23.04.2013 Views

Ereshkigal – A Deusa do mundo subterrâneo

Ereshkigal – A Deusa do mundo subterrâneo

Ereshkigal – A Deusa do mundo subterrâneo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A ESCOLHA DE ERESHKIGAL<br />

<strong>Ereshkigal</strong>, a irmã gêmea de Enki, é também a poderosa e temida deusa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> Subterrâneo, as<br />

Grandes Profundezas, a terra <strong>do</strong>s ancestrais, da justiça e <strong>do</strong> após-morte. Pois foi assim minha experiência<br />

de como ela escolheu o Mun<strong>do</strong> Subterrâneo para seu reino. Mito de dragão capturan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>nzela ou a<br />

<strong>do</strong>nzela prenden<strong>do</strong> para sempre o poderoso dragão?<br />

Foi há muitos e muitos milênios atrás, mas nos primeiros tempos, depois que Anu, o deus <strong>do</strong> firmamento,<br />

foi separa<strong>do</strong> de Ki, a montanha cósmica e Terra Mãe, sua esposa muito amada. Das esferas mais altas <strong>do</strong>s<br />

céus, as lágrimas que Anu verteu por Ki desceram para encontrar as águas <strong>do</strong> mar de Mãe Namu, que em<br />

seu seio, com carinho e compaixão, a inconsolável tristeza de Anu acolheu. Do abraço, <strong>do</strong> consolo e <strong>do</strong><br />

aconchego que o Deus <strong>do</strong> Firmamento buscou nas águas profundas <strong>do</strong> mar, Namu fez nascer um casal, um<br />

menino e uma menina, gêmeos perfeitos, a quem um destino maior estava reserva<strong>do</strong>. Ele, Enki foi<br />

chama<strong>do</strong>; ela, <strong>Ereshkigal</strong>.<br />

`A medida em que o tempo passou, Enki e <strong>Ereshkigal</strong> cresceram com as bênçãos da aurora da criação. Se<br />

terra firme era o lar, e Enlil, o jovem deus <strong>do</strong> Ar, o melhor irmão que os gêmeos podiam desejar, era o mar o<br />

local preferi<strong>do</strong> para passar o tempo e inventar toda sorte de folgue<strong>do</strong>s. Curiosos, alegres e muitas vezes<br />

demonstran<strong>do</strong> uma sabe<strong>do</strong>ria maior <strong>do</strong> que seus poucos anos, irmão e irmã muito brincavam to<strong>do</strong> dia nas<br />

águas profundas <strong>do</strong> mar de Mãe Namu. Mas enquanto Enki gostava de passar horas boian<strong>do</strong> na superfície<br />

das águas, <strong>Ereshkigal</strong> preferia as profundezas <strong>do</strong> mar, mergulhan<strong>do</strong> em to<strong>do</strong> lugar.<br />

- <strong>Ereshkigal</strong>! Onde está você? Volte deste mergulho tão longo, certo? Por que você tem de se esconder no<br />

fun<strong>do</strong> das águas quan<strong>do</strong> há tanto para ver e fazer aqui fora também? Perguntou Enki com um suspiro.<br />

- Uma pergunta retórica, irmaozinho, sem duvida, interviu Enki, com um sorriso diverti<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto onde o<br />

jovem deus <strong>do</strong> Ar montava guarda sobre o Duku, a montanha sagrada e câmara da criação, honran<strong>do</strong><br />

assim o juramento que fizera `a Grande <strong>Deusa</strong> e Terra Mãe, Ninhursag-Ki. <strong>Ereshkigal</strong> vai voltar para nós<br />

daqui a pouco. Pelo menos, eu posso muito bem passar alguns minutos sem ter de responder a to<strong>do</strong>s os<br />

inúmeros por quês e para quês de Erehkigal!<br />

- Isto eu ouvi, Enlil! Replicou <strong>Ereshkigal</strong>, aproximan<strong>do</strong>-se rapidamente da costa na crista de uma onda. E<br />

creio que não posso ficar impassível frente a esta observação. Ao ataque!<br />

Imediatamente, entre risos, <strong>Ereshkigal</strong> começou a reunir to<strong>do</strong>s os esforços para levantar uma poderosa<br />

parede de água e espuma para molhar a rocha onde Enlil estava senta<strong>do</strong>. Tanto Enlil quanto Enki, que<br />

estava boian<strong>do</strong> no mar, justamente no meio <strong>do</strong> caminho entre <strong>Ereshkigal</strong> e Enlil, alegremente alarma<strong>do</strong>s,<br />

buscaram alguma cobertura. Será que conseguiriam escapar da zanga molhada de <strong>Ereshkigal</strong>.... desta vez?<br />

