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NERGAL E ERESHKIGAL

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<strong>NERGAL</strong> E <strong>ERESHKIGAL</strong><br />

como o Deus da Guerra foi derrotado pelo amor da Rainha das Grandes Profundezas<br />

Foi há muito tempo, há alguns milênios e outros tantos séculos atrás na Antiga Mesopotâmia, quando Anu,<br />

o Todo-Poderoso deus do firmamento, o pai de todos os deuses, ergueu sua voz para dizer:<br />

- Em breve, darei um grande banquete para todos os meus filhos e filhas, os grandes deuses e deusas<br />

desta terra. Por este motivo, enviarei uma mensagem ao Mundo Subterrâneo, para Ereshkigal, a deusa e<br />

rainha das Grandes Profundezas. Na mensagem eu dir-lhe-ei que como não é possível para ela subir às<br />

Esferas Superiores e juntar-se aos nossos festejos, pois a sua presença é necessária nas Grandes<br />

Profundezas para manter o Equilíbrio entre a Vida e a Morte, as Trevas e a Luz, o Caos e a Ordem. Por<br />

outro lado, é igualmente impossível que os deuses e deusas das Esferas Superiores desçam ao Mundo<br />

Subterrâneo. Portanto, eu enviarei uma mensagem à Ereshkigal em nome de todos os Anunaki das alturas<br />

e um mensageiro ao Reino das Profundezas. Eu pedirei a Ereshkigal que envie um mensageiro de sua<br />

confiança até nós, e que tal mensageiro escolha da mesa do Grande Banquete presentes para ela. Se<br />

Ereshkigal não pode vir juntar-se a nós, pelo menos ela terá o melhor de nossa mesa de festejos para si! E<br />

que seja feito segundo a minha vontade!<br />

Anu escolheu Kaka, seu fiel conselheiro e sábio ministro, para ser o mensageiro encarregado de enviar<br />

pessoalmente a mensagem para Ereshkigal. Kaka desceu a longa Escadaria dos Céus, e porque ele<br />

acreditava na integridade de sua missão, Kaka pôde livremente passar pelos sete portais do Mundo<br />

Subterrâneo. Ao anunciar em alto e bom tom o propósito de sua descida a cada portal, de imediato as<br />

Portas que Jamais se Abriam concederam-lhe entrada sem alarde, demora ou confusões.<br />

Com confiança e eficiência, ele entrou nos jardins bem cuidados de Ereshkigal, prosseguindo pelos<br />

corredores do Grande Palácio até a sala de audiências. Kaka então viu-se finalmente na presença da<br />

Senhora das Grandes Profundezas.<br />

O fiel conselheiro de Anu ajoelhou-se e beijou o chão, para logo depois fazer uma perfeita cortesia, como<br />

mandavam as regras de comportamento para com uma deusa e Grande Rainha. Somente então ele<br />

enunciou a mensagem que tinha trazido para ela:<br />

- Grande e nobre senhora, Rainha do Mundo Subterrâneo, que vosso nome seja louvado em todos os<br />

mundos e esferas! Em nome de vossos irmãos e irmãs venho até a Deusa das Grandes Profundezas<br />

Ereshkigal, trazendo-vos as mais respeitosas saudações, bem como uma mensagem para vós. Anu, vosso<br />

pai, em breve dará um grande banquete. Como vós não podeis deixar as Grandes Profundezas para<br />

comparecer ao banquete, pois sois a Guardiã que mantém o equilíbrio entre as trevas e a luz, vosso pai e<br />

vossos irmãos e irmãs humildemente vos pedem para enviar um mensageiro de vossa inteira confiança,<br />

para escolher em vosso nome algo da mesa do grande banquete, um presente digno da grande rainha do<br />

Mundo Subterrâneo. De forma alguma Anu e os deuses e deusas vossos irmãos deixariam a nobre deusa<br />

Ereshkigal de lado! Portanto, se for vosso desejo, que um mensageiro seja escolhido! A este nobre enviado,<br />

quando de sua entrada nos Mundos Superiores, todas as saudações, todo o respeito ser-lhe-a’ agraciado,<br />

como se fosse a Grande Ereshkigal em pessoa, em visita aos Mundos das Alturas. Então, da mesa do<br />

grande banquete, antes mesmo dos pratos e taças serem tocados, a ele o direito de escolher o melhor para<br />

a rainha Ereshkigal será dado, aceitando portanto em nome dos grandes deuses, um presente para a deusa<br />

do Mundo Subterrâneo. Esta é a vontade de Anu, o Todo-Poderoso deus do firmamento, à qual peço<br />

humildemente que seja concedido pronto deferimento!<br />

Ereshkigal encheu-se de alegria ante à mensagem recebida. Tocada pela deferência dos deuses e deusas<br />

das Alturas Superiores para com ela, Ereshkigal prontamente enviou Namtar, seu fiel ministro e sábio<br />

conselheiro, para os Mundos das Alturas, para o banquete e assembléia dos deuses.<br />

- Vá e volte sem demora, Namtar, ao Mundo das Alturas, onde se encontram meu pai Anu, o deus do<br />

firmamento, e os deuses meus irmãos e irmãs. Suba de imediato a longa Escadaria dos Céus, escolha e<br />

aceite da mesa sagrada um presente para mim. Seja qual for o presente escolhido, este será graciosamente<br />

recebido como uma dádiva verdadeira para mim.


- Eu ouço e obedeço, minha rainha.<br />

Namtar curvou-se numa profunda reverência antes de partir imediatamente para cumprir o mandato de sua<br />

senhora. Ele ascendeu `as Alturas Superiores, não sem antes cruzar os Sete Portais do Mundo Subterrâneo<br />

e galgar degrau por degrau a longa Escadaria dos Céus.<br />

Ao chegar na sala do Grande Banquete, frente a todos os Anunaki das Alturas, todos os deuses saudaramno<br />

como a um deus, como se o mensageiro fosse Ereshkigal em pessoa em visita ao Mundo das Alturas.<br />

Os deuses reunidos ajoelharam-se ante Namtar, cumprimentaram-no como se fosse um dentre eles.<br />

Todos, menos um, à exceção de um jovem deus. Este mostrou-se impassível, não saudando a Namtar,<br />

como se o enviado de Ereshkigal não a estivesse representando, no lugar da deusa tudo em seu nome<br />

recebendo. Ele nem mesmo ajoelhou-se, conforme o combinado, ignorando o acordo de tratar ao<br />

conselheiro como se ele fosse a própria deusa das Grandes Profundezas, Ereshkigal, em visita às Esferas<br />

Superiores.<br />

Tal deus irreverente e indisciplinado, respondia pelo nome de Nergal, o deus da Guerra e das Doenças.<br />

Dentre todos os Anunaki das Alturas, ele foi o único a recusar-se a fazer o que havia sido acordado.<br />

Intrigado por tanta falta de cortesia, Namtar aproximou-se de Nergal com todo respeito. .<br />

