O caso de Ana na cidade: o que os olhos não veem, o ... - Fiocruz
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O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong> <strong>na</strong> cida<strong>de</strong>: o <strong>que</strong><br />
<strong>os</strong> olh<strong>os</strong> <strong>não</strong> <strong>veem</strong>, o coração e o<br />
corpo sentem?<br />
Marismary Horsth De Seta, Vanessa Cristi<strong>na</strong> Felippe Lopes Vilar e<br />
Elizabete Vian<strong>na</strong> Delamar<strong>que</strong><br />
Este <strong>caso</strong> se apoia em “O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong>”, apresentado <strong>na</strong> Parte II <strong>de</strong>ste<br />
livro, e introduz element<strong>os</strong> relativ<strong>os</strong> às vigilâncias do campo da saú<strong>de</strong>.<br />
As situações apresentadas baseiam-se <strong>na</strong> livre adaptação <strong>de</strong> fat<strong>os</strong> reais,<br />
geralmente a<strong>na</strong>lisad<strong>os</strong> e fartamente documentad<strong>os</strong>, todavia, <strong>não</strong> inteiramente<br />
revelad<strong>os</strong> no <strong>caso</strong>. Não revelad<strong>os</strong>, primeiramente para <strong>que</strong><br />
se alcance a mesma linguagem <strong>na</strong>rrativa do <strong>caso</strong> <strong>que</strong> lhe dá sustentação;<br />
em segundo lugar, para tor<strong>na</strong>r as vigilâncias, <strong>na</strong> sua articulação<br />
(ou <strong>não</strong>) com a atenção, mais próximas d<strong>os</strong> gestores e profissio<strong>na</strong>is do<br />
cuidado. Das quatro vigilâncias, a mais articulada é a epi<strong>de</strong>miológica,<br />
<strong>que</strong>, <strong>de</strong> certa forma e com mais frequência, acompanha o processo <strong>de</strong><br />
atenção, alimentando-se <strong>de</strong> suas informações e recomendando e orientando<br />
medidas preventivas até no campo da atenção.<br />
Neste <strong>caso</strong>, em dois moment<strong>os</strong> distint<strong>os</strong> (Ce<strong>na</strong>s 1 e 3), <strong>A<strong>na</strong></strong> se <strong>de</strong>sloca<br />
para a capital e se h<strong>os</strong>peda com pessoas amigas para fazer <strong>os</strong> exames<br />
necessári<strong>os</strong>. Assim, ela entra em contato com as repercussões das ações,<br />
das omissões, das dificulda<strong>de</strong>s e imp<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação das vigilâncias...<br />
Um p<strong>os</strong>sível conflito pelo feito e pelo <strong>não</strong> feito, ao tratar o <strong>que</strong> <strong>os</strong><br />
olh<strong>os</strong> <strong>não</strong> <strong>veem</strong>... Os risc<strong>os</strong>...<br />
Ce<strong>na</strong> 1 – Na capital...<br />
Ao chegar à capital, <strong>A<strong>na</strong></strong> se <strong>de</strong>para com outra série <strong>de</strong> problemas.<br />
A casa em <strong>que</strong> se h<strong>os</strong>pedou pertence a Sandra, sua amiga <strong>de</strong> infância, e<br />
fica situada <strong>na</strong> periferia, perto <strong>de</strong> uma fábrica. Sandra trabalha lá e vive<br />
exausta por conta das horas extras <strong>que</strong> faz, pois precisa sustentar sua<br />
família, uma vez <strong>que</strong> seu marido a abandonou com dois filh<strong>os</strong> pe<strong>que</strong>n<strong>os</strong>.