O que, evidentemente, eles não puderam fazer. Com um sorriso satisfeito, <strong>Ereshkigal</strong>, pingan<strong>do</strong> água e tão<br />

fresca e saudável quanto as mais límpidas fontes da água da terra, sentou-se aos pés de Enlil e Enki.<br />

- Então eu faço perguntas demais, meus irmãos? Pois com certeza! Eu quero saber e para saber eu devo<br />

primeiro perguntar. Pelo menos, e’ o que sinto que devo fazer, explicou pela milésima vez <strong>Ereshkigal</strong>,<br />

ignoran<strong>do</strong> as expressões divertidas e resignadas de Enlil e Enki.<br />

Ela prosseguiu com confiança:<br />

- Há to<strong>do</strong> um mun<strong>do</strong> novo dento <strong>do</strong> mar, e creio que também no interior de tu<strong>do</strong> o que existe. Não sei direito<br />

como explicar, porque este mun<strong>do</strong> que sinto existir não e’ algo que se possa com as mãos pegar, como se<br />

faz no Mun<strong>do</strong> Físico, ou com as águas <strong>do</strong> mar. De alguma forma, porém, sinto este mun<strong>do</strong> intangível dentro<br />

de mim. Ele é sutil e envolvente, intenso, mas não tão diferente <strong>do</strong> que se passa aqui fora. De fato, e’ como<br />

se o mun<strong>do</strong> interior refletisse o mun<strong>do</strong> exterior, e vice-versa. Um dia, irei saber mais a respeito deste mun<strong>do</strong><br />

novo. Pois enquanto você, Enlil, faz os planos da criação, e você, Enki, confere forma e senti<strong>do</strong> exterior a<br />

estes mesmos planos, talvez o que me interesse, a minha busca e jornada seja exatamente o intangível, a<br />

forca interior que une planos, formas e imagens em combinações de todas as sortes. Não sei ao certo como


explicar, mas deve existir um modelo interior que liga palavras, formas, imagens e seres num to<strong>do</strong>, e e’ este<br />

modelo que quero compreender. Como, ainda não sei. Mas tenho uma vida pela frente para descobrir.<br />

Uma sombra ligeira obscureceu a face sorridente e interessada de Enlil.<br />

- `As vezes, bem que eu queria ver o mun<strong>do</strong> da forma com que o vês, <strong>Ereshkigal</strong>, para explicar o<br />

inexplicável. Vejamos Kur, por exemplo, e nossos irmãos e irmãzinhas que o seguiram aos confins <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>. Por que eles são tão diferentes de nós, por que eles aban<strong>do</strong>naram a segurança <strong>do</strong> Duku, a<br />

montanha da criação, por que eles nos deixaram, in<strong>do</strong> para além das águas da Mãe Namu, mudan<strong>do</strong>-se<br />

para tão perto de onde não queremos ir?<br />

- De novo preocupa<strong>do</strong> com Kur e os Guardiões das Trevas, Enlil? Por que você não os aceita pelo que são,<br />

energia pura, sem reconhecer controles ou limites? Perguntou <strong>Ereshkigal</strong>. - Ah, <strong>Ereshkigal</strong>, se tivesses visto<br />

Kur e os outros, entenderias a minha preocupação. Eles são tão diferentes de nós, tão instáveis e<br />

zanga<strong>do</strong>s.<br />

- Mas por que teríamos de ser to<strong>do</strong>s iguais, Enlil? Observou <strong>Ereshkigal</strong>. Sinceramente, basta olhar para ver<br />

que somos to<strong>do</strong>s bem diferentes em forma, apesar de alguma semelhanças na aparência. Mas há alguma<br />

coisa mais que to<strong>do</strong>s compartilhamos, e é nela em que todas as diferenças se fundem ou perdem o senti<strong>do</strong>,<br />

não sei bem ainda como explicar, porém. Posso estar bastante errada, Enlil, mas acho que se fixarmos a<br />

atenção em alguns detalhes exteriores, podemos correr o risco de perder outros detalhes que, apesar de<br />

não serem tão evidentes, conferem significa<strong>do</strong> maior ao to<strong>do</strong>. O que existe no interior pode, quem sabe,<br />