- Meu deus, disse-lhe ele. Não pude deixar de observar que não prestastes as devidas homenagens à<br />

minha rainha Ereshkigal, a grande deusa do Mundo Subterrâneo. Com o maior respeito, com a maior das<br />

considerações, atrevo-me humildemente, meu senhor, a fazer-lhe uma pergunta: por que está o jovem deus<br />

recusando-se a saudar à Grande Rainha das Profundezas, a quem humildemente e com grande honra<br />

neste momento represento?<br />

Nergal, aparentemente achando muita graça na pergunta de Namtar e em todo inusitado da situação,<br />

examinou o conselheiro de Ereshkigal com atrevimento e mal disfarçada insolência antes de responder à<br />

pergunta educada do vizir:<br />

- Por que eu deveria saudar, fazer reverências, mostrar respeito ou deferência a uma deusa a quem nunca<br />

vi? Não conheço Ereshkigal, jamais a encontrei! Caso ela estivesse aqui, ou tivesse sido eu apresentado a<br />

ela, então e somente então eu consideraria a possibilidade de prestar homenagem a ela. Mas com toda<br />

franqueza, está’ acima da minha compreensão por que eu, um deus, iria saudar ou me ajoelhar em frente<br />

de um simples mensageiro de uma irmã mais velha a quem nunca vi!<br />

Namtar, tomado de surpresa pela afronta e insolência de Nergal, furtou-se de responder ao jovem deus. O<br />

fiel conselheiro lutou para manter a compostura, até finalmente encontrar voz para dizer:<br />

- Terei de relatar à minha rainha sobre vosso impensável e grosseiro comportamento, meu deus. Ninguém,<br />

eu repito, ninguém ofende Ereshkigal sem receber o merecido castigo por suas ações!<br />

Imediatamente, Namtar desapareceu das Esferas das Alturas para retornar ao Mundo Subterrâneo e relatar<br />

todos os fatos a Ereshkigal.<br />

Na sala do Grande banquete, caiu um silêncio pesado. Os Anunaki das Alturas, os grandes deuses e<br />

deusas da Mesopotâmia, estavam estupefatos, paralisados mesmo de surpresa. Somente Enki, o deus das<br />

Águas Doces, da Mágica, Artes e Sabedoria, pareceu recobrar-se do choque primeiro. Ele balançou a<br />

cabeça, como se não estivesse acreditando nos fatos presenciados, mas dirigiu-se a Nergal, o único que<br />

parecia totalmente não afetado pelas palavras e saída intempestiva de Namtar.<br />

- Nergal, Nergal, como pode você ser tão mal-educado, faltando ao respeito com nossa irmã e rainha das<br />

grandes profundezas, comprando para si uma briga da qual com certeza não poderá vencer? Não admira<br />

ser você o deus de todas as guerras, aquele que traz todas as doenças! Você acabou de se comportar<br />

como um bárbaro, grosseiro e rude para com uma grande deusa, que alem do mais, é minha irmã gêmea!<br />

Agora, diga-me, o que você pretende fazer? Como vai-se escapar desta?<br />

Nergal olhou ao redor da mesa do Grande Banquete, reparando nas expressões chocadas de seus irmãos<br />

e irmãs. Deveras, os grandes deuses e deusas pareciam transtornados, gelados de surpresa e muito<br />

preocupados. Tão profunda parecia a preocupação deles....


" Por que parecem eles, todos de fato, tão transtornados? Será que temem por alguém.... por mim?<br />

"Raciocinou finalmente Nergal.<br />

Foi então que Nergal deu-se conta de que talvez tivesse feito um erro fatal ao ignorar e ofender Ereshkigal.<br />

Ele voltou-se para Enki.<br />

- Enki, meu irmão mais velho, e o mais sábio de todos os deuses, será Ereshkigal assim tão terrível? Será<br />

que estou perdido? Irmão, grande Enki, que tudo sabe e todos os problemas com arte e mágica resolve,<br />

posso contar com a sua ajuda para safar-me desta?<br />

- Com certeza a ira de Ereshkigal tem a forca do próprio caos. Você, Nergal, fez a sua cama: agora, deite-se<br />

nela! Respondeu Enki com toda franqueza, nada escondendo de Nergal.<br />

- Então Ereshkigal irá atrás de mim? Perguntou Nergal, agora visivelmente preocupado.<br />

- A lei máxima do Mundo Subterrâneo é a Lei do Equilíbrio, da Regeneração e do Crescimento. Cedo ou<br />

tarde, Nergal, você terá de pagar o preço pela insolência de seu comportamento para com Ereshkigal. Você<br />

é jovem, Nergal, e muito impulsivo. Portanto, vou ajudá-lo. Talvez haja algo que você possa fazer para<br />

salvar a sua pele. Deixe-me pensar.<br />

Alguns minutos se passaram, durante os quais Enki pareceu se distanciar de tudo e de todos, para<br />

mergulhar no Mundo Interior, de onde toda sabedoria se origina, toda força encontra sustentação e fulgor.<br />

- Em verdade, em verdade eu digo a você, Nergal, que partir você deve, para uma jornada rumo ao Mundo<br />

Subterrâneo, para ver Ereshkigal. Mas não antes de se preparar cuidadosamente! Em primeiro lugar, com a<br />

espada sagrada na mão, vá até a floresta e peça permissão a Ningishzida, o deus das grandes árvores,<br />

para cortar delas madeira sagrada. Desta madeira sagrada, irá você esculpir um trono, pintá-lo com as<br />

cores certas e inscrever nele os símbolos apropriados. O trono significa que a matéria do seu corpo que<br />

você irá oferecer em seu lugar aos espíritos do mundo Subterrâneo.<br />

- É’ só isto o que devo fazer? Mas é tão fácil como tirar bala de uma criança!<br />

Novamente, Enki balançou a cabeça, não acreditando no que estava ouvindo.<br />

- Não, não é só isto, Namtar! Há muito mais que você deve aprender, saber realmente antes e fazer antes<br />

de tentar ver Ereshkigal, face a face! Com este tipo de atitude, eu me pergunto se vale o esforço de lhe<br />

ajudar! Talvez eu mesmo devesse deixá-lo à mercê de Ereshkigal e das Grandes Profundezas...<br />

- Ah não, grande e sábio irmão, ajude-me, por favor! Eu preciso que me diga o que devo fazer, se devo na<br />

realidade ir até o Mundo Subterrâneo para encontrar nossa irmã velhota.... desculpe-me, nossa irmã mais<br />

velha, no reino dela.<br />

- Na realidade, não seria justo deixá-lo partir sem alguns conselhos, disse Enki, conformando-se com o fato<br />

de ter de auxiliar um teimoso como Nergal. Mesmo não tendo certeza de que você irá seguir à risca todas<br />

as minhas instruções.... Bem, de qualquer modo, ao chegar às Grandes Profundezas, preste bastante<br />

atenção: não se sente em outros lugares que não o trono por você mesmo esculpido, não coma ou beba da<br />

mesa de Ereshkigal, ou deixe que servos lhe lavem os pés. E sobretudo, não se apaixone pela Rainha do<br />

Mundo Subterrâneo, não se deixe levar pelos encantos de Ereshkigal. Eu repito: sob hipótese alguma evite<br />

de fazer com ela o que homens e mulheres fazem, com respeito, carinho e muito amor. Estamos<br />

entendidos?<br />

- Enki, não posso acreditar no que acabei de ouvir! exclamou Nergal. Como poderia ter vontade de fazer<br />

amor com uma deusa muito mais velha do que eu e que quer a minha carcaça?<br />

- Ereshkigal pode muito bem reservar algumas surpresas para você, Nergal, sorriu Enki. Com os olhos da<br />

memória, ele lembrou-se da deusa-menina, sua irmã e grande amiga, a quem ele havia amado como a sua<br />

própria alma. Jamais diga nunca farei isto ou aquilo, pois Ereshkigal provavelmente achará uma forma de<br />

fazê-lo fazer exatamente o contrário! Siga as minhas instruções, Nergal, `a risca e eu desejo muita sorte. Vá<br />

e volte com as minhas bênçãos!