Qualificação <strong>de</strong> Gestores do sus<br />
194<br />
conheça um<br />
exemplo dramático<br />
<strong>de</strong> contami<strong>na</strong>ção do<br />
solo, lendo o artigo<br />
“exp<strong>os</strong>ição a risc<strong>os</strong> químic<strong>os</strong> e<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social: o <strong>caso</strong> do<br />
hch (hexaclorociclohexano)<br />
<strong>na</strong> cida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> Menin<strong>os</strong>, rJ”,<br />
disponível em:<br />
http://www.professores.uff.<br />
br/seleneherculano/<br />
publicacoes/exp<strong>os</strong>icao-risc<strong>os</strong>quimic<strong>os</strong>.htm.<br />
Por isso, <strong>não</strong> tem muito tempo para cuidar da sua saú<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> estar<br />
apreensiva com seu problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>A<strong>na</strong></strong> sofre ao ver a situação em<br />
<strong>que</strong> a amiga vive, com seus filh<strong>os</strong> sempre doentes.<br />
Na comunida<strong>de</strong> <strong>não</strong> existe re<strong>de</strong> <strong>de</strong> esgot<strong>os</strong>, mas a água é fornecida pela<br />
companhia <strong>de</strong> abastecimento, embora muitas vezes se sofra com a sua<br />
falta. Crianças e animais – inclusive alguns porc<strong>os</strong> e caval<strong>os</strong> – convivem<br />
com lixo pelas ruas e valas a céu aberto. No local <strong>não</strong> existe ESF, mas perto<br />
há um pronto atendimento 24 horas para pe<strong>que</strong><strong>na</strong>s urgências. Fre<strong>que</strong>ntemente<br />
há falta <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>is <strong>na</strong> unida<strong>de</strong>. Porém, como é a única alter<strong>na</strong>tiva<br />
do local, Sandra leva as crianças a essa unida<strong>de</strong>, mas <strong>não</strong> consegue<br />
acompanhamento médico. <strong>A<strong>na</strong></strong> acompanha Sandra e <strong>os</strong> filh<strong>os</strong> a um <strong>de</strong>sses<br />
atendiment<strong>os</strong>. Na volta, encontram uma vizinha no portão.<br />
– Boa noite, Lucia estam<strong>os</strong> voltando com as crianças da emergência.<br />
Estão outra vez com crise <strong>de</strong> asma – fala Sandra.<br />
– Boa noite. Também <strong>não</strong> estou me sentindo bem. A cada dia <strong>que</strong> passa<br />
tenho enjo<strong>os</strong>, náuseas e dores <strong>de</strong> cabeça constantes. Ninguém me tira<br />
da cabeça <strong>que</strong> isso tem a ver com essa fábrica <strong>de</strong> veneno do governo,<br />
<strong>que</strong> foi <strong>de</strong>sativada. Mas foi há tanto tempo... Os homens já estiveram<br />
aqui várias vezes, levaram umas am<strong>os</strong>tras <strong>de</strong> terra e <strong>de</strong> água para estudar.<br />
De vez em quando vem alguém, uns até conversam com a gente,<br />
tiram n<strong>os</strong>so sangue, mas solução <strong>que</strong> é bom...<br />
– Pois é... várias pessoas daqui da comunida<strong>de</strong> têm ficado doentes;<br />
alguns morreram <strong>de</strong> doença ruim... Mas, eu já estou falando <strong>de</strong>mais,<br />
<strong>A<strong>na</strong></strong>. Você já tem seus problemas, e nós aqui te aborrecendo com isso...<br />
Sandra se interrompe ao se lembrar o motivo <strong>de</strong> sua amiga estar ali...<br />
Suspeita <strong>de</strong> câncer, também...<br />
– Tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar daqui, mas para on<strong>de</strong>? – pergunta Lúcia.<br />
Com isso <strong>A<strong>na</strong></strong> sente mais sauda<strong>de</strong>s do interior. A amiga saiu da cida<strong>de</strong><br />
<strong>na</strong>tal em busca <strong>de</strong> uma vida melhor. Mas <strong>que</strong> vida é essa?<br />
Ansi<strong>os</strong>a, <strong>A<strong>na</strong></strong> conversa com Sandra:<br />
– Amiga, como se <strong>não</strong> bastassem seus problemas, a sua falta <strong>de</strong> tempo,<br />
você ainda está me ajudando...<br />
– <strong>A<strong>na</strong></strong>, <strong>não</strong> se preocupe, está tudo bem. Amanhã pego no turno da<br />
tar<strong>de</strong> e vou com você marcar seus exames no h<strong>os</strong>pital. Tenho certeza<br />
<strong>que</strong> tudo dará certo!
O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong> <strong>na</strong> cida<strong>de</strong>: o <strong>que</strong> <strong>os</strong> olh<strong>os</strong> <strong>não</strong> <strong>veem</strong>, o coração e o corpo sentem?<br />
Elas vão ao h<strong>os</strong>pital e o exame é marcado para dali a dois meses. Desolada,<br />
<strong>na</strong> saída do h<strong>os</strong>pital, <strong>A<strong>na</strong></strong> recebe um panfleto. Era a propaganda<br />
<strong>de</strong> uma clínica <strong>de</strong> preç<strong>os</strong> populares, a Santa R<strong>os</strong>a Madale<strong>na</strong>. Cansada<br />
<strong>de</strong> esperar e <strong>de</strong> dar trabalho à amiga, <strong>A<strong>na</strong></strong> <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> ligar para a tal clínica.<br />
– Bom dia. Estou com um problema no seio e preciso fazer uma mamografia.<br />
Vocês fazem o exame? – pergunta <strong>A<strong>na</strong></strong>, apreensiva, ao telefone.<br />
– Sim, a consulta custa R$20,00 e a mamografia, R$40,00 – respon<strong>de</strong><br />
a telefonista.<br />
– Não preciso <strong>de</strong> consulta. Já tenho o pedido. Como faço para marcar?<br />
– É fácil, a senhora po<strong>de</strong> vir amanhã, pela manhã, <strong>que</strong> o doutor irá<br />
atendê-la. E tem <strong>que</strong> fazer a consulta por<strong>que</strong> o pedido tem <strong>que</strong> ser<br />
daqui. Ou a senhora <strong>que</strong>r pagar R$100,00, o valor do particular? – fala<br />
a recepcionista, encerrando a conversa.<br />
Na manhã seguinte, <strong>A<strong>na</strong></strong> dirige-se à clínica, e fica impressio<strong>na</strong>da com<br />
a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mulheres <strong>que</strong> aguardavam o médico. Pensa <strong>que</strong> tão<br />
cedo <strong>não</strong> será atendida... Mas, para sua surpresa, logo chega a sua vez.<br />
O consultório só tem a ca<strong>de</strong>ira do médico...<br />
Ao entrar no consultório, o médico pergunta:<br />
– Do<strong>na</strong>, qual seu problema?<br />
– Doutor, uma das mamas me dói... – começa a explicar <strong>A<strong>na</strong></strong>.<br />
– Quant<strong>os</strong> an<strong>os</strong> a senhora tem?<br />
– 53 an<strong>os</strong>. O meu medo é <strong>que</strong>... – tenta respon<strong>de</strong>r <strong>A<strong>na</strong></strong>, mas é novamente<br />
interrompida pelo médico.<br />
– Mamografia! A senhora precisa <strong>de</strong> um exame <strong>de</strong> mamografia – diz<br />
ele, já carimbando o pedido <strong>de</strong> exames.<br />
– Volte quando tiver o resultado – fala, dispensando-a rapidamente e<br />
chamando a próxima paciente.<br />
<strong>A<strong>na</strong></strong> <strong>não</strong> conseguiu falar <strong>que</strong> sua avó falecera <strong>de</strong> câncer <strong>de</strong> mama e<br />
<strong>de</strong> seus temores <strong>de</strong> estar seriamente doente. Não foi realizado exame<br />
clínico da mama e a consulta <strong>não</strong> durou mais <strong>de</strong> dois minut<strong>os</strong>.<br />
Apesar <strong>de</strong> estar insegura e insatisfeita com a consulta, <strong>A<strong>na</strong></strong> marca a<br />
mamografia <strong>na</strong> clínica, pois sua apreensão e ansieda<strong>de</strong> falam mais alto.<br />
O dinheiro lhe fará falta, mas sua saú<strong>de</strong> é mais importante.<br />
195
Qualificação <strong>de</strong> Gestores do sus<br />
