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um estudo sobre a sufixação e a polissemia - Unioeste

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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010<br />

Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

UM ESTUDO SOBRE A SUFIXAÇÃO E A POLISSEMIA DO SUFIXO “EIRO”<br />

ISSN 2178-8200<br />

MACEIS, Valéria Adriana (PG-UEM)<br />

RESUMO: O presente artigo visa à análise das ocorrências do sufixo –eiro em<br />

sincronias do português atual como também do arcaico (séculos XII a XVI). Busca-se,<br />

sinteticamente, em <strong>um</strong> primeiro momento, apresentar a função deste afixo, isto é, o<br />

sufixo e seu léxico de forma geral, expondo, inclusive, possíveis “problemas” de<br />

sistematização que a maioria das gramáticas tradicionais apresenta com relação ao<br />

<strong>estudo</strong> da <strong>sufixação</strong>. Tais como: não-especificação dos critérios para se saber se <strong>um</strong>a<br />

palavra apresenta sufixo ou não; a questão da regularidade, previsibilidade e<br />

sistematização das relações sufixais; a impressão de que o <strong>estudo</strong> da <strong>sufixação</strong> consiste<br />

apenas na apresentação de <strong>um</strong>a lista de sufixos. Interessa-nos, mais especificamente, o<br />

uso do sufixo –eiro, por, no português atual, ele apresentar <strong>um</strong> léxico <strong>um</strong> tanto<br />

produtivo e <strong>um</strong>a <strong>polissemia</strong> instigante. Portanto, em <strong>um</strong> segundo momento de nosso<br />

trabalho, agora de forma mais ampla, temos por objetivo analisar os valores semânticos<br />

desempenhados por este sufixo, tanto no português atual como no arcaico. Com isso,<br />

pretendemos retomar <strong>um</strong> questionamento já levantado por linguistas atuais a respeito do<br />

<strong>estudo</strong> do sufixo nas gramáticas brasileiras e confirmar ou não, se o sufixo –eiro já<br />

apresentava, no português arcaico (séculos XII a XVI), esta mesma <strong>polissemia</strong> a qual<br />

hoje se é possível observar em seu léxico.<br />

PALAVRAS-CHAVE: léxico; <strong>polissemia</strong>; <strong>sufixação</strong>; sufixo -eiro.<br />

1-Introdução<br />

Chamamos sufixos às unidades significativas, inferiores à palavra, que se<br />

acrescentam “à direita” de <strong>um</strong> radical, formando novas palavras.<br />

Cegalla (1980) afirma que estes podem ser classificados em: nominais<br />

(formadores de substantivos e adjetivos); verbais (formadores de verbos) ou então<br />

como adverbiais, quando se tratar do sufixo -mente, sufixo formador de advérbios. E, a<br />

seguir, expõe <strong>um</strong>a lista com os principais sufixos de cada categoria (nominais, verbais<br />

e adverbiais) usados pelos falantes de nossa Língua.<br />

Linguistas atuais como Rocha (1998), levantam questionamentos <strong>um</strong> tanto<br />

coerentes a nosso ver, acerca do processo de <strong>sufixação</strong> apresentado pelas gramáticas<br />

brasileiras de <strong>um</strong> modo geral, como a de Cegalla (1980), citada anteriormente. Rocha<br />

(1998) critica a não-especificação dos critérios para se saber se <strong>um</strong>a palavra apresenta<br />

sufixo ou não; a questão da regularidade, previsibilidade e sistematização das relações


sufixais; a impressão de que o <strong>estudo</strong> da <strong>sufixação</strong> consiste apenas na apresentação de<br />

<strong>um</strong>a lista de sufixos.<br />

Sabemos que este afixo de nossa língua, ou seja, o sufixo é produtor de <strong>um</strong><br />

léxico vasto, <strong>um</strong>a vez que é muito utilizado na formação de palavras, conforme afirma<br />

Silveira Bueno (1958): “A ação dos sufixos, a sua ac<strong>um</strong>ulação, quer venham eles do<br />

latim, do grego ou de outras línguas, foi sempre de grande produções.” Ele acrescenta<br />

também, em outras palavras, que o sufixo tem <strong>um</strong> tipo de gramaticalidade que falta ao<br />

prefixo, por, além de abduzir novo significado a <strong>um</strong> vocábulo, trazer consigo a<br />

propriedade de distribuir palavras em quatro grupos ou classes de palavras distintas<br />