Nergal seguiu cuidadosamente as instruções de Enki. Ele foi até a floresta, armado da Espada Sagrada. Lá<br />

chegando, procurou por Ningishzida, o guardião das Boas Arvores, para pedir-lhe permissão para cortar<br />

madeira sagrada e com ela esculpir o trono necessário para a sua jornada ao Mundo Subterrâneo. Com<br />

grande zelo, Nergal esculpiu o trono, pintando-o com as cores certas e os símbolos apropriados.<br />

Neste meio tempo, tendo sido informada por Namtar da descortesia de Nergal, Ereshkigal pôs-se a esperar.<br />

A Rainha do Mundo Subterrâneo, a deusa da Terra do Equilíbrio Restaurado, da Justiça e da Memória<br />

Ancestral, sabia que cedo ou tarde Nergal iria ter-se com ela para aprender uma grande lição, não mais se<br />

comportar de forma tão rude para com uma grande deusa, dele conhecida ou desconhecida. Até este<br />

momento chegar, Ereshkigal iria apenas esperar com perfeita paciência e confiança na Lei Maior das<br />

Grandes Profundezas.<br />

Finalmente, Nergal aprontou o trono, considerando-se também preparado para a jornada. Porque ele ia ao<br />

Mundo Subterrâneo numa breve visita, para trás Nergal deixou os símbolos do poder e da guerra que o<br />

definiam, a cimitarra e o cetro de cabeça de leão. Apenas o trono que havia tão laboriosamente esculpido<br />

foi o que Nergal levou consigo como um troféu ao descer na direção das Grandes Profundezas. Pela<br />

primeira vez, o ardoroso deus da guerra, o beligerante Nergal encetava uma jornada totalmente desarmado,<br />

sem qualquer sinal exterior de posição ou status. Ele partiu também estranhamente silencioso, preocupado<br />

apenas em conseguir o seu intento: ver Ereshkigal, enfrentar a ira da grande deusa e voltar às Esferas<br />

Superiores no mínimo espaço de tempo.<br />

Entretanto, no limiar do primeiro portal das Grandes Profundezas, Nergal teve de parar, ao encontrar o<br />

guardião daquele ponto, neste dia o fiel conselheiro Namtar.<br />

- Quem se atreve a se aproximar dos Portais da Terra De Onde Não Há Retorno antes da sua hora? Namtar<br />

perguntou e, como de praxe, examinou cuidadosamente o recém-chegado com olhos penetrantes.<br />

Quando o sábio conselheiro de Ereshkigal viu quem era na realidade aquele que pedia passagem, Namtar<br />

empalideceu, sua face ficando tão lívida quanto os campos cobertos de geada no dia mais frio de inverno:<br />

- Oh, é o deus que não tratou com o devido respeito a minha rainha nos Mundos Superiores quando do<br />

Grande Banquete! Parai de imediato, meu senhor, pois devo imediatamente avisar a vossa chegada à<br />

minha soberana, a grande deusa Ereshkigal.<br />

Não dando tempo para Nergal responder, mas deixando o deus-guerreiro imobilizado à entrada do primeiro<br />

portal, Namtar correu ao encontro de Ereshkigal.<br />

- Minha rainha, começou Namtar, ofegante e ansioso, mas não sem antes curvar-se numa perfeita<br />

reverência, um dos deuses do Mundo das Alturas veio até as Grandes Profundezas sem ser anunciado. O<br />

deus que aqui chegou pode não ser do agrado da minha senhora....<br />

- Como pode ser isto, Namtar? Perguntou Ereshkigal.<br />

- Grande Senhora, quando me mandastes ao banquete de vosso augusto pai, à minha entrada na sala dos<br />

festejos, todos os deuses saudaram-me com os cumprimentos mais honrosos. De fato, eles ajoelharam-se<br />

na minha presença, pois estavam saudando, na verdade, não a mim, seu servo mais dedicado, mas à<br />

minha senhora. Dentre eles, entretanto, houve um jovem deus que não me saudou, não se ajoelhou na<br />

minha presença ou mostrou o devido respeito para com a minha adorada soberana. É’ este deus que se<br />

encontra neste momento no limiar do primeiro portal das Grandes Profundezas.<br />

O sorriso misterioso de Ereshkigal saudou as palavras de Namtar:<br />

- Traga este deus à minha presença, Namtar. Quero realmente encontrar aquele que se portou com<br />

inexplicável grosseria e rudeza para comigo, mesmo sem ter-me conhecido ou ouvido falar de mim. Em<br />

verdade, em verdade eu afirmo: quero conhecer este deus e descobrir a razão de alguns porquês!<br />

Namtar voltou ao primeiro portal para permitir a passagem de Nergal. O sábio conselheiro também garantiu<br />

ao deus da guerra a passagem pelo segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo portal do Mundo<br />

Subterrâneo.


Nergal viu-se então num amplo pátio ajardinado de um templo de proporções grandiosas, todo do mais puro<br />

lápis lázuli e cristal, situado as margens de um rio ou lago, qual dos dois, ele não saberia dizer. Mas Namtar<br />

não lhe deu muito tempo, para analisar as redondezas, sempre seguindo com passos largos, rumo à sala de<br />

audiências de Ereshkigal. Lá chegando, Nergal colocou o trono que havia esculpido no chão e ergueu os<br />

olhos para contemplar Ereshkigal.<br />

Mais uma vez, no entanto, a voz de Namtar fez-se ouvir:<br />

- Meu deus, a ninguém é dado o direito de prosseguir ou levantar os olhos para encontrar os de minha<br />

rainha, sem que deixe antes de tudo seus preconceitos e idéias falsas de lado. Portanto, olhe primeiro para<br />

dentro de si mesmo com a os olhos de sua mente, corpo, coração e espirito, pois esta é a Visão que darlhe-á<br />

a Verdade Além das Aparências. Lembre-se de que o Mundo Subterrâneo é a Esfera da Essência de<br />

Tudo que foi, é e será. Para aqueles que vem às Grandes Profundezas com medo, medo será o que terão<br />

antes de aqui encontrar cura e compleitude. Cura e Compleitude é a meta de todas as jornadas da alma às<br />

Grandes Profundezas, a Grande Aventura daqueles que buscam a auto-transcendência, antes, agora e<br />

sempre!<br />

A voz de Namtar ressoou profunda e cheia de autoridade na câmara de audiências, na mente, corpo e alma<br />

de Nergal. Sem pestanejar, Nergal curvou-se aos desígnios do conselheiro de Ereshkigal, para então erguer<br />

os olhos para encontrar Ereshkigal face a face.<br />

Nergal prendeu a respiração ante àquela que estava à sua frente. De fato, a grande deusa e rainha estava<br />

sentada, como seria de se esperar, em seu trono, vestida com extrema sobriedade, mas exalando força e<br />

magia como nem uma outra deusa ou deus que Nergal tinha conhecido. Onde estava a velhota que ele<br />

esperava encontrar? Onde estava a rabugenta soberana das Grandes Profundezas, que permitia aos<br />

mortos viverem sem luz, que oferecia poeira como alimento, argila como pão e penas como vestimentas?<br />

" Estes eram os preconceitos", Nergal finalmente entendeu," não a Verdade."<br />

Pois quem o fitava do trono era uma linda e séria mulher, toda vestida de preto com longas madeixas<br />

negras onduladas e uma aura de poder que deixou Nergal sem fala.<br />

Ereshkigal não parecia velha. De fato, ela parecia não ter idade definida, ao mesmo tempo jovem e<br />

experiente, com a Sabedoria daqueles que muito viram e tudo aprenderam. A filha de Namu, as Águas do<br />