também revelar e completar o exterior, basta saber procurar. E creio que isto vale para tu<strong>do</strong> o que existe,<br />

uma pedra, uma planta, um animal e para nós também.<br />

- Sábias palavras, irmãzinha! Eu creio que algumas vezes levo demais a sério o meu compromisso de zelar<br />

pelo bem-estar de toda a terra, concor<strong>do</strong>u Enlil. Mas aman<strong>do</strong> a terra e a to<strong>do</strong>s os meus irmãos, por tê-los<br />

visto nascer na aurora da criação, eu gostaria de entender Kur e to<strong>do</strong>s os outros. Seja como for, eu, com<br />

toda certeza, mesmo se pudesse, não gostaria de visitar o lugar onde Kur e os outros escolheram viver.<br />

Onde quer que seja este lugar, concluiu Enlil.<br />

- Sabem de uma coisa? Disse <strong>Ereshkigal</strong>, depois de pensar por alguns minutos. Eu tenho muita curiosidade<br />

a respeito de tu<strong>do</strong> aquilo que não conheço. Também não tenho receio <strong>do</strong> que ainda não sei, pois como<br />

poderia, se outras realidades ainda não experimentei? Gostaria de conhecer melhor até mesmo este Kur<br />

difícil de entender, Enlil. De fato, eu estou muito curiosa a respeito de Kur e <strong>do</strong>s confins <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, onde ele<br />

se refugiou. Onde ficam os confins <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, a propósito? Onde começa o Mun<strong>do</strong> Subterrâneo, talvez?<br />

- Ninguém, só Kur e os outros foram aos confins <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, portanto não sei lhe dizer, respondeu Enlil com<br />

franqueza. Também creio que onde o Mun<strong>do</strong> Físico termina, começa o Mun<strong>do</strong> Subterrâneo. Mãe Namu<br />

disse que as Grandes Profundezas se estendem tão alto quanto o firmamento e vão tão fun<strong>do</strong> quanto as<br />

águas <strong>do</strong> mar. E além.<br />

- Que maravilha! Um novo mun<strong>do</strong> onde ninguém jamais foi ou sobre o qual mal se sabe a respeito,<br />

encantou-se <strong>Ereshkigal</strong>. - Ah, irmãzinha, algumas vezes eu gostaria que mostrasses mais respeito pelo que<br />

ainda não sabes ou conheces. Só por segurança, suspirou Enki.<br />

- Mas eu tomo os meus cuida<strong>do</strong>s. Mesmo pergunta<strong>do</strong>ra e curiosa como sou, eu não corro riscos<br />

desnecessários.<br />

‘ Mas não acho que Kur e o Mun<strong>do</strong> Subterrâneo, as Grandes Profundezas, sejam um risco tão perigoso<br />

assim,’ <strong>Ereshkigal</strong> pensou, mas guar<strong>do</strong>u esta observação para si. ‘ Diferentes <strong>do</strong> usual, por isso<br />

desconheci<strong>do</strong>s, isto sim, mas perigosos, será? Não e’ o que eu sinto, e como gostaria de descobrir... um<br />

dia!’<br />

E assim foi que <strong>Ereshkigal</strong>, a filha de Namu, as Águas <strong>do</strong> Mar e da saudade que Anu, o firmamento, sentiu<br />

por Ki, a irmã a<strong>do</strong>rada e grande companheira de to<strong>do</strong>s as horas e folgue<strong>do</strong>s de Enki, cresceu com o desejo<br />

de conhecer o desconheci<strong>do</strong> e descobrir os meandros de padrões não explícitos. To<strong>do</strong>s os dias, ela e Enki<br />

saíam para brincar e explorar o mar, e ao voltar, <strong>Ereshkigal</strong> tinha sempre que a respeito de tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s a<br />

Enlil perguntar. A cada dia, <strong>Ereshkigal</strong> mergulhava mais e mais fun<strong>do</strong>, nadava distâncias maiores, cada vez<br />

mais aproximan<strong>do</strong>-se da linha <strong>do</strong> horizonte e <strong>do</strong>s confins <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> Físico. Ao voltar, pois <strong>Ereshkigal</strong><br />

sempre voltava, ela estava quase sempre fisicamente cansada, mas cheia de energia e paixão pelos


mun<strong>do</strong>s que percebia existir além da superfície da percepção. Mais <strong>do</strong> que nunca, outras tantas perguntas<br />

também se formavam na mente curiosa de <strong>Ereshkigal</strong>, mas respondê-las todas não era mais a prioridade e<br />

desafio maior.<br />

"Antes, eu queria todas as respostas, como se Saber fosse o Fim e não o Meio " raciocinava <strong>Ereshkigal</strong>. "<br />