(substantivo, adjetivo, verbo e advérbio).<br />

Portanto, em nosso trabalho, procuraremos tecer informações importantes no<br />

que se refere ao sufixo e às palavras dele derivadas de <strong>um</strong> modo geral, expondo,<br />

inclusive, críticas de linguistas como Rocha (1980), acerca do modo como a tradição<br />

gramatical brasileira aborda o <strong>estudo</strong> dos sufixos, <strong>um</strong>a vez que consideramos<br />

relevantes tais questionamentos. Entretanto, centralizar-nos-emos ao <strong>estudo</strong> do sufixo –<br />

eiro, visto que apenas este sufixo já nos possibilita <strong>um</strong> grande campo de <strong>estudo</strong>, por<br />

apresentar <strong>um</strong> léxico <strong>um</strong> tanto produtivo e <strong>polissemia</strong> instigante. Ao analisá-lo, no<br />

português atual e também no arcaico, temos por objetivo conferir se tal <strong>polissemia</strong> por<br />

ele hoje apresentada, já se fazia sentir em textos de sincronias anteriores, mais<br />

especificamente as dos séculos XII a XVI.<br />

2- Fundamentação teórica<br />

2.1- O léxico dos Sufixos<br />

Para Monteiro (2002):<br />

Bastante difícil é a tarefa de identificar todos os sufixos vigentes no<br />

português atual. Alguns, talvez pela pouca produtividade, ficaram<br />

presos a certos radicais, de tal modo que não podem mais ser isolados.<br />

Tal o caso de [urro] em casmurro. Por vezes, é destacável em <strong>um</strong>as<br />

palavras (cf. [orro] em cabeçorra), porém não em outras (cf.<br />

cachorro). (...)Se alguém for analisar morficamente o vocábulo social,<br />

com certeza pres<strong>um</strong>irá que deriva do adjetivo sócio. Todavia, em<br />

termos diacrônicos, o sufixo já estava presente no lat. sociale, de onde<br />

proveio o nosso termo.<br />

2


Vejamos que Monteiro (2002), ao falar do inventário dos sufixos, expunha sua<br />

preocupação com a dificuldade em descrever o léxico dos sufixos, porém, de acordo<br />

com nossas pesquisas, atualmente, poucos são os gramáticos que apresentam tal<br />

preocupação.<br />

Basílio (1990) questiona o modo pelo qual as gramáticas brasileiras explicam os<br />

processos de formação de palavras, incluso o de <strong>sufixação</strong>. Ela defende a conjunção dos<br />

critérios: semântico, morfológico e sintático, o que não é adotado pela tradição<br />

gramatical brasileira. Em seu <strong>estudo</strong> <strong>sobre</strong> tais critérios, Basílio (1990) trata da<br />

formalização elementar destes processos de formação de palavras. Segundo ela:<br />

(...) a descrição dos processos de formação de palavras tem muitas<br />

decisões a tomar. A primeira e essencial é determinar se, para os<br />

efeitos da descrição dos processos de formação, as classes de palavras<br />

devem ser consideradas em termos dos conjuntos de propriedades<br />

definidos pelos três critérios ao mesmo tempo ou se deve haver <strong>um</strong>a<br />

hierarquia de critérios.<br />

Rocha (1998), que muito cita Basílio (1990) em seus <strong>estudo</strong>s, acredita ser <strong>um</strong><br />

problema o fato de a tradição gramatical brasileira apresentar a não-especificação dos<br />

critérios para se saber se <strong>um</strong>a palavra apresenta afixo ou não.<br />

O importante, portanto, é o estabelecimento de critérios para se saber<br />

se <strong>um</strong>a palavra é primitiva ou derivada. É evidente que essa falta de<br />

critério, aliada à confusão entre os planos sincrônico e diacrônico, é<br />

altamente prejudicial ao ensino da língua, principalmente se se levar<br />

em conta que os adolescentes clamam por raciocínios lógicos. As<br />

gramáticas preocupam-se apenas em estabelecer a lista de sufixos. Um<br />

exame mais atento revelará muitas dúvidas a respeito da questão.<br />

Baseado em que critério se poderá responder à pergunta: Canalha<br />

apresenta sufixo? Qual é a base? (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 87-<br />