Oceano, e do deus do firmamento Anu, a querida irmã gêmea de Enki era linda, mas sua beleza vinha mais<br />

de uma força interior e Poder-Que-Vem-de-Dentro que Nergal não sabia definir. Ele sabia, porém, sem<br />

sombra de dúvida, que desde aquele primeiro instante Ereshkigal havia capturado a sua mente, seu corpo,<br />

coração e alma.<br />

"A severidade de Ereshkigal não me causa desconforto", ele pensou. " De fato, eu entendo por que ela é e<br />

tem de ser tão severa. E’ pura e simplesmente o distanciamento e equilíbrio de uma Grande Juíza de Seres<br />

e Atos, imparcial e sábia.".<br />

Ato continuo, com perfeita cortesia, Nergal fez exatamente o que havia negado à Ereshkigal anteriormente:<br />

ele se ajoelhou e beijou o chão ante a soberana do Mundo Subterrâneo. Ele o fez com toda naturalidade,<br />

pois a visão de Ereshkigal tinha comandado tal ato do fundo de seu bravo coração de guerreiro.<br />

A rainha do Mundo Subterrâneo contemplou com atenção o jovem deus Anunaki das Alturas ajoelhado com<br />

perfeita cortesia frente a ela. Nergal era alto, com longos cabelos negros. Os trajes de deus-guerreiro<br />

deixavam à mostra pernas musculosas e um físico escultural. Nergal também tinha a arrogância e<br />

impulsividade dos jovens, a um tempo uma qualidade e grande defeito. Ereshkigal manteve o silêncio, mas<br />

um sorriso misterioso quase brincou nos seus lábios.<br />

" Finalmente encontro o filho de Enlil e Ninlil," ela pensou, "concebido às portas do Mundo Subterrâneo,<br />

como parte das jornadas de iniciação de Enlil e Ninlil para crescer como um Casal Divino e formar uma<br />

Parceria Indissolúvel e Sagrada. Agora Nergal desceu ele mesmo, tendo deixado qualquer símbolo de<br />

autoridade exterior de lado, pois não vejo o cetro de cabeça de leão ou a cimitarra em suas mãos. Fico<br />

imaginando que tipo de lição o deus dos Conflitos e Doenças irá aprender desta experiências nas Grandes<br />

Profundezas? É’ cedo demais para que se diga alguma coisa. Como todos que aqui vêm, Nergal terá<br />

primeiro de mostrar o seu valor e provar em atos e pensamentos o que realmente aqui aprendeu."


Após alguns minutos de avaliações reciprocas, Ereshkigal quebrou o silêncio, sua voz grave ressoando<br />

profundamente no coração de Nergal.<br />

- Posso lhe perguntar quem é você e por que veio até mim?<br />

Onde estavam a ira, a raiva que Nergal havia esperado de Ereshkigal? Pela segunda vez ela pegava-o<br />

totalmente de surpresa. A pergunta era previsível, exceto que Nergal não havia pensado nela! O que<br />

responder, agora?<br />

Nergal olhou para o trono que havia trazido, e resolveu seguir um palpite maluco.<br />

- Grande senhora, sou Nergal, o deus da Guerra e de todas as Doenças....<br />

- E por que você veio até mim? Continuou ela, sem abrandar um milímetro.<br />

Nergal engoliu em seco:<br />

- De fato, foi Anu, o deus do firmamento, seu pai, minha senhora, que me mandou até as Grandes<br />

Profundezas. Ele, o Todo-Poderoso senhor dos céus, disse "sente-se naquele trono, Nergal, desça até a<br />

Grande Rainha do Mundo Subterrâneio e julgue os atos e casos de todos os seres vivos com ela." Portanto,<br />

para fazer a vontade do grande deus Anu, eu desci até aqui. Também fiz este trono, o qual ofereço em<br />

honra da grande deusa do Mundo Subterrâneo.<br />

A desculpa apresentada por Nergal era tão inusitada que Ereshkigal resolver levá-la adiante.<br />

- Então Anu, meu pai, decidiu que depois de tanto tempo eu devo ter um companheiro para julgar os casos<br />

dos grandes deuses e os atos de todos os seres vivos? Depois de todo este tempo? Perguntou Ereshkigal,<br />

fingindo grande surpresa. Muito gentil da parte do meu pai, mas não posso permitir que você se sente ao<br />

meu lado para julgar todos os casos antes de você ter passado algum tempo comigo nesta esfera. Sentarse<br />

ao meu lado, você poderá, mas não o trono trazido por você. Sim, com toda certeza, não aceitá-lo-ei<br />

antes de você ter-se alimentado da minha mesa e bebido da minha adega. Somente então vou poder dizer<br />

com certeza se você pode ficar e julgar almas e espíritos no Mundo Subterrâneo. Mas enquanto estiver-se<br />

provando apto para mim, sinta-se à vontade para apreciar tudo o que as Grandes Profundezas tiverem a lhe<br />

oferecer, Nergal.<br />

Ereshkigal retirou-se então para seus aposentos e Nergal foi deixado sozinha na câmara de audiências.<br />

Mas não por muito tempo. Outro trono, iguarias, vinho e cerveja foram-lhe apresentados por servos<br />

prestativos comandados pela costumeira eficiência de Namtar. Nergal lembrou-se dos conselhos de Enki<br />

para não comer, não beber e não permitir que lhe lavassem os pés nas Grandes Profundezas, e a tudo<br />

recusou.<br />

Ereshkigal retornou, e apenas sorriu, ao ver o trono, os alimentos e a bebida, a bacia cheia intocados. A<br />

grande rainha não perdeu sua compostura:<br />

- Vejo que você não quis compartilhar da minha mesa, sentar-se no trono que lhe foi indicado ou permitir<br />

alguns pequenos bons tratos. Eu repito, Nergal, sinta-se à vontade para apreciar o que o Mundo<br />

Subterrâneo tiver a lhe oferecer. Por ora, vou deixá-lo, para ir-me banhar.<br />

Ereshkigal foi à casa de banhos. Nergal não pôde resistir e seguiu-a discretamente. O deus da guerra, o<br />

bravo e ardoroso guerreiro Nergal sentia-se curiosamente atraído por Ereshkigal.<br />

A soberana do Mundo Subterrâneo sabia que tinha sido seguida. Na casa de banhos, ela manteve então as<br />

cortinas levemente abertas, despiu-se, banhou-se e ungiu seu corpo perfeito com óleos caros. A seguir,<br />

como na antecipação de um encontro mais do que especial, Ereshkigal vestiu-se com trajes de rainha,<br />

adornou-se com as jóias da divindade. Tudo isto ela deixou o deus-guerreiro de seu esconderijo escolhido<br />

presenciar.<br />

Ao contemplar a beleza de Ereshkigal, Nergal não pôde resistir, rendendo-se aos encantos da deusa, ao<br />

desejo crescente do seu corpo, delicia da sua mente e alma. O deus da guerra declarou-se derrotado, ao<br />

admitir que o que mais almejava com força e paixão era fazer com ela o que um homem e uma mulher<br />

fazem.