Agora, quero todas as perguntas, quero a Eterna Aventura de Descobrir, e que esta Aventura nunca acabe,<br />

enquanto eu viver, tal qual um calei<strong>do</strong>scópio de cores e formas, sempre giran<strong>do</strong> e forman<strong>do</strong> combinações<br />

de todas as sortes. Conhecimento e’ uma ferramenta, mas o que realmente importa e’ o fogo espiritual que<br />

dá senti<strong>do</strong> ao que se aprende ao se fazer as perguntas certas, ao se colocar em ação no mun<strong>do</strong> o que se<br />

pensou e descobriu para construir. Ah, como eu quero jamais deixar de fazer perguntas, e me maravilhar<br />

ante as respostas que conseguir revelar! "<br />

Ao mesmo tempo, uma certeza maior também crescia dentro de <strong>Ereshkigal</strong>, sobre a qual ela também<br />

calava, com receio de Enki e Enlil magoar.<br />

Algum tempo depois, num belo dia, <strong>Ereshkigal</strong> escolheu não mais retornar ao Mun<strong>do</strong> Físico. Isto aconteceu<br />

quan<strong>do</strong> ela, ten<strong>do</strong> nada<strong>do</strong> ate’ perder de vista terra firme, por tanto tempo que não saberia dizer ao certo,<br />

encontrou Kur (foi ele quem a encontrou?), juntamente com os pequenos irmãos e irmazinhas de energia<br />

instável, a um tempo tão ferozes, os coita<strong>do</strong>s.<br />

Onde a terra, os mares, o Mun<strong>do</strong> Físico terminavam, lá se encontravam Kur e os Guardiões das Trevas,<br />

espalha<strong>do</strong>s pelos limites da terra, na entrada <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> Subterrâneo. Tão solitários e isola<strong>do</strong>s, pois to<strong>do</strong>s<br />

estavam to<strong>do</strong>s separa<strong>do</strong>s, manten<strong>do</strong> seus espaços claramente delimita<strong>do</strong>s. Eles também pareciam<br />

bastante ameaça<strong>do</strong>res.<br />

‘ Tanta <strong>do</strong>r e solidão, tanta raiva e desejo por algo que eles nem sabem como definir, ou fazer um pequeno<br />

ou grande esforço para obter, ‘ <strong>Ereshkigal</strong> pensou, mas não disse uma palavra. " Não creio, porem, que<br />

sejam de to<strong>do</strong> maus. Só muito instáveis e irrita<strong>do</strong>s, e isto pode, naturalmente, torná-los extremamente<br />

complica<strong>do</strong>s.’<br />

Fiel a ela mesma, <strong>Ereshkigal</strong> lutou contra qualquer sentimento de me<strong>do</strong> ou revulsão que viesse de dentro e<br />

fora dela, para aceitar Kur e os raivosos irmaozinhos e irmazinhas pelo que realmente eram. Era verdade<br />

que eles realmente eram diferentes de tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s que <strong>Ereshkigal</strong> havia conheci<strong>do</strong> até então, mas este<br />

fato não os fazia ameaça<strong>do</strong>res para ela. Kur e seus companheiros eram.... diferentes. De fato, Kur<br />

principalmente, com a sua pele escamosa, asas poderosas, Serpente Primordial e jeito feroz de dragão,<br />

parecia ser e ter a energia, a vitalidade da Terra Bruta, antes de ser trabalhada pelo esforço calmo e<br />

concreto da civilização. Kur era na verdade uma Fera, mas <strong>Ereshkigal</strong> sentia que havia beleza também<br />

dentro dele. E não importa o qual ameaça<strong>do</strong>r ele quisesse parecer, <strong>Ereshkigal</strong> ainda não tinha me<strong>do</strong> dele,<br />

só a cautela natural ao se defrontar com o Desconheci<strong>do</strong>. De uma coisa, porém, <strong>Ereshkigal</strong> tinha a maior<br />

certeza: ela queria abraçar o desconheci<strong>do</strong> em Kur, nela mesma e ir além.<br />