101).<br />

Outro problema encontrado nas gramáticas tradicionais, segundo Rocha (1998),<br />

com relação ao <strong>estudo</strong> da <strong>sufixação</strong> diz respeito à questão da regularidade,<br />

previsibilidade e sistematização das relações sufixais.<br />

É bem verdade que as gramáticas tradicionais estão mais preocupadas<br />

com o aspecto prescritivo do que com o aspecto descritivo da língua.<br />

Mas, isso não justifica o fato de elas colocarem, lado a lado, sem<br />

qualquer diferenciação, processos sufixais extremamente produtivos.<br />

Vejamos por exemplo: o do grau diminutivo, ao lado de sufixações<br />

anômalas, como, casebre, carniça, moçoila e bichano, em que os<br />

3


sufixos são imprevisíveis, tanto sob o ponto de vista morfológico,<br />

quanto sob o ponto de vista semântico.<br />

Além destes dois problemas da tradição gramatical brasileira ao tratar da<br />

<strong>sufixação</strong>, Rocha (1998) aponta ainda <strong>um</strong> terceiro: a impressão de que o <strong>estudo</strong> da<br />

<strong>sufixação</strong> consiste apenas na apresentação de <strong>um</strong>a lista de sufixos. Ele sempre confirma<br />

suas afirmações com exemplos de gramáticas tradicionais e muito conhecidas, entre elas<br />

a de Cegalla (1979).<br />

Alg<strong>um</strong>as gramáticas apresentam a lista de sufixos sem a menor<br />

preocupação com a estruturação do processo, como faz Cegalla<br />

(1979:62), por exemplo, que submete ao mesmo item sufixos tão<br />

diferentes, como –ada, -ção e –eza, que formam novas palavras a<br />

partir de categorias lexicais distintas, o que vale dizer, através de<br />

regras morfológicas diferentes.<br />

Procuramos neste item de nosso trabalho discorrer acerca da <strong>sufixação</strong> e seu<br />

léxico, abordando visões de linguistas atuais que discutem o modo como este afixo vem<br />

vendo apresentado nas gramáticas brasileiras. No item que segue, trataremos em<br />

especial do sufixo –eiro, escolhido por nós como objeto de <strong>estudo</strong> devido a sua grande<br />

produtividade e rica <strong>polissemia</strong>.<br />

2.2- O sufixo –eiro<br />

Palavras formadas em –eiro são sempre formadas a partir de substantivos, como<br />

se verifica na relação paradigmática: leite – leiteiro; sucata – sucateiro.<br />

Segundo Said Ali (s/d), referindo-se à descrição do léxico do sufixo –eiro e seu<br />

feminino –eira, em fins do século XII e início do século XIII, os nomes que em latim<br />

clássico tinham o elemento formativo –ariu- passaram para o português, ao tempo em<br />

que este idioma constituiu-se, geralmente com essa terminação alterada em –eiro:<br />

primeiro (primariu-), celeiro (cellariu), dinheiro (denariu-), ribeiro (ripariu-), etc. A<br />

evolução aconteceu naturalmente –ariu> -airo> -eiro; porém não possuímos<br />

doc<strong>um</strong>entação de primairo, dinhairo, etc.<br />

Ocorrem, todavia, no português antigo, alguns termos, uns por se terem<br />

introduzido ulteriormente, outros por constituírem exceção à regra geral, nos quais, -<br />

ariu- aparece com a forma –airo: sadairo, contrairo, fadairo, vigairo, boticairo, etc.<br />

4


A lista dos nomes de origem erudita é extensa, como também o é a série das<br />

palavras que se formaram com a terminação –eiro; notam-se entretanto poucos casos de<br />

formas paralelas como operário e obreiro, ovário e oveiro, solitário e solteiro.<br />

Alguns linguistas atuais, em <strong>estudo</strong> <strong>sobre</strong> as construções -eiro no português do<br />

Brasil, como Almeida & Gonçalves (2004) propõem que as formas -eiro sejam<br />

distribuídas por seis grupos de afinidade morfossemântica: agentivos profissionais<br />

(„pedreiro‟, „sorveteiro‟); agentivos habituais („fofoqueiro‟, „marombeiro‟); agentivos<br />

naturais („coqueiro‟, „jambeiro‟); locativos („cinzeiro‟, „galinheiro‟); intensificadores<br />