Confiante, mas tomado de profunda emoção, Nergal foi até Ereshkigal:<br />

- Ah, Ereshkigal, eu me rendo! Rendo-me ao desejo do meu coração e delicia da minha alma para fazer<br />

contigo o que um homem faz com uma mulher! Senhora das Grandes Profundezas, do Mundo Subterrâneo<br />

a rainha, tenho-te procurado sem saber durante toda minha vida. A tua solidão é a minha, pois minha<br />

também foi outra escolha árdua assumida com profundo conhecimento e plena liberdade. Pois fiz minha a<br />

escolha e a pesada carga de trazer a guerra e todas as doenças como a Solução Final para a humanidade<br />

aprender a respeito da paz, saúde, fertilidade e riqueza. Ah, Ereshkigal, agora que te encontrei, sei com<br />

certeza de que tua é a voz que chama pelo meu coração, a verdade maravilhosa que sempre soube um dia<br />

iria encontrar!<br />

Os dois se abraçaram com e paixão.<br />

- Por ti, que desceste ao Mundo Subterrâneo por mim, eu me banhei e me perfumei com os óleos mais finos<br />

e delicados, admitiu Ereshkigal. Por ti, que desceste ao Mundo Subterrâneo não sabendo que desafios irias<br />

enfrentar, se minha raiva ou mágoa, eu me trajei com roupas de grande rainha. Por ti, guerreiro ardoroso,<br />

que não teve medo de te mostrar vulnerável e me revelar o desejo do teu coração, o anseio da tua alma, eu<br />

me adornei com as jóias da divindade. Por ti, que desceste às Maiores Profundezas para encontrar a minha<br />

justiça, eu dou a Paz do Meu Abraço, A Vitalidade do Meu Desejo, a Alegria, Paixão e Ousadia do meu<br />

Amor. Portanto, por meu poder, pelas leis do meu reino, eu te convido: vem para mim, Nergal, meu deusguerreiro,<br />

sonho tornado verdade, que sempre soube um dia iria achar!<br />

Nergal rendeu-se ao desejo do seu coração, ao anseio da sua alma para fazer com Ereshkigal o um homem<br />

faz com uma mulher. Com amor, paixão, carinho, ousadia, respeito e muita alegria, eles se beijaram e se<br />

abraçaram por longo tempo.<br />

Aos beijos e abraços apertados, a rainha do Mundo Subterrâneo e o deus da Guerra foram até os<br />

aposentos reais, ao sagrado leito. No leito real Ereshkigal e Nergal se deitaram, no leito sagrado eles<br />

apaixonadamente se amaram. A soberana das Grandes Profundezas e o ardente deus-guerreiro deitaramse<br />

juntos para se amar por um dia e uma noite, por dois dias e duas noites, por três dias e três noites. E<br />

assim também se passaram o quarto dia e a quarta noite, o quinto dia e a quinta noite, o sexto dia e a sexta<br />

noite.<br />

Quando a aurora do sétimo dia estava para raiar, Nergal, com Ereshkigal adormecida em seus braços,<br />

sentiu então pela primeira vez o impacto total de ter-se rendido aos encantos de Ereshkigal. Dúvidas<br />

encheram seu coração: tanto amor, responsabilidade e paixão ele estava sendo chamado a compartilhar.<br />

Será que ele estava realmente pronto para assumir tal compromisso?<br />

" Minha irmã mais velha, minha amada," Nergal pensou, beijando a orelha bem feita, os cabelos longos e<br />

sedosos. "Estamos juntos há seis dias e seis noites apaixonadas. Agora que a sétima aurora se aproxima,<br />

um ciclo completo está chegando ao fim. Ereshkigal, grande rainha que capturou meu coração, serás<br />

realmente a resposta para todos os meus desejos, o melhor abraço para o meu beijo, amiga, amante,<br />

companheira, de todas, a melhor? Pode ser eu não o sejas! Até descobrir a resposta para esta pergunta,<br />

deixar-te-ei para subir mais uma vez aos Mundos das Alturas, para depois, e somente depois, retornar. Pois<br />

com certeza retornarei para ti, mas por agora me devo ir! Quem sabe, quando minha resposta encontrar,<br />

voltarei então para sempre ficar!’<br />

Nergal não se atreveu a acordar Ereshkigal. Beijou-a pela ultima vez e com imensa gentileza, ajeitou-a no<br />

leito, desvencilhando-se dos braços que se teimavam em se enroscar no seu pescoço, com cuidado, para<br />

não despertá-la. Com presteza, mas sem olhar para o leito sagrado, onde dormia ainda a amada (pois<br />

talvez não tivesse coragem de partir), Nergal vestiu-se, deixando os aposentos de Ereshkigal.<br />

Como um ladrão em fuga, silencioso e veloz, antes da aurora, quando as Grandes Profundezas estavam<br />

ainda mais mergulhadas na mais completa calma, Nergal percorreu os corredores do templo, como um<br />

fantasma ele se esgueirou por entre os sete grandes portais, como um espirito Nergal não foi visto, exceto<br />

durante um breve momento por Namtar. Mas já era tarde para o fiel conselheiro ir atrás do deus da guerra,<br />

que subiu sem ser perturbado a grande Escadaria dos Céus, o ponto de entrada para os Mundos<br />

Superiores.


Quando Nergal finalmente chegou, ofegante, na Assembléia dos Deuses das Alturas, encontrou de imediato<br />

An, Enlil e Enki. Num só olhar, Enki tudo viu, tudo compreendeu. :<br />

- Então você voltou! Disse Enki. Mas há em você agora uma grande diferença. Corrija-me também, se<br />

estiver enganado: o deus da guerra parece estar sob pressão, definitivamente sitiado! Vejamos se penso<br />

certo, se tenho razão: creio que você, Nergal, partiu do Mundo das Profundezas, sem se despedir ou dar à<br />

Ereshkigal uma razão para querer partir.<br />

- Sim, esta é a verdade, respondeu Nergal, não negando a evidência.<br />

- Mas não é tudo, não é mesmo? Continuou Enki. Não me diga nada, deixe-me adivinhar. Você também<br />

comeu e bebeu da mesa de Ereshkigal, sentou-se a seu lado no trono que ela indicou e fez amor com ela,<br />

deixando-a depois sem nada dizer! Nergal, foi criado um laço muito forte entre você e Ereshkigal, como tudo<br />

o que partilharam, a qualidade dos momentos que juntos passaram. Você não poderá nunca mais<br />

esconder-se dela, pois Ereshkigal com certeza segui-lo-á, onde quer que for! Desta vez, você não poderá<br />

escapar.<br />

- Mas eu mesmo não sei se na realidade quero me escapar de Ereshkigal, respondeu Nergal cripticamente.<br />

Só estou pedindo algum tempo para pensar, antes de decidir trocar definitivamente o Mundo das Alturas<br />

pelas Grandes Profundezas.<br />

Enki sorriu, entendendo muito bem o dilema de Nergal. Uma vez, há muito tempo, também ele tinha sido<br />

tentado para fazer a mesma escolha, também por amor a Ereshkigal. A sinceridade do teimoso e ardente<br />

deus da guerra venceu as graças de Enki, afinal:<br />

- Eu entendo, bem mais do que possas imaginar, Nergal. Mais uma vez, vou ajuda-lo. Espalhe estas águas<br />

sagradas, com mágica abençoadas, pelo corpo. Elas irão disfarçar sua face e aspecto geral, de forma que<br />

Ereshkigal ou um dos seus não possa reconhecê-lo.<br />

Nas Grandes Profundezas, antes do raiar da aurora, do seu posto de guardião, Namtar viu a fuga de<br />

Nergal. O fiel conselheiro imediatamente tentou seguir o deus guerreiro, mas a agilidade e rapidez de<br />

Nergal eram incomparáveis. Atônito e desapontado, Namtar foi até a sua rainha para relatar o ocorrido. Ele<br />

encontrou Ereshkigal ainda dormindo:<br />

- Minha senhora, acorde! O deus que veio às Grandes Profundezas , de visita, antes da aurora, como um<br />

ladrão, um criminoso e bandido, partiu, sem a ninguém avisar. Como um fantasma ele se esgueirou pelos<br />

portais do Mundo Subterrâneo, como um espirito ele desapareceu, sem ser visto! Tentei segui-lo, mas ele<br />

foi mais rápido do que eu, e aqui estou, trazendo-lhe novas tão tristes, de alguém que mais uma vez minha<br />

senhora e rainha ofendeu!<br />

Ereshkigal despertou, viu a face transtornada pelo pesar do sábio conselheiro, ouviu o que ele tinha para<br />

lhe dizer, e tocou o leito vazio, prova maior de todos os acontecimentos. Dor, tristeza, desapontamento<br />

sentiu a deusa neste momento.<br />

- Nergal, Erra, como pudeste antes da aurora desaparecer? Ainda não me cansei de tuas caricias, o que te<br />

fiz para tanta desconsideração merecer? Onde está o meu amante fogoso e escolhido do meu coração? Por<br />

que me declaraste guerra, se desta vez, bem sabes, derrotada por ti não vou ser?<br />

