinalizadoras em braille, etc.<br />
“A oferta formativa na área da deficiência visual<br />
é extremamente escassa na zona da<br />
Grande Lisboa”<br />
Ainda no vasto campo das acessibilidades, um outro<br />
aspeto que importa aqui sublinhar, é a escandalosa<br />
falta de acesso que os alunos cegos têm aos manuais<br />
escolares quando os mesmos são disponibilizados em<br />
11<br />
<strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong><br />
formato digital, à luz de um protocolo que o M.E.<br />
celebrou com um número considerável de editoras. O<br />
formato que os alunos recebem via e-mail não é<br />
compatível com os leitores de ecrã que utilizam.<br />
E, mesmo após várias chamadas de atenção junto das<br />
entidades competentes, nenhuma posição foi ainda<br />
tomada no sentido de resolver uma situação inaceitável<br />
que compromete seriamente a garantia da igualdade<br />
tão apregoada pelo referido diploma. Por outro lado, a<br />
abordagem das questões que se relacionam com os<br />
recursos humanos e sua preparação para o<br />
desempenho das funções que lhes estão designadas<br />
obriga, irremediavelmente, à análise refletida da sua<br />
formação.<br />
“Mesmo um professor especializado no domínio<br />
da visão chega à escola com uma preparação<br />
deficitária”<br />
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que a oferta<br />
formativa na área da deficiência visual é extremamente<br />
escassa na zona da Grande Lisboa. Acresce ainda o<br />
facto de os programas curriculares dos cursos de<br />
especialização se encontrarem, regra geral,<br />
desajustados relativamente às necessidades da prática<br />
educativa. Áreas de importância central como a<br />
orientação e mobilidade, a avaliação visual e funcional,<br />
a aplicação de programas de estimulação visual, a<br />
utilização de meios informáticos específicos, o treino de<br />
atividades de vida diária e a promoção de<br />
competências sociais estão, habitualmente, ausentes<br />
do currículo. Mesmo um professor especializado no<br />
domínio da visão, sem ter ainda acumulado alguns<br />
anos de experiência, chega à escola com uma<br />
preparação deficitária, uma vez que os conhecimentos<br />
adquiridos não satisfazem, em larga medida, as<br />
necessidades das suas funções.<br />
52<br />
Número de escolas de referência para educação<br />
bilingue para alunos cegos ou com baixa visão<br />
Tendo em conta o atual cenário acerca do qual nos foi<br />
possível enunciar apenas um número reduzido de<br />
situações exemplificativas, parece-nos fundamental<br />
deixar claro que a melhoria da qualidade dos serviços<br />
prestados pelo sistema educativo depende, em<br />
primeira instância, de um processo de<br />
consciencialização coletiva, em que o respeito<br />
inadiável pelo aluno com deficiência visual se impõe de<br />
forma perentória. Trata-se de uma realidade que<br />
implica, essencialmente, uma outra conceção de<br />
organização escolar, ultrapassando a via da<br />
uniformidade e reconhecendo o direito à diferença. LB<br />
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<strong>Louis</strong> <strong>Braille</strong><br />
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