(„nevoeiro‟, „lamaceiro‟) e modais („certeiro‟, „grosseiro‟).<br />

Observemos que, nos agentivos habituais e modais, descritos pelos linguistas<br />

citados, encontramos o –eiro formando adjetivos. Said Ali (s/d) referindo-se à descrição<br />

do -eiro em 1202, já o apresentava como formador de adjetivos, embora ainda não os<br />

houvesse separado em agentivos como assim o fez Almeida & Gonçalves (2004):<br />

“Muitos dos vocábulos em –eiro são nomes adjetivos, tais como: foreiro, verdadeiro,<br />

(veado) galheiro, campeiro, (cão) perdigueiro, fragueiro, dianteiro, fronteiro, passageiro,<br />

poedeira, grosseiro, certeira, rasteiro, (vento) pondeiro, costeiro, ordeiro, etc.”<br />

Said Ali (s/d), ainda nesta época, também já havia descrito o –eiro como<br />

formador de agentivos naturais, locativos e intensificadores:<br />

De muitos nomes de frutos, flores e outros produtos vegetais derivamse<br />

por meio dos sufixos –eiro, -eira substantivos que designam a<br />

respectiva planta ou árvore. A forma masculina ou feminina depende<br />

geralmente do gênero do nome primitivo. Exemplos: mangueira,<br />

jaqueira, limoeiro, laranjeira, craveiro, roseira, muitos outros.<br />

De vários nomes de cousas derivam-se outros nomes em –eiro ou –<br />

eira, para denotar aquilo em que tais coisas guardam-se: charuteira,<br />

cigarreira, paliteiro, açucareiro. Designativos de lugares onde se<br />

guardam animais são galinheiro, potreiro e coelheira.<br />

Alg<strong>um</strong>as vezes vem o sufixo acrescentar ao termo primitivo a noção<br />

de grande massa ou acúmulo intenso: nevoeiro, poeira, papeira,<br />

lameiro, chuveiro.<br />

De cabelo forma-se o coletivo cabeleira. Berreiro significa “muitos<br />

berros” que se soltam consecutivamente, sem intermitência.<br />

Said Ali (s/d) traz ainda mais estas descrições para o –eiro:<br />

O derivado pode também designar <strong>um</strong> objeto que tem qualquer<br />

serventia referente à coisa denotada pelo vocábulo primitivo: assadeira<br />

(objeto em que se assa), frigideira, pulseira (jóia que serve para o<br />

pulso), banheiro e banheira, gorjeira, perneira, (peça que se resguarda<br />

5


a perna), mosquiteiro (cortinado que resguarda dos mosquitos),<br />

calçadeira, candeeiro, etc.<br />

Falemos agora do sufixo –eiro, como designador de agente profissional, o qual<br />

consideramos ser o agente de -eiro mais produtivo. Ele pode ser parafraseado como<br />

“aquele que trabalha com o que está especificado na base”. As formações de agente<br />

profissional das construções -eiro caracterizam-se por possuir base nominal e concreta<br />

com output substantivo também concreto. É o que se percebe em exemplos como<br />

„açougueiro‟, „jornaleiro‟, ´minhoqueiro‟, „porteiro‟ e „jardineiro‟. Portanto, bases como<br />

“açougue”, “jornal”, “jardim”, “minhoca” e “porta” possuem as características comuns<br />

de concretude e classe nominal, o que também ocorre com seus respectivos produtos<br />

agentivos.<br />

Em se tratando do léxico do sufixo –eiro como agentivo profissional,<br />

consideramos, ainda, relevante ressaltarmos <strong>um</strong>a particularidade deste, que encontramos<br />

em nossos <strong>estudo</strong>s: o –eiro ser formador de ocupações profissionais menos favorecidas<br />

pelo prestígio sócio-cultural em nossa sociedade.<br />

O –eiro se comparado com o sufixo –ista, sufixo igualmente designador de<br />

ocupação, como em, por exemplo: jornalista e jornaleiro, vejamos que, realmente, a<br />

diferença de status faz-se sentir.<br />

Segundo Alvares (2005), em nossa cultura, as atividades consideradas de maior<br />

prestígio social seriam designadas pelos agentivos em -ista, ao passo que as ocupações<br />

menos favorecidas pelo prestígio sócio-cultural, ou até mesmo marginalizadas, seriam<br />

designadas pelos agentivos em -eiro.<br />

Rocha (1998), em seu Estruturas Morfológicas do Português, também apresenta<br />

sua opinião a respeito de tal particularidade do sufixo –eiro, como agente profissional:<br />