Lágrimas quentes escorreram pela face da deusa. Elas tocaram profundamente o coração de Namtar.<br />

- Minha rainha, mandai-me de volta ao Mundo das Alturas, deixai-me trazer para minha deusa aquele que<br />

antes da aurora fugiu!<br />

Com um movimento altivo e zangado, Ereshkigal secou as lágrimas que teimavam escorrer de seus olhos:<br />

- Você tem razão, Namtar. Eu não vou mais perder tempo com lágrimas por quem não as merece, ou<br />

mesmo esperar para que Nergal volte para mim desta vez! Suba, imediatamente, meu fiel conselheiro! Você<br />

deve falar com Anu, Enlil e Enki, e dizer-lhes que desde que era menina, desde que escolhi o Mundo<br />

Subterrâneo como meu reino, não tive mais a oportunidade de brincar como as outros deuses e deuses


incaram, ou os prazeres de crescer e ver o mundo das alturas também amadurecer. Minha foi a escolha<br />

de manter o equilíbrio entre as trevas e a luz, minha foi também a escolha pela solidão, que aceitei de livre e<br />

espontânea vontade, tornando-me deste mundo a guardiã. Mas um dia, um deus veio até mim, primeiro<br />

cheio de ansiedade e medo, mas logo depois entre ele e eu nasceu um grande desejo, uma paixão, um<br />

amor. Agora, eu carrego dentro de mim a semente deste fogoso amor. Nergal é o nome deste deus! Que<br />

ele, que partilhou da minha mesa e do meu leito, volte para viver comigo como meu amado! E se os deuses<br />

das Alturas Superiores não mandarem este deus até mim, de acordo com os ritos deste mundo do qual sou<br />

soberana e rainha, irei levantar os mortos e estes subirão ao Mundo das Alturas para superar o número dos<br />

vivos! E que seja feito segundo a minha vontade, agora e para sempre!<br />

Namtar apressou-se a cumprir o mandato de Ereshkigal. Ele subiu a longa Escadaria dos Céus, seguindo<br />

com segurança e presteza rumo aos aposentos da Grande Assembléia dos Deuses das Esferas Superiores,<br />

onde encontrou Anu, Enlil e Enki. Os grandes deuses perguntaram a Namtar o que o trazia novamente ao<br />

Mundo das Alturas.<br />

- Grandes deuses, senhores e protetores de todas as alturas! Saudou-os Namtar. Novamente venho a<br />

vossas augustas presenças em nome de minha soberana e rainha, a grande deusa do Mundo Subterrâneo,<br />

para entregar-vos uma mensagem de grande importância. Minha rainha diz que desde que era que era<br />

menina, desde que escolheu o Mundo Subterrâneo como seu reino, ela não teve mais a oportunidade de<br />

brincar como as outras deuses e deuses brincaram, ou os prazeres de crescer e ver o mundo das alturas<br />

também amadurecer. Dela foi a escolha de manter o equilíbrio entre a escuridão e a luz, dela foi também a<br />

escolha pela solidão, que aceitou livre e espontaneamente, tornando-se a fiel guardiã do Mundo<br />

Subterrâneo para todos os deuses e deusas, seus iramos. Mas um dia, um deus veio até ela, primeiro cheio<br />

de ansiedade e medo, mas logo depois entre ele e minha rainha nasceu um grande desejo, uma paixão, um<br />

profundo amor. Agora, minha Senhora carrega dentro dela a semente deste fogoso amor. Nergal é o nome<br />

deste deus! Que ele, que partilhou da mesa e do leito da Grande Deusa Ereshkigal, volte ao Mundo<br />

Subterrâneo, para reinar ao seu lado! E se os deuses das Alturas Superiores não mandarem este deus até<br />

minha senhora, de acordo com os ritos das Grandes Profundezas da qual ela é soberana e toda-poderosa,<br />

aos mortos será dada vida para que subam ao Mundo das Alturas para superar o número dos vivos! Esta é<br />

a vontade da minha senhora: que todos dela estejam cem por cento cientes!<br />

No silêncio que se seguiu, Enki foi o primeiro a recuperar a voz e dirigir-se a Namtar:<br />

- Entre, Namtar, e cumpra as ordens de sua senhora. Encontre o que veio procurar... se puder achar!<br />

Namtar entrou novamente na companhia dos deuses e deusas dos Mundos das Alturas. Como da vez<br />

anterior, à sua entrada, todos os deuses e deusas saudaram-no com o maior respeito.<br />

- Mais uma vez venho a vossa presença, para levar aquele que dentre vós chama-se Nergal e conduzi-lo à<br />

presença de minha rainha.<br />

Ato continuo, Namtar passou a examinar todos os deuses e deusas presentes, para Nergal e somente<br />

Nergal identificar.<br />

- Não sois vós, nem vós também! Eu não reconheço em vós a face de Nergal, o deus a quem venho buscar,<br />

disse Namtar, à medida em que com cuidado e atenção fitava os rostos voltados silenciosamente para ele.<br />

Chegou o momento em Namtar postou-se respeitosamente frente a Nergal. Um silêncio eletrizante tomou<br />

conta da Assembléia, mas a mágica de Enki, o poder da Ilusão, manteve-se firme e imperturbável.<br />

Entretanto, os olhos do ministro de Ereshkigal não conseguiram encontrar os do deus em disfarce, que tudo<br />

fez para fugir, evitar o escrutínio silencioso, calmo e cuidadoso de Namtar.<br />

‘ Estranho este jovem deus fugir do meu olhar, nervoso o seu comportamento, como se algo tivesse a<br />

esconder, pensou Namtar. Mas dele também não é a face a qual devo reconhecer e `a minha senhora nas<br />

Grandes Profundezas levar. ‘<br />

- Não, eu não reconheço dentre todos aqui reunidos a face de Nergal, o deus que saiu do Mundo<br />

Subterrâneo na calada da noite, tal qual um ladrão, escondido, concluiu finalmente Namtar, extremamente<br />

desapontado.


O conselheiro de Ereshkigal dirigiu-se então a toda assembléia:<br />

- Meus sinceros agradecimentos aos grandes deuses dos Mundos das Alturas, despediu-se Namtar. Não<br />

pude, porém, o deus que vim procurar aqui encontrar. Mas mesmo não tendo cumprido minha missão, devo<br />

à minha rainha imediatamente retornar.<br />

Namtar retirou-se em grande estilo para retornar `as Grandes Profundezas, seguindo de imediato até<br />

Ereshkigal para relatar o seu insucesso.<br />

- Minha Senhora, tudo fiz conforme me foi pedido: retornei aos céus de vosso pai, o Grande Deus do<br />

Firmamento, à Assembléia dos Anunaki para procurar Nergal. Mas por mais que procurasse em todos os<br />

locais sagrados e profanos, não pude encontrá-lo, apesar de ter olhado com atenção as faces de todos os<br />

deuses, os Anunaki das Alturas. Entretanto, devo dizer que dentre eles, havia um jovem deus que fez todo<br />

possível para me evitar, não me olhando nos olhos, parecendo nervoso e agitado. Mas a face que meus<br />

olhos cuidadosamente fitaram com certeza não era a do deus a quem nas alturas procurei.<br />

