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(1) De Olhos Abertos (Marguerite Yourcenar) - Amara

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ossos dos mortos romanos. Gatos recolhidos com André Embiricos numa<br />

aldeia da Anatólia; o «jogo do anjo», na neve; uma descida louca de<br />

toboggan, do alto de uma colina tirolesa, sob as estrelas cheias de<br />

presságios. Ou ainda, mais próximos, apenas suficientemente decantados<br />

para serem já recordação, o mar verde dos Trópicos, aqui e além manchado<br />

de óleo; um voo triangular de cisnes selvagens a caminho do Árctico, o sol<br />

nascente da Páscoa (que não sabia que era o sol da Páscoa), visto este ano de<br />

um espigão rochoso de Mount-<strong>De</strong>sert, tendo mais abaixo um lago<br />

semicongelado, estilhaçado com a proximidade da Primavera…<br />

Atiro estas imagens desordenadamente e sem pretender fazer delas<br />

símbolos. E sem dúvida que lhe deveria acrescentar alguns rostos amados,<br />

vivos ou mortos, à mistura com rostos imaginários, ou tirados da História.<br />

Ou talvez nada disto, ou tão somente o grande vazio azul-branco que o<br />

octogenário Honda, o juiz de olhos perspicazes e que é, ao mesmo tempo, no<br />

sentido mais ofensivo da palavra, um voyeur, contempla perto do fim, no<br />

último romance de Mishima, terminado algumas horas antes de este morrer.<br />

Vazio flamejante como um céu de Verão, que devora as coisas e cujo preço é<br />

que tudo o resto não passe de um desfile de sombras.<br />

- Talvez não seja por acaso que vai buscar este exemplo a um romance<br />

japonês. Parece-me que o Budismo teve sobre si grande influência.<br />

- Tenho várias religiões, como tenho várias pátrias, de modo que, num<br />

certo sentido, talvez não pertença a nenhuma. <strong>De</strong>certo que não penso em<br />

renegar o Homem que disse que aqueles que tiverem fome e sede de justiça<br />

serão saciados (num outro mundo, com toda a certeza, porque tal não é a<br />

verdade para o nosso), e que os puros verão a <strong>De</strong>us, e que em paga se fez<br />

crucificar (“Oh, oh, às vezes, ponho-me a tremer quando penso nisso”, diz<br />

um dos mais belos spirituals ), mas ainda menos renuncio à sabedoria<br />

taoista, semelhante a uma água límpida, ora clara, ora sombria, sob a qual se<br />

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