Os sufixos agentivos denominais expressam <strong>um</strong> continu<strong>um</strong> que tem<br />

início em atividades de caráter mais intelectual, mais abstrato, mais<br />

teórico e mais profissional. À medida que se avança na escala,<br />

aparecem profissões de natureza mais artesanal, mais concreta, mais<br />

prática e mais amadora. À esquerda do continu<strong>um</strong>, parecem figurar<br />

formações como 'psicólogo', 'antropólogo' e 'geriatra', cujos elementos<br />

finais (e a acentuação) afixam-se a bases abstratas (quase sempre<br />

compostas por radicais gregos e/ou latinos) para formar agentivos que<br />

designam profissões que requerem grande conhecimento teóricocientífico.<br />

Seguem-se a essas, profissões como 'paisagista',<br />

'oftalmologista', e 'romancista', formadas a partir de bases concretas ou<br />

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abstratas para fazer referência a especialidades que também exigem<br />

conhecimento teórico ou atividade intelectual. As construções X-eiro<br />

estariam no final dessa escala, denominando profissões de caráter<br />

mais prático que teórico, mais artesanal que intelectual, com pouco ou<br />

nenh<strong>um</strong> tipo de conhecimento técnico-científico (cf. 'coveiro',<br />

'sorveteiro', 'pedreiro' e 'sapateiro', entre outras).<br />

Seguindo com os grupos agentivos de –eiro, como agente habitual, ele pode ser<br />

traduzido como “aquele que pratica o que está especificado na base com frequência”. É<br />

o caso, entre inúmeros outros, de „caloteiro‟, „trambiqueiro‟ e „cambalacheiro‟. Nesse<br />

caso, as bases são abstratas, ao contrário do que ocorre com os agentivos profissionais.<br />

Se o produto dos agentes profissionais é <strong>um</strong> substantivo, o dos habituais pode ser tanto<br />

<strong>um</strong> substantivo quanto <strong>um</strong> adjetivo, ou seja, os itens lexicais apresentam <strong>um</strong>a acentuada<br />

mobilidade categorial. Observamos que <strong>um</strong>a característica marcante dos produtos desse<br />

grupo é expressão da pejoratividade: as formações são criadas com o intuito de atribuir<br />

<strong>um</strong> juízo de valor depreciativo ao ser denominado.<br />

O grupo de construções -eiro que denota nome de árvore apresenta bases (nomes<br />

de frutos) e produtos nominais caracterizados como concretos: „abacateiro‟, „mamoeiro‟<br />

e „coqueiro‟. Neste caso, a ideia de extensão metafórica vem sendo defendida pelos<br />

linguistas. Para os dados desse grupo: <strong>um</strong> item como „cajazeiro‟ está mais próximo de<br />

<strong>um</strong>a palavra como „doceiro‟ que de <strong>um</strong>a como „saleiro‟, visto que ela é mais bem<br />

interpretada como “que produz X” do que como “onde fica X”, da mesma forma que o<br />

agente profissional.<br />

No grupo “acúmulo/excesso”, o sufixo -eiro marca a intensidade do que se<br />

especifica na base substantiva (“aguaceiro” pode ser parafraseado como excesso de<br />

água). Em função do baixo contingente de dados e da inexistência de novas formações,<br />

o grupo em questão pode ser considerado improdutivo.<br />

As construções locativas em -eiro apresentam, via de regra, base e produto<br />

nominais e concretos. Os derivados são interpretados como “local onde se deposita o<br />

que está veiculado na base”. „Saleiro‟ é, portanto, o local onde se coloca/guarda sal. É<br />

interessante afirmarmos que a ideia de local não se concentra necessariamente em <strong>um</strong><br />

objeto em que se põe algo: „banheiro‟, „puteiro‟ e „galinheiro‟ veiculam diferentes<br />

acepções de local, aqui interpretado apenas genericamente.<br />

7


As palavras como „certeiro‟ e „verdadeiro‟ ressaltam <strong>um</strong>a qualidade e/ou<br />

característica da base, de forma que as construções podem ser parafraseadas como “X-<br />

eiro é dotado ou tem as características de X”. Por exemplo, “grosseiro” é o ser<br />

qualificado por ser “grosso”, o que caracteriza tais construções como modais, haja vista<br />

a ausência de significado claramente especificado. O que esse grupo possui como fator<br />

de diferenciação em relação aos outros é o fato de gerar outputs tipicamente adjetivos.<br />

