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HISTÓRIAS SEM DATA MACHADO DE ASSIS Contos - Portal TopGyn

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Um dia, poucos meses depois, apontou no horizonte o primeiro namorado. D.<br />

Camila pensara vagamente nessa calamidade, sem encará-la, sem aparelhar-se para a<br />

defesa. Quando menos esperava, achou um pretendente à porta. Interrogou a filha;<br />

descobriu-lhe um alvoroço indefinível, a inclinação dos vinte anos, e ficou prostrada.<br />

Casá-la era o menos; mas, se os seres são como as águas da Escritura, que não voltam<br />

mais, é porque atrás deles vêm outros, como atrás das águas outras águas; e, para<br />

definir essas ondas sucessivas é que os homens inventaram este nome de netos. D.<br />

Camila viu iminente o primeiro neto, e determinou adiá-lo. Está claro que não<br />

formulou a resolução, como não formulara a idéia do perigo. A alma entende-se a si<br />

mesma; uma sensação vale um raciocínio. As que ela teve foram rápidas, obscuras, no<br />

mais íntimo do seu ser, donde não as extraiu para não ser obrigada a encará-las.<br />

— Mas que é que você acha de mau no Ribeiro? perguntou-lhe o marido, uma<br />

noite, à janela.<br />

D. Camila levantou os ombros. — Acho-lhe o nariz torto, disse.<br />

— Mau! Você está nervosa; falemos de outra coisa, respondeu o marido. E,<br />

depois de olhar uns dois minutos para a rua, cantarolando na garganta, tornou ao<br />

Ribeiro, que achava um genro aceitável, e se lhe pedisse Ernestina, entendia que<br />

deviam ceder-lha. Era inteligente e educado. Era também o herdeiro provável de uma<br />

tia de Cantagalo. E depois tinha um coração de ouro. Contavam-se dele coisas muito<br />

bonitas. Na academia, por exemplo... D. Camila ouviu o resto, batendo com a ponta<br />

do pé no chão e rufando com os dedos a sonata da impaciência; mas, quando o marido<br />

lhe disse que o Ribeiro esperava um despacho do ministro de estrangeiros, um lugar<br />

para os Estados Unidos, não pôde ter-se e cortou-lhe a palavra:<br />

— O quê? separar-me de minha filha? Não, senhor.<br />

Em que dose entrara neste grito o amor materno e o sentimento pessoal, é um<br />

problema difícil de resolver, principalmente agora, longe dos acontecimentos e das<br />

pessoas. Suponhamos que em partes iguais. A verdade é que o marido não soube que<br />

inventar para defender o ministro de estrangeiros, as necessidades diplomáticas, a<br />

fatalidade do matrimônio, e, não achando que inventar, foi dormir. Dois dias depois<br />

veio a nomeação. No terceiro dia, a moça declarou ao namorado que não a pedisse ao<br />

pai, porque não queria separar-se da família. Era o mesmo que dizer: prefiro a família<br />

ao senhor. É verdade que tinha a voz trêmula e sumida, e um ar de profunda<br />

consternação; mas o Ribeiro viu tão-somente a rejeição, e embarcou. Assim acabou a<br />

primeira aventura.<br />

D. Camila padeceu com o desgosto da filha; mas consolou-se depressa. Não<br />

faltam noivos, refletiu ela. Para consolar a filha, levou-a a passear a toda parte. Eram<br />

ambas bonitas, e Ernestina tinha a frescura dos anos; mas a beleza da mãe era mais<br />

perfeita, e apesar dos anos, superava a da filha. Não vamos ao ponto de crer que o<br />

sentimento da superioridade é que animava D. Camila a prolongar e repetir os<br />

passeios. Não: o amor materno, só por si, explica tudo. Mas concedamos que<br />

animasse um pouco. Que mal há nisso? Que mal há em que um bravo coronel defenda<br />

nobremente a pátria, e as suas dragonas? Nem por isso acaba o amor da pátria e o<br />

amor das mães.

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