(1) De Olhos Abertos (Marguerite Yourcenar) - Amara
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algum modo se inserisse em mim, para ter tempo de a deixar desenvolver-se<br />
inteiramente.<br />
- Porquê!<br />
- Para não perder a última experiência, a passagem. Adriano fala em<br />
morrer de olhos abertos. E foi nesse espírito que fiz Zénon viver a sua<br />
morte.<br />
- Parecer-se-ia com Proust, que modificou a morte de Bergotte<br />
decalcando-a da sua ...<br />
- Compreendo muito bem que ele tenha tentado fazê-lo. Essa utilização<br />
do seu próprio fim é uma espécie de heroísmo do romancista. Para mim,<br />
tratar-se-ia antes de não perder uma experiência essencial, e é porque faço<br />
questão de fazê-la que acho destestável que se roube a morte a alguém.<br />
Nos Estados Unidos, o corpo médico é de uma sinceridade espantosa, ao<br />
passo que em França os médicos, e sobretudo as famílias, gastam muitas<br />
vezes o tempo escondendo dos doentes o que se passa. <strong>De</strong>saprovo essa<br />
atitude. Pelo contrário, amo e respeito as pessoas que preparam a sua<br />
morte.<br />
- Isso obriga a viver em constante intimidade com o fim.<br />
- O que está muito bem. Temos de pensar amigavelmente na nossa<br />
morte, mesmo que haja uma instintiva repugnância em fazê-lo. É verdade<br />
que os animais não pensam nisso. E ainda assim! Vê-se alguns animais que,<br />
com toda a evidência, prevêem a própria morte.<br />
- Apesar disso, estamos muito desarmados perante essa<br />
passagem.<br />
- Tão desarmados que talvez acabemos chorões ou apavorados, mas sem<br />
dúvida que se tratará de uma simples reacção física, como o enjoo no mar.<br />
A aceitação, que é o que importa, terá tido lugar anteriormente.<br />
E depois, quem sabe? Talvez sejamos amparados por recordações, como<br />
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