Como a acepção de intensidade, também a modal é considerada improdutiva no<br />

português brasileiro contemporâneo.<br />

No item que segue, trataremos da análise de alg<strong>um</strong>as palavras, no português<br />

atual e arcaico, em que encontramos o sufixo –eiro. Cada <strong>um</strong>a delas enquadra-se em<br />

<strong>um</strong> dos agentivos propostos por Almeida & Gonçalves. Com isto, pretendemos avaliar<br />

como esta <strong>polissemia</strong> encontrada no sufixo –eiro, atualmente capaz de atribuir<br />

significações distintas para bases diferentes, como vimos acima, era encontrada em<br />

textos do português arcaico – séculos XII a XVI.<br />

3- Análise linguística<br />

A primeira palavra que analisaremos é porteiro, a qual se enquadra nos<br />

agentivos profissionais, por, segundo Houaiss (2001), se referir a <strong>um</strong> substantivo<br />

masculino e significar (1). indivíduo encarregado de abrir e fechar a porta de <strong>um</strong>a casa,<br />

<strong>um</strong> palácio, <strong>um</strong>a instituição, quando chegam ou saem moradores ou visitantes; guarda-<br />

portão; (2) - indivíduo que toma conta da portaria de edifício ou instituição e permite ou<br />

não a entrada de pessoas estranhas, recebe correspondência e distribui aos destinatários<br />

etc; guarda-portão. Segundo a etimologia latina a palavra era portãrius, em 1209 passou<br />

a ser encontrada como porteyros e somente em 1265 passou a ser escrita como hoje a<br />

encontramos, ou seja, porteiro. Vejamos exemplos de textos de diferentes sincronias em<br />

que ela aparece.<br />

Período Objeto de análise Fonte<br />

Atual - 2008 “Empresa de médio porte seleciona porteiros<br />

para início imediato: Requisitos: Maior de 20<br />

anos, desejável ensino fundamental, desejável<br />

experiência.”<br />

Século XIII “Cost<strong>um</strong>e é que o porteyro non deue a filhar<br />

caualo de caualeyro nen yr a seu leyto<br />

Site: Balcão de Empregos –<br />

Acesso em 22/out./2008<br />

Texto: Dos Cost<strong>um</strong>es de<br />

Santarém<br />

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enquanto achar outros pegnores (...)”<br />

Como podemos conferir, ao menos neste recorte, não há diferenças semânticas<br />

no vocálubo porteiro, portador de –eiro, permanecendo configurado como agentivo<br />

profissional tanto no português atual quanto no arcaico – século XIII.<br />

A segunda palavra escolhida por nós para análise é conselheiro. A partir de sua<br />

descrição, a qual extraímos de Houaiss (2001), seria de etimologia latina como<br />

consiliarius, sendo encontrada no século XIII como consselleyro; no século XIV -<br />

cõselleyro, no XV como comsselheyro e atualmente conselheiro. Tal vocábulo<br />

enquadra-se nos agentivos habituais, por ter produtividade maior sendo adjetivo –<br />

“aquele que ou quem aconselha; aconselhador”. Embora também possa ser encontrado<br />

como substantivo masculino – o conselheiro. Vejamos:<br />

Período Objeto de análise Fonte<br />

Atual - 2008 “Hitch – Conselheiro Amoroso. Um homem<br />

que trabalha como consultor de homens para<br />

conquistarem seus grandes amores se<br />

apaixona perdidamente por <strong>um</strong>a jornalista,<br />

que pode revelar sua identidade.”<br />

Século XIII “Começasse o trautado que se chama Leal<br />

Consselheyro, o qual fez Dom Eduarte, pella<br />

graça de deos Rey de Portugal e do Algarve<br />

e Senhor de Cepta, a rrequerimento da<br />

muyto excellente Reynha dona Leonor, sua<br />

molher.”<br />

Site: Adoro Cinema –<br />

Acesso em 22/out./2008<br />

Texto: Leal Conselheiro<br />

Como o que ocorreu com porteiro, vejamos que também conselheiro mantém<br />

sua significação, já designada a ele desde o português arcaico, como consta no recorte<br />

do século XIII, isto é, o de atribuir a característica de aconselhador a pessoa que tem o<br />

hábito de aconselhar a <strong>um</strong>a outra.<br />

A seguir, temos a análise da palavra limoeiro, <strong>um</strong> agentivo natural. Não<br />

encontramos sua origem etimológica, mas sabemos que esta se trata de <strong>um</strong> substantivo<br />

masculino e que tem sua origem no substantivo limão, vindo a significar: pequena<br />