- Estavam mesmo todos os deuses presentes, Namtar? Inquiriu Ereshkigal.<br />

- Com toda a certeza, minha rainha.<br />

- Mas só um dentre eles estava nervoso e agitado... Este provavelmente era Nergal, com certeza em<br />

disfarce ou protegido por alguma ilusão para não ser reconhecido por você, meu fiel vizir e companheiro,<br />

raciocinou Ereshkigal. Mas não nos deixaremos dar por vencidos, pois minha forca agora Nergal vai ter de<br />

conhecer! Volte, Namtar e faca o possível e o impossível para trazer de volta Nergal até mim, sob qualquer<br />

disfarce, feição ou arte! Com certeza foi Enki, meu astuto irmão, que fez alguma mágica para a proteção de<br />

Nergal. Desta vez, caro conselheiro, seja todo olhos e ouvidos, para não ser enganado por magica, ilusão,<br />

ou qualquer outra arte! Parta já, neste momento, com o dom que lhe concedo de ver além das aparências,<br />

enxergar alem do invólucro de tudo e todos a essência!<br />

- Eu ouço e obedeço, minha senhora.<br />

Namtar fez uma profunda reverência e imediatamente desapareceu, retornando `as Esferas Superiores. De<br />

volta `a Assembléia, na presença de todos os Anunaki das Autoras, Namtar ergueu a voz para dizer::<br />

- Grandes deuses e deusas, Anunaki das Alturas, eu vos saúdo mais uma vez em nome de minha rainha, a<br />

toda-poderosa Ereshkigal das Grandes Profundezas! Eu subo até os grandes deuses e deusas com a<br />

missão de levar de volta ao Mundo Subterrâneo o deus que partiu sem se despedir de minha rainha, que<br />

abandonou o Mundo Subterrâneo da forma mais covarde e desgraciosa, tal qual um ladrão e criminoso,<br />

esgueirando-se na calada da noite, fugindo para não ser apreendido. Em nome de minha senhora, eu<br />

conclamo a Nergal, o deus da Guerra e de todas as doenças, para com coragem dirigir-se à presença de<br />

minha grande rainha! De onde estiver Nergal, o deus que amou e abandonou Ereshkigal, eu conclamo que<br />

a todos agora, de imediato apareça! Será que o deus que à minha senhora se apresentou já dela e do que<br />

compartilharam juntos se esqueceu? Sete dias e seis noites de amor, carinho e paixão nas Grandes<br />

Profundezas para ele nada significaram? Eu exijo em nome de minha senhora as devidas reparações!<br />

Nergal, deus da Guerra que um dia ao Mundo Subterrâneo por sua livre e espontânea vontade desceu,<br />

vossa presença é de novo exigida nas Grandes Profundezas, para todo e qualquer mal-entendido<br />

esclarecer. Ao comer e beber da mesa de minha senhora, sentar-vos ao lado dela, compartilhar do leito<br />

sagrado e impregná-la com sua semente, um elo entre o deus da guerra e a rainha do Mundo Subterrâneo<br />

foi de forma indelével criado. Em nome de minha rainha, da Grande Ereshkigal, eu conclamo Nergal, o deus<br />

da guerra, para tudo com minha deusa esclarecer!<br />

Nergal não pôde ficar indiferente às palavras de Namtar, ao discurso apaixonado do fiel ministro e<br />

conselheiro de Ereshkigal. Com alegre surpresa, o corajoso deus da guerra percebeu que estava disposto a<br />

se render incondicionalmente, corpo, mente, coração e espirito, à Ereshkigal, não apenas por um momento,<br />

mas por toda a eternidade e além! Com esta grande certeza, em passos longos e resolutos, Nergal foi até<br />

Namtar:<br />

- Não, Namtar, eu não me esqueci de Ereshkigal! Eu posso tê-la deixado, mas certamente sempre pretendi<br />

voltar ... quando tivesse certeza dos desígnios do meu coração, sem outros encorajamentos ou coação!<br />

Bem, irei provar uma coisa a Ereshkigal: ela ter-me-á como companheiro e consorte, mas não como um<br />

fantoche na palma da sua mão! Em verdade, em verdade eu afirmo que Ereshkigal pode ser a Soberana do


Mundo Subterrâneo, mas eu exijo ser tratado como seu igual, deus e companheiro. Agora sou eu que vou<br />

até ela, abrindo todos os portais mais cerrados e tudo fazendo para ensinar uma lição à minha grande<br />

rainha e senhora do meu ardente coração!<br />

De imediato, Nergal cumpriu a sua palavra, pois começou a longa e árdua descida para o Mundo<br />

Subterrâneo. Desta vez, a cada portal, Nergal não mais pediu, mas exigiu passagem, em voz calma mas<br />

cheia de autoridade. Como quem chegou para ficar Nergal desceu, como um soberano, ciente de seus<br />

direitos e deveres, ele prosseguiu sem pestanejar, não ouvindo as provocações dos guardiões dos portais,<br />

os quais não cessaram de testar as reais intenções de Nergal. Pela primeira vez, o Deus da Guerra, o<br />

Beligerante Nergal ignorou provocações, não perdeu a paciência, manteve seu temperamento bravio sob<br />

controle para mais depressa chegar até Ereshkigal, onde quer que ela estivesse.<br />

No limiar de cada um dos Sete Portais, clamou Nergal:<br />

- Guardião do Portal! Que me seja concedida passagem! Aqui quem lhes fala é Nergal, o Deus da Guerra,<br />

que, entretanto, neste momento com ninguém quer brigar, somente exigir passagem, para no Mundo das<br />

Profundezas poder entrar. Eu desço por minha livre e espontânea vontade, eu escolho pelo desejo do meu<br />

coração e anseio da minha alma para Ereshkigal voltar. E agora, sem parar para discutir ou problemas<br />

causar, eu sigo em frente! Repito: quero o direito de passagem, sem confusões ou demoras, desde já.<br />

Tanta confiança valeu, realmente, a Nergal o direito de passagem. E à medida em que Nergal avançava,<br />

alegria e confiança entraram o coração do deus guerreiro. Seus pés passaram a correr pela antecâmara de<br />

Ereshkigal, correndo ele subiu as escadarias que levavam ao trono mais alto do Mundo Subterrâneo.<br />

Como de sempre, silenciosa, magnífica, lá estava sentada Ereshkigal. Ao vê-la novamente, o mundo parou<br />

e tudo fez sentido derepente. Surpreso e feliz, Nergal parou, e as palavras como torrente saíram de seus<br />

lábios, do seu coração, corpo e mente:<br />

- Eu voltei, adorada, agora para ficar, pois descobri que aqui, contigo é o meu lugar.<br />

Para Ereshkigal, o mundo também parou ao ver Nergal entrar, tudo voltando alegremente ao seu lugar ao<br />

ouvir o que ele tinha a lhe dizer ao chegar. Bom humor porém venceu a batalha de emoções que rugia<br />

dentro de Ereshkigal: antes de Nergal ter a paz dos braços dela, algo de rendição ele teria com certeza de<br />

mostrar!<br />

- Então voltaste para mim, meu deus.... de tua livre e espancada vontade?<br />

Ele já devia saber que Ereshkigal não iria recebê-lo imediatamente de braços abertos. Não sem alguma<br />

luta, algum esforço da parte dele. Mas ela realmente valia todas as batalhas. De fato, Ereshkigal era todos<br />

os troféus.<br />

- Eu por acaso te disse que não voltaria?<br />

- Não, como também não me disseste que irias partir.... retrucou Ereshkigal.<br />

O tom levemente irritado de Ereshkigal, sem dúvida uma de suas mais deliciosas características, era traído<br />

pelo sorriso que ela não tentava mais esconder. Nergal riu também, e não pôde mais resistir. Venceu os<br />

passos que faltavam para chegar até ela, mergulhou as mãos nas longas madeixas de ébano e selou-lhe os<br />

lábios com um beijo apaixonado.<br />

- Mesmo sabendo o quão impossível, autoritária e inflexível tu és, adorada, sim, eu voltei para ti, desta vez<br />

para não mais te deixar. Tens estado por tempo demais sozinha nas Grandes Profundezas, minha querida.<br />

Portanto, eu por aqui irei ficando. Contigo no Mundo Subterrâneo, não como espirito cativo, mas como teu<br />

consorte, para julgar os casos dos deuses e dos vivos ao teu lado. Mas antes de me aceitares, deixa-me<br />

fazer algo que deveria ter feito ao chegar. Não agora, mas da primeira vez que desci até ti.<br />

Nergal foi até os aposentos que havia compartilhado com Ereshkigal, em busca do trono que com suas<br />

mãos havia esculpido, o trono de madeira sagrada, e colocou-o ao lado do trono da Grande Rainha do<br />

Mundo Subterrâneo. Com a mais perfeita cortesia, ele sorriu para ela, e com um joelho ao solo, pediu-lhe<br />

formalmente a mão::


- Tu me aceitas como teu consorte, minha amada e rainha? Para reinar a teu lado, ser teu companheiro,<br />

amante e dos amigos, o melhor e mais querido?<br />

- Sabes o que estás pedindo? Perguntou Ereshkigal, com a franqueza e seriedade que a caracterizavam.<br />

De todo coração, Nergal, com toda franqueza, podes me dizer que compreendes realmente o que significa o<br />

grande passo, a grande escolha que estás ora fazendo?<br />

Nergal prendeu a respiração, pois sabia que Ereshkigal, em sua grande generosidade, estava-lhe<br />

oferecendo a liberdade, caso ele assim o quisesse. Mas ele, o invencível deus da guerra, havia-se rendido à<br />

deusa das Grandes Profundezas. Em rendição total e absoluta.<br />

- Tu queres a verdade, e somente a verdade mais pura terás de mim. Tu, o teu mundo é a Escolha que eu<br />

faço pelo exercício da minha mais alta vontade, do desejo mais profundo da minha alma. Sinto-me pronto<br />

para ser o teu parceiro, consorte, amigo e companheiro, pelas regras do teu mundo e de quantos outros<br />

julgares necessário. E’ meu desejo ajudar-te a julgar os casos trazidos a ti, para que o equilíbrio e a justiça<br />

possam ser restabelecidos em todos os mundos. Esta é a escolha que com toda liberdade faço, seguindo a<br />

Mais Elevada Vontade do meu coração, o Desejo da minha alma. Oh, minha rainha, Senhora da Justiça dos<br />

Ancestrais, por ti eu desisto do meu lugar entre os deuses das Esferas Superiores. Desisto sem tristezas,<br />

desobrigado de laços ou qualquer outro peso, pois desde o Inicio dos Tempos, minha foi a mais severa de<br />

todas as obrigações, a mais pesada de todas as cargas, pois a mim coube ensinar à humanidade o amor, a<br />

saúde, a riqueza e a paz através dos horrores da perda, dor, pobreza e guerras causadas pela estupidez da<br />

própria humanidade. Longa e solitária foi a minha jornada até agora, até te encontrar. Por tudo isto, eu te<br />

peço humildemente, minha amada e grande senhora, pelo privilégio de dividir contigo a imensa carga que é<br />

julgar os vivos e os mortos para efetuar todas as curas, fechar todas as feridas e restabelecer todos os<br />

equilibrios perdidos em todos os mundos!<br />

Em seguida, Nergal, apresentou a Ereshkigal os símbolos que definiam o seu poder nas Esferas<br />

Superiores, o cetro com a cabeça de leão e a cimitarra.<br />

- Como prova da sinceridade de minhas palavras, do peso de verdade dos votos que faço a ti, coloco os<br />

símbolos do meu poder a teu serviço. Quero agora erguer bandeiras sem matar, ser o vento da mudança<br />

que provoca crescimento e desperta em todos a confiança de ousar e agir para somente construir.<br />

A face de Ereshkigal irradiava imensa felicidade ao receber o cetro e a cimitarra de Ningal. Com graça,<br />

reverência e gentileza, ela colocou tanto um quanto o outro nos braços do trono de Nergal, antes de voltarse<br />

para ele:<br />

- Os símbolos que colocaste a meu serviço a ti são devolvidos para que os possa usar com equilíbrio<br />

quando ao meu lado os casos dos vivos e dos mortos julgar. Nergal, amor do meu coração, companheiro da<br />

minha alma solitária, eu te dou as boas-vindas ao meu reino e te recebo com a alegria de mãos se<br />

encontrando, com a ternura de amantes se beijando. Por isso, agora eu te pergunto: o que estás<br />

esperando? Quero já’ o meu abraço e teu melhor beijo! Agora!<br />

Nergal não precisou de maiores encorajamentos, e com beijo longo e molhado, os votos do deus da Guerra<br />

e da rainha das Grandes Profundezas com muito amor foram selados.<br />

Momentos depois, Namtar chegou, e vendo os deuses abraçados, parou, contente, mas também um pouco<br />

embaraçado:<br />

- Minha senhora, meu senhor, as minhas mais sinceras desculpas!<br />

Nergal, ainda abraçando Ereshkigal, responder a Namtar:<br />

- Chegaste em boa hora, fiel Namtar. Mais do que depressa, suba até as Alturas Superiores e diga a Anu, o<br />

grande deus do Firmamento, que doravante não deixarei mais o Mundo Subterrâneo, não viverei mais nas<br />

Esferas Superiores, para ficar para sempre com minha amada Ereshkigal. E que faço esta escolha de minha<br />

livre e espontânea vontade, e muito mais. Pois tendo descoberto nela a verdade maravilhosa que sempre<br />

soube um dia ter de encontrar, com a grande Ereshkigal e no Mundo Subterrâneo para sempre quero ficar.


- E que todos saibam que o Mundo Subterrâneo também é o Mundo da Redenção, Paixão, Equilíbrio e Paz<br />

que Restauram todos os mundos, devolvendo o Brilho Exterior a tudo que foi, é e virá! Completou<br />

Ereshkigal.<br />

Namtar retornou às Esferas Superiores para mais uma vez levar uma mensagem para os Deuses dos<br />

Mundos de Cima. A voz do fiel vizir e conselheiro de Ereshkigal ecoou alta, clara e alegre em todos os<br />

quadrantes dos Mundos das Alturas:<br />

- Grandes Deuses e Senhores das Esferas das Alturas! Mais uma vez venho até vós, a mando de minha<br />

rainha, Ereshkigal, e de seu amado consorte, o Deus Nergal. Ele, o Deus da Guerra, agora também meu<br />

senhor, escolheu ficar no Mundo Subterrâneo e tornar-se Juiz dos seres que lá chegarem. Como verdadeiro<br />

Parceiro e Companheiro da grande deusa Ereshkigal, com ela ele irá compartilhar das responsabilidades de<br />

reinar sobre o Mundo Subterrâneo. Neste momento, com grande alegria, eu vos convido para dar saudar a<br />

Ereshkigal e Nergal, Soberana e Soberano do Mundo Subterrâneo! Que em todos os mundos e esferas seja<br />

sabido que Um Amor Profundo existe e vigora no Mundo das Grandes Profundezas, e que a Justiça Divina<br />

prevalece em todas as esferas para fazer brilhar a luz do Espirito, Realidade Sutil que tudo de amor inflama<br />

e enche de fulgor!

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