196<br />
No dia marcado, dando graças a Deus, embora um pouco assustada com<br />
o aspecto das instalações, resolve fazer o exame, pois já pagara por ele.<br />
A técnica, com muita má vonta<strong>de</strong>, realiza o exame e avisa:<br />
– O resultado sai amanhã.<br />
<strong>A<strong>na</strong></strong> impressio<strong>na</strong>-se com a rapi<strong>de</strong>z. Pagando tudo fica mais fácil, pensa<br />
aliviada.<br />
No dia seguinte, <strong>A<strong>na</strong></strong> pega o exame e ao sair da clínica abre o resultado<br />
e, embora <strong>não</strong> tenha entendido tudo, uma coisa a impressio<strong>na</strong>. O laudo,<br />
entre outras coisas, diz <strong>que</strong> a mama está “sem alterações significativas”.<br />
Ela <strong>não</strong> enten<strong>de</strong>, e se pergunta o porquê <strong>de</strong> sentir tant<strong>os</strong> sintomas.<br />
Ce<strong>na</strong> 2 – <strong>A<strong>na</strong></strong> vai para casa...<br />
<strong>A<strong>na</strong></strong> retor<strong>na</strong> à sua cida<strong>de</strong>, <strong>que</strong>r m<strong>os</strong>trar seu exame ao médico do Saú<strong>de</strong><br />
da Família, <strong>de</strong>pois da experiência <strong>de</strong>sagradável com o ginecologista da<br />
capital. Sente-se mais segura com ele.<br />
– Doutor, eu só consegui marcar o exame em um h<strong>os</strong>pital da capital<br />
para daqui a dois meses, mas resolvi fazer em uma clínica particular<br />
para adiantar o tratamento. Parece <strong>que</strong> o exame m<strong>os</strong>trou <strong>que</strong> está tudo<br />
bem, mas continuo com <strong>os</strong> sintomas – explica <strong>A<strong>na</strong></strong>.<br />
– Sinto muito, do<strong>na</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong>, esta <strong>não</strong> é minha especialida<strong>de</strong>, mas seu<br />
exame <strong>não</strong> condiz com seu quadro. Em minha opinião, a imagem <strong>não</strong><br />
parece ter boa qualida<strong>de</strong>. Sugiro <strong>que</strong> a senhora repita o exame – diz o<br />
médico.<br />
<strong>A<strong>na</strong></strong> fica <strong>de</strong>solada, pois além da <strong>de</strong>spesa extra, o exame <strong>não</strong> parece<br />
ter sido benfeito. Toda rapi<strong>de</strong>z <strong>na</strong> consulta e no exame, mas um resultado<br />
<strong>que</strong> <strong>de</strong>ixa dúvidas. Ela terá <strong>que</strong> ir novamente à capital repetir a<br />
mamografia. Mas <strong>não</strong> dá para voltar... É melhor aguardar a data marcada<br />
pelo h<strong>os</strong>pital...<br />
– Será <strong>que</strong> trocaram meu exame?<br />
<strong>A<strong>na</strong></strong> conta a Ivan, seu vizinho e membro do Conselho <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, <strong>os</strong><br />
<strong>de</strong>talhes da sua via crucis <strong>na</strong> cida<strong>de</strong>... A situação vivida <strong>na</strong> Clínica Santa<br />
R<strong>os</strong>a Madale<strong>na</strong>, <strong>na</strong> casa <strong>de</strong> Sandra, a doença <strong>de</strong> Lúcia...<br />
Ele pensa em discutir essa problemática no Conselho Municipal <strong>de</strong><br />
Saú<strong>de</strong>. Mas, antes, comenta o <strong>caso</strong> da <strong>A<strong>na</strong></strong> com sua colega do Conselho<br />
Estadual, Márcia Franco, representante da Associação <strong>de</strong> Mulheres<br />
Mastectomizadas (AMM).
O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong> <strong>na</strong> cida<strong>de</strong>: o <strong>que</strong> <strong>os</strong> olh<strong>os</strong> <strong>não</strong> <strong>veem</strong>, o coração e o corpo sentem?<br />
Márcia relata <strong>que</strong> as mulheres precisam ter acesso ao exame <strong>de</strong> mamografia,<br />
principal método <strong>de</strong> rastreamento diagnóstico para a <strong>de</strong>tecção<br />
precoce do câncer <strong>de</strong> mama, e <strong>que</strong> essa situação tem melhorado. Só<br />
<strong>não</strong> tem melhorado tanto para as mulheres mais pobres... E, além disso,<br />
se <strong>de</strong> um modo geral o acesso tem aumentado, com <strong>que</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
imagem as mamografias têm sido feitas?<br />
Como representante do movimento social, Márcia julga <strong>que</strong> o <strong>caso</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>A<strong>na</strong></strong>, em todas as suas situações, ilustra a triste realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitas<br />
mulheres... E <strong>de</strong> homens e crianças moradores da periferia, <strong>na</strong> <strong>que</strong>stão<br />
da contami<strong>na</strong>ção ambiental e <strong>na</strong>s difíceis condições <strong>de</strong> vida, trabalho e<br />
moradia. A contami<strong>na</strong>ção do solo, isso ela já tem ouvido falar... Inclusive<br />
no município em <strong>que</strong> Sandra e Lúcia moram... Poluentes orgânic<strong>os</strong><br />
persistentes (POP)... Será <strong>que</strong> Lúcia está intoxicada?<br />
Ce<strong>na</strong> 3 – De volta à capital...<br />
Depois <strong>de</strong> dois meses, <strong>A<strong>na</strong></strong> volta à capital para a mamografia agendada<br />
no h<strong>os</strong>pital. Por <strong>não</strong> enten<strong>de</strong>r direito o <strong>que</strong> aconteceu, retor<strong>na</strong> à<strong>que</strong>la<br />
clínica com a esperança <strong>de</strong> terem trocado o seu exame.<br />
Chegando, percebe algo estranho. A Clínica Santa R<strong>os</strong>a Madale<strong>na</strong><br />
estava fechada. <strong>A<strong>na</strong></strong> dirige-se ao jor<strong>na</strong>leiro e pergunta:<br />
– Moço, a clínica fechou? Que papel é a<strong>que</strong>le <strong>na</strong> porta? – pergunta <strong>A<strong>na</strong></strong><br />
ao ver um papel lacrando a porta, on<strong>de</strong> se lia: “Interditado”.<br />
– Fechou hoje cedo, foi coisa da vigilância sanitária – respon<strong>de</strong> o jor<strong>na</strong>leiro.<br />
Mais uma <strong>de</strong>cepção <strong>na</strong> vida <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong>...<br />
<strong>A<strong>na</strong></strong> volta para a casa <strong>de</strong> Sandra e à noite assiste ao noticiário <strong>na</strong> TV:<br />
“Vigilância Sanitária fecha duas clínicas <strong>na</strong> cida<strong>de</strong>. Uma das empresas<br />
rasga o lacre <strong>de</strong> interdição e reabre por sua própria conta.”<br />
Os motiv<strong>os</strong> do fechamento foram: laud<strong>os</strong> <strong>de</strong> exames sem registro; exames<br />
<strong>de</strong> rai<strong>os</strong> X e mamografia com baixa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagem, falta<br />
<strong>de</strong> licença sanitária e rotura <strong>de</strong> lacre <strong>de</strong> interdição anterior. A polícia<br />
acompanhou a ação da vigilância sanitária, pois havia <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong><br />
exercício ilegal da medici<strong>na</strong> (falso médico radiologista) e <strong>de</strong> crimes contra<br />
a economia popular.<br />
<strong>A<strong>na</strong></strong> se apavora com o risco <strong>que</strong> a população corre ao se submeter a<br />
procediment<strong>os</strong> nesses estabeleciment<strong>os</strong>. E pensa: ainda bem <strong>que</strong> <strong>não</strong><br />
<strong>de</strong>smar<strong>que</strong>i a mamografia no h<strong>os</strong>pital... Pe<strong>na</strong> <strong>que</strong> eles <strong>não</strong> fecharam a<br />
clínica antes <strong>de</strong> eu gastar o meu suado dinheirinho...<br />
Para saber mais<br />
sobre o acesso à<br />
mamografia e<br />
outr<strong>os</strong> dad<strong>os</strong>, consulte a<br />
Pesquisa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l por<br />
Am<strong>os</strong>tra <strong>de</strong> domicíli<strong>os</strong><br />
(2008), disponível em: http://<br />
www4.ensp.fiocruz.br/visa/<br />
publicacoes/_arquiv<strong>os</strong>/<br />
PnAd_2008_sau<strong>de</strong>[1]1.pdf.<br />
Poluentes orgânic<strong>os</strong> persistentes<br />
(POP) são comp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> orgânic<strong>os</strong><br />