árvore de até 6m. (citrus limon), da família das rutáceas, nativa da Índia, de ramos<br />

curtos e espinhosos. Observemos a análise:<br />

9


Período Objeto de análise Fonte<br />

Atual - 2008 “Meu limão, meu limoeiro/ Quem te vê pode<br />

provar/ Sua flor é muito doce/ Mas seu fruto<br />

é de amargar/ Meu limão, meu limoeiro/<br />

Meu pé de jacarandá/ Uma vez tindô lelê,<br />

outra vez, tindô lalá.”<br />

Século XVI “(...) que nesta terra ha muytas e de muytos<br />

lymoeyros e laramgeiras e rosais, e outras<br />

arvores que nesta terra da~o muito bom<br />

fruyto, e nesta ribeira, que este rey trouxe<br />

dizem que gastou todo ho thesouro que d<br />

elrey seu pay lhe ficou, que era muito<br />

gramde soma de dinheiro.(...)”<br />

Música: Meu limão, meu<br />

limoeiro de Renato<br />

Teixeira.<br />

Site: Vagal<strong>um</strong>e – Acesso<br />

em 22/out./2008<br />

Texto: Crônica dos reis de<br />

Bisnaga<br />

Limoeiro, como podemos ver, também não apresenta diferenças no que diz<br />

respeito a significado, ao compararmos textos do português atual e do recorte extraído<br />

do texto Crônicas dos reis de Bisnaga, século XVI.<br />

Analisamos também o vocábulo: mosteiro, <strong>um</strong> locativo da classe dos<br />

substantivos. Vindo do latim monasteri<strong>um</strong>, ele já foi grafado, também segundo Houaiss<br />

(2001), no século XIII - monasteiro; no século XIV – moysteyro; no XV – moysteiro<br />

para só depois passar a mosteiro, como o encontramos hoje e que significa convento,<br />

habitação de monges ou monjas. Segue a análise que fizemos:<br />

Período Objeto de análise Fonte<br />

Atual - 2008 “Obra fundamental da arquitectura<br />

Manuelina, o Mosteiro dos Jerónimos foi<br />

encomendado pelo rei D. Manuel I, pouco<br />

depois de Vasco da Gama ter regressado da<br />

sua viagem à Índia.”<br />

Século XII “oc est finto de casales de eligoo que tenet<br />

alfonsus didaci de monasterio de pedroso<br />

(...)”<br />

Site: Guia da Cidade – Acesso<br />

em 22/out./2008<br />

Texto: Doc<strong>um</strong>entos<br />

Notatoriais<br />

Nossa última construção em –eiro estudada é o vocábulo: verdadeiro. Mesmo<br />

não possuindo sua origem etimológica, sabemos que tal palavra tem por significado: em<br />

que há verdade; conforme a verdade; que fala verdade; exacto; certo; genuíno; verídico,<br />

real; autêntico; seguro; leal; sincero; fiel; e enquadra-se como agente modal, já que é <strong>um</strong><br />

adjetivo.<br />

10


Período Objeto de análise Fonte<br />

Atual - 2008 “Vai dar pé, boa sorte companheiro/ É dificil<br />

encontrar/ Um amigo verdadeiro/ Muita luz<br />

muita paz no teu caminho/ Mesmo longe<br />

estou contigo/ Não te deixarei sozinho.”<br />

Século XVI “onde jaa não tinha outra sallvação senão a<br />

morte, por que jaa na fortaleza não avya<br />

augoa nem cousa para comer, e que de<br />

cimcoenta mill homẽes que na cidade de<br />

Nag<strong>um</strong>dy tynha, escolhera a elles por<br />

companheiros e verdadeiros amiguos,(...)”<br />

Música: Amigo Verdadeiro de<br />

Tim Maia<br />

Site: Vagal<strong>um</strong>e – Acesso em<br />

22/out./2008<br />

Texto: Crônica dos reis de<br />

Bisnaga<br />

Como podemos ver, neste caso, o adjetivo verdadeiro também não apresentou<br />

diferenças de sentido, e nem mesmo no que se refere à grafia. Isto se deve, talvez, por<br />