- Eu não tenho me<strong>do</strong> de ti, Kur, ou de vocês também, ela falou em alto e bom tom para ser entendida por<br />

to<strong>do</strong>s. Tu és meu meio-irmão, Kur, bem como to<strong>do</strong>s os outros espalha<strong>do</strong>s por aqui. De alguma forma, eu sei<br />

que há beleza dentro de to<strong>do</strong>s vocês, mesmo se vocês não tenham olhos para vê-la. Mas eu tenho. Ah,<br />

Kur, mergulha fun<strong>do</strong> na tua essência, e busca pela semente que trouxe a mim, a ti e a tu<strong>do</strong> o que existe à<br />

vida. Eu também vim daquela semente. Lá, neste exato lugar, encontrarás o que nos une, o que nos faz um<br />

com a Unidade, que criou to<strong>do</strong>s os mun<strong>do</strong>s, existências e diversidades. E para te provar que estas não são<br />

só meras palavras, vou fazer exatamente o que acabei de te dizer. Por ti, Kur. Para te entender. E a mim<br />

mesma também.<br />

<strong>Ereshkigal</strong> então mergulhou na imensidão da perda e solidão de Kur, abrin<strong>do</strong> totalmente seu corpo, alma,<br />

mente, coração e espirito para ele. Somente desta forma ela seria capaz de descobrir to<strong>do</strong>s os porquês<br />

dele. E os dela também.<br />

- Eu jurei desafiar e lutar até o fim contra to<strong>do</strong>s os que se aproximassem de mim, disse Kur.<br />

- E eu aceito o desafio, respondeu <strong>Ereshkigal</strong>, se tiver o direito de estabelecer as regras <strong>do</strong> jogo. Eu vim de<br />

muito longe para chegar até aqui. Eu também quero desafios, Kur, pois anseio pelo estimulo de novas<br />

descobertas, mas não quero ou faço questão <strong>do</strong> combate sem razão, a destruição ou a guerra. Meu


estandarte e’ a Tocha <strong>do</strong>s Espirito, meu Desafio Maior é mergulhar na Essência que nos faz um com todas<br />

as Existências, em to<strong>do</strong>s os mun<strong>do</strong>s. Tu és um grande desafio para mim, meio-irmão. Sinto que preciso<br />

entender-te tão bem quanto a mim mesma ao longo deste processo.<br />

‘ Por que queres tanto isto?"<br />

<strong>Ereshkigal</strong> ouviu a pergunta na sua mente, pois a proximidade com Kur era agora mais <strong>do</strong> que física.<br />

- Nem eu mesma sei muito bem por que, mas simplesmente tenho de fazer isto. Talvez para crescer na<br />

compreensão <strong>do</strong> que sou, de quem e o que tu e nossos irmãos são. Para aprender e compartilhar deste<br />

conhecimento, que surge <strong>do</strong> meu desejo de fazer algo melhor em to<strong>do</strong>s os mun<strong>do</strong>s. Desta forma, quan<strong>do</strong><br />

eu tiver cresci<strong>do</strong> em sabe<strong>do</strong>ria a respeito de todas estas coisas, talvez eu mereça a minha coroa num<br />

mun<strong>do</strong>, num reino totalmente novo e inexplora<strong>do</strong>, ela respondeu com clareza.<br />

A face de Kur retorceu-se toda, provavelmente no equivalente a um sorriso, pois a voz dele soou leve, com<br />

indisfarçável interesse:<br />

- Diferente, quão diferente <strong>do</strong>s outros tu és, meio-irmã! Não vou lutar contigo... pelo menos não por agora. E<br />

onde é este novo reino, onde desejas conquistar a tua coroa? O que é ele também?<br />

<strong>Ereshkigal</strong> voltou-se e apontou à distância, onde o Desconheci<strong>do</strong>, as Grandes Profundezas se situavam,<br />

ainda totalmente inexploradas.<br />

- Lá, ela disse, bem longe, o Mun<strong>do</strong> Subterrâneo, as Grandes Profundezas, onde a aparência não conta, só<br />

a Essência. Talvez eu vá mais longe se explorar as Grandes Profundezas em to<strong>do</strong>s os aspectos de minha<br />

vida. Talvez assim eu conquiste um novo mun<strong>do</strong> tambem. Quem sabe?<br />

Kur aproximou-se mais e mais. <strong>Ereshkigal</strong> ficou firme no seu lugar, apenas esperan<strong>do</strong>. Por isso, apesar de<br />