com proprieda<strong>de</strong>s tóxicas,<br />
resistentes à <strong>de</strong>gradação e<br />
acumuláveis no organismo<br />
d<strong>os</strong> seres viv<strong>os</strong>. <strong>os</strong> PoP po<strong>de</strong>m<br />
contami<strong>na</strong>r a água, o solo, o ar e<br />
<strong>os</strong> aliment<strong>os</strong>, e são transportad<strong>os</strong> a<br />
longas distâncias pelo ar, pela água<br />
e por meio d<strong>os</strong> animais.<br />
197
Qualificação <strong>de</strong> Gestores do sus<br />
no <strong>de</strong>correr da leitura e estudo d<strong>os</strong><br />
próxim<strong>os</strong> capítul<strong>os</strong>, essa percepção<br />
inicial po<strong>de</strong>rá ser aprimorada,<br />
quando você será convidado a<br />
articular este <strong>caso</strong> ao tema do<br />
respectivo capítulo.<br />
198<br />
Ce<strong>na</strong> 4 – Pressões exter<strong>na</strong>s... Quem po<strong>de</strong><br />
manda, <strong>que</strong>m tem juízo obe<strong>de</strong>ce?<br />
O <strong>caso</strong> clínico <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong> ainda <strong>não</strong> se resolveu... E o sofrimento, como<br />
tratar? Referência e contrarreferência, fornecimento <strong>de</strong> medicament<strong>os</strong>...<br />
E a qualida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> exames <strong>de</strong> imagem, d<strong>os</strong> quimioterápic<strong>os</strong>, d<strong>os</strong><br />
procediment<strong>os</strong> cirúrgic<strong>os</strong> e <strong>de</strong> radioterapia <strong>que</strong> provavelmente <strong>A<strong>na</strong></strong> vai<br />
precisar? Como assegurar o seguimento <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong> para um bom tratamento<br />
e <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> recidivas?<br />
Será <strong>que</strong> a vigilância sanitária <strong>não</strong> vê nem a criação <strong>de</strong> porc<strong>os</strong> e caval<strong>os</strong><br />
em área urba<strong>na</strong>?<br />
E ainda há outras <strong>que</strong>stões <strong>que</strong> extrapolam a cida<strong>de</strong> e até mesmo a<br />
região... A contami<strong>na</strong>ção do solo e, talvez, do lençol freático...<br />
Márcia conclui <strong>que</strong> <strong>não</strong> dá para resolver um <strong>caso</strong> com tant<strong>os</strong> fatores<br />
complex<strong>os</strong> somente no âmbito do setor saú<strong>de</strong>... É preciso fazer algo<br />
mais... Tentar ajudar a<strong>que</strong>la comunida<strong>de</strong>... Estudar, ver se há relação<br />
entre <strong>os</strong> <strong>caso</strong>s <strong>de</strong> câncer e a exp<strong>os</strong>ição a<strong>os</strong> POPs... Sugerir um inquérito<br />
epi<strong>de</strong>miológico... Procurar parcerias fora do setor... Pressio<strong>na</strong>r, mas<br />
<strong>que</strong>m? A Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Meio Ambiente, da Habitação?<br />
O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong>, <strong>de</strong> muitas <strong>A<strong>na</strong></strong>s do gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> mulheres do<br />
país, trouxe para Márcia uma nova visão da realida<strong>de</strong>. E ela o relatou<br />
<strong>na</strong> discussão aberta <strong>na</strong> reunião do Conselho Estadual sobre a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> articulação das políticas públicas para solucio<strong>na</strong>r problemas<br />
complex<strong>os</strong> <strong>que</strong> repercutem <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> das comunida<strong>de</strong>s. Depois <strong>de</strong> saber<br />
<strong>que</strong> a vigilância sanitária estava sendo pressio<strong>na</strong>da para <strong>de</strong>sinterditar<br />
a Clínica Santa R<strong>os</strong>a Madale<strong>na</strong>, pediu vistas ao processo do estabelecimento<br />
e foi até a vigilância estadual.<br />
Por fim, Márcia <strong>de</strong>cidiu fazer uma <strong>de</strong>núncia ao Ministério Público e à<br />
Comissão <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da Câmara, com cópia para o Prefeito e para o Secretário<br />
<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.<br />
Para refletir<br />
no <strong>que</strong> se refere às vigilâncias, quais foram <strong>os</strong> principais aspect<strong>os</strong><br />
observad<strong>os</strong> <strong>na</strong> leitura <strong>de</strong> “o <strong>caso</strong> <strong>de</strong> <strong>A<strong>na</strong></strong> <strong>na</strong> cida<strong>de</strong>: o <strong>que</strong> <strong>os</strong> olh<strong>os</strong> <strong>não</strong><br />
<strong>veem</strong>, o coração e o corpo sentem?”