termos utilizado <strong>um</strong> objeto de análise do português arcaico extraído de <strong>um</strong> texto do<br />

século XVI, <strong>um</strong>a sincronia relativamente mais recente. Entretanto, sincronia esta que<br />

mesmo já apresentando o verdadeiro da mesma forma a qual o encontramos hoje, ainda<br />

abrangia configurações na língua <strong>um</strong> tanto primitivas como vimos em limoeiro, que no<br />

mesmo século, XVI, ainda aparecia como: lymoeyros.<br />

4- Considerações finais<br />

Com este trabalho, compreendemos a importância dos sufixos nos processos de<br />

formação de palavras. Ampliamos nosso conhecimento acerca de seu léxico. E<br />

passamos a depositar <strong>um</strong> olhar ainda mais atento àquilo que as gramáticas tradicionais<br />

ditam com tanta autoridade, principalmente com relação ao <strong>estudo</strong> da <strong>sufixação</strong>, <strong>um</strong>a<br />

vez que, como já exposto acima, grande parte delas apresenta definições insuficientes,<br />

quando não errôneas <strong>sobre</strong> o assunto em questão.<br />

Foi-nos prazeroso o <strong>estudo</strong> da <strong>polissemia</strong> do sufixo –eiro, posto que grande parte<br />

dela desconhecíamos ou a tínhamos inconscientemente. Acerca dele, podemos concluir,<br />

com base nas afirmações de Said Ali (s/d), que <strong>estudo</strong>u a história de nossa gramática, e<br />

daquelas proferidas por linguistas atuais, juntamente com a análise linguística que<br />

apresentamos anteriormente, que, aparentemente, o sufixo –eiro, já apresentava lá no<br />

português arcaico tal <strong>polissemia</strong> que hoje encontramos em seu léxico. A diferença é que<br />

no português atual, como vimos, sua <strong>polissemia</strong> instigou os linguistas a o distribuírem<br />

em seis grupos de afinidade morfossemântica, assim como já expusemos.<br />

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É interessante ressaltarmos que o –eiro, assim como muitos outros sufixos, por<br />

terem grande capacidade produtiva, podem ser agregados a bases que gerariam ainda<br />

outros sentidos, não contemplados aqui, ou já existentes atualmente, ou, então, ainda a<br />

serem objeto de <strong>estudo</strong> posterior, já que como afirma Katamba (1993) apud Rocha<br />

(1998):<br />

Referências bibliográficas<br />

O léxico não é <strong>um</strong>a lista passiva de palavras e de seus significados.<br />

Não é simplesmente como <strong>um</strong> laboratório de anatomia, onde palavras<br />

já existentes são dissecadas em morfemas constituintes e examinadas<br />

n<strong>um</strong> microscópio. Não, nessa teoria o léxico é muito mais do que isso.<br />

É também <strong>um</strong> lugar cheio de vitalidade, em que as regras são usadas<br />

ativamente para criar novas palavras.<br />

ALVARES. C. A. Nomes de Profissões: Uma oposição sufixal. Rio de Janeiro:<br />

Dialogarts, 2005.<br />

ALMEIDA. M. L. L.; GONÇALVES. C. A. Polissemia sufixal: o caso das formas Xeiro<br />

– propostas e problemas. Disponível em:<br />

. Acesso em: 22 out.2008.<br />

BASÍLIO. M. Teoria Lexical. São Paulo: Ática, 1990.<br />

CEGALLA, D. P. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora<br />

Nacional, 1980.<br />

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora<br />

Objetiva, 2001.<br />

MONTEIRO. J. L. Morfologia Portuguesa. 4. ed. Campinas: Pontes, 2002.<br />

ROCHA. L. C. A. Estruturas Morfológicas do Português. Belo Horizonte: Ed. da<br />

UFMG, 1998. Coleção Aprender.<br />

SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Companhia<br />

Melhoramentos de São Paulo, s/d.<br />

SILVEIRA BUENO, F. A Formação histórica da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de<br />

Janeiro: Acadêmica, 1958.<br />

Corpora para consulta online:<br />

Corpus informatizado do português medieval. Disponível em:<br />

.<br />

Projeto Gutenberg. Disponível em: .<br />

Acesso em: 22 out. 2008.<br />

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