Kur poder pensar que era ele quem a estava fechan<strong>do</strong> o cerco sobre ela, na realidade era ela, <strong>Ereshkigal</strong>,<br />

quem o havia não captura<strong>do</strong>, pois este não era o fim <strong>do</strong> Desafio de <strong>Ereshkigal</strong>. Muito antes pelo contrario,<br />

ela o havia cativa<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> dele seu companheiro, diferentes, mas parceiros. Desta forma, os <strong>do</strong>is iriam<br />

certamente expandir os horizontes um <strong>do</strong> outro.<br />

Com o coração baten<strong>do</strong>, mas manten<strong>do</strong> calma aparente, <strong>Ereshkigal</strong> sentiu sua percepção crescer `a<br />

medida em que Kur finalmente também se abria totalmente para ela. Ela sentiu as feridas que Kur tinha<br />

dentro de si, e das quais jamais falara ou dividira com alguém, o desejo dele de pertencer a alguém e a<br />

algum lugar, que ele jamais havia consegui<strong>do</strong> expressar. Surpresa, <strong>Ereshkigal</strong> também se deu conta <strong>do</strong><br />

quão diferente ela sempre havia-se se senti<strong>do</strong>. Diferente mesmo de Enki e Enlil, a quem ela amava<br />

profundamente, de to<strong>do</strong> coracao e alma, mas que nunca haviam si<strong>do</strong> capazes de mergulhar nas<br />

profundezas que <strong>Ereshkigal</strong> almejava conhecer para faze-las suas e crescer.<br />

<strong>Ereshkigal</strong> soltou um profun<strong>do</strong> suspiro, e olhou `a distancia por um breve momento, na direção onde Enki e<br />

Enlil provavelmente se encontravam naquele momento, em terra firme. Talvez a jornada de <strong>Ereshkigal</strong> fosse<br />

outra. Ela se voltou para Kur.<br />

- No que irei me transformar a partir de agora, eu mesma devo descobrir, foi o seu comentário cifra<strong>do</strong> para<br />

Kur. Mas sabia que ele havia entendi<strong>do</strong> o que era-lhe por enquanto difícil falar em voz alta.<br />

- Tens... temos uma longa tarefa pela frente, Kur respondeu.<br />

- Talvez se eu, se nós deixarmos cada dia trazer o que tiver para oferecer, e ver o que pudermos fazer com<br />

o conhecimento obti<strong>do</strong>, daí quem sabe possamos construir algo que chegue para ficar. Algo diferente, que<br />

nos faça crescer e compartilhar no mun<strong>do</strong>, trazen<strong>do</strong> um significa<strong>do</strong> maior para a minha, a nossa e outras<br />

existências. O que achas? Será que vais gostar de ser meu companheiro nesta viagem?<br />

Pensativa, mas com um sorriso encanta<strong>do</strong>r, <strong>Ereshkigal</strong> estendeu a mão para Kur, que retribuiu o sorriso e<br />

segurou na sua a mão delicada de <strong>Ereshkigal</strong>. Juntos, eles cruzaram o limiar para o Mun<strong>do</strong> Subterrâneo.<br />

Sentir e experimentar o Desconheci<strong>do</strong> eram duas coisas que <strong>Ereshkigal</strong> sempre havia deseja<strong>do</strong>. Neste<br />

momento, ela escolheu desbravar fronteiras não antes exploradas, ir aonde ninguém tinha ousa<strong>do</strong>, ficar<br />

para sempre nos caminhos ainda não trilha<strong>do</strong>s das Grandes Profundezas.


‘ Encher o vazio deste mun<strong>do</strong> com o meu ser, ajudar Kur e a outros tantos a olhar para dentro para poder<br />

crescer,’ foi o pensamento de <strong>Ereshkigal</strong>, o desejo de sua alma.<br />

A voz de <strong>Ereshkigal</strong> então ressoou forte e clara em to<strong>do</strong>s os mun<strong>do</strong>s da Criação, as Esferas Mais Altas, o<br />

Mun<strong>do</strong> Físico, nos confins da terra e, pela primeira vez, no Mun<strong>do</strong> Subterrâneo, nas Grandes Profundezas:<br />

- Eu escolho as Grandes Profundezas, o Mun<strong>do</strong> Subterrâneo para meu Reino.<br />

<strong>Ereshkigal</strong> havia encontra<strong>do</strong> a Grande Aventura, a Jornada Maior de sua vida. Sem olhar para trás, ela<br />

cruzou o limiar para o Mun<strong>do</strong> Interior, para nunca mais